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RESUMO
Este artigo se embasa no tra-
A PRÁTICA
balho e teoria de Françoise
Dolto. Tivemos como objetivos PSICANALÍTICA DE
compreender os pressupostos
básicos de sua teoria; caracteri- FRANÇOISE DOLTO A
zar as intervenções do psicana-
lista na análise com crianças; e PARTIR DE SEUS CASOS
exemplificar seu método através
do recorte das principais inter- CLÍNICOS
venções realizadas no Caso
Dominique e no caso
Bernadette. Como resultado,
constatamos que Dolto traba-
lhava com maestria o fenômeno
da transferência e as situações Vanessa Tramontin da Soler
de interpretação; providenciava
a oferta de recursos adequados Leda Mariza Fischer Bernardino
à condição da criança; conduzia
o trabalho com os pais permi-
tindo a efetivação do sentimento
de confiança neles, em aderirem
ao tratamento analítico de seus
filhos.
Descritores: psicanálise com
crianças; Françoise Dolto;
transferência; interpretação; tra-
1. Introdução
balho com pais.
Vai estar em jogo lidar com a presença destes pais que, mesmo não entrando fisica-
mente na sessão do filho ... continuam se manifestando: seja nos atrasos para
trazer o filho à sessão, ou mesmo nas faltas que o fazem ter, seja nos diversos
trâmites que impõem ao pagamento, e até na interrupção abrupta do tratamento
do filho (Bernardino, 2004, p.65, itálico do autor).
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racterísticas que distinguem a análise não quer que a filha coma, que é má,
com crianças: o desejo dos pais. Além mas que não foi ela própria que disse
da demanda ser realizada por eles, há isso, e sim ‘a macaca’. Nas sessões
a solicitação dessa mãe que, mesmo posteriores, a menina relata que ago-
recebendo a negativa da analista, in- ra a macaca é uma menina, que é
siste na realização do trabalho analí- muito má, e por gostar tanto de
tico. Está em ação, portanto, a trans- Bernadette, quer entrar nela, assim
ferência da mãe para com a analista. tenta se aproveitar do momento em
Na primeira sessão a sós com que ela come, para ser comida junto
Bernadette, a menina faz um desenho com as outras coisas, e caso Bernadete
abstrato, diz que é um pinheiro, que a coma, transformar-se-á em macaca.
chama de pinheirar. Uma constatação Todos os seus desenhos passam a ser
que a analista faz, é de que essa é uma maus ou feios, na escola torna-se
das formas da chamada linguagem malvada e se mostra mais inadaptada
esquizofrênica, em que os substanti- do que no ano anterior.
vos ganham a dinâmica e a ação dos Dolto tem a ideia, diante desse
verbos. quadro narcísico em que a afetividade
A intervenção da analista não foi está marcada pelo sinal negativo, de
só no sentido de colocar Bernadette inserir um outro recurso na análise de
a falar sobre seu desenho, fatos do dia Bernadette: a boneca-flor. Essa ideia
a dia são incluídos na sessão. A mãe surge através da percepção que a psi-
da menina precisaria se ausentar, por canalista faz, em sua clínica com
motivo de viagem. A analista comen- adultos e crianças, de que o interes-
tou isto com Bernadette, que se mos- se depositado em flores e a identifi-
trou encantada com a idéia da ausên- cação com uma flor sempre acom-
cia da mãe. Ao mesmo tempo em que panham o quadro clínico de
parecia querer o pai só para si, apre- narcisismo. Quando, então, a mãe de
sentou tamanha crise de angústia que Bernadette relatou que a menina não
não conseguia comer nada sem vo- tinha mais interesse em suas bone-
mitar imediatamente, depois que a cas e animais, Dolto expôs que tal-
mãe foi viajar (Dolto, 1996, p. 118). vez ela tivesse interesse em uma bo-
O pai lhe deu a ideia de escrever uma neca flor, a menina gostou da ideia.
carta para a mãe, e logo ela conse- Dolto passa as instruções para a mãe
guiu comer. Assim ele procedia a cada confeccionar a boneca: ela deveria
vez que Bernadette manifestava an- ser totalmente revestida de tecido
gústia ao comer. verde, que não tivesse rosto, mas sim
Nas sessões que se seguiram, uma margarida artificial no lugar da
Bernadette concluiu que quando sua cabeça, as roupas deveriam evocar
mãe não estava, ela comia melhor. No tanto o feminino quanto o masculi-
retorno da mãe, a menina diz que ela no, ou seja, calças e saia, tecidos rosa
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sagrada .... E talvez você já tivesse tido do homem, mas sim o que ele havia
um carinho parecido por outra pes- colocado no boneco há pouco, o pê-
soa?” (Dolto, 1981, p. 59). Ruborizan- nis. Notemos que a questão da con-
do, Dominique diz que sim, pela sua fusão na diferença sexual é algo que
professora, mas que não pode amar Dominique repete constantemente.
