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DISPOÉTICA

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DISPOÉTICA

Metáfora/afora/fora/a índole jurada de crise e rock’n’roll


eu sou a lira dispoética
repartindo o pão palavrificado
bebendo o vinho artesanal do tumulto
em cujo universo/verso/só e subdividido
na lataria da cidade

Manifesto dispoético
gritos partidos/tidos/idos e havidos no paladar da palavra
requebrada/quebrada/brada seu look feito suor do samba
desvencilhando do ramerrão inteiriço da ideia como as montanhas se
desvencilham do chão
corpus lugar do desvencilhamento
uma rima vem dos rins outra recorrente/corrente/ente recorte
outrora corte
atrás de montanha tem montanha
tem montanha tem Minas tem mim
repetidamente/idamente/ente aldrabado
minha palavra/lavra essas mudas de martelos
e esses pregos tristes explodindo cabeças
servidas numa caveira chapada de sexo droga e dispoesia
uma palavra entrando pra dentro de outra palavra
demolindo ideias fatiando a verve
entre um sample e grifos andróginos
quebrando/ando e cago pro mundo

Dispoesia método de filosofia decoração/coração/oração/ação e arte


subdividindo confundindo/fundindo/indo nessa
bagulhos com bugalhos
decompondo/compondo/pondo à prova dando a cara a tapa
quebrando e repetindo e repetindo sempre quebro quebrando
zoneando zoneio

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que para os outros sou eu e para mim são os outros
audiovisual no sangue (y)nquieto
o qual escrevinho aqui e ali como se fosse aqui e ali

Diverso/verso/só e vice-versa transfigurado em dispoesia


vate do abandono/dono do despedaçamento
meu discanto distância disritmia dispintura disléxico
perambulo com as ruas e seus cães vadios minha rubrica é escanzelada
organismo espostejado nas retinas que me levam
pela noite dilatada/latada/atada e mijada de postes
sarjeta dispoeticante na eterna morfologia do tempo
ao redor ao redor e ao redor

Online
ronca rouca
minha cuica na roda
da garganta de arrimo/rimo/imo
sentindo o swing da voz veloz no vão
repetir repetindo quebrando tudo repetindo na repetição repetindo
repetindo e repetindo
e um repique de atabaque/baque/que ata e desata baque
nas repartidas lanhas da noite
cadafalso da minha cabeça
batendo de um lado pro outro
percutindo pedaços alógenos
beatbox da incerteza
sambando pro rumo
arranhando fora do prumo
das entranhas ao largo
do largo ao epicentro/centro/entro e saio
descentralizando o samba alegorizando o flow
ao vivo e em cores
tal qual maior ou igual ao grito

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No front
bandeiras/eiras/iras e beiras
reciclam nasaladas de vício e solid-
ão de tão ão quão dá ãos no sólido ão da boca nariz e garganta
numa fedaputagem otorrinolaringológica

Esquartejamento reciclismo dispoético entre quartos e avos


carnaval/aval/val de frações e bundas
script no cu da madrugada
de onde o ritmo

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BANG BANG

Da bala sempre balett


em desabalada/balada/alada carreira
pichando hum grito no escuro
o grito é o spray no profundo muro da garganta
post scriptum
I love you
a balada da bala
bala viva corpo morto
desenho híbrido fruto-espinho
descaindo/caindo/indo em cactus
deserto bang bang

O temperamento mira/ira aritmética


do aro aquilo e aquilino da retina
arguindo a fria geometria
na irreversível trajetória
da bala parábola
em desabalada/balada/alada
a bala inabalada
arpoa o arco do peito
desfeito de paixão refeito/efeito/feito/eito de bala
balada do ódio
a despeito/peito/eito do amor
amor e ódio alojados na cavidade gritante
que mata/ata e desata

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TIRO CERTO

No entanto
nenhuma bala pressente
nem o gradiente certeiro
numa refração/fração/ação de segundos
o metálico calafrio da espinha
discado nas vértebras feito hérnia

Porém eu fui mais além


eu tive incertezas
apesar do tiro certo

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POR HUM TRIZ

Online
invoco/oco um beijo de batom acaju
o qual rejeito seco e molhado
na dubiedade
invoco o cigarro amarrotado/arrotado
no profundo/fundo/do baú
ao lado um corpo nu e cru
exala tabaco e vodu

Entretanto hum narquilé das arábias


esfuma um seminu
em posição de lótus
sob a lua candelabro/abro e fecho
as portas do céu
onde sobrevive meu chegado hum certo urubu
de estimação em risco de extinção

No fundo eu só queria dois dedos de prosa com cachaça


para arrematar/matar/atar e desatar esse vazio que sangra
por hum triz

No front
jogado num canto sem contorno
hum par de coturnos rotundo e desbeiçado
sorrindo/rindo/indo de si mesmo
no indeciso rangido de sucupira
do assoalho de tábua corrida
de lá pra cá e de cá pra lá

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POR HUM TRIZ E DOIS DEDOS DE DISPOESIA

Debalde invoco/oco a sua presença


a qual rejeito tanto e sempre
na dubiedade fixo o cigarro
rabiscado no profundo/fundo/do baú
ao lado hum corpo nu
exala vodu
e um narguilé das arábias esfuma hum seminu
em posição de lótus

Pra dizer a verdade


eu só queria dois dedos de dispoesia
pra me livrar do mal de amor
na moral
onde canta o uirapuru
e baseia o meu urubu
de estimação
pra desatar esse vazio que sangra
sob a lua candelabro/abro e fecho as portas do céu
abduzido por hum triz

No front
jogado num canto sem contorno
do casario colonial pendurado numa vetusta ladeira de Ouro Preto
um par de coturnos rotundos e desbeiçados
sorrindo/rindo/indo de si mesmo
dança hum bolero incidental
hum rangido de sucupira/pira
no assoalho de tábua corrida
pra lá e pra cá

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TE DIREI

Hoje
desde hoje de manhã a caminho de ontem
mirando a irada madrugada
eu te buscarei no rebuscado paradoxo de sussurros/urros e silêncios
e por mais paradoxal que pareça dentro da minha cabeça
somente o remix de hum baticum restar
corações batendo acelerados coração com coração
hum coração dentro do outro
hum só coração
madrugada adentro

Quando finalmente ontem vier de algum quiser/ser ou não ser


antevejo hum bouquet chapado de rosas e champanhe
enfeitando nosso boquete num sessenta e nove animal
o ar excitado de cravo e canela da índia
orgia de beijos com sortilégios esotéricos e tempestade solar
licor/cor pequi desatado numa frase brasileira bem brasileira
entre brotos de bambu e hum punhado de feijão com arroz no prato acolhedor da mão
jogado no cortejo de nossas peles entrelaçadas/relaçadas/laçadas ali feito palha de aço
nas lianas de uma luxuosa rede indígena urdida de bem urdida trama
arrojada de tal modo celebrando nossa epifania
a alma regada com azeite de cítaras indianas ao som de uma gaita de fole escocesa
um fado da Mouraria pandeiros ciganos e uma harpa paraguaia envergada no peito
na percussão Naná Vasconcelos o maior dentre os ogans
sangrando os anéis de Saturno e o arame do berimbau da Bahia de todos os santos
nossa sagrada madrugada

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De repente bem menos que de repente
um sol inverso há de brilhar outrora
com toda a aurora que lhe presta/resta/esta dispoesia
única chama acima embaixo ao derredor e ao redor
nosso amor de madrugada

Oh bem-aventurada amada
bendita brasileira/eira/ira e beira de mim
quando afinal ontem vier
de algum déja vu chegar
misturando a minha carne fraca à sua palavra fêmea
ontem de madrugada
eu morrerei de amor

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AQUARELA

Água de saber água de beber as águas vão rolar


Rio de Janeiro ferve fevereiro carnaval/aval/val da carne
água do mar espelho mágico do mundo Iemanjá odoyá
tirando onda onda do mar desvindo/vindo/indo e vindo
ginga nos quadris água capoeira/poeira/eira e beira dos brasis
água sangue bom com atitude única água tônica
água da fonte água mineral aquífero guarani
água de boa água da boa na boa se liga liga liga nessa
água da Bahia de todos os santos coração/oração/ação
água de coco doce de coco de coco coco água na boca
água do fogo no topo de Minas ouro fogo ferro e fé
água do vinho água da vida divina vida aquarela
água do ar de transformar retrata/trata/ata e desata Aquarius
água de comer água de fumar água de cheirar
água do céu na terra e no mar água asa águia
aguardente/ardente/ente aparentemente do sabor

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CAVALO

Eu sou deus
no entanto quando eu entro na túnica/única da luz do teu olhar
tônica do meu sobreviver mais que nunca do meu viver impreciso ver
e no infinito de mil e uma noites tu vieste ficar comigo
na ousadia me levitei nas nuvens de uma nova Bagdá
embriagado no teu olhar penetrante como o olho de Hórus que a tudo vê
ali eu refluí/fluí e desfrutei a tua pele química com língua alquímica
trejeitos carnudos entre tapas e beijos a pino
simples assim

Oh tu que medras no meu inconsciente


ofegante decoração/coração/oração/ação
subdividido e uno ao mesmo tempo
onde a palavra/lavra/a auréola vadia
dos teus seios perfumados
oferenda dos deuses

Online
coabitei com a sagrada ginga do teu ventre
como um cavalo árabe sangue bom puro-sangue
cavalguei nas tuas ancas
somente comparadas às potrancas de hum sheikh de Abu Dabi
peão do teu balanço funkeado
onde eu me perdi

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E do alto dessa
olhando a voluptuosa vibe da terra prenhe de amassos de amor
como se fosse a nós que ela amasse
enquanto isso selando a selva de estrelas rolava de tudo
teus mamilos do mal esguichando haxixe e mel
corações a mil

E na leveza da natureza transitória desta festa


eterno/terno/no fragmento daquele instante
mais que deus
eu fui cavalo

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O OUTRO CAVALO

Eu sou a luz
porém quando me transmutei
na luz alquímica do teu olhar
energia de ti
mais que nunca de ti
impossível de ti
quem sabe deste tu
quiçá quase tu
decerto nem tão minha assim
que ataviada como noiva para mim
tu vieste como hum sol da manhã em mim
feliz eu me embriaguei de ti em mim
no demiúrgico desenho que desenha a luz do acaso
e me acampei com os anjos
que me serviram luzes do céu e iguarias da corte
na mesa quadrangular medindo doze mil estádios
sendo comprimento largura e altura iguais
como Noel eu fiz hum samba em feitio de oração
me levitei numa nuvem
de boceta e cuzinho e peitinhos carnavalescos
onde rola a pérola rara
assinada por Joãozinho Trinta
eu sou povão gosto de luxo e riqueza
quem gosta de miséria é intelectual
alhures eu alisei o vermelho encarnado
sorvendo cada molécula das línguas de um beijo borrado
printei na ponta da língua a auréola safada

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dos teus divinos mamilos
ao arrepio os deuses

Entanto
levitando ao luar a 118 km de altitude
fronteira final do planeta azul
coabitei com o fogo boate-azul do teu ventre nas alturas
como hum Pégaso minha pegada sangue bom puro-sangue
na volúpia das tuas ancas volumosas
somente comparadas às potrancas dos carros do faraó
ali então naquela fagulha do tempo
eu vi a completude eu pude sacar a sincera imortalidade da alma
eu me enchi de júbilo
sentindo a voluptuosa curvatura da Terra
prenhe de amor como se fosse a nós que ela amasse
num layout de completa felicidade
me sentindo eterno/terno/no menos que daquele instante
mais do que deus
eu fui cavalo

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UM TANTO

Da janela/anela/nela/ela/lá/a alameda carnavalesca


estilo Joãozinho Trinta
já dissecando janeiro filho de Janus
mas fevereiro faz jus
chegou chegando
entre memes mimos momos e múmias alegóricas
é sempre fevereiro pandeiro e brasileiro carnaval
eu sou todo eu sou todo mundo todo mês todavia o que vier também
sobrevivida/vida/ida de mão em mão de batucada em batucada
na palma da mão na planta da noite na dividida
a terra e o céu de mãos dadas com cada qual
na batida da palma ou do samba no pé
cada um de mim justifica os fins
cada eu de mim é meio que o fim cada um tem de mim o fim de noite
de ciúmes com gim numa noite a fim de qualquer direção
cada qual de mim é um tanto alegórico

Eu sou um deus-batom aquele encarnado nos lábios


cobiçando a paixão da carne
e o enredo carnudo dos teus beijos

Que eu te darei um céu de cabeça pra baixo


outro abaixo onde rebrilham estrelas-do-mar
e acima de tudo uma estrela cheia de céus

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SE É PRA FALAR DE AMOR - Lado A

Dispoesia rastejante
em palhas de buriti
teus pés de rasteirinhas
tamborilando no crepúsculo
através do prana
da inflamada cama
onde reclama a pegada
da mais bonita história de amor
ora tu não existes
nem a teia dos teus beijos
numa textura viúva
de tão negra trama
com requinte de aranha

Mas vivo nulo a teus pés


no entremeio das tuas pernas
entre as nesgas em organza do teu vestido
no rasgado caimento das noites de luar
que mais se assemelham ao não existir

Eu vivo assim
nas insuaves bordas do vinho vitrificado na dispoesia do tempo
quando de uma talagada tu não existes

Apenso/penso/só em ti
logo eu que nem existo
de fato o batom desdiz
esse oblongo matiz
vermelho dispoético

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nele o espargir do inexistente
onde tudo começou

Se é pra falar de amor


ah eu te amo
ainda que tu existisses

Abrindo aspas nessa noite


em desabalada/abalada/alada balada
no inexistente
indagando as palhas rastejantes
dos teus pés de rasteirinhas
arrastando a madrugada
onde a dispoesia insone insinua

Que não existirão os teus beijos


muy lejos de mi
por la vereda tropical
como um beijo cabisbaixo deixado debaixo da porta
onde bilhetes vivem à solta
fazendo juras de amor
e não são apenas juras
são o mesmo vazio de sempre
nas bordas dos lábios
vitrificados na vertigem dos copos
que nunca bebi
quando de uma talagada
brindando a eternidade enquanto dure
que nunca existiu

Ora
eu já desisti de tudo
por pura subsistência ou muita fantasia
apenso/penso/só
logo eu que nem existo
pensando bem eu sou batom/tom sobre tom

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explícito/cito esse matiz
e a madrugada desdiz
por um triz
no colarinho do peito puído
gritando por sua extraviada chama
nela o inexistir
onde tudo começou

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SE É PRA FALAR DE AMOR- Lado B

Eu toquei punheta com bastante força


na dispoesia latejante
pensando nessa bunda que balança como a sagrada bunda da Anitta
embalança/balança/lança na minha cara
batendo como o bumbo tombo tambor
alegorias In-A-Gadda-Da-Vida
uma borboleta de aço desfila
e nada disso existe
que me prende como a letra de hum beijo
numa língua alegórica
com requinte de samba-enredo

Girando pra esquerda sou o mestre-sala do teu giro que gira comigo
no entanto no entremeio das tuas pernas a leveza e o gracejo de porta-bandeira
enquanto quebra as cadeiras girando pra direita
e canta hum Samba com timbre de tamborim
que mais se assemelha ao não existir

Eu vivo assim
elétrico atrás do teu corpo elétrico
entre tuas pernas torneadas meias-voltas e mesuras tu não existes
apenso/penso/só em ti
logo eu que nem existo
diz aí
oblongo matiz
vermelho espalhado
sentindo falta da batida de hum beijo
naquela mesma escola de samba
onde tudo começou

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Se é pra falar de amor ah eu te amo ainda que tu existisses
eu falo da bala palavra
abrindo aspas no coração
na indagada/da vida batendo forte como uma borboleta de aço
indagando as palhas rastejantes
dos teus pés de rasteirinhas
arrastando a madrugada
na existente dispoesia do bar
apesar de nada existir

Que não existirão os teus lábios


muy lejos de mi
por la vereda tropical
como um beijo deixado debaixo da noite
onde bilhetes vivem à solta
assinando boleros
e são apenas delírios

E por falar de amor eu vivo assim


nas bordas do vinho
vitrificado na vertigem dos copos
que nunca bebi
quando de uma talagada
brindando a nossa eterna indagação/ação

Ora
eu já vivi de tudo um pouco da rua do funk ao meio da lua sentado no lado oculto
por pura subsistência
ou muita fantasia
apenso/penso/só
logo eu que nem existo
penso e nada sou
mesmo assim
a madrugada contradiz
por hum triz

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esse beijo colado
no colarinho do batom puído
gritando por sua extraviada chama
nela o espargir de todo o elixir
do não existir
onde tudo começou

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FAROFA DISPOÉTICA

Ela não sabe o quanto desse impulso/pulso/só


na veia desafia/afia/fia o fio solidão
os dentes enlinguarados salivando um verso inculto e belo
e um elegante ganido de caninos de estridente linguagem
irrompe das entranhas do Rap
descentralizando o flow
na biosfera da noite

Exu sete facadas de impetrada percussão


dissecando a carne esotérica
no repique do tambor cerimonial
hum ponto de Exu
na mão torta hum tridente
na contramão hum patuá de farinha intrínseca
incorporado ao alguidar
couraça de lobisomem na soleira da porta
e uma fileira de sal grosso passa com graça

Bicho solto rastreando traços longilíneos


no suculento pescoço
orelhas enganchadas em um galho de arruda
pra espantar mau-olhado
tórax de bode e olho arregalado numa gamela de jequitibá
regado à luz de treze velas
mix de azeite de bicho com recheio de lua cheia

Então um turvo vaivém


repartido/tido/ido e havido das hierarquias da solidão
ora como língua ou lâmina
ora como lâmina ou língua

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A TRISTEZA DURARÁ PARA SEMPRE

De vez em quando
das plagas de ferro de Minas
minha palavra/lavra/a dispoesia
veio dispoético talhado em rocha bruta
proposta estética de ideias filosofia e arte
de vez em quando/ando/do lado de lá
no fio talvez da velha navalha amarela
que no pez dessa navalha
uma webcam de girassóis
girando em incomum/comum/um lugar paradoxo cibersexo meu quarto virtual
dependendo de quem o vê

Outras vezes
o despetalamento/lamento/ento da orelha
no dia 23 de dezembro de 1888
semelhante ao despetalar de hum cuzinho cheio de tesão
na noite de 23 de dezembro de 1988
em que subjaz a flor de um girassol interior
cheirando um verso maníaco-depressivo
que despetala os poetas e quebra as rimas
ali toda dispoesia exclama/clama/ama e odeia no incógnito
o incógnito unicórnio da alma
onde somente os não resignados sobreviverão

Entanto de vez em quando um amarelo pálido


a orelha dependurada no fragmento
de uma exangue carta de amor
pendida nos dedos amarelados de tabaco
me corta todo sangue de punhal
descaindo/caindo/indo fundo

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aspergindo raios fúlgidos
porque senão eu morreria
ou ficaria louco
na lua cheia que ora me cheira
que ora ricocheteia
no desângulo

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RETRATO

Bruxuleantes palavras bruxas borboletas borbulham


entre as paredes/redes descascadas
abaixo do teto rachado o piso trincado e hum retrato enrugado
ao derredor/redor /dor
hum debuxo em preto e branco
retrata/trata/ata e desata dispoético
pendente do cânhamo entrelaçado como pescoços amantes
enlaçado na corda do pescoço
hum certo poeta de mal traçadas linhas
viraliza hum self se enforcando
e se expõe como um ramo de arruda atrás da orelha
ou como uma metralhadora de melancia na cabeça
se é o quarto malcheiroso
pode ser chafurdado na lama
o lodo se prolifera/fera de umidade cinza e fungos
uma silhueta envergada no mármore encardido da pia do banheiro dá uma cafungada
o mármore encardido da pia do banheiro enverga também
envergado sai fungando o nariz
uma cabeça passa cortando outras cabeças como uma adaga envergada para frente
ninguém pra me beijar ninguém virá nos beijar não há bocas nem línguas
a vida é ausência
já passa da meia-noite e meia
e eu aqui

