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INTENSIVO I

Renato Brasileiro
Direito Processual Penal
Aula 3

ROTEIRO DE AULA

Noções introdutórias II

5. Princípio do contraditório

Ao estudar as lições do professor Joaquim Canuto Mendes de Almeida, é possível perceber que a ideia inicial do princípio
do contraditório era composta por um binômio:
1. Ciência bilateral (Não é possível levar um processo adiante sem que as partes tenham ciência dos atos praticados pelo
juiz); e
2. Possibilidade de reação.

Obs.: O professor destaca que, antigamente, dizia-se que havia apenas a possibilidade de reação. Entretanto, atualmente,
sobretudo em sede processual penal, há a ideia de que a reação não deve ser apenas possível, mas sim efetiva/concreta.
Isso ocorre porque, no processo penal, há interesses indisponíveis (pretensão punitiva do Estado e liberdade de
locomoção do indivíduo). Desse modo, não é possível se contentar com a mera possibilidade de reação.
Assim sendo, exemplificativamente, se a parte não quer constituir defesa técnica, o juiz nomeia um defensor para o caso
concreto.

Em suma: A reação, ao longo dos anos, deixou de ser meramente possível e passou a ser efetiva e concreta. É por esse
motivo que, ao falar em contraditório, geralmente se fala em “paridade de armas”.

Atenção: O contraditório vale tanto para a acusação quanto para a defesa.

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Exemplo: O professor cita um caso de um processo longo em que a defesa peticionou dizendo que havia sido expedida
carta precatória para oitiva de testemunha e que a defesa técnica não havia sido intimada da data da audiência no juízo
deprecado. Nesta situação, a juíza anulou o processo afirmando que a ampla defesa havia sido violada pela ausência da
intimação.
O professor cita que a jurisprudência entende que, ao ser expedida uma precatória, a parte precisa ser intimada apenas
quanto à expedição da precatória. Entretanto, uma vez ciente disso, o advogado de defesa deve diligenciar junto ao juízo
deprecado para saber a data da audiência. Além disso, no caso em questão, houve desrespeito ao princípio do
contraditório, pois o processo foi anulado sem que houvesse a oitiva da acusação.

O professor destaca é interessante verificar o disposto no art. 10 do Código de Processo Civil:


CPC, art. 10: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se
tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”

✓ O art. 10 do Código de Processo Civil veda a decisão surpresa no processo.

O princípio em comento está previsto no art. 5º, LV, CF:

CF, art. 5º. “(...) LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Obs.: Em sede processual penal, prevalece o entendimento de que o contraditório precisa ser observado apenas na fase
judicial. Assim, não há que se falar em contraditório na fase investigatória.
✓ Assim, o PIC (procedimento investigatório criminal), o qual é precedido pelo MP, por exemplo, tem natureza
inquisitória.

5.1. Conceito
Consiste na ciência bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los. Eis o motivo pelo qual se
vale a doutrina da expressão “audiência bilateral”, consubstanciada pela expressão em latim audiatur et altera pars (seja
ouvida também a parte adversa).

5.2. Elementos.
a) direito à informação;
b) direito de participação.
O contraditório seria, assim, a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis.

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Uma súmula importante em relação à matéria é a Sumula 707, STF:
Súmula 707 do Supremo Tribunal Federal: “Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer
contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.”

Exemplificando a questão tratada na súmula:


✓ Imagine que um promotor de justiça ofereça uma denúncia. Rejeitada a denúncia, a acusação pode interpor um
RESE (art. 581, I, CPP1). Interposto o recurso em sentido estrito, ele não pode ir para o tribunal sem que a parte
contrária tenha a oportunidade de oferecer contrarrazões.
✓ O professor ressalta que a súmula 707 do STF poderia ser mais clara e ter a seguinte redação: Constitui nulidade
a falta de intimação do denunciado para constituir defensor e oferecer contrarrazões ao recurso interposto da
rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.

5.3. Contraditório efetivo e equilibrado.

Em relação ao contraditório, não basta a possibilidade de reação. A reação precisa ser efetiva/equilibrada e concreta.
✓ A atual concepção do contraditório existe para não admitir que bens de natureza indisponível sejam desprezados,
seja pela acusação, seja pela defesa.

5.4. Contraditório para a prova (contraditório real) e contraditório sobre a prova (diferido).

O contraditório real demanda que as partes atuem na própria formação do elemento de prova. Assim, obrigatoriamente,
as partes deverão intervir na produção de provas.
Exemplo: Prova testemunhal – A oitiva de testemunhas em audiência é feita na presença do juiz e das partes.

✓ A regra é o contraditório real.

Entretanto, em algumas situações, o contraditório poderá ser diferido. Neste caso, o contraditório será exercido após a
formação da prova.
Exemplo 1: meios de obtenção de prova - No caso de interceptação ambiental, somente após a realização do ato, entrega-
se a mídia à parte contrária e o acusado poderá questionar e contraditar as provas obtidas por tal meio.

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CPP, art. 581, I: “Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
I - que não receber a denúncia ou a queixa;”

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Exemplo 2: exames periciais – Neste caso, em regra, o contraditório é diferido.
Imagine uma perícia realizada em uma mulher que sofreu violência doméstica. Nesta situação, não é necessário que o
acusado e o defensor estejam presentes no momento da perícia.

✓ Obs.: Em 2008, o CPP foi alterado e passou a prever a possibilidade de haver assistente técnico contratado pela
parte. Entretanto, o professor destaca que a presença dele não é obrigatória para a realização do exame pericial.

6. Princípio da ampla defesa


Este princípio também está previsto no art. 5º, LV, CF:

CF, art. 5º, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

A ampla defesa subdivide-se em duas:


a) Defesa técnica – é obrigatoriamente exercida por profissional da advocacia (regularmente inscrito na OAB); e
b) Autodefesa – é aquela exercida pelo próprio acusado. O acusado pode optar pelo não exercício da autodefesa
(exemplo: não participação do acusado no interrogatório).

6.1. Defesa técnica (processual ou específica).

É também chamada de processual ou específica. É aquela exercida por um profissional da advocacia dotado de capacidade
postulatória.

A defesa técnica é obrigatória e irrenunciável. Sobre o assunto, há o disposto no art. 261, CPP:

CPP, art. 261: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.
Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de
manifestação fundamentada. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)”

A consequência da ausência de defesa técnica é a nulidade absoluta do processo.

Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará
se houver prova de prejuízo para o réu”.

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Caráter irrenunciável da defesa técnica.

Súmula n. 708 do Supremo: “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único
defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”.

O professor explica que, quando uma apelação é levada a julgamento perante os tribunais, esse julgamento pode demorar
muitos anos. Nesse período, muitas vezes, o defensor pode renunciar (por ter passado em um concurso, por exemplo).
Assim sendo, se ele for o único defensor e a apelação for julgada sem que haja outro defensor técnico constituído, haverá
nulidade.