ninguém além de seus pais. Dolto Nesse mesmo dia Dominique fala que
explica-lhe então que ele pode amar o irmão gostaria de conversar com
outras pessoas, além de seus pais, e Dolto, que ele ficaria contente se isso
que esse amor é diferente de amar ocorresse, e que preferiria não estar
outras pessoas ou mulheres, e que um presente durante a conversa.
amor não elimina outro, e que mais Entre outros assuntos, é com
tarde, depois de se enamorar, ele en- Paul-Marie que Dolto descobre que
contrará alguém de quem ficará noi- Dominique e Sylvie dormem com sua
vo, com quem se casará e terá filhos, mãe, mas que ele próprio não gosta
como aconteceu com seus pais. O de ir para lá. Ao concluir sua conver-
menino ouve atentamente, e quando sa com Paul-Marie, chama Domini-
Dolto termina ele diz: “Ah, bom! que para falar-lhe novamente. Expõe
Puxa, minha vaca acordou... e afinal o que seu irmão tinha dito sobre a
de contas ela não é sagrada. É como mãe gostar muito de se aquecer ten-
todas as outras vacas” (Dolto, 1981, do-os na cama. Dominique muda o
p, 60). Ele continua dizendo que a foco da conversa, falando então de
vaca teve um sonho, e assim dá início seu camarada, que é muito ‘gozado’.
a uma nova história. Nesse momento Dolto interpreta pelo aspecto sexual
fica clara a utilização da transferência e diz isso ao garoto, que por sua vez
pela analista para trabalhar sobre o confirma que se divertem com seus
sentimento de Dominique, e a con- corpos, como as vacas fazem com os
fusão e o impedimento que existiam pipis delas. Novamente Dolto expli-
nele com relação a amar outras pes- ca sobre o sexo dos homens, e sobre
soas além dos pais. a alteração que há no órgão genital,
A partir da quinta sessão o dis- conforme o que ele sente no seu cor-
curso de Dominique começa a ficar po quando se diverte com ele. Essa
mais organizado, ele fala de suas an- explicação dá abertura para que Do-
gústias, do irmão Senhor-Eu-Sei-Tudo minique diga que não deseja mais
e ele faz alusões a relações eróticas dormir com sua mãe, que isso era
com meninos. Enquanto isso mode- quando ele tinha sete anos, e que hoje
la um boneco, modela o pênis e colo- isso o deixa esquisito. Dolto então
ca duas bolas de massa de modelar explica-lhe, em termos simples, a proi-
no lugar dos seios, dizendo que isso bição do incesto. Ao mesmo tempo
também é o sexo do homem. A psi- não culpa a mãe por pedir que o ga-
canalista explica que isso não é o sexo roto durma com ela e se sinta dese-
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ABSTRACT
This article is about Françoise Dolto works and theory. The objectives comprehend the basics
themes of her theory; characterize the interventions of the psychoanalyst in the children’s analysis;
and exemplifying her methods through the main interventions made in Dominique Case and
Bernadette Case. As result, we can see in the how Dolto worked with total knowledge the
phenomena of transference and the situations of interpretation; how provided the offer of right
sources to the children’s condition; how leaded the work with the parents in the way of allow them
to effective the felling of trust on them and add the analytic treatment of their children.
Index terms: psychoanalysis for children; Françoise Dolto; transference; interpretation; work
with parents.
RESUMEN
Este artigo se basa en el trabajo y teoría de Françoise Dolto. Tuvimos como objetivo entender los
supuestos básicos de su teoría; caracterizar las intervenciones de los psicoanalistas en el análisis
con niños; y ejemplificar su método a través de los cortes de las principales intervenciones reali-
zadas en el Caso Dominique y en el caso Bernadette. Como resultado, constatamos que
Dolto trabajaba con dominio el fenómeno de la transferencia y las situaciones de interpretación;
proporcionaba la ofrenda de recursos adecuados a las condiciones de los niños; llevaba el trabajo
con los padres permitiendo la efectuación del sentimiento de confianza en ellos, en unirse al
tratamiento analítico de sus hijos.
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Recebido em maio/2011.
Aceito em junho/2011.
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