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MADREPÉROLA - O VÍDEO

Dentro da noite incomum


disparou pro quarto nu
sangue no olho temperamento ao rum
chegou o cano firme
xingando o calibre fatal
na boca/oca/a sangue frio
com a língua moluscamente descaída no espaço oco da boca
na rude face da pele
ardor gengibre sabor zacum

Na sequência ajeitou o celular na sinistra com sequela de pólvora


afastou-se do corpo dessangrando em câmera lenta
soprou o cano fumegante e postou na internet

Há quem diga da boca sabor a mi


sopro carnudo carmim carma/arma de urucum
e o revólver da morte
no apurado cacoete do magnum
cabo em madrepérola
mirando a dança enjambrada da cabeça
alojada num estampido subscrito às escuras
que amorteceu a queda no quantum

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CU

Louvo-te oh cu espicaçado/caçado/ado/do meu estro


escolhido a dedo é um dedo ereto que te dedilha direto e reto
os retos te amam
buscando de ti a melhor parte/arte com o diabo
regozijo-me em ti meu vício meu vinho meu mal
oh bem-vindo/vindo/indo e vindo numa onda legal
abrindo e fechando piscando quica e trava em delirante renúncia
rosa daninha minha serva/erva despetalada
que desabrocha arrocha arrocha arrocha
beijando a ponta da cabeça e pisca e pisca
da portinha até lá no fundinho
flor carnívora flor secreta flor faminta flor-de-flamingo
flor das flores instinto de beija-flor
esfolando a pele pontiaguda nervuras e veias estiradas
de um pau em transe

Oh jiló ungido diabo rosa-choq/


de onde o pacto
grifando insaciável o meu instinto indomável
oh botão infernal de pulsante abotoadura
e mais pulsante ainda evoco os meus louvores a ti oh pregas de esfrega
entre pétalas de bênçãos rolando no sagrado suor da face

Bem-aventurado anel plissado em ardente constrição


entre chicoteios eróticos cinquenta tons de cinza e chavões explícitos
nos vergões estalados da bunda
que arrebatada me acolhe

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ALMAS GÊMEAS

Oh distante metade
alma gêmea de mim
tu e eu repartidos/tidos/idos e havidos
em partes dessemelhantes
compartimos nossas imagens únicas
sob o alumbramento da Lua
nas terras de Adão e Eva
nesta uivante noite de inverno
que solidão animal dos desejos
somente a alma diz

Por isso mesmo/esmo amor


degredada costela de mim
sob o índigo blue luar
o espargir de nossa banida condição
desde o sopro da separação
viajamos na mesma dispoesia
sob a tempestade do acaso
numa desesperada busca de nós dois

Além disso
espargido amor
tu bem sabes de mim
o quanto ainda sei de ti
porquanto ainda podemos pressentir
a arquejante química que lateja
nessa enluarada conjunção
em que tão somente nos basta fixar aquele solitário ponto de luz
onde somos uma só carne no carnaval do firmamento
inseparáveis como amor e dor
compatíveis como a fogueira e o fogo da madeira

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PRÓLOGO

Esta palavra
Entrama/trama/rama e raiz do bem e do mal
à flor da pele
impele química

No entanto
a palavra/lavra/a fonte
de toda lágrima que há
entrecortada no engasgo
parada na garganta
feito nós

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NOITE BRUTA

Tanto lá e cá quanto acolá e alhures


onde suspira aquele pé de ipê no sopé da ladeira
após o aladeirado sopé daquela espécie de noite
pano de fundo da cidade
em que o tempo reentristece/entristece/tece e declina seu refinado pó
palavrificado no tilintar de uma galera de vozes
dos vorazes botecos lacerando o silêncio
as mesmas vozes que pautam o barulho do meu quarto apartado
embaralhado naquela noite bruta
de lutas e labutas filhas da puta
que dilapida os poetas

Entretanto
incapaz de dizer por onde andas
a noite fecha o seu pez de uma vez por todas
talvez porque aqui todos os passos são pardos
de vez em quando um gosto amargo de betume
e o cume de cabo de guarda-chuva
no volume segunda-feira na boca

Update
pergunte àquele pé de ipê ao sopé daquela espécie de Via Láctea
meio que derramando leite no céu numa noite montanhosa passando por Ouro Preto
rumo às estrelas
ora direis ouvir um funk das esferas/feras/eras
ondeadas na cibercabeça
que bem sabe do que eu seria capaz
para te entrever/rever/ver e reaver

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MEU BRASIL DISPOÉTICO

Cabeça livre coração pandeiro


no repique do pé sabor brasileiro
folia de bis
no chão dos quadris
fragmento abrasante meu Brasil dispoético
misturando pimenta viço pele em brasa perfume café
terra pura água boa celeiro do mundo em se plantando
águas são muitas infindas e em tal maneira é graciosa que
querendo aproveitar dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem
revivido/vivido/ido e bem-vindo escrito
desde o escriba Pero Vaz de Caminha e eu réptil
enquanto ela escrevinha na dança requebra/quebra nas cordas do cavaquinho
verdes amares/mares/ares
verdes matas verdes águas verdes mares moribundos
jequitibás sapucaias ipês maçarandubas e pau-brasil
mogno jatobá jacarandá imbuia e araucárias gemendo e chorando

Que o pinho nas águas do meu violão


chora verdejantes brasis decorações/corações/ações
água que dá verdade ao verde
envereda o farfalhar/ar samba cerveja suor e sol

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DEUS

Então
foi assim
ao sabor de uma fogosa caipirinha
fronteira final da Terra planeta cachaça
coabitei com os quatro elementos do teu sagrado ventre em fogo
como hum habilidoso mestre-sala entre meneios meias-voltas mesuras e torneados
e na volúpia abusada das tuas ancas
somente comparadas às passistas da escola de samba do Largo do Estácio
naquela fagulha de hum imenso Carnaval
eu vi a completude eu revivi/vivi/vi e desvi a cadência do Sol
eu me enchi de esplendor
sentindo a voluptuosa curvatura da Terra
prenhe de amor leveza e gracejo
num micronésimo de segundo em completa felicidade
me sentindo eterno/terno/no menos que hum instante
mais do que feliz
eu fui deus

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APARENTEMENTE

Minha querida namorada assim mirando-me


apertada em mim numa despedida abraçada no peito
curtindo comigo o crepúsculo
mergulhado no tanque do horizonte
embebido na lua de sangue/que lá vai surgindo
enquanto confuso/uso e abuso da dispoética cortante como bala
eterno/terno/no amor de juras divididas
porquanto o amor é feito de juras injustas e lágrimas/rimas/más
eu sou o revólver ao seu redor
apontado pra alma

Oh tu que vives do lúcifer que habita em mim


minha triste namorada aparentemente tu crês em mim
aparentemente pensas que me tens
ilusão de quem a paixão liberta
quando eu projeto teus seios lascivos na minha desbocada jaqueta jeans
ou quando tu sentes a morna desilusão dos meus abraços mortais
realmente ouvindo amor distante com Mano Brown
aparentemente tu crês em mim
aparentemente tu pensas que me tens
porém eu não existo
nem pra mim

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OUTRA VEZ APARENTEMENTE OUTRA VEZ

Minha dividida namorada/morada/da minh’alma mirando-me


abraçada comigo num abraço dispoético
ilustrando sabores de partículas de amor
provando o fruto da ilusão na fugaz luxúria da paixão
jurando-me eternos nudes no whatsapp
entre as flores de luz das estrelas cadentes de pano de fundo
onde eu me transfigurei
miscigenando minha pele brasileira com sua carne fêmea
o meu ponto fraco
como um Funk escrito no rebolar da sua bunda
devorando o meu olhar descendo até o chão

Oh tu que vives do lúcifer que habita em mim


minha triste namorada/morada/da minh’alma
mirando-me entre juras de amor beija-me
aparentemente tu crês em mim
aparentemente pensas que me tens
delírio de quem vive no auge
ora eu te engano
quando projeto teus seios lascivos
na minha desbocada jaqueta jeans
perfeitamente jogando a bunda
ouvindo Encaixa com Mc Kevinho e Leo Santana
flutuando na vibe
aparentemente tu crês em mim aparentemente tu pensas que me tens
porém eu não existo
nem pra mim

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SALAAM ALEIKUM

Oh amada Aisha minha irmã em Ismael gerado de Abraão e Agar


já soam as trombetas do juízo final
sou escombros/ombros/os mesmos despedaçados de assombros
nas ruínas do agonístico mundo bíblico
cambaleando/ando/o quanto posso me arrastando sem pé nem cabeça
vísceras virando lágrimas/rimas/más
pelas desnaturadas entranhas de Aleppo
por onde transitam ruas e becos degolados
sou entulho cinzento e o cheiro forte de morte no meio do caminho
onde eu me convenci ainda mais
do que eu sempre escrevi em minha vivida/vida/ida
de que nunca mais ouvirei o gorjeio inocente da primavera-verão
sob a lira bélica do sarin
a Terra errará achatada/atada/da guerra ao estopim
as montanhas virarão cinzas e o céu se fenderá
as estrelas implodirão como o World Trade Center
túmulos e totens revirados num grande motim
bandeiras/eiras/iras e beiras quedarão despedaçadas como o muro de Berlim
oh mulher de min’alma que Allah te preserve
eu rogarei ao glorioso Allah
que me conceda ao menos estar contigo no paraíso
em troca das setenta e duas virgens

36
FADO DISPOÉTICO

Pelo menos um fado


que num vacilo
me faça um pouquinho feliz
que pouco a pouco faça-me todo em ti
onde apenas uma sílaba seja façanha
num desnudamento dispoético
nudez que inunda minha inspiração/piração/ação
talvez de súbita desfaçatez
no indesmalhável feitiço do amor
que se traduz de tão fácil morrer
entre lágrimas arciformes
de tanta saudade
tão afeitas às gelhas da face
em feitio de coração/oração/ação
onde ainda rola uma triste guitarra portuguesa

37
ÃOS

E já germina o dia desbandeirado em decibéis dos imbecis


embocetamento em timbre de buzinas desafinadas
disritmia de pandeiros leros lorotas e zumbidos em ambos os ouvidos
mundo moribundo caixa de marimbondo nas fiações dos tímpanos
segunda-feira/feira/eira sem beira nem eira
estrume de cabo de guarda-chuva
desbandeira no volume amaro da boca
zumbi zunindo solid-
ão
sólido ão
insólito ão
de tão/ão
quão dá ãos
no nasalado/alado/lado da voz
arredores odores gás carbônico

38
TODA NUDEZ

Eu sou a harpa solitária


na calada/alada/da noite
e na loucura destes salmos
sou eu quem perscruta o sagrado beat do galo
que bordeja o bar desabrido
onde retiro a jaqueta
e a dependuro no avesso
povoado de vampiros e pimenta-malagueta

Entretanto uma garrafa frisante


na quebrada do balcão
tange meu abdômen distinto
por onde escorre o samba instinto
das vísceras em desalinho

Dispoesia encorpada
eu sou a harpa metafórica
na calada/alada/da noite
arrastando toda nudez
pelo salão ensanguentado de vinho

39
DISPOEMA DA SOLIDÃO

Oh dispoesia diverso/verso/só na correria


em busca dela dos carinhos dela dos beijos dela
da janela/anela/nela/ela/lá/a alameda na sacada
script sob o digital luar de janeiro ao meio do mundo
outrora jazz gerânios e juras de amor até não dar mais
poeta vira-lata entre lágrimas/rimas/imãs da solidão
sem o abrigo de nossos rins entrelaçados
aquele fio de cabelo no lençol esporrado da cama
bumbum debate/bate/até de madrugada
e sai pela janela eivada de ciúmes com gim
no fim de noite numa noite a fim de qualquer direção
debate/bate/até virar um cuzinho que insiste em seu desbunde
subindo e descendo até o chão
gemidos esvaem através do retângulo noturno da janela
são apenas mais uma de minhas incontroláveis fantasias
que desta vez o uirapuru não mandou seu funk encantado
e o agapornis de minh’alma bateu em retirada
nas tiras de um transverso/verso/só
like a rolling stones
eu sou um deus vampiro
aquele que vaga na janelidão
cobiçando/ando/o teu peito
roçando o peitoril acelerado da janela
e o arrepio animal do teu cangote

Que eu te darei um céu de cabeça pra baixo


outro abaixo onde resplandecem estrelas-do-mar
e acima de tudo uma estrela cheia de céus

40
GUIMBA

Tombou como uma guimba qualquer


nos braços alquebrados da amada amante
levava uma balada rasgada na mão
e um suspeito/peito/eito em prosa e versos

Ninguém sentiu a sua falta


nem o amarelo/elo do ipê
servindo de ponto no agito da praça
quando a noite sumia no meio da multidão

Nem quando se ausentou


das quebradas para sempre
ninguém sequer perguntou
pela dispoesia escrachada/rachada/achada na calçada
jorrando sangue de bala

41
DIZ AÍ

Ela não sabe


por suposto ninguém sabe
mas quando ela passa
um desfolhar/olhar/ar de pose toma posse
daquela rua se fosse minha
de repente o mundo muda
a pele inteira saliva
minha boca fica aguada
a boceta molhadinha
e um coração descrente/rente/ente da solidão
assaz sem noção
trepa na mesa e faz dispoesia

42
PARALELOGRAMOS

Aquelas línguas
entrelaçadas/relaçadas/laçadas ali feito aço
já foram beijos estrelados no enlace de nós dois
hoje são restos abandonados
depois daquela esquina
dispoesia no silêncio opaco da noite
naquela mal traçada rua
à direita de quem sobe
a esquerda avenida
com jeito de beco sem saída
e descaso de terreno baldio
sob a abóboda adúltera
do céu de lua nova pensando na lua cheia
onde a rua libertina e os cães vadios
ainda são o meu signo
porque eu também clandestino/destino/tino de sobrevivente
apenas picho um blues debaixo do muro
curtindo o riff da rouca ventania
espalhando folhas secas nos paralelogramos
de algum universo sem paralelo

43
QUIÇÁ

Um quarto caminha no escuro e fuma


numa umbrela de solidão
quiçá esquadrinhando o limite
um dedo se desdobra/dobra/obra e prolonga-se
indefinido na fumaça coadjuvante
tocando um violão fumê
café dormido pra acompanhar
que certas baratas
fazem quadrilha
outras tontas
que nos entreolhando/olhando/ando e cago
pro mundo lá fora
e entre um trago e um truque somos hum
eis o meu quarto
meu único metro
apenas um quadrado
esquadrejado com segredos de ogum
fundado em piso de poesia
sem o qual
o mundo não teria
como enlouquecer

44
DESDOBRO/DOBRO/OBRO DE JOELHOS

Destes amares/mares/ares nunca dantes tão inavegáveis


o que tem de ser tem força
venham todas as vozes vinguem todos os gritos e dispoesias
todos os rumores de prestidigitadores/digitadores/dores
que fragmentam as bundas e a Terra
todos os fragmentos de putas otários e putanheiros
que num dado momento a sonda recolhe
putrefatos/fatos/atos da noite profunda

E venham sobretudo as vozes dispoéticas


as quais não significam nada pra mim
com inspiração à queima-roupa
inúteis palavras
porque eu
a despeito de toda dispoesia
desdobro/dobro/obro de joelhos
nesse retalho de leito
onde haverá choro e ranger de dentes

45
SABONETE

Luar em lua de noite cheia


Maria excita o banheiro e o mundo inteiro
e um sabonete exala

Banho artesanal entranhado


descarrego de mangaba e gabiroba
do cerrado temporão
onde também nascem sabonetes do chão
e um sabonete exala

Cadência aconchegante
entre flores de vapores
roçando a rosa dos grandes lábios
o grelo eriçado/riçado/içado
debaixo do chuveiro
faceado de ondinas
e um sabonete exala

Por fim um repousar/ousar/usar e abusar da paisagem


nos domínios de Olorum
para além da varanda enluarada
onde o pensamento voa num alento/lento e calmo
como o adejar da lua nesse álbum
feitiço silvestre de rede
espreguiça em texto de tucum
no corpo fatiado em raios de luar
e um sabonete exala
como se fosse hum

46
ÃOS

Esses ãoa tão afunilados como o focinho de um cão


são ãos desde a porção da boca/oca
ao nasalado vão da garganta
soam nasais como sinos batendo asas na tarde
blém-blão blém-blão blém-blão
hão de dobrar por nós
esses ãos de tão ão cometem dispoesia
no entanto/tanto então/tão/ão
enquanto função/unção/ão da lacrimação/ação de toda lágrima que há
entrecortada no engasgo
enosada na garganta
feito nós de ãos
esses ãos tão quão entanto ãos gerando outros ãos
esses ãos hão de verter

47
DEUS NEGRO

Eu sou o samba
o meu andar é quebrado
nada requebra senão por mim
requebrado/quebrado/brado até o fim
e quando/ando
há sempre hum deus
algum deus negro
quebrando nos quadris
que mesmo parado
levanta capoeira/poeira/eira e beira - gingando brasis
eu sigo seguindo
se liga no meu canto
cantar é papo reto
e quando eu falo
hum sotaque nagô fala mais alto
que mesmo calado
baque do tambor atabaque e bongô
é hum grifo é hum grito é hum rito
e tanto assim tanto faz tantamente
desata baque atabaque/baque/que ata e desata baque

48
CLARIVIDÊNCIA

E a lua uivando pelo seu lobo-guará


rastreado pelas queimadas de longo alcance
mancomunadas com rifles e armadilhas
alastrando-se como se não bastasse

Eu lobo-guará
pastor notívago do exílio
abrindo a noite bicho solto
na clarividência canina dos dentes
em que também pastoreia
a pele espinhosa da lobeira

Tendo a fera terra por pátria


e a semiárida bandeira por céu
mote das secas fragrâncias
o meu jeito retrata/trata/ata e desata
o cerrado partilhado nos olhos
e um ligeiro retraimento agarrado no meu olhar
que de relance é a minha senha
mas se acaso me olhares direito
sentirás a doçura do jatobá
na indefinível secura do gosto
que seco se ajeita de esguelha na boca

49
MINÚCIAS

Lá entre olhares oblíquos


um olho gateado alhures
outro engatilhado/atilhado/ilhado no olho no olho

Entretanto
é o que lhe olhifica o olfato
acentuado à caça e ao caçador
por condição de instinto

É o que lhe aguça o olhar


afinado com o ataque e com a fuga
por instinto de ambivalência

No entreolhamento
há um minucioso gato na gente

50
QUILHA

Estou muito em vão


entre o engenhoso mix do mar
e a disposição de nix
colado nessa quilha
onde murmura o meu quinhão
que a balestilha cravada na lida
arfagens no tombadilho do tórax
e a estrela-guia adernaram nas entrelinhas
cuja estrela/trela/rela/ela/lá/a moribunda vela que me atrela
desde Meca à meia-noite

Que o cedro do Líbano se partiu no fundeadouro


os sete anjos a bordo a fumaça aqui assinalada/inalada/alada
entre caixas eixos pinos bandeiras e hinos
fragmentos de bússolas entrevados no córtex
derivam sem ancoradouro

Além disso
o que está em cima assim como o que está embaixo
todas as coisas por dentro e por fora seguem desnorteadas
como o remix da escuma
na máquina da arrebentação

51
OUTROSSIM

Ainda estamos por aí


entre hum tango e hum cabaré
atirando nossos olhos vermelhos
contra outros olhos vermelhos cara contra cara contra a maré contramão
sobrevindos das hierarquias da solidão

Que no pez dessa noite


talvez o banzo meu amor
um compasso zãibo
embainhado na carne
arfa no fole do peito
tingindo o fôlego desde La Boca
já desfeito/feito/eito de sangue

Outrossim
você que me mata/ata e desata
não do tango certeiro
porque dele eu não morreria tanto
mas atingido
pela vivida/vida/ida em vão
por não estarmos juntos e misturados
pelo não vivido remix
de morrermos adjuntos

52
PALAVRA BRUTA

Vinguem todas/as despalavras/palavras/lavras


entrecortadas no desajeitado nó da garganta dos bardos
onde canta a ganga da contradição
servida numa bandeja Blues
como a cabeça de João Batista

Quanto a mim
a única certeza que tenho
é a palavra bruta
tocando punheta
treta ofegante
quebrando insone
na noite complacente como hímen
comendo o cuzinho da amada amante primeiro e único item
em quem me amarro
e sempre preciso dizer alguma coisa

53
NAVALHA NO CIO

Nem afrouxa
o talante autoerótico da bem urdida corda
com manha de cânhamo
prazer maligno
talento/alento/lento nó
gozo intenso de morte
acochando a fauce ofegante

Asfixia com atitude


corta-me o oxigênio no cio
como navalha viciada
no delírio do corte

54
FILOSOFIA

Os melhores momentos
ensinam o tempo a passar
isso é dispoesia

Os melhores marinheiros
ensinam o mar a navegar
isso é dispoesia

As melhores aves
ensinam o vento a voar
isso também é dispoesia

As melhores reflexões
adversos/versos/sós
nascem na adversidade da solidão
isso é filosofia

Mas a melhor dispoesia


é a arte do mais pesado que o ar
sobrevoar/revoar/ar terra e mar
sem asas e com filosofia

55
TUDO IGUAL

Por quê?
sim
por que comentário?
se fui otário
bem mais do que eu fiz
meu coração não contradiz

O mundo retroagirá/agirá/gira a girar


dentro da minha cabeça
hum trago após outro
a paz me deixa
e vai para o quintal
e tudo continua igual

56
VOIL

Comemos e bebericamos
no dois mil e hum em uma noite morna de verão
pra comemorar a ancestral amizade
sorridentes/dentes/entes da claridade animal
rangando meio a meio marguerita e quatro-queijos
numa orgia vegetariana
regada com trejeitos de bicho
e azeite de lua cheia

Vínhamos
de todos os sexos de muitos povos de toda cor de toda parte
daqueles campos sem amor
onde enterraram nossas cinzas em cruz

Sozinhos
nas trincheiras de Minas
testemunhamos caras e bocas
gemendo e chorando de tanto engano

Naquelas mesas quânticas papos sem nexo


as mesas ouviam e riam de nós
cercados de cortinas sem janelas
e janelas sem paredes decifrando nossos códigos incomuns
o Vá o Beto e eu
três cabeças anexas
os três mistérios

Perto de nós
uma fonte decorativa borbulha entre borboletas
cores insípidas aos borbotões
espalhando gotículas de voil
gotejando cabeças cortadas

57
como cortinas esvoaçantes
mas de hum véu tão simples
que já começava a esgarçar-se
simples assim

58
DISPOESIA DA SOLIDÃO

Oh dispoesia de triste correria


quebrando na janela/anela/nela/ela/lá/a alameda na sacada
sob o digital luar de janeiro a janeiro ao meio deste mundo pandeiro
outrora samba gerânios e juras de amor
que hoje hum poeta vira-lata entre lágrimas/rimas/imãs da solidão
sem o abrigo de nossos rins entrelaçados
as mesmas lágrimas nos farrapos do frio lençol de linho branco
ao sabor de uma nesga de luar que insiste em seu desbunde
através do retângulo noturno da janela
que desta vez o uirapuru não mandou seu Funk encantado
e o agapornis de minh’alma bateu em retirada
nas tiras de hum transverso/verso/só

Que eu te darei hum céu de cabeça pra baixo


outro abaixo onde resplandecem estrelas-do-mar
e acima de tudo uma estrela cheia de céus

59
BUQUÊ

Esta videira triste que ao mesmo tempo me absorve/sorve/vê


e me sacraliza ao mesmo tempo
é a mesma que me degusta al dente
enquanto lentamente me cheira
num retalhado desenho de areia com titanium
cristal de dores fermentadas na taça do vício
de se embriagar em mim
insuavemente/avemente/ente insinuante no voo do buquê
que se torna maior ainda flanando contra o profundo/fundo/do copo
na eterna morfologia do tempo ao redor ao redor e ao redor
cujo organismo são partículas em suspensão e com depósito
algum vislumbre acidificado escorrerá no azedume da vertigem sem fim
beba-me vinho no tinto buquê do passado que também é presente e futuro também
bébame bébame mucho
como si fuera esta noche
la última vez
pero si bébame con alma de bolero
se possível na minha envelhecida carne
cujo organismo nunca terá paz
mas a metafórica ferida
e terá na boca aquela sensação de lâmina

60
GARRAFA QUEBRADA

Talvez eu seja este alien perdido em mim mesmo


o Uber me deixa na porta de algum bar entreaberto/reaberto/aberto
numa linguagem de distúrbio

sob o lúmen das luzes dos postes


que bordeja a sarjeta desabrida
retiro a minha imagem e semelhança
e a dependuro no arcabouço da noite

De algum modo
aquela garrafa frisante
de controverso destino
tanto conserva o sabor que mata a dor quanto fere de morte e mata de amor
entretanto aquela garrafa requebrada/quebrada/brada na quebrada do balcão
tange meu abdômen retinto
concebido pelo instinto
por onde escorre o homem
das vísceras em desalinho
ritual dispoético
na calada/alada/da noite
arrastando minha roupagem
pela garrafa quebrada de sangue

61
DA JANELA

Da janela/anela/nela/ela/lá/a Lua suave/ave/vê a si mesma


gotejando fissuras nessa espécie de alameda
de donde crecen las palmas
as falhas das folhas pedúnculos e flores
no embalo do perfume
acondicionado no ar de luar
desde o Big Bang
até o Big Ben
ave lua
como janela
pela noite eterna
da suave explosão

62
HUM

Hum quarto caminha no escuro e fuma


numa umbrela de solidão
quiçá esquadrinhando o limite
hum dedo se desdobra/dobra/obra sua onda e prolonga-se
pronome indefinido na fumaça coadjuvante
dedilhando o swing num violão fumê
café dormido pra acompanhar

que certas baratas


fazem quadrilha
outras tontas
e nos entreolhando/olhando/ando pelos cantos
entre hum trago e hum truque
somos hum

eis o meu galardão


meu único design
apenas hum
esquadrejado com segredo de ogum
fundado em piso de dispoesia
sem o qual
o mundo não teria
como enlouquecer

63
BOA NOITE

Meia noite enfim


o sol está morto e sepultado
o dia se partiu em duas noites sobrepostas
que o horizonte não tem nada mais a ver para mim

fujo de mim que insiste em pensar em ti


ensaio hum dispoema impossível
recortes no quadrante de hum voo cego
força antinatureza desnatura por inteiro
espalhando sem direção como incêndio nas palhas da fumaça

No entanto
pela fresta/resta/esta janela
somos línguas de suor no mundo que incendiamos
serpenteio de salamandras
enxame de chamas nas fibras dos lençóis
acender as cinzas com a pele em brasa

64
NARANJO AMARGO

No entanto redivivo/vivo/o desvio


metamorfose flor olente
acidez em cidra
depois doce no tacho
assim amor fel flor
fruto amaro
anjo guerrilheiro nas rinhas do senhor
asas entrecortadas versos esgrouvinhados
sou palavra/lavra decaída

sumo do tambor água de junco fermento vegetal aguardente


o poder da terra/erra rumba
essências ao rum
jogo de cura e fogo no seu olhar
eclosão citrina
com jeito de antirrumo
gosto de terra em erupção

Diga-me das gelhas do rosto peregrino


gotejando Salsa suor e malícia cubana
encarvalhar a música alta num tonel de aguardente
como único provimento
y bifurcado me entrego ao anti e ao ente

Finalmente
minha íntima canção
meu amor
minha Bhagavad Gita
meu yin-yang
lança-me hum lenço de linho branco
para a mesura das mãos
que o soberano equador teceu
só para me lembrar de ti

65
no dia da grande travessia
nas entrelinhas duma cápsula
via whatsapp
amuleto que batalha em nós
com intenção de morte
aquilo que é amor

66
GRITO VIGENTE

Elucubro
na escalada/calada/da noite
substância partida no paroxismo
que circunda a praça
dispoema místico
nas ruínas do id
beijo hip hop
que joga comigo
num beijo da morte
amuleto que batalha em nós
com intenção de morte
aquilo que é morte

67
ENIGMA

Neste sábado morno/orno o corpo esquálido de camiseta e calça jeans


levando o verão à flor da pele
devoro a Lua surgindo/urgindo/indo de bar em bar
entre um banquinho e um violão
à procura da química dispoética
que me define
flertando a esfinge que me decifrar

68
SÓ PRA DIZER QUE TU ÉS MINHA

Dá-me a púrpura gustação da tangerina


movimento de astros no arco do entardecer
que tange o sabor
evento de floração
abelhas são todas bem-vindas
e todas são rainhas

Água na boca
matéria do caos
o poder da terra/erra no diáfano
ejaculando especiarias das índias ocidentais
aflorada picante vermelha negra branca amarela
mestiçando a cor

Diga-me das gelhas do rosto gestando o suor


da próxima safra antes do dilúvio universal
amassar o pão e curtir o trigo

E lança-me um lenço de linho branco


para a mesura das mãos

Diz aí
florada do amarelo
esperando o ipê e o açafrão

Outra vez o cheiro da flor de tangerina


que tange a curva poeira correndo atrás da estrada
me chamando a atenção

Me estende a língua
que ensaia o óbvio
na ampola pop dos lábios
onde eu me predestino/destino/tino do bem e do mal
como se fosse hum beijo
vindo de algum bem do mal ou de algum mal do bem

69
Finalmente me toca com mão delicada
rasga o meu peito bruto
e arranca-me o coração
só pra dizer que tu és minha

70
AMOR/OR NOT LOVE

Amor/or not love


dividido/ido e vindo amor
amor amaro/aro vicioso

Amor/or not love


amor glamour
mon amour meu bem meu mal
desamor/amor/or not love
amor repartido/partido/tido/ido e havido cego
desassossego cego/ego
cegamente amo

71
SÓ EU SEI DAS SEMENTES DO AMANHÃ

Enquanto a tarde/arde/de primavera-verão


o bagulho é louco
na coscurante aquarela dos nossos dias
eu penso talvez o que será de ti
no pez da meia-noite
epílogo da vida
angústia de quem vive
como Vinícius disse hum dia
e alguém desdiz/diz ou condiz por aí
sentirás então o teu corpo aninhado em versos quentes
serei eu sobrevindo/vindo//indo e bem-vindo/do bosque
da raiz da eternidade
onde hum coração pulsa o teu nome
que é semente do meu nome também
beijos carinhosos
te quero

72
BALÍSTICA

O temperamento mira
longamira/mira/ira métrica
no aro aquilo e aquilino da retina
riscando as vértebras sem morfina
arguindo a fria geometria da bala
no calafrio encurvado da espinha
alinhada com a irreversível trajetória
que transfixa o instante

Mas eu fui mais além


eu tive incertezas
apesar do tiro certo

73
JOIO

Tombou como uma vagabunda guimba de cigarro


nos braços alquebrados da ex-amante
levava uma balada rasgada na mão
e um suspeito/peito/eito partido em prosa e versos

Ninguém sentiu a sua falta


nem o amarelo/elo do ipê
servindo de ponto no agito da praça
quando a noite sumia no meio da multidão

Nem quando se ausentou


das quebradas para sempre
ninguém sequer perguntou
pela poesia escrachada na calçada
jorrando sangue de bala

74
HUM

Lá onde a poesia é hum


jardim deflorado
onde murcha hum
beija-flor
esperando hum
beijo cair do céu

Rimar amor e dor


pra quem é de amor e dor
meu coração ynquieto
ungido ao relento/lento perfumado de pele
vívida/vida/ida
em palavras quebradas

75
FACA

Difuso/uso/só/o céu nublado como a tristeza de hum samba


tendo o chão árido por pátria
o vento por bandeira/eira e beira
e o samba por poesia
onde rola minha cabeça
essa ogiva decepada
único despojo
referendado pelos abutres
na exegese do deserto
que anda comigo
semelhante à faca interior
a mesma que perturba o sangue
e outorga o corte

76
O ELEMENTO CINZA

De nada adiantou a tarde gris


numa garrafa de gasolina
percorrendo os cômodos conflagrados/flagrados/grados fumê
sob o cinzento olhar da armada amante
cingindo o meu quarto delinquente
que rasgou nossas fotografias em crise
pôs fogo numa cópia dos comedores de batatas de Van Gogh
se apoderou do meu corpo feito Funk
deixando um cinzeiro indelével
ritmo lágrimas/rimas/más
onde eu me perdi

77
MELODIA DA NOITE

Meia noite dilatada


na retina resvalando
sob a chuva techno
idas avenidadas revoltas retas
ruas estilizadas avenidas sem paralelos ecos em cruz
hum Funk esquinado nos artefatos/fatos/atos da noite

O freio tardio grifa o olhar


na mecânica abrupta do asfalto

Por suposto o curso à deriva cospe a cabeça


pra fora do corpo num surto retilíneo disforme
invólucro de neblina sublinha o intransigente post mortem
robotizado na circular rigidez cingindo a misteriosa cápsula do tempo

Hum olhar vazado engosma o éter noturno


ranho a ferro e fogo golfando ecstasy e bebida vagabunda
misturas rajadas de boca
no cintilante contorno do sangue

Na liturgia de uma ideia fixa


ferragens atravessadas
na ogiva do crânio
função piercing
silêncio impregnado

78
O CENTRÍFUGO

Atormentado pela saudade súbita


o meu quarto apartado
exclama/clama/ama e odeia no deserto
o desconhecido deserto da alma
em busca do amarelo-vangogh
sentindo falta da navalha amarela
esparramada na orelha

Onde a mesma orelha


dependurada no amarelo pálido
de uma exangue carta de amor
e hum cigarro aceso
aspergindo raios fúlgidos
morre hoje de lua cheia
sob a regência da solidão
que ora ricocheteia
no desângulo

79
ARANHA METAFÍSICA

Meu pai me deixou em estilo inglês


um jacarandá em feitio de escrivaninha
herança do seu ofício de guarda-livros

Da madeira-de-lei selando o fundo da gaveta


entre inúmeros/números/meros recortes amarelados
do saudoso Jornal do Commercio
saltou com atitude e faca nos dentes
uma bonita aranha
com manha de viúva-negra
em estado de alma
ostentando dois triângulos vermelhos
tipo ampulheta na curvatura do tórax
deixando hum bilhete urdido no ar

Na moral sejas pirado/irado


nunca faças dispoesia
sem que a piração te inspires
porque nenhum poeta é suficiente/ciente do seu mister
na arrogante lucidez da transpiração
no entanto a dispoesia ama a transpiração/piração/ação

80
MADREPÉROLA - O VÍDEO

Naquela noite incomum


disparou pro quarto nu
encostou o cano firme
xingando o calibre fatal
na desarmada fronte do amado amante
ardor gengibre sabor de zacum
na rude face da pele
sangue no olho temperamento vodum
ajeitou o celular na mão empoada de pólvora
afastou-se do corpo dessangrando em zoom
soprou o cano fumegante e postou na internet

Há quem diga da boca sabor a mi


sopro carnudo carmim carma/arma de urucum
e o revólver da morte
no apurado cacoete do magnum
cabo em madrepérola
mirando a dança enjambrada da cabeça
alojada num estampido subscrito às escuras
que amorteceu a queda no quantum

81
CARAMUJO

Que porra é essa


#embranco por dizer
aglutinada no cérebro
latejando guerrilha
de bala perdida
que atravessa/avessa/essa branca madrugada
por onde
caminha/minha/inha dispoesia
tão diminuta
esvaindo infinitos

82
NULO

Acordes rastejantes
em palhas de buriti
teus pés de rasteirinhas
tamborilando no crepúsculo
através do prana
da inflamada cama
rebusco rumores
de hum passado inexistente
Tu não existes
nem a teia dos teus beijos
numa urdidura viúva
de tão negra trama
com requinte de aranha
Ah eu vivo nulo a teus pés
entre as nesgas em organza do teu vestido
no caimento da noite
que mais se assemelham ao não existir
Assim nas bordas do vinho
vitrificado na vertigem dos copos
quando de uma talagada
tu não existes
apenso/penso/só em ti
logo eu que nem existo
de fato a língua não desdiz
por hum triz esse beijo insípido
nele o espargir do vazio
onde tudo começou

83
SÍLVIA

Se me fosse possível desprender


dessas lágrimas/rimas/más/as quais me refiro por estas páginas e páginas
e do grito engasgado no peito/eito da solidão
pela noite sensível deste sábado
eu arrancaria com os dentes
a mais bela calcinha preta do Jardim do Éden
para te entregar com a boca quente
num beijo selvagem

Entanto
nesta noite
em ti penso/só/ó Sílvia/via desta selva canção
que eu faço muito louco de saudade
olhos que bem sabem olhar nos meus
álamo de lábios na terra dos meus
que também são teus
e um sorriso criança
que balança as palmeiras
espalmadas na alameda enluarada do céu
onde eu te entrevistei hum dia

84
VIOLÃO DANINHO

Ela não sabe o quanto


minha saliva se afia
meus dentes ficam enlinguarados
a tez enrubescida salta o cego olhar cego
combinando com a bruxuleante taça de veneno
remida na maçã da serpente
quando jorro na delicada face da sua pele
gengibre tempero cru calibre de amor
um naco respingando meu néctar
lambe-me todo como égua no cio
ela não sabe
quando eu chego sou bem chegado
hum violão anda comigo
ele é o meu pacto
é só o prenúncio
do meu diabo
depois a gente se mata
e fica o slogan lambuzado

85
QUÍMICA

No entanto
antevejo na química dos lençóis
uma carne grifada na paixão
até o fundo estalado dos ossos
o quanto teríamos somente a nós
nossos/ossos/sós/os ossos a sós
e a noite pródiga por testemunha
Que nada nos dividiria
nenhum butim nenhum desterro/erro nenhum
nenhum serafim nem Odin nem Putin nem o muro de Berlim antes de 1989
seríamos o rock’n’roll hum do outro
enfim
num fim de noite de ciúmes com gim
num clarão de clarim numa noite a fim do que for
até o fim do mundo
menos da metade de uma noite inteira
valeria por mil e uma noites

86
CACHAÇA

Nesta sexta-feira sem festa ainda me resta a falta que fala de você
sou hum resto de homem que ainda anda e acho que não te verei jamais
a Lua vem surgindo/urgindo/indo índigo de bar em bar
instar os tempos de hum banquinho e hum violão
tempos de amar na rua na praça no banco da praça
hoje esta cidade é uma enorme flor negra pontilhada de luzes negras
imensa tulipa negra de tiros roubos e prisões sem fim
homens chutando cabeças de homens
homens perdendo a cabeça quaresma de homens sem cabeça
impressas/essas falas fotografando charutos
numa garrafa de havana digitalizada na encruzilhada
mãos falantes/antes prensando cigarros viciados em fumaça
flutuando acima de dedos instáveis numa euforia alcoólica inexatidão da vida
matemática escravidão matemática dias úteis
sentimentos inúteis amores mortos mortes sentimentais
apenso/penso/só na cidade que me transforma em solidão
que desbarata desbaratina desmata/mata/ ata e enlata
que não tem aonde ir que não consegue ou não sabe
ou porque não se lembra mais

87
AXIOMA

De algum não lugar


surgiu a dama vagabunda
fagulha/agulha intensa
tinha em seu olhar
a saga da hulha bruta
que guarda a brasa viva
como um axioma transcendental
onde tudo pode ser e não ser
e não ser ao mesmo tempo

88
O INTERIOR DA VOZ

Naquela quebrada/brada inda


a ganga do meu andar
porquanto quando/ando há um samba
gingando no meu quadril
que mesmo parado
é capoeira/poeira/eira e beira
congado e brasis

Minha cadência é quebrada


com trejeitos de dispoesia
há hum perigo riscado na minha garganta
pois quando eu falo
hum papo reto
que mesmo calado
é atabaque/baque/que ata e desata baque

89
À PROCURA DA SÍLABA PERFEITA

Tomai e bebei esta oblonga e não adestrada/estrada/da vida


à procura da sílaba perfeita
que peregrina sob a luz da lua
saga do meu lobo interior
cuja lanolina lubrifica as estepes
por onde pisarei/rei e súdito
sentindo o cheiro de lua cheia
script nas sardas/das estrelas
de onde o ritmo

90
TE DIREI

Olho para os lados


não há lados
só mutretas/tretas/retas tortas e entrelinhas
e o que mais me dói
é a inexplicável ausência

Você me olha demais e não consigo entender


eu te olho e não me vejo no pixel dos olhos teus
nem no canto vulgar da tua cabeça
nem no sublime estado do teu coração

Não é somente a mim que estranhamente não vejo em ti


nem posso me ver
e não há nada que eu possa fazer
só o termo/ermo de mim mesmo
zero absoluto zero à esquerda
organismo zerado
morte de poesia
hum nada
o fim

91
CASUAL

Boa noite
noite boa
ainda pressinto/ressinto/sinto al dente
o misterioso cheiro de lua cheia
no feno-de-cheiro colgado de sereno da roça

92
QUÍMICA

No entanto
antevejo na química dos lençóis
uma paixão grifada/fada/da profunda alma da pele
até o fundo estalado dos ossos
o quanto teríamos somente a nós
nossos/ossos/sós/os ossos a sós
e a noite pródiga por testemunha
Que nada nos dividiria
nenhum butim nenhum desterro/erro nenhum
nenhum serafim nem odin nem o muro de berlim antes de 1989
seríamos o rock’n’roll um do outro
Mas antes do fim de noite
a varada madrugada a fim de nós dois
até o fim do mundo
menos da metade de uma noite inteira
valeria por mil e uma noites

93
TE DIREI

E ainda vive naquele bar dispoético


hum clima de vinho e viola caipira
aquela velha bota rangedeira
e a camisa de saco de aniagem
aberta ao peito/eito da dor
o fim de noite ynquieto dois caminhos duas hastes duas faces divididamente
ynquieto como eu sempre escrevi
ípsilon grafado dentro de mim onde há dois caras como dois lados da mesma moeda
essa lágrima retinta/tinta partida no instintivo rímel da noite
e uma desesperada marca de batom/tom sobre tom
no colarinho do coração puído gritando por sua extraviada chama

94
ALIÁS

Aquelas línguas
entrelaçadas/relaçadas/laçadas ali feito aço
são os mesmos beijos estalados
no enlace de nós dois
depois daquela esquina
escrita em off
naquela mal traçada rua
à direita de quem sobe
a esquerda avenida
com jeito de beco sem saída
e descaso de terreno baldio
sob a abóboda adúltera
do céu de lua nova cobiçando a lua cheia
onde a rua libertina e os cães vadios
são os meus signos
porque eu também clandestino/destino/tino de sobrevivente
apenas picho hum blues debaixo do muro
curtindo o riff da rouca ventania
espalhando folhas secas nos paralelepípedos
de algum universo paralelo

95
E POR FALAR DE AMOR

Se é pra falar de amor


ah eu te amo
ainda que você existisse
Falo da bala sempre ballet
em desabalada/abalada/alada dispoesia
no peito/eito da dor
onde falam as palhas rastejantes
dos seus pés de rasteirinhas
arrastando a madrugada
na fria penumbra do meu quarto insone
a despeito de nada existir
Que não existirão os seus beijos
numa urdidura de língua
de bem urdida trama
ah eu vivo assim
entre pétalas de lábios e línguas
assim num jardim de ilusões
onde beijos vivem à solta
E por falar de amor eu vivo assim
nas bordas do vinho
vitrificado na vertigem dos copos
que nunca bebi
quando de uma talagada
brindando o nosso eterno amor
Ora
eu já vivi de tudo
por pura subsistência
ou muita fantasia
apenso/penso/só em você

96
logo eu que nem existo
penso e não existo
mesmo assim
cá dentro de mim essa madrugada/rugada/ugada contradiz
por hum triz
esse beijo explícito
nele o espargir do nosso amor
onde tudo começou

97
POR HUM TRIZ E DOIS DEDOS DE PROSA

Debalde invoco/oco a sua presença


a qual rejeito ao mesmo tempo
Na dubiedade
fixo o cigarro amarrotado/arrotado no caos
ao lado hum seminu
em posição de lótus
exala tabaco
por outro lado
hum narguilé das arábias esfuma algaravias
ora
eu só queria dois dedos de prosa
pra desatar esse vazio de sobra
essa mulher que morde e assopra
sob a lua candelabro/abro e fecho as portas viçosas do céu
abduzido por um triz
No front
jogado num canto sem contorno
um par de coturnos rotundos e desbeiçados
caminha no indeciso rangido de sucupira
do assoalho de tábua corrida

98
ARBOR

Água terra sol e ar


árvore enredo arvoredo
árvore de arvorar hum livro
cabeça livre coração desarvorado no repique do pé
folia de bis
no chão dos quadris
sabor verdejante/ante o abrasante céu do Brasil
vívido/ido e bem-vindo script
desde o escriba Pero Vaz de Caminha
água mineral água viva água de coco água na boca aquarela
envereda tambor requebra tamborim
rebatucada/batucada/cada brasileiro
nas folhas do meu violão
verde que dá verdade ao farfalhar/ar samba e sol

99
TÃO MINHA

E ainda rola um samba enjambrado


no teto fechado da noite
Já é madrugada e o sol cessou
anoitece na minha carne cartilagens e ossos
me procuro dentro do quarto escuro
um calafrio/frio/rio de lágrimas perpassa como um sabre os meus testículos
e alcança os óculos deixados no chão
gemendo e chorando
porque você não está aqui
apenas hum colchão jogado ao chão
onde eternamente posso vê-la
através da luz da saudade

100
LÁBIA

Chega mais mulher de minh’alma


vida de meu viver vem bailar comigo
entra na minha tenda que também é tua morena
onde jorrariam joias de leite e mel te dou minha palavra
eu te servirei a sabedoria do vinho e a saga do trigo
no sol dos lábios meus
com a lábia escaldante de um sultão que ronda o deserto
aonde pisarei/rei o leão e a áspide
eu te prometo o suave sussurro que aprendi no aconchego
aí então eu hei de bolinar a radiante textura dos teus lóbulos
feitos para brincar a pérola mais brinco do mundo
lamberei os teus pés caramelados de damasco
incensando dentro afora/fora/ora adentro ora afora
onde tudo é deventre/ventre/entre aromas da figueira santa
viajaremos animais no flamenco de uma guitarra
aos confins do meu sultanato
que eu te guardarei no meu harém de uma só mulher
onde valerias mais do que setenta e duas virgens
porque és múltipla odalisca/isca da felicidade
minha huri de olhos escuros e minha cimitarra também
oh quem me dera a tâmara dos teus seios ornando a minha boca
e o sacrossanto licor que arrepia esta canção que também é tua
solene eu te prometo oh mulher de minha alma
que no piercing vadio do teu umbigo
lapidarei línguas de beijos brilhantes das minas do rei salomão
então serás um templo erguido no meu coração peregrino

101
entre danças do ventre e um certo céu de balangandãs
curtindo floreios no couro de um lascivo derbak
pela noite de mil e uma bagdás
de onde jorraria/ária rara de leite e mel

102
KOI

Pudera eu ser o samurai dos teus sonhos nesse repuxado olhar que mexe comigo
que cultiva um solitário bonsai através da noite oriental do meu viver

Sanpaku na íris negra desta anônima escultura de palavras lágrimas e letras


cercada de armas brancas
três espadas no espelho
refletindo minha louca tragédia de amor

Mui querida queixa


flor e mundo de salgueiro
em negrito/grito um poema tinto feito tinta nanquim
dobrado e jogado fora ao longo da oblonga noite de solstício
sentença origâmica das esferas/feras/eras de hiroshima e nagasaki
onde eu me perdi para sempre

Entanto na indigente quietude de minha alma


ainda te vejo emergir das sombras dos versos que eu assino
onde o meu coração late e abana
como o rabo de um cão no portão de chegada

103
A TRISTEZA DURARÁ PARA SEMPRE

Às vezes
eu sinto falta da velha navalha amarela
e uma gang de girassóis no aço da órbita
quem me dera a orelha rasgada sangrando o amarelo-vangogh
Outras vezes
um sol atado ao girassol da noite interior
rebuscando o atilho de um sol maníaco-depressivo
que lapida o poeta e quebra as rimas
que exclama/clama/ama e odeia no deserto
o desconhecido deserto da alma
De vez em quando i love you
talvez a falta da orelha dependurada no amarelo pálido ou
de uma exangue carta de amor
e um cigarro aceso
aspergindo raios fúlgidos
porque senão eu morreria
ou ficaria louco
na lua cheia
que ora ricocheteia
no desângulo

104
APARENTEMENTE

Minha querida namorada morena abraçada comigo num abraço moreno e apertado
através da madrugada escura e fria que mais parece um beco sem saída
somos o rock’n’roll um do outro
em queda livre no caos
comendo o pão da morte e bebendo o vinho profano
enquanto contuso/uso e abuso da inspiração cortante como bala
eu sou o revólver da palavra
anjo do apocalipse
numa elipse de choq/
em queda livre no caos
oh tu que vives do lúcifer que habita em mim
minha triste namorada que vaga aqui e ali como se fosse aqui e ali
aparentemente tu crês em mim
aparentemente tu pensas que me tens
quando eu projeto teus seios intumescidos de prazer na minha desbocada jaqueta jeans
ou quando tu sentes a morna ilusão dos meus beijos trêmulos
realmente ouvindo lil wayne dizendo how to Love
aparentemente tu crês em mim
aparentemente tu pensas que me tens
mas eu não existo
nem pra mim

105
ENQUANTO A MÚSICA NÃO PARA

Eu vi o meu vizinho matando o seu amante


manipulando nightmare
entre quatro janelas olhando pra mim
Depois
pegou a espada de estimação
e degolou o papagaio
com ginga de ninja
Na sequência
lambeu a lâmina na lapela
com sequela de katana
escorrendo aço inox dando fuga ao brilho frio
Entretanto
um drink
flui pink floyd
no thriller influente

106
A PÓLVORA DA PALAVRA

É certo que a cada segundo a poesia inventa hum poeta


de vez em quando o swing reinventa/inventa/venta vendaval de versos
talvez a pólvora da palavra
às vezes a palavra rastilho
muitos não se dão conta
outros se regozijam
alguns se multiplicam em peixes
certos poetas criam voos e viram asas de fogo
poucos transmutam em poesia
mas nenhum deles nunca mais será o mesmo

107
LA BARCA

Desde aqui em diante


estou muito em vão
entre o remix do mar
e o torvelinho de nix
reclamando le grand finale
naufragado filho de Eva ainda indago toda vã filosofia colado nessa quilha
onde murmura o meu quinhão
salmos de precipício harpas de sal clímax de alto-mar
faço como o velho barco que debalde foge da calmaria
prenúncio da grande tormenta
mas sabe também que após a tempestade nunca vem a bonança
Confuso/fuso/uso/só/o dissecar do canto
num redemoinho de horas
alcantilado nessa embarcação rajada de alcatrão
em desgovernada madeira que me flutua
sobretudo/tudo do nada do que restará
o sertão vai virar mar e o mar virar sertão
e não ficará pedra sobre pedra nada sobre nada
jerusalém jerusalém london london new york new york
são são paulo belorizonte belorizonte
Que a balestilha cravada na lida
arfagens no tombadilho do meu tórax
e a estrela-guia adernaram nas entrelinhas
cuja estrela/trela/rela/ela/lá/a lacerada vela da incerteza
que me afunda
de meca à meia-noite
Que o cedro do líbano se partiu no fundeadouro
os sete anjos a bordo arcanjos e as armas aqui assinaladas
eixos pinos almas brasileiras bandeiras e tangos

108
batuqueiros mestre-sala e porta-bandeira a ala das bahianas e o candombe uruguaio
pecados mortais falsos profetas e guerras santas
entre côvados de alcovas trôpegas trompas de falópio e alcunhas
na palma das mãos sete palmos de profecia
bagulhos agulhas de bússolas e parábolas paraguaias
muambas muambeiros do mal e misturas destroçadas
derivam sem ancoradouro
Que o destino o além-mar além disso o leste e o oeste
o que está em cima assim como o que está embaixo
todas as coisas por dentro e por fora seguem embaçadas
como o cinturão da escuma na máquina da arrebentação

109
LÁGRIMAS/RIMAS/MÁS

Exposto ao venéreo sereno serenata dos meus passos


meu coração explode nas paredes/redes da paixão
feito ondas de choq/ de hiroshima e nagasaki
sob o rock’n’roll da madrugada
grifado de grávidas/vidas/idas e vindas vãs

Varando/arando/ando a madrugada do meu quarto nu


onde cultuo um corpo embriagado de fantasias
cultivando beijos envelhecidos no vinho trêmulo dos deuses acampados dentro de mim
enquanto minha alma ruça roça tua morena tatuagem na pele da saudade

Enfim hum bouquet de lágrimas/rimas/más


curtido no súbito sabor
tinto fim de noite sem fim

110
MIRA

Do mais clandestino/destino/tino de mira profunda


ainda rola hum detalhamento na raiz do olhar da árvore
do olho do bem e do mal

Lá entre olhares oblíquos


hum lobisomem alhures
outro homiziado no lobo do homem

É o que lhe aguça o olhar de caça e caçador


afinado com a fuga e ataque
por instinto de ambivalência

Entretanto
é o que lhe olhifica o olfato
no tempo apto
por condição de rapto

No entreolhamento
há uma grife de alcateia no olho no olho

111
MARE LIBERUM

Das incertezas do amor


eu sou o louco marinheiro
que ondeia num vindo/indo e vindo debrum
náufrago das solitárias brumas do acaso
aos trancos e barrancos de ondas gigantes/antes nunca dantes navegadas
soçobrado/brado aos ventos cortantes do tombadilho do meu peito
cambaleando nas noites frias sem rumo e sem rum
Que a mulher deste balanço
balança como rumba cubana
dentro do meu coração
é hum outro coração cá dentro
ali edificarei o meu palladium
que se revela/vela/ela/lá/a alegoria que me atiça
morena do mar da laia de Yemanjá
faça do meu corpo seu mare liberum
E nos destroços dessa maré oh rainha de minh’alma
eu você e eu e a rosa dos ventos somos hum
degredada casta da minha costela
você foi a melhor parte/arte com o diabo
maresia dos lábios carnudos de batom
lira das ancas largas de oxum
Que meu destino é baticum
cantando e dançando ao deus-dará
singrando a trilha volúvel da sonora ventania
tendo como bandeira a elipse rasgada das velas

112
AUTORRETRATO

Contempla em ti
todo o desmilinguir que insinua esse eclipse lunar
contempla então aquilo que não podes ver
impelido pela tua terrestre condição
migras de vitrine em vitrine como gafanhoto
então vendes a alma ao bom e velho diabo
quem te dá a ciência da maçã
para aumentar a tua manha inata
de sexo droga e dispoesia
parâmetro nas malditas/ditas/itas selvas
sob um céu em chamas chamuscado de vaidade drogas e aquecimento global
essa coisa que não vês
é hum viés
através do qual
tu quebras em convicção
e é algo assim
o qual não ouves
não podes cheirar nem podes crer
é o vazio que anda contigo
que por não o sentires
não te percebes também mas te aceitas
de aceitar todas as coisas
esse vácuo soberano em sua natureza és tu

Vê por onde transitas tão corpóreo


e inevitavelmente maravilhado
isso é uma simples variação de ti

113
porque também é vazio de nascença
assim como tu és

Esse vício que respiras também o respira a ti


idem a voz veloz no vão
idem o fôlego fugaz
que faz de ti em absoluto segredo
o mais incontrolável dos vazios

114
LÁBIA

Chega mais mulher vem dançar comigo


entra na minha tenda como se entra na roda que também é tua
onde jorrariam joias raras de leite e mel
te dou minha palavra

Eu te darei a saga do vinho e solene ensinarei a sabedoria do trigo


com a malandragem de um sheik que ronda o deserto
onde repisarei/pisarei/rei o leão e a áspide
eu te prometo a lábia que aprendi no aconchego
para bolinar teu ávido clitóris radiante flor de cactos
enfeitando a escaldante paisagem dessa boceta a pino

Querida odalisca/isca da felicidade eu te dou minha palavra


lamberei teus pés de damasco caramelados/melados/elados
no meu harém de uma só mulher onde tu valerias por mais de setenta e duas virgens
querida odalisca/isca da felicidade minha huri de olhos escuros
e minha cimitarra também

Oh quem me dera teus seios de tâmaras das planícies férteis do sagrado rio nilo
para irrigar a sede profana da minha boca

Que no piercing vadio do teu umbigo eu te lapidarei/darei/rei


línguas de beijos das minas do rei salomão

Então serás um templo erguido à deusa allat


entronizada no meu coração moçárabe
danças do ventre num certo céu de alfazema
floreios no couro de um lascivo derbak
pela noite eterna de mil e uma bagdás
de onde jorraria/ária rara de leite e mel

115
PEDRA

Pela fresta/resta/esta janela


a vista em queda livre
como pedra pesada
rente ao fugaz
no traço do arbítrio adrenalizado na química
que antecede ao solavanco
de cavaco nos rins
impulso obstinado
rumo ao chão chamuscado de asfalto

Derrame de som e imagens


nos antecedentes da pedra
indiferente ao final da síntese
o olhar noiado se agrega ao surdo estalido
mesclado à massa clara do cerebelo
declarado no zoom
espalhado na negra ossatura do asfalto
espécime adaptado à própria sorte
calcificado no baq/
destino impacto

116
A SAGA DO POETA MORTO

Oh meu imenso amor


já evanesce a plumagem do último cisne
e quase morto declaro aqui minha zanga sem fim
onde uma enorme língua lambe o mel azul do céu
prefácio crepuscular
pressupondo que já revivi/vivi/vi e revi este filme antes
encriptado nas Centúrias de Nostradamus

Oh minha deusa nem tão minha assim


que hum dia me enfeitiçou com eflúvios de Iansã
minha mulher de fé minha amiga e meu amor
eu não tenho mais lugar onde declinar a palavra
análogo aos tristes poetas da minha geração
sobreviventes/viventes/entes das potestades da solidão
ao som ritual de gargantas cortadas
neste vale de lágrimas/rimas/más

Minha alma sedenta cambaleia


já secam todos os encantos
o indomável deserto rangando os filhos da Terra
Cronos dá a maior força
sustenta o banquete a ferro e fogo
decorando a boca/oca e deserta
com o sacrossanto sangue dos inocentes
destarte a Terra/erra no caos
enquanto eu escrevinho hum papo furado na mesa de botequim
desejando o bálsamo extinto das águas
certo de que o oásis afrontado
retornou aos arcanos de Eros

117
Folhas flores pedúnculos e raízes viram pedras de sal
cabeças cortadas não olham para trás
aquíferos flagelados
são meus olhos assinados de angústia
a te dizer toda intolerância do mundo
entre as nuvens do apocalipse
sob o signo da desilusão me despeço de ti

Enquanto a brisa morna/orna/na tarde dos tempos


a mortiça cor de algum Saara
ora engaiolando o voo
ora cooptando a inocente algazarra dos ventos
nas reentrâncias de um curso cego
desde a ocidental New York New York até Teerã

Vê não há mais amanhecimentos de gorjeios


nem horizontes de flores na varanda do entardecer
anunciando violões seresteiros
cortejando janelas enamoradas
das casas assobradadas
New York New York London London São São Paulo Jerusalém Jerusalém
não ficará pedra sobre pedra

Ex-esquinas gemem madrugadas


que vinham abençoar o hip-hop diship-hop
dismúsica disdança dispoesia dispintura
trazendo CDs fazendo scracth
fazendo break jogando capoeira jogo bem jogado tamo junto
aqui abro um parêntesis
dispoesia dos sprays
grafites piches e o hip-hop violentados na 23 de Maio
onde havia o maior mural a céu aberto da América Latina
a prefeitura mandou borrar com o cinza
trocou a diversidade da beleza da arte
pelo feio e triste uniforme cinza

