Você está na página 1de 42

ESTADO E PRODUÇÃO DE BENS PÚBLICOS

NO PENSAMENTO ECONÔMICO*

Fabrício Augusto de Oliveira

(*) Do livro “Economia e Política das Finanças Públicas: um guia de leitura à luz do
processo de globalização e da realidade brasileira, 2007”.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. ESTADO E CAPITALISMO NO PENSAMENTO ECONÔMICO HEGEMÔNICO

2.1. O Estado no Mercantilismo

2.2. O Estado no Capitalismo Concorrencial

2.3. O Estado no Capitalismo Monopolista

2.4. O Estado no Capitalismo Mundializado

3. A VISÃO MARXISTA DO ESTADO

4. UM BALANÇO DAS POSIÇÕES TEÓRICAS SOBRE O ESTADO

5. O ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA

BIBLIOGRAFIA
1. INTRODUÇÃO

Desde a sua formação, o Estado moderno não mais parou de crescer. Desfrutando de um
poder absoluto nas suas fases iniciais, mas com acanhada estrutura material, institucional e
financeira, evoluiu, nos períodos seguintes, para estender seu domínio e ampliar o controle
sobre a sociedade civil em todos os campos da vida econômica e social, ao ser legitimado
como instrumento de organização e de realização da humanidade e ao completar o
processo de constituição de suas estruturas, com a profissionalização das forças armadas e
o avanço da burocracia.

Tendo se tornado senhor da moeda e garantido o financiamento de suas atividades


com a cobrança de impostos consentidos, ao ser legitimado politicamente, viu caírem as
barreiras que ainda limitavam sua ação no campo econômico com a grande crise do
sistema capitalista da década de 1930, quando as idéias keynesianas justificaram sua maior
intervenção na economia para “salvar” o sistema da derrocada. De lá para cá, aumentou
consideravelmente seu poder de extração de receitas da renda e da riqueza geradas nas
economias em geral, as quais atingiram, em alguns casos, mais de 40% deste total, um
nível impensável, quando, apesar de apoiado em um poder absoluto, de origem divina,
engatinhava no processo de sua formação, limitado por condições financeiras, materiais e
institucionais.

Apesar dessa trajetória, a importância e o papel que o Estado tem desempenhado


para a reprodução do sistema econômico capitalista não conquistaram unanimidade no
pensamento econômico. Vilão para alguns, à medida que, de sua ação, acredita-se, geram-
se ineficiências para o sistema econômico, o Estado deveria limitar-se, nessa visão, a
desempenhar poucas atividades, apenas cuidando da ordem e da segurança interna e
externa e protegendo os direitos da propriedade. Considerado, por outros, como
indispensável para garantir as condições de reprodução do sistema e evitar o seu colapso,
pelas contradições que este encerra, ao Estado, para cumprir sua sina e tornar vitorioso o
capital, deveriam ser atribuídas bem mais atividades do que as preconizadas por seus
oponentes. Em meio a este debate, onde ora predomina uma ou outra dessas posições sobre
a dimensão e os papéis que lhe cabem, o fato é que o Estado não parou de avançar e de se
consolidar como instrumento de organização da sociedade e de garantia da reprodução do
sistema, criando as condições necessárias para tanto, mesmo na atualidade, quando
retornaram revigoradas as vozes que se opõem à sua presença na economia.

Este capítulo é dedicado a analisar a evolução do papel do Estado ao longo das


fases marcantes do desenvolvimento do capitalismo, bem como as mudanças que
ocorreram em suas formas de atuação. Para tanto examina, na segunda seção, a evolução
dessa forma de “enxergar” o Estado pelo pensamento econômico dominante, as revisões
nele operadas à luz dessas transformações, bem como os argumentos teóricos utilizados
para justificar o aumento ou redução de suas atividades. Na terceira apresenta, como
contraponto a este pensamento, a visão marxista sobre o papel do Estado, que entende sua
essência como elemento associado ao capital e seus movimentos pendulares como
resultado da necessidade de dar respostas às demandas do sistema para garantir sua
reprodução. Na terceira, faz um balanço “livre” dessas posições, procurando colher
elementos que melhor permitam entender sua natureza, dinâmica e tendências. Na quinta,
analisa, em linhas gerais, a evolução do Estado na economia brasileira, procurando
apreender como os elementos dessas teorias influenciaram sua conformação, tamanho e
natureza e refletiram-se nas suas estruturas de financiamento e de gastos.
Desvelar a essência do Estado, com essa leitura, é importante para o propósito
deste trabalho que é o de identificar tanto os determinantes de seus gastos (e de seu
crescimento) como as fontes de onde retira recursos para o seu financiamento, bem como a
que situação pode conduzir este processo no estágio atual de desenvolvimento do
capitalismo, em que sua forma de atuação se encontra sob forte questionamento pela teoria
econômica dominante e pelo mundo dos negócios.

2. A EVOLUÇÃO DO ESTADO NO CAPITALISMO E O PENSAMENTO


ECONÕMICO DOMINANTE

O Estado cumpre na sociedade, desde a sua origem, determinados papéis que


variam em função de sua inserção na realidade histórico-concreta. Para desempenhá-los
precisa ele de dispor de um determinado montante de recursos que serão utilizados para o
funcionamento da máquina pública, a manutenção das forças armadas, o pagamento de
seus funcionários e para a realização de obras demandadas pela sociedade. A dimensão dos
recursos de que necessita varia, assim, em função da dimensão e da amplitude do papel
que desempenha nessa realidade. Papel que se amplia ou se estreita, à medida que se
modificam as condições de reprodução do capital, as quais, por sua vez, refletem-se sobre
a sua natureza e sobre a sua forma de atuação.

Segundo Musgrave & Musgrave (1980, Cap. 1), que atribuem grande importância
às falhas do mercado para explicar sua forma de atuação, “…há explicações ideológicas,
sociais e políticas [para justificar tanto os papéis que cumpre como o seu tamanho], mas o
fato é que o mecanismo do sistema não pode desempenhar sozinho todas as funções
econômicas. A atuação governamental é necessária para guiar, corrigir e suplementar este
mecanismo em alguns aspectos, o que torna o tamanho apropriado do setor público uma
questão técnica ao invés de uma questão ideológica.”

A posição desses autores representa a síntese de um período da história do


capitalismo onde houve o predomínio de determinadas correntes teóricas sobre a
importância do papel do Estado para corrigir essas falhas e para fortalecer e consolidar o
sistema capitalista. Nessa perspectiva, ao Estado caberia desempenhar determinadas
funções – alocativa, estabilizadora e distributiva -, indispensáveis para um eficiente
funcionamento do sistema, as quais o mercado, pela sua natureza, não seria capaz de
cumprir.

Nem sempre, entretanto, essas idéias prevaleceram ao mesmo tempo, assim como
também nem sempre os papéis por ele desempenhados integraram o corpo teórico do
pensamento dominante. Houve períodos na história do capitalismo em que o papel do
Estado consistiu precipuamente em criar e garantir as condições para o triunfo do capital,
ainda que isso implicasse restrições à sua liberdade. Em outros, quando muito se admitia o
desempenho de sua função alocativa para prover a sociedade de bens que o mercado não
seria capaz de produzir, deixando o capital livre das amarras que aparentemente prendiam
seus movimentos ao Estado. Assim como houve períodos em que não somente essas
funções foram ampliadas como também lhe foram conferidas atribuições de forte
regulação da vida econômica para impedir que a concorrência intercapitalista conduzisse o
sistema ao colapso. Na atualidade, depois de um longo período de regulação e de
ampliação dos papéis do Estado, ressurgiram, com força, as teses antiEstado e anti-
regulamentação, sob o argumento de que sua intervenção provoca mais prejuízos para o
sistema do que o mercado com suas falhas.

Desse breve relato, pode-se inferir que as funções do Estado tendem a se modificar
historicamente. E, como num movimento pendular, fases de liberdade econômica tendem a
se alternar com fases de maior regulação, modificando-se seus papéis. E mais: a
legitimação de sua forma de atuação encontra, em cada um destes períodos, respaldo em
um conjunto de explicações teóricas que a sustentam e justificam. Por isso, para entender
as transformações qualitativas operadas em seu aparelho e nas suas formas de atuação,
torna-se necessário acompanhar sua trajetória à luz das grandes mudanças ocorridas no
modo de produção capitalista, desde o seu nascimento até os dias atuais, e analisar como o
pensamento teórico dominante, que em alguns períodos condenou sua intervenção no
campo econômico, em outros a justificou como necessária para revitalizar suas forças,
utilizando os mesmos argumentos que antes combatera.

2.1. O Estado e as fases de desenvolvimento do capitalismo

A análise feita em seguida sobre os papéis desempenhados pelo Estado e as


transformações ocorridas em seu aparelho percorre quatro fases marcantes de
desenvolvimento da sociedade capitalista: a) a do período conhecido como Mercantilismo,
que corresponde ao momento em que se gestam as condições necessárias para a
emergência do capitalismo; b) a do período do capitalismo concorrencial, onde
predominam os ideais da doutrina liberal, da liberdade de escolha para o capital em
oposição à forte regulação do período anterior; c) a do período do capitalismo monopolista,
onde novamente o Estado é convocado para intervir e regular o funcionamento do sistema;
e d) a do capitalismo mundializado (globalizado), onde retornam, com força, as idéias de
desregulamentação e de maior liberdade para o capital.

Se é possível fazer uma analogia dessa evolução com as fases do desenvolvimento


da vida humana, podemos identificar no mercantilismo a infância do capitalismo, o
período em que, chegando a um mundo desconhecido e, às vezes hostil, o capital (ou a
criança) precisa contar essencialmente com proteção para nele se situar e se instalar, o que
encontra no Estado (ou no pai). No capitalismo concorrencial, a sua adolescência, período
de rebeldia em que, se sentindo capaz de andar com suas próprias pernas, dispensa a tutela
do pai (do Estado) e se aventura por caminhos ignotos, como dono do mundo. No
capitalismo monopolista, a fase de maturidade, em que se retorna ao lar, reconhecendo a
importância do pai (do Estado) para a travessia da longa jornada da vida com menores
riscos e conflitos. No mundo globalizado, a terceira (ou quarta) idade, em que se
mesclam sonhos juvenis de liberdade com a percepção dos sinais de outono, e, sentindo-se
privado de limites, quer-se reviver projetos e ilusões que se mostraram inviáveis, em outros
períodos, desprezando os riscos que isso representa.

2.1.1. O Estado no Mercantilismo: a infância

A história da sociedade capitalista revela que as funções assumidas pelo Estado na


economia expandiram-se consideravelmente a partir do século XX e, mais
especificamente, das adversidades resultantes da crise de 1929, que induziram alguns
governos a acionar a máquina pública, visando atenuar os efeitos deletérios engendrados
sobre o nível de renda e de emprego da economia. Roosevelt nos EUA, ancorado no pacto
social e democrático do "New Deal", e Hitler, na Alemanha, que atemorizou o mundo com
os horrores do nazismo, constituem exemplos conspícuos da forma como o Estado, embora
em direções distintas, entronizar-se-ia na vida econômica e social de forma crescente,
antecipando, em alguns casos, as formulações keynesianas sobre o papel que lhe caberia
desempenhar diante de situações de crise enfrentadas pelo sistema.

Antes da crise de 1929, em plena vigência da doutrina liberal, eram restritas as


funções atribuídas ao Estado. Segundo preconizava essa doutrina, o Estado deveria evitar
imiscuir-se na vida econômica, sob pena de reduzir a eficiência do sistema. Era
imprescindível, nessa perspectiva, que os mecanismos de mercado operassem sem
restrições, sendo o Estado visto como um mero agente consumidor improdutivo e, como
conseqüência, a atividade governamental como um mal necessário. Em virtude disso, era-
lhe reservado o papel de guardião do sistema, o qual se restringia ao cumprimento das
tarefas de mantenedor da ordem e da segurança do país, oferecendo e fornecendo serviços
de defesa, justiça, diplomacia e algumas poucas obras públicas.

O arcabouço teórico que dava amparo à tese de que o Estado deveria ter uma
atuação passiva na economia tinha suas raízes plantadas nas idéias liberais que se
consolidaram no século XVIII e que representaram um libelo contra a doutrina
mercantilista, que imperou durante o período que separa a Idade Média do liberalismo, e
que demarca, historicamente, a época em que ocorre a acumulação primitiva do capital.
Neste período, também conhecido como Mercantilismo, dado o predomínio do capital
mercantil sobre o capital industrial, o Estado, ao contrário daquele que o sucederá,
exerceria um papel tão amplo quanto agressivo na vida da sociedade.

Corresponde o Mercantilismo ao período em que se gestam as condições


requeridas para o advento da sociedade capitalista. É, portanto, um período de transição,
que retém elementos tanto do modo de produção anterior - o feudal - como do que estava
para se instaurar - o capitalista. Mas para liquidar os resquícios do mundo medieval, que
entravavam o desenvolvimento da produção, foi necessário romper com dogmas e crenças
vigentes e quebrar a coluna dorsal das forças que se opunham às mudanças que abririam o
caminho para colocar a produção da riqueza material e do enriquecimento como valor
supremo do homem.

Não foi um processo simples, linear e nem coincidente, no tempo, nos países que o
percorreram. Pelo contrário, foi um processo longo, que exigiu mudanças na visão
predominante de mundo sobre o fim da vida social e do Estado, lutas contra as forças
políticas que sustentavam e se beneficiavam do sistema dominante, e criação das
condições econômicas e também de infra-estrutura necessárias para viabilizar a nova
perspectiva de vida e de realização da humanidade que brota deste período. Para Denis
(1974:98), com as idéias mercantilistas “...teremos, pela primeira vez, diante de nós, uma
teoria da sociedade que se desenvolve essencialmente no âmbito da economia, dado que o
fim da vida social [passa a ser] concebido com um fim econômico e que [...] os meios
encarados para realizar esse fim são também econômicos.”. Condenado pela igreja, a busca
pelo lucro oriundo das atividades comerciais e financeiras transforma-se, a partir deste
período em atividade indispensável para o homem alcançar a felicidade.

A construção da riqueza depende, contudo, nessa doutrina, da participação decisiva


do Estado, o qual, por sua vez, necessita dessa mesma riqueza para seu fortalecimento.
Para os mercantilistas, o enriquecimento de um país é dado pelo lucro do comércio e da
indústria, que, para se materializar, depende do desenvolvimento das atividades
exportadoras, com as quais se garante o fluxo e a abundância de metais (moeda) para a
expansão dos empréstimos essenciais para o desenvolvimento. E é dessa mesma riqueza
que se alimenta o Estado, de acordo com Denis (1974:107) para aumentar seu poder, dado
que é dela que obtém receitas para formar exércitos e constituir tesouros de guerra. Os
interesses dos mercadores – a busca pelo lucro – se confundem e se misturam, nessa visão,
com os interesses do próprio Estado na busca por maior poder.

