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As Resistencias Esteticas Biopotentes
As Resistencias Esteticas Biopotentes
71- 88
Natacha Rena
Paula Berquó
Fernanda Chagas
34 Enquanto o poder soberano detinha o direito sobre a morte de seus súditos, o biopoder
interessa-se justamente pela vida, sendo a morte o escape a qualquer poder. Enquanto o poder
soberano faz morrer e deixa viver, o biopoder faz viver e deixa morrer (PELBART, 2011).
35 Termo lançado por Foucault, em meados dos anos 1970, se referindo ao momento em que
a vida das populações e a gestão desses processos são tomadas pelo poder como objeto
político.
de unificar tudo, cria paradoxalmente um meio de pluralidade e singularização
não domesticáveis. Na inversão de sentido do termo biopolítica, esta deixa de ser
o poder sobre a vida, e passa a ser o poder da vida (PELBART, 2011), ou o que
poderíamos chamar também de biopotência.
É essa perspectiva mais otimista sobre a biopolítica que abre espaço
para a discussão da potência biopolítica da multidão, ou a biopotência da
multidão, pois, acredita-se que paralelamente ou mesmo dentro deste sistema
flexível do capitalismo contemporâneo, é possível resistir positivamente,
ativando processos que fogem à lógica da captura das máquinas biopolíticas de
subjetivação. Enxer- ga-se no poder político da multidão (corpo biopolítico
coletivo, heterogêneo, mul- tidirecional) uma biopotência que produz e é
produzida pelas fontes de energia e valor capitalizadas pelo Império. E é
justamente por meio da multidão, com a for- ça virtual de seus corpos, mentes e
desejos coletivos, que acredita-se ser possível resistir e escapar a essa nova
ordem Imperial. Diante do poder virtual inerente à multidão, vislumbram-se
novas possibilidades de subverter o Império e superá-lo, tirando partido do caldo
biopolítico e das subjetividades coletivas. A multidão, enquanto organização
biopolítica, é o que pode construir uma resistência positiva, criativa e inovadora,
produzindo e sendo gerada pelo desejo do comum.
Retomaremos mais adiante, na terceira parte deste artigo, essas táticas
de resistências multitudinárias aos processos gentrificadores de expropriação do
co- mum, agenciados pelo urbanismo neoliberal contemporâneo, quando
trataremos de eventos que ocupam criativamente as ruas de Belo Horizonte
desde 2011. Faz-se a seguir um parêntese para detalhar melhor os processos
gentrificadores que utilizam a cultura como vetor do discurso em defesa da
melhoria do espaço público.
37 Com base na distinção que Certeau (2012) faz entre estratégia e tática, entende-se que a
postura tática, determinada pela astúcia de utilizar as falhas na vigilância do poder e por seu
caráter criativo e plural, constitui um meio de fortalecer os mais fracos, ou seja, a vida como
re- sistência pode ser ativada a partir de táticas de microurbanismo político. Acredita-se que
ações artísticas e culturais podem, a partir de agenciamentos táticos, criar potencializar
movimentos multitudinários ativando processos de apropriação crítica e efetiva dos territórios.
O decreto referente à Praça da Estação foi o estopim de um processo
de resistência ao mandato, que tornava cada vez mais explícito o monopólio de
questões privadas nas decisões políticas concernantes ao planejamento da
cidade. Tal medida foi motivada pelo suposto distúrbio ao Museu de Artes e
Ofícios, localizado na Praça, por encontros religiosos. O Museu, que apresenta
uma ar- quitetura de restauro impecável, é parte de uma entidade sem fins
lucrativos, com título de utilidade pública federal, vinculada a uma das maiores
empreiteiras do país. Frente ao decreto surgiu na Praça um movimento periódico
de ocupação que questiona, de forma inusitada, as restrições de utilização
daquela. A “Praia da Estação” vem reunindo, desde então, banhistas
manifestantes que, carregando suas toalhas, cadeiras de praia, barracas, bicicletas
e cachorros, ocupam a praça nas manhãs de sábado sob as águas de um
caminhão pipa. Acontecimento espon- tâneo, a Praia tornou-se o principal foco
de resistência à Prefeitura e também uma fonte inesgotável de ataque contra as
suas políticas higienistas (RENA, 2013). A Praia provou possível experimentar o
asfalto enquanto mar e o espaço público, controlado por interesses privados, não
como lugar instituído, mas enquanto palco de afetos e trocas instituintes. A partir
disso foi possível vislumbrar, por meio da experiência, o devir comum dos
territórios públicos e, se não plantou-se semente, desencadeou-se rizoma, que
como erva-daninha fez surgir inúmeras multidões criativas na cidade a partir de
então.
Referências
Textos da net
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Acesso em: 20 mai. 2013.
RENA, N. Neves-Lacerda declara guerra à multidão. Rio de Janeiro, 30 de abril de
2013. Disponível em: http://uninomade.net/tenda/neves-lacerda-declara-guerra-a-
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SZANIECKI, Barbara; SILVA, Gerardo. Rio: dois projetos para uma cidade do
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24 jun. 2013.