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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


Programa de Pós Graduação em História
Disciplinas: História e Sociabilidade
Professora Dra. Dalila Müller

Convivência Punk em diferentes cenas undergrounds.

Resumo:
O presente trabalho visa, através dos textos selecionados, expor as
particularidades do ambiente de convivência dos grupos punks, o underground,
em diferentes cidades do Brasil. Para isso, busca-se partir da inserção dos
conceitos e definições que a temática da sociabilidade trouxe para o campo da
pesquisa em História através de Maurice Agulhon e Georg Simmel, trazer
novas reflexões para as discussões trazidas anteriormente pelos autores
selecionados.
Palavras-chave: Punk; underground; Brasil; sociabilidade.

Abstract:
The present work aims, through the selected texts, to expose the
particularities of the living environment of punk groups, the underground, in
different cities in Brazil. For this, we seek to start from the insertion of the
concepts and definitions that the theme of sociability brought to the field of
research in History through Maurice Agulhon and Georg Simmel, to bring new
reflections to the discussions previously brought by the selected authors.
Keywords: Punk; underground; Brazil; sociability.
Introdução:

Entende-se o punk como um estilo de vida, esse marcado, pelo protesto,


sendo esse o confronto direto ou apenas existir fora do padrão instaurado pela
sociedade e pelo sistema econômico vigente.

Afinal para ser considerado punk é necessário a assimilação de “bens


culturais”, que estão relacionados ao estilo punk, tais como elementos
musicais e visuais? Ou ser punk é algo que se constitui através da
vivência no grupo, sendo que cada grupo possui vivências distintas,
marcadas pela sua trajetória particular?” (VIEIRA, 2011. pág. 2.).

Pode se definir o indivíduo punk a partir do que Theodor W. Adorno (2002.


pág. 45.) chama de “crítico da cultura” que “não está satisfeito com a cultura,
mas deve unicamente a ela esse seu mal-estar. Ele fala como se fosse o
representante de uma natureza imaculada ou de um estágio histórico superior,
mas é necessariamente da mesma essência daquilo que pensa ter a seus pés”.
Um crítico da cultura é um agente histórico que atua sob a justificativa do seu
descontentamento com os costumes, hábitos e comportamentos, que de alguma
forma o oprime, e assim “a insuficiência do sujeito que pretende, em sua
contingência e limitação, julgar a violência do existente – uma insuficiência tantas
vezes denunciada por Hegel, com vistas a uma apologia do status quo”
(ADORNO, 2002. pág. 45.), ou seja, a cultura para esse agente “torna-se
insuportável quando o próprio sujeito é mediado até a sua composição mais
íntima pelo conceito ao qual se contrapõe como se fosse independente e
soberano” (ADORNO, 2002. pág. 45).
O punk, segundo Graig O’Hara (2005, pág. 44.), está em três definições
que devem ser mencionadas por serem verdadeiras e relevantes, sendo elas: “O
punk é uma tendência da juventude”, “O punk é rebeldia com fibra e mudança”
e “o punk é uma formidável voz da oposição”, ou seja, é evidente o protagonismo
da juventude frente ao movimento, da sua origem ao seu apogeu, com o
descontentamento com o status quo, como justificativa para a mudança
pretendida.
O punk rock, é uma das manifestações do punk, ou seja, uma das suas
ferramentas de expressão, através da música, especificamente do rock, tocado
de maneira rápida, agressiva e/ou com as letras carregadas de protestos e
denúncias a respeito da realidade vivida pelos seus interlocutores. Tais
características da música punk possui algumas explicações, como a falta de
habilidade apuradas em termos técnicos de seus autores, aspectos responsáveis
pela sua diferenciação e destaque em relação ao que era feito na música até
então. Por um lado, o punk rock é um movimento de contestação, de rebeldia.
Por outro, simplesmente um gênero musical, uma “[...] denominação dada às
bandas inglesas que em 76/77 começavam a fazer um tipo de som que
arremessava o rock para novas direções e numa virada tão extrema que tornou
nostálgica qualquer retomada” (CAIAFA,1985. pág. 9.). É inegável que a partir
do gênero musical criado pelas bandas precursoras, surge o movimento em si e
tudo que o acompanha: “Pela atitude musical e política, isso: o punk veio para
não salvar nada (nem a si mesmo) [...]” (CAIAFA,1985. pág. 9).

Na verdade, a música punk ficou conhecida mais pelo seu aspecto


rebelde e agressivo do que pela habilidade musical das bandas. Os
músicos daquele contexto eram jovens que queriam tocar rock à sua
maneira, trazendo como temática aquilo que eles viviam, o que tornou
o punk rock uma música de cunho popular. (MELÃO, 2010. Pg. 86.)

Como dito anteriormente, uma das particularidades do punk rock está na


forma direta dos versos, em mensagens explicitas, denunciantes e
contestadoras, representativas das ideias políticas do movimento punk. No
Brasil, esse enfretamento se dava como crítica ao contexto em que o país vivia,
politicamente e artisticamente. O punk brasileiro, discordava do que estava sendo
feito pela Música Popular Brasileira, que na sua opinião idealizava a situação
corriqueira e desagradável da conjuntura, marcada pelas consequências da
ditadura civil-empresário-militar, pois “a canção de protesto brasileira era feita por
burgueses que fazem sucesso com a romantização da pobreza e dos pobres, ou
seja, da realidade majoritária do povo brasileiro” (BIVAR, 1983. pág. 102.). Ao
contrário desses artistas, as correntes mais críticas do punk, “chocaram-se de
frente com a ditadura o que lhes valeu perseguições policiais e censura a
interromper um fluxo natural de suas produções, além, é claro, da criminalização
pela imprensa e pela mídia.” (GALLO, 2010. pág. 289.). O punk ainda colide com
à alienação que o próprio rock sofria, com a psicodelia se esgotando em si
mesma, e abandonando o caráter contestador do gênero musical. Sendo assim,
“o punk como manifestação cultural surge, em princípio, como uma resposta a
essa mercantilização do rock. Tratava-se de uma volta às origens rebeldes desse
estilo musical”. (MELÃO, 2010, pág. 86.).
O punk não possui uma definição exata que realmente traduza o que ele
significa, principalmente por se tratar de um movimento cultural com
especificidades estéticas e políticas que fazem do mesmo ser a manifestação
complexa que é , porém suas características fazem com que este, faça parte de
um conjunto de culturas semelhantes, o denominado underground. Surgido na
década de 1960 nos Estados Unidos, esse berço dos movimentos contestatórios
pré-punk, e que recebe o seu nome por se tratar de “[...]um termo inglês que
significa “subterrâneo”, e que “[...]refere-se aos produtos e manifestações
culturais que fogem dos padrões comerciais.” (MAIA, 2014. pág. 37.).
A cultura underground musical, foi o berço do movimento na maioria das
localidades onde o movimento ocorreu, isto se dá pelo fato do que o mesmo
“caracteriza-se pela proposta subversiva, ou seja, de oposição à ordem social.
Traz elementos críticos sobre a cultura e a sociedade, uma vez que se opõe ao
establishment1.” (CARVALHO; NUNES. 2014. pág. 205.)
Por sua parte Neto entende o punk e a sua relação com o ambiente que o
rodeia:
como uma identidade cultural surgida nessa articulação do global com
o local... uma identidade transterritorial, mas que acaba se inserindo
na paisagem social urbana e se territorializando na cidade
fragmentada, a ponto de ser possível identificar seus locais
preferenciais de manifestação – eleitos pela articulação das
possibilidades de apropriação com as imagens e o clima destes locais.
(NETO, 2001. pág. 207)

1A ordem estabelecida em uma sociedade ou um Estado.


Consultado em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/establishment/
A partir das reflexões trazidas até o momento, compreende-se, mesmo
que parcialmente, quem é o punk e que o mesmo possui espaços de convivência
e de atuação, sejam eles shows, praças ou até as ruas, espaços de sociabilidade
que compõem o underground. É possível fazer tal afirmação graças à visão de
Simmel:
(...) “sociedade" propriamente dita As formas nas quais resulta esse
processo ganham vida própria. São liberadas de todos os laços com
os conteúdos; existem por si mesmas e pelo fascinio que difundem pela
própria liberação destes laços. É isso precisamente o fenômeno a que
chamamos sociabilidade (SIMMEL, Georg. In:MORAES FILHO,
Evaristo de (Org.),1983. pág.170)

A partir das definições sobre o que é punk e o que é ser punk, além do
contexto histórico e cultural trazido, surge a razão para as análises trazidas pelo
presente trabalho, pois é através desses que se busca compreender a
importância do underground brasileiro tendo a sua sociabilidade como
referência.
O “under” de Teresina (PI)

Para trazer as referências sobre a cena2 underground da capital Piauiense


recorro a dissertação de mestrado em História do Brasil de Heitor Matos da Silva
“É QUE NOSSOS CORAÇÕES PREFEREM A AUTO-CORROSÃO: UMA
HISTÓRIA DE VIVÊNCIAS ANARCOPUNKS EM TERESINA” que além de
possuir o punk como objeto de pesquisa, nesse caso o anarcopunk, se utiliza da
metodologia da história oral e suas fontes. Além das entrevistas, o autor também
utiliza as fanzines3 produzidas pelos grupos no período estudado como fontes, e
realiza ao decorrer do trabalho à análise dessas.
Através da reconstrução das narrativas é mostrado partes do cotidiano
dos espaços frequentados pelos punks e a sociabilidade desta, como a interação
dos punks com outros grupos subculturais como os headbangers e darks, e até
com os indivíduos de” fora”, os códigos de conduta e regras que “regiam” esse
meio, além das tensões envolvendo o “bairrismo” e as poucas mulheres que
frequentavam o meio.
O autor trás conclusões pertinentes sobre o compartilhamento desses
espaços, nesse caso, a interação dos punks com os headbengers4 e a troca de
influencias entre os mesmos como pode ser visto a seguir:
Conforme aponta o entrevistado, antes mesmo de aparecerem os
primeiros punks, o metal já havia se constituído com força na juventude
da cidade e muitas pessoas que adentraram no universo do
anarcopunk vivenciaram inicialmente a estética extrema do metal, bem
como dividiram espaços de sociabilidade e mantiveram entre si um
espírito de união e colaboração mútua (SILVA, R. 2016. pág.28)

2
Maneira como se é referido o underground entre os membros do mesmo.
3 Fanzine é a fusão dos termos fanatic e magazine. Esta mídia feita por meio de bricolagem de
imagens e textos constitui uma importante ferramenta de comunicação entre punks do mundo
todo. Definição usada pelo autor.
4 Headbangers são sujeitos que apreciam o metal pesado e adjacentes. O termo surgiu do fato

de que nos shows esses sujeitos literalmente “batiam cabeça” para as músicas. Possuem um
visual bem específico: costumam se vestir de preto, ter cabelos compridos e usarem coturnos.
Definição usada pelo autor.
Aqui fica visível como as relações entre os diferentes grupos pertencentes ao
mesmo meio pode resultar em manifestações diferentes. O autor ainda traz:

Essa relação de pertença apontada pelo entrevistado aglutina os


metaleiros num mesmo sentimento de grupo, num sentimento por
vezes paradoxal de irmandade e união contra um mal maior, as normas
pré-estabelecidas. A questão é que ao se delimitar essas duas
vertentes em um conceito tão complexo como o de tribos urbanas,
dados os profundos debates no âmago das ciências sociais, é
apodítico, por meio da fala do entrevistado, que o conceito de tribo
urbana incide sobre o metal. O punk, apesar de se inscrever,
compartilhar espaços, dividir inimigos em comum, se unia, mas
mantinha suas especificidades, seja no visual ou na atitude. (SILVA, R.
2016. pág.28)

O que pode ser visto na “cena” de Teresina pode ser chamado de


sociabilidade informal, e assim deve ser estudada tendo isso em mente, e,
portanto:
(...)superar la lectura de una clase social únicamente em clave de
patrimonios familiares, cantidades de capital transmitidas en herencia,
o redes de parentesco y de influencia determinadas por los
matrimonios o la presencia de determinados apellidos en los consejos
de administración de las empresas; o a quienes, simplemente, estén
habituados a contextualizar la dinámica social y los conflictos em
oposiciones binarias — burguesía/proletariado, por ejemplo— sin
contemplar, más allá de algunas referencias retóricas, la complicación
que suponen las alianzas o la permeabilidad ocasional mostrada con
las clases medias, o la impregnación de los ideales y la weltanschaung
de la nobleza. (URÍA, 2008. pág.35)

Ainda sobre os vínculos identitários forjados nas sociabilidades expostas e as


relações interpessoais entre os indivíduos pertencentes ou, os que almejavam
pertencer a esses meios, o autor trás:

Constituir um território, um espaço para fechar-se em uma proposta,


desencadear por meio de códigos de conduta o desgaste do individual
em prol de um engajamento para compreender e problematizar os
valores e normas e consequentemente estetizar a vida em
discordância de comportamentos pré-estabelecidos. Para este caso,
vale a prerrogativa dos ritos de passagem, testes que desencadeiam
essa coesão tribal. Essas manifestações incitam nesses jovens a
descoberta de uma identidade, um elemento que os vincule sob a égide
da pertença num grupo (SILVA, R. 2016. pág.29)

Segundo Caiafa (1989, p. 43), “(...)a ideia de que o movimento se


amplie, de que entrem mais pessoas, é atravessada por outros desejos porque,
pelo próprio funcionamento do grupo, não é fácil estar entre eles. A situação
não é, portanto, favorável a qualquer atitude, existe um rigor punk que faz
exigências.”
A partir das informações e reflexões trazidas pelo autor é possível
reconstruir um pouco da realidade do “under5” musical de Teresina durante o
período de formação dos grupos anarcopunks, e assim compreender suas
sociabilidades, essas caracterizadas por especificidades de seus envolvidos e
seus ambientes de convivência, além de proporcionar a oportunidade de analisar
as consequências de tal.

O underground Carioca (Rio de Janeiro – RJ)

Para buscar reconstruir a “cena” do Rio de Janeiro, trago como referência


a dissertação de mestrado em Ciências Sociais” O underground punk do Rio de
Janeiro na década de 1980 como sociabilidade urbana” de Dylan Fernando de
Oliveira (2016) que traz em sua pesquisa à análise em relação à formação do
underground na cidade e de que forma o punk foi assimilado pela juventude em
momento de crise, contexto favorável para o surgimento do mesmo em diversos
lugares, tanto no seu berço, a Inglaterra, como em todo o Brasil. Além disso, o
trabalho faz uma verificação da produção punk, das músicas e os zines, revistas
com publicações não profissionais e não oficiais, produzidas por entusiastas da
cultura particular, de forma independente e amadora, e que expressava a reação
da juventude em relação ao seu cotidiano no subúrbio, esse preenchido pela
violência, a fome e o descaso do Estado. Este também confirma que o punk
carioca é o punk da periferia, local da onde viria a irromper o movimento em
várias localidades do país.
Além das definições já citadas, pode-se afirmar que sociabilidade está “na
aptidão de homens para interagir em grupos mais ou menos estáveis, mais ou
menos numerosos, e às formas, áreas e manifestações de vida coletiva que se
estruturam com este objetivo" (QUEVEDO, 2015. pág. 10), assim, tal fenômeno
se mostra certeiro ao analisar o caso do Rio de janeiro.
Ao falar sobre o underground carioca, o autor afirma:

5
Abreviação de underground. Forma como é referenciado entre os que participam do mesmo.
(...)o underground é uma prática urbana, que os seus membros
chegam até ele por conta própria, que o skate foi um elemento
agregador para os primeiros punks cariocas, assim como um
sentimento ou percepção de opressão e a falta de perspectiva com o
futuro. Além disso, diferente do metal extremo, essa sociabilidade que
efetiva dentro desse espaço distinto ocorre em qualquer reunião ou
point que os punks cariocas possam se encontrar. (SILVA, D. 2016.
pág.22)

O autor ainda traz sua visão sobre os construtores da “cena” e da forma


a mesma se mantém organizada e existindo:
A construção e a dinâmica da sociabilidade na urbe, feita através do
underground, é construída por um espírito amador, segundo um dos
lemas punks, o do it yourself. Participar do underground é uma
militância, exige uma dedicação para que o mesmo exista, pois tudo é
feito pelos seus integrantes, e por ser um espaço outsider da cidade,
um espaço de deslocados, os seus membros não são muitos. (SILVA,
D. 2016. pág.22)

Como afirmado pelo autor, o Do It Yourself6 possui grande importância


para a formação da cultura underground, e assim também é para o próprio punk
já que possui papel fundamental na inserção do mesmo na cultura popular, pelo
seu caráter único de lidar com os “produtos” que são imposto pela ordem
econômica dominante, como por exemplo, dar-lhes outros propósitos.(CUCHE,
1999). Ou seja, a cultura punk, assim como outras culturas populares e o próprio
underground, existe em sua essência, como uma forma de resistência, ora
subjugada, ora apropriada pelos grupos vistos como antagônicos, fatos esses
que não diminuem a sua importância.
Sobre a importância dos ambientes de socialização para o underground o
autor fala que é “no point que se têm notícias de possíveis shows e de locais que
admitiriam os punks.” (pág. 23). Ainda o autor coloca sobre a organização dos
eventos que os “acordos são firmados pelos próprios membros do underground

6Faça você mesmo. Tradução aproximada da expressão inglesa “do it yourself”, cunhada no
contexto de politização do punk na década de 1980, principalmente através do pensamento
anarquista. O termo representa uma forma de ação direta derivada desta tradição filosófica e
política, da negação dos diversos espaços consolidados pelos poderes estabelecidos e da
construção de outros espaços de veiculação e reprodução de sua cultura. Espaços que, se não
de forma absoluta, por conta de sua natureza autônoma diminuiria, em tese, as interferências e
determinações do sistema político e do senso comum constituído a partir da cultura burguesa e
da indústria cultural de massa.
— tais quais no metal extremo — ocorrendo um trato prévio com o dono do bar
ou do local onde as bandas fossem se apresentar.” (SILVA, D. 2016. pág.23)
No capitulo dedicado à falar sobre a formação do underground na cidade
do Rio de Janeiro, o autor afirma que o processo possui três etapas: a origem na
rampa de skate em Campo Grande (1978-1982), o período que o punk se torna
independente do skate (1982-1984) e o racha do movimento (1984).
Nesse primeiro momento da cena carioca, nota-se outro elemento para
além dos que vem sendo citados como elemento “aglutinador”, ou seja, junto
com as motivações já citadas para o surgimento das manifestações estudadas,
está a pratica do skate, que no período estudado era marginalizada e ainda é,
mesmo com maior difusão por parte da mídia e fazendo parte dos esportes
olímpicos.

A primeira etapa (1978-1982) tem o skate como elemento agregador e


é marcada pela transição do esporte radical para a estética punk. É o
momento que, através dos campeonatos, os skatistas começam a ser
influenciados pelo som punk, e por meio de revistas de esportes
radicais começam a ter contato e perceber que em outras partes do
mundo existem skatistas punks. (SILVA, D. 2016. pág.22)

Assim como no exemplo de Teresina, os diferentes grupos acabam


trocando elementos influenciadores, seja através da mútua apropriação do local,
seja pela troca de ideias entre os skatistas e os punks. Para Simmel (1983), a
“conversa” possui grande importância nos processos de sociabilidade.

A conversa é desse modo a realização de uma relação que, por assim


dizer, não pretende ser nada além de uma relação - isto é, na qual
aquilo que usualmnte é a mera forma de interação torna-se seu
conteúdo auto-suficiente. Por isso, mesmo contar hsitórias, piadas e
anedotas, embora seja muitas vezes apenas um passatempo, quando
não um atestado de pobreza intelectual, pode revelar todo sua sutileza
de tato que reflete os elemenros de sociabilidade (SIMMEL, Georg.
In:MORAES FILHO, Evaristo de (Org.),1983. pág.178)

A partir daí, o underground carioca e o próprio movimento punk tomam


maior densidade e complexidade em relação e as vias de atuação que vieram a
ser adotadas pelos mesmos, além de maior ocupação de espaços que vieram a
ser considerados parte da “cena”. Depois desse primeiro momento de formação
inicial, qualquer lugar onde ocorrera encontros ou outras formas de socialidade,
passa a ser parte do “under”, como afirma o autor, “nas festas, nos shows e nos
encontros, os laços para a construção do underground vão se estabelecendo.
São criados vínculos que unem o grupo e prol da criação de um ambiente de
socialização especificamente punk.” (pág.30), ou seja, “o underground ocorre
e está aonde for possível ocorrer a reunião do grupo, podendo ser ao som de
fita, com apresentação de bandas ou simplesmente um lugar para beber e
conversar” (pág.35)

“Os encontros, o underground, também ocorriam nos ensaios das


bandas. Cezar Nine, Guitarrista do Coquetel Molotov, afirma que
muitas vezes o Coquetel ensaiava sozinho e sem avisar aos outros,
porque qualquer lugar virava um point, um simples ensaio acabava
virando uma festa.” (SILVA, D. 2016. pág.22)

Lugares cada vez maiores e de renome dentro da capital fluminense, como a


casa de shows “Circo Voador”, passam a fazer parte da “cena” mesmo com
“perspectiva cultural e visões distintas” (pág.37), ou seja, ainda que não
pertencesse em sua gênese ao undeground, os punks acabam por se
apropriarem do mesmo.

O começo dos anos 1980 na cidade do Rio de Janeiro está vinculado


com a abertura para um novo tipo de som, o rock, e o Circo Voador, na
Lapa, exerceu grande influência para a divulgação desse gênero
musical. Todos os entrevistados nessa pesquisa apontam o Circo
Voador e o Dancy Méier como dois lugares de grande importância para
a cena punk carioca e, consequentemente, para o underground punk.
Contudo existe entre os entrevistados, duas visões sobre o Circo
Voador: para alguns ele era um ótimo lugar no Centro do Rio para o
encontro do grupo, e para outros ele era utilizado pelo grupo devido à
pouca oferta de espaço onde eram aceitos na urbe. (SILVA, D. 2016.
pág. 36)

O estudo do caso do Rio de Janeiro apresenta detalhadamente o


desenvolvimento da “cena” na cidade, e como que os ambientes de sociabilidade
desta são variáveis, ultrapassando barreiras sociais e alcançando patamares
que em um primeiro não é almejado pelos seus integrantes. Além disso, o
trabalho proporciona, assim como o caso de Teresina, detalhes sobre as
consequências que a própria sociabilidade trás para os diferentes grupos que
frequentam o mesmo espaço.

São Paulo Cidade Punk (São Paulo – SP)


A dissertação de mestrado em História de André Abreu da Silva,
defendida em 2016, cujo título é "São Paulo, cidade punk: práticas, espaços,
representações (1982 - 1998)" servira de fonte para buscar reconstruir alguns
elementos do cenário underground da cidade. O trabalho trata-se de uma
narrativa histórica da cidade de São Paulo, sob a perspectiva da cultura punk e
de seus envolvidos. A pesquisa de Silva (2016) é conduzida através das análises
dos produtos da cultura punk documentados em arquivos como cartazes,
panfletos, publicações, fotografias, gravações musicais. Além disso, o estudo
apresenta o processo de ocupação do punk no centro da capital paulista, desde
o surgimento dos mesmos nos bairros afastados e marginalizados. Além deste,
recorro ao trabalho “ENTERRADO, MAS AINDA VIVO!: IDENTIDADE PUNK E
TERRITÓRIO EM LONDRINA”(2001), dissertação de mestrado em Geografia de Nécio
Turra Neto, que traz um estudo da cultura punk e de seu território na cidade de
Londrina – Pr. Através da metodologia da observação participante, o autor
adentrou no universo do movimento e compartilhou com seus membros sete
meses de sua história. Esta história é contada no trabalho e, a partir dela, o autor
constrói sua argumentação sobre a questão da identidade cultural punk e sua
territorialidade.
Através desses trabalhos, será apresentado elementos da sociabilidade
underground punk da capital paulista, como o surgimento de pautas de gênero
dentro do movimento punk e a eclosão do movimento nazifascistas Carecas do
Brasil.
A formação do underground paulista e da divulgação do punk se dá de
maneira ímpar, através de indivíduos de fora dos cenários, como pode ser visto:

Outra forma significativa da aquisição e divulgação da cultura punk


deu-se pela iniciativa de ativistas culturais, jornalistas, artistas e
músicos locais. De algum modo, entraram em contato com o universo
punk de forma mais direta, e adquiriram acesso às informações,
últimos lançamentos e atualizações do punk internacional, como
Antonio Bivar, Kid Vinil, entre outros. (SILVA, A. 2016. pág. 53)

Todavia, “(...)naturalmente e não menos importante, através da sociabilidade,


troca de informações e intercâmbios diretos entre os recém adeptos e
simpatizantes da cultura punk, ocorre tal difusão, através das “trocas de discos,
revistas, gravação de coletâneas musicais reproduzidas em fitas cassete, etc.”
(SILVA, A. 2016. pág.53). O Do It Yourself protagonizado pelos punks paulistas,
também fez parte da formação e desenvolvimento da “cena”, sendo responsável,
assim como nos outros municípios trabalhados até aqui, pela composição da
identidade desta.
O desenvolvimento contínuo da autonomia e independência nos
processos de suas produções, criações artísticas e práticas culturais,
são características essenciais da cultura punk. Fundamentos
perceptíveis no modo de organizar festivais, encontros, nas
composições, gravações e cópias dos discos de músicas autorais e de
coletâneas em fitas cassete, da redação e edição dos fanzines, além
do trabalho de divulgação e distribuição destes materiais. (SILVA, A.
2016. pág. 54)

Assim como o exemplo do Rio de Janeiro, o “under” de São Paulo acabou


tomando maior forma e os debates dentro do meio acabaram se
complexificando, assim surgindo a necessidade de pautas que falasse sobre as
questões de gênero.

As mulheres demarcam os seus espaços no movimento punk, apesar


da hegemonia masculina na formação das bandas e lideranças dos
grupos. Na fala da integrante de uma das raras bandas femininas que
ensaiava numa outra garagem suburbana, a falta de paciência dos
rapazes nos ensaios e reuniões, muitas vezes, fazia com que as
garotas não conseguissem desenvolver suas habilidades musicais.
Como todos os homens, apesar de punks, acham-se superiores.
(SILVA, A. 2016. pág. 71)

Pode se afirmar que o que ocorreu em São Paulo, se mostra como um


marco dentro do processo de formação das “cenas” em todo o território brasileiro,
contribuindo para o surgimento de muitas bandas de punk e metal compostas
majoritariamente ou não por mulheres. Além disso, por se tratar de um
movimento também político, pois como afirma Chartier (2002) “toda a história,
qualquer que ela seja, econômica ou social, demográfica ou política, é cultural
(...)” (CHARTIER, 2002. pág.76), o punk deve ter as questões de gênero
presentes em suas lutas, seja na musica ou nos diversos meios de atuação no
underground ou fora dele.
A importância do punk não está apenas para o underground ou para quem
vive dentro dos seus ambientes de sociabilidade, como foi afirmando
anteriormente, ultrapassando barreiras, sociais e politicas

O punk colocara as periferias urbanas em evidência no mapa-múndi


das produções culturais. O centro, como poucas vezes na história, vê
a sua hegemonia cultural ameaçada. O punk de São Paulo ocupara os
espaços centrais da cidade com as práticas inerentes às suas
experiências, vivências e deslocamentos entre as margens e o centro.
E num movimento inverso e consciente, afirma e constrói uma utópica
centralidade das periferias. (SILVA, A. 2016. pág. 71)

Apesar dos “grandes feitos” que a o cenário underground paulista tenha trago,
dentro deste surge o que viria a ser um dos grandes responsáveis pela
difamação do movimento punk, o movimento Carecas do Brasil

As transformações por que passou o punk, neste período, como a


tentativa de formação de um movimento, a definição mais precisa do
que era anarquismo e a identificação com causas populares, levaram
alguns grupos punks do subúrbio a não reconhecerem estas mudanças
como as mais desejadas para “os rumos do movimento”, preferindo
continuar no exercício da violência e aderindo a uma ideologia mais à
direita, com filiação nazi-fascista. (NETO, 2001. pág. 127)

Assim, surge a maior rivalidade entre punks dentro da cena “under” a nível
nacional, como afirma o autor “este foi o principal ponto de ruptura... que,
gradativamente, foi distanciando punks e carecas, e ambos foram construindo
movimentos autônomos, independentes entre si, e rivais, pois passaram a
defender propostas opostas” (pág.127).

Conclusões

Ao analisarmos, como foi feito até o momento o que permeia as relações


de convivência dentro do cenário da cultura underground e tudo que compõe a
mesma, nota-se que os exemplos tragos pelo presente trabalho compartilham
da complexidade que envolve os estudos sobre as sociabilidades, isto é, através
dos casos apresentados é possível notar que os ambientes que compõem as
“cenas” possuem características singulares, mas que no macro, se assemelham
a outras conjunturas, e que as teorias da sociabilidade podem ser usadas para
analisar tais fenômenos, já que “a sociabilidade como problema deve estar
relacionada a outros aspectos que nos permitem explicar fenômenos históricos
com maior relevância e análise”(QUEVEDO, 2014. pág.32)
Referências Bibliográficas

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CHARTIER, Roger. A “Nova” História Cultural existe? In: LOPES, Antonio H.;
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