A criação das condições objetivas para a produção dessa riqueza dependia,


também, da reunião crescente de homens no mercado de trabalho, da implementação de
políticas específicas voltadas para o desenvolvimento do comércio e da manufatura, da
integração do mercado nacional. Insuficientemente forte para comandar essas mudanças, a
burguesia comercial alia-se e se apoia no Estado – e o instrumentaliza – para liquidar com
o particularismo regional fundado na existência da economia natural e nas deficientes vias
de comunicações e para garantir a delimitação das fronteiras nacionais, indispensável para
a implementação dessas políticas.

Tarefa de tal envergadura, só poderia ser realizada por um Estado forte. É isso que
explica porque as idéias mercantilistas, favoráveis ao fortalecimento do Estado, mantêm
uma admirável coerência, uma unidade irrepreensível de pensamento, evidenciando-se em
todas as obras de seus representantes. Não sem razão o Estado atua, nessa época, como o
termômetro da sociedade, como o seu grande regulador, imiscuindo-se em áreas tão
variadas quanto abrangentes, tais como as que se referem, inter alia, ao controle exercido
sobre os salários, à promulgação de leis sobre o desemprego, à concessão de monopólios
para a exploração de determinadas atividades, ao mesmo tempo em que é ele quem
comanda as grandes conquistas coloniais. Nas palavras de Faoro (2000:70), nesse período

“o Estado organiza o comércio, incrementa a indústria, assegura a


apropriação da terra, determina salários, tudo para o enriquecimento da
nação e o proveito do grupo que a dirige. O mercantilismo opera sob tal
constelação, como agente unificatório e centralizador, versado contra o
disperso e universal mundo da idade média. O Estado, desta forma elevado a
uma posição prevalecente, ganha poder, internamente contra as instituições e
classes particularistas, e, externamente, se estrutura como nação em
confronto com outras nações. Do seu seio, mediante este estímulo, floresce o
absolutismo, consagrado na razão do Estado.”

Com o fortalecimento do Estado, amplia-se o poder do monarca e, com a igreja


minada em suas forças, transfere-se para ele o poder divino. De acordo com Denis
(1974:99) “a nova filosofia política é oposta à concepção católica do Estado defendida na
idade média, porque faz do Estado uma força autônoma e não uma realidade subordinada à
igreja.” Nessa época, em que não havia separação entre a esfera pública e a esfera privada
e o governante era identificado com o governo, Estado e rei se tornam absolutos. Fundado
no poder divino, o rei dispõe de poderes ilimitados. Segundo Soboul (1981:Cap.2): “o rei é
a fonte de toda a justiça; de toda a religião; de toda atividade administrativa; da guerra e da
paz.” Estado e governante fundem-se, portanto, numa única entidade, ungida pelo poder
divino. É isso que permite compreender a célebre síntese dessa situação feita por Luís
XIV, rei da França entre 1661 e 1715, ao afirmar que “l’état c’est moi” (“O Estado sou
eu”).

Este excessivo poder do Estado constituirá a razão que conduzirá ao seu


enfraquecimento, ao despertar e impulsionar resistências à liberdade com que contava para
cobrar tributos e contrair vultosos empréstimos para o financiamento de suas atividades e
dos governantes, tornando-se, com isso, um crescente obstáculo para o desenvolvimento
das atividades produtivas. As revoluções inglesa de 1648 e de 1688, assim como a
revolução francesa de 1789, representam, na história, pontos culminantes das resistências
que foram surgindo e crescentemente se opondo ao Estado absolutista, as quais, com sua
derrocada, vão imprimir nova feição ao Estado, separando-o, definitivamente, da figura do
governante e estabelecendo mecanismos de controle da sociedade sobre suas formas de
atuação e de decisões tomadas sobre gastos e cobrança de tributos. As transformações que
se operaram nas condições econômicas, políticas e intelectuais, neste longo período em
que o Estado absolutista predominou, encontram-se na base que deu origem à nova
concepção – e configuração – do Estado que brota no século XVIII.

2.1.2. O Estado no Capitalismo Concorrencial: a adolescência

Enquanto o sistema capitalista avançava na construção de suas bases, a existência de um


Estado forte, com grande poder regulatório e intervencionista na vida social e econômica
do país, revelou-se altamente funcional para os objetivos da burguesia nascente. À medida,
entretanto, que o capitalismo sentiu-se suficientemente confiante para andar com os seus
próprios pés, dispensou essa tutela, apontando-a como contrária aos seus interesses e à sua
indispensável liberdade para garantir mais rapidamente, em escala crescente, a sua
reprodução. Com essa mudança, a liberdade de que desfrutava o Executivo, na figura do
monarca, para impor sua vontade, viu-se enfraquecida e sua atuação limitada a poucas
atividades. O avanço das idéias que se opunham ao absolutismo, associado ao surgimento
das explicações mecânicas do mundo combinaram-se para dar lugar à construção das bases
da teoria econômica, onde ao Estado estaria reservado papel importante, mas
complementar às forças endógenas de reprodução do sistema.

No plano político, as obras de Hobbes, Locke e Montesquieu reforçaram a


importância do Estado na organização da sociedade, mas separando-o do governante, ao
descartarem o direito divino que mantinha estes elos e criarem meios para proteger a
sociedade civil do poder arbitrário do soberano. Da obra de Montesquieu, O espírito das
leis, sairia a fórmula que asseguraria o triunfo definitivo do Estado, mas representaria, ao
mesmo tempo, um antídoto contra o seu poder absoluto, ao dividir e distribuir sua
soberania entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário (Cf. van Creveld, 2004:cap. 3).
Com a separação Estado/governante, a esfera pública desprendeu-se da esfera privada,
surgindo, para a sociedade, instrumentos e canais para influenciar e controlar a tomada de
decisões do Estado. Legitimado politicamente, este, em que pese ter sua atuação cerceada
no campo econômico, neste período, estendeu e ampliou rapidamente seu domínio e
controle sobre a sociedade civil em diversos campos, como os da segurança, oferta de
determinados serviços e regulamentação de várias atividades. A constituição de sua
ossatura material e o crescimento da burocracia, juntamente com a profissionalização das
forças armadas à sua disposição, garantiriam a firmeza desta trajetória. Segundo Creveld
(2004:369-370), que resume bem essa trajetória, o Estado

“Quando viu a luz do dia pela primeira vez, era relativamente


pequeno e fraco, a ponto de alguns governantes
megalomaníacos o olharem de cima e afirmar que era idêntico à
sua própria pessoa. De então em diante, foi crescendo
incessantemente. A cada estágio, destacava-se da sociedade
civil e se elevava acima dela. Ao fazê-lo, encomendava mapas e
usava-os para fazer declarações políticas sobre si mesmo;
aumentou os impostos e, o que talvez seja mais importante,
concentrou-os em suas mãos. Para completar seu predomínio,
criou forças policiais e de segurança, prisões, forças armadas e
órgãos especializados, responsáveis pela supervisão da
educação e do bem estar social...”.

Por outro lado, à medida que o comércio e a indústria se desenvolviam,


fortalecendo econômica e financeiramente a burguesia, mais esta passava a prescindir
do apoio do Estado para ultimar seus objetivos. Com a realidade objetiva se
transformando, novas idéias sobre o comportamento dos fenômenos da natureza foram
surgindo. As explicações mecânicas do mundo defendidas por Galileu, Descartes e
Locke desmontam a idéia aristotélica da imutabilidade do ser, ao demonstrarem, nas
palavras de Denis (1975:140) que “os movimentos [...] não se devem explicar pela
natureza ou pelas qualidades dos seres, mas como efeitos de certos choques ou de
impulsões comunicados do exterior às coisas”, método que tornaria possível prever um
grande número de fenômenos, por meio de fórmulas matemáticas relacionando suas
causas e efeitos. Foi com esse avanço da ciência que se abriu a possibilidade, que teve
como precursores, na economia, os pensadores da escola conhecida como fisiocracia,
de se aplicar aos fatos humanos os métodos da física. Existiria, nessa perspectiva, uma
“ordem natural”, que regula os movimentos dos seres, sendo possível compreendê-los
por meio da investigação de suas relações de causa e efeitos, apesar de seu controle
direto não estar ao alcance do homem.

Apoiados nessa visão, os economias clássicos (Smith, Ricardo, Malthus, Mill e


outros) procuraram compreender o funcionamento do organismo econômico, como se
esse fosse governado por “leis naturais”, as quais, se não subvertidas por fatores
externos, seriam capazes de garantir a eficiência do sistema. Na imagem celebrizada por
Smith existiria uma "mão invisível" que se encarregaria de promover a melhor alocação
de recursos da economia e de conduzi-la para um ponto de equilíbrio “natural”, desde
que assegurada a liberdade também “natural” do comércio (a concorrência) e se
mantivesse o Estado – uma força externa a este organismo – à distância deste mundo.
Neste caso, dispondo cada um de “liberdade” para escolher e decidir sobre suas
atividades e negócios e de realizar livremente trocas no mercado, mecanismo que
corrigiria falhas e desvios cometidos pelos agentes econômicos nas suas decisões de
produção, consumo, trabalho etc. – seriam alcançadas a eficiência e a felicidade
individual, traduzindo-se em benefícios para toda sociedade. O mercado disporia, nessa
perspectiva, de mecanismos estabilizadores automáticos, por meio da concorrência,
capazes de corrigir seus desequilíbrios e garantir eficiência se não sofresse
interferências externas.

Em suas obras, portanto, as variáveis econômicas apresentam-se como dotadas


de valores da natureza – valor natural do trabalho, taxa natural de juros, equilíbrio
natural da economia -, cujo curso poderia, contudo, conhecer desvios de suas
“tendências naturais” em decorrência de fricções e entrechoques provocados por
problemas surgidos no curso da acumulação, caso, por exemplo, dos efeitos provocados
por uma situação de escassez ou abundância da força de trabalho sobre os salários e
sobre os lucros. Por isso, a preocupação dos economistas clássicos será a de investigar
as leis que determinam a distribuição da renda entre as classes da sociedade envolvidas
no processo de produção – trabalhadores, capitalistas e proprietários de terra – e sua
influência/efeitos sobre o processo de acumulação de longo prazo.

Todos os seus esforços são voltados, diante disso, para identificar a fonte de
valor das mercadorias e as leis que determinam sua distribuição entre os salários, os
lucros e a renda da terra, bem como os fatores que a modificam, durante o processo de
crescimento, provocando desvios de sua “tendência natural”, com prejuízos para a
acumulação. Mas, apesar dessas inevitáveis fricções, se o Estado não se imiscuísse neste
processo, o organismo econômico, por meio de suas leis naturais, seria capaz de corrigir
esses desvios e recolocar a economia em sua trajetória natural. Era, para o que nos
interessa, a senha para se pôr cobro à sua liberdade de intervir na vida econômica, tão
defendida pelos mercantilistas.

Este edifício da economia, no qual não havia lugar para o Estado, recebeu
contribuições de vários autores em sua construção. Comandado por uma “mão
invisível”, ou por leis naturais, o sistema contaria com mecanismos estabilizadores
automáticos que garantiriam uma situação permanente de equilíbrio. Neste sistema, não
havia lugar para a ociosidade do capital e nem crises gerais, já que a Lei de Say,
também incorporada ao modelo teórico de Ricardo, assegurava que toda produção
encontraria mercado; a flexibilidade dos preços, salários e taxas de juros, bem como a
ausência do Estado no interior deste organismo, garantiam a correção de eventuais
desvios da trajetória de equilíbrio da economia; e a igualação da taxa de lucro,
determinada pela concorrência, aparecia resolvendo, por sua vez, os conflitos entre os
distintos tipos e dimensões do capital (industrial, agrícola, financeiro etc.) e garantindo
a reprodução do sistema. Apesar das inevitáveis fricções que poderia surgir, mantida a
liberdade de cada um de buscar seu interesse pessoal, essa seria o motor (a força, ou
alavanca) que movimentaria a roda da produção da felicidade geral, beneficiando a
sociedade como um todo.

É importante fazer uma distinção sobre o conceito de eficiência utilizado por essa
escola da economia, denominada clássica, pois este conhecerá modificação substantiva nas
escolas que surgirão nos períodos seguintes, conhecidas como neoclássica e novo-clássica.

Como mostra Ramalho Jr. (2006), o conceito de eficiência, na escola clássica, é


resultado “... da liberdade de ação que possui o indivíduo de poder escolher e se dedicar à
atividade em que apresenta maior habilidade e produtividade.” É essa lógica, que encontra
no mercado (a mão invisível de Smith) os elementos para a correção de erros de avaliação
e de desvios cometidos pelos agentes econômicos, o que garante eficiência máxima para o
sistema, traduzindo-se em benefícios para o conjunto da sociedade.

Na construção deste edifício, percebeu-se, contudo, que nem tudo poderia ser
produzido e ofertado pelo mercado, já que este não era capaz de captar e transmitir, para
certos tipos de bens, os sinais dos consumidores para o sistema produtivo, o que, se não
corrigido, geraria ineficiência para o sistema como um todo. Era o caso, por exemplo, de
alguns bens e serviços que apresentavam características distintas dos que são produzidos
pelo setor privado, por não serem divisíveis para o consumo individual e, por essa razão,
não serem capazes de fornecer os elementos para o cálculo de custos, preços e volume
produzido necessários para a determinação da taxa de lucro, motor primus do sistema.
Essenciais para sua eficiência, a responsabilidade pela produção destes bens de
consumo coletivo – chamados modernamente de bens públicos – passou a ser atribuída ao
Estado, com o seu financiamento sendo garantido pela cobrança de impostos gerais. A
condição para que isso fosse possível, era a de que o Estado não deveria incorrer em déficit
orçamentário, operando, portanto, com contas equilibradas, um dos pilares que sustentava
a visão de equilíbrio geral do sistema. Da construção da teoria econômica, apoiada nos
ideais do liberalismo, derivou-se, assim, uma função específica para o Estado, mais
modernamente conhecida como função alocativa, justificada pela existência de falhas
apresentadas pelo mercado na produção de bens e serviços de consumo coletivo. Pelo que
representa na trajetória do Estado, convém explicitar melhor o seu significado, bem como
as diferenças e características do que aqui chamamos de bens públicos e bens privados.1

A função alocativa atribuída ao Estado surgiu, neste novo corpo teórico, como
resultado do reconhecimento da incapacidade do mercado de suprir a sociedade de bens e
serviços de consumo coletivo, tais como os conhecemos na atualidade: defesa e segurança
públicas, iluminação de ruas e avenidas, proteção ambiental, etc. Isso porque, como o
consumo desses bens e serviços por determinado(s) indivíduo(s) não obedece ao princípio
da exclusão - um princípio que assegura o acesso ao mercado somente para aqueles que
dispõem de recursos para adquirir determinado produto - por se caracterizar como um
consumo não-rival - seu consumo por um ou mais indivíduos não reduz a sua quantidade
para o consumo de outros - não há meios do mercado estabelecer/definir seu preço,
tornando-se, portanto, inviável sua produção pelo setor privado. Como se tratam,
entretanto, de bens e serviços indispensáveis para a sociedade, cabe ao Estado destinar
recursos de seu orçamento para produzi-los e satisfazer sua demanda.

