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UMA VISÃO CONTEMPORÂNEA SOBRE PODER

DE PARADA
Escrito em 14/01/2020 por Paulo Bedran

Foto: Paulo Bedran

Há mais de um século,
tenta-se estabelecer uma relação entre arma de fogo e sua eficiência em
incapacitar o ser humano. Denominado poder de parada ou “stopping power”, esse
conceito é dos temas mais discutidos no universo do tiro defensivo. Existem
várias versões sobre os fatos históricos que deram origem aos estudos desse
assunto e várias teorias que tentam explicar esse complexo fenômeno.

Quando consideramos
a utilização de arma de
fogo para defesa, tão importante quanto as características do equipamento são
as características da munição utilizada. Pode-se dizer, a princípio, que o
objeto do estudo em questão é o conjunto arma de fogo e sua munição. Dentre as
características da arma, deve-se considerar o calibre. Durante muitos anos, a
pergunta que se fazia era: qual calibre tem o melhor poder de parada?

No entanto, nos dias de


hoje, não há como definir características de desempenho a um calibre em si. Com
a evolução dos materiais, surgiram inúmeros tipos de pólvoras, com composição,
granulação e comportamentos de queima diversos, assim como se modernizaram os
projéteis, tanto em composição como em estrutura e desenho. Essas mudanças
fazem com que cartuchos de um mesmo calibre possam apresentar desempenhos bem
diferentes.

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No mercado mundial de munições, podem-se encontrar dezenas de configurações de
cartuchos de um mesmo calibre, com variações significativas de energia e performance. No
Brasil, a oferta é mais modesta, visto que a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) opera
solitária, nesse ramo. Ainda assim, podemos ilustrar essa realidade com o seu portfólio.
Tomemos o calibre 9mm Luger como exemplo. A CBC oferece cerca de 10 tipos diferentes
de cartuchos, no referido calibre, com energia que varia de 420 a 610 joules, utilizando
projéteis com desempenhos variados, dentre eles: chumbo ogival, ogival jaquetado,
frangível, expansivo ponta oca e expansivo ponta plana.

A complexidade do corpo humano


Se já não bastasse toda essa
diversidade técnica de equipamentos, no estudo do poder de parada, temos que considerar,
ainda, um ator de
complexidade infinita: o corpo humano. Pois, em tese, é nele que o projétil vai
agir e suas reações são muito difíceis de serem previstas, em razão da
multiplicidade fisiológica e da imprevisibilidade emocional. Até aqui, já dá
para se ter uma noção do porquê dos estudos sobre esse tema
estarem envoltos em polêmicas metodológicas e questionamentos científicos. Pela
dificuldade de se reproduzir, nas pesquisas, o grande número de variáveis
envolvidas, de se estimar aspectos subjetivos e pelas limitações dos meios
anatômicos utilizados como meio de teste.

Vale ressaltar que o resultado esperado pelo estudo do poder de parada não é o óbito, mas a
incapacitação do indivíduo. A doutrina sugere que a incapacitação almejada tem duas
causas: psicológica e fisiológica. A incapacitação psicológica, oriunda do choque emocional,
é das causas mais comuns de desistência do combate. A natureza do fenômeno torna sua
compreensão aleatória e desvinculada das características do equipamento e munição
utilizados. Portanto, a incapacitação fisiológica é o foco das investigações sobre o tema.

Incapacitação fisiológica
Quando inserimos o corpo
humano como meio de interação do projétil disparado, entra-se na seara da balística
terminal,
ramo da balística que analisa os efeitos dos projéteis em seus alvos. E passa-se a
falar da incapacitação fisiológica, fruto dos ferimentos causados pelo
projétil, na estrutura anatômica. A análise do poder de parada busca encontrar
a fórmula da incapacitação imediata, ou seja, definir o conjunto capaz de

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causar a perda instantânea de reação do atingido.

Estudos sugerem que,


fisiologicamente, a única maneira de se auferir a incapacitação imediata é
através da interrupção das transmissões nervosas. O projétil deve destruir as
conexões do cérebro com o corpo humano, que só é possível atingindo uma porção
inferior do tronco encefálico, conhecida como bulbo raquidiano. Lesões severas
noutras regiões do corpo humano, por mais irrigadas que sejam, do ponto de
vista fisiológico, não garantem a imediata incapacitação do indivíduo.

As inferências citadas são de


extrema relevância para o assunto, pois, afastam os pesquisadores da solução
desejada. A partir do instante em que se limita a ocorrência da incapacitação
imediata à lesão de determinada área anatômica, as variáveis arma, calibre e
munição perdem um pouco de sua importância. Noutras palavras, independente da
munição, do calibre e da arma empregados, à luz dos preceitos da fisiologia
humana, a incapacitação instantânea apenas acorre com a lesão do sistema
nervoso central.

No geral, nos casos de incapacitação fisiológica, a perda de reação do atingido ocorre em


razão de hemorragia severa e, consequente, choque hipovolêmico. Nesses casos, não há
incapacitação imediata, o atingido continua com capacidade de reação até a ocorrência do
choque, que pode demorar segundos ou até mesmo minutos, a depender da região
lesionada e da gravidade dos ferimentos.

Complexidade do tema
Na medida em que avançamos
no assunto, nos conscientizamos da complexidade que o envolve. Diante
das considerações realizadas até aqui, já temos argumentos suficientes para
questionar as teorias absolutas e as simplificações redutoras sobre o tema.

Nas primeiras publicações


relevantes sobre o tema, poder de parada era conceituado como a capacidade de
um único disparo, de uma munição de determinado calibre incapacitar, ainda que
momentaneamente, o oponente. Os adeptos dessa teoria, em geral, tabulam dados
de ocorrências reais e elaboram tabelas que elencam as munições presentes em
tais confrontos, atribuindo às mesmas o percentual de eficiência com base no
conceito acima citado. Assim, nessas tabelas, o valor atribuído a cada munição
corresponde ao percentual das ocorrências observadas onde esta foi capaz de

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incapacitar o atingido, com um único disparo.

Além dos questionamentos científicos aos métodos aplicados nessas pesquisas, o conceito
tornou-se ultrapassado à medida em que a incapacitação, em si, não mais era considerada
suficiente. Passou-se a perseguir a solução para a incapacitação instantânea ou como
chegar o mais próximo dela. Apesar das críticas e observações quanto ao método de
pesquisa e obsolescência de suas premissas, não há como negar as contribuições desses
estudos para o desenvolvimento da ciência.

As tabelas de "stopping power"


As tabelas de “stopping
power” são vistas com severas restrições metodológicas, no entanto, inferências
secundárias dessas análises contribuíram para a formulação dos modernos
protocolos de avaliação de desempenho balístico. Além de precisão e energia, os
protocolos atuais avaliam a performance do projétil quanto à: capacidade de
penetração, capacidade de expansão, capacidade de retenção de massa,
uniformidade balística, manutenção de trajetória retilínea após transfixação de
superfície rígida, dentre outros quesitos. Considerados fonte de informação
segura, capazes de balizar decisões, tais protocolos tomaram o lugar das
referidas tabelas. Atualmente, as modernas Agências
de segurança, mundo afora,
utilizam protocolos de desempenho na determinação de seus equipamentos: arma,
calibre e munição.

Em razão do que foi exposto,


hoje, as explorações do tiro defensivo não têm como escopo o encontro de um
conjunto capaz de causar a incapacitação instantânea do oponente, a partir de
um único disparo. Têm sim, ampliado o objeto de análise, incluindo o operador
do equipamento e a metodologia empregada como determinantes para o alcance da
incapacitação, no menor intervalo
de tempo.

Assim, podemos concluir: que


a temática poder de parada é extensa e complexa; que envolve fatores diversos e
poucos previsíveis; que a multiplicidade fisiológica do ser humano, aliada à
imprevisibilidade emocional, dificulta a determinação de regras gerais. Pudemos
observar, ainda, que, com a evolução e diversificação das munições, não se pode
mais criar considerações gerais a um calibre em si. Outro aspecto relevante a
ser ressaltado, diz respeito à importância da evolução dos conhecimentos da

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fisiologia humana como balizadora dos estudos da balística terminal. Por fim,
destaco as inovações do pensamento contemporâneo sobre poder de parada, ao
ponto em que operador e técnica se equiparam em importância ao equipamento
utilizado.

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