Direito de escolha do defensor pelo próprio acusado.


Questão: A quem pertence o direito de constituir o advogado? A escolha do defensor envolve uma relação de confiança
e, portanto, o defensor deve ser escolhido pelo próprio acusado.

Obs.: Abandono do processo pelo defensor constituído.


Há a previsão de multa no art. 265 do CPP2 no caso de abandono do processo pelo defensor constituído.
✓ Este dispositivo foi objeto de questionamento no STF. A OAB alegou que o juiz jamais poderia multar o advogado
que abandona o processo, pois ele já está sujeito a um regime disciplinar junto ao Conselho de classe. Entretanto,
o STF manteve a multa e indeferiu o pedido da OAB.
Algumas peças no processo penal são obrigatórias (ex. memoriais). Assim, se um advogado constituído não apresenta
esta peça, o juiz deve, antes de enviar o processo para a Defensoria Pública (ou nomear defensor dativo), intimar
pessoalmente o acusado para que ele constitua novo defensor no prazo de 10 dias, sob pena de, a partir do término do
prazo, ser-lhe nomeado defensor dativo.
✓ A nomeação imediata de defensor dativo viola o direito de escolha do próprio defensor.

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CPP, art. 265: “O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o
juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções
cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 1o A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer. (Incluído pela Lei
nº 11.719, de 2008).
§ 2o Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o
adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o
efeito do ato. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).”

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Súmula 707 do Supremo Tribunal Federal: “Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer
contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.”

Sobre o direito de o acusado escolher o próprio defensor, a jurisprudência do STJ é bastante didática:

STJ: “(...) A escolha de defensor, de fato, é um direito inafastável do réu, porquanto deve haver uma relação de confiança
entre ele e o seu patrono. Assim, é de rigor que uma vez verificada a ausência de defesa técnica a amparar o acusado, por
qualquer motivo que se tenha dado, deve-se conceder prazo para que o réu indique outro profissional de sua confiança,
ainda que revel, para só então, caso permaneça inerte, nomear-lhe defensor dativo. Habeas Corpus concedido, nos
termos do parecer ministerial, para anular o feito a partir da decisão que nomeou o defensor dativo, a fim de que seja
oportunizado ao réu a indicação de advogado de sua confiança, mantido paciente na situação processual em que se
encontra”. (STJ, 5ª Turma, HC 162.785/AC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/04/2010, DJe 03/05/2010). Na
mesma linha: STJ, 5ª Turma, HC 132.108/PA, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16/12/2010, DJe 07/02/2011.

(Im) possibilidade de o acusado exercer a sua própria defesa técnica


É possível que o acusado exerça a sua própria defesa técnica, desde que ele seja profissional da advocacia. Entretanto, o
professor destaca que isso nem sempre é aconselhável.

Obs.: Os membros do MP e da magistratura não podem exercer a advocacia e, portanto, não podem exercer sequer a defesa
técnica deles mesmos.

STF: “(...) Nas ações penais originárias, a defesa preliminar (L. 8.038/90, art. 4º), é atividade privativa dos advogados. Os
membros do Ministério Público estão impedidos de exercer advocacia, mesmo em causa própria. São atividades incompatíveis
(L. 8.906/94, art. 28). Nulidade decretada”. (STF, 2ª Turma, HC 76.671/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 09/06/1998, DJ
10/08/2000).

Patrocínio da defesa técnica de dois ou mais acusados pelo mesmo defensor.


É possível que um mesmo advogado realize a defesa técnica de dois ou mais acusados, desde que as teses defensivas não
sejam colidentes.
Um mesmo advogado não pode defender dois ou mais acusados se as teses forem colidentes. Assim, em um caso concreto
em que isso possa ocorrer, o juiz precisa intervir para evitar que haja prejuízo aos acusados.

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STJ: “(...) Hipótese em que o paciente e seu filho foram acusados de tráfico de drogas, sendo que o filho imputava a
responsabilidade penal a seu pai e ambos foram patrocinados pelo mesmo advogado. O defensor apresentou alegações
finais defendendo apenas o filho e acusando o pai. Havendo teses defensivas conflitantes, fica clara a impossibilidade de
que pai e filho fossem patrocinados pelo mesmo advogado. É evidente, assim, o conflito de interesses e a colidência de
defesa, que provocou prejuízo ao paciente, haja vista a condenação à reprimenda de 12 (doze) anos de reclusão. Ordem
concedida para anular o feito, apenas com relação ao paciente, a partir das alegação (sic) preliminares, inclusive”. (STJ, 6ª
Turma, HC 86.392/PA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25/05/2010, Dje 21/06/2010).

6.2. Autodefesa (material ou genérica)

É aquela exercida pelo próprio acusado. É também chamada de defesa material ou genérica.
Neste caso, o acusado pode optar pelo não exercício dessa defesa.

Segundo a doutrina, a autodefesa desdobra-se em três:


a) Direito de audiência;
b) Direito de presença; e
c) Capacidade postulatória autônoma do acusado.

a) Direito de audiência: é o direito que o acusado tem de ser ouvido pela autoridade judiciária.

✓ Natureza jurídica do interrogatório: trata-se de um meio de defesa.


✓ Obs.: O interrogatório está inserido no capítulo que versa sobre os meios de prova. Entretanto, não é correto
alegar que o interrogatório é meio de prova, pois, se assim o fosse, o acusado seria obrigado a responder às
perguntas que lhe são formuladas. Assim sendo, atualmente, prevalece o entendimento de que o interrogatório
é meio de defesa.

STF: “(...) O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU. Em sede de persecução penal, o interrogatório
judicial, notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003, qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não
ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer
restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa (...)” (STF, 2ª Turma,
HC 94.016/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16/09/2008, Dje 38 26/02/2009).

b) Direito de presença: é o direito que o acusado tem de acompanhar os atos da instrução probatória ao lado de seu
defensor.

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✓ O acusado tem o direito de estar presente de modo que possa auxiliar o seu defensor, pois o acusado é quem
melhor detém conhecimento sobre os fatos.

Natureza relativa do direito de presença.


Atenção: o direito de presença pode sofrer restrições, pois nenhum direito é absoluto.
Exemplo disso é quando a presença do acusado representa um constrangimento à testemunha ou ao ofendido. Neste
caso, o acusado sai do recinto, mas o seu defensor permanece.
O assunto foi disciplinado no art. 217, CPP:

CPP, art. 217: “Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à
testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência
e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença
do seu defensor. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como
os motivos que a determinaram. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)”

Obs.: A depender do caso concreto, se o juiz verificar que há um constrangimento à testemunha ou ao ofendido, o
acusado será ouvido por videoconferência. Caso isso não seja possível, o juiz determinará a retirada do acusado da sala
de audiências.

✓ A presença do defensor técnico é sempre obrigatória.

✓ Atenção: caso o juiz tenha que tomar medidas para evitar que a testemunha ou o ofendido sejam humilhados ou
constrangidos, essas medidas deverão constar em termo, devendo, necessariamente, ser justificadas, conforme
preceitua o art. 217, CPP.

Atualmente, o direito de presença pode ser exercido de maneira física/real, bem como de maneira remota
(videoconferência).

STF: “(...) Revela-se lícita a retirada dos acusados da sala de audiências, se as testemunhas de acusação demonstram
temor e receio em depor na presença dos réus. Se o patrono do paciente não apresentou nenhuma irresignação quanto
aos termos da assentada, havendo assinado e concordado com seu conteúdo, resulta preclusa a argüição de qualquer
vício a macular o ato de ouvida das testemunhas de acusação. Ordem denegada”. (STF, 1ª Turma, HC 86.572/PE, Rel. Min.
Carlos Britto, j. 06/12/2005, DJ 30/03/2008).

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(Des) necessidade de deslocamento de acusado preso para oitiva de testemunhas perante o juízo deprecado

Antigamente, muitos defendiam que o deslocamento do acusado preso era obrigatório para a oitiva de testemunhas no
juízo deprecado.
Hoje, os Tribunais Superiores entendem que o direito de presença deve ser respeitado, mas pode ser realizado de maneira
remota (videoconferência).
Além disso, há entendimento de que, se esse direito não for respeitado, a nulidade será relativa, ou seja, deve haver a
prova de prejuízo.

STF: “(...) A alegação de necessidade da presença do réu em audiências deprecadas, estando ele preso, configura nulidade
relativa, devendo-se, comprovar a oportuna requisição e também a presença de efetivo prejuízo à defesa. O pedido, no
caso, foi indeferido motivadamente pelo juiz de primeiro grau, diante das peculiaridades do caso concreto, em especial
diante da periculosidade do réu, e da ausência de efetivo prejuízo. Ordem denegada”. (STF, 1ª Turma, HC 100.382/PR,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 08/06/2010, Dje 164 02/09/2010).

c) Capacidade postulatória autônoma.


Ainda que o acusado não seja profissional da advocacia, ele pode praticar certos atos postulatórios.
Como, no processo penal, estamos lidando com um bem de natureza indisponível (liberdade de locomoção), o
ordenamento jurídico dá ao acusado a possibilidade de praticar atos postulatórios, mesmo que ele não seja advogado.

Os atos postulatórios que podem ser praticados pelo acusado de forma autônoma são:
• Incidentes da execução penal;
• Impetração habeas corpus;
• Revisão criminal; e
• Interposição de recursos contra decisão de 1ª instância (sentença condenatória ou absolutória imprópria) – Neste
caso, o próprio acusado pode recorrer por meio de termo nos autos (ver art. 577, CPP3).

6.3. Ampla defesa no processo administrativo disciplinar

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CPP, art. 577: “O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador
ou seu defensor.
Parágrafo único. Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da
decisão.”

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A ampla defesa, no processo administrativo, é obrigatória.

Questão: É obrigatória a presença de advogado?


Sobre o assunto, é necessário ter cuidado com a Súmula 343, STJ, que preceitua:
Súmula n. 343 do STJ: “É obrigatória a assistência de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar,
de forma a assegurar a garantia constitucional do contraditório”.

Entretanto, a posição do STF não é a mesma da Súmula 343 do STJ. A Súmula Vinculante 5 diz:
Súmula vinculante nº 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a
constituição”.

Atenção: na visão do STF, a presença de um advogado não é obrigatória no processo administrativo disciplinar.

6.4. Ampla defesa na execução penal

Na execução penal, a ampla defesa e a presença de defensor são obrigatórias.

✓ Atenção: a Súmula Vinculante n. 5 não é aplicável à execução penal, pois, neste caso, há interesses indisponíveis
em jogo, principalmente, a liberdade de locomoção.

Súmula n. 533 do STJ: “Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é
imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o
direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado”.

Obs.: o professor pede para o aluno tomar cuidado para não confundir o disposto na Súmula Vinculante 5 (restrita a
processos administrativos) com a execução penal quando da instauração de procedimento administrativo para apurar,
por exemplo, uma falta disciplinar. Neste último caso, é necessário respeitar a ampla defesa e garantir o direito de o
acusado ter um advogado constituído ou um defensor público nomeado. Isso porque, nesta situação, é possível haver a
regressão de regime e, portanto, é necessário haver ampla defesa, exercida por um profissional da advocacia.

Cuidado: A Súmula 533 do STJ preceitua que, para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, é imprescindível a
instauração de um procedimento administrativo. Assim, em caso de cometimento de falta grave, o diretor do presídio,
obrigatoriamente, deverá instaurar um procedimento administrativo.

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Em alguns casos, a falta grave pode ser, por exemplo, a prática de um crime doloso que, como tal, acabará sendo objeto
de um processo judicial. Diante disso, questiona-se: Seria possível dispensar o procedimento administrativo se a falta
grave tiver sido reconhecida em um processo judicial?
A Súmula 533 do STJ vem sendo relativizada pelos tribunais superiores, que entendem que, neste caso, é possível
aproveitar todos os elementos que forem reproduzidos em juízo para a aplicação da respectiva sanção.

“Sem embargo dos dizeres da súmula n. 533 do STJ, parte da doutrina sempre sustentou que a omissão na instauração
do procedimento administrativo disciplinar poderia ser suprida pela posterior realização de audiência judicial de oitiva do
apenado para justificativa da falta praticada, com a devida assistência de advogado, garantindo-se, assim, o exercício do
contraditório e da ampla defesa. Em um sistema congestionado como o da Execução Penal, qualquer atividade
redundante ou puramente formal significa desvio de recursos humanos da atividade principal do Juízo, inclusive e
notadamente a de assegurar os benefícios legais para que ninguém permaneça no cárcere por período superior à
condenação. Com base nesses argumentos, o Plenário do Supremo deu provimento ao RE 972.598/RS (Rel. Min. Roberto
Barroso, j. 04.05.2020, DJe 06.08.2020), com a fixação da seguinte tese: “A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução
Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de
prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa
técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena”. Fundado nesta recente
orientação do Supremo, o STJ também passou a proferir decisões no sentido de que a Súmula n. 533 do STJ deve ser
relativizada, sobretudo em casos em que o reeducando praticar a falta grave fora do estabelecimento prisional e não for
realizado o PAD, porém tiver sido efetuada audiência de justificação, garantindo ao sentenciado o direito ao contraditório
e à ampla defesa, pois, dessa forma, a ausência de realização do PAD não causaria prejuízo à defesa do apenado. Nesse
contexto: STJ, 5ª Turma, HC 577.233/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 18.08.2020.”

No caso da transferência de presos para presídios federais, em regra, há a necessidade de contraditório prévio.
Entretanto, em casos excepcionais, pode haver a transferência do preso sem contraditório prévio. Neste caso, o
contraditório será diferido.

Súmula n. 639 do STJ: “Não fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa, determine
transferência ou permanência de custodiado em estabelecimento penitenciário federal”.

7. Princípio do juiz natural

7.1. Conceito:

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Consiste no direito que cada cidadão possui de conhecer antecipadamente a autoridade jurisdicional que irá processar e
julgá-lo caso venha a praticar um fato delituoso.

✓ Juiz natural é aquele cuja competência é fixada antes da prática do delito.


Exemplo: um promotor de justiça, em razão de suas funções, pratica um crime de lesão corporal contra o juiz.
Neste caso, o promotor de justiça já sabe quem é a autoridade que irá julgá-lo.

7.2. Previsão constitucional:

Este princípio pode ser extraído de, pelo menos, dois incisos da CF (art. 5º, XXXVII e art. 5º, LIII).
O art. 5º, XXXVII, trata da impossibilidade de haver juiz de exceção, ou seja, não é permitido que se crie um tribunal após
a prática do fato, especificadamente, para o seu julgamento.

✓ O oposto do juiz natural é o tribunal de exceção, que é aquele criado após o fato delituoso especificamente para
julgá-lo.
✓ O princípio do juiz natural visa a assegurar a imparcialidade do julgador.

CF, art. 5º:


“(...)
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
(...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
(...)”

✓ No plano internacional, foi criado o TPI, de forma a manter o princípio do juiz natural.

7.3. Observações pontuais quanto aos Tribunais de Exceção:

Sobre o tribunal de exceção, há algumas informações importantes:


1ª) A Justiça Eleitoral e a Justiça Militar não constituem tribunais de exceção, isso porque ambas têm previsão na própria
CF.

2ª) A competência por prerrogativa de função também não constitui tribunal de exceção.
✓ O julgamento originário feito pelos tribunais também está previsto na CF/1988.

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Principais características dos Tribunais de exceção: criação ex post factum, fora das estruturas normais do Poder Judiciário,
com poderes específicos para julgar um caso já ocorrido; atribuição de sua competência com base em fatores específicos
e, normalmente, segundo critérios discriminatórios (raça, religião, ideologia, etc.); duração limitada no tempo;
procedimento célere e, normalmente, não sujeito a recurso; escolha dos integrantes sem observância dos critérios gerais
para investidura dos magistrados e sem assegurar-lhes a necessária independência. Também é tribunal de exceção aquele
criado ad personam, isto é, com vistas ao julgamento específico de uma determinada pessoa ou grupo de pessoas, mesmo
que para fatos futuros.

Justiças “Especiais”: não podem ser consideradas “Tribunais de Exceção”. Isso porque os Tribunais ou Juízos Especiais são
criados antes da prática dos fatos que irão julgar, e têm competência determinada por regras gerais e abstratas, com base
em critérios objetivos, e não para um caso particular ou individualmente considerado, escolhido segundo critérios
discriminatórios.

Foro por prerrogativa de função: também não constituem juízo ou tribunal de exceção. Não se trata de um privilégio
pessoal, mas de uma decorrência ou prerrogativa inerente ao exercício de determinado cargo ou função. De um lado, o
foro por prerrogativa de função protege os detentores dos cargos de persecuções indevidas, muitas vezes por motivações
políticas. Por outro lado, também protegem os julgadores de eventuais pressões que, mais facilmente, poderiam ser
exercidas sobre órgãos jurisdicionais de primeiro grau. Trata-se, pois, a um só tempo, de garantia para o acusado e de
garantia para a Justiça.

7.4. Regras de proteção que derivam do juiz natural

Do princípio do juiz natural derivam, ao menos, três regras importantes:

• Só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela Constituição;


• Ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato (vedação aos tribunais de exceção);
• Entre os Juízos pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa
deferida à discricionariedade de quem quer que seja.

No caso da terceira regra citada, é importante destacar que a competência sempre deve ser fixada com base em critérios
objetivos pré-estabelecidos.
✓ A competência jamais poderá ser fixada com base na discricionariedade de alguém.

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✓ O professor cita que, antigamente, a distribuição nas varas (com dois juízes) era feita pelo critério de “número
par e número ímpar”, mas esse critério permitia a discricionariedade, pois era possível, de certo modo, escolher
o juiz que iria julgar o caso. Hoje, a distribuição é feita de modo aleatório e com compensação.

7.4.1. Descontaminação do julgado

O professor destaca que a Lei 11.690/08 alterou o capítulo de provas do CPP e pretendia acrescentar a ele a
descontaminação do julgado (art. 157, §4º, CPP).
✓ A descontaminação do julgado refere-se ao fato de que, se houver prova ilícita nos autos, o juiz ficará impedido
de julgar a demanda. Isso tem a função de evitar que o magistrado seja influenciado em seu convencimento a
partir do conhecimento da prova ilícita.
✓ O art. 157, §4º, CPP, entretanto, foi vetado. Mais recentemente, o Pacote Anticrime acrescentou o seguinte
dispositivo ao CPP, o qual contém a previsão da descontaminação do julgado:

CPP, art. 157, §5º: “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou
acórdão (Incluído pela Lei n. 13.964/19).”

O contato que o juiz possui com a prova ilícita acaba exercendo uma contaminação subjetiva do julgador. Assim sendo, o
dispositivo visa a realizar essa “descontaminação”.
Atenção: O professor destaca que esse dispositivo pode gerar condutas tendentes a retirar determinados juízes da
atuação de alguns processos. Uma pessoa de má-fé poderia “plantar uma prova ilícita” para excluir um juiz do caso e isso
poderia ser uma violação ao princípio do juiz natural.
✓ Por esse motivo, o §5º do art. 157 do CPP está suspenso.

“Na condição de Relator das ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 (j. 22/01/2020), todas ajuizadas em face da Lei n. 13.964/19,
o Min. Luiz Fux suspendeu sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, da alteração do juiz sentenciante que conheceu
de prova declarada inadmissível (art. 157, §5º, do CPP);”

7.5. Lei modificadora da competência e sua possível aplicação imediata aos processos em andamento.

Questão: Uma nova lei modificadora de competência será aplicada aos processos em andamento?
Exemplo 1: crimes dolosos contra a vida praticados por militares, ainda que em serviço, contra civis.

Antes da Lei 9.299/96, todos os crimes dolosos cometidos por militares contra civis eram julgados pela justiça militar.

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A partir da Lei 9.299/96, tais crimes passaram a ser julgados pela justiça comum.

Lei 9.299/96
“Art. 1º O art. 9° do Decreto-lei n° 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
(...)
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da
competência da justiça comum.
Obs: posteriormente, o parágrafo único do art. 9º do CPM foi alterado pela Lei n. 12.432/11.”

Diante disso, questiona-se: Os processos em questão devem ser encaminhados, de imediato, à justiça comum?
• A doutrina entende que a lei que altera a competência não deve ser aplicada aos processos em andamento. Nesse
sentido, há o entendimento do professor Gustavo Henrique Badaró.
Doutrina: “A garantia do juiz natural deve ser considerada como ‘norma substancial’, que confere um caráter
reforçado do princípio da legalidade e prescreve para o legislador o dever de regular a competência do juiz, sem
poder fazer retroagir a disciplina da nova lei a fatos ocorridos antes do início de vigência da lei que modifique a
distribuição de competência. Há, pois, do lado do legislador, uma obrigação de estabelecer a competência do juiz
pro futuro”. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2014. p. 158). Portanto, para as normas sobre competência, a regra de direito intertemporal não seria tempus
regit actum, mas sim tempus criminis regit iudicem. Enfim, juiz natural é o juiz competente segundo as regras
vigentes no dies comissi delicti.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92)


Artigo 8º
Garantias Judiciais
“1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

• Tribunais superiores: Na visão dos tribunais superiores, no exemplo dado, não há violação ao juiz natural. Não se
trata de tribunal de exceção porque ambas as justiças (militar e comum) estão previstas na CF/1988.

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Atenção: na visão dos Tribunais Superiores, norma que altera competência tem aplicação imediata aos processos
em andamento, salvo se já houver sentença relativa ao mérito. O motivo dessa exceção é para que não haja
violação à competência recursal.

STF: “(...) Com a promulgação da Lei 9.299/96, os crimes dolosos contra a vida praticados por militar ou policial
militar, contra civil, passaram a ser da competência da Justiça comum. (...) Hipótese em que já tendo sido
proferida sentença de primeiro grau e estando pendente de julgamento a apelação dos réus, não há falar em
novo julgamento, pelo Tribunal do Júri, em razão da promulgação da Lei 9.299/96. A controvérsia ficou restrita,
no caso, à competência para o julgamento do recurso. HC indeferido”. (STF, 2ª Turma, HC 76.510/SP, Rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 15/05/1988).

Exemplo 2: tráfico internacional de drogas cometido em comarca onde não há vara federal.
Antigamente, se fosse cometido o crime de tráfico internacional em uma cidade em que não havia vara da justiça federal,
ele poderia ser julgado pela justiça estadual (vara estadual da cidade). A partir da Lei 11.343/2006, essa hipótese foi
abolida.

✓ A delegação de competência federal ocorria com base no art. 109, §3º da CF

Constituição Federal, art. 109, §3º: “Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados
ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não
seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também
processadas e julgadas pela justiça estadual (redação original).”

Constituição Federal, art. 109, §3º: “ Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem
parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca
do domicílio do segurado não for sede de vara federal (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 103, de 2019)”

✓ Diante da nova redação do art. 109, §3º da CF, não há mais a delegação federal no âmbito criminal.

7.6. Convocação de juízes de 1º grau para substituir desembargadores.


Essa prática, segundo o professor, tem se tornado cada vez mais comum.

a) Previsão legal: Existe previsão normativa para a convocação de juízes de 1º grau para substituir desembargadores.

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LC 35/79, art. 118: “Em caso de vaga ou afastamento, por prazo superior a 30 (trinta) dias, de membro dos Tribunais
Superiores, dos Tribunais Regionais, dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais de Alçada, (Vetado) poderão ser convocados
Juízes, em Substituição (Vetado) escolhidos (Vetado) por decisão da maioria absoluta do Tribunal respectivo, ou, se
houver, de seu Órgão Especial: (Redação dada pela Lei Complementar nº 54, de 22.12.1986)”

Lei 9.788/99, art. 4º: “Os Tribunais Regionais Federais poderão, em caráter excepcional e quando o acúmulo de serviço o
exigir, convocar Juízes Federais ou Juízes Federais Substitutos, em número equivalente ao de Juízes de cada Tribunal, para
auxiliar em Segundo Grau, nos termos de resolução a ser editada pelo Conselho da Justiça Federal.”

b) Critério para convocação dos juízes:


O professor destaca que, no estado do Espírito Santo, o desembargador escolhia o juiz substituto. Esse procedimento foi
considerado inconstitucional pelo STF.

STJ: “(...) Não ofende o princípio do juiz natural a convocação de juízes de primeiro grau para, nos casos de afastamento
eventual do desembargador titular, compor o órgão julgador do respectivo Tribunal, desde que observadas as diretrizes
legais federais ou estaduais, conforme o caso. Precedentes do STF e do STJ. Na hipótese em tela, o Tribunal de Justiça
paulista procedeu a convocações de juízes de primeiro grau para formação de Câmaras Julgadoras, valendo-se de um
sistema de voluntariado, sem a observância da regra legal instituída (Lei Complementar n.º 646/90 do Estado de São
Paulo), qual seja, a de realização de concurso de remoção, tornando nula a atuação do magistrado de primeiro grau
convocado nessas circunstâncias. Ordem concedida para anular o julgamento do recurso de apelação, determinando a
sua renovação por Turma Julgadora, com a observância da lei de regência. (STJ, 5ª Turma, HC 111.919/SP, Rel. Min. Laurita
Vaz, j. 18/11/2008, Dje 02/02/2009).

STF: “(...) Os Regimentos Internos dos Tribunais de Justiça podem dispor a respeito da convocação de juízes para
substituição de desembargadores, em caso de vaga ou afastamento, por prazo superior a trinta dias, observado o disposto
no art. 118 da LOMAN, Lei Complementar 35/79, redação da Lei Complementar 54/86. Norma regimental que estabelece
que o substituído indicará o substituto: inconstitucionalidade. ADI julgada procedente, em parte”. (STF, Pleno, ADI
1.481/ES, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 04/06/2004).

c) Julgamento por turma (ou câmara) composta, em sua maioria, por juízes convocados:

É possível julgar um recurso com turma composta majoritariamente por juízes convocados.

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STF: “(...) Esta Corte já firmou entendimento no sentido da constitucionalidade da Lei Complementar 646/1990, do Estado
de São Paulo, que disciplinou a convocação de juízes de primeiro grau para substituição de desembargadores do TJ/SP.
Da mesma forma, não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto
majoritariamente por juízes convocados na forma de edital publicado na imprensa oficial. Colegiados constituídos por
magistrados togados, que os integram mediante inscrição voluntária e a quem a distribuição de processos é feita
aleatoriamente. Julgamentos realizados com estrita observância do princípio da publicidade, bem como do direito ao
devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Ordem denegada”. (STF, Pleno, HC 96.821/SP, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, j. 08/04/2010).

7.7. Especialização para o julgamento de crimes de lavagem de capitais.


A especialização é plenamente possível e é desejável. O professor destaca que ela se aplica não apenas aos crimes de
lavagem de capitais, mas aos crimes praticados por organizações criminosas, tráfico de drogas, Lei Maria da Penha etc.

Resolução n. 314 do Conselho da Justiça Federal (12/05/2003): os TRF’s deveriam especializar, no prazo de 60 dias a contar
da Resolução, varas federais criminais com competência exclusiva ou concorrente para processar e julgar crimes contra o
sistema financeiro nacional e de lavagem de capitais;

✓ A despeito dessa resolução, o entendimento é de que não é o CJF que deve especializar as varas. Tal especialização
é matéria relacionada à auto-organização dos tribunais e pode ser feita por portarias e resoluções.
✓ Não se trata de matéria sujeita ao princípio da reserva legal em sentido estrito.

Lei 5.010/66
Art. 12. Nas Seções Judiciárias em que houver mais de uma Vara, poderá o Conselho da Justiça Federal fixar-lhes sede em
cidade diversa da Capital, especializar Varas e atribuir competência por natureza de feitos a determinados Juízes.

CF/88
Art. 105 (...)
Parágrafo único. Funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
II - o Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da
Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões
terão caráter vinculante. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

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STF: “(...) Especializar varas e atribuir competência por natureza de feitos não é matéria alcançada pela reserva da lei em
sentido estrito, porém apenas pelo princípio da legalidade afirmado no artigo 5º, II da Constituição do Brasil, ou seja, pela
reserva da norma. (...) Se há matérias que não podem ser reguladas senão pela lei --- v.g.: não haverá crime ou pena, nem
tributo, nem exigência de órgão público para o exercício de atividade econômica sem lei, aqui entendida como tipo
específico de ato legislativo, que os estabeleça --- das excluídas a essa exigência podem tratar, sobre elas dispondo, o
Poder Executivo e o Judiciário, em regulamentos e regimentos. (...)”. (STF, 1ª Turma, HC 85.060/PR, Rel. Min. Eros Grau,
j. 23/09/2008, Dje 30 12/02/2009).

7.8. Designação de magistrados em regime de mutirão.


A designação de magistrados em regime de mutirão é possível.
A competência entre os juízes participantes do mutirão sempre deve ser fixada com base em critérios objetivos.

“Na visão dos Tribunais Superiores, não ofende o princípio do juiz natural a designação de magistrados em regime de
mutirão (penal, cível ou carcerário), no interesse objetivo da jurisdição, para atuar em feitos genericamente atribuídos e
no objetivo da mais célere prestação jurisdicional, até mesmo porque, em tais hipóteses, os magistrados não são
escolhidos para o julgamento deste ou daquele processo, mas sim designados de maneira ampla e indiscriminada para a
atuação em certo período de tempo, de modo a conferir eficiência à prestação jurisdicional e efetividade ao princípio da
razoável duração dos processos. Nessa linha: STJ, 5ª Turma, HC 441.393/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 18.08.2020; STJ,
6ª Turma, AgRg no REsp 1.815.618/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 18.08.2020. “

8. Princípio da publicidade.
A publicidade revela certa postura democrática e permite que haja controle interno e externo da atividade judiciária.

A doutrina costuma se referir ao princípio da publicidade como uma espécie de “garantia de segundo grau ou garantia de
garantia” (Ferrajoli).
✓ Esta concepção ocorre porque é a publicidade que possibilita a aferição do respeito a outros princípios
constitucionais.

8.1. Previsão constitucional, convencional e legal.


O princípio da publicidade está previsto no art. 93, IX, CF, o qual afirma que todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado
no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

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Além disso, segundo o art. 5º, LX, da Carta Magna, a regra geral é a publicidade. Entretanto, a lei poderá restringi-la
quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (exemplo: publicidade restrita em crimes sexuais).

CF, art. 93, IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o
interesse público à informação; ”

CF, art. 5º, LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem;”

CADH
“Art. 8º (...)
(...)
5. o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça;”

CPP, art. 792: “As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos
e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos,
ou previamente designados.
§1o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou
perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte
ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que
possam estar presentes.
§2o As audiências, as sessões e os atos processuais, em caso de necessidade, poderão realizar-se na residência do juiz, ou
em outra casa por ele especialmente designada.”

8.2. Divisão da publicidade


A doutrina trabalha com duas espécies de publicidade:

a. Publicidade ampla (plena, absoluta, popular ou geral).


Na publicidade ampla, o acesso aos autos é assegurado às partes, aos representantes e à sociedade.
✓ A publicidade ampla é a regra.

b. Publicidade restrita (segredo de justiça).

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Apesar de a regra ser a publicidade ampla, esta não tem caráter absoluto, podendo ser objeto de restrição em situações
em que o interesse público à informação deva ceder em virtude de outro interesse de caráter preponderante no caso
concreto.
Publicidade restrita se caracteriza quando houver alguma limitação à publicidade dos atos do processo. Nesse caso, alguns
atos ou todos eles serão realizados somente perante as pessoas diretamente interessadas no feito e seus respectivos
procuradores.

CP, art. 234-B: “Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.”

Segredo de justiça e cláusula de reserva de jurisdição


Imagine que um processo esteja tramitando em segredo de justiça (exemplo: processo envolvendo crime sexual). Neste
caso, uma CPI poderia quebrar o segredo de justiça para ter acesso ao conteúdo dos autos?
Não, pois há cláusula de reserva de jurisdição, que é o núcleo de direitos e garantias fundamentais que só podem ser
objeto de restrição com ordem do Poder Judiciário. Assim, se o segredo de justiça foi decretado, apenas o Poder Judiciário
pode quebrá-lo.

STF: “(...) Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia,
de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a
segredo de justiça. Este é oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus
poderes constitucionais”. (STF, Tribunal Pleno, MS 27.483/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 192 09/10/2008).

9. Lei processual penal no tempo

9.1. Normas de Direito Penal

Obs.: Lei penal não se confunde com a lei processual penal.

O critério do direito intertemporal no Direito Penal é o da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
Exemplo: art. 109, VI do CP (A prescrição passou de 2 para 3 anos nos casos de crimes em que a pena é inferior a 1 ano).

CP, art. 109, VI: “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste
Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela
Lei nº 12.234, de 2010).
(...)

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VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

9.2. Normas de Direito Processual Penal


Em relação às normas de direito processual penal, é necessário verificar a espécie da norma.
Segundo a doutrina, há a seguinte divisão:

a. Norma genuinamente processual: são aquelas que cuidam de procedimentos, atos processuais, técnicas do processo

No caso das normas genuinamente processuais, o critério do direito intertemporal a ser aplicado à norma é o do art. 2º,
CPP, ou seja, é o princípio da aplicação imediata. Esse princípio é traduzido pela frase: tempus regit actum.

CPP, art. 2º: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência
da lei anterior.”

Cuidado:
✓ A lei processual penal tem aplicação imediata, regulando, pois, o restante do processo.
✓ É necessário ter cuidado para não esquecer que os atos processuais praticados antes da nova lei são válidos, pois
foram praticados de acordo com a legislação então vigente.

Exemplo: extinção do protesto por novo júri pela Lei 11.689/08.


O protesto por novo júri era um recurso cabível no Tribunal do Júri e ocorria quando alguém era condenado à pena de
reclusão por um delito com pena igual ou superior a 20 anos.
O protesto por novo júri foi abolido pela Lei 11.689/08 e, na época, havia controvérsias sobre a natureza jurídica dessa
norma:
• 1ª corrente: parte da doutrina dizia que essa norma não poderia retroagir, ou seja, não poderia abranger crimes
ocorridos antes da vigência da lei. Era o entendimento minoritário.
• 2ª corrente: a maior parte da doutrina e a jurisprudência, entretanto, entenderam que a Lei 11.689/2008 tem
aplicação imediata.

LEI 11.689, DE 9 DE JUNHO DE 2008.


Art. 4º Ficam revogados o inciso VI do caput do art. 581 e o Capítulo IV do Título II do Livro III, ambos do Decreto-Lei no
3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal.

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STF: “(...) se lei nova vier a prever recurso antes inexistente, após o julgamento realizado, a decisão permanece irrecorrível,
mesmo que ainda não tenha decorrido o prazo para a interposição do novo recurso; se lei nova vier a suprimir ou abolir
recurso existente antes da prolação da sentença, não há falar em direito ao exercício do recurso revogado. Se a
modificação ou alteração legislativa vier a ocorrer na data da decisão, a recorribilidade subsiste pela lei anterior. Há de se
ter em conta que a matéria é regida pelo princípio fundamental de que a recorribilidade se rege pela lei em vigor na data
em que a decisão for publicada. (...) No caso em exame, os recorrentes foram condenados pelo Tribunal do Júri de São
Paulo em 26 de março de 2010. No ato de interposição do recurso de apelação, formalizaram o pedido alternativo de
recebimento da impugnação recursal como “protesto por novo júri”, pleito que não foi acolhido porque esse recurso sui
generis fora extinto pela Lei 11.689, que entrou em vigor em 8 de agosto de 2008, antes, portanto, da prolação da
sentença penal condenatória. Acolhimento do pedido alternativo de recebimento da apelação como recurso de “protesto
por novo júri”, mesmo após o julgamento do recurso de apelação, contra o qual também houve a formalização de recursos
de natureza extraordinária. Pretensão insubsistente e intenção de, por via oblíqua, desde logo cassar o acórdão da
apelação, cujos fundamentos ainda não estão sob o crivo desta Corte. Agravo regimental ao qual se nega provimento”.
(STF, 2ª Turma, RE 752.988 AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 10/12/2013, Dje 22 31/01/2014).

b) Norma processual material (mista ou híbrida): são aquelas que abrigam naturezas diversas, de caráter penal e de
caráter processual penal. Normas penais são aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos
da condenação e do direito de punir do Estado (v.g., causas extintivas da punibilidade). De sua vez, normas processuais
penais são aquelas que versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade.
Assim, se um dispositivo legal, embora inserido em lei processual, versa sobre regra penal, de direito material, a ele serão
aplicáveis os princípios que regem a lei penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benigna.

A doutrina entende que a norma processual material, também chamada de norma processual mista, é aquela que, de
alguma maneira, repercute no direito de liberdade do indivíduo ou traga em seu bojo normas do Direito Penal.
✓ Atenção: a partir do momento em que essa norma repercute no direito de liberdade do indivíduo (norma
processual material), o critério do direito intertemporal a ser aplicado é o da irretroatividade da lex gravior e
ultratividade da lex mellius.

O melhor exemplo de norma processual material é o art. 366, CPP. Para explicar o porquê dessa afirmação, é necessário
analisar a antiga redação deste artigo:

Antiga redação do art. 366: “O processo prosseguirá à revelia do acusado que, citado inicialmente ou intimado para
qualquer ato do processo, deixar de comparecer sem motivo justificado.’

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O art. 366 do CPP refere-se à citação por edital do acusado. Na antiga redação do art. 366, CPP, quando o indivíduo era
citado por edital e não comparecia, o processo seguia à revelia do acusado.
Este procedimento feria a ampla defesa no aspecto do direito de ciência do indivíduo acerca da ação.
Lembrando que a Convenção Americana de Direitos Humanos assegura a todo acusado o direito de ciência da acusação
que recai sobre sua pessoa. Por este motivo, o art. 366, CPP, foi alterado pela Lei 9.271/96, tendo a seguinte redação:

Nova redação do art. 366.


“Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o
curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se
for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. (Redação dada pela Lei n. 9.271/96).
§ 1o (Revogado pela Lei n. 11.719/08).
§ 2o (Revogado pela Lei n. 11.719/08).”

Obs.: A nova redação do art. 366 do CPP traz a previsão de suspensão do processo (norma processual) e a suspensão do
prazo prescricional (norma penal mais gravosa). Diante da existência concomitante de norma processual e norma penal
no mesmo dispositivo legal, o STF entendeu que a nova redação do art. 366 do CPP não poderia ser aplicada
retroativamente, só se aplicando aos crimes cometidos após a vigência da lei.

✓ O art. 366 do CPP é, portanto, norma processual mista.

STF: “(...) Citação por edital e revelia: L. 9.271/96: aplicação no tempo. Firme, na jurisprudência do Tribunal, que a
suspensão do processo e a suspensão do curso da prescrição são incindíveis no contexto do novo art. 366 CPP (cf. L.
9.271/96), de tal modo que a impossibilidade de aplicar-se retroativamente a relativa à prescrição, por seu caráter penal,
impede a aplicação imediata da outra, malgrado o seu caráter processual, aos feitos em curso quando do advento da lei
nova. Precedentes. (...)”. (STF, 1ª Turma, HC 83.864/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 20/04/2004, DJ 21/05/2004).

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✓ Obs.: O professor destaca que a mesma controvérsia relativa ao art. 366 do CPP tem se aplicado ao acordo de
não persecução penal, o qual foi incluído pelo Pacote Anticrime no art. 28-A do CPP.

10. Interpretação da lei processual penal

✓ Interpretar é buscar o sentido da lei.

CPP, art. 3o: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos
princípios gerais de direito.”

10.1. Analogia

Atenção: Analogia não é forma de interpretação, mas sim método de integração.


✓ Integrar significa suprir lacunas.

A analogia pressupõe uma lacuna/omissão.