São estes denominados bens públicos, os quais não permitem, por apresentarem
essas características, a mensuração da quantidade consumida e, consequentemente, dos
benefícios com eles recebidos pelo indivíduo - problematizando o estabelecimento da
contribuição a ser cobrada pelo poder público -, à medida que os consumidores não se
sentem propensos a revelar a sua escala de preferência por estes bens e serviços.

Contrariamente, os bens privados se caracterizam por sua divisibilidade, por


serem bens de consumo-rival, à medida que alcançam preços de mercado, e por estarem
sujeitos ao princípio da exclusão. Os economistas da escola clássica e, posteriormente, os
da neoclássica, convictos, de acordo com os pressupostos teóricos da livre concorrência,
das virtudes auto-reguladoras do mercado, concordavam que, somente no caso de ausência
de sinais para ele emitidos, caso característico dos bens públicos, estaria justificada a
interferência do Estado para garantir sua oferta e, com isso, aumentar a eficiência do
sistema.

De acordo com essa visão, apoiada, portanto, na crença de que leis naturais
governavam o organismo econômico ( a "mão invisível" de Smith), qualquer interferência
"externa" a esse mundo seria capaz de provocar fricções e de reduzir a eficiência do
sistema. E, como se considerava o Estado uma força externa, à medida que este não surgira
1
Deve-se chamar a atenção para o fato de que não foram os economistas da escola clássica que
desenvolveram estes conceitos e estabeleceram princípios para diferenciar bens públicos de bens
privados. Embora a eles se refiram, foram os economistas da chamada “Síntese Neoclássica” – uma
combinação de teoria keynesiana com teoria neoclássica renovada, de acordo com Osdchaya (1974:289),
que reuniram em torno de três funções – alocativa, distributiva e estabilizadora – as ações desenvolvidas
pelo Estado, para avaliá-los em termos de eficiência e desenvolveram princípios de distinção entre estes
bens, à luz dos mecanismos do mercado e de equilíbrio do sistema.
com a sociedade, mas em determinado estágio de seu desenvolvimento, sua presença na
vida econômica era vista como uma barreira que impedia a sociedade de alcançar essa
eficiência. Isto porque, ainda de acordo com essa argumentação, desde que cada indivíduo
tenha liberdade de escolher as atividades de seu interesse e em que apresente condições de
obter maiores ganhos, o resultado final deste processo seria, no conjunto, benéfico para
toda a sociedade. Por isso, o Estado deveria manter-se à margem do sistema econômico,
sem nele intervir e restringir-se a garantir a defesa e a segurança do país. Essa constituiria a
época de ouro do laissez faire, quando se acreditava, como o Dr. Pangloss, de Voltaire,
que tudo corria pelo melhor no melhor dos mundos possíveis.

Muito cedo, entretanto, os alicerces do liberalismo começaram a sofrer abalos. O


progresso industrial representado pela Revolução Industrial ocorrida na Grã-Bretanha no
século XVIII trouxe, como conseqüência, um aumento tão acentuado da pobreza que
crianças e mulheres terminaram sendo lançadas no mercado, trabalhando em condições
desumanas, para complementar a renda familiar. O progresso evidenciava, assim, a falácia
da premissa liberal: a de que a busca da felicidade e do bem-estar individual resultaria na
felicidade geral. Pelo contrário, assistia-se à confirmação da teoria da seleção natural, que
assegurava aos ricos e poderosos tornarem-se ainda mais ricos e os pobres ainda mais
pobres. Rosseau foi um dos poucos pensadores da escola liberal que desvelaria esse
fenômeno e mostraria a importância da intervenção do Estado na vida econômica e social
para reduzir as desigualdades existentes. Foram, entretanto, as idéias socialistas, que
encontraram um campo fértil para desnudar, primeiramente, de forma assistemática, e,
mais tarde, cientificamente estruturadas, a essência do capitalismo e para pôr a descoberto
o papel que o Estado desempenhava numa sociedade de classes: o de servir de instrumento
para a classe dominante.

Contra essas vozes que ganhavam, pouco a pouco, maior orquestração,


surgiriam, por volta de 1870, trabalhos de três autores, os quais, embora defendendo,
como a economia clássica inglesa, as vantagens do liberalismo econômico, afastavam-se
de suas principais bases teóricas que tinham no trabalho (na força de trabalho) a fonte
de criação de valor, ao enfatizarem apenas o valor da utilidade das mercadorias na sua
determinação. Com isso, a discussão do preço deixou de estar subordinada a
preocupações com o valor “natural” a longo prazo, que marcaram a obra dos
economistas clássicos, e a questão da distribuição dos rendimentos ganhou outra
explicação.

Walras, Jevons e Menger, considerados os fundadores da teoria neoclássica,


apoiados no principio marginal, desenvolveriam, aparentemente sem se conhecerem, a
idéia de ser o produto gerado resultado da participação e combinação dos fatores de
produção trabalho-capital-terra, valendo-se da tese de Say sobre a origem/fonte dos
rendimentos. E, apoiados naquele princípio, de que a distribuição destes rendimentos
entre esses fatores de produção seria determinada pela contribuição marginal
(produtividade marginal, um conceito posteriormente trabalhado e refinado por J.B.
Clark)) que cada um dava ao processo, avalizada pelo mercado, de acordo com a
utilidade do produto. Substituíram, com isso, a preocupação dos clássicos em investigar
o valor natural das mercadorias no longo prazo, bem como a leis de sua distribuição
entre lucros, salários e rendas, e suas implicações para o crescimento econômico, para a
investigação do processo de alocação de recursos feitas pelas unidades econômicas que
tomavam essas decisões – famílias e firmas – que encontravam, no mercado, os
mecanismos de sua correção, por meio dos preços determinados pela oferta e procura,
para garantir a máxima eficiência do sistema.

Colocado no mesmo pé-de-igualdade pela teoria, os conflitos de classes


desapareceram e, com a distribuição de seus rendimentos sendo determinados pela
utilidade do produto e pela produtividade marginal dos fatores de produção, erigiu-se
uma estrutura teórica em que o mercado, funcionando sem a interferência do Estado,
seria capaz de garantir a reprodução harmônica do sistema.

No mundo surgido da escola neoclássica, que contou com a contribuição de


vários outros autores (Marshall, Wicksell, Böhm-Baverk, Fisher), ergueu-se, assim, um
mundo econômico perfeito, governado por leis naturais e pela concorrência: constituído,
de um lado, de uma multidão de pequenas empresas concorrendo entre si, essas não
dispunham de poder para determinar as condições de oferta, o preço do produto e a taxa
de lucro de suas atividades; contanto, de outro, com consumidores soberanos,
indivíduos racionais, egoístas em busca da maximização de suas rendas e utilidades, os
quais, dispondo de todas as informações de mercado, participavam da determinação, por
meio da manifestação de suas preferências, dos preços, das quantidades demandadas e
do nível de produção requerido, que seriam alcançados, nessas condições, com a
máxima eficiência.

É interessante ressaltar como se modifica, com essa escola, apoiada na perspectiva


utilitarista, o conceito de eficiência e as relações entre os fatores de produção. Nela, e nas
que a sucederam no pensamento dominante, os conceitos de racionalidade e eficiência
passam a ser associadas à perspectiva utilitarista em que cada agente busca a maximização
de suas utilidades de uso (consumo e fatores de produção), com base em pressupostos
dados, deslocando-se e modificando o enfoque analítico utilizado pelos economistas
clássicos. O mercado continua sendo o campo (o guia) de convergência das decisões dos
agentes econômicos e de sinalizador dos ajustes e correções necessárias para a máxima
eficiência alocativa, condicionada, contudo, à restrição orçamentária de cada agente que
dele participa. Mas o que determina essa capacidade orçamentária que este utiliza para
maximizar suas utilidades (consumo de produtos, lucros etc.?).

A resposta da teoria é óbvia: considerando a utilidade dos fatores de produção (a


produtividade, neste caso) para a geração da riqueza social, é a contribuição marginal que
cada um agrega ao produto obtido, que determina essa capacidade (a sua remuneração),
variando essa, portanto, em função de sua eficiência. Dessa forma, quanto menos eficiente
o agente, menores os recursos com que contará para satisfazer o princípio de sua
racionalidade maximizadora. Quanto mais eficiente, maior sua contribuição e, portanto,
maior a sua capacidade orçamentária para essa finalidade. Uma espécie de “vale quanto
pesa”, sem possibilidades de correção das desigualdades existentes, já que a teoria não leva
em conta a questão distributiva e opera, em sua lógica de maximização das utilidades, com
o pressuposto de uma estrutura de distribuição de renda dada.

Com o objetivo de conferir às ciências econômicas o status de ciência exata e, de


acordo com Barber (1974:191) “refinar suas descobertas sob a forma de proposições
matemáticas”, os economistas neoclássicos procuraram, através da construção de
modelos de equilíbrio geral, definir o ponto em que o sistema estaria operando numa
situação de máxima eficiência. A solução dessa questão terminou sendo encontrada por
Vilfredo Pareto, um economista italiano, que a divulgou em seu trabalho intitulado
“Manual de Economia Política”, publicado em 1907 (Denis, 1974:550-4)

De acordo com a solução de Pareto, considera-se que a economia atinge a


máxima eficiência, quando modificações em dada alocação de recursos não se revelam
capazes de melhorar o nível de bem-estar de um indivíduo sem prejudicar o de outro.
Em linguagem matemática, diz-se que esta solução é representada pelo ponto em que a
taxa marginal de substituição de um bem por outro se iguala à taxa marginal de
possibilidades da produção, indicando que as decisões de escolhas dos agentes
econômicos – unidades familiares, produtivas etc. – atingiram a máxima eficiência,
valendo o mesmo argumento para as decisões tomadas em relação às possibilidades de
combinações possíveis entre lazer, trabalho, poupança, consumo corrente etc. Em
homenagem ao autor, essa situação de equilíbrio passou a ser conhecida, na literatura
econômica, como caracterizando uma situação de “Pareto eficiente” ou de “ótimo de
Pareto”.

O rigor formal pareceu dar, ao modelo, um aspecto de cientificidade que ia


muito além da realidade dos fatos e contextos históricos, mas garantiu seu sucesso por
muito tempo e encantou – e ainda encanta – muitos economistas. Com ele, as classes
sociais saíram de cena, os conflitos desapareceram e a sociedade foi transformada na
soma de indivíduos, os quais, agindo de forma egoísta e racional, eram capazes não
somente de assegurar sua felicidade pessoa, mas também de contribuir para o bem-estar
coletivo, ao mesmo tempo em que o sistema econômico, governado por “leis naturais”
se encontrava protegido de crises, desemprego, desigualdades e instabilidade.

Neste mundo panglossiano, só não existia lugar para o Estado. Nele, o


liberalismo se mantinha de pé para garantir sua harmonia, e ao Estado continuava sendo
recomendado manter-se à distância do que ocorria na esfera da produção e restringir-se
a garantir a ordem e a segurança do país. Na realidade, entretanto, como resultado do
intenso processo de concentração e centralização verificado no final do século XIX,
apenas na teoria o Estado vinha mantendo-se à margem do sistema.

2.1.3. O Estado no Capitalismo Monopolista: a maturidade

Em que pese a teoria, a verdade é que o Estado vinha conhecendo rápidas e


profundas transformações. A monopolização crescente do capital, que teve início na última
quadra do século XIX, colocou a necessidade cada vez maior da intervenção do Estado
nesse processo. Isso, por várias razões. Em primeiro lugar, por ter se tornado
imprescindível sua ação para assegurar mercados externos para a crescente produção
resultante dos países que se industrializaram nesse período - França, Alemanha etc. - e que
disputavam acirradamente a "partilha" do mundo. Era a época do imperialismo
"confessado", que acabou desaguando na Primeira Guerra Mundial, com o Estado
desempenhando papel fundamental nessa disputa.

Em segundo, porque se os próprios mecanismos de mercado asseguravam, no


capitalismo concorrencial, a solução dos conflitos através da igualação da taxa de lucros, o
mesmo não ocorreria no capitalismo monopolista que se instaura. À medida que a
atomização cedia espaço às grandes empresas oligopólicas, em condições de impor/ditar
seus preços e de assegurar suas fatias de mercado, o mecanismo que antes se incumbia de
tornar em soma zero as diferenças entre os distintos capitais, perde fôlego, vindo à tona sua
grande heterogeneidade e seus conflitos, como vai deixar claro sobre essa questão, como
se verá ainda neste capítulo, a teoria marxista do Estado.

Diante desses conflitos, tornou-se evidente a importância do Estado, como força


externa ao sistema, para organizar e soldar, por meio da política econômica, os distintos
interesses do capital, atuando como árbitro deste processo para garantir a reprodução do
sistema. Para desempenhar este papel deveria este contar com uma relativa autonomia, e
se integrar crescentemente, ao mesmo tempo, ao processo de reprodução econômica,
penetrando em áreas que, apesar de indispensáveis ao processo de acumulação, não
interessavam ao setor privado assumir, especialmente as que dizem respeito à infra-
estrutura econômica e ao capital social básico (as chamadas “externalidades” econômicas
tão necessárias ao sistema).

Essa mudança no aparelho do Estado, embora não problematizado no corpo teórico


do pensamento dominante, acarretaria, com a transposição destes conflitos para dentro de
seu aparelho, uma série de implicações para a reprodução do sistema, principalmente no
tocante à luta que passaria a ser travada entre os distintos capitais para deter sua
hegemonia e influenciar a condução e o conteúdo da política econômica. Neste contexto, o
Estado se tornaria o responsável pela organização das relações mantidas entre as classes
sociais e suas frações, as quais determinariam, por meio de um equilíbrio de compromissos
entre elas estabelecido, avalizado pelo Estado, a condução da política econômica em geral.
Para o pensamento econômico dominante, que não consegue perceber essa mudança
qualitativa em seu papel, e continua a depositar fé na força dos mecanismos de mercado,
toda e qualquer intervenção do Estado na economia continuava sendo vista apenas como
heresia.

Somente com os desdobramentos da crise de 1929, que provocou quedas


acentuadas nos níveis de renda e de emprego da economia capitalista em geral, é que serão
dadas as condições objetivas para que se justifique, nos campos teórico e prático do
pensamento econômico dominante, a intervenção do Estado na economia. Tarefa que
coube a John Maynard Keynes desenvolver com brilhantismo em seu trabalho lapidar
sobre o emprego, o juro e a moeda, de 1936.

