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©.-VENTRE DOS FILOSOFOS Filosofos geralmente es- ‘quecem de refletir sobre 0s pro- pprios corpos ¢ no que acumu fam quando comem. No entan- to ente pesamento csma- ‘go existe uma complexa rede de Afinidades e confissbes que a feflexio nado deveria negligen- ciar: Didgenes seria 0 adversa- rio da civilizacdo e de seus cos- ‘umes sem 0 gosto pelo polvo cru? Jean-Jacques Rousseau te- "ao espirito sistemiatico € 0 ca ‘ter apaixonado se seus card- pios dlirios ndo se compuses- Sem basicamente de laticinios? © te6rico do existenc ‘ean-Paul Sartre, cujos pesade- ios estavam repietos de caran- guejos, mo penou por sua AVerSHO aos crustaceos? ventre dos figsafos, de Michel Onfray, €ensaio assu- ‘midamente nietzschiano. Rea- ‘ibui dignidade flos6fica ao bacalhau fresco, & sopa de ce~ vada, a0 vinho, &o chourigo, 20 ‘café aromalizado ou a dgua‘de- colonia que so — de Fourier Marinette de Kant aos exis- tencialistas — os caminhos im. provaveis da gaia ciéncia Critica da razao dietética? Esbogo de uma “dietética”? O ventre dos Jildsofos trata de surpreender’9 momento 0 al ‘mento a partir dos quais 0 cor- po aleanga o espiritoe Ihe dita sua li. MICHEL ONFRAY O VENTRE DOS FILOSOFOS Critica da razao dietética Tradugio de ANA MARIA SCHERER Teno Rio de Janeiro — 1990 “Tule sian Le venrat Bes BilLosornes (© 197, dons Greet & Fasqute ‘biTORA noGeD LTDA fo Asotin 10 Gr Ok “Tain acies| Teen ie aime Prine in Bret? impreto Sri ‘stony Phsttone Sein Cle srw, Caslgacona fone Sinsicato Nana Sor Elias te Uno, sme oe fr: rca do emt dca / Mie “ches eae Mara Sect Rie de ana rgd de: Le vente dv pinta: “Existe uma questio que me interessa especialmente ¢ da qual depende a “taloacdo da bumanidade’, muito mais do que qualquer sutileza de tedlogo a questio da alimentagio.” tea home. VL vil. vu. © banquete dos onivoros -. Diggenes ou 0 gosto pelo polvo Rousseau ou a via Iéctea Kant ou 0 etilism étieo Fourier ou 0 pastelinho pivotante . Nietzsche ou as salsichas do Antiristo ... Marinetti ow o porco-excitads - Sartre ou a vinganga do erustéceo Conclusio: A gaia citncia alimentar Bibliografia. 19 29 39 35 ° 87 101 19 135 147 INTRODUGAO Ensaio de autobiogeafia alimentar ‘Téa culinéria revela um corpo, um estilo ov até um tuniverso: quando na infancia tive que entender 0 que tram a pobreza e o fim de més dos meus pais, 03 ovos fe as batatas se encarregaram da ligio. Ou a falta de 3 agricola, © pixe cera luxo: era despropositado e suas quilidades saciado- tas nulas, O.camponés 36 dispée do rude ¢ do essencial: ‘mas. Os feculentos reinam absolutes. Sobre a mesa a siden soca, amarga © quase intrapivel esti sempre pre- sente. Cheiro de vinagre. No porto ela fica estagnada ‘em tonéis que contaminam tudo com 0 gosto tenaz de carvelho ou de castanheira. As gotas que czem quase em filete n0 chio de terra batida perfumam os pordes som bios imidos. As vezes, quando a sidra arrolhada era muito forte, transbordava da garrafa e fazia saltar as rolhas na penumbra. Fortes odores inpregnavam a terra ue conservava a membtia do liquido, As mais faziam desabar os ramos das vores. De quando em quando cles vergavam tanto que se partiam ¢ cafam na relva densa, verde © tents. Nos as encontrivamos cobertas de corvalho. Eram reservadas as cucas de maci, aos chouri- ‘508 ¢ as comporas. Nada de canela. As especarias slo artficios da. cidade. Deitadas sobre um puré de frutas, fs fatias formavam uma rosicea. O gético de forno Quanto 20 creme, ele assinava todos 08 pratos: do coe: Tho ao becalhou, des aves as frutas. Quando os caprichos dos adultos me levaram 20 internato, foi necessério interromper minha intimidade ‘com as coisas da natureza. Nio podia mais provar as amo- ras na época do inicio das aulas, nem comer as macis furtadas nos jardins piblicos. Tive que abandonar as avelis e os morangossilvestres, as castanhas © a5 cerejas rnegras. Desertei as trilhas, as valetas ¢ a8 sebes vivas, Esqueci 0 gosto da folha de capim mascada sob o sol de verio, o gosto dos vairdes pescados nos tios ou 0 tencas tiradas da lagoa © preparadas na frigideia. Pes de vista as criangas da minha idade que engolinm minho- cas cruas em troca de um cigarro ou moscas pot Um pu sthado de infames guloseimas barat. orfanato me ensinou, em circunstincias diferen 15; que nio existe alimentacio neutra. Senti cruelmente 1 falta do gosto da liberdade. O refeiério substituiu a cozinha € os aromas caseiros foram suplantados pelos eflivios gordurosos e pesados dos laboratérios de cole: tividade. ‘Travei conhecimento com as geléas flicidas © insfpidas, com a dgua saturada de cloro e © pio cali nado dos aprendizes de padeiro da escola. Os mothos endureciam nos pratos e brinevamos de virélos para pr 2 prova os fileres coagulados das gorduras que se ‘garravam desesperadamente a0 pitex. Foi preciso engo- lir sopas de tomate ¢ aletria que lembravam pratos de sangue fresco. Foi preciso comer fatias de figado mal pessado e sanguinolento. Foi preciso ingurgitar os punts frios de ervilha e as fatias elésticas de coragio. As qua- tro horas os pedacos de pio seco exam disputados a0 pe cde um vasto recipiente de pléstico de cor duvidoss. A Darra de chocolate era o viniea Iuxo apesar de ser-das mais abrasivas. A vantagem do: colégio religioso ¢ rissa. Como meninos do coro podiamos saborear, entre © dentifricio eo eafé com leite, um copicio de’ vinho branco ou alguns punhados de héstias que, esperivamos, ‘io fossem consagradas para evitar a danagio. As vezes, ‘1 transgressio ajudando, enchia com elas o meu boné ¢ a despejavana_minha’ tigela de café com ete, Ver ‘8 rodelas de pio imo mergulharem no leite morno fe desaparccerem no fundo do recipiente estimulava mi ‘aha imaginagio: abordagens.ou imerséo do mundo, afo- gamento do Cristo, pouco inspirado por ter escolhido ‘forma de pio. Felizmente 0s passeios eos. domingos, tiam eatar nos campos os bagos iberdade. O ierato omou-se menos rigido. Troguel o oF fanato ¢ 4 mistura de cheitos de meninos e padres cel batérion pelo lice da cidade vizinha. Pensions do ‘municipio, descobrio& Ieites aromatizados com os Se bores mais absurdos que divertiam o condescendente ge- rente do bar. Descobri o pio com presuntada que ficou para sempre na minha imaginagio como © modelo de Tuma alimentaio apressada. Saboreci as primeias pan squcces com a8 cconomias fetas sobre a minhas com: pras de livraia, Ofereci is minhas primeiras amigui thas chocolates bolos no tno salio de chi da cidade ‘Tinha catio que esclher entre 0s dgapes de cont © of alimentos eapititiais; uma conta do salio de ché tne sufoeava por toda a quinzena. Para cheger 3s ras do paradoxo, eu achava engragado ler A jome, de Knut Hramsun, enguanto agoardava minhas congustas diante das vittines agucarad ‘A adolescinciaexige. a. quantidade © faz pouco da qualidade. Ex engolia um nimero incalculivel de pur dns feitos com todos os restos da confeitaria(e tlvez até mesmo da