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Sobre uma nova lista de categorias

(Proceedings of the American Academy


of Arts and Sciences 7 (1868), pp. 287-298)
(original em inglês)

Charles Sanders Peirce


(tradução de Anabela Gradim Alves, Universidade da Beira Interior)

Sec. 1. Este estudo baseia-se na teoria, já que nada mais é do que o reconhecimento
estabelecida, de que a função dos conceitos geral do que está contido na atenção, não
é reduzir a multiplicidade das impressões possui qualquer conotação, e portanto não
sensíveis à unidade, e de que a validade de possui unidade própria. Desta concepção
uma concepção consiste na impossibilidade de presente em geral, de ISSO em geral,
de reduzir o conteúdo da consciência à dá conta a linguagem filosófica através da
unidade sem a sua introdução. palavra “substância” num dos seus senti-
dos. Antes que qualquer comparação ou
Sec. 2. Esta teoria dá origem a uma con- discriminação possa ser feita entre o que
cepção da gradação entre aqueles conceitos está presente, o que está presente tem de
que são universais. Pois um desses conceitos ter sido reconhecido como tal, como “isso”,
pode unificar a pluralidade das impressões e subsequentemente as partes metafísicas
dos sentidos, e contudo um outro pode que são reconhecidas por abstracção são
ser necessário para unir o conceito e a atribuídas a este “isso”, mas o “isso” não
multiplicidade à qual é aplicado; e assim por pode ele próprio ser transformado num
diante. predicado. Este “isso” não é então nem
predicado de um sujeito, nem está num
Sec. 3. Que o conceito universal que está sujeito, e consequentemente é idêntico à
mais próximo dos sentidos é o do presente concepção de substância.
em geral. Trata-se de um conceito, porque
é universal. Mas, como o acto da atenção Sec. 4. A unidade à qual o entendimento
não possui qualquer conotação, mas é o reduz as impressões é a unidade de uma pro-
puro poder denotativo da mente — isto é, o posição. Esta unidade consiste na ligação do
poder que dirige a mente para um objecto, predicado com o sujeito; e, logo, aquilo que
distinguindo-se assim do poder de pensar é implicado na cópula, ou a concepção de
algum predicado desse objecto — assim, ser, é o que completa o trabalho dos concei-
a concepção do que é presente em geral, tos de reduzir a multipicidade à unidade. A
2 Charles Sanders Peirce

cópula (ou antes o verbo que é cópula num mento negligenciando outro. A atenção ex-
dos seus sentidos) significa existência actual clusiva consiste num conceito ou suposição
ou possível, tal como nas duas proposições definida de uma parte de um objecto, sem
“não existe qualquer grifo” e “um grifo é um qualquer suposição de outra. A abstracção
quadrúpede alado”. O conceito de ser con- ou prescisão deve ser cuidadosamente dis-
tém apenas aquela junção de predicado a um tinguida de dois outros modos de separação
sujeito no qual estes dois verbos concordam. mental, que podem ser chamados discrimi-
Consequentemente, a concepção de ser, cla- nação e dissociação. Discriminação tem a
ramente, não tem conteúdo. ver meramente com os sentidos dos termos,
Se dizemos “o forno é negro”, o forno é a e apenas traça uma distinção no significado.
substância, da qual a negritude não foi dife- A dissociação é aquela separação que, na au-
renciada, e o é, enquanto deixa a substância sência de uma associação constante, é per-
tal como foi vista, explica a sua indiferen- mitida pela lei de associação de imagens. É
ciação, aplicando-lhe a negritude como um a consciência de uma coisa, sem a necessária
predicado. simultânea consciência da outra. A abstrac-
Embora o ser não afecte o sujeito, implica ção ou prescisão, consequentemente, supõe
uma indefinida determinabilidade do predi- uma separação maior que a discriminação,
cado. Pois se alguém pudesse conhecer a có- mas uma separação menor que a dissocia-
pula e o predicado de qualquer proposição, ção. Assim, posso discriminar o vermelho
como “... é um homem com cauda”, saberia do azul, o espaço da cor, e a cor do espaço,
que o predicado é aplicável a alguma coisa mas não o vermelho da cor. Posso abstrair o
suposta, pelo menos. De acordo com isto, vermelho do azul, e o espaço da cor (como é
temos proposições cujos sujeitos são intei- manifesto do facto de que acredito que existe
ramente indefinidos, como “existe uma bela um espaço incolor entre a minha face e a pa-
elipse”, onde o sujeito é meramente algo ac- rede); mas não posso abstrair a cor do es-
tual ou potencial; mas não existem propo- paço, nem o vermelho da cor. Posso disso-
sições cujo predicado é inteiramente inde- ciar o vermelho do azul, mas não o espaço
terminado, pois não teria sentido dizer “A da cor, a cor do espaço, nem o vermelho da
tem características comuns a todas as coi- cor.
sas”, pois não existem tais características co- A prescisão não é um processo recíproco.
muns a todas as coisas. Sucede frequentemente que, enquanto A
Assim a substância e o ser são o princípio não pode ser prescindido de B, B pode ser
e o fim de todo o conceito. A substância prescindido de A. Dá-se conta desta cir-
é inaplicável a um predicado, e o ser é-o cunstância da seguinte forma. Os conceitos
igualmente em relação a um sujeito. elementares apenas surgem por ocorrência
da experiência; isto é, são produzidos pela
Sec. 5. Os termos “prescisão” e “abs- primeira vez de acordo com uma lei geral,
tracção”, que eram anteriormente aplicados da qual é condição a existência de certas
a todo o tipo de separação, estão agora li- impressões. Agora, se um conceito não
mitados, não meramente à separação mental, reduz as impressões às quais se segue à
mas àquilo que brota da atenção para um ele- unidade, é uma mera adição arbitrária a

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estas últimas; e os conceitos elementares seguramente inferido a partir dos elementos


não surgem assim arbitrariamente. Mas se objectivos.
as impressões pudessem ser definidamente
compreendidas sem o conceito, este último Sec. 7. O conceito de ser surge na forma-
não as reduziria à unidade. Donde as im- ção de uma proposição. Uma proposição tem
pressões (ou conceitos mais imediatos) não sempre, além de um termo para expressar a
podem ser claramente concebidas ou objecto substância, um outro para expressar a qua-
de atenção, negligenciando um conceito lidade dessa substância; e a função do con-
elementar que as reduz à unidade. Por outro ceito de ser é unir a qualidade à substância.
lado, quando tal conceito foi obtido, não há, Consequentemente, a qualidade, no seu sen-
em geral, razão para que as premissas que o tido mais amplo, é o primeiro conceito na or-
ocasionaram não devam ser negligenciadas, dem, ao passarmos do ser à substância.
e consequentemente o conceito explicativo A qualidade parece, à primeira vista, ser
pode frequentemente ser prescindido dos dada na impressão. Tais resultados da intros-
conceitos mais imediatos e das impressões. pecção não são fiáveis. Uma proposição as-
serta a aplicabilidade de um conceito medi-
Sec. 6. Os factos agora coligidos cons- ato a um conceito mais imediato. Uma vez
tituem a base para um método sistemático que isto é asserido, o conceito mais mediato
de pesquisa com vista a descobrir quaisquer é claramente encarado independentemente
conceitos universais elementares que possam desta circunstância, pois de outro modo os
intermediar entre a pluralidade da substância dois conceitos não se distinguiriam, mas um
e a unidade do ser. Foi mostrado que a oca- seria pensado através do outro, sem que este
sião da introdução de um conceito universal último fosse de todo objecto de pensamento.
elementar é, ou a redução da pluralidade da O conceito mediato, então, para que possa
substância à unidade, ou a junção à substân- ser asserido que é aplicável ao outro, tem
cia de outro conceito. E foi ainda mostrado primeiro de ser considerado sem relação a
que os elementos conjuntos não podem ser esta circunstância, e tomado imediatamente.
supostos sem o conceito, enquanto o con- Mas, tomado imediatamente, transcende o
ceito pode geralmente ser suposto sem es- que é dado (o conceito mais imediato), e
tes elementos. Agora, a psicologia empírica a sua aplicabilidade ao último é hipotética.
descobre a ocasião de introdução de um con- Tome-se, por exemplo, a proposição “Este
ceito, e apenas temos de averiguar que con- forno é negro”. Aqui o conceito de forno é o
ceito já reside nos dados que são unidos ao mais imediato, e o de negro a mais mediato,
de substância pelo primeiro conceito, e que sendo que este último, para ser predicado do
não pode ser suposto sem este primeiro con- primeiro, tem de ser discriminado dele e con-
ceito, para encontrar o conceito seguinte na siderado em si,1 não como aplicado a um ob-
ordem ao passarmos do ser à substância. jecto, mas simplesmente como incorporando
Pode observar-se que, ao longo deste uma qualidade, negritude. Agora, esta ne-
processo, não se recorre à introspecção. 1
Isto concorda com o autor de De Generibus et
Nada se assume a respeito dos elementos Speciebus, Ouvrages Inédits d’Abélard, p. 528.
subjectivos de consciência que não possa ser

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gritude é uma espécie pura ou abstracção, e A referência a um correlato não pode ser
a sua aplicação a este forno é inteiramente prescindida da referência a um fundamento;
hipotética. Significa-se a mesma coisa com mas a referência a um fundamento pode ser
“o forno é negro” e com “há negritude no prescindida da referência a um correlato.
forno”. Incorporar a negritude é o equiva-
lente de ser negro. A prova é esta: estes con- Sec. 9. A ocasião de referência a um
ceitos são indiferentemente aplicados pre- correlato é obviamente feita por compara-
cisamente aos mesmos factos. Se, conse- ção. Este acto não tem sido suficientemente
quentemente, fossem diferentes, aquele que estudado pelos psicólogos, e será necessá-
foi primeiro aplicado preencheria toda a fun- rio, consequentemente, aduzir alguns exem-
ção do outro; de forma que um deles seria plos para mostrar em que consiste. Supo-
supérfluo. Agora, um conceito supérfluo é nhamos que desejamos comparar as letras
uma ficção arbitrária, enquanto os conceitos p e b. Podemos imaginar que uma delas
elementares surgem apenas da exigência da é virada sobre a linha de escrita que fun-
experiência; de forma que um conceito ele- ciona como um eixo, e depois sobreposta
mentar supérfluo é impossível. Mais ainda, à outra, e finalmente que se torne transpa-
o conceito de uma abstracção pura é indis- rente de forma a que a outra possa ser vista
pensável, porque não podemos compreender através dela. Deste modo, formaremos uma
um acordo de duas coisas, excepto como um nova imagem que media entre as imagens
acordo a respeito de algo, e este respeito é das duas letras, enquanto representa uma de-
uma abstracção tão pura como a negritude. las como sendo (quando voltada) a seme-
Uma abstracção tão pura, referência à qual lhança da outra. Novamente, suponhamos
constitui uma qualidade ou atributo geral, que pensamos num assassino como estando
pode ser chamada um fundamento. em relação com uma pessoa assassinada;
A referência a um fundamento não pode neste caso concebemos o acto do assassínio,
ser prescindida do ser, mas o ser pode ser e nesta concepção é representado que cor-
prescindido dela. respondendo a todo o assassino (bem como
a todo o assassínio) existe uma pessoa as-
Sec. 8. A psicologia empírica estabele- sassinada; e assim recorremos novamente a
ceu o facto de que apenas podemos conhecer uma representação mediadora que representa
uma qualidade por meio do seu contraste ou o relacionado como estando por um corre-
semelhança com outra qualidade. Por con- lato com o qual a representação mediadora
traste e acordo uma coisa é referida a um está ela própria em relação. Novamente,
correlato, se este termo for utilizado num suponhamos que vamos procurar a palavra
sentido mais abrangente que o habitual. A homme num dicionário francês; encontrare-
ocasião da introdução do conceito de refe- mos oposta a ela a palavra homem, que assim
rência a um fundamento é a referência a um colocada, representa homme como represen-
correlato, e este é, consequentemente, o con- tando a mesma criatura bípede que o pró-
ceito seguinte na ordem da passagem do ser prio homem representa. Por uma posterior
à substância. acumulação de exemplos, descobrir-se-á que
toda a comparação requer, para além da coisa

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relacionada, do fundamento, e do correlato, existe uma pluralidade de impressões, temos


também uma representação mediadora que um sentimento de complicação ou confusão,
representa o relacionado como sendo uma que nos conduz a diferenciar esta impressão
representação do mesmo correlato que esta daquela, e então, tendo sido diferenciadas,
representação mediadora ela própria repre- elas exigem ser conduzidas à unidade.
senta. Tal representação mediadora pode ser Agora elas não são conduzidas à unidade
chamada interpretante, porque desempenha até que as concebamos conjuntamente como
a função de um intérprete, que diz que um es- sendo nossas, isto é, até que as refiramos
trangeiro diz a mesma coisa que ele próprio a um conceito que seja seu interpretante.
diz. O termo representação deve aqui ser to- Assim, a referência a um interpretante surge
mado num sentido muito extenso, que pode a partir da junção de diversas impressões, e
ser explicado por exemplos muito melhor consequentemente não reúne um conceito à
que por uma definição. Neste sentido, uma substância, como as outras duas referências
palavra representa uma coisa para o conceito fazem, mas une directamente a pluralidade
na mente do ouvinte, um retrato representa da própria substância. É, consequentemente,
uma pessoa à pessoa a quem pretende criar o último conceito na ordem da passagem do
o conceito de reconhecimento, um catavento ser para a substância.
representa a direcção do vento para o con-
ceito daquele que o compreende, um advo- Sec. 11. Os cinco conceitos assim obti-
gado representa o seu cliente para o juiz e o dos, por razões que serão suficientemente
júri que ele influencia. óbvias, podem ser chamados categorias. Isto
Toda a referência a um correlato, então, é,
reune à substância o conceito de referên-
cia a um interpretante; e este é, consequente- SER
mente, o conceito seguinte na ordem da pas-
sagem do ser à substância. Qualidade (Referência a um Funda-
A referência a um interpretante não mento),
pode ser prescindida da referência a um Relação (Referência a um Correlato)
correlato; mas a última pode ser prescindida Representação (Referência a um Interpre-
da primeira. tante)

Sec. 10. A referência a um interpretante SUBSTÂNCIA


é tornada possível e justificada por aquilo
que torna possível e justifica a comparação, Os três conceitos intermédios podem ser
e isso é claramente a diversidade das im- chamados acidentes.
pressões. Se só possuíssemos apenas uma
impressão, esta não requeriria ser reduzida Sec. 12. Esta passagem do múltiplo para
à unidade, e não necessitaria, consequente- o uno é numérica. O conceito de um terceiro
mente, de ser pensada como referida a um é o de um objecto que está de tal forma
interpretante, e o conceito de referência a relacionado a dois outros, que um destes tem
um interpretante não surgiria. Mas como de ser relacionado com o outro da mesma

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forma que o terceiro é relacionado com esse tinguidos. No último caso o correlato é co-
outro. Agora, isto coincide com o conceito locado contra o relacionado, e existe, num
de um interpretante. Um outro é claramente certo sentido, uma oposição.
equivalente a um correlato. O conceito de Os relacionados do primeiro tipo são
segundo difere do de outro, ao implicar a postos em relação simplesmente pelo seu
possibilidade de um terceiro. Do mesmo acordo. Mas o mero desacordo (não reco-
modo, o conceito de si próprio implica a nhecido) não constitui relação, e consequen-
possibilidade de um outro. O Fundamento é temente relacionados do segundo tipo são
o eu abstraído da concretude que implica a postos em relação por correspondências de
possibilidade de um outro. facto.
Uma referência a um fundamento pode
Sec. 13. Uma vez que nenhuma das também ser tal que não pode ser prescindida
categorias pode ser prescindida das que lhe de uma referência a um interpretante. Neste
são superiores, a lista de objectos supostos caso pode ser chamada uma qualidade im-
que elas comportam é, putada. Se a referência de um relacionado
ao seu fundamento puder ser prescindida da
O que é. referência a um interpretante, a sua relação
ao seu correlato é uma mera concorrência ou
Quale - aquilo que se refere a um funda- comunidade na posse de uma qualidade, e
mento consequentemente a referência a um corre-
Relate - aquilo que refere a um funda- lato pode ser prescindida da referência a um
mento e a um correlato interpretante. Segue-se que há três tipos de
Representamen - aquilo que refere a representações.
um fundamento, a um correlato, e a um Primeiro. Aquelas cuja relação aos seus
interpretante. objectos é uma mera comunidade nalguma
qualidade, e estas representações podem ser
Isso. chamadas Semelhança.
Segundo. Aquelas cuja relação aos seus
Sec. 14. Uma qualidade pode ter uma objectos consiste numa correspondência de
determinação especial que impede que seja facto, e estas podem ser chamadas Índices ou
prescindida da referência a um correlato. Signos.
Donde há dois tipos de relação. Terceiro. Aquelas nas quais o fundamento
Primeiro. Aquela de relacionados cuja re- da relação com os seus objectos é uma ca-
ferência a um fundamento é uma qualidade racterística imputada, que são o mesmo que
prescindível ou interna. signos gerais, e estas podem ser chamadas
Segundo. Aquela de relacionados cuja re- Símbolos.
ferência a um fundamento é uma qualidade
não-prescindível ou relativa. Sec. 15. Mostrarei agora como os três
No primeiro caso, a relação é uma mera conceitos de referência a um fundamento, re-
concorrência dos correlatos numa caracterís- ferência a um objecto, e referência a um in-
tica, e o relacionado e correlato não são dis- terpretante são os conceitos fundamentais de

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pelo menos uma ciência universal, a ciên- uma vez que pertence a todas as coisas, não é
cia da Lógica. A Lógica trata das segundas uma limitação) segue-se que a lógica tem por
intenções enquanto aplicadas às primeiras. objecto todos os símbolos, e não meramente
Conduzir-me-ia demasiadamente longe do conceitos.2 Chegamos, portanto, a esta con-
assunto em apreço discutir a verdade desta clusão, que a lógica trata da referência dos
afirmação; irei portanto adoptá-la simples- símbolos em geral aos seus objectos. Nesta
mente como uma que me parece compre- visão, constitui um ramo de um trivium de
ender uma boa definição do objecto desta ciências concebíveis. A primeira trataria das
ciência. Agora, as segundas intenções são condições formais dos símbolos que têm sig-
os objectos do entendimento considerados nificado, isto é, da referência dos símbolos
como representações, e as primeiras inten- em geral aos seus fundamentos ou caracterís-
ções às quais se aplicam são os objectos des- ticas imputadas, e poderia ser chamada gra-
sas representações. Os objectos do enten- mática formal; a segunda, a lógica, trataria
dimento, considerados como representações, das condições formais de verdade dos sím-
são símbolos, isto é, signos que são pelo me- bolos; e a terceira trataria das condições for-
nos potencialmente gerais. Mas as regras da mais da força dos símbolos, ou do seu poder
lógica mantém-se para quaisquer símbolos, de apelar a uma mente, isto é, da sua referên-
para aqueles que são escritos ou enunciados cia em geral aos interpretantes, e esta poderia
como para aqueles que são pensados. Elas ser chamada retórica formal.
não têm aplicação imediata à semelhança ou Haveria uma divisão geral dos símbolos,
aos índices, porque nenhuns argumentos po- comum a todas estas ciências, nomeada-
dem ser construídos a partir destes sozinhos, mente em:
mas aplicam-se a todos os símbolos. Todos
os símbolos, na verdade, são, num certo sen- 1. Símbolos que apenas determinam direc-
tido, relativos ao entendimento, embora ape- tamente os seus fundamentos ou quali-
nas no sentido em que também todas as coi- dades imputadas, e não são mais do que
sas são relativas ao entendimento. Por causa somas de marcas ou termos;
disto, consequentemente, a relação ao enten-
dimento não necessita ser expressa na defi- 2. Símbolos que também determinam in-
nição da esfera da lógica, uma vez que não dependentemente os seus objectos por
determina qualquer limitação dessa esfera. meio de outro termo ou termos, e as-
sim, expressando a sua própria validade
Mas pode ser feita uma distinção entre os
conceitos que são supostos não terem exis- 2
Herbart diz: “Unsre sämmtlichen Gedanken las-
tência excepto enquanto estão actualmente sen sich von zwei Seiten betrachten; theils als Thätig-
presentes ao entendimento, e os símbolos ex- keiten unseres Geistes, theils in Hinsicht dessen, was
durch sie gedacht wird. In letzterer Beziehung heissen
ternos, que ainda retêm o seu carácter de sie Begriffe, welches Wort, indem es das Begriffene
símbolos conquanto sejam passíveis de se- bezeichnet, zu abstrahiren gebietet von der Art und
rem entendidos. Como as regras da lógica se Weise, wie wir den Gedanken empfangen, produci-
aplicam a estes últimos tanto como aos pri- ren, oder reproduciren mögen.” Mas a diferença entre
meiros (e embora a aplicação apenas através um conceito e um signo externo está naqueles aspec-
tos de que a lógica deveria, segundo Herbart, abstrair.
dos primeiros, contudo esta característica,

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objectiva, se tornam capazes de verdade Tudo o que seja metade de alguma coisa é
ou falsidade, isto é, são proposições; e, menor que aquilo do qual é a metade:

3. Símbolos que também determinam in- A é metade de B:


dependentemente os seus interpretan-
tes, e assim determinam as mentes às A é menor que B.
quais apelam, ao colocarem como pre-
missas uma proposição ou proposições O sujeito de tal proposição é separado em
que tal mente deve admitir. Estes são dois termos, um “sujeito nominativo” e um
argumentos. “objecto acusativo”.
Num argumento, as premissas formam
E é notável que, entre todas as definições uma representação da conclusão, porque
de proposição, por exemplo, como a de ora- indicam o interpretante do argumento, ou
tio indicativa, como o subsumir de um ob-
a representação que o representa represen-
jecto sob um conceito, como a expressão da
tando o seu objecto. As premissas podem
relação de dois conceitos, e como a indi-
proporcionar uma semelhança, índice ou
cação do fundamento mutável da aparência, símbolo da conclusão. No argumento
não exista, talvez, nem uma na qual o con- dedutivo, a conclusão é representada pelas
ceito de referência a um objecto ou corre- premissas como por um signo geral sob o
lato não seja o que é importante. Do mesmo
qual está contida. Na hipótese, prova-se algo
modo, o conceito de referência a um inter-
semelhante à conclusão, isto é, as premissas
pretante ou terceiro, é sempre proeminente
formam uma semelhança da conclusão.
nas definições de argumento. Tome-se, por exemplo, o seguinte argu-
Numa proposição, o termo que separada- mento:
mente indica o objecto do símbolo é cha-
mado o sujeito, e o que indica o fundamento
M é, por exemplo, P’, P”, P”’, e P””;
é chamado predicado. Os objectos indicados
pelo sujeito (que são sempre potencialmente
S é P’, P”, P”’, e P””:
uma pluralidade - pelo menos, de fases ou
aparências) são consequentemente afirmados [Ergo,] S é M.
pela proposição relacionados uns com os ou-
tros tendo por fundamento a característica
Aqui a primeira premissa resume-se a
indicada pelo predicado. Agora, esta relação
isto, que P’, P”, P”’, e P”” são uma seme-
pode ser quer uma concorrência, quer uma
lhança de M, e assim as premissas são ou
oposição. As proposições de concorrência representam uma semelhança da conclusão.
são aquelas que são usualmente consideradas Que tal não sucede com a indução será
em lógica; mas mostrei num trabalho sobre
mostrado com outro exemplo.
a classificação de argumentos que é também
necessário considerar separadamente propo-
S’, S”, S”’ e S”” são tomados como
sições de oposição, se queremos dar conta de
amostras da colecção M;
argumentos tais como o seguinte:

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S’, S”, S”’, e S”” são P: útil pode, pelo menos, ser sugerido ao consi-
derar esta ciência a esta luz.
[Ergo,] Todo o M é P.

A primeira premissa resume-se a dizer que


S’, S”, S”’, e S”” é um índice de M. Donde
se segue que as premissas são um índice da
conclusão.
As outras divisões dos termos, propsições
e argumentos surgem da distinção entre ex-
tensão e compreensão. Proponho-me tratar
este assunto num trabalho subsequente. Mas
anteciparei pelo menos que existe, primeiro,
a referência directa de um símbolo aos seus
objectos, ou à sua denotação; segundo, a re-
ferência do símbolo ao seu fundamento, atra-
vés do seu objecto, isto é, a sua referência
às características comuns dos seus objectos,
ou a sua conotação; e terceiro, a sua refe-
rência aos seus interpretantes através do seu
objecto, isto é, a sua referência a todas as
proposições sintéticas nas quais os seus ob-
jectos em comum são sujeito ou predicado, e
a isto chamo a informação que comporta. E
como toda a adição ao que denota, ou ao que
conota, é efectivada por meio de uma propo-
sição distinta deste tipo, segue-se que a ex-
tensão e a compreensão de um termo estão
numa relação inversa, enquanto a informa-
ção permanece a mesma, e que todo o au-
mento de informação é acompanhado pelo
aumento de uma ou outra destas duas quanti-
dades. Pode observar-se que extensão e com-
preensão são muitas vezes tomados noutros
sentidos, sentidos esses nos quais esta última
proposição não é verdadeira.
Esta é uma visão imperfeita da aplicação
que as concepções - que, de acordo com a
nossa análise, são as mais fundamentais -
encontram na esfera da lógica. Acredita-se,
todavia, que é suficiente mostrar que algo de

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