Embora as idéias de Keynes não captem essa politização do Estado, são elas as
responsáveis – ou as que lhe fornecem o arcabouço teórico e a caixa de ferramentas a ser
usada para essa finalidade, através dos instrumentos de política econômica – para justificar
sua intervenção na economia, visando salvar o capitalismo. Foi a partir de sua germinação
e sua difusão que se ampliaram suas tarefas, e deram sustentação teórica ao surgimento do
Estado do bem-estar nas economias desenvolvidas (ou o Estado Providência) e ao Estado
com maior presença na vida econômica nos países de industrialização retardatária,
ancorados em doutrinas teóricas que, tendo como referencial de análise a matriz
keynesiana, caso, por exemplo, da Comissão de Estudos Econômicos para a América
Latina (CEPAL), deram origem ao desenho de Estados com forte conteúdo
desenvolvimentista.

Keynes foi, no mínimo, um economista instigante. Integrante dos quadros da escola


neoclássica rompeu com suas premissas teóricas quando suas recomendações e a fé que
aquela depositava no mercado revelaram-se incapazes de retirar o capitalismo da crise em
que mergulhou na década de 1930. Não hesitou, para isso, em desmontar os principais
pilares em que essa se assentava, como a Lei dos Mercados de Say, a concepção
walrasiana sobre o mercado de trabalho e o mito do orçamento equilibrado, e propor
mudanças no papel do Estado para salvar o regime da empresa privada, com o abandono
do laissez-faire integral. Oponente das idéias de Marx sobre o socialismo, apoiou-se em
algumas de suas teses para explicar as crises do capitalismo2, embora modificando
conceitos e significados, e, com sua contribuição teórica, deu origem a um Estado
reformado, vital para sustentar o curso da acumulação e para acomodar, por meio do
avanço do welfare state, as tensões sociais que poderiam colocar em risco sua reprodução.
Abriria, com isso, de vez as portas para o maior avanço do Estado no domínio econômico.

Sua obra "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, vinda a lume em
1936, estabelecerá os contornos teóricos definitivos e desvelará a importância dos
investimentos públicos para atenuar as flutuações cíclicas do capitalismo e para viabilizar
uma política de pleno emprego. A obra de Keynes representaria, assim, um verdadeiro
libelo contra a ortodoxia imperante, a qual garantia que os ajustes do sistema ocorriam de
forma automática, com a economia tendendo para um único ponto de equilíbrio possível,
sob a condição de que não houvesse entraves à livre flutuação da taxa de juros, do nível de
salários e dos preços.

Keynes, contrariamente, demonstraria a possibilidade de a economia estar em


equilíbrio sem que, necessariamente, este nível correspondesse ao de pleno emprego dos
fatores produtivos. Para ele, este nível constituía um caso particular da teoria, mas não
podia ser tratado como regra geral. A economia poderia muito bem estar em equilíbrio,
mas se defrontar com insuficiência de demanda agregada para atingir o nível ótimo de
plena utilização dos fatores produtivos ou, reversamente, apresentar excesso de demanda
sobre a capacidade produtiva, padecendo de pressões inflacionárias. Qualquer que fosse a
situação, o Estado repontava, em seu arcabouço teórico, como o elemento capacitado para
atenuar as flutuações cíclicas do capitalismo e para corrigir as fortes desigualdades do
sistema, através do manejo da demanda agregada. Se houvesse insuficiência de demanda,
deveria ele atuar como seu criador, seja aumentando seus gastos, seja reduzindo as
imposições tributárias sobre a sociedade ou mesmo fazendo uma combinação de ambos
instrumentos. Com isso expandiria, via multiplicador, os níveis de investimento, de renda e
de emprego da economia. Se a situação, por outro lado, fosse de excesso de demanda, o
caminho percorrido deveria ser o da direção oposta.

Com as formulações keynesianas, o Estado foi colocado no centro do palco e


assumiu uma importância capital para longevizar a vida do sistema. Embora tenha havido
muita resistência, no início, às idéias de Keynes, elas acabariam por prevalecer,
especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, e o Estado moderno incorporaria novas
funções e atribuições, aumentando o seu grau de intervenção na economia. De um Estado
teoricamente passivo e improdutivo transformar-se-ia num Estado fortemente
intervencionista, indispensável para a vitalidade e estabilidade do sistema. Além das
restritas funções que vinha desempenhando - regulatória, garantidor da defesa e segurança,
alocativa - passaria ele, nessa nova perspectiva teórica, a desempenhar o importante papel
de mantenedor da estabilidade econômica e de agente responsável pela implementação de
políticas de conteúdo redistributivista, que passaram a ser consideradas necessárias para

2
Essa interpretação se encontra em Denis, para quem a explicação de Keynes das crises de superprodução
se aproxima muito da marxista, ao atribuir à insuficiência do investimento a causa de depressão, partindo
de conceitos como o de custo de produção dos bens produzidos no ano (de equipamentos e de consumo)
que eqüivale “... ao valor da produção nacional líquida, no sentido marxista, i.é, à soma dos salários e da
mais valia.” (Denis, 1974:696-8)
garantir a reprodução do sistema no longo prazo. Alguns esclarecimentos devem ser feitos
sobre essas novas funções a ele atribuídas como resultado do reconhecimento de que o
mercado apresentava mais falhas do que era capaz de supor a teoria dominante.

Da mesma forma que a função alocativa, a distributiva decorre do reconhecimento


de ser o mercado incapaz de conduzir a sociedade a uma estrutura de distribuição de renda
que seja considerada justa ou eqüitativa. Isso porque, como o ponto de partida não é o
mesmo para todos, quer interclasses - trabalho e capital, por exemplo - quer intraclasses -
há o pequeno, o médio e o grande capital; o trabalho qualificado, semiqualificado e não-
qualificado; etc. - deixar que os mecanismos de mercado presidam livremente a questão
distributiva implica correr os riscos de se conduzir o sistema a tamanha desigualdade, que
esta, ao se tornar intolerável para as camadas mais pobres, coloque em perigo a sua
reprodução. Foi para corrigir essas falhas do mercado que se passou a atribuir ao Estado,
ainda que isso significasse reduzir a eficiência do sistema, o papel de intervir para
melhorar a estrutura da distribuição da renda e da riqueza, especialmente através do
manejo dos instrumentos de política fiscal.

Ganhou importância, nessa perspectiva, a provisão pelo Estado dos chamados bens
semipúblicos também conhecidos como bens meritórios (merits goods). Diferentemente
dos bem públicos puros, os bens semipúblicos apresentam características semelhantes aos
bens privados, como as de serem divisíveis para o consumo individual, obedecerem ao
princípio da exclusão e tratarem-se de consumo rival. É o caso, por exemplo, dos serviços
de saúde, educação, saneamento, por exemplo.

Sua importância para a sociedade – e também pelas externalidades que gera para o
próprio sistema econômico -, bem como a necessidade de se garantir o acesso ao seu
consumo aos cidadãos que não dispõem de poder de compra para adquiri-los, aumentou
consideravelmente a sua provisão pelo Estado, especialmente a partir das idéias
keynesianas e da importância assumida por políticas redistributivas com a constituição do
welfare state.

O maior cuidado com os efeitos redistributivos também pelo lado da tributação


ganhou também maior importância na política fiscal a partir dessa visão. Exemplos como o
do Imposto de Renda Negativo para garantir níveis mínimos de rendimentos para as
famílias que se situam abaixo da linha de pobreza, combinados com estruturas de impostos
efetivamente progressivos, especialmente em se tratando dos impostos diretos, ou com
regressividade atenuada no caso dos indiretos, passaram a inscrever-se entre essas
preocupações de tornar o Estado um agente minimizador das desigualdades existentes e de
garantir maior coesão social. O importante a reter dessa discussão, é que essa função só
ganharia maior espaço entre as políticas públicas, com a revolução keynesiana, uma vez
que, para os economistas clássicos e neoclássicos, como visto anteriormente, políticas
dessa natureza implicavam redução da eficiência do sistema.

Já a função estabilizadora, que só entrou efetivamente em cena a partir das idéias


keynesianas, justifica-se, segundo Musgrave & Musgrave (1980:11), pelo reconhecimento
também de não serem "...o pleno emprego e a estabilidade de preços (...) resultados
automáticos do funcionamento do sistema de mercado [e exigirem, por essa razão] uma
orientação por parte da política implementada pelo setor público. Na ausência dessa
política orientadora, a economia tende a estar sujeita a flutuações significativas e/ou passar
por períodos de desemprego ou inflação".
Para atenuar essas flutuações e possibilitar à economia caminhar ou retornar,
sempre que dela desviada, à trajetória onde se combinam os objetivos de pleno emprego
dos fatores produtivos e de estabilidade monetária, o Estado deve utilizar a sua "caixa de
ferramentas" - instrumentos fiscais, monetários, etc. - para materializá-los. Na ausência de
estabilizadores automáticos do mercado, a ação do Estado, especialmente através do
manejo da política fiscal, passaria a ser vista como decisiva tanto para a criação de
demanda efetiva necessária para a economia retomar sua expansão - e reduzir/absorver o
desemprego - como para desaquecer a atividade produtiva e desacelerar o crescimento do
nível de preços e ainda para conciliar os objetivos domésticos com aqueles vinculados ao
comércio internacional e à balança de pagamentos.

A necessidade de construção/consolidação do Estado do bem-estar no mundo


capitalista, muito como resultado da crise e dos problemas políticos e sociais engendrados
pela depressão da década de 1930, ganhou maior força com o temor, encerrada a Segunda
Guerra Mundial, de que o comunismo soviético poderia, aproveitando-se das precárias
condições sociais em que se encontrava uma Europa em ruínas, se alastrar pela região.
Para enfrentar esse desafio, o Plano Marshall implementado pelos Estados Unidos, bem
como a importância de políticas compensatórias implementadas pelos Estados nacionais
encontraram justificativa, inclusive, no campo ideológico, reforçando o papel do Estado
como agente indispensável para manter a coesão social.

O Estado que brotou do pensamento keynesiano serviu de modelo para o restante


do mundo capitalista, mas assumiu, em outros países e regiões, formas e características
distintas das que apresentou no mundo desenvolvido, variando a intensidade dos seus
graus de intervenção na atividade econômica. Especificamente, na América Latina,
influenciou a formulação das idéias cepalinas sobre o papel nuclear que o Estado deveria
desempenhar para garantir a industrialização da região, diante da fraqueza financeira da
burguesia, atuando como agente estruturante e organizador deste processo, o que deu
origem ao que se conhece na literatura do pensamento da CEPAL como “Estado
desenvolvimentista”3, o qual, no caso do Brasil, torna-se o principal agente das
transformações de sua economia entre os anos 1930 e 1980, como se verá na análise da
experiência brasileira na parte final deste capítulo.

De qualquer modo, à medida que se foi confirmando essa importância do Estado


para a economia e para o sistema, foi crescente, no mundo capitalista, sua participação na
geração da renda e do emprego. A tabela 1.1. retrata bem essa realidade sobre a
importância assumida pelo Estado na vida econômica de um conjunto de países
desenvolvidos selecionados. Como se percebe, de uma participação em torno de 10% do
PIB/PNB em 1880 - à exceção da França onde esse nível atinge 15% - o Estado vê
aumentado continuamente seu peso na economia, o qual se acentua a partir da crise de
1929, vindo a responder por níveis equivalentes ou superiores à metade de sua geração em
1985 - é o caso da Alemanha, Inglaterra, França e Suécia - ou em torno de 1/3 de seu
produto, como se observa para os EUA e Japão.

3
Para entendimento da teoria da CEPAL, consultar os trabalhos de Cardoso de Mello (1998 ) e da
CEPAL (1951) sobre seus fundamentos.
Tabela 1.1.
Participação da Despesa Governamental no PIB ou no PNB
(em %)
Países Ano
1880 1929 1960 1985
França 15,0 19,0 35,0 52,0
Alemanha 10,0 31,0 32,0 47,0
Japão 11,0 19,0 18,0 33,0
Suécia 6,0 8.0 31,0 65,0
Inglaterra 10,0 24,0 32,0 48,0
EUA 8,0 10,0 28,0 37,0
Fonte: Banco Mundial: Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial, 1991, p.158

2.1.3.4. A reação a Keynes (e ao Estado keynesiano) pela ortodoxia

Se na vida real as idéias de Keynes deram vida proativa a um Estado renovado, necessário
para corrigir desequilíbrios e atenuar as flutuações cíclicas do sistema, e à política fiscal
um papel nuclear entre os instrumentos de política econômica para ultimar estes objetivos,
no plano teórico, a ortodoxia, após absorver o golpe desferido pela revolução keynesiana
em seus pressupostos, voltaria à carga, com armas renovadas, visando fornecer explicações
para a inflação dos anos 1960 e desmontar a visão positiva que predominava sobre a ação e
intervenção do Estado na economia.

Neste contexto surgiu nessa época, em oposição à visão de Keynes, para quem a
inflação é um fenômeno decorrente do excesso de demanda, a teoria monetarista, a qual,
apoiada em modelos de expectativas inflacionárias, concluía serem inócuas as políticas
fiscais expansionistas voltadas para os objetivos de ampliação da renda e do emprego e
responsáveis pela aceleração do nível de preços e, portanto, pela instabilidade do sistema
econômico.

Essa teoria tomou como ponto de partida para explicar a manutenção da taxa de
inflação a partir do modelo das expectativas, a curva de Phillips, assim conhecida em
homenagem ao trabalho empírico que foi desenvolvido por A.W. Phillips sobre a evolução
do desemprego e da taxa de variação dos salários nominais na Inglaterra entre 1862 e
1957, no qual constatou a existência de uma relação inversa entre essas duas variáveis.
Dois anos mais tarde, em 1960, R.G. Lipsey teorizou a curva de Phillips e formalizou a
existência deste trade-off entre inflação crônica e desemprego, reforçando a tese de que
taxas de desemprego menores podiam ser obtidas por meio de políticas expansionistas,
mas produzindo inflação dos salários nominais e, por extensão, dos preços em geral. Era o
que o pensamento ortodoxo necessitava para assestar suas baterias contra o pensamento
keynesiano.

No final da década de 1960, Edmund Phelps e Milton Friedman introduziram os


salários reais neste modelo em substituição aos salários nominais, justificando essa
mudança como um erro que identificaram na teoria original, e concluíram que o dilema
não era exatamente entre inflação e desemprego, mas entre desemprego e inflação acima
das expectativas dos agentes econômicos. Esse desvio, que poderia ser causado por uma
espécie de ilusão monetária dos trabalhadores sobre o valor dos salários, como reflexo da
expansão da atividade produtiva, seria responsável por uma pressão “temporária” exercida
sobre a “taxa natural de desemprego” – uma das hipóteses com que opera essa escola para
explicar o funcionamento do sistema econômico -, à qual se retornaria depois das
inevitáveis correções que seriam feitas no nível de expectativas pelos agentes econômicos,
abortando-se a expansão econômica que deu início a este processo. Para melhor entender
esses argumentos, é preciso esclarecer a visão dessa corrente sobre o funcionamento do
sistema econômico e também como se formam as expectativas inflacionárias desses
agentes.