padatia..). O gosto forte de apiar e 2 © vows 20 massiroe 4s frutas cristalizadas, além de uma gorda pelicula de xarope gelficado, apagavam o8 malkiplos sabores agora compactos. Eu crescentava uma mistura de panguecas bets sob exlofane de choclate barato. O volume tinha a» primacia sobre qualquer consideracéo gastro ‘As primeiras escapadelas noturnas do. doemisério ros inctavam a perambular pelasruas da cidaderinha procura de ‘um bar aberto. As der horas da nite, em leno inverno, tosfamos nos engasgando com as. pr toeias bebidas fortes; 0 coinreau era mea preferido © har da mie de um dos meus compantiros de csce pas foi feqientemente utiliza. Ela tnha a, boa iia de wabalhar durante nosas horas de liberdade Com a universdade veio a época das bebedeiras arauits, Recordome de uma ogi de conhague com um estudante de filosofia que sentia como eu © mesmo Xédio moro nas duas horas semanais de epistenolgia ‘Abandonados no campus em plnas fri de Natal, de reloges cortadas com nossas respectvas faring, gu dames a dois uma garcafa furtada de um grande super mereado da cidade, O gesto era poico, € claro, pois abalévamos assim os alicerces da sociedade de consu imo... Depois de ter enchido nossos copos de escovat denies com cinco ou seis pedagos de agicar © exberto tudo com 0 deoslinfame e rasante ¢ em seguida tet repeido viras vezes a operaio, eaimos rapidamente numa inconscéncia que durow muitas horas, que be: ou 0 coma etl imentacio dos restaurantes universities cra nosso tivial e aumentava nose i sévia. Sardis, felgobranco, bananas s primeirs sucessos na Faculdade foram pretexto para festas menos primavas, com mais estilo, Tomei sosto pelo borgonha, que aprecio por sexs peifumes de Ensio de stcbiognfaaimetar 8 terra ou de couro, ¢ pelos vinhos da Alsécia adorados pelos buqués refrescantes e sabores de frutos amarelos, (0 jogo das temperaturas, das safras © das combinacbes ‘com 0s pratos me seduzia. Algumas boas ratas gar rafas reservadas aos sucessos especialmente merecidos tornaram-se recordagées preciosas. Uma tese cum laude teve todo seu valor quando cla foi ocasifo para um Aloxe Corton de safra reduzida e uma refeigio excep- cionalmente refinada, Com © correr do tempo torci-me sedentirio. O némmadismo estudantil passou. Os quartos de universi- dade cederam lugar as pegas cheias de livros e discos. O pvisdo de feiobranco ou os chucrtescoidos na conserva foram substituidos pelos pratos prepa ‘minha moda, inventados por mim. Em dez anos regrada, posso contar dez anos de cozinhe, dia Conheci, com um amigo livreito, um trago-de-unifo entre os livros e a alimentagio, Antigo cozinheiro, es teta e homem de esplrito saboroso, ele escondia 0 pas- sado com delicado pudor. Antes de optar pela profis: slo dos livros, fora cozinhelto em Paris. Devolhe recor- ddagées de bolot de chocolate e vinhos excepcionas, assim como gestos de infinita emizade: quando eta co” Tegial © sem um tostio, ele por vras-vezes me presen teot com alguns livros, wm Rivarol, um Maueras, em belas edigées. Também me ensinou macctes para nunca cstragar tal molbo ou ser bem-sucedido numa operacio delicada envolvendo o forno. Tarcime profenor de ffi Une meio Jevou cedo-demais. Simbolizow para mim a {ntima so de-uma sabedoria um pouco rude e de uma estu- penda faculdade de saborear, Os bons vinhos e os bons ppratos exam sempre servides na companhia de bons Ii “ 0 was os reson ron on els gravuets — Durer ou Rembrandt —,sem- pre scompentados de die eqituons. Ene o pete tattle Gado por Grimod de La Rept Sim auséncia me € dolore. Moitas vezs, dante de mishas pence, perso om acu sotto eo seu conschor, em seus moligs©em se chocolat. Contino { coxither, rms ev egedce ¢ pequcnes trues dee te fac fli. Quando as prinetasvoktas free, tinct dixo de ir vitarihe 0 timo. ‘Apsara genownin- Sonam pa 2. ccesto de prover geapfar colts es are Gir aromas e tabores lado Sr rics ¢contumes, Nas tmontanhas do Ciao, m Gega svitin, scion 4 anna digos de’ Homero e Tops, gees, me poscram em presen de extiaas eulinaia om, que Prmbos ¢carncor, gabe ¢ pains adavam exe for redpients chit de Sua, cx ue bolhs vnhum seitar «sper A carne nguncent & divide com ce pastantes acompantada Ge um pido religow que 6 fem chance descr tedido depeis ds. certs frstoninieas, Os logunes fo mergulades ca ar Mita onde fever oe mids, © ar crane brine com a testa marca Por ua ius de vngus, No Aver: fai, um pesueno mceado Toca atlhedo de sus serdet pert Gas como pede prove ste to Inc fabetados com sveas ou com 0 milo de aoe tnfiadce num tabane fino varies vezs, merge Stns pos oe sco ew Ea ge tugtofr cm uc ooo cnloe una unomse pelea tvinbada. A beta do lago Sevan, na Armia, provel © ican, ome cape de trata corntrada rls fue de monte, Como para pre mai anda om prover ro, a cose lol ta'9 pei 8 talent, © nie euttiopntlaalisntae 8 que diminai seu sabor em raio do éleo quente. Do tmistério nada serd descoberto. Seria preciso um vapor respeitoso © aromas perturbando levemente a carne para que esta deixasse entrever a delicadeza € 08 at- ‘anos. Em Leningrado, austera cidade cobetta de azul- ‘ago € cinzachumbo, 0 caviar & sem igual. O.cinza perolado dessa loucura semelhante ao ambar derrete na boca como mil mares misturados, Adiante, em Cope- rnhague, onde eu ia nos rastros de Kierkegaard, as co- res do Béltico aprisionam os peixes defumados ou enso- ppidos que abandonam parcimoniosamente seus sabores sob a acider dot condimentos, Em Barcelona, bebendo 1 orcbata, uma bebida & base de cevada, tive a impres: ‘io de engolir campos inteiros de cereis invadidos pelo 3 surpreendentes sorveterias da praca Navona: Tre Sealini, Gioiti, Fiocoo di Neve, as do Panthéon ou da rua dos Uffizi del Vieatio. A. som- bra do sol que derramou seu calor sobre Lucrécia Marco Autélio, podemos saborear sorvetes de yioleta, de champignon, de cenoura, de pétalas de rosa © uma infinidade de outros perfumes. Em Genebra, onde pto- curava Voltaite © Rousseau, bebi vinhos do Vaud ou (© fondant do Valais, Em Veneza mordi as fratas ven- ddidas na feira que orla o Grande Canal: elas pareciam inchadas da agua e do céu com que ¢ feita a sinica ci- dade que é, no todo, uma obra de arte. E por toda parte rhe Erangaencontreiespecalidedes eo mesmo. tempo Ae lng do ng © pager: lo tei (© Pétigord sem provar o confit, as bataas sarladesas ‘ou o bolo de noves; na Bretanha engoli algumas ostras fos cals de Cancale; nos. Vosges experime turas de queijos cotidos, feitas pelos hi acompanhar g8 batatas cozidas; na Provence comi os ‘efonados que acompanham os peixes grelhados; nos 6 (vows sos ndoros Pireneus epreciei um cozido de j cesposa do cagador... Ver um pais nfo basta, € necessitio também ouvi- lo € provilo, deixarse penetrar por todos os pores. O corpo € 0 tinieo eaminko de acesso 0 conhecimento, Grinmod de La Reynitre demonstrou muito bem que s6 1 geografia gulosa é sem tédio. Os pesares da existéncia se evaporam quando nos ‘encontramos, entre amigos, 