118
Finalmente minha bela cheia de graça
como o voo das garças
eu preciso te dizer da Serra do Curral
levando o cerrado no lombo do moribundo Velho Chico
e o chio amadeirado do último carro de boi
em dueto com a espiritual viola de cocho
de Zé Coco do Riachão

Além da lira do lápis químico


o lápis do lápis
o lápis da poluição
o lápis de Baal o lápis da seca da morte e da devastação
o antilápis da criação
sinal dos tempos
porque os tabernáculos da terra foram violados
e o paraíso perdeu-se para sempre e sempre
na cabulosa cegueira de nós mesmos/esmos a esmo

Post scriptum nas estrelas cadentes em conjunção comigo


ao derredor/redor/dor

119
VERTIGEM

Luz marrom desse olhar que reluz nos meus olhos atônitos
permeando a dor das notívagas/vagas daqui em diante
estilhaços/aços enavalhados na carne do meu olhar
filmando essa mecha de cabelo que mexe comigo
e hum lânguido olhar escrito nos seus olhos
duas luzes deixando a estação rumo incerto amor em vão
descarrilando meu coração num desastre fatal
lágrimas surradas na face pela vertigem deste adeus
canção gotejando sem direção
e por ser sem direção eu vivo mesmo perdido num precipício escuro
onde a poesia não me conforta
ao invés disso
vem como um trem
atropelando meu peito/eito dilacerado

Poesia poesia
arte nossa de cada dia
o pão da palavra não me serve para nada
estou morrendo à míngua
suicídio de amor

120
DEDO

Toda mira rima dirigida/rígida/ida sem vinda


sangrando um clarão no escuro
onde pulsa o provisório argumento do coração

Um dedo puxa o silvo


desferindo vida e morte
neste exato/ato
cano e cão em uníssono
a bala viva no corpo morto

Um rastilho de furo
serigrafado no enchimento sentimental da camiseta
aberta ao peito
a saga da pólvora
devaneios de pirilampos
onde pululam resíduos de sangue pingando fogo
a vida colorida/ida em vão
cada passo descrevia/escrevia/revia/via/ia e vinha num compasso zãibo
até cair caindo ao chão

121
POR PURO ACASO

Calafrio/frio/rio de lágrimas
diante de toda fragmentação
debalde invoco a sua presença
a qual rejeito do mesmo jeito

Na dubiedade
um narguilé das arábias
esfuma hum seminu em posição de lótus
projetado entre doze colunas
sob a lua candelabro pendente das rachaduras do teto
abduzindo o pensamento

Por puro acaso


jogado num cômodo sem contorno
hum par de sapatos rotundos e desbeiçados
mancando no indeciso rangido de sucupira
do multidimensional assoalho de tábua corrida
aqui e ali como se fosse aqui e ali

122
DO CAIS AO CAOS

Dispoesia arte indecisa


versos quebrando tipo vagabundo
efêmeras/meras/eras hum filme sem explicação fendas oblíquas ondas invertidas
formas engolidas pelo trailer de hum mar aflito
dando mole dar mole em pedra dura
singrando as gelhas
do rosto peregrino

Nau rediviva
que irá me apresentar
no cais do caos
no dia do juízo final

Onde palavrifica a ferrugem


enterrada até o cabo
nas minhas costelas desde Adão e Eva

Porque um dia atraí a ira dos quatro cantos


buscando o quinto canto do mundo
preso à roda viva da rosa dos ventos
de onde eu vim revivi/vivi/vi mas não venci

Porém ungido com o sacrossanto manto de Arthur Bispo do Rosário


depuro os meus suores que vêm me acordar dos piores pesadelos
que toda noite me procuram vivo ou morto

123
DISPOESIA MORTA

Moldes de vida
arremedos de gente trejeitos de lama morro abaixo
ar e morte último suspiro numa demiurgia de asfixia
a lama moldando a paisagem juízo final
o não sopro
o antissopro da vida
é de lama a agulha
que pigmenta aquelas prisioneiras peles
em mortalha teimosa de ferruginosa tatoo
era hum lugarejo de portas abertas e jardins de gente florida

No final
onde some toda luz toda cor todo luar
palmilha/milha/ilha de lama
após a curva acentuada da estrada
contorcendo na argila do tempo
que simplesmente derruiu
tudo é presságio
e a própria Barragem do Fundão
empurrada para a eternidade
deslizou com toda a humanidade

124
VINHA

Oh amargor que me bebe


entre as paredes/redes do escuro da maior escuridão
alcoóis do abandono
dor encorpada
preenchendo o quarto putanheiro

Varando/arando/ando madrugada adentro as glebas da putaria


onde me semeio no solo que não vingará
cultivando beijos daninhos no retinto trêmulo
demônios acampados dentro de mim
enquanto minhas súplicas não me perdoam
e o vento que assobia lá fora nunca será meu acalanto
vômito encorpado
minha vinha

125
VOIL

Comemos
no dois mil e um em uma noite morna de verão
pra comemorar a ancestral amizade
sorridentes/dentes/entes esquisitos
por demais estrangeiros
rangando meio a meio marguerita e quatro-queijos
numa orgia vegetariana
regada com trejeitos de bicho
e azeite de lua cheia

Vínhamos
de todos os sexos
de muitos povos
de todas as cores
de toda parte
daqueles campos sem amor
onde enterraram nossas cinzas em cruz

Sozinhos
nas trincheiras de minas
testemunhamos caras e bocas
gemendo e chorando de tanto engano

Naquelas mesas quânticas papos sem nexo


se pudessem ouvir aposto que zombariam de nós
cercados de cortinas sem janelas
e janelas sem paredes decifrando nossos apelidos
o Vá o Beto e eu
três cabeças anexas
os três mistérios

126
Perto de nós
uma fonte decorativa borbulha entre borboletas desbotadas
cores insípidas e inodoras aos borbotões
espalhando gotículas de voil
gotejando cabeças cortadas
como cortinas esvoaçantes
mas de um véu tão roto
que já começava a rasgar-se

127
PROFUNDA DISSOLIDÃO

Às vezes eu vou fundo em minha triste alma


e não vejo motivo para sonhar ou curtir estrelas
ouvindo a música das esferas
aprofundo-me no mais profundo/fundo/undo onde ondeia toda solidão do mundo
numa onda sentimental

Ainda ouço uma linda canção de amor nas ondas do mar


batendo nas areias enluaradas de um lugar nordestino
ondeado de sereias ao sabor de yemanjá
enquanto eu sei que é por você que eu me enlouqueço deste jeito
assim engendro meu dispoema de amor

Minha cabeça é um rodopio otário nas alturas


e o meu coração é feito de lágrimas/rimas/más
as pedras da solidão
vereda de uma incontrolável paixão

Essas mesmas lágrimas são estrelas brilhando no vesgo espelho azul do mar
ao sabor de uma nesga de cabuloso luar fragmentado na beira do mar
que insiste em seu debuxo
através do qual eu vejo as marcas dispoéticas da solidão

Minha balada/alada como bala sangrando palavras ao vento


sem o abrigo de nossos rins entrelaçados

Nessa noite o uirapuru não cantou seu canto encantado


e os agapornis bateram em revoada

Para além e no aquém


separação/aração/ação

128
POETA BOM É POETA MORTO

Nunca mais ouvireis


a voz fragmento
seguindo estrelas e palavras ao vento
organismo subdividido
sobrevida/vida/ida
a sós a sempre assim
esvaindo sílabas

Cavo minha eterna cova


nestes côvados profanos
de palavra afiada
terra de ninguém
onde só me resta o canto imundo
da terra imolada
que me descarna
no dia da comunhão
com o absoluto cérbero
rasgando o meu corpo estranho
para a tarefa
da transmutação
única poesia possível

129
NOTURNO

Da janela/anela/nela/ela/lá/a lua puta


já que entramos neste clima
putanhão explícito
sem regras nem tabus
gotejando fissuras nessa espécie de noite
através das falhas das folhas e flores
que medram com ginga de girassol
e cheiro de dama-da-noite
na lapela
esboçando beijos e putaria
como se fossem asas
de anjos expugnados
pela decadente noite
da minha solidão

130
COMICHÃO DE LÁGRIMAS

E eu ainda a me enganar
dispoesia enveredada
te espero a cada segundo te espero mais
samba da meia-noite
uma saudade imensa batuca
te procuro dentro do quarto escuro
um calafrio/frio/rio de lágrimas perpassa como um sabre os meus testículos
alcança os óculos jogados no chão autista do quarto
através das lentes quebradas vejo hum comichão de lágrimas
as mesmas lágrimas/rimas/más
porque você não está aqui
apenas os lençóis de uma cama virtual
onde eternamente posso vê-la
através da luz da saudade

131
ENTREVADA NO CÓRTEX AINDA

Na ambiguidade do abajur
entre a última canção y hum bolero lilás
como se fosse entre
me pega de surpresa/presa fácil
às vezes o absinto da saudade
estou sem chão
caindo no vazio de mim mesmo
apenso/penso/só em você
você
você
você
você
você
você
você
você
você
você
você
você
desgraçado à meia-luz
sinto falta do seu cheiro
num vestido com fenda
debruado de chiffon vermelho
solamente una vez

De vez em quando
eu não sou cachorro não
meu pensamento em torturas de amor
na penumbra uma canção do Waldick
faca de dois signos
entrevada no córtex

132
Daqui a pouco vou tomar hum copo de cerveja estupidamente
vou deitar na cama olhando pro teto rachado
gotejando raios de estrelas misturados com pipoca
ficarei olhando para o teto infinito do quarto até o fim

133
FIM DE NOITE

Resto de noite
ora de ir embora
hum clima de tapas e beijos
visto minha rasgada jaqueta jeans
entreaberta no peito/eito da dor
o fim de noite ynquieto de ciúmes com gim
ácido ípsilon dentro de mim
onde reverso/verso/só
a lágrima distinta
instinto de canto triste
e uma desesperada marca de tecnobatom/batom/tom sobre tom
no coração puído gritando por sua extraviada chama

134
APENAS HUM BLUES

Adiante baloiçam
réstias de allium sativum
numa legião de balas de prata
viajantes do espaço exterior
vociferando com os vampiros
e dançando com as bruxas

Nasce um acorde diferente


é preciso a morte para que o outro renasça
assim morte e renascimento
como um gato/ato em sete vidas
sete línguas reverberando
doze compassos gritantes
empunhando crossroad blues

Quando eu chego sou bem chegado


um swing de encruzilhada anda comigo
alguma estricnina e uma garrafa de whisky
também esse acorde cortante
ele é o meu trampo
eu sou apenas um blues
uma triste balada azul
que ressoa sincopada
nas regiões da lua nova

135
POR SINAL

Devias ouvir
os rumores do raiar do dia
amanhando o cântico altivo

E o seu galo
alegando um novo território
onde tudo se renova/nova/ova ovário da manhã

Devias ouvir melhor


a gíria do girassol
tecendo o segundo sol

Cindir a parábola
com novidade de um sinal
fazendo outro

136
O AMOR É TUDO

Afloram-se os meus encantos por ti

Enquanto isso
divagando/vagando/ando cabisbaixo
leio nos meus olhos a solidão espalhada na solidão das ruas
cumprimento pessoas que nunca vi
que reconhecem em mim um subterfúgio

Sem você sou hum pobre verbo


e você minha verbena que murchou
no percurso bêbado da madrugada
guiada pela dispoesia e pelos ladrões

Bendigo os teus talentos/alentos/os mesmos aflorando afora


prisioneiro da esquartejada morfologia de belo horizonte que anda comigo
minha alma vem implorar sempiternamente por ti

Eu sei que o amor é tudo


mas também sei
que o amor é remédio
que também mata
dentre outras doses

137
DEPOIS DA CHUVA

Geralmente estou triste


de um desfolhar/olhar/ar
fragmentado no vazio
e um fígado cabisbaixo que anda por aí

Uma infusão de boldo-do-chile


me cai bem

O jornal me lê
a olho nu
e o chá me toma
um tanto amargo
em sua chávena final

O telefone toca
vou correndo atender
deve ser ela

138
ENTRUDO

Esperas que eu tenha clareza sincera


sou tão filho da puta quanto você me diz
só sinto aquilo que me interessa
como se fosse a clareza
da mais pura araruta
hey hey filho da puta

139
CONTRASTE

Para que haja contraste


é preciso esta noite urgente
a lua ressurgindo/surgindo/urgindo/indo de bar em bar
repartindo voz e violão onde a conversa/versa e canta sua irrestrita solidão

Hum self dançando na chuva entre sorrisos secos


enquadrado no banco quadrado no círculo da praça
da cidade grande que não tem aonde ir
que não consegue ou não sabe
ou porque já se esqueceu

Multiplicar por zero e resultar infinitos


sentindo a inexatidão do amor na simétrica linha de um beijo
demarcar um sentimento livre na lógica ideia das horas
buscando levianas camas no prumo fiel das paredes em quatro
colar na amada amante
que nos transforma em solidão

Entanto essa garrafa de Havana


bouquet cabreúva lá do mato em extinção
digitalizada naquela mesma mesa faltando ele
refletindo a anilha em brasa
de hum charmoso charuto cubano

140
LUAREJO

Luar em lua de noite cheia


supérflua/flua/lua ao léu
samba dentro de mim
fluindo notívaga através da noite
batuque etéreo
a lua e eu somos hum
feitiço alquímico
lembranças atiçadas
descaminhos entre as luzes da cidade

Aroma artesanal entranhado nos poros


plenilúnio sabor araticum
do cerrado temporão
onde também nascem tambores do chão

Na mesa exaltada
assenta-se um poema zambo
declinado com banzo
oh exílio de mim
mandinga de tesão
eriçando os pelos
beijos sápidos
latejante baticum

No entanto
cabelos/belos/elos de luanda
ancas largas e lábios carnudos
debuxo de oxum
reluz brasil afora

141
Destarte
uma rede range na noite
tangida de luar
uma ponta enganchada em angola
outra no gancho da saudade
então hum rangido de tucum
quebra na noite como incêndio decaído/caído/ido em tando seco

142
VIVO OU MORTO

Minha poesia é arte indecisa


versos quebrando estilo vagabundo
vagas oblíquas mar de ninguém horizontes revoltos
como cachaça mole em pedra dura
singrando as gelhas
do rosto peregrino

Nau rediviva
que irá me representar
à ira do caos
no dia do juízo final

Onde palavrifica a ferrugem


enterrada até o cabo
nas minhas costelas desde adão

Porque um dia atraí a ira dos quatro cantos


buscando o quinto canto do mundo
preso à roda viva da rosa dos ventos
ungido com o manto sagrado de arthur bispo do rosário
onde depurar os suores
que vêm me acordar dos piores pesadelos
que toda noite me procuram vivo ou morto

143
LAMA LAMA

Despoesia entrecortada na garganta


cuja voz é um recorte no profundo/fundo/do pomo
daquela quinta-feira da barragem do fundão
onde o tempo parou

Ali há um jardim deflorado


onde murcha um beija-flor
esperando um beijo cair do céu

Perímetro empilhado/pilhado/ilhado
barro motriz e barragem/agem sem diretriz
morro abaixo ritmo acima
caminhos de ninguém
barreiro marrom
indiferente marrom
parâmetro amarronzado
variados tons de marrom
alguns marrom-escuros
outros obscuros ou mesmo escuros
rapto de rios no curvilíneo alagamento
para além da terra do céu e do mar

Lama lama que direi às terras de mariana de maria maria e do meu cavalo alazão?
daquela ferradura pregada atrás da porta
do meu rancho ferrado numa ferrenha mortalha de lama
qual é a tua sorte qual é?
que direi àquela criança trêmula emergindo
com seu cãozinho apertado ao peito
pintados de marrom-minério?
enfim que será de mim
que direi ao submerso vilarejo de bento rodrigues?

144
Ao fundo
uma abelha rainha faz moribundo zum-zum
lembranças de encantos/cantos/antos de néctar
violeiros contando causos rodas de viola
onde um dia janelas perfumadas de roça e urucum
e algum fruto do café
torrado e moído fora de hora

145
AUSÊNCIA

Olho para os lados


não há lados
retratos/tratos/atos desfeitos
retas tortas e entrelinhas rarefeitas
o que mais me dói
é a inexplicável ausência

Você me olha demais e não consigo entender


eu te olho e não me vejo no espelho dos olhos teus
nem no canto vulgar da tua cabeça
nem no sublime estado do teu coração

Não é somente a mim que estranhamente não vejo em ti


tampouco posso te ver em mim
e não há nada que eu possa fazer
contudo o termo/ermo em tudo
zero absoluto
zero à esquerda
algo zerado
dispoesia morta
hum nada
o fim

146
FACA

Difuso/fuso /uso/só/o céu decadente como bandeira sem haste


tendo o chão árido por pátria
onde rola minha cabeça
ogiva decepada
único despojo
referendado pelos abutres
na exegese do deserto
que anda comigo
semelhante à faca interior
a mesma que perturba o sangue
e outorga o corte

147
AQUELAS PALAVRAS

Vívida/vida/ida bandida
like a rolling stones
de qualquer jeito
no leito seco do rio
secura abaixo
segue feroz
na boca solitária
onde a voz é lobo voraz
em pele de cordeiro

Mas o bagulho é louco


tudo passa
menos aquelas palavras

148
DOMINGO À PARTE

Pela fresta/resta/esta janela


o ponto fraco do escuro
é o canto altivo do galo

é o claro cantar que semeia


canteiros do amanhecer
engalanando os elementos do horizonte

Entre vales profanos


e pomares profundos
o desencanto do escuro
é o clarão do cantor
cantando a cor
que declara o renascer
e clareia

No entanto
dia de festa domingo à parte
o metal que canta na garganta
degolando o cântaro/aro cantar
profanando a pedra filosofal
manchando o sagrado fôlego da terra
onde o canto se esvai

149
DA JANELA

Da janela/anela/nela/ela/lá/a lua vagante


gotejando fissuras nessa espécie de luar
falhas das folhas pedúnculos e flores online
acondicionados nos jardins suspensos da babilônia
desde o big bang à solta
até bagdad cafe o filme
mostrando-me a alma amortalhada
e ferida em carne viva ao mesmo tempo
pela noite eterna
desta insólita solidão

150
ESPECTRO

Opus nº 1

Lá onde evanesce
a plumagem do último cisne
uma grande língua
lambe o mel azul do céu
meu coração sobrevivente/revivente/ente
das potestades da solidão
onde engaiolaram o voo
cooptaram a inocente algazarra do vento
nas reentrâncias de um curso cego

São aves os teus olhos


redigidos no céu azul
imitando o amor
mutante das nuvens
sob o sopro em espiral da inspiração
revoando/voando/ando
contigo sem destino
semelhante aos passos dos poetas
que viram asas
ao som ritual da dança
enquanto a brisa
morna/orna de asas a praia quebrando no infinito

151
Opus nº 2

Quando enfim
o canto secar como o indomável saara
e não houver amanhecimentos de gorjeios
que clamavam pelo bálsamo extinto da zedoária
porque o oásis desistiu de nós
afrontado pela omissão retornou aos arcanos do alfa e do omega

Falo junto e misturado do alto dos meus dez mil anos


falo da caatinga
além das lendas daamazônia
da mãe d’água e do saci-pererê
?
e por que não falar de chico science
da lama ao caos e do caos à lama
posso falar de chico mendes
além dos povos da floresta trucidados pelo desmatamento agressivo
e da serra do curral levando o cerrado através do moribundo velho chico
triste escrita com lápis químico o lápis da poluição
o lápis de baal o lápis de lama o antilápis da criação
onde seremos proscritos espectros
vagando a esmo
por que os tabernáculos da terra foram violados
e o paraíso perdeu-se para sempre

152
VIADUTO

Havia um tom de cimento


empunhando o viaduto da avenida d. pedro I
cortando a tarde
na altura do bairro são joão batista
onde antes haviam/viam/iam em si ritos de passagem
das janelas se via um vigoroso desenho de concreto armado
quando até se ouviam poemas de amor
acoplando substantivas fantasias do futuro
num minuto ruiu
o barulho geométrico rasgou o véu da tarde
arco imperfeito/feito/eito esmagando ônibus e um corpo de mãe
cuja matemática falhou em si mesma
réguas ângulos cálculos e compassos embotados
onde o mundo acabou
e aquela mulher

153
APESAR DO TIROTEIO

Da bala sempre balé em desabalada carreira no coração do peito

o temperamento mira/ira aritmética


do aro aquilo e aquilino da retina

Arguindo a técnica geometria


na irreversível trajetória
que pernoita na cavidade gritante

Quanto ao pós
nada pressente/ressente/ente vulgar
nem o gradiente encurvado
numa refração/fração/ação de segundos
metálico calafrio da espinha
discado nas vértebras feito hérnia

Porém
eu fui mais além

Tive incertezas
apesar do tiroteio

154
SÓ EU SEI DAS SEMENTES DO AMANHÃ

Barco/arco versos quebrando


é abraço/braço/aço de rio desgovernado
lançando âncoras ao léu
no dia da grande travessia
destino
desvelado/velado/lado a lado com o balanço rasgado das velas
velejando no indefinível arco do horizonte
em busca do delta celestial

155
OUÇA-ME

Guiado pelas vetustas encostas da aladeirada/eirada/irada Ouro Preto


bebendo e fumando
uma garrafa e hum destilam a saudade imensa
acotovelada no cérebro
ladeiras súbitas
como hum clarão de clarim
misturando princípio meio e fim
com álcool e amendoim
num sarau a fim de qualquer palavra

Ouça-me
ainda sinto sua lágrima retinta de rímel
borrando as intrínsecas rugas do linho branco dos lençóis
dizendo-me eu te amo
e uma desesperada marca de luar
no desenhado crayon da noite

156
DIZ AÍ

Ela não sabe


mas quando ela passa
um desfolhar/olhar/ar de pose toma posse
daquela rua se fosse minha
de repente o mundo muda
dispoesia/poesia/ia a girar
a pele inteira saliva
minha boca fica enlinguarada
e hum coração linguarudo
assaz sem noção
diz aí
trepa na mesa e faz dispoesia

157
NAVALHA NO CIO

Nem afrouxa
o talante da corda dominante
com manha de cânhamo
no talento/alento/lento nó
acochando a fauce ofegante

Asfixia com atitude


corta-me o oxigênio no cio
como navalha viciada
no delírio do corte

158
SLOGAN LAMBUZADO

Tocando a vida
como meu violão me toca
ele é o meu pacto
é só o prenúncio
do meu diabo
depois a gente se toca
se corta se mata se beija
e fica o slogan lambuzado

159
FRAGMENTOS

Hum poeta morto aqui e ali se apresenta com seu trabalho inspirado em suas mais
profundas e psicológicas memórias frações sanguíneas filmando relatos selvagens e os
submundos de plutão

Versos viscerais a voz veloz no vão roucos traços urbanos cheios de ódio e paixão
impactos imprevistos e becos sem saída de tudo um pouco conceito de separação e
aglutinação

Esquinas anômalas muros pichados onde o piche é mais forte do que a cidade inteira
Supondo assim neologismos metafísicos e novos quistos numa estética fragmentária de
um transverso/verso/só e mal acompanhado

Ruas abandonadas à inexorável retaliação de si mesmas fábricas de assaltos síndromes e


pânico destinos baleados poesia bélica

Onde haverá o apocalipse de são joão e vício de solidão

Cadáveres fedendo guerrilhas guerras urbanas guerreiros inglórios mitos aguerridos


guerras e rumores de guerra entre ranger de ossos e dentes podres

Lobos solitários rondando a cidade desamparada lobos vorazes à solta nos destroços de
nossas mentes ocidentais danificando a estrutura de um futuro imediato

Cabeças entrecortadas flores embotadas em si mesmas rosas murchas crânios


abalados/alados/lados sem lados noites fracionadas salivas recicladas na boca sangrenta
maldizendo a vida homens-bomba bombas homofóbicas homo pseudo sapiens bombas-
relógio e relógios suspeitos elaborando o húmus cotidiano numa arquitetura social fora
de si

Sardas repetitivas na cidade onde a pólvora ganha espaço onde o medo onde em
negrito/grito/rito e os sinais despedaçados

Script sem pontos dois pontos três pontos ponto e vírgula outros apontamentos na
gráfica esquizofrenia da noite

160
Onde não há sinais de pontuação por traduzir a ideia da devastação dentro e fora do
significante onde o ser é um corpo esquartejado ganhando significados no
insignificante

Contaminados pelo vírus da violência gratuita nos tornamos fragmentos


escarrados na escarradeira de uma civilização malsã a qual se aperfeiçoa em sua
vertiginosa queda

Assim na imagética destes versos eu elaboro uma nova dimensão estética e


denunciatória através do som repartido recriando ecos que sugerem a delação não
premiada na divisão inexorável de uma poderosa polaridade social

Morte e sangue coagulados na garganta embriagada com sumo de amor cego a cegueira
sem fim o fim do mundo em cada fim de noite de ciúmes com gim numa noite a fim de
qualquer direção

Aqui repartido transtornado/tornado/ornado de álcool e crack eu sou a dor estendida sob


os frios viadutos da imensidão onde busco migalhas transformando-me em outras coisas

A repetência em repetir repetindo repete e repete o som como se fosse um som


qualquer como repente imagem e sonido o som de uma metralhadora replicante
errática
Repetindo-se mecanicamente na mecânica alheia a tudo e a todos inclusive a si mesma
em seu ofício de retaliação

Por exemplo repetindo sem fim repertório reverberando o partilhamento


metáfora/afora/fora/a índole jurada de crise e rock’n’roll...

Dividindo e mixando a palavra substantivo advérbio preposição e artigo tirando onda


virando swing fazendo rap recriando o ritmo sampleando malandramente

Na verdade não estou querendo dizer mas digo diz aí octavio paz o poeta não quer dizer
o poeta diz dizendo tanto quanto é possível dizê-lo

Isto é dizendo o seu desmembramento projetando partes no vazio inteiro

Minha pegada aponta para algo mais sério que uma simples brincadeirinha fácil com a
ortografia logrando sugerir um desejo sutil de danificação da matéria linguística
estabelecida

161
As barras aqui e ali interpostas danificam e expandem o sexo a imagem e o som e a cor
da palavra

Construindo assim uma nova personalidade com inevitáveis traumas que herdamos de
infelizes incidentes e temores deste inferno nosso de cada dia

Ou seja ou assim ou mais ou menos o assim descrito/escrito/rito de passagem corrompe


seu corpus

Forçando-o a se abrir a outros horizontes de som e silêncio e sentido


no entanto sem a ilusão da luz no final do túnel porque não há luz não há luz não há
luz

Este poema sem poesia é cheio de malícia como a serpente que anda no deserto o
desconhecido deserto da alma onde tudo é muito nu e cru

Nestes versos esquizoides com status de palavra dada eu me recriei sem uma ordem
cronológica/lógica/cá ou lá ou seja lá o que for

Porque na real na natureza nada se cria tudo se transforma/forma/má ou boa se deforma


e a boa em má e a má para pior

Reciclar grafemas e textos é tudo o que sobrevive/revive/vive/vê e desvê e em geral são


todos os aspectos sobreviventes

Plantas dos pés palmas das mãos palavras santas juras de amor o plexus sacro orgias e
anjos decaídos e bacanais regados ao som de mijos misturados com uvas trituradas
fermentadas vertendo geladas nos copos ávidos em meio a outros quebrados da mesma
cepa num determinado espaço-tempo

Meu coração balança com medo da poesia extrema e sofrendo de solidão sem limite
sem ter para onde ir

O impulso/pulso/só rebuscando o corte da morte forçando a barra onde libertar-se da


lâmina da dor persistente rebuscando/buscando/ando a lâmina da morte ainda que
inconscientemente para alguns mas muito consciente para mim

Além disso eu trago cenas de terror e cabeças cortadas nas sombras nos templos nas

162
casas nas ruas e avenidas num nostálgico boteco do maletta nas canções que eu faço ou
nas músicas de um motel vagabundo que ouço agora mas nunca de boa nunca de paz
nunca de amor nunca de boa

Trata-se do que está vivendo hoje neste tempo esquartejado na cidade cinza o
urbanóide híbrido de gente e monstro cujos referenciais humanos e não humanos se
confundem cada vez mais numa categoria de pedaços aglutinados

Uma zona responsável mais do que qualquer outro aspecto pela conversão do meio
social em meio paradoxalmente/mente/ente infernal lugar de uma insuportável inversão
a qual paradoxalmente insistimos em suportar

O poeta aqui e ali acolá alhures transita à maneira baudelairiana pelo ofício de nossa
carnificina cotidiana

Vê como tudo é fragmentado numa sociedade esquartejadora como tudo está


seccionado sexualizado sexangulado sectário sextavado sexta-feira/eira/ira e beira do
abismo

Pelo menos como tem sido como tudo está amareladamente agonizando à queima-roupa
chumaços de merla e um bicho-poeta ferido de morte cambaleia cracolândias afora em
meio à multidão indiferente a qualquer dor e desumanizada de tanto medo de se
comprometer

Uma imagem recicla nas veias deste livro que padece de uma positiva
hiperdeficiência/deficiência/ciência de uma imagem que não larga nossos sentidos

Ao cortarmos na garganta destas páginas um grito ecoa fragmentos ruidosos lâminas do


acaso gemidos entrecortados espanto mutilação spray anti-inspiração

Narrativa do poeta morto

Dispoesia neologismo banal


como se banaliza a violência e a dor
mais do que isso minha nega
a luxúria no repique do pandeiro
trilha brasilheira
destes transversos/versos/sós/os versos de minha vivida/vida/ida em vão

163
Como dizia olavo bilac e eu na dividida faço pasticho
Inculta florisbela/bela/ela e tão bela
a última flor do lácio inculta e bela
é isso aí

164
GRITO VIGENTE

Elucubro
Na escalada/alada/da noite
a voz atroz contumaz
que circunda a praça
poema feroz
entre as ruínas de um beijo
ferido de morte
dessa boca infiel
que joga comigo

165
DESÍGNIOS

A balada/alada/da bala no regaço da fechadura


rasgando a milimétrica ferrugem
do transigente buraco
gemido semicircular descrito/escrito/rito
fricção de ossos dobradiças e maçaneta
descarrilando o inútil ferrolho do olhar
digitalizado na linha do olho eletrônico

Um impacto transfixa o instante


desfigurando os sentidos
esvaindo vermelho-flux
enastrado no torso
descaindo/caindo/indo

Uma dose congelada no tempo


alguma overdose
overjoyed ecoa indiferente ao longe
os ouvidos agonizam entre sirenes e o burburinho transcultural da cidade

Restou apenas a ponto quarenta


grunhindo um desesperado design de sangue
na levada do gatilho

E o coração parado na porta boquiaberta


à espera da frágil trégua do tiro

166
COM UM PEQUENO DESIGN DE SANGUE

A bala em riste preencheria a fechadura


na ferrugem milimétrica do buraco
ruído semicircular descrito
fricção de ossos dobradiças e maçaneta
descarrilando o inútil ferrolho do olhar
digitalizado na linha do olho eletrônico
desfigurando os sentidos
esvaindo vermelho-flux
enastrado num videoclipe
por onde transfixa em elipse

Sobre a mesa exata uma dose de rum


alguma overdose ainda aguarda

Restou apenas o revólver grunhindo na própria pele


com um pequeno design de sangue na pegada do gatilho
e o coração parado na porta boquiaberta
à espera da frágil trégua do tiro

167
PRÓLOGO

Coração/oração/ação
lobo solitário
prólogo das hierarquias da solidão
vaga ciganamente
pela noite giratória
desta sodoma ofegante
em diante/ante este e aquele instante
farejando o cheiro de pele a fim de outras peles
te amando como bicho solto
nas veredas da poesia
um retrato mal falado

168
BOA NOITE

Meia noite enfim


o sol está morto e sepultado
o dia se partiu em duas noites sobrepostas
que o horizonte não tem nada mais a ver para mim

Fujo de mim que insiste em pensar em ti


ensaio um poema impossível
sou asas cortadas no arcabouço de um voo cego
voo porra louca como incêndio nas palhas da fumaça

169
ENIGMA

Neste sábado quente


sabor à flor da pele
devoro a lua surgindo/urgindo/indo de bar em bar
entre um banquinho e um violão
à procura da química descarada
flertando a esfinge que me decifrar

170
TÁ NA MESA

No entanto redivivo/vivo/o caminho mutante vida e morte


metamorfose flor olente
acidez em cidra
doce cifrado no tacho
assim amor fel flor
fruto amaro
transmutação sabor
perfumes entrecortados versos esgrouvinhados

Sumo do tambor água de junco fermento vegetal aguardente


aperitivo antes de bater um prato de tutu à mineira
pimenta amassada no prato jogo de cores e fogos
batuque de negritude e dedos de moça
capsicum baccatum
gotejando baticum
carnavalizando o meu ego canibal e os cambau
rebola o bumbum de maria
ainda a minha paixão

E para a mesura das mãos


lança-me na despedida
aquele lenço de linho branco
que o mestre-sala te presenteou

171
POR QUEM HERDAREMOS A TERRA

Dá-me a púrpura gustação da tangerina


movimento de astros
no arco do entardecer
que tange o sabor
evento de floração
abelhas são todas bem-vindas
todas são rainhas

Água na boca
matéria do caos
o poder da terra/erra
no diáfano
ejaculando especiarias
das terras tropicais
aflorada picante
vermelha negra branca amarela
mestiçando a cor

Diga-me do fim
é do fim que eu falo
matemática errática próxima safra
antes do dilúvio universal
curtir o trigo
estocar o pão e envasar o mel

Florada do amarelo/elo do grão


esperando o ipê e o açafrão
comer o cheiro cheirando amaranto
que tange a primavera
num jeep percorrer o amanhecer
dar carona pra Maria meu amor
ela vem como amor ou como algoz
algoz ou amor tá na dose
só depende de nós

172
Alguém
me estende a língua bifurcada
onde eu me predestino/destino/tino do bem e do mal
como se fosse um beijo sacana ou um beijo apenas
vindo de algum bem do mal ou de algum mal do bem

Finalmente põe a mão delicada na terra


rasga-lhe o peito bruto
e arranca os corações
por quem herdaremos a terra

173
PALAVRA BRUTA

Vinguem todas/as despalavras/palavras/lavras

entrecortadas na garganta dos bardos

onde canta a ganga da contradição

servida numa bandeja de abismos

como a cabeça de joão batista

Quanto a mim

a única certeza que trago

é o rasgo amarelo da madrugada

tocando terror

nos meus olhos estatelados

se debatendo nas sombras insones da palavra bruta

que campeia no intransitável deserto da alma

rumo às terras de minha mãe agar concubina de abraão

onde ainda vivo estrangeiro

querendo dizer alguma coisa

174
PASSADO PRESENTE E FUTURO

Enquanto a tarde/arde/de primavera-verão


na coscurante aquarela dos nossos dias
eu penso talvez o que será de ti
no pez da meia-noite que foi que é e que será
epílogo da vida
angústia de quem vive
como vinícius de morais disse hum dia
sentirás então o teu corpo aninhado em versos quentes
serei eu sobrevindo/indo e bem-vindo/do bosque da árvore
da raiz da eternidade do passado presente e futuro
onde um coração insano pulsa o teu nome
que é semente do meu nome também

175
INSTANTE

O temperamento mira
desmira/mira/ira métrica
no aro aquilo e aquilino da retina
riscando as vértebras sem morfina
arguindo a fria geometria da bala
no calafrio encurvado da espinha
alinhado com a irreversível trajetória
que transfixa o instante

Mas eu fui mais além


eu tive incertezas
apesar do tiro certo

176
HUM

Lá onde a dispoesia é hum


jardim deflorado
rimar muita saudade
pra quem é de muita saudade
ao relento/lento e perfumado beijar sua pele na lembrança
na quebrada das palavras
a espera da flor
eu beija-flor

onde murcha uma vivida/vida/ida

177
FACA

Difuso/uso/só/o céu nublado como bandeira


tendo o chão árido por pátria
onde rola minha cabeça
esta ogiva decepada
único despojo ao redor ao redor e ao redor
referendado pelos abutres
na exegese do deserto
que anda comigo
semelhante à faca interior
a mesma que perturba o sangue
e outorga o corte

178
ROLETA-RUSSA

Às vezes
terrorismo no íntimo dos tímpanos
algumas vezes
lágrimas/rimas/más
talvez
borboleta-bomba
ou roleta-russa
explodindo
entre a vida/ida em vão e a morte certa

179
FIRMEZA

Sinta firmeza em alguém


que sempre está contigo
no emaranhado
e que te dá coragem
para desembolar

Sinta firmeza
em quem te dá a alma
como se fosse um funk
desenhado no pacto

Sinta firmeza
neste alguém que sempre vai estar lá
segurando seu coração aflito
que bem sabe talvez
que no pez desta noite
este mundo é feito de maldade e ilusão
como cantava caymmi
enquanto eu declamo/clamo/amo replicar aqui

Mas
sinta firmeza
somente se houver troca

180
AXIOMA

De algum não-lugar
aquela amante vagabunda
fagulha/agulha intensa
tinha em seu olhar
a saga da hulha bruta
que guarda a brasa viva
como um axioma transcendental
onde tudo pode ser e não ser
e não ser ao mesmo tempo

181
LUA MOURISCA

E o luar é outra coisa na sua pele


não sei se é poesia ou outra lua
convém à noite em pele viva
lua mourisca/isca do desejo na noite meia-noite noite e meia
romantizando as estradas esburacadas do céu
que me levam até você
por onde converso/verso/só no tempo
emprenho seu ventre digitalizado na viagem
deixado numa torre mudéjar medieval
onde lida hum poeta louco de jogar pedra
scanner de algaravias noite afora

182
ISMOS A ESMO

Rubricas intraduzíveis na oblíqua vidraça


escorrendo cabeças cortadas
repartindo úmidas lâminas de versos
com meus medos noturnos
que tremeluzem por aí
Assim
resvalando entre uma e outra aresta/resta/esta face
porque tem um lamento cortando cruas/ruas/as mesmas
rasgando a garganta
corpos sem lado
versos decapitados
insígnias de terrorismo/ismo e ismos a esmo
errismos achismos mesmices e ismos a esmo

183
AUTORRETRATO

Contempla em ti
todo o desmilinguir
que insinua esse eclipse lunar
contempla então
aquilo que não podes ver
impelido pela tua terrestre condição
migras de vitrine em vitrine
como gafanhoto
então vendes a alma
ao bom e velho diabo
quem te dá a ciência do sexo da dança e da moda
para aumentar a tua manha inata
em devorar roubar e enganar
parâmetro nas malditas/ditas/itas selvas
sob um céu em chamas chamuscado
de vaidade drogas e aquecimento global
essa coisa que não vês
que não ouves não podes cheirar nem podes crer
é o vazio que anda contigo
que por não o sentires
não te percebes também mas te aceitas
de aceitar todas as coisas
esse vácuo soberano em sua natureza és tu

Vê por onde transitas tão corpóreo


e inevitavelmente maravilhado
isso é uma simples variação de ti

184
porque também é vazio de nascença
assim como tu és

Esse vício que respiras também o respira a ti


idem a voz veloz no vão
idem o fôlego fugaz
que faz de ti em absoluto segredo
o mais incontrolável dos vazios

185
A CANA DO CORTE

Desbatucando/batucando/ando
maracatu dispoético
trago nos calos da destra
a sinistra em voz alta
as fibras do batuque
o duro nó da cana que também é doce e solidão
cana decepadeira
no centro do coração
macerando o bagaço da rima
palha espalhada aos quatro ventos
faca de lágrimas sulcando a face
onde batuca meu maracatu amaro
e uma palha da palavra incendeia a cabeça
inspiração moldada no amor e na morte
parte/arte imitando a vida
parte vida imitando a arte

186
PERCURSO

Plataforma de despedida
beira/eira/ira da palavra
maquinando o imenso desabrigo do mundo
porque uma locomotiva/motiva love in vain
num viridário de ferro
declarando toda contradição
tão letargicamente snob
num percurso óbvio

187
TÊNIS

A caminho do caminho sem volta


nos grafites de arrimo/rimo/imo
pelos paredões escusos
dessa triste madrugada
escorando muros andarilhos dos arrabaldes
a caminho do caminho sem volta
um par de tênis
andando à toa num semicírculo
calçando pés rotos
além da rota de colisão com a estrela absinto
de tocaia nos telhados
em que telhas ronronam
qual janelas felinas
debruçadas na fase da lua

188
BELORIZONTE BELORIZONTE

E já germina o dia em timbre de buzinas desafinadas


tempestade carbônica intercessão de gás metano e chumbo grosso
rajadas de casas na fuzilaria dos barrancos/arrancos da periferia
terra sem lei horizonte fora de si

Ali onde o horizonte é o certo da incerteza


carrossel de tambor de três oitão nas têmporas
viver é uma roleta-russa no limite dos logradouros sob os monumentos
cheiro enjoativo de crack
a vida nauseabunda/abunda/unda onomatopeicamente
pá pá pá pá

Daqui a pouco mais um cadáver sedento de tóxicos e entorpecentes


abriga sua maltrapilha mulher que poderia ter sido minha mulher
com o filho desnutrido jogado ao colo
que bem poderia ser meu filho

Do infundo/fundo/do poço de um cachimbo ambulante


vícios de um belo horizonte ao outro
o não horizonte de ruas viaturas viadutos/dutos e esquinas estaladas
no fornilho inconsútil da noite horizontal

189
ENQUANTO OS DESERTOS LADRAM

Será gris o giz desse entardecer

enquanto os desertos ladram

eu toco minha viola

minha terra/erra agrotoxicamente

no fundo da boca/oca/cá dentro de cada um de nós

árvores produzindo maus frutos

onde não mais se veem as verdes matas

nem o barulhão da passarada

enquanto os desertos ladram

eu toco minha viola

190
FEIJOADA

Cabeça livre coração pandeiro


no repique do pé
folia de bis
no chão dos quadris
suor de pimenta no viço da pele malagueta e tupi
mistura abrasante sabor brasileiro
vívido/ido e bem-vindo mundo nu de toda nudez
desde o escrivão pero vaz de caminha
água de coco água viva água mineral água na boca aquarela
reverbera tambor requebra/quebra tamborim
atabaque/baque/que ata baque batucada/cada pedaço de nós
verdes matas mares/ares verdejantes
onde um verdugo olhar ainda cobiça o retumbante pau-brasil
cheiro verde nas folhas do meu violão
que dá verdade ao farfalhar/ar samba suor e sol

191
VIADUTO

Havia um tom de tragédia entulhada no canteiro


susto terror e tarde triste sobrepostos no viaduto da avenida d. pedro I
ilógica geometria
onde antes havia/via/ia em si uma alça de trânsito
erguia-se um vigoroso desenho na virada da tarde
quando até se escreviam poemas de amor
acoplando substantivas fantasias do futuro
todavia no minuto escuro dessa tarde
o mundo virou terreno esfacelado de concreto e asfaltado
um corpo perfeito/feito mãe
rosa esmagada na lógica arquitetura das vigas
cuja matemática chora em si mesma
réguas ângulos cálculos e compassos embotados
um mundo desbotado
e aquela menina
tão menina
que nem desabrochou ainda?

192
A BALADA DE JOHNNY PIXOTE

Maria baladeira
deu agora pra arrepiar na balada
rebolando até o chão no meio do salão
pichou de amor o coração de johnny pixote poeta picareta e pichador
entre um passo e outro
suores tremeluzindo amor à primeira vista
descompassos/compassos/passos e passinhos
suores jateados no rebolado dela

Após um beijo longo


cada um por si
enfim balada bala calada
fim de noite fim de festa afinal
espera não correspondida na saída
por esse antipiche da sorte johnny pixote pichador não esperava
chuva fria ventania companhia na solitária volta pra casa
borrifos hífens de areia riscando a face como pontas de faca
johnny pixote pichador escreve sua última arte
só tem maria no spray do pensamento
um tiro retumba na cabeça molhada de chuva
chapiscando o muro de sangue e paixão

E naquela mesma noite


maria baladeira/ladeira/eira abaixo
retornando da balada
pelos encaracolados becos da periferia
dá de cara na caricatura do caminho
com uma boca pichada dentro de um grito
cheio de formigas
que bem poderia ser
o enredo de algum best seller

193
URUBU REI

Corre no leito do meu peito


liquefeito/feito/eito ribeirinho
hum link com o ribeirão arrudas
ao esgotado Rio das Velhas
que deságua no velho Chico
mãos armadas
afiguradas em figa
para espantar mau-olhado
e definhar mumunha de olho-gordo
minha manha de urubu-rei
também urubu-malandro
cognome do meu umbigo
puxado pelo bico e pelo samba

194
DEPOIS DA CHUVA

Geralmente estou triste


de um desfolhar/olhar/ar
fragmentado no vazio

Uma infusão de boldo-do-chile


me cai bem
e um fígado que anda por aí

O jornal me lê
a olho nu
e o chá me toma
um tanto amargo
em sua chávena final

O telefone toca
vou correndo atender
deve ser ela

195
DISSOLIDÃO OUTRA VEZ

Afloram-se os meus encantos por ti

Enquanto isso
divagando/vagando/ando cabisbaixo
leio nos meus olhos a solidão oblíqua espalhada na dissolidão das ruas
cumprimento pessoas que eu nunca vi
que reconhecem em mim um subterfúgio

Sem você sou um pobre estrangeiro


no percurso bêbado da madrugada
guiado pelos postes e ladrões

Bendigo os teus talentos/alentos que me encontram nas esquinas


prisioneiro da inconstante morfologia de belo horizonte que anda comigo
onde minha alma vem implorar sempiternamente por ti

Mas sei também


que o amor é remédio
que desmata/mata/ata e desata
dentre outras doses

196
A OUTRA FAROFA MECÂNICA

Ela não sabe


o quanto meu paladar se afia
os dentes ficam enlinguarados
salivando um verso inculto e belo

Um elegante ganido de caninos


de estridente linhagem
irrompe na biosfera da noite

Exu sete facadas de impetrada incisão


dissecando o samba esotérico
no repique de um atabaque/baque/que ata baque

Na mão torta um tridente


na contramão um patuá de farinha intrínseca
incorporado no alguidar
couraça de lobisomem na soleira da porta
e uma fileira de sal grosso
por precaução
Orelhas enganchadas em ramos de arruda
banquete arregalado em gamela de jequitibá
regado à luz de treze velas
num mix de azeite de bicho e recheio de lua cheia

Farejando traços longilíneos


no suculento pescoço

Então um turvo vaivém


até o inseparável devir

Ora como língua ou lâmina


ora como lâmina ou língua

197
FELIZ NATAL

Amados poetas
inesquecíveis parceiros de copo sedentos da impecável cachaça da palavra

Que através desse trânsito


em que faço jus às bem traçadas linhas
rebentos do punho matemático do computador
que ora me assiste
e não desata dúvidas
como o manuscrito dos meus sentimentais garranchos

Que aproveito esta bagaceira


para chapar os meus protestos de um feliz natal e próspero ano novo
como manda o figurino

Faço votos de que o tenhais desfrutado


enquanto fruto de boas festas
como se fosse um dia de futebol

Fogos de artifício
o furta-cor crocante que reluz amendoado
trocas de castanhos olhares
entre castanholas de beijos
e abraços estalando caras e bocas afora

Informo-vos ainda
de que logo voltaremos ao ângulo da realidade
daqui a pouco a casa caiu
tudo será cinzas
como o final de uma partida de futebol
como a quarta-feira/eira e beira de cinzas
e nada mais

198
Que nada sobreviverá
à matéria escura das vaidades
alguém virá dizer
um derradeiro clip
no improvável eclipse
do fundo de algum baú

Mas por favor


não ignoreis
aquilo que grandiloquentemente
e do santuário do meu coração
deixei escapar como um feliz natal

É que eu me enovelo
numa poção de cauim com demanda de benjoim
sangrando um bongô brasileiro
embebido em flechas com zanga de curare
talhado restrito/estrito/rito no venerável alfanje
da minha querida mãe iansã mulher de xangô

Era tudo o que eu queria


era o presente que me redimia

199
AMOR/OR NOT LOVE Nº1

Amor/or not love


dividido/ido e vindo amor
amor amaro/aro vicioso
amor/ or not Love
amor glamour
mon amour
meu bem meu mal
minha bela fera
minha fã
minha fama
a boa e a má fama

Desamor/amor/or not love


amor repartido/partido/tido/ido e havido cego
desassossego cego/ego
cegamente amo

200
AMOR/OR NOT LOVE nº2

Amor/or not love


amor fatiado
verde amor mordaça
imaturo/aturo

Depois
amarelo
maduro
amarás maturado
amor agridoce amar
amor ódio amado amor

Na guerra e no carnaval
vale tudo aval volátil
valor da carne amor mortal
beijo carnívoro carnal carne carmesim
ente oral encarnado

Amor/or not love


dividido amor
amor amaro/aro vicioso

Amor/or not love


amor glamour
amor partido
cego/ego amo

201
ARCO

Todavia se eu pudesse
faria um escrachado crochê
na fronha do seu travesseiro
guardado com sachê de capim-limão

Um verso emaranhado com cheiro de mato


são algaravias dentro de mim
onde a cor é semeada com um fogoso cavalo alado
selado/elado/lado a lado no arco-íris
galope nos lábios sagrados da boceta de vaca de minha experiente namorada
empunhando o colorido arco do horizonte
impresso na abobadada arquitetura do tempo
a sós
a sempre
assim

202
FACE

Às vezes
eu sinto falta da velha navalha amarela
e uma gang de girassóis
em órbita na orelha fugaz
sangrando o amarelo-vangogh

Outras vezes
um sol atado ao girassol da noite interior
rebuscando o atilho de um sol maníaco-depressivo
que lapida o poeta e negreja as rima/imã
magnetizando a orelha dependurada num outro amarelo atraindo o fio do corte
de uma exangue carta de amor
e um cigarro aceso no escuro de um cubículo
aspergindo raios fúlgidos
porque senão eu morreria
ou ficaria louco
na lua cheia
que ora ricocheteia
no desângulo

203
A OUTRA FACE

Pela aresta/resta/esta face


o livre ímpeto do arbítrio
adrenalizado no instante
que antecede o solavanco
de cavaco nos rins
em queda livre
delineando o impulso obstinado
rumo ao chão chamuscado de crack
euforia ossos e noia atarracados
antecedentes/dentes/entes afiados da fumaça
num psiquismo macumbeiro
viro a cara e vejo a outra face do abismo
dor abrupta
súbito baq/
mesclado à massa clara do cerebelo
declarada no zoom espalhado na negra ossatura do asfalto
espécime adaptado à própria sorte
cúbica solidão

204
FACE A FACE

E já germina o dia no clímax de ãos desafinados


e tanto faz de buzinas ou barulho de fax ou no tórax cheio de gás carbônico
segunda-feira/feira/eira nem eira
azedume de beijo de guarda-chuva
na vulva da boca espumando vida loka
zumbi zombando efeito zenão zunindo solid-
ão
insólito ão do dia
inssosso/osso/só
ão duro de roer
de tão/ão
quão dá ãos
no nasalado/alado/lado da voz
arredores/dores e solidão

205
PUNHAL

Por volta da ida meia-noite


que atravessa/avessa/essa lâmina fria
no meu peito fodido
o qual bem sabe talvez
que no pez dessa noite
o amor não traz a calma
mas antes o punhal
afiado de bruxaria
cujo fio é encanto de prata
de corte profundo
e tinge de morte

No entanto
você que me mata
não do golpe certeiro
porque dele eu não morreria tanto
mas atingido
pela vivida/vida/ida em vão
por não estarmos juntos e misturados
pela não vivida experiência
de morrermos adjuntos

206
BATOM

Beija-me como desigual por iguaria


dá-me a saliva sintética
que espuma no sublingual
desventurados sussurros
hum beijo infindo/indo/do vermelho-thecnobatom atômico
destoa sobre tom
onde o fogo contorna/orna/a boceta dos lábios
cujos lábios também são boceta

Enrubescendo o rosto das maçãs do rosto


com rasgado fetiche de unhas em rubro tom
tom sobre tom na batida eletrônica do peito
escalavrado/lavrado em postas de som

207
CHAMA

Abençoada lingerie
escrita nas curvas
os sentidos da calcinha acesos
em cada retalho/talho e detalhe do corpo

Bendita chama chamo o seu nome


na cama iluminada/nada há
do que foi detalhado aqui que não atiçamos

Porém
de rescaldo
louvo-te oh alcova que incendeia
eu já o disse nas páginas da vida
mas não custa nada repetir
e não me canso de repetir
serpenteio de salamandras
enxame de fogo na essência dos lençóis
acender as cinzas com a pele em brasa

208
E POR FALAR DE AMOR

Se é pra falar de amor


ah eu te amo
ainda que você existisse

Falo da bala sempre ballet


em desabalada/abalada/alada poesia
no peito/eito da dor
onde falam as palhas rastejantes
dos seus pés de rasteirinhas
arrastando a madrugada
na fria penumbra do meu quarto insone
a despeito de nada existir

Que não existirão os seus beijos


numa urdidura de língua
de bem urdida trama
ah eu vivo assim
entre pétalas de lábios e línguas
assim num jardim de ilusões
onde beijos vivem à solta

E por falar de amor eu vivo assim


nas bordas do vinho
vitrificado na vertigem dos copos
que nunca bebi
quando de uma talagada
brindando o nosso eterno amor

209
ORA ORA

Eu já vivi de tudo
por pura púrpura
ou por muita fantasia ou por falta d’água
apenso/penso/só me resido em você
somente em você existo
logo eu que nem existo também
penso logo não existo
mesmo assim
cá dentro de mim essa madrugada/rugada/ugada contradiz
e nada desdiz
esse beijo explícito
nele o espargir do inexistir
onde tudo começou

210
SÓ EU SEI DAS SEMENTES DO AMANHÃ

A semente destes diversos/versos/sós


é solidão de rio esquartejado
vagando sem remo
em leito de terra seca
às margens do indefinível arco do horizonte
em busca do delta celestial

211
SUICIDAS ERRANTES

Esse mar que navega nas águas da solidão


despedaçando no percurso
remando contra a correnteza
contra tudo e contra todos
contra o vento contra a maré contramão

Ah coração/oração/ação
entre suicidas errantes
vertigem nauseabunda
em busca do porto inatingível
velocidade no escuro
amor dispoético
esse coração parte de mim
boa parte dele é trash
o resto é flashback

212
LA BARCA

‘stou muito em vão


entre o remix do mar
e o torvelinho de nix
por la vereda tropical
náufrago das tristezas
inda indago toda a vã filosofia
colado nessa quilha
onde murmura o meu quinhão
bolero em alto-mar
debalde fujo do seu olhar
como la barca da calmaria
prenúncio da grande tormenta
que também/bem sabe
que após a tempestade
nunca vem a bonança

Que o cais é a solitude


minha voz e um violão infeliz
dois pra lá dois pra cá
na dividida/ida e vinda batida
bolero fedaputa

213
TANGERINA

Água na boca o fruto do caos


a terra/erra nas searas do senhor
inflorescências cítricas
onde a tarde/arde/de vício tangerino

Diga-me da púrpura gestação da tangerina


evento de floração que tange corações/orações/ações e mentes
abelhas são bem-vindas todas são flores
floradas tangerinas guardando o vezo sagrado da vida
regurgitando o mel colhido no viço do universo
gestando o rufar
da próxima safra
antes do dilúvio universal
mas ensina-me também
como arar a cor
espalhar o citrus
e estocar o mel

Por fim lança-me um lenço de linho branco


ofício do soberano equador
para a mesura das mãos
de cortejar minha amante
com manha de experiente lavrador
no dia da grande colheita

214
TANGERINA Nº2

Água na boca matéria dos calos


a terra/erra nas contraditórias searas do reco-reco do tambor e do tamborim
onde a tarde/arde/de manhãs tangerineiras
inflorescências de claro-escuro
diga-me da púrpura gustação da tangerina
evento de floração que tange o agridoce
abelhas são bem-vindas todas são rainhas
floradas tangerinas gerando outra tangerina depois outra e outra e outra
declamando o mel colhido com as gelhas do rosto gestando o suor de sol a sol
da próxima safra antes do dilúvio universal
mas diga-me também como arar a cor espalhar sementes e estocar o citrus
lança-me um lenço de linho branco
ofício do soberano carnaval para a mesura das mãos
de cortejar minha abelha-rainha com manha de um mestre-sala
no dia da grande travessia

Por fim
rasga-me o peito bruto
e colhe o meu coração
só pra dizer que tu és minha

215
A OUTRA TANGERINA

Água na boca matéria do caos


a terra/erra oca nas searas do meu senhor
inflorescências cítricas
é primavera a tarde/arde/de manhãs tangerineiras

Diga-me da púrpura gustação da tangerina


evento de floração que tange o sabor
abelhas são bem-vindas
todas são rainhas
floradas tangerinas guardando ainda a tangerina da tangerina da tangerina
declamando o mel colhido com as gelhas do rosto
gestando o suor de sol a sol
da próxima safra
antes do dilúvio universal
mas diga-me também
como arar a cor
espalhar sementes e estocar o citrus

Lança-me um lenço de linho branco


ofício do equador
para a mesura das mãos
de cortejar minha amante
com manha de um lavrador
no dia da grande travessia

Depois me estende a língua


que entoa o óbvio
na ampola pop dos lábios
predestino/destino/tino de beija-flor
esperando um ensejo tangerineiro

216
Por fim
rasga-me o peito bruto
e colhe o meu coração
só pra dizer que tu és minha

217
NOITE NÍTIDA

Lá onde suspira aquele pé de ipê


na aladeirada rua dos fundos da cidade impávida
em que o sereno reentristece/entristece/tece e declina seu frio chapado
desbaratinando o mijo dos postes
quebrando no rumo da ventania
a mesma que invade o inverno do meu quarto apartado
de viés no fim do mundo nesta noite sem fim
que disseca lágrimas/rimas/más
e lapida todos/os poetas da terra

Entanto
incapaz de dizer por onde andas
a noite fecha o seu ritmo
script no meu coração
porque aí todos os passos são pardos

Enfim
pergunte àquele pé de ipê cheirando pó
arqueado naquela ponta de rua
que bem sabe do que eu seria capaz
para te ver pela última vez

218
VIOLÃO DANINHO

Ela nem imagina o quanto


minha saliva se afia
meus dentes ficam enlinguarados
a tez enrubescida salta o cego/ego olhar
combinando com a bruxuleante taça de veneno
remida na maçã da serpente
jorro na delicada face da pele
gengibre tempero cru calibre de amor
um naco respingando meu néctar
lambe-me todo como égua no cio
ela nem imagina
quando eu chego sou bem chegado
um violão daninho anda comigo
ele é o meu pacto
é só o prenúncio
do meu diabo
depois a gente se mata
e fica o slogan lambuzado

219
ALQUIMIA

No entanto
antevejo na química dos lençóis
uma paixão grifada/fada/da alquimia da pele
até o fundo estalado dos ossos
o quanto teríamos somente a nós
nossos/ossos/sós/os ossos a sós
e a noite pródiga por testemunha

Que nada nos dividiria


nenhum butim nenhum desterro/erro nenhum
nenhum serafim nem odin nenhum putin nem o muro de berlim antes de 1989
seríamos o rock’n’roll um do outro

Mas antes do fim de noite


a varada madrugada a fim de nós dois
até o fim do mundo
menos da metade de uma noite inteira
valeria por mil e uma noites

220
PERDIDO

Por volta da ida meia-noite


que atravessa/avessa/essa lâmina fria
no meu peito perdido
senão vejamos
o qual bem sabe talvez
que no pez dessa noite
o amor não traz a calma
mas antes o punhal
afiado de bruxaria
cujo fio é encanto de prata
de corte profundo
e tinge de morte

No entanto
você que me mata
não do golpe certeiro
porque dele eu não morreria tanto
mas atingido
pela vivida/vida/ida em vão
por não estarmos juntos e misturados
pela não vivida experiência
de morrermos adjuntos

221
RUMBAS AO RUM

Eu também revivi/vivi/vi e me despi em minha amante cubana


sobrevivo de amor fel e flor flor fel e amor
gostar do gosto amaro de trair traído
como dizem por aí
na guerra e no amor vale tudo

Água de juncos fermento vegetal aguardente


o poder da terra/erra rumba
misturando essências ao rum
buquês da paixão goela abaixo

Entanto
esse clímax de quadris rolando a noite inteira
fogo ardendo no álcool dos olhares
eclosão de ódio e paixão
sumo de tapas e beijos
sem rumo nem rima
nos olhos e no coração
erupção de lábios

Oh diga-me de ti
diga-me assim
desse requebro cubano
encarvalhado na música alta
batidas no solitário tonel da paixão
onde eu me perdi

222
NOTURNO

Da janela/anela/nela/ela/lá/a lua puta


já que entramos neste tema
sou putanhão explícito
sem regras nem tabus
gotejando fissuras nessa espécie de noite
através das falhas das folhas e flores
que medram com ginga de girassol
e cheiro de dama-da-noite
na lapela
esboçando beijos e putaria
como se fossem asas
de anjos expugnados
pela decadente noite
da minha solidão

223
TÃO MINHA

E ainda rola um samba enjambrado


no remelexo da poesia que enviesa a madrugada

Já é silêncio no bairro e na cidade


uma saudade imensa batuca na minha cara
me procuro dentro do quarto escuro
um calafrio/frio/rio de lágrimas perpassa como um sabre os meus testículos
e alcança os óculos jogados no chão
gemendo e chorando de solidão
porque você não está aqui
apenas os lençóis de uma cama espiritual
onde eternamente posso vê-la
através da luz da saudade

224
ENTREVADA NO CÓRTEX

Na ambiguidade do abajur
entre a última canção e um bolero lilás
como se fosse entre
me pega de surpresa/presa fácil
às vezes o absinto da saudade
estou sem chão
caindo no vazio de mim mesmo
apenso/penso/só em você
você
você
você
você
você
você
você
você
você
você
você
você
desgraçado à meia-luz
sinto falta do seu cheiro
num vestido com fenda
debruado de chiffon vermelho
solamente una vez

De vez em quando
eu não sou cachorro não
meu pensamento em torturas de amor
na penumbra uma canção do waldick
faca de dois signos
entrevada no córtex

225
FIM DE NOITE

E ainda rola naquele resto de noite


um clima de tapas e beijos
aquela rasgada jaqueta jeans
entreaberta ao peito/eito da dor
o fim de noite ynquieto de ciúmes com gim
ácido ípsilon dentro de mim
onde reverso/verso/só
a lágrima distinta
que destina meu canto triste
e uma desesperada marca de tecnobatom/batom/tom sobre tom
no coração puído gritando por sua extraviada chama

226
APENAS O VELHO E BOM BLUES

Adiante baloiçam
réstias de allium sativum
numa legião de balas de prata
viajantes do espaço exterior
vociferando com os vampiros
e dançando com as bruxas

Nasce um acorde diferente


é preciso a morte para que o outro renasça
assim morte e renascimento
como um gato/ato em sete vidas
sete línguas reverberando
doze compassos gritantes
empunhando crossroad blues

Quando eu chego sou bem chegado


um swing de encruzilhada anda comigo
alguma estricnina e uma garrafa de whisky
também esse acorde cortante
ele é o meu trampo
apenas o velho e bom blues
num triste tom de cotton
ressoando sincopados
nas regiões da lua nova

227
POR SINAL

Devias ouvir
os rumores do raiar do dia
amanhando o cântico altivo

E o seu galo
alegando um novo território
onde tudo se renova/nova/ova ovário da manhã

Devias ouvir melhor


a gíria do girassol
tecendo o segundo sol

Cindir a parábola
com novidade de um sinal
fazendo outro

228
DISSOLIDÃO MAIS UMA VEZ

Afloram-se os meus encantos por ti

Enquanto isso
divagando/vagando/ando cabisbaixo
leio nos meus olhos a solidão espalhada na solidão das ruas
cumprimento pessoas que nunca vi
que reconhecem em mim um subterfúgio

Sem você sou um pobre estrangeiro


no percurso bêbado da madrugada
guiado pelos postes e pelos ladrões

Bendigo os teus talentos/alentos que me encontram nas esquinas


prisioneiro da inconstante morfologia de belo horizonte que anda comigo
onde minha alma vem implorar sempiternamente por ti

Mas sei também


que o amor é remédio
que também mata
dentre outras doses

229
DEPOIS DA CHUVA

Geralmente estou triste


de um desfolhar/olhar/ar
fragmentado no vazio
e um fígado cabisbaixo que anda por aí

Uma infusão de boldo-do-chile


me cai bem

O jornal me lê
1a olho nu
e o chá me toma
um tanto amargo
em sua chávena final

O telefone toca
vou correndo atender
deve ser ela

230
ENTRUDO

Para começo de conversa


oferto-te o meu verbo
de verdades mentirosas/rosas/as rosas despetaladas
vergel de samba em três dias
tal qual alarde/arde/de fevereiro
as carnes do carnaval

Destarte/arte confetes e serpentinas


quando você me enlaça numa laçada de bunda
serpenteios de santinha que por dentro é cobra voraz
quebrando os quadris
balançando o rabo enverga o meu pau
em vestes de igreja
no claro-escuro do canto

Esperas que eu tenha clareza sincera


sou tão filho da puta quanto você me diz
só sinto aquilo que me interessa
como se fosse a clareza
da mais pura araruta
hey hey tão filho da puta

231
O OUTRO CONTRASTE

Para que haja contraste


é preciso esta noite urgente
a lua ressurgindo/surgindo/urgindo/indo de bar em bar
repartindo voz e violão onde a conversa/versa e canta sua irrestrita solidão

Amar na rua no meio da rua


beijar na praça no banco da praça
da cidade que não tem aonde ir
que não consegue ou não sabe
ou porque já se esqueceu

Multiplicar por zero e resultar infinitos


sentindo a inexatidão do amor na simétrica linha de um beijo
demarcar um sentimento livre na lógica ideia das horas
buscando levianas camas no prumo fiel das paredes em quatro
colar na amada amante
que nos transforma em solidão

Entanto essa garrafa de havana


bouquet cabreúva lá do mato em extinção
digitalizada na mesa do meio
refletindo a anilha em brasa
de um charuto cubano

232
QUASE POR HUM TRIZ E DOIS DEDOS DE DISPOESIA

Debalde invoco/oco a sua presença a qual rejeito ao mesmo tempo


na dubiedade fixo o cigarro amarrotado/arrotado no profundo/fundo/do baú
ao lado hum corpo exala vodu
e hum narguilé das arábias esfuma hum seminu
em posição de lótus

Pra dizer a verdade


eu só queria dois dedos de dispoesia
cruzando os dedos pra me livrar do mal
onde mora a dor
onde não canta a fantasia do uirapuru
nem passeia o meu urubu
de estimação
eu só queria desatar esse vazio
e sob a lua candelabro/abro e fecho as portas do céu
abduzido quase por hum triz

No front
jogado num canto sem contorno
um par de coturnos rotundos e desbeiçados
sorrindo/rindo/indo e vindo de si mesmo
anda no indeciso rangido de sucupira
do assoalho de tábua corrida

233
A OUTRA CLARIVIDÊNCIA

E a lua uivando pelo seu lobo-guará


rastreado pelas queimadas de longo alcance
mancomunadas com rifles e armadilhas
alastrando-se como se não bastasse

Eu lobo-guará
pastor notívago do exílio
abrindo a noite bicho solto
na clarividência canina dos dentes
em que também pastoreia
a pele espinhosa da lobeira

Tendo o acaso por pátria


e o cerrado por azo da imaginação
mote das emaranhadas fragrâncias
o meu jeito retrata/trata/ata e desata
o luar do sertão partilhado nos olhos
e uma retraída pegada do meu olhar
que de relance eu arraso
se acaso me olhares direito
sentirás o mais amarelo/elo do jatobá
na indefinível secura do gosto
que seco se ajeita de esguelha na boca

234
MINÚCIAS

Lá entre olhares oblíquos


um olho gateado alhures
outro engatilhado/atilhado/ilhado no olho no olho

Entretanto
é o que lhe olhifica o olfato
acentuado à caça e ao caçador
por condição de instinto

É o que lhe aguça o olhar


afinado com o ataque e com a fuga
por instinto de ambivalência

No entreolhamento
há um minucioso gato na gente

235
QUILHA

Estou muito em vão


entre o engenhoso mix do mar
e a filosofia de nix
colado nessa quilha
onde murmura o meu quinhão

Que a balestilha cravada na lida


arfagens no tombadilho do tórax
e a estrela-guia adernaram nas entrelinhas
cuja estrela/trela/rela/ela/lá/a moribunda vela que me atrela
desde meca à meia-noite

Que o cedro do líbano se partiu no fundeadouro


os sete anjos a bordo a fumaça aqui assinalada/inalada/alada
entre caixas eixos pinos bandeiras e hinos
fragmentos de bússolas entrevados no córtex
derivam sem ancoradouro

Além disso
o que está em cima assim como o que está embaixo
todas as coisas por dentro e por fora seguem desnorteadas
como o remix da escuma
na máquina da arrebentação

236
OUTROSSIM

Ainda estamos por aí


entre um tango e um cabaré
atirando nossos olhos vermelhos
contra outros olhos vermelhos
sobrevindos das hierarquias da solidão

Que no pez dessa noite


talvez o banzo meu amor
um compasso zãibo
embainhado na carne
arfa no fole do peito
tingindo o fôlego desde la boca
já desfeito/feito/eito de sangue

Outrossim você que me mata/ata e desata


não do tango certeiro
porque dele eu não morreria tanto assim
mas atingido
pela vivida/vida/ida em vão
por não estarmos juntos e misturados
pelo não vivido remix
de morrermos adjuntos

237
LÁBIA

Chega mais vem dançar comigo


entra na minha tenda que também é tua
onde jorrariam joias raras de leite e mel
te dou minha palavra

Eu te darei a saga do vinho e solene ensinarei a sabedoria do trigo


com a malandragem de um sheik que ronda o deserto
onde repisarei/pisarei/rei o leão e a áspide
eu te prometo a lábia que aprendi no aconchego
para bolinar teu ávido clitóris radiante flor de cactos
enfeitando a escaldante paisagem dessa boceta a pino

Querida odalisca/isca da felicidade eu te dou minha palavra


lamberei teus pés de damasco caramelados/melados/elados
no meu harém de uma só mulher onde tu valerias por mais de setenta e duas virgens
querida odalisca/isca da felicidade minha huri de olhos escuros
e minha cimitarra também

Oh quem me dera teus seios de tâmaras das planícies férteis do sagrado rio nilo
para irrigar a sede profana da minha boca

Que no piercing vadio do teu umbigo eu te lapidarei/darei/rei


línguas de beijos das minas do rei salomão

Então serás um templo erguido à deusa allat


entronizada no meu coração moçárabe
danças do ventre num certo céu de alfazema
floreios no couro de um lascivo derbak
pela noite eterna de mil e uma bagdás
de onde jorraria/ária rara de leite e mel

238
PEDRA

Pela fresta/resta/esta janela


a vista em queda livre
como pedra pesada
rente ao fugaz
no traço do arbítrio adrenalizado na química
que antecede ao solavanco
de cavaco nos rins
impulso obstinado
rumo ao chão chamuscado de asfalto

Derrame de som e imagens


nos antecedentes da pedra
indiferente ao final da síntese
o olhar noiado se agrega ao surdo estalido
mesclado à massa clara do cerebelo
declarado no zoom
espalhado na negra ossatura do asfalto
espécime adaptado à própria sorte
calcificado no baq/
de onde o impacto

239
A SAGA DO POETA MORTO

Oh meu imenso amor já evanesce a plumagem do último cisne e quase morto declaro
aqui minha zanga sem fim onde uma enorme língua lambe o mel azul do céu prefácio
crepuscular supondo que já revivi/vivi/vi e revi este filme antes

Oh minha deusa nem tão minha assim que um dia me enfeitiçou com eflúvios de iansã
minha mulher de fé eu não tenho onde reclinar as minhas palavras análogo aos poetas
sobreviventes/viventes/entes das potestades da solidão ao som ritual de gargantas
cortadas porquanto já secam todos os cantos da terra como o indomável saara

Enquanto meu coração sedento cambaleia sem esperança pelos fragmentos deste
desertificado dispoema desejando o bálsamo extinto das águas certo de que o oásis
afrontado retornou aos arcanos do caos

Folhas e flores despedaçadas entre aquíferos flagelados são meus olhos assinados de
angústia a te dizer toda intolerância do mundo entre nuvens do apocalipse

E sob o signo da desilusão me despeço de ti

Enquanto a brisa morna/orna/na tarde dos tempos a mortiça cor ora engaiolando o voo
ora cooptando a inocente algazarra dos ventos nas reentrâncias de um curso cego

Não há mais amanhecimentos de gorjeios nem horizontes na varanda


do entardecer anunciando violões seresteiros cortejando janelas enamoradas das casas
assobradadas

Clamo pelas esquinas de boa com a lua abençoando nossos irmãos com seus cds piratas
fazendo scracth ali e peço-te licença para clamar muito mais pelos guerreiros sprays
violentados na 23 de março

Finalmente eu preciso dizer-te da serra do curral levando o cerrado no lombo do


moribundo velho chico e o chio amadeirado do último carro de boi em dueto com a
espiritual viola de cocho de zé do coco do riachão

Além da lira do lápis químico o lápis do lápis o lápis da poluição o lápis de baal o lápis
da seca o antilápis da criação o sinal dos tempos porque os tabernáculos da terra foram
violados

240
E o paraíso perdeu-se para sempre e sempre na cabulosa cegueira de nós mesmos/esmos
a esmo

Post scriptum nas estrelas cadentes em conjunção comigo ao derredor/redor/dor

241
VERTIGEM

Luz marrom desse olhar que reluz nos meus olhos atônitos

permeando a dor das notívagas/vagas daqui em diante

estilhaços/aços enavalhados na carne da mão carente

que desvia dos olhos a mecha de cabelo que mexe comigo

duas luzes deixando a estação rumo incerto amor em vão

descarrilando meu coração num desastre fatal

lágrimas surradas na face pela vertigem deste adeus

canção gotejando sem direção

e por ser sem direção eu vivo mesmo perdido num precipício escuro

onde a poesia não me conforta

ao invés disso

vem como um trem

atropelando meu peito/eito dilacerado

Poesia

poesia arte nossa de cada dia

o pão da palavra não me serve para nada

estou morrendo à míngua

suicídio de amor

242
CORAÇÃO

Coração/oração/ação

que bem sabe talvez

que na nudez dessa noite

o amor não traz a calma

mas antes o punhal

afiado de bruxaria

cujo fio é encanto de prata

de corte profundo

e tinge de morte

243
MARE LIBERUM

Das incertezas do mar

eu sou o samba

ondeando num vindo/indo e vindo debrum

náufrago das solitárias brumas do acaso

aos trancos e barrancos/arrancos

de ondas gigantes/antes

nunca dantes navegadas

soçobrado/brado aos ventos cortantes

do tombadilho do meu peito

cambaleando nas noites frias

sem rumo e sem rum

Que a mulher deste balanço

balança como rumba cubana

dentro do meu coração

é um outro coração cá dentro

ali edificarei a minha lira

que se revela/vela/ela/lá/a alegoria que me atiça

morena do mar

da laia de yemanjá

faça do meu corpo

seu mare liberum

Oh rainha de minh’alma

porta-bandeira deste antidestino

244
que nos destroços dessa maré

eu e você e a maresia somos hum

degredada casta da minha costela

lábios carnudos de batom

ancas largas de oxum

você foi a melhor parte/arte com o diabo

Que o meu mastro é baticum

cantando e dançando ao deus-dará

singrando a trilha volúvel da sonora ventania

balançando as velas rasgadas do meu coração

245
CORPUS

Cabeça livre coração pandeiro

no repique do pé

folia pede bis

no chão dos quadris

áfricas pimenta viço pele malagueta Kill Bill malagueña cinema pipoca com guaraná

guarânias guaranis

mistura abrasante sabor brasileiro

vívido/ido e bem-vindo

Desde o escriba Pero Vaz de Caminha

água de coco água viva água mineral água na boca aquarela do Brasil Ari Barroso

escrevinha grassa graça grama oh green grass London London também na dança

requebra/quebra tamborim

marés amarelas amares/mares/ares amaros

verdes rios verdes lagos verdes matas verdes mapas

em risco de extinção

pau-brasil jequitibá sapucaia ipê e maçaranduba

mogno jatobá jacarandá imbuia e araucária gemendo e chorando

Que o dispoético pinho nas folhas do meu violão

aurífera bandeira/eira/ira e beira de verdejante brasil céu de anil

verde varonil em risco de extinção

verde que dá verdade ao farfalhar/ar samba suor e sol

246
NA QUEBRADA DO SÁBADO

Para que haja sábado

é preciso esta noite urgente

a lua surgindo/urgindo/indo de bar em bar

repartindo um banquinho e um violão

Amar na rua no meio da rua

beijar na praça no banco da praça

sob as refrações

da cidade que não tem aonde ir

que não consegue ou não sabe mais

ou porque já se esqueceu

Na demorada assinatura de um beijo

sábado quebrado um breve amor

beijar com estranha intimidade

como se fosse sempre a primeira vez

demarcar um sentimento livre na lógica das horas em ponto

se entregar à leviana carne

no prumo fiel da parede/rede/de quatro

colar na amada amante que nos fragmenta em solidão

247
No entanto

o rótulo íntimo vermelho-úmido

engole seco a cachaça havana

rotulando a garganta online

jogada no meio da mesa

refletindo a anilha em brasa

de um marrom charuto cubano

248
KOI

Pudera eu ser o samurai dos teus sonhos nesse repuxado olhar que mexe comigo

que cultiva um solitário bonsai através da noite oriental do meu viver

sanpaku na íris negra desta repartida/partida/tida escultura de palavras

cercada de armas brancas

três espadas no espelho

refletindo/fletindo/indo na direção da minha tragédia de amor

mui querida queixa

flor e mundo de salgueiro

em negrito/grito/rito tinto feito tinta nanquim

repartido em dobras e jogado fora ao longo da oblonga noite de solstício

sentença origâmica das esferas/feras/eras de hiroshima e nagasaki

Assim

ensaio um haikai diferente

onde ainda te vejo

e o meu coração late e abana

como o rabo de um cão

no portão de chegada

249
É NÓIS

Eis a palavra

trama/rama e cotejo dispoético

à flor da língua

impele/pele química

comete dispoesia

esta palavra/lavra esganada

de todo corte que há

entrecortada no engano

cortejo de lágrimas

É nós

eis a palavra

trama/rama e raiz do bem e do mal

à flor da língua

impele/pele química

comete dispoesia

250
RAÇAGEM

A minha levada é da raça do boi de corte

é como o garrancho da morte

quanto mais desengonçado se aproxima o tombo

mais alto destrincha/trincha/rincha/incha o ritual do berro

Que o meu berrante é semelhante ao couro do touro

me amparando do horror espremido

que destraça o corredor/redor/dor e horredor

rumo ao magarefe

na passageira extensão

que se esquiva no mantra

251

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