Para essa teoria, assim como para a escola neoclássica, como visto anteriormente, o
mundo econômico funciona de forma harmoniosa, com os mecanismos de mercado
garantindo a plena utilização dos fatores produtivos e a inexistência de desemprego de
caráter involuntário. A acomodação do sistema aos movimentos cíclicos da economia é
garantida por uma “taxa natural de desemprego”, hipótese central em seu corpo teórico,
que varia para cada economia e em cada contexto histórico. Admite-se, apenas, a
existência do desemprego voluntário e friccional. O primeiro revela uma situação em que o
trabalhador não se dispõe a trabalhar pelo salário vigente no mercado, preferindo manter-se
ocioso. O segundo, um período de transição em que o trabalhador fica momentaneamente
desempregado enquanto não encontra trabalho em outra empresa. Como naquela escola,
tudo se assemelha a uma ficção, sem correspondência no mundo real.

A diferença é que, para essa teoria, os agentes econômicos formam expectativas


sobre a taxa de inflação, porque essa terá influência sobre o salário real. São dois os
elementos que consideram neste processo de formação das expectativas: a) previsão da
taxa de inflação do período seguinte, com base na média das taxas de inflação dos períodos
anteriores; b) como podem ocorrer os desvios mencionados, adiciona-se, a essa previsão,
uma fração de correção proporcional ao erro de expectativa do período anterior. Os agentes
econômicos fazem, portando, uma adaptação das expectativas, que formaram sobre a
inflação, procurando corrigir o erro que cometeram ou que foram induzidos a cometer pelo
comportamento da economia real. Mas como se explica esse erro?

Quando o governo resolve promover uma política expansionista, a oferta de moeda


aumenta e também a demanda por bens e serviços. Esse aumento leva as empresas a
expandirem a sua produção (a oferta de produtos), demandando mais trabalho, o que eleva
os salários nominais (e também os salários reais por algum tempo). Essa elevação motiva
os trabalhadores ociosos (os do desemprego voluntário) a ingressarem no mercado, já que
os salários se tornam mais atraentes. Acontece que os preços também se elevam até mesmo
como resultado do aumento dos salários nominais (um importante componente dos custos
de produção), provocando uma queda nos salários reais. Diante disso, os trabalhadores
reduzem a oferta de trabalho (retornam à ociosidade, que se torna mais vantajosa) e a
economia retorna ao seu estado natural de equilíbrio do emprego. Mas a inflação adicional
que foi gerada por este movimento (inócuo) permanece e será transmitida para os períodos
seguintes, porque será incorporada aos cálculos de previsão da inflação futura feita pelos
agentes econômicos, garantindo-se, portanto, sua aceleração.

As condições e recomendações práticas dessa teoria para a política econômica (para a


ação do Estado) não podem ser mais claras: i) políticas econômicas expansionistas alteram
e afetam, no curto prazo, a economia real e mudam o curso da “taxa natural de
desemprego”, induzindo os agentes econômicos a cometerem erros de avaliação, diante da
elevação dos salários; ii) no longo prazo, quando esses erros são corrigidos, por um
processo de ajustamento das expectativas, retorna-se às condições de equilíbrio da
economia (e do mercado trabalho), abortando-se a expansão econômica produzida por este
movimento; iii) apesar de inócuo, no longo prazo, para a ampliação da renda e do
emprego, este movimento deixa seqüelas para o quadro macroeconômico, já que a inflação
se acelera nos períodos seguintes, pois seu aumento no ano, e também a fração do erro das
expectativas, incorporam-se ao cálculo das previsões feitas pelos agentes econômicos
sobre a inflação futura; iv) neste caso, recomenda-se ao governo evitar a aventura de
incorrer em déficit público para implementar políticas expansionistas e manter um rígido
controle sobre a oferta de moeda, pois, ao fim e ao cabo, é esta que explica e sanciona, no
longo prazo, o fenômeno inflacionário.

Apesar de racionais, os agentes econômicos de Friedman estão sujeitos – ou


serem induzidos pela ação nefasta da política econômica – a incorrerem em erros
sistemáticos de previsão sobre a inflação, por serem afetados pelo fenômeno da ilusão
monetária. É essa ilusão que permite a geração de efeitos das políticas expansionistas
no curto prazo, embora esses se esfumem no longo prazo, quando os agentes, através de
um processo de aprendizado e de adaptação, acertarem suas expectativas.

Apesar dessa nova teoria, a supremacia da teoria keynesiana vis-à-vis a ortodoxia


se prolongaria até o início da década de 1970, sustentando, com a implementação de suas
políticas, o longo e vigoroso ciclo de crescimento conhecido pelo capitalismo no período
pós Segunda Guerra Mundial. Somente quando essas políticas começaram a se mostrar
inadequadas para combater um renitente processo inflacionário combinado com o processo
de estagnação e de crise que se abateu sobre a economia mundial nessa época, perderam
força. Independente das causas que estavam na raiz da reversão deste ciclo, o agravamento
da crise nos anos seguintes, diante, inter alia, da crise do dólar, da desestruturação do
sistema monetário e da crise do petróleo, deu ao pensamento ortodoxo os argumentos que
esse necessitava para retornar à cena e apontar o Estado como o grande responsável pelos
desequilíbrios do sistema provocados pelos crescentes déficits e elevados níveis de
endividamento em que este, de um modo geral, mergulhou.

2.1.4. O Estado no Capitalismo Mundializado: a terceira (ou quarta) idade

A crise em que a teoria keynesiana mergulhou na década de 1970 em face da incapacidade


de seus instrumentos de darem respostas à perversa combinação de um processo recessivo
com inflação em alta, abriu espaços para o ressurgimento das idéias liberais, que passaram
a atribuir ao tamanho do Estado na economia e à sua ineficiência na gestão de atividades
consideradas afeitas ao setor privado, as causas primárias da crise, na forma dos
gigantescos déficits públicos que passaram a ser gerados pelos países do mundo capitalista.
Com a memória dos efeitos da Grande Depressão dos anos 30 tendo praticamente se
apagado, graças ao longo ciclo de desenvolvimento do capitalismo iniciado após a
Segunda Grande Guerra, para o que fora decisiva a intervenção estatal, essas idéias
frutificaram revigoradas.

A nova concepção teórica sobre o papel negativo do Estado ganhou força com o
avanço da Terceira Revolução Industrial e do processo de globalização, os quais, pelas
suas características, exigiam compromissos com a abertura da economia, o aumento da
concorrência e da eficiência produtiva e com a desregulamentação dos mercados
financeiros e de produtos, o que implicava retirar, novamente, o Estado da vida econômica
por sua ação ser considera prejudicial para seu funcionamento. No mundo globalizado
(mundializado), em que se restringem os espaços de atuação do Estado, surgem, em
diversos campos, várias contribuições teóricas, contrapondo-se ao pensamento keynesiano,
para dar sustentação à nova investida contra suas ações.

Um apanhado dessas posições de que se valeram – e continuam se valendo – as


forças anti-Estado, é feito em seguida, dando-se maior ênfase às análises e recomendações
da Teoria da Escolha Pública, que considera o Estado apresentando mais falhas do que o
mercado, devido às imperfeições do mundo político. Embora não se enquadre na visão
neoliberal, que forneceu munição para o retorno, com sucesso, dessas forças, a Teoria da
Regulação é apresentada, à medida que adiciona elementos que questionam sua ação
enquanto agente que, “em tese”, deveria estar voltado para defender e promover o interesse
público.

a) A Teoria da Regulação

No campo institucional, a Teoria da Regulação de Stigler (1971), Posner (1974) e


Peltzman (1976), de que a regulação, ao contrário do que se acreditava, não favorece o
interesse público, mas protege os interesses da indústria e setores regulados, colocou em
xeque o papel intervencionista do Estado. Tal situação seria resultado de uma relação
promíscua estabelecida entre reguladores, em busca de apoio político, e setores regulados,
visando protegerem-se da concorrência de outras firmas e obterem melhores vantagens
econômicas, por meio de regras de entrada no mercado e estabelecimento mais favorável
de preços para o seu conjunto, o que se traduziria em perda de bem-estar social não
somente pelos custos envolvidos neste processo (custos das agências reguladoras, dos
lobbies etc.), mas também pelos prejuízos e distorções provocados pela ausência de
concorrência.

Nos EUA, a década de 1970, quando esses trabalhos foram publicados, foi
marcada, de um lado, por um amplo processo de desregulamentação, especialmente em
setores da atividade produtiva (setores de transportes, telefonia, petróleo, gás natural),
movimento que pareceu representar a negação – ou seguir a recomendação – da Teoria
da Regulação, como anotam Mattos et. al. na Introdução do livro que organizaram
sobre o tema (Mattos et. al., 2004:16). De outro, várias agências de regulação foram
criadas em outras áreas, como na dos direitos dos consumidores, ambientais,
trabalhistas, da saúde e do bem-estar social. Tais movimentos contraditórios para a
Teoria da Regulação conduziram à sua revisão e refinamento de seus pressupostos por
Peltzman, em 1989 (Peltzman, 1989), que conclui não existir um “único interesse
econômico que captura o ente regulatório” e que se deve “encará-la como fruto de uma
política de coalizões, na qual os políticos tenderão a maximizar suas vantagens por meio
da distribuição a diferentes grupos de interesse envolvidos no jogo regulatório.” (Mattos
et. al., 2004:16)

Desenvolvimentos ulteriores dessa temática, reconhecendo a importância da


regulação em áreas importantes para a sociedade (principalmente na de direitos sociais),
cuidaram de sugerir meios de aperfeiçoamento para o funcionamento dessas agências
em nome da eficiência e da legitimidade e aumento de seu controle pelo Executivo,
Legislativo e Judiciário, visando evitar os riscos e impedir sua captura pelos agentes
regulados (Mattos et. al., 2004:18). Em suma, uma espécie de reinvenção do Estado em
que a preocupação com a eficiência remete ao redesenho das instituições e ao
fortalecimento dos mecanismos de controle nos processos de sua interação com a
sociedade.
b) A Teoria das Expectativas Racionais

No campo da macroeconomia, os teóricos da escola novo-clássica de R. Lucas, T.


Sargent e N. Wallace (Rego et. al., 1986:37) acrescentaram mais argumentos para
condenar a intervenção do Estado na economia, na linha anteriormente desenvolvida
pela teoria monetarista (a das expectativas adaptativas), mas corrigindo os erros
sistemáticos de previsão da inflação que os agentes econômicos da última cometiam
provocados pela ilusão monetária.

Os teóricos da chamada escola novo-clássica adotam, como a escola


monetarista, o pressuposto de uma “taxa natural de desemprego”. Para eles, também o
processo inflacionário é um fenômeno essencialmente monetário, mas, ao contrário dos
teóricos daquela escola negam, mesmo no curto prazo, quaisquer efeitos de aumentos na
oferta de moeda sobre as variáveis reais da economia, como no nível de renda e
emprego, restringindo seus impactos apenas ao aumento de preços, ou seja, à geração de
inflação. Descartam, para isso, a hipótese de formação de expectativas adaptativas,
resultado da ilusão monetária dos agentes econômicos, e introduzem, no modelo,
agentes que não se deixam enganar por esse fenômeno (ou se isso ocorre, conseguem
corrigir rapidamente seus erros, evitando que eles se repitam), sendo capazes, portanto,
de formar expectativas de forma racional, e, com isso, neutralizar a ação nefasta do
governo (do Estado) na implementação de políticas expansionistas. Como isso se torna
possível?

Os agentes deste modelo são mais ágeis e atualizados do que o das expectativas
adaptativas: não se guiam por informações do passado, mas do presente (da atualidade)
para a formação de expectativas nem repetem os erros que cometem, procurando
corrigi-los quando atualizam as informações. Os erros tendem a ocorrer não pelas
fraquezas da condição humana (são racionais), mas pela existência de informações
incompletas ou imperfeitas (caso de choques não antecipados, como os de decisões não
divulgadas sobre a implementação de políticas expansionistas tomadas pelo governo,
por exemplo), o que pode produzir, momentaneamente, desvios da economia de sua
posição de equilíbrio. Atualizadas as informações, os agentes rapidamente corrigem
suas expectativas, neutralizando a ação do governo e garantindo a convergência entre a
inflação esperada e a efetiva e a taxa de desemprego efetivo e a taxa de equilíbrio.
Como bem anota Carvalho (2001:216) sobre essa questão:

“Não importa aos teóricos novo-clássicos se, de fato, os agentes


conhecem a teoria econômica que, segundo eles, é capaz de
explicar os fenômenos reais. O que importa é que os agentes
agem como se soubessem de tal teoria. Por exemplo, para se
saber o dia em que é seguro levar o guarda-chuva para o
trabalho não é necessário conhecer os avançados modelos de
previsão meteorológicos. O mesmo pode ser dito em relação à
economia. Não é necessário conhecer a teoria quantitativa da
moeda para se saber que um aumento de um estoque de moeda
provoca inflação. Basta reagir elevando os preços e os salários
todas as vezes que o governo inflar a economia com moeda.”

Apesar das diferenças entre os modelos das expectativas adaptativas e racionais


sobre o comportamento dos agentes econômicos neste processo, os resultados a que
chegam sobre o papel do Estado neste processo são os mesmos: concluindo pela
neutralidade da política monetária no longo prazo em relação às variáveis reais da
economia, recomendam que o governo não deve lançar-se na aventura de incorrer em
déficits públicos e utilizar-se da ampliação da oferta de moeda visando estimular o
crescimento da economia, visto que isso apenas se traduziria em aumento da inflação e
da instabilidade do sistema, sem resultados práticos para os objetivos de aumento da
renda e do emprego.

c) A Teoria da Escolha Pública

Para essa escola de pensamento, que se apoia nas mesmas premissas teóricas dos
neoclássicos, mas modifica radicalmente sua posição em relação ao Estado, este é sempre
sinônimo de ineficiência para o sistema, mesmo quando sua atuação visa apenas corrigir
eventuais falhas do mercado. De acordo com este argumento, se o mercado pode, de fato,
apresentar falhas – o que no pensamento neoclássico e keynesiano justifica a intervenção
pública – a ação estatal voltada para corrigi-las – ou mesmo a simples possibilidade de
fazê-lo –, pode revelar-se ainda mais danosa para a eficiência do sistema. Assim, como
também apresenta falhas, que podem ser mais prejudiciais que as derivadas do
funcionamento do mercado, a intervenção do Estado passaria a ser condenada por essa
escola, justificando as proposta de esvaziamento de suas funções e de sua redução à
condição de Estado mínimo, através da implementação de políticas de desregulamentação,
privatização das empresas estatais, encolhimento/extinção do welfare-state etc. É
importante conhecer suas bases teóricas e a linha de argumentos que a conduz a tais
conclusões e propostas.