20 redor de uma mesa. Sou freqitentador de algumas que néo cansam de mostrar que gastronomia € um estilo: hé aquela amiga Iuné- tiea que calcina seus pombos, aquela, orginal, que acl mata todos 0s continentes no forno — como fondues chineses ou peixes crus japoneses —, aquele que, pati- siense convertido 20 campo, expecializouse em cares 0 molho, do cozido de carneiro a0 boi com cenours, Ht também a amiga teimosa que fica confusa com preparacio de uma lata de conserva e que passa 0 tempo cstragando as receitas mais simples, ou aquele que fa birica os pratos como um jardim zen’ ou uma arquiteturs soviética. Um prefere o vinho de palh, o outto a sa: fra petférica de um grande borgonha, Um rega tudo ‘com sidra ou aguardente de pérs, outro, eleito e afi liado a um partido mais voltado para o Leste, acom- ppanha seus patés de figado da Hungria com vinhos tagiveis dos diversos paises da comunidade sovitica. E quantos confits feitos a fogo lento no microondas ¢ ppeixes quase liofilizados pelo excesso de chama no preparado pela Para amedrontar todos eles, velo-me a imperti- gia de um enfarte no final do ano de 1987. théria teve sua conveniéncia pois foi gragas a esse delirio das artérias que devo a5 paginas que se se- fem. Todos se espantaram: as estatisticas no me th tio de abigail ” nham previsto, achavam a insoléncia um pouco absurda, ‘Um enfarte 20s 28 anos. Entre dois eletrocardiogramas, ums injesio de Cal ciparine © um exame de sangue, 0 destino manifestou-se nna forma dé uma nutriconiste com cara de anoréxic, Austera © de uma magreza pouco atraente — sinal to- davia de conscincia profissional —, cla me dew um ‘curso chato sobre bom uso.da alimentagio para monge de deserto. Na véspera do acidente cardiaco, uma re- feigio a seis ou sete me permit preparat um carneito com cogumelos. E eu precisava revar pela alma de tudo isso para me dedicar de corpo © alma ao regime hipo: calico, hipoglicémico © hipocolesterlico. Eta 0. mes- ‘mo que eu trocar meus livros de receitas por um dicio- nirio de medicina ou um Vidal. Palida e fragil, « fun- cionéria das calories me fez uma conferéncia sobre os meéritos dos eremes ¢ leites desnatados e dot cozimentos ‘na égua, Nada de molhos borbulhantes engrossados farinhentos! Era preciso me converter as ervas © 3s verduras.... Num sobressalto de herofsmo declarei, como “dima palavra antes de passar desta pata melhor, que ppreferia morrer comendo manteiga do que economizar minha existéncia & custa da margarina ge como cla 56, mas mediocre dialetdloga ela retorqui, em des- pprezo a qualquer ligica elementar, que a mantcigs © & ‘margatina eram a mesma coisa, Era pouca retérica. ‘Ji que cla era mais habil nos oligoelementos do que na dialética, eu the disse do fundo da cama que ex pre- feria a manteiga... jé que era @ mesma coisa, Basta! AA discussfo tornavase azede. Fla declarou que me aban- ddonava & obesidade — eu acabara de perder sete qui- Jos —, 0 colesterol © A morte préxima, Empacotou as falsas receitas de falsos molhos pata faisos pratos ‘me deixou em banho-maria no setor de pés-reanimacio, Algum tempo depais de dietéticn dos centos hos pitaaes ede readapasio, vltel i vide normal fo €, 3 cosinor. Bas preprat mina en peri impale ne ty conjunto de recta pare ume ga cnc li ‘rentar nfo seria demaix. Eew prc © poll ua gio de hedonismo. Eis por ge estas pgnatexistem Els no the so ddicads CAPITULO 1 banquete dos onfvoros Peidorreiro, onanista e canibal, Diégenes convidou para seu banguete os mais embleméticos comensais; Rousseau © parandico herbivoro, defensor do gosto plebeu, Kant 0 hipocondriaco austero, preacupado em reconciliar 0 et lismo ¢ a ética, Nietzsche © germancfobo que institut 1 cozinha piemontesa como purificagdo da alimentagao russians, Fourier © nebuloso, desejoso de ser 0 Clau- Sewitz da polemologia alimentar, Sartre o pensador do viseoso, preparando as lagostas ' mescalina, ou Mari netti, © gsstrlatra experimental, mediador dos sabores inesperados. Do niilismo alimentar cinico &.revolucio culindsia futurista, hé caminhos miltiplos, ondulantes e diversos: cles interligam 05 homens preocupadas — ousemos 0 ‘ncologismo — com a Dietéiea vista como uma sapién- cia gustativa, Sobre a mesa des convidados ao banquete: ‘um polvo cru e carne humana, latiinios e ameixas secas acucaradas estranhamente transformadas em chucrute, tum rositio de salschas e um prato de poreo-exctado, um salsichdo cozido em café aromatizado com éguade-colé- nia, bolinhos, vol-au-vent e crustéceos estripados. Agua ppara 05 abstémios e vinho para os esttGinas. O médoc 1 Ber ponos oo ema do apr spins. de Kant ¢ sua predilegio pelo bacalhay fresco,» égus de ascent e dasclaras fonts, coulda e as irae fr cas de Rousseau Os ausentes estio pregcupados,alheados, com seus pedides ou seus alimentos-fetiche: Descartes esti silen- oso demas, ele que, brgio e libertina, gorador © ma. landko, aio desprezava, em seu periodo parisien, a: tabernas onde eram servdas de tondis as saftas das ch costas de Poissy — bebida trivial da corte — ou a me ros, uti beberagem extraida das colinas de Monta tre $6 sabemos dele-o que o mul austero Ballet quis tos dizer. Ao. que parece, bigrafias mais verdadeiras sobre o autor teriam que ser biogtfias mais chess de mulheres, vinhos e dvelos. Silencioso ests também Spi ‘oea, cuja vida se ascemelha 3 obra — como. multas vezes acontece —, atgitetura regular, maquina sexy sur presa, apolinismo em forma: “Ele passou”, conta Co- ferus, “um dia insiro com uma sopa de lete com um, pouco de manteiga (...) © com uma caneca de eer veja (.-.); um outro dia, come apenas stmola acom. pnhada de wvas © mantciga-™ Algumas horas antes de morter, 0 sibio holandés tomou 0 calda de im gala velho feito pelos donos da pensio. © paladar de Baruch nos parece bem severo: da sobriedade da Brice, do ri gor das demonstragSes, néo se pode tar conclusses Guanto 3 alimentgio. de um novo Gargintu Entre dois pratos aparece Hegel e seu vinho de Bordeaux, Ele segura wma carta que vai enviar aoe ir miios Ramann e gue diz: “Tenho a hoara de soliciar ainda de sua gentile a entrega de um bareil de vinko 2 Dini’ Deven, Descanso, Robert Laon, 52. 3 Jean oleate ede Spit Spars, vires compte, a 0 banque dot eres BT — desta ver do médoc; vocts devem ter recebido 0 dlinheiro pelo tonel; mas pegothes me mandar um que seja bem acondicionade, © anterior estava. apodtecdo ‘na metade superior, 0 que deixou escapar uma parte do vinho.” pena que dessa bela mecinica artificial que é « obra de Hegel seja preciso lamentar a auséncia do essencial — as Iégrimas, 0 1is0, 0 vinho, as mulhe. 1s, a alimentaglo, 0 prazer. Sonhemos com uma feno. menologia do alimento. . Alguns passos atrés vem o avaro Vietor Cousin, Ele confessa ter compreendido a Critice da ratio pura de Kant no dia em que, num restaurante alemio, trouxe ‘am para a mesa um monumental prato de legumes ¢ tenfeites cotoados por uma fina e tidfcula fatin de came —o essencial reduzido a quase nada, Solteirio con viewo, miofechada sem igual, penetta inveterado, esse caporal da ordem filoséfica francesa s6 tem de simpi tico sua loucura por chocolate, pela qual seré punido. Tsto explica a necessidade da economia que fez um dia fem que convidou Barni, © tradutor de Kant, para Imagat. Ape ter eocomendalo ¢ comido una’ lata feigio, Cousin pretextou uma compra urgente, se foi e ddeixou a conta para 0 tradutor sbandonado. Foi surpresa ler da pena do putitano Proudhon, miltarista e além disso mis6gino, uma condenagio ext regra da gastrosofia fourierista transformada em vulgar “filosofia da gocla"? Devemos nos surpreender em des cobrir um Freud surdo, “mel6fobo” digamos, rebelde misica, tendo instaurado em seu lar um ritual alimentar repetitivo que Ihe permitia encontrar todos os dias s0- bbre a mesa um cozido em que somente os molhos mu Hes Covapondons eel 2 (wens ws dscros Aavam’? A resistin 3 gastronomia 08 informa sobre © gtner, a obra c 0 homem. A recisn do alimeno © : di € parente do ascetismo, qualquer quettajrnicfemay @ casken pens © persone de Creanzatee aacetementeraconais de varedaes de Srorevias que alo as Topas detec mali, vege tananas ou veal Outtos pam po faa de confoemixn slinena: coma 0 divino Marguts de Sade que, sufstando al Teno tsemualdade levva 4s pocson cane race Ae range do qul fia tora: ele consegla as fers ins cet as copelagos mai vorsmn® Ow de ‘owe Marc Schunann, de quem hittin conservou 0 ome apenas porgue apecavaexpcamente tah, ‘e chegava ao requinte de preferi-las fritas.’ Nisso ap fentatese 08 anfitdos coments de" Claude’ Let Sera, ue ofestjavam comm present de, que omistia nua ila de lavas bem branas © vivs, SStalando ese debutendo ence oe dene, as fnlmente Sslandosabores ut perfumes deleadosAlguns gd teas tambon procurtram alimentos rats. Av ese Te it preset algunas palavss sobre oF sper Taf seus mon de mest, om feteaps. Epi, Biapo de Pavia — seculo V depots de Cito — coota te, por saminioar av gevilete nde, ob 1 iss Teeupersvam os feos com os dedon, of soctvam thuma epee de pilfo, © melee mntravam me, iments 7 ya Fem, te vie vain de Fru ode sx patos, Hohe, ‘er lms pins 2 220 soe Fred ce vnc os sve fom au aleachofan cx spags ¢ av esc d mio, ‘Nobis Chale inurveneo tobe Sase no cokigulo de Ceri, Ver Pts conn, Usa 2 te able, Plon Fein 9 2 1 Cade Lest, ross tron, Eas Sonn, son, 1988, ¢ diversos condimentos bem como éleos perfumados" Em seguida a refigio era feta em comum e 0 alimento comido com os dedos. Lonelnquos parentes deles 0s indios Guayakisvisindos pelo ctnologista Piet Chasires que descreveu © prazce que sentem em chupat pincéis embebidos na gordura humana que,cscorte dos Braseios onde queimam os corpos mors. [Nem agnosfacos nem originals, & preciso dizer al sgumas palavias sobre aqueles que poderiam ter — so hemos um pouco — modificado o ritual do dia 25 dle dezembro e fazer de mancira que no se fstjasse ‘mais o nascimento do messias de Belém, e sim que se celebrasse a festa: na noite de Natal de 1709, em Saint Malo, nasce 0 fildsofo Julien Otfroy de Ia Mettie. De info. médizo, autor de um tratado sobre a8 doengas venress, também comps una admirivel Arte de sabo year, gual ele ensign o sais radical eudemonismo. A esa, requintados e sensuas, voluptuosos ¢ delicados, os fléeofos, segundo La Metti, sacrifcam 0 puro pracce. Durante a refegio, “o guloso inchado, sem f0- fego desde a entrada, como o cisne de La Fontaine, fica em breve saciado, O volupruoso prova de todas as gun fias: mas se serve pouco, se poupa, quer aproveitar de tudo (.-). Os outros brindam com charapanhe; ele. a bebe, « bebe em grandes goles, como todas as voli pias'* Conseqiente e gourmet, varnos cacontar 0 fil fofo 4 mesa de milorde ‘Tyreonne, onde um pat foi servido. No Homen-miquing, 0 pensador preveita con- tra as carnes pouco cozkdas™ A mesa do nabre ele io 5 esas Loca, Les gretqe, 18, Calla > ewe Caer, Chronique der Idiens Gueol, Poy. 52. 1 LaMeane: it ae prof ora 5 12 1G Mette, Chommetmaching Devo Goule, pp. 10 14 © 157 » 9 veer nor muro pereebe © estado jéadiantado do puté que saboria. A ‘morte estava a sua espera Our noite de Natal gastroséfco: a do ano de 1837, no decorrer do qual falece Grimod de La Rey: nitre, Alexandre Balthaser Laurent, um dos primeitos cronistas da gula, um dos pais fundadores da cscrita gastrondmica, Seu av — salscheiro — sucumbica a tama ingestdo de paté de figado que o sufecara em 1754, © nto seré digno de tal morte e brilhaté por uma evi dente singularidade. Nascido com mios monstrasas — melo patas, meio pingas —, ele escondia seus mem bros expalmados dentro de luvas braneas que call Yano meso tempo um aaa mee empleo auc Ihe perma a preensio. Adepto do humor negro, cle pousava as yezes suas “ios” sobre um fogio ace € convidava os expectadores presents a fazer 0 mesmo. Ee foi também o incentivador dos almosos flosdico, bissemanais e “seminutrtives”,parédias excarninhas dos fitos magGnicos, onde era preciso beber 17 xiaras-de café na presenga de 16 convidados, ou seja, 17 pessoas no total. A rele i prove gastronomicamente a fideidade de. seus amigos ‘mandando bilhetes os seus conhecidos anunciando Ines sua mote ‘em sua memécia, Desembaragados de um excéntico do. qual ppensavam estar lives para sempre, 06 oportunistas de amizade mora se abstinham de aparece. Os outt0s vic taham. Durante a refeigio ftinebre, Grimod aparecia ¢ desmentia a noticia, em carne oso. Depois, pondose 3 mesa, prosseguia ‘nos dgapes com seus fiis. A tinica verdadcra indelicadeza que ele cometeu foi redigit um opsiscilo intialado Vantogens da hos comida sobre as ‘mulheres. Qualquer eademonista digno desse nome sabe (© bangate dor enhores s Pim cementing SNS oS he ‘Tantas razies deveriam ser um convite & sactali- zagio do dia 25 de dezembro como a festa da fests, pretexto supremo a festins. A ratidade das comemors. ses seria compensada pela instauragio de outras oct- sides. Assim se tornariam reais os momentos emblem: ticos da filosafia: os meldes que povoavam os sonhos de Descartes,” a magi que ensinow a teoria da atragio Charles Fourier ou a omelete que foi a desgraga de Condoreet..." A dietétice € uma modelidade séria do paganismo, talvez mesmo do atefsmo e da imanéncia. Toda trans” idéncia € desprezada em proveito de uma vontade de si como gnémon do real. Nio h mais riscos de alienaco ‘com algum recurso de fora ou do além. Nao é, aids, surpreendente que, independente da frase e das mil plas séries de interpretagSes que ela suscitou, seja ue se deva 0 eélebre: “O'homem 0 que ele come.” Nos seus Manifestos filosdfcos ele ‘esereve: “Obedece aos sentidos! Onde comesam 0s sen- tidos cessa a religifo e a filosofia."” E comeca a vida, ppoderfamos acrescentar, Mais adiante ele afiema que “0 corpo ¢ a base de r2280, 0 local da necessidade Topica” ‘ou que ““o mundo dos sentidos € a base, a condigao da razio ou da inteligéncia”." Néo € por acaso que Fever bach € 0 primeiro teérico do ateismo, o primeito gene logista da alienagdo, Sob sua pena aparecem pela pri 2 Dacre te soneus,p 108 «Balt "Blakey Robert Bader, Condor sore su fi 3 Lavi Fevtbech Manse pcos 1018 3 1 1d, Pos divers, p32 © 38 26 fo vam nor madoros soci ver me frases defini tego suns multiples formas, O sagrad € dinscado, analisado € reduzido — como um molho. E ele, também, «que desenvolve uma nova poitivdade sensalista moat fu menos herdada de uma cera tadgio. materialise Francesa, © mas tarde sensulisa ingles, Uma moder nidage se forma, « qual Niewache herdard em breve © junto com ele, nosso século. A comida, 0 alimento, tor hams pincpioe materialistas de uma arte de viver sem Deus —e sm ‘Uma ciéncia que vé a boca como caminho de acesso ‘4 uma estética desi prépria nfo aparcceu realmente desde as injunges nictrschianas em se ocupar dat cot sas préximas, em fore a hiséria com os fepmentes do Ctidino, Se levarmos em conte ss sbordagens de Nodlle Chutelet!? de" Jean Peal Aron," oa de. Jean Frangois Revel,” € preciso também notar o siléncio do penss- 7 une ence ‘¢#o, no entanto: 0 derradeiro Michel Foucault, que assu- 2 most, a0 mesmo tempo que ua reviavota istemolipca em sua cbre, Com © final de Hisére ae cerualdade, celta as lies exten: 0 snot, 0+ praeres, 4 servalidade, 0 corpo. Apés pasagens peas Inquinas socnis que excluem as dierenas e prodizem 1 normalidade, Fovcsule penetra nor arcnos: mais sc Cretor porém mais extimolantes. Enfim, emetpa wma tnticn preccuperdonietschiana peas buses essen Em O uso dos prazeres, a dietétca € descrita como (© que poderfamos chamar de uma arte sem museu, Ela € Node Chat, Le cope 3 corp ela, Ss "eal Aon, Le manga di XIN sl, Beto, Métis, Jean rangi Reve, Un fein ars, Livre de Poche (0 banquets dos entveror n bore oe maneira de “estilizar uma liberdade”,” tuna Iii do comp a0 mesmo fempe que uma apologa do dominio. oon se ‘mente o que ela é: uma escolha exstencial, pela. gual $ chegh conning de meso, Una pene da isola 0 euidado méico como principio. fun didor n sniie Co Soe ds somes respeito devemos ler os textos do corpus hipocrtico e seguir com Galen. A evolulo dest precaglo matca uma autonomia progrestiva da mets, O regime alimen- {ar tomas “uma eategris fundamental atraves da qual se pode julger a conduta humane; ela caracte nea com que levamos » exsténcia © pet conduta um conjunto de regras; uma especie de proble- tatizagio do comportamento, que se far em fungio de tua nature que € preciso Preservarc qual devemos nes cformar. O regime <, pois, rola uma arte deve we Mace de ei Mi ann oc de nosso corpo, de fantasia o-porvr, de associat © Alimento eo sal on foun No eae-cnt dee tier inocent Ela informa sobre a vontade de ser e de se tornar, sobre as categorise arqutipicas de uma vide, de um peasamento, dew sistrna ede una obra, Dal> aimee em pier ce camino i loroia entre as-doutrinas eos livros te pata chepar 35 Sree eee pea OE peer n0 ibis A arte de comer & a arte in fine. Foucault escre- veu: “A pritica do regime como arte de viver é (...) "= Michel Fournlt, “0 wo dot prazers", Miia de seraaidade, ol * (wens nos rudeoron toda uma mancira de se constituie como um individu que tem 0 cuidado justo, necessirio e suficente de seu corpo.” Etica'e estética cdnfundidas, a dietética torne: se-ciéncin da subjtividade. Ela demonstra que pode cexistr uma ciéncia do particular como rampa de acesso 40 universal. A. alimentagfo como argumento_perfurs dor do real. Ela é, enfim, um meio indireto para a construsio de si préprio como obra coerente. A. sing Taridade que ela autora, a auto-laboracio que ela per mite, engasta © porvir proverbial de um aforismo de Bailla-Savatin. Em Fisiologia do gosto, esse encantador cunhado de Charles Fourier escreve: “Digame 0 que comes; dirte-ei quem és." Mas deixemos 2 teotia, pois do banguete 40 qual tinhamos arviseado 0 olhat escaparam Schopenhauer Rabelais. © primeiro acaba de rabscar no eaderno que mantém sempre em dia os comentitios gastronémicos ue essas égapes the inspraram.” O segundo segura al- sumas receitas, entre as quais a que fala das virudes Sirodisacas do vinho no qual prepararam um salmonete 420 vapor e também a da manteiga de Montpellier. que le anotou no seu diploma de médica. = is 2 Gellar, Foe do goto, Stance % Dider Raymond, Schpenhaer, Seip. 37 CAPITULO Didgenes ou © gosto pelo polvo Hebel se engana quando diz de Didgenes que “sé hi anedotas contar a seu respeito™ e dos cinicos que cites tape de humvee scan ma do te, © tayo de humor, sempre ‘mais’ do aque a evidéncia aparente. O filgsofo efnico carrega em si uma incurivel vontade de dizer nio, de desmascarar © conformismo através dos hibitos. O cinico € a fi sgura emblemitica do autEntico filésofo definido como “a comscincia critica da (sua) Epoca”,? Em vez do idea lismo obcecante de Hegel, devemos preferis a ide fia de Niewsche para quem'o pensador & antes de tudo dinamite, “um aterrorizante explosivo que pe em pe- rigo 0 mundo inteeo”,* por meio do qual acedemos, num segundo tempo, a gaia cigncia, ia da alegria € do jbilo. Fortalecidos pela definigio niewschiana do sinismo como sendo “‘o que podemos atingir de mais clevado sobre a terra”,’ € com serenidade que entrare- ‘mos nos caminhos trilhados por Diggenes: neles acha- Hegel, Lavon we Pitre dele piosopi, Ven vl. 1p 5 the Nictche, lim do bom do ma, Editors Texopint SA 1 Bee hme, Ears Tecnort 5. remos a impertinncia com que devemos contar para Gualguer nova po TNossas epocts de incunivel melancliasacificam, to entanto, todas uses posses. A estéca ciniea de Diggenes € 0 antidto a casa deviva obscurantis, & wontade de leider. A exigéneia inca € submeter-0-c> tidiano, a uma. forma, improvisada porém.sbria.¢ prs livee das creeiese-daaltagso-que sfo-parentes-da civlzagto. © deseo-clnico-€ sabotar-x confangt os {desis que sio também os principios da iusio: 0 ss srado, #-convengio, 0 hibito, a pasividade. Ele prev Niza um projeto postive em que a expetgncia de uma vida natural sea condigho de possbilidade de uma auto-estética, de uma salutar pedagogia..do»desespero. ©" Sécrates furioas™ que Diggenes ert teria sem vida apoiado o convite de Montaigne pars cri sot prépria vida, ele, pare quem “nose grande © glriosa ‘obraeprima € vier com eoerén ‘0 -cinico & profundamente animado do descjo de resolver o- problem ds esstenci. de-maneita. ste. ca: € muito mais a alegria de tums vida sob o signo do go2o puro, do prazer simples, {do-que o desespeto de um dias submetido 2 repe tao, mesic A um imerloctor. que the dse que cleus "No, mas ¥ ilgeofo do barril — no entanto uma aafora se: ria mais conveniente, o bartl é uma invencio gaules fari um uso pedagégico dos alimentos. O bastiio do cedificio teGrico cinico € 8 afirmagio da. superioridade Senda Pao, pes Lado, Vie, doctrines et see esp ‘Pomiee Emotes, ahora Teenopeit S.A 4 Dimes Lae op, Carier mmo. 2 Dien 1 © geo pelo palo rt absoluta da ordem natural sobre qualquer outrs. A ci lizagéo & um auxiliar da perversio: ela filtra a inocén- cia positiva © cristaliza a cotrupgio sobre o real, trans: formado em um objeto medonho em tore do qual gra vitam escindalos e complexos proibides, O artificio deve ser banido. O projeto de Didgenes € a volta a uma selvageria priméria”e a alimentagio marcada por esse desejo: "No plano teérico © na pritica cotidians, os ‘inicos desenvolvern uma réavalicio, nido_somente_ da ‘dade, mas também da sociedade e da civilizagzo. Seus ue cstado_selvagem. Pelo lado nepativo, ¢ © descrédito dda vida na cidade © a recusa dot bens mateiais prodi idos pela civilzagio. Pelo positive, é um esforso para ‘encontrar a vida simples dos primeitos homens que be- biam a dgua das fontes e se alimentavam de bolotas que apanhavam ou de plantas que colhiam.”” ‘Ao corido consensual da instituigio mutrtiva, Dis- genes opie 0 nilismo ali ‘ado principalmente pel como simbolo da eivilizagso. Sheen nen €0.u, © "assageamente 3 ice a expressio & de Plutarco — acredi como demoligio do pousa a civilizagao, "O que & de fato a omofagia”, es- ‘reve Marcel Détieane, “(...) sendo uma maneira de 7 Me Dene, Dime mie & mort Hina 9.15 2 (© vere os radsovon recusar a condigio humana, definida pelo sactficio pro- ‘metéico ¢ imposta pelas regras da civlizagio que’ de. terminam 0 uso do espeto e do caldeirio?” Para os omé. fagos € preciso “se conduzir como animais (..-) pare seapar A condigio politco-religioss(..-) por baixc” so el da bestialidade”." Didgenes usar até as transgressSes mais sacti- Jegas: enquanto os outros consomem cozide ele quet Sangue, a carne sangrenta. J. P. Vernant vé nesse desejo lum parti pris pela “demolicio do modelo antropolégico dominante (. ), ‘mente reewsar-0 fogo que’ € necessfio 20 cuzimento da atne, € a0 mesmo tempo se opor & civilizcio que ace dita no fogo"." modelo einico & 0 bicho, o animal Por vitias vezes as anedotas contadas sobre Diggenes sig festemunhas dessa vontade de aprender com os animals © clo, € claro, mas também o cavalo, 0 leio, 0 camun- dongo, © peixe, os péssaros ou os animais’ de paso, Pelas anedotas recontadas por Teofrasto, Didgents te. S¢ decidido pela ascese, pela rentincia aos prazeres féceis da civilizagio, apés ter visto, correndo em todos 0s sentidos, um camundongo, entronizido por ele ema [Nese projeto de mimetismo, Diggenes nio se con- tentard com a carne sanguinolents. Diggenes. Laéicio Scere TEE lo shar tho ono 0 fat dese comer carne humana, como fazem certas ragas estrangerss, di ‘que em si consciéacia tudo ‘esté em tudo, em todo lugar. Hié came no pio € pio nas ervas; esses con 1H Paige elt et eri de scifi in JP, Vert ¢ M-Dédenne a ened eric ops are, alinars te 1 ane Vera “A a abe ot vs Me de anon Su trie cher Med op. 6 Dienst gro ple pero s ‘pos e outros mais entram em todos os cozpos por ca nas escondidos e se evaporam juntos.” Assim esti asseyurada a proximidade, sendo 0 parentesco, com of animais, e no qualquer deles mas os carnivoros mais dis, mais selvagens, como os labos que, pelo que diz PPlatio, procedem da alelofagia. Quando ‘provamos en: ‘tranhas humanas picadas entre outras vindas de outras vitimas sagradas, € fatal que nos transformemos em lobo.” Nada & mais nocive do que tm paté humano. Agindo deste modo, Didgenes sabe 0 que faz: cessa de set homem e fundamenta sua animalidade, Ao mesmo tempo, intoduz fermentos de. apocalipse na civilizagio que $6 tolera o canibal a rivasio. Pela primeta ver, com Diipencs, a antropo Ege tem um can de at deleraday manent Tete tad, ncntvdo © sstentado quando pari da man dco magic, relgoss, Jo come ial, o cabal ec canter jor dicas — 5 tirtaos desjsos de ustign para Com 0s ‘rurados enganados por ocsizo de Sus agen Jen sil —,slugio ara cootorn Aliment: Mat de'wm ponto de vista, ie precedente-e-sem descendencia © esto diogeniano pelo sangue no exci um eo. Digenes Laila conta 0 ensalo See «eo da ne fman. Nio he ele consegiusuplantar sua repugdncia quant «el cxperénla, = aontce, no" enantio tansior lista social, a Diener Lada of. lw 53 ao, replceEdre Tessas S.A. * © vias os russ ‘mou em habito. Foi mais um happening em cidade gre- ‘gs. O total das anedotas transmitidas sobre Disgenes ‘0 mostra mais fanstico por azeitonas e bagos slvestres do (0 elogio cinico da vide simples acompanha com menos problemas a. fruglidade cil sob 0. sol hele nico, Diggenes & muitas vezes retatado sob a aparéncia ‘de um pacato colhedor de figos, de frtase raze. Bebe tas fontes a dgua Irescu das nascentes, © 0s cantos de sua boca estio"quase sempre mais reluzentes de égua clara limpida do que de hemoglobina provocante © abastecimento de Didgenes em matéria de alc mento simples: » natureza fornece produtes sificien- tex para que possimos nos. contentat com a colheita [Nega, asim, a evolugio que leva da improvisacio pla nificagio, da perambulagio 3 instalacio, do nomadismo dds pastores ao sedentarismo dos criadores. Diggenes se localiza aquém de cvlzago, antes da escola do habitat ‘que proibiu a caminhada, a iberdade do peregrine. Co- Ther € se condenar i imaginagéo, se submeter 20 acaso g,feosi estan “Ese pods dio io "(o.) eaclher como alimento 0 que eu encontrar com ‘nai facilidade" B preciso limitar nossas necessidades 4s da natureza, Dion’ Criséstomo lata que, “Diggenes zombava das pessoas que, quando tém sede,’passam 20 lado das nascentes sem parir © procuram por todot 0s meios onde poderiam comprar o vinbo de Chio ou de Lesbos. Elas so", dir ele, "mas inscnsates que oF ani: mais de pesto. Com efeto, estes, quando tém sede, nunca pussam sem parar a0 lado de cima nascente ow de um tiacho de agua pura, © quando tém fome nao desde- ‘ham as fellas mais tensa nem a relva que basta pars iio de Seas, Le ae. 5 alimentéles"* Desse modo pratiamos uma vid sau- dive, live condigio de longevidade ‘A vida feliz sabre a trea € possivel pela economia do intl e do lx. A satsfagio dos descjos naturals necesirios — imperatvo.epcursta — conduz a0 je bilo ingénuo, ao prazer de viver. No fundo os homens so inelzs porgue ces “procuram o bolo de mel, per: fomes e outros Fequntes do género”” A frugalidade € cutro-imperaivo.dietético. A dga € 0 simbolo da as. ese cinica. A simpliidade é a base da verdade alimen- ‘Una alimentaio sufciente me & fomeida”, afi sma ele, “pelas macis, pelo paingo, pela ceva, ‘pelos aries de ervilha, que $30 a8 mais baatas dentze as legs: Iinosas, as bolotas asadas na rasa os fratos do cor siso ("lima que permite as animus, mesmo Em carta ao diseipulo Monime, Didgenes conta at ligdes que deve 20 seu mestre Antitenes> “Os ilies fem que beberemos (io) aqueles que, feitos de fino barr, no si0. dspendioos. Como bebida tomemos ‘gua da fonte, como alimento, © pio, e como condi- mento 0 sal ou 0 agrifo. Quanto a mim fot isto que aprendi a comer ¢ a bebor quando Anuistenes me edie cou, do como se fossem alimentos vis, e stm alimentos tmethores do que os outs e mais susctveis de serem ‘encontrados no caminho que leva & felicidade.” A pri ‘Comi e bebi esses alimentos vendo neles 10 mais m terial para exercicio e sim material para o praze.”™ © Diam Gresuamo. Dizou, VE 1, Diptera Ms Diener de Sinope, Lt Moning. XXXVI 46 Se a pritica cinicu da alimentagio requer uma pur ficagio do modo de se alimentar, ela incita também uma simpliticagao dos ritos da alimentagio. Nada de. ben: uetes regulamentados, nem concentragées das ativide des bucais em salas especalizadas, reservadas para esse fim: Didgenes combate os preconceites que aprisionam 8 ages que. se propiem a satisfazer um desejo ou a ‘obter um prazer, Contra © corpo escondido € fechado, © cinico inaugura a polity do corpo mostrado ¢ cxie bdo: Aqui mais uma vez 0 desejo do excesso reforgs- o-cumho:pedagégico. Partindo dessas idéias, Didgenes rio hesitari em se masturbar em praca pilblica e a re- Yorquir as consciéncias ofuscadas: “Quem ders bastasse também esfregar a bartiga para no ter mais fome."™ ‘Assim como seria favor dos acasalamentos em piblico argumentando que coisa tio simples e natural bem po: deria ser feta vista de todo mundo, Masturbacio, e6- pula — por que-nio-alimentagio? Sem complexo ele Tirané a alimentagio. dos locais confinados para situéla fem praca piiblica” diante dos.olhos escandalizados dos cidadios-modelo acostumados a esconder suas refeigdes ‘como fitos tabus "Nenhuma existéncia chega a belera sem ume morte 4 altura. A de Didgenes no foi sem relacio com ‘mentagio. As tradigdes atribuem 40 fldsofo vitias ma nciras de se despedir do mundo, Uma pretende que cle teria posto fim a sua vida retendo voluntariamente sua respiragio. Ou seja:_autodominio. Outra que ele sido vitima de um cio, zangado por ele The ter tum polvo cru. Ou seja: ironis do combate de A hima afirma que ele teria vencide o animal © su. F Ditnres Late, op tn 28 i Diigo 9 esto plo poo ” combido pés a ingestfo de sua pest. Ou: a puniio is tanogrestcs da ryas linea A meos que io sje una mancca de trnar conseqientes as prt dea cnias do meste. Plotarco relat ov fate atin "Disjes g ces o par st meno em que muitos homens © rodewram, le eovl Sense om sua capa levando acme s boca dines por woes qu atiaco minha vidn, gue con ete pe re Povco antes de moter, ele peta que depot de sex dbito 0 jogssem for, sm sepultura, 4 mere das fers, ou que0 vraem mma yleta qualquer cosine dlo-o com pA seputure gue Ihe seria dada pelos cis, pelos urubus, pelo sale ela chuva the davaf senasio ‘de encerar de mancica pertinent sma vida de asce Xame enc. Quando nos Tenbramos do fervor com que Anulgona-quer evar que © compo d "rp de Txt av dn um corpo sem sepulurs tenon a mea doupoaet fo. No fundo, ‘imo enfoque, Didgenes guera que assim seu compo fosse abeorvido por slgum animal -~ companheiro de inforxinio a fim de purtcpar do fundir com os elements. De comedor Ses Dibgenes. sti comido cru pelos te os animais. Ou seja, fiel. Assim até a morte ele ontnoavsfazendo de rade carne um slimento de todo 2 Paaro, Dees carla 1. 6. 955 2 oe Pulver pc, On.» 4. Vor «maga Digi Latex” VITO Ven, 1 Stet, Anion, Rel lip / Aigo / Frome aorta, Eira Tecnopent 8. * fo veers sos oras alimento uma came, Tudo se resumiria, finalmente, CAPITULO TIT rnessa dialética cont{nua: comer, vivet/morter, set co- a ign alimentar. O alimento como tazio para 0 ciclo, ‘Com 0 desejo de fandir ética © estética, de fazer Rousseau da existéncia oma obra que depende puramente da von- ou a via Hictea tade, Diggenes fundou uma légica do uso de si em que 1 €0 orifcio da verdade © do sentido, apesar do © ; alimento se cleva 20 nivel simbélico ¢ se integra na Se fosse preciso a eco ‘obra cinica, niilista, Luciano de Samésata empresta a Did- niinciaem matéria gastronémica, cla seria, sem sombra genes estas palavras: “Nossa maneira de pensar (.. .) de diivida, Jean-Jacques Rousseau. Do mesmo modo, se at er Nee et eae fosse pose! a existencia de um insensto desprovido ees Genie aicoupalaa.ceteea ae dovauidor-e-de-senaybes, © Gdadan de Genebra sri Pe piece ener hg ate ph ered este home. Seu corpo aceta 0 allmesto porque eta ‘em ver o filésofo entrar no teatro pela porta de saida a Gnica maneita de manter a vida. Se no fosse isso, for perambular andando de costa sob 0 ptco. Ele 6 provivel€ que Rousseadespezase a amentacio sem fespondia tos seus contraditores: “Eu me eso por rand exons. fracr na vide 0 contrério de todo mundo.” CConhecemos a obsexsio do filsofo em crtcar a ‘came crus, 0 gosto provocate polo sangue, & imoderndade, eu tempo, e corelaivamente seu-poHto- antropofagia reivindicada, a vida frugal ¢ as refeigies por uma humanidade natural que € sobretudo mitica. eerste lagi Rado tat timwal at paki See Disewso sobre ax cifnces « as artes € um dos textos ‘Eritsmo, momento negitive sustentado por uma forca tain dignos de figurar numa antclogia de exciton obe ‘de vontade aseeien, momento positivo da lyin cna. Curantstas: critica do comércio, dow costume, do hoxo, Desse ponto de vista, @ alimentagio tema fungio de das atividades intelectuais, da filosofia e de tudo que, ilo revindengo atu ¢ Formecer 08 argumen- lbalmente, i pore fara, No ipice da sua lies, Rousseau Fst do artficio — ao mesmo tempo que 0 descjo de um ‘uti — o da simplicidade, Didgenes e seu polvo mos tram que nfo pode haver dietétca inocente. “cin crn Ort cmp a Tine Se nso i a tle Hage; i Bars ‘Scene ean Dice mar Prgne de indi parm es hom acon de Samia, opt 1 siege" IVs nleO Eas arin der langues 0a be 3 Diane Late p30 (iclo'd Mbictaque da Grape Drensa — “a arte de eterizar as extravagincias do esp ite munano — stigmata “as teriveis desordens (que ela) jf causow ne Europa Com o mesmo espitito ele ataca a filosofia — “vis imagens elevadas pelo orgulho humeno” —~ e a coloce como bastiéo de uma genealogia da decadéncia: “A me. dda que 0 gosto por essas bobagens se estende pot ume ragio, ela perde o gosto pelas sélidas vittudes.” Ent Conta spc, Roses bons ui malo reaconar, qe € npn Pass ‘ Sue tudo conompe. A vie rede nr thea ‘ de vreue det foo, foto de en tempo, tempo dt vide deca Pov, Te o deren ‘ignoriincia,”” te Agricultura-contra cultura. A idéia” se propagarié. Com Rousseau, 0 pensamento do ressentimento. toma corpo: © Progresso das artes ¢ proporcional 2. decadén cia do cidade. Suprimir o” init, realizar o-necesstio. a completar 0 quadro, Rows- eau se faz o autor da maxima mais tola de tedos os ‘tempos: “O homem € naturalmente bom” depois, con. rela obrigatria, a Natureza 6 principio fecunde, rico ce verdadeiro, Devemos nos surpreender a0 encontrar em tal filé- Sofo uma critica em regra da gastronomia? Certamente (Gaye comptes, 9, 2928, i __—ae fo, A obra inteira € uma prova da impoténcia funde- ‘mental do seu autor frente a uma gaia eigncia qualquer, alimentar, inclusive. A apologia das raizes € digna do fanitico espartano. O guisado torna-se o prato tipico da decadéncia. Para o pensador, as preferéncias do militar lacedeménio nfo deixam sombra de divida: « rusticida- de € a primeira virtude do guerrero, A tesesundria que se epahatia € que“ | exa quis. (nos) reservar da eincia!” — ou sea, que { simpliidade orignal € anttese de’ uma cine pain & une pace, amaeenanchres a eo alimen ‘Gastrsofo socialist, JesnJacques fala do populis- mmo de tal modo que temos a impressio de ler a aunen tagio plcbiia pica a rexpeito de alientagio, © oxo is ids dss a pats na dos camponeset; "Queremos malho em nosss co. aha eis por que tntos docnies no ten sope, Que: temoslicores sobre nose mesa; eis por que 0 cmponés 6 bebe agua. Queremeon empotr notes peruse por sea ere no en Ono 0S uma idéia fixa do Século das Luzes. © principio anqutipico do Discurso sobre as ear artes & que “cudo que-esté além da necessidade. fisica,éfonte-de-mal’’” Esta frase vale para a alimenta- slo e para o resto. Nietsche exultaria, Encontramos af ‘uma das maximas judaico-cristés retomadas pelo sacia- lismo emergente. Comer & imperative da sobrevivencia, Ts iam op 9s e vee wos ores ¢ nio do prazer. A exegese do lugarcomum estari em breve as volts com 0: “E preciso comer para viver © ro viver pats comer.” Cuidado com o pecado da gula! ‘A civilizagio abafou o natural em nés: descobrit « simmplicidade, saber em que consiste uma vide natural, luma alimentagio sadia, nfo sio coisas evidentes. Na hic pétese do estado natural, © homem se alimentava de Iancira corres porgue confiava na sua intuigio © esta ‘nunca 0 enganatia. Naquela época — mica — “os produtos da tera the forneiam todo 0 auxflio necess- $0; instintoo levou a usélos”” Sua primeira preccupa- Ho erase manter vivo. No entanto, a evolugio aconteceu. Rousseau isola humana, modifcacées de com- “A altura das devores, que impedia que se chegssse aos fats, a concorréncia dos animais que procurwvam se alimentar dees" © vérias outas difculdades, brign- sam 0 homem a uma sdaptacio. Assim nasceram a dade, a fora, 0 vigor. Sem se pronunciar a respeito do motor da evols- 0 que condtz tragicamente a0 iremedidvel — a civi- 0 filsofo descreve a natureza dialética do- ‘es, 4 disparidade dos climas, 06 os € geogrificos incitam 2 inicitive: os homens que vvivem perto dos rios inventam o anzol, a pesca, € se — tornam donos e posseiros dos riachos, dos lagos, dos pintanos ¢ dos mares. Eles “‘tornaram-se pescadores ictifagos. Nas floresas fabricaramm arcore flechas e tor- naram-se cagadores © guerreitos; (...) 0 trovdo, um vulefo ou algum outro acaso fez com que conhecessem ‘ofogo. (...) Aprenderum a conservar este elemento, de- pois a reproduzilo e pot fim a preparar nele as cares que antes devoravam cruss”.” Observemos que o-en € uum fato da natureza € 0 cozido um fato da civilizagio. Rousseau saberd esquectlo a bem de sua demonstragio. "Niio bi divides. Para o pensador sufgo a evolucio pode ser vista de mancira alimentar: da colheita a pesca © 1 casa, do cru a0 cozido, dos frutos aot peixes e carnes, crus e mais tarde preparados. O comportamento se trans formaré, 4 medida que os hébitos alimentares se sucede- rem, Seria @ genealogia alimentar do rea Sempre atacado de mutismo quando se tata de di- zer por que uma Natureza perfeita e bos é condenada 4 evoluir para e imperfeicio ¢ o mal, Rousseau pinta ‘um quadro, | © nomadismo dé luger ao sedentarismo, « familia subs: titui 0s individuos solitirios. O grupo nasceu e com cle tvma nove abordagem do alimento. O homem tornt-se 0 instrumento da busca alimentar, a mulher fica n0 lar, cuide das criangas e prepara ot slimentot. Nesta divisio primitiva do trabalho, o macho persiste num nomadismo ‘casional, a fémea é condenada @ um sedentarismo abso- luto. Os'sentimentos evoluem, a linguagem aparece, « forgaizagio.racional da_intersubjetividade germina. A desigualdade se aproximma. A vireda trigica se dé com invengio da metalurgia € da agricultura. Os primeiros « fo weve nos edenros instrumentos de ferro batido permitirio a cultura dos Tegumes ou raizes” em torno da habitasio. ‘A alimentacio representa: um papel importante na economia rousseaunians do rel. As atividades referentes 3 alimentacio — exigéncia vital — tm uma casta rele vvante: os homens que trabalham a terra, Enquanto uns produzem o instrumento, os outros produzem — com ajuda do dito instrumento — com que asseyurar 0 sus: tento. Os primeitos também podem produzir 0 supér flu. O desejo do excesso ¢ 0 fndador da desigualdade. (0 ddesejo de sbundincia alimentar € o fermento de de- ccomposigio introduzido na histéria. O- medo da fat de alimento € © principio do. negativo. Uma economi dde penis nio teria esse tipo de problema: A Wigica falta traz uma compensacio na superprodugio que & preciso administrar, levando & propriedade, pela esto- cagem. A fome & de fato 0 argumento:motor do real: & ela ‘a0 combate, 20 entredilaceramento, E-ela que leva os homens # complicar uma existéncia, originariamente perfeita. Desde os frutos colhidos dire- tamente nas sebes ¢ valetas, até os legumes produzides ‘em quantidade e armazenadlos, hé um trajeto que eondu dda peregrinagio ao enraizamento. A alimentagao do. nd- made é simples, si, natural, sua tendéncia é para a inge ruidade, Ado sedentério € complicada, artificial, mal Si, ela se desvia para a elaboracio gratuita. Rousseau no tido de sua ertica exacerbada da gastronomia,ciéncia do supérfluo, do instil e do luxo, argumento da’ decadéncia ‘do paladar. Fle chegari a0 ponto de es- ‘os Franceses no sabem comer, jf que neces. pita tornar seus alimen: on tos comestfveis.”"" O que significaris entio, para Rous. senu, saber comer? A respon € simples saber comer Econsumiro ris © o simples, #6 acitar os alimentos ‘que nfo necesita prepaagio ot quando muito uma Prepaagio minima... Pare ister a iki, Rousse omparae ope mesa de um financsta 8 do eamponés (Ocardipi do bomem da terre: “Pao integral (.--) (que) vem da pantaio, colds pelo propria camponés winho é escuro'e aroncre tas relrescatc © sacl, eda safra do seu vinhedo.”” A autenticidade-é obser: ~ ‘vada pela economia das transagies entre 0 local que f sagem do produter 20 consumidor € a tna operagio suscetivel de ser tolerada, Nao sabemos como fot ae {eigéo do homem de prats. Quando muito podemos ima- finfla, quando o preceptor de Emile, ua man faz § pergunta a0 alino ideal: “Onde jantaremos hoje? Ao redor dessa montana de prata que cobre és quartos da mest, ¢ desses caneios de flores de papel que servem ta sobremesa sobre espelhos? Entre esas mulheres de anquinhas que nos tatam como marionctes © querer ‘que tenhamos dito aqulo que nfo saberos? Ou naquela aldeia das Téguas dagui, na easa de pessoas de bem ‘que nos reccbem com tanta alegria © que nor ofercem tim creme tio saboroso?” Emile esolherd a exceléncia os "guisados requintados no sfo do seu aprado (.-.) fle posta muito das boas frutas, dos bons legumes, do bom creme e das pessoas de bem." A respite do ead pio no saberemos nada a no ser que’ cozinha dos eos se distngue especialmente pelos euidados que ela WV 9 ae.

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