✓ A analogia consiste em aplicar, para um caso concreto não previsto em lei, dispositivo legal previsto para uma
hipótese semelhante.
✓ Onde impera a mesma razão, impera o mesmo direito.

Cuidado: Ao contrário do que ocorre no Direito Penal, no Processo Penal, admite-se a interpretação extensiva, a aplicação
analógica e o suplemento dos princípios gerais do direito.

10.2. Aplicação supletiva e subsidiária do novo CPC ao processo penal.

Questão: Tendo em vista que o CPP é de 1941, é possível utilizar o CPC de forma subsidiária no processo penal?

CPC, art. 15: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições
deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”

✓ A doutrina entende que o art. 15 do CPC deve ser objeto de interpretação extensiva, de modo a ser aplicado aos
processos penais de modo supletivo e subsidiário.

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Obs. 1: etimologicamente, existe uma diferença entre aplicação supletiva e aplicação subsidiária. A primeira se destina a
suprir algo que não existe em uma determinada legislação, enquanto a subsidiária serve de ajuda ou de subsídio para a
interpretação de alguma norma ou mesmo um instituto.

Exemplo de aplicação supletiva do novo CPC no âmbito processual penal:

CPC, art. 43: “Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo
irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão
judiciário ou alterarem a competência absoluta.”

Obs.: A norma do art. 43 do CPC, que trata da perpetuação de competência, não encontra previsão semelhante no CPP.
Assim sendo, ela é aplicável ao processo penal.

Exemplo de aplicação subsidiária do novo CPC no âmbito processual penal:

CPC, art. 382: “Na petição, o requerente apresentará as razões que justificam a necessidade de antecipação da prova e
mencionará com precisão os fatos sobre os quais há de recair.”

✓ O CPC de 2015 traz, nos arts. 381 a 383, o procedimento para a produção de prova antecipada. Como não existe
previsão semelhante no CPP, há a aplicação subsidiária do novo CPC no âmbito processual penal.

Obs. 2: lacuna involuntária da lei como pressuposto para o emprego da analogia e consequente aplicação supletiva e
subsidiária do novo CPC no âmbito processual penal.

✓ O pressuposto básico para o emprego da analogia é a existência de uma lacuna no CPP. Só é possível utilizar o
CPC se o CPP for omisso ou deficiente em relação ao tema.

Conclusão: o emprego da analogia permitido pelo art. 3º do CPP pressupõe a inexistência de lei disciplinando matéria
específica, constatando-se, pois, a lacuna involuntária da lei. Por ser a analogia recurso de autointegração, e não
instrumento de derrogação de texto ou de procedimento legal, o emprego da analogia só pode ser admitido quando a lei
for omissa.

Exemplo 1: Contagem dos prazos exclusivamente em dias úteis.

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CPC, art. 219: “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.”

✓ Essa regra não é aplicável ao processo penal, pois o CPP traz regramento em sentido diverso.

CPP, art. 798: “Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias,
domingo ou dia feriado.
§1º Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.
(...)
§3º O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil imediato.”

Lei 9.099/95, art. 12-A. “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, para a prática de qualquer ato
processual, inclusive para a interposição de recursos, computar-se-ão somente os dias úteis. (Incluído pela Lei n.
13.728/18)”

Exemplo 2: Incidente de resolução de demandas repetitivas.


O CPP é omisso em relação à existência de incidente de resolução de demandas repetitivas. Assim sendo, é possível aplicá-
lo ao processo penal.

Ante o silêncio do CPP em relação ao assunto, é perfeitamente possível a aplicação subsidiária ao processo penal do
incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987 do novo CPC). A instauração desse incidente é cabível
quando houver, simultaneamente: a) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão
unicamente de direito; b) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Julgado o incidente, a tese jurídica será
aplicada: a) a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do
respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou Região; b) aos casos
futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo
se houver a revisão da tese jurídica firmada no incidente. Desde que a controvérsia em diversos processos criminais não
esteja relacionada à matéria de fato ou probatória, mas sim à questão de direito, esse incidente poderá ser suscitado com
o objetivo de evitar decisões contraditórias entre os juízos subordinados àquele Tribunal, preservando-se, assim, a
isonomia e a segurança jurídica. Admitindo o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no âmbito da Justiça
Militar da União: STM, Petição n. 7000425-51.2019.7.00.0000, Rel. Min. Péricles Aurélio Lima de Queiroz, j. 22/08/2019,
DJ 05/09/2019.

Exemplo 3: (Im) possibilidade de fixação de astreintes em desfavor de terceiros.

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“Para a 3ª Seção do STJ, é possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela
demora ou não cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal, podendo, para tanto, efetivar o bloqueio via Bacen-
Jud ou proceder à inscrição em dívida ativa dos valores. Na visão do referido colegiado, há de se ter em mente que a lei
processual penal não tratou, detalhadamente, de todos os poderes conferidos ao julgador no exercício da jurisdição. A
multa cominatória surge, portanto, como uma alternativa à crise de inefetividade das decisões, um meio de se infiltrar na
vontade humana até então intangível e, por coação psicológica, demover o particular de possível predisposição de
descumprir determinada obrigação. Assim, quando não houver norma específica, diante da finalidade da multa
cominatória, que é conferir efetividade à decisão judicial, imperioso concluir pela possibilidade de aplicação da medida
em demandas penais. No ponto, poderia surgir a dúvida quanto à aplicabilidade das astreintes a terceiro não integrante
da relação jurídico-processual. Entretanto, é curioso notar que, no processo penal, a irregularidade não se verifica quando
imposta a multa coativa a terceiro. Haveria, sim, invalidade se ela incidisse sobre o acusado, pois ter-se-ia clara violação
ao princípio do nemo tenetur se detegere. Na prática jurídica, não se verifica empecilho à aplicação ao terceiro e, na
doutrina majoritária, também se entende que o terceiro pode perfeitamente figurar como destinatário da multa.
Ademais, não é exagero lembrar, ainda, que o Marco Civil da Internet traz expressamente a possibilidade da aplicação de
multa ao descumpridor de suas normas quanto à guarda e disponibilização de registros conteúdos. Por fim, vale observar,
a propósito, a existência de dispositivos expressos, no próprio Código de Processo Penal, que estipulam multa ao terceiro
que não colabora com a justiça criminal (arts. 219 e 436, § 2º). Nesse sentido: STJ, 3ª Seção, REsp 1.568.445/PR, Rel. Min.
Ribeiro Dantas, j. 24/06/2020, DJe 20/08/2020.”

Exemplo 4: Interposição de recursos com intuito manifestamente protelatório e fixação de multa por litigância de má-fé
(CPC, arts. 79 a 81).
Há vários julgados recentes do STF que possibilitam a aplicação desse instituto ao processo penal.
✓ Obs.: Esse tema será trabalhado com maior detalhamento na aula sobre recursos.

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