Conhecida como Escolha Pública (Public Choice), essa escola de pensamento


adota o mesmo método de análise utilizado pela teoria econômica convencional, que
considera, como hipótese de trabalho, o homem um animal egoísta, racional e
maximizador de utilidades, mas dela diverge no que diz respeito à sua aceitação de
considerar a intervenção do Estado necessária para corrigir/atenuar as chamadas falhas do
mercado e, com isso, garantir maior eficiência para o sistema capitalista. Para isso, procura
entender as escolhas orçamentárias como orientadas pela lógica que rege a decisão
alocativa do mercado, considerando as práticas eleitorais da democracia representativa
(onde há a escolha de um candidato de acordo com o seu programa) como o método que
mais se aproxima das decisões consideradas na aquisição de um conjunto de bens no
mercado. Tal como nesta, de acordo com esta teoria, a escolha que o indivíduo faz seria
semelhante ao das trocas econômicas, procurando maximizar suas utilidades (ganhos)
através do voto. Todavia, dada a imperfeição do mercado político vis-à-vis o mercado
econômico, seria considerável a perda de bem-estar para o conjunto da sociedade.

Para seus teóricos, o Estado está sujeito a incorrer em mais falhas do que o
mercado, no processo de produção/provisão de bens e serviços de sua responsabilidade,
tornando-se recomendável reduzir ao máximo suas atividades – daí a concepção do Estado
mínimo – e retransferir para o setor privado muitas de suas atuais atividades. Para essa
escola, portanto, as falhas do mercado não justificam a intervenção do Estado na
economia, porque além de não haver nenhuma garantia teórica de que serão corrigidas, a
ação estatal pode apresentar falhas ainda mais graves para a eficiência do sistema.

Desenvolvida nos EUA nas décadas de 50 e 60, a Teoria da Escolha Pública só


despertou atenção na Europa e no Japão na década de 1970, dando origem a várias linhas
de investigação, como a dos Rent Seeking, a Teoria Econômica da Constituição e a Teoria
das Instituições Políticas, as quais, embora apresentem algumas diferenças sobre o papel
que deve ser atribuído ao Estado no sistema, em função de concepções ligeiramente
distintas sobre a questão do funcionamento do mercado, derivam dessa mesma matriz
teórica. Para Buchanan (1979), um de seus autores, que a denomina de “Nova Economia
Política”, seu objetivo é o de “…propiciar um entendimento, uma explicação, da complexa
interação institucional que se desenvolve dentro do setor público” e que tem implicações
para as falhas – em termos de eficiência e equidade – que o governo incorre como agente
ofertante de bens públicos.”

A teoria utiliza como argumento central, para justificar-se, a existência dos


elevados déficits governamentais, que vê como sinônimos de ineficiência e desperdício, os
quais estariam na raiz das crises do capitalismo. O argumento utilizadas para comprovar
que o Estado apresenta mais “falhas” que o mercado e que de sua ação geram-se mais
ineficiências para o sistema, na forma de déficits e dívida, consiste em considerar o Estado
também realizando trocas (a essência do mercado) no mercado político. Mas enquanto as
trocas econômicas que são realizadas pelo mercado são eficientes, as trocas realizadas pelo
Estado são ineficientes, devido ao defeituoso mercado político onde ocorrem.

Isso ocorre porque, neste mercado, os atores que nele atuam – eleitores, políticos
profissionais, burocratas etc. -, se guiam pelos mesmos objetivos, que é a maximização de
seus ganhos (utilidades), embora com propósitos distintos, mas sem levarem em conta a
existência de restrições orçamentárias para suas ações (o que não ocorre nas trocas
econômicas), produzindo, como conseqüência, um excesso de gastos em relação às
receitas públicas. Assim, no processo democrático, enquanto o eleitor busca, através de
seu voto, maximizar suas utilidades por determinadas políticas públicas, o objetivo do
político profissional, que patrocina essa oferta, é o de maximizar seu mercado de votos,
enquanto o dos burocratas estatais, responsáveis pela sua implementação, o de assegurar,
para si, prestígio e mesmo maiores salários. Essa multiplicidade de interesses tornaria,
segundo a teoria, o processo democrático gerador de ineficiência na alocação de recursos
da economia, acarretando perdas para o sistema.

É por isso que Buchanan (1979), um dos principais representantes da Teoria da


Escolha Pública, na versão da “Nova Economia Política”, propugna “… um retorno do
Estado ao século XVIII, quando vários limites [constitucionais] foram impostos aos
poderes governamentais, em oposição aos séculos XIX e XX, quando predominou a
presunção [não confirmada] de que diante de garantias constitucionais e de eleições livres
seria possível controlar o governo.” Seu objetivo, portanto, é o de estabelecer limites para a
ação pública, considerando indispensável contar com o respaldo de uma teoria que trate
das instituições e das alternativas de política de governo. É nessa perspectiva que se pode
entender a adoção em países como os EUA, a partir do final dos anos 70 – e sob a
influência da Teoria da Escolha Pública – de limitações, estabelecidas em lei, em relação à
geração de déficits públicos, crescimento da dívida etc.

Para Przeworski (1995:26) “a perspectiva central dessa visão (…) é que o mercado
aloca recursos para todos os usos mais eficientemente do que as instituições políticas. O
processo democrático é defeituoso e o Estado é uma fonte de ineficiência. Nessa versão da
teoria, o processo político é visto como inferior ao mercado por causa de suas
imperfeições.” Mas, em sua versão mais radical, na chamada linha de investigação
conhecida como rent seeking – “caçadores de renda” -, “o Estado sequer precisa fazer
alguma coisa para que as ineficiências ocorram: basta a mera possibilidade que possa vir a
fazer qualquer coisa.” Nessa versão, segundo Pzerworski, “não há espaço para política; a
política é simplesmente um desperdício.”

Segundo Hartle (1983), a “Theory of Rent Seeking” tem por objetivo “… fornecer
uma estrutura conceitual que permita analisar o poder dos lobbies para influenciar
mudanças na política econômica, visando obter benefícios com a sua implementação e/ou
escapar de custos delas derivados.” Para isso, ainda segundo sua argumentação, o objetivo
de investigação da Teoria dos Rent Seeking é o de desvendar como os indivíduos ou
grupos (coalizões) com interesse comum investem com o objetivo de:

a) obter um aumento (evitando diminuição) em sua riqueza/renda como resultado


de mudanças na ordem legal;

b) maximizar os benefícios (minimizando os custos) de novas mudanças políticas


que criem direitos não exclusivos.

Ou seja, a teoria pressupõe que existe, por parte dos agentes econômicos, a busca –
caça – de uma renda criada por alguma ação/intervenção do governo e de que estes se
organizam para sua apropriação através do espaço orçamentário, visando maximizar suas
utilidades. Mas que este processo político termina gerando desperdícios que se traduzem,
inevitavelmente, em redução do bem-estar da sociedade. Não porque alguns perdem e
outros ganham com a ação governamental, mas porque a sociedade, como um todo,
termina tendo prejuízos líquidos. Por um lado, porque ela envolve custos; em segundo,
porque gera rendas monopólicas – o aumento de uma tarifa de importação para um
determinado produto (proteção), por exemplo -, fazendo com que o equilíbrio alcançado
não corresponda ao de “Pareto eficiente”; em terceiro, porque recursos são desperdiçados
pelos grupos envolvidos no processo para influenciar o governo na sua decisão, através de
lobbies, campanhas etc. Nessa situação, mesmo que o governo termine decidindo não
intervir, o desperdício de recursos terá garantido uma redução de bem-estar da sociedade.
Nessa situação em que a intervenção do Estado é radicalmente visto como sinônimo de
ineficiência, não há espaço nem para sua atuação nem para o processo político.

Uma maneira de visualizar a perda social oriunda da atividade do rent seeking é


através da fronteira de possibilidade de produção, conforme mostrado no trabalho de
Przeworski (1995:32), cujo gráfico é dele extraído (Gráfico 1), e que é utilizado por
Monteiro (1990) para mostrar os efeitos causados por uma política governamental, em
termos de eficiência, entre a produção importada e a nacional de um determinado bem.

Neste exemplo, BM representa o nível inicial da produção importada e M a


combinação inicial ótima existente entre a produção importada e a nacional, medida no
eixo horizontal, AM. No momento seguinte, alguma forma de regulamento imposto à
economia – um aumento de tarifas, por exemplo - faz com que a quantidade importada
caia para BP. Na análise tradicional, o novo equilíbrio da economia seria no ponto MP. Mas
como os setores que foram favorecidos pela medida governamental despenderam recursos
para apoiá-la/legitimá-la, as possibilidades de produção reduzem-se, com a economia
passando a operar em P, um ponto menos eficiente (na curva de possibilidades de
produção), dado o desperdício de recursos. De acordo com esse argumento, mesmo que o
governo apenas anuncie sua intenção de aprová-la e depois abandone a idéia, inevitáveis
gastos serão realizados pelos setores contrários ou favoráveis à sua aprovação,
ocasionando desperdícios de recursos e reduzindo a eficiência do sistema.

Przeworski (1995:32/3) aponta algumas razões que não sustentam essa tese. Para
ele: a) “…nem todas as alocações podem ser comparadas com a linguagem técnica da
eficiência. (…) o ponto M pode se localizar em uma fronteira de possibilidades que é
superior ao ponto P, mas o movimento de P para M prejudicaria alguém: então M não é
Pareto superior a P. Porque, segundo ele, “a menos que haja uma alternativa que deixe
cada um igual ou melhor que antes, uma política não é ineficiente”; b) “dizer que uma
política provoca desperdícios é afirmar que ela reduz a renda nacional, mas não que reduz
necessariamente o bem-estar social [por ser característica] dessas ações beneficiar algumas
pessoas e prejudicar outras”, tornando indeterminados seus resultados, a menos que, alerta
o autor “ a utilidade seja medida em termos de dinheiro”; e c) “se qualquer ponto na
fronteira de possibilidade de produção fosse economicamente possível, P nunca seria
escolhido por um político maximizador de apoio.”

Gráfico 1

Perda de Eficiência por Políticas Governamentais

Produção Importada

BM M

MP

BP p MP

0 AM AP Produção nacional

De qualquer forma, para essa escola seria necessário fechar as portas do welfare
state, nos países centrais, e a dos Estados Nacionais Desenvolvimentistas, na periferia do
capitalismo, como observa Affonso (2003:39-40), considerados as principais fontes de
desperdício de recursos e de ineficiência. Dessa concepção, que implica negar às falhas do
mercado a justificativa para a atuação do Estado, a qual integra o corpo teórico do
pensamento clássico, neoclássico e keynesiano, derivaram as primeiras propostas de
reformas do Estado, mais tarde chamadas de reformas de “primeira geração”, tidas como
essenciais para o ajuste macroeconômico, as quais consistem, basicamente, em seu
saneamento financeiro (fonte principal de instabilidade e desequilíbrios do sistema) e na
redução de suas atividades, por meio da privatização das empresas públicas, diminuição
dos gastos sociais e das políticas públicas e da desregulamentação dos mercados em geral.
Em conjunto, essas propostas vão encontrar sua grande síntese, no final da década de 1980,
no projeto que ficou conhecido como “Consenso de Washington”, um receituário
neoliberal com que se pretendeu ensinar aos países como resolver e superar suas crises, por
meio da adoção da fórmula mágica “menos Estado e mais mercado”.

Essa nova concepção teórica talvez não tivesse despertado tanto interesse e apoio
se o mundo capitalista não estivesse se transformando nessa época, com o avanço da
Terceira Revolução Industrial e o processo de globalização, tornando sagrados os
compromissos com a abertura das economias, a concorrência e eficiência e com a
desregulamentação dos mercados financeiros e de produtos. As mudanças ocorridas na
concepção teórica sobre o Estado e o mercado, ao coincidirem com as novas necessidades
do sistema abriram as portas para justificar a onda de privatizações que iniciadas na
Inglaterra no governo conservador de Margaret Thatcher e nos Estados Unidos, de Ronald
Reagan, alastraram-se rapidamente, na década de 1980, pela Europa (Itália, Espanha,
França, Alemanha) e o restante do mundo. Seu coroamento deu-se com a implementação
das propostas contidas no “Consenso de Washington” em economias que apresentavam
vários desequilíbrios no final da década de 1980 e início dos anos 1990, notadamente na
América Latina, Leste Asiático, Leste europeu, após a queda do comunismo, vistas como
capazes de garantir sua redenção.

Suas conseqüências revelaram-se, contudo, em pouco tempo, maléficas e


disfuncionais para a vitalidade e reprodução conjunta do sistema: aumento das
desigualdades, da pobreza e da miséria, acompanhando da desestruturação dos mercados
em geral dos países que as adotaram e do esgarçamento e fragilização das instituições do
Estado, essenciais para garantir o próprio funcionamento do mercado e a base de apoio
político para a continuidade do sistema, brotaram como seus subprodutos negando as
apostas feitas sobre as virtudes do processo de globalização e do encolhimento do Estado.
Mais decisivo para reforçar a percepção que se formou, a partir deste quadro, de que, como
diz Affonso (2003: 89), “o ajuste neoliberal teria ido longe demais”, foram as crises
financeiras que se abateram sobre o mundo nos anos 1990, atingindo, em cadeia, o
México, países do Sudeste Asiático, a Rússia, o Brasil e Argentina, desnudando os
malefícios da globalização e revelando, mais uma vez, que, operando “livremente”, o
mercado revelava-se, paradoxalmente, disfuncional para o sistema.

d) As Teorias de Resgate de um Estado comportado

Não surpreende que nova revisão teórica sobre o papel do Estado tenha sido
deflagrada. Segundo Affonso (2003:89), “instituições ‘multilaterais’ ou ‘interestatais’,
como o BIRD, a ONU e o BID passaram a se preocupar, diante deste quadro, em buscar
alternativas às propostas da teoria econômica neoliberal. Quatro questões seriam
apontadas, segundo este autor, no diagnóstico realizado pelo Banco Mundial sobre a
situação dos anos 1990 para justificar essa revisão: “o colapso das economias da antiga
União Soviética e do Leste europeu; a crise fiscal do Estado do bem-estar na maioria dos
países industrializados; a importância do Estado nas economias do ‘milagre’ do leste
asiático; e o desmoronamento do Estado e a explosão de emergências humanitárias em
várias partes do mundo” (BIRD, apud Affonso, 2003:91). Um diagnóstico que parece
associar crises com o enfraquecimento do Estado e melhorias com o seu fortalecimento. Se
correto, não seria o caso de reduzir ao mínimo o Estado, porque isso poderia acarretar a
própria derrocada do capital, mas de ajustá-lo para desempenhar com eficiência suas
funções. Derivam dessa conclusão as propostas chamadas de “segunda geração” de
reformas do Estado, cujo arcabouço teórico, ainda segundo Affonso, é fundamentado
essencialmente na “teoria neo-institucionalista” e na “Nova Economia Política”, podendo
ambas serem vistas como desdobramentos da public choice.

