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2017v38n76p115
Resumo: O presente artigo pretende analisar a Abstract: This article analyzes the expansion
expansão da função juspolítica protagonizada of the juspolitical function carried by Prose-
pelo Ministério Público sob o marco teórico de cutors under the theoretical framework of In-
Ingeborg Maus, em decorrência da recente pro- geborg Maus. It uses hypothetical-deductive
jeção da moralidade pública na função exercida reasoning, drawing on data from primary and
por Promotores/Procuradores de Justiça. Trata-se secondary nature, concluding that, to avoid ar-
de pesquisa que faz uso de raciocínio hipotético- bitrariness restrictions of popular sovereignty,
-dedutivo, valendo-se de dados de natureza pri- it is indispensable that the Prosecution Service
mária e secundária, permitindo concluir que, adopts a new institutional design, enhancing its
para evitar o arbítrio cerceador da soberania performance by focusing on the efficient exer-
popular, o Ministério Público adote um novo de- cise of the role of superego of society.
sign institucional que potencialize a sua atuação,
Keywords: Institutional Design. Superego of
com foco na preparação para o exercício eficien-
Society. Expansion of Juspolitical Function.
te da condição de superego da sociedade.
Palavras-chave: Design Institucional do Mi-
nistério Público. Superego da Sociedade. Ex-
pansão da Função Juspolítica.
1 Introdução
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A título de exemplo, em recente diagnóstico realizado pela Praxian Business &
Marketing Specialists e disponibilizado pelo http://www.justocantins.com.br/, constatou-
se que a população possui a percepção de que o CNMP e o MP são “muito importantes
para a Sociedade” e a maioria dos entrevistados vinculou a atuação do Ministério Público
DRVLGHDLVGHMXVWLoD¿VFDOL]DomRHFRPEDWHjFRUUXSomR$OpPGLVVRDSHVTXLVDËQGLFH
GH&RQ¿DQoDQD-XVWLoDGLVSRQtYHOHPKWWSELEOLRWHFDGLJLWDOIJYEUGVSDFHELWVWUHDP
handle/10438/10282/Relat%C3%B3rio%20ICJBrasil%202%C2%BA%20e%20%20
3%C2%BA%20Trimestre%20-%202012.pdf?sequence=1>) realizada pela Fundação
Getúlio Vargas, revelou que o Ministério Público é a terceira instituição que recebe a
PDLRUFRQ¿DQoDGDVRFLHGDGH
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Não existe consenso na doutrina acerca da distinção entre Direito e Política. Dentre as
mais respeitadas proposições teóricas acerca do tema e de buscando ir além da análise de
Ingeborg Maus realizada no presente trabalho, encontra-se a proposta de Niklas Luhmann
(1990). Segundo Luhmann, o sistema do Direito é o conjunto de todas as comunicações
SURGX]LGDVQDVRFLHGDGHTXHVHUH¿UDPDR'LUHLWR8WLOL]DRDXWRUD³UHJUDGHDWULEXLomR´
que permite indicar se uma comunicação possui referência ao Direito. Essa comunicação
se dá por meio de um código binário que, no sistema do Direito, é baseado na oposição
lícito/ilícito (LUHMANN, 1994, p. 92). O código, então, garante a autonomia do sistema
do Direito, a sua diferença em relação ao seu ambiente, o seu fechamento operacional
nas sessões dos tribunais em razão das demandas coletivas ajuizadas pelo
Ministério Público. A título de exemplo, a ação civil pública, como ins-
trumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas,
torna cada vez mais necessária a revisão da teoria clássica da separação
dos poderes em razão da intervenção do Ministério Público em temáticas
(LUHMANN, 1998). Por mais paradoxal que possa parecer, o fechamento operacional
do sistema em Luhmann permite a sua abertura cognitiva e, desse modo, o Direito se
porta como um sistema aberto para as demandas sociais, que podem vir de qualquer outro
sistema (Política, Economia, entre outros) (LUHMANN, 1985).
O sistema da Política possui estrutura similar e também exerce uma função que o
diferencia no interior da sociedade, ao formular decisões que vinculam a coletividade
por meio do código situação/oposição. Assim, a diferenciação entre Direito e Política
QmRVLJQL¿FDRLVRODPHQWRGHVVHVGRLVVLVWHPDV([LVWHXPFDQDOGHFRPXQLFDomRHQWUH
eles, que segue os limites traçados pela Constituição. A Constituição, na modernidade,
surge como o meio adequado para a comunicação entre a Política e o Direito, fornecendo
“os critérios de organização Política do poder e os critérios de geração do Direito”
(CORSI, 2001, p. 173). Em princípio, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público
GHVHPSHQKDP DWULEXLo}HV GLYHUVDV H EHP GH¿QLGDV 2 /HJLVODWLYR VH HQFRQWUD LPHUVR
em um contexto com um alto grau de complexidade, em que é vasto o plexo de matérias
que se pode tornar objeto de seleção/decisão. Daí a necessidade de uma programação
teleológica, própria da produção legislativa, canalizando o desejo de mudança do Direito
vigente (LUHMANN, 1985, p. 34-42). A programação condicional, tipicamente utilizada
na aplicação das leis pelo Judiciário e pelo Ministério Público, diverge diametralmente
desse estado de coisas. Ela assume uma relação de se/então, ou seja, ocorrida uma
hipótese, tem-se uma determinada consequência (CORSI, 2001, p. 173).
Devemos ressaltar que essa associação entre programação teleológica e Poder Legislativo,
de um lado, e programação condicional e Poder Judiciário/Ministério Público, de outro,
não se dá de forma hermética. É claro que o Judiciário e o Ministério Público operam
com programações teleológicas, como acontece com os princípios constitucionais ou com
DVQRUPDVFODVVL¿FDGDVSHODGRXWULQDFRQVWLWXFLRQDOEUDVLOHLUDGHSURJUDPiWLFDV2TXH
se pretende deixar claro, contudo, é o primado da atuação de cada uma das espécies de
programação nas diferentes instituições. No Legislativo, há um primado operacional de
programações teleológicas. No Judiciário/Ministério Público, ao contrário, prevalecem
as programações condicionais. Assim, é possível concluir que: “No transcurso
GR SURFHVVR KLVWyULFR GH D¿UPDomR GR FRQVWLWXFLRQDOLVPR R QRYR WHORV MXUtGLFR
FLYLOL]DFLRQDOGR2FLGHQWHVHFRQ¿JXUDGRHPWRUQRGD&RQVWLWXLomRFRPRUHIHUHQFLDOGH
fundação, preservação, validação, legitimação, dinamização e atualização do sentido e
do alcance do senso de juridicidade/antijuridicidade do Direito. E, ao longo das fases
do constitucionalismo, as normas, os atos e as omissões passaram a ser aferíveis, no
Direito, pela sua adequação ou inadequação com o senso de juridicidade/antijuridicidade
decorrente da Constituição.” (OLIVEIRA, 2013, p. 230)
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Conforme ressaltado anteriormente o Ministério Público está entre as três instituições
PDLVFRQ¿iYHLVHKRQHVWDVSDUDDSRSXODomREUDVLOHLUDGHDFRUGRFRPSHVTXLVDUHDOL]DGD
pela Fundação Getúlio Vargas.
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O embate pela condição de superego entre o Ministério Público e o Poder Judiciário
pode ser facilmente percebido com a edição da Súmula 34, pelo Conselho Superior
do Ministério Público do Estado de São Paulo. Com efeito, dispõe o enunciado que:
“O Conselho Superior homologará arquivamento de inquéritos civis ou assemelhados
cujo objeto autorize apenas a propositura de ação de reparação de danos ao erário, nos
termos do art. 5º da Lei 8429/92, quando, cumulativamente (1) o prejuízo não alcançar
expressão econômica relevante, assim entendido aquele que não seja superior ao previsto
no art. 20 da Lei Federal n. 10.522/02; (2) houver prova de que o órgão do Ministério
Público tenha comunicado o co-legitimado para a propositura da ação de ressarcimento,
WUDQVPLWLQGRRVHOHPHQWRVGHSURYDQHFHVViULRVDWDO¿QDOLGDGH´$HGLomRGRHQXQFLDGR
veio embasada na conhecida sobrecarga de trabalho na área dos interesses difusos e
no argumento de que é indispensável a racionalização do serviço para alcançar maior
H¿FiFLDQDDWLYLGDGHPLQLVWHULDO3DUDWDQWREXVFRXVHFRQVLJQDUTXHQRVFDVRVGHGDQRV
ao erário de pequena expressão econômica, a atuação do Ministério Público deve voltar-
se para o zelo de que a pessoa jurídica lesada tome as providências necessárias para o
ressarcimento. Ocorre, no entanto, que o entendimento vem contrapor jurisprudência do
6XSHULRU7ULEXQDOGH-XVWLoDQRVHQWLGRTXHQmRVHDSOLFDRSULQFtSLRGDLQVLJQL¿FkQFLDjV
hipóteses de improbidade administrativa. Vejamos o teor do julgado: “Se o bem jurídico
protegido pela Lei de Improbidade é, por excelência, a moralidade administrativa,
GHVDUUD]RDGRIDODUHPDSOLFDomRGRSULQFtSLRGDLQVLJQL¿FkQFLDjVFRQGXWDVFRQVLGHUDGDV
LPRUDLV SHOR SUySULR PDJLVWUDGR 1mR H[LVWH LPSURELGDGH DGPLQLVWUDWLYD VLJQL¿FDQWH H
LPSURELGDGHDGPLQLVWUDWLYDLQVLJQL¿FDQWH2TXHKipLUUHJXODULGDGHLQVLJQL¿FDQWHHSRU
LVVRQmRFRQVWLWXLLPSURELGDGHHLUUHJXODULGDGHVLJQL¿FDQWHHSRULVVRLPSURELGDGH
administrativa). No campo dos valores principiológicos que regem a Administração
3~EOLFDQmRKiFRPR¿VFDOL]DUDVXDREHGLrQFLDFRPFDOFXODGRUDQDPmRH[SUHVVDQGRRV
QDIRUPDGHUHDLVHFHQWDYRV/RJRRSULQFtSLRGDLQVLJQL¿FkQFLDQmRVHSUHVWDSDUDDSyVR
juízo positivo de improbidade, exonerar, por inteiro e de forma absoluta, o infrator
da aplicação das sanções – até da multa civil – previstas na Lei. Nesse âmbito, outros
DVSHFWRVSUHFLVDPVHUOHYDGRVHPFRQWD$LQVLJQL¿FkQFLDFRPRUHJUDH[FOXLDWLSLFLGDGH
da conduta. Ora, no Direito da Improbidade Administrativa a marca é a tipicidade aberta,
a começar pelo próprio sentido de moralidade administrativa. A Lei de Improbidade não
lista, nem descreve, em numerus clausus, as condutas e tipos puníveis, ao contrário do que
o fazem o Código Penal e as normas que prevêem ilícitos administrativos e disciplinares.
Nem poderia fazê-lo, pois o legislador não teria como antecipar exaustivamente todas
DV Do}HV FRQWUiULDV j ERD$GPLQLVWUDomR´ 5(VS »$/ 5HO 0LQLVWUR *,/621
',3348,17$7850$MXOJDGRHP»»'-»»SJULIHL5(VS
n. 892.818 – RS – 0LQ+(50$1%(1-$0,1±(VVHFRQÀLWRUHÀHWHR
delicado equilíbrio dinâmico que vem surgindo no diálogo Ministério Público / Poder
Judiciário, diante da disputa pela condição de superego da sociedade.
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A título de exemplo, pode-se mencionar a “consulta” que pretendia elaborar a Presidente
Dilma Roussef ao Ministério Público para a nomeação de ministros no início do mandato
corrente, em razão das repercussões da Operação Lava-Jato.
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O Conselho Superior fundamentava a proposta em dois aspectos: 1) o inquérito civil é
procedimento destinado a apurar lesão ou ameaça de lesão a direito coletivo em sentido
DPSORSDVVtYHOGHVHUWXWHODGRDWUDYpVGDDomRFLYLOS~EOLFDQmRVHMXVWL¿FDQGRLPSRUDRV
Promotores de Justiça a rigidez procedimental própria do inquérito civil para hipóteses nas
quais não há indício de lesão ou ameaça de lesão aos bens jurídicos, cuja defesa incumbe
ao Ministério Público; e 2) a instauração de IC ou PPIC para mero acompanhamento de
programas ou políticas públicas, não raro, tem resultado em inquéritos civis obscuros ou
FRQIXVRVTXHVHHWHUQL]DPVHPREMHWRFODURHGH¿QLGRHPSUHMXt]RGRVHUYLoR
4 Conclusão
Referências