Como ainda coloca Affonso (2003) em seu trabalho, as duas correntes teóricas que
se afirmam no pensamento hegemônico após os desastrosos resultados colhidos com a
implementação das reformas neoliberais de primeira geração, o “Neo-institucionalismo” e
a “Nova Economia Política”, deslocam a ênfase da oposição estéril entre “Estado x
mercado”, que conduziu às propostas do Estado mínimo, para propor alternativas que
conciliem e otimizem sua atuação conjunta. Para a primeira corrente, o neo-
institucionalismo, trata-se de reconstruir e fortalecer as instituições do Estado, visando
torná-lo eficiente, ágil e capaz de contribuir para o funcionamento dos “mercados livres” e
da concorrência. Para a segunda, que admite resultados diferentes do “ótimo de Pareto” e a
inevitabilidade de trade-off entre eficiência, equidade e democracia, ainda segundo aquele
autor, há espaços para acomodar o papel do Estado no sistema, desenhando um novo
sistema regulatório indispensável para garantir uma economia competitiva e inovadora.
Baseadas nos fundamentos teóricos dessas correntes, convergem, na atualidade, as
propostas de reformas (chamadas de “segunda geração”) do Estado formuladas pelo BIRD,
FMI e BID.

Para continuar merecendo conviver com o mercado e desenvolvendo ações, mesmo


limitadas, mas necessárias para garantir a reprodução do sistema, a este Estado, nessa
visão, é terminantemente proibido cometer os seguintes pecados capitais: i) o da
irresponsabilidade fiscal, traduzida na geração de déficits públicos, para o que deve erigir
uma nova institucionalidade com rigorosos mecanismos de controle e acompanhamento de
suas contas, inclusive por parte da sociedade, para evitar que isso aconteça, e
contemplando punições – prisionais, administrativas, pecuniárias – para os administradores
que não cumprirem essa norma; ii) o de desequilíbrio patrimonial, devendo criar as
condições para garantir a sustentabilidade da dívida pública, por meio do pagamento dos
juros de seus credores, mesmo que, para isso, tenha de renunciar ao seu papel de provedor
de políticas essenciais para o desenvolvimento econômico e social. Abrir mão, enfim, na
perspectiva marxista, que se discute em seguida, de seu papel como agente de legitimação
do sistema. É nessa linha que se entende o surgimento e refinamento de modelos teóricos,
na atualidade, que tratam das questões relativas a geração de superávits fiscais,
sustentabilidade da dívida pública etc.

3. A VISÃO MARXISTA DO ESTADO

Para os marxistas, a ausência de consenso no pensamento dominante sobre o papel que


cabe ao Estado no desenvolvimento do capitalismo – ora afastando-se, ora se aproximando
do capital – explica-se pela sua resistência em incluir, nessa análise, as relações de classes
e as necessidades históricas colocadas para a reprodução do sistema, que se encontram na
raiz de sua evolução e de seu movimento pendular. Com isso, a justificativa de sua atuação
para corrigir falhas do mercado, por meio das funções alocativa, distributiva e
estabilizadora, afigura-se, nas palavras de O’Connor (1977:17/18), “a uma atitude quase
metafísica em relação aos seus determinantes”, enquanto a ingênua proposta de sua
retirada da vida econômica, encampada pela Public Choice, desconhece o fato de que,
para triunfar, o capital depende do triunfo do Estado, já que fazem parte da mesma
constituição orgânica. Por isso, e para entender as crises que surgem de seus movimentos,
bem como as fraturas que ocorrem entre o capital e o Estado, em determinados contextos,
torna-se necessário compreender sua essência, bem como o papel que este desempenha no
processo de reprodução do sistema, o que exige desvelar como as classes sociais e suas
frações se articulam e operam dentro de seu aparelho, influenciando as políticas que
implementa e determinando sua direção.

A visão marxista a respeito do Estado evolui do que Hirsch chama de uma "crítica
ideológica" do Estado, que subentende uma polarização simples entre este e a classe
operária para um estágio em que para apreender "... o modo de funcionamento pelo qual a
dominação da burguesia se reproduz [torna-se crucial] elucidar um campo complexo de
relações entre classes e frações de classes que encontram seu ponto de cristalização
contraditório no sistema institucional do Estado." Ou seja, o tratamento dessa questão
exige que se desvele como "... a classe dominante não apenas justifica sua dominação, mas
consegue preservar o consenso ativo daqueles que são governados", ou, através de que
formas se garante a reprodução da dominação de classes na sociedade capitalista. (Hirsch,
1977:86-7)

Partindo do pressuposto "de que toda sociedade de classe se caracteriza por uma
relação de violência que garante a exploração de uma classe pela outra" Hirsch levanta a
questão chave colocada por Paschukanis: “se o Estado é um instrumento da classe
dominante, por que não se constitui ele num aparelho privado dessa classe e dela se separa,
revestindo-se de um aparelho público institucional, separado da sociedade? Sua resposta é
a de que, diferentemente dos outros modos de produção anteriores, "... numa formação
social capitalista é preciso que a exploração e a reprodução das classes não se efetuem (e
não possam se efetuar) diretamente pela utilização física da violência, mas através da
própria reprodução das relações de produção, regida pela lei do valor." Essa tende a ser
transferida para uma força externa ao processo - o Estado -, ocorrendo, assim, uma
separação entre o que ele chama de dominação econômica - a violência "muda", a
exploração, que é inerente ao próprio modo de produção capitalista - e a dominação
política - a violência física - comandada pelo Estado. Para ele "...esta separação do
aparelho de coerção física com relação ao proletariado e à burguesia é o elemento
fundamental da forma de dominação da classe burguesa." (Hirsch, 1977:88)

Mas essa separação entre o aparelho de dominação política e as classes sociais,


indispensável para garantir a reprodução do sistema através do consenso, traz, segundo sua
argumentação, "... conseqüências consideráveis sobre a maneira pela qual a dominação de
classe burguesa se reproduz e se mantém" ao desencadear uma luta política para deter sua
hegemonia e, portanto, sua direção e controle - do Estado -, transferindo para o seu
aparelho a solução dos conflitos entre as classes e suas frações. Como campo
organizacional dessas relações de classes, o Estado, para garantir a reprodução do sistema
a longo prazo, não pode ignorar, entretanto, as demandas das frações não hegemônicas,
assim como deve garantir que a classe operária se reproduza materialmente. É dessa sua
forma de atuação, que se pode compreender as duas principais funções, de acordo com
O’Connor (1977), que ele cumpre no processo de garantir a reprodução da dominação de
classes a longo prazo: as de acumulação e legitimação.

Para O’Connor "... o Estado capitalista tem de tentar desempenhar essas duas
funções básicas, que são, muitas vezes, contraditórias. São essas funções que determinam o
volume e a alocação das despesas estatais distribuídas, respectivamente, entre capital social
e despesas sociais ( 1977:19).

Entende-se pela função acumulação o papel que lhe é atribuído de assegurar a


valorização do capital, garantindo-lhe lucratividade. Para tanto, ele destina uma fatia de
seus recursos para investimentos em capital social, que aumenta indiretamente o lucro
capitalista. No esquema de O’ Connor, o capital social compreende: a) o investimento
social, que consiste em projetos que aumentam a produtividade da força de trabalho ou que
rebaixam os custos de produção da empresa, aumentando sua taxa de lucro, tais como os
investimentos em infra-estrutura econômica - estradas, aeroportos, ferrovias, etc. -, no
ensino, em cursos de treinamento/especialização técnica, em P & D, etc.; b) os gastos com
consumo social, que compreendem projetos/programas que rebaixam o custo de
reprodução da força de trabalho e, portanto, o valor dos salários, como os relativos aos
transportes de massas, instalações médico-hospitalares, seguros de saúde, desemprego, etc.

A função legitimação deriva da necessidade de se obter o consenso e o apoio das


classes sociais e suas frações às ações do Estado. Isso significa que este, embora
comprometido com o processo de acumulação, deve também destinar recursos de seu
orçamento para assegurar a reprodução material da classe dominada - base em que se
assenta a reprodução do próprio sistema - e, com isso, garantir, a coesão social em torno
dos projetos implementados, evitando-se questionamentos do sistema e garantindo a
legitimidade da ação estatal. Os recursos do orçamento destinados para essa finalidade,
O’Connor os classifica como Despesas Sociais, as quais se referem aos gastos
previdenciários e a programas voltados, de uma maneira geral, para a pobreza e para os
desassistidos do sistema.

Nessa perspectiva, o Estado aparece como o organizador da estrutura das relações


de classes e de suas frações, contando, para isso, com uma relativa autonomia, o que lhe
confere a aparência de sobrepairar acima dessas mesmas classes e perseguir, por moto
próprio, o bem estar geral da sociedade.

O esquema analítico de O’Connor, como ele mesmo reconhece, dificulta a


classificação das despesas estatais de acordo com as categorias utilizadas, porque muitas
delas podem se desdobrar tanto em investimento e consumo como em despesas sociais.
Por isso é necessário, no estudo de cada caso, fazer as adaptações necessárias e definir,
com critérios próprios, as que podem ser incluídas/arroladas nas funções de acumulação e
legitimação.

Cabe notar que não existem regras nem quotas específicas para a distribuição ou
aplicação dos recursos apropriados pelo Estado tanto nesses campos de sua atuação como
no seu interior. Cada contexto e realidade histórico-concretos determinam essas
necessidades, de acordo com o objetivo de garantia da reprodução do sistema. Como
apontam Salama e Mathias (1983:9-11), “nos países capitalistas desenvolvidos, o Estado
intervém relativamente mais na reprodução da força de trabalho do que no setor produtivo,
ao contrário do que se constata nos países subdesenvolvidos.” Isso se explica porque, na
primeira, as forças produtivas já foram devidamente constituídas, dispensando o Estado de
ocupar áreas mais afeitas ao capital, enquanto na segunda essas se encontram em fase de
constituição, dependente de sua ação. Por isso, as estruturas orçamentárias e o padrão de
intervenção do Estado costumam ser distintos nessas realidades, embora persigam os
mesmos objetivos.

Dependendo, portanto, do estágio de desenvolvimento da economia, maior ou


menor prioridade podem ser dadas a cada uma dessas funções e, no seu interior, a
determinados gastos que atendam as demandas e necessidades de reprodução do sistema.
Acentuados desequilíbrios entre as duas (em favor da acumulação ou da legitimação)
tendem a gerar forças de oposição e questionamento do Estado, e, portanto, das bases do
sistema: no caso da primeira, pela redução do lucro; no da segunda, pelo aumento das
desigualdades e da massa de excluídos. É nessa espécie de “fio da navalha” que o Estado
deve procurar se equilibrar para manter as condições de sua reprodução.

A partir dos resultados encontrados é que se obtêm os elementos que permitirão


investigar as forças que governam o volume e a distribuição dos gastos e a distribuição do
ônus representado pelo seu financiamento entre os membros da sociedade. Para tanto,
ingressa-se no campo da forma de articulação entre o setor público e o privado, no estudo
dos lobbies empresariais e de grupos na elaboração orçamentária e no estágio em que se
encontra a correlação das forças sociais e a sua representação ao nível do poder legislativo.

Ao contrário da vertente ortodoxa/tradicional, que baliza/justifica a intervenção do


Estado na economia a partir de falhas apresentadas pelo mercado, mas não desvela os
determinantes do volume e da composição/alocação dos gastos governamentais entre
setores/regiões, etc. e nem a forma como se distribui o ônus de seu financiamento entre as
classes sociais e suas frações, a vertente marxista entende que é a partir da compreensão
das necessidades postas pela acumulação de capital e do estágio da estrutura das relações
de classes, que determinam a natureza e o papel do Estado na economia, é que se pode
entender a dinâmica da política fiscal traduzida em seus efeitos sobre receitas e gastos
orçamentários.

4. UM RESUMO DAS VISÕES TEÓRICAS SOBRE O PAPEL DO ESTADO E A


PRODUÇÃO DE BENS PÚBLICOS

Um relato resumido da trajetória percorrida pelo Estado, de acordo com a leitura


precedente, pode ser feito da seguinte maneira:

1. Na fase correspondente à acumulação primitiva necessária para fundar as bases


do sistema capitalista, o papel do Estado, diante da fraqueza da burguesia
nascente, é crucial não somente para sua constituição, mas também para
liquidar as resistências do antigo regime que se opunham ao seus
florescimento;

2. Uma vez assentadas as bases desse sistema, que opera sob os pressupostos
teóricos da livre concorrência, o Estado se torna desnecessário para o seu
funcionamento. Isto porque, de acordo com a doutrina liberal, o mercado
dispõe de mecanismos auto-reguladores capazes de corrigir seus desequilíbrios
e, segundo a visão marxista, apesar de produzir e reforçar suas desigualdades, a
lei do valor opera plenamente no capitalismo competitivo. Nessa perspectiva,
ao Estado caberia apenas a tarefa de garantir as condições externas para a
reprodução do sistema e atuar para corrigir falhas localizadas na alocação de
recursos, que levam à perda de eficiência do sistema;

3. Quando o sistema competitivo desmorona – se é que ele esteve de pé fora dos


manuais – e é substituído por estruturas não-competitivas, o mercado perde o
seu poder auto-regulador e a lei do valor, na perspectiva marxista, deixa de
operar na sua plenitude. Nessa situação, onde as condições endógenas de
reprodução do sistema deixam de existir, torna-se necessária a intervenção do
Estado para garanti-las e impedir sua derrocada;

4. Para Keynes, a entrada em cena do Estado, através da implementação de


políticas indutoras de investimentos e geradoras de renda e emprego,
combinadas com políticas de conteúdo redistributivo, torna-se uma exigência
para evitar que as forças autofágicas e auto-destrutivas do mercado conduzam o
sistema para o colapso. Neste sentido, sua proposta tem por propósito salvar o
capitalismo, dotando o Estado, através da política fiscal, de capacidade para
desempenhar esse papel. Na sua caixa de ferramentas voltada para essa
finalidade, ganham relevância, assim, as políticas de estabilização e as voltadas
para a redução das desigualdades, incentivando e fortalecendo o Estado do
bem-estar;

5. Na visão marxista, a lei do valor, ao deixar de operar na sua plenitude, impede


o mercado também de auto-regular os conflitos e de garantir as condições de
reprodução do sistema, o que leva o Estado a assumir e desempenhar as
funções de acumulação e legitimação para garantir essa reprodução. Com
isso, e como não é mais o mercado que garante essas condições, que são
transferidas para dentro do aparelho estatal, politizando a economia, surge uma
disputa entre as diversas frações do capital para deter a hegemonia política no
comando das ações do Estado e para assegurar o seu controle;

6. A crise das idéias keynesianas na década de 70, provocadas pela sua


incapacidade de dar respostas ao fenômeno da estagflação, associada às
dificuldades financeiras do Estado do bem-estar, bem como as evidências
conflitantes, na perspectiva marxista, de que as funções de acumulação e
legitimação desempenhadas pelo Estado, colocavam em risco a reprodução do
sistema, desencadearam um contra-ataque do pensamento neoliberal, que
passou a atribuir ao Estado a responsabilidade pelos desequilíbrios do sistema e
a sugerir, como saída para a crise, o esvaziamento de suas funções. O sucesso
alcançado pela intervenção estatal no pós-guerra, garantindo maior estabilidade
para o sistema capitalista, fortaleceu a confiança da burguesia em si mesma,
levando-a, novamente, a pretender caminhar com os próprios pés, dispensando
sua tutela;

7. Os resultados colhidos com as propostas de “encolhimento” do Estado, nas


décadas de 1980 e 1990, levaram o pensamento dominante a recuar de sua
posição radicalmente anti-Estado e à sua revisão: já que é ele necessário para
garantir a reprodução do sistema, à medida que o mercado não dispõe de
mecanismo para tanto, deve-se procurar reciclar e regular suas instituições,
capacitando-o a melhor desempenhar suas funções, com maior eficiência e a
um custo mais baixo para a sociedade e o capital. Contidas nas teorias “neo-
institucionalista” e na “Nova Economia Política”, desdobramentos da Public
choice, são as idéias que, na atualidade, dão respaldo teórico às propostas do
Estado gerencial, que opera com eficiência. Uma espécie de reconhecimento de
que “ruim com o Estado, pior sem ele”.

Desse relato fica evidente que: a) o papel desempenhado pelo Estado capitalista
tem uma determinação histórica, que só pode ser entendido no contexto das necessidades e
crises do sistema e das condições exigidas para sua reprodução; b) nos momentos em que o
mercado mostrou-se incapaz de garantir, endogenamente, essas condições, o Estado foi
convocado para desempenhá-las, politizando a economia, ao trazer para o seu seio a
regulação dos conflitos entre as classes e suas frações; c) o aumento crescente de seu papel
na economia, como resultado desse processo, terminou conduzindo-o a um forte
desequilíbrio financeiro, que passou a ser identificado como a causa primária da crise do
sistema, cuja remoção se torna indispensável, na visão neoliberal, para restaurar as suas
forças e recuperar sua eficiência. A implementação de suas propostas nessa direção
mostrou-se, contudo, contrárias aos seus propósitos, exigindo a reintrodução, sob outra
forma, do Estado no sistema.

Embora difiram no tocante à funcionalidade do Estado para o sistema capitalista, as


escolas neoclássica e neoliberal, aí incluída a corrente dos rent seeking, consideram o
Estado como um agente que responde, passivamente, às demandas que lhe são
encaminhadas pelos indivíduos e, o que é pior, incapaz de fazer sua filtragem de acordo
com o seu conteúdo e resultados para o bem-estar coletivo. Neste sentido, é um Estado
que, sem vida própria, torna-se presa fácil de interesses particulares – não de classes –
destituídos de compromissos com a coletividade, mas que conseguem, através de vários
expedientes, estratagemas e alianças, influenciar e determinar suas linhas de ação e o
objetivo de seus gastos. Se assim fosse, não restam dúvidas de que o mercado seria, do
ponto de vista da eficiência, superior ao Estado. Mas a tese – nunca comprovada – de que
as preferências individuais, expressas nessas demandas, podem ser agregadas para
determinar a oferta de bens e serviços pelo Estado, torna essas posições insustentáveis
teoricamente. As teorias neo-institucionalista e a Nova Economia Política procuram
flexibilizar essas posições sobre o Estado e mercado, mas não vão além, em sua essência,
dessa tentativa de acomodação “controlada” do primeiro no sistema.

O que parece mais problemático naquela teoria (a dos rent seeking) é a sua
obsessão em opor Estado e capital, em considerá-los pólos opostos, antinômicos, e
compará-los do ponto de vista da eficiência, quando, na verdade, constituem partes
integrantes do mesmo sistema, cabendo ao primeiro o papel de criar as condições
necessárias para a reprodução do sistema. O que torna a questão da eficiência irrelevante
para o processo, uma vez que, em alguns momentos, essa talvez tenha de ser “sacrificada”
para que o capitalismo triunfe enquanto modo de produção.

Nessa perspectiva, tanto na visão de Keynes como na marxista, o Estado aparece


como vital para assegurar a reprodução do sistema. Na de Keynes, que não opera com o
conceito de classes sociais, o cumprimento, pelo Estado, das funções alocativa, distributiva
e estabilizadora, é indispensável para amortecer as flutuações cíclicas do sistema e garantir
sua reprodução. Na marxista, a necessidade de o Estado atuar como agente da acumulação
e da legitimação desvela a sua essência, a simbiose que estabelece com o capital, a sua
construção – e transformações em sua ossatura material e em suas formas de intervenção -,
de acordo com as exigências políticas e/ou econômicas surgidas nas diversas fases/etapas
de desenvolvimento do capitalismo.

Não se trata, aqui, de um Estado que responde passivamente às demandas dos


cidadãos/indivíduos, mas um Estado com vida própria e autonomia – relativa, para não
se descolar dos interesses do capital – que atua exatamente para garantir as condições de
reprodução do capital. Isso não significa a existência de relações harmônicas entre o
capital e o Estado, porque o primeiro quer desfrutar de liberdade que o segundo cerceia,
mas… para o seu próprio bem! As relações entre Estado e capital são, assim, de
permanente tensão, mas a verdade – e o relato anterior sobre a trajetória do capitalismo
confirma isso – é que sempre que o mercado julgou-se capaz de prescindir do Estado, a
reprodução do sistema correu riscos, seja por problemas de governabilidade ou de
insuficiência do processo de acumulação. É essa permanente tensão que explica a
alternância de fases de liberdade econômica, quando o capital busca se desprender do
Estado, com fases de forte regulação, tornada necessária para seu funcionamento e sua
continuidade.

A maior insatisfação que existe em relação à visão marxista do Estado, que mostra
claramente os limites que a propriedade privada dos meios de produção coloca para a
melhor alocação de recursos pela sociedade, é a ausência de espaços para o processo
democrático influenciar nesse processo (ver, para essa crítica, Przeworski, 1995). Mas
essa não parece uma crítica relevante. Porque, sempre que pressionado – e as conquistas da
sociedade na construção de um capitalismo mais democrático não podem ser ignoradas – o
sistema acabou por acomodar as demandas da sociedade, legitimando-as, sem colocar em
risco seus alicerces.

Pode ser que o atual enfraquecimento do Estado, devido à crise financeira em que
se encontra mergulhado e à sua crescente incapacidade de continuar provendo bens
públicos essenciais à sociedade, mesmo dela extraindo níveis elevados de receitas, por
meio da tributação, conduza à consolidação de novas formas de sua atuação ou até mesmo
à sua substituição por outros meios alternativos de organização da sociedade e de
relacionamento com o capital. Se isso ocorrer – e só a história o dirá – as novas estruturas
que surgirem terão de acomodar essas novas situações. Ou o capital já não mais será o
mesmo sem o Estado.

5. O ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA4

O Estado brasileiro não percorreu os mesmos caminhos de seus antecedentes na Europa e


nos EUA. Descoberto por Portugal em 1500, o Brasil, enquanto colônia até 1822, não
passava de mera extensão – e propriedade – da metrópole. Com a independência alcançada
em 1822, sem ruptura, inaugurou um período de transição de sua economia, regido por
herdeiros da ex-metrópole, permanecendo praticamente sob seu controle e sem conseguir
4
Não se pretende, aqui, reconstituir, com detalhes, as várias etapas de formação do Estado brasileiro.
Vários autores, como Draibe (1985), Prado (1985) e Martins (1985), entre outros, realizaram, com
competência e clareza, essa análise. Nosso propósito visa apenas resgatar, nessa evolução, os elementos
dessa trajetória que se enquadram nas teorias discutidas nas seções anteriores que influenciaram sua
conformação, tamanho e papéis, refletidos nas suas estruturas de financiamento e de gastos.
desmontar o instituto da escravidão, o que só ocorreria em 1888 e, portanto, sem criar as
condições para o avanço e fortalecimento da sociedade civil, indispensável para o exercício
do poder do Estado, entendido em seu sentido mais amplo.

Com a instalação da República em 1889 e a promulgação da Constituição de 1891


é que se pode demarcar, mais claramente, o início da construção do Estado no país. Trata-
se de um Estado, contudo, no início de sua formação, presa das oligarquias e de interesses
regionais, destituído de ossatura material, institucional, econômica e social, incapaz,
portanto, de implementar políticas de âmbito nacional e de funcionar como um Estado
moderno, capitalista, entendido, na análise de Weffort como “... um órgão (político) que
tende a afastar-se dos interesses imediatos e a sobrepor-se ao conjunto da sociedade como
soberano.” Weffort, apud Draibe, 1985:22).

De acordo com essa perspectiva, segundo Draibe (1985:60) somente com a


“Revolução de 30 [é que seria inaugurada] a etapa decisiva do processo de constituição do
Estado brasileiro. A quebra das ‘autonomias’ estaduais que amparava os ‘pólos
oligárquicos’ resultou numa crescente centralização do poder: concentraram-se
progressivamente no Executivo Federal os comandos da política econômica e social, bem
como a disposição sobre os meios repressivos e executivos. O Estado seguirá federativo na
sua forma, mas os núcleos de poder local e regional serão subordinados cada vez mais ao
centro onde se gestam as decisões cruciais. Este momento de centralização e concentração
do poder, sob os múltiplos aspectos em que se expressou, conduzirá o Estado brasileiro a
uma forma mais avançada de Estado nacional, capitalista e burguês”.

Com base na análise anteriormente desenvolvida sobre a evolução do Estado na


economia e no pensamento econômico, e da trajetória por este percorrida no Brasil, é
possível fazer uma periodização visando situar o seu envolvimento na economia brasileira,
a partir da instauração da República, no país, até os dias atuais. São três os períodos que
podem ser destacados:

a) o que se estende até o início da década de 1930, revela um Estado frágil institucional,
econômica e financeiramente, destituído de condições de implementar políticas de
âmbito nacional.

No campo econômico, e de acordo com os números relativos à sua participação na


geração de renda na economia, apresenta as características de um Estado de cunho liberal,
marcado pela política do laissez faire. Acompanhando as tendências mundiais, restringem-
se suas atividades, até mesmo pelas suas limitações financeiras, a episódicas e localizadas
incursões nas atividades econômicas do país. Sua participação na economia circunscreve-
se, de um lado, à sua atuação no campo financeiro, através do Banco do Brasil e de
algumas caixas econômicas e, de outro, ao fornecimento de garantias de rentabilidade
mínima para que companhias estrangeiras realizem investimentos em infra-estrutura no
País, notadamente no setor de ferrovias.

Do ponto de vista da política econômica, contudo, sob o controle das oligarquias


regionais mais poderosas, instaladas nos estados de São Paulo, Minas Gerais e, com menor
intensidade, no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, é um Estado com forte poder
regulatório, que intervém expressivamente na atividade econômica, principalmente através
da adoção de medidas protecionistas voltadas para defender os níveis de produção e de
renda dessas mesmas oligarquias, ou seja, do setor hegemônico da economia - o cafeeiro.
Liberal na aparência e intervencionista na prática, o Estado brasileiro, desse
período, não precisa contar com volumes significativos de recursos para o desempenho de
suas funções e se vale, como principais instrumentos de captação de suas receitas, dos
impostos incidentes sobre o comércio exterior, notadamente o de Importação, de
competência da União, e o de Exportação, cujos recursos eram destinados para os estados
da federação. Até 1930, como se pode confirmar na Tabela 1.2., a relação Despesas
Governamentais/PIB, aí incluídas as relativas aos estados e municípios, raramente
superaria a casa dos 15%;

b) o que se inicia nos anos 30 e se prolonga até início dos anos 80, um Estado que deu
início, avançou e consolidou suas bases materiais e institucionais, libertando-se dos
interesses oligárquicos imediatos e colocando-se em condições de atuar como um
Estado moderno, capitalista e de implementar políticas de âmbito nacional. Neste
período é um Estado que se caracteriza por um forte envolvimento, intervencionismo e
regulação em vários campos da vida econômica e social – educacional, trabalhista,
previdenciário etc. No campo econômico, antecede, com essa atuação, já nos anos 30,
as formulações keynesianas a respeito do novo papel que este deveria cumprir diante
das dificuldades postas pela crise mundial deflagrada em 1929, ao mesmo tempo que
se coloca como precursor das idéias cepalinas sobre a sua importância para o processo
de desenvolvimento das economias atrasadas.5

As características e o ímpeto revelados na sua forma de intervenção colocam-no na


condição de Estado desenvolvimentista, na perspectiva teórica da CEPAL, ao atuar como
elemento estruturante do processo, comandante do processo de acumulação e formulador e
executor das políticas necessárias para a indispensável industrialização, que se acreditava
capaz de liquidar a pobreza e a miséria existentes no País. Na perspectiva marxista,
representa o período em que a prioridade do Estado é conferida à função acumulação,
visando avançar na constituição das forças produtivas especificamente capitalistas, embora
pelos conflitos e desigualdades que este processo engendra, alguma atenção comece
também a ser dada à função legitimação, mas longe de representar compromisso com a
criação e consolidação de um welfare-state.

Para tanto, chama para si a responsabilidade de investir, na condição de Estado-


empresário, nos setores considerados estratégicos para a industrialização - energia,
mineração, aciarias etc. - e, através do manejo das políticas fiscal, cambial e monetário-
creditícia de orientar os investimentos privados para os setores considerados cruciais para
o processo. Com isso, o País vê deslanchar o seu processo de industrialização, mas
apresentando características, entretanto, completamente distintas das observadas no mundo
desenvolvido e sem que se resolvessem os problemas do atraso e da miséria (Cardoso de
Mello, 1977). Do ponto de vista de sua capacidade de alargamento das bases do
capitalismo no País e do quadro instrumental com que contava para o desempenho dessa
tarefa, o Estado desenvolvimentista conhece dois momentos distintos.

Um, que se estende dos anos 30 até 1964, quando ancorado em bases fiscais e
financeiras frágeis e respaldado por um pacto político - a base do "Estado de
Compromisso" - que he impedia a realização de reformas instrumentais - tributária,
financeira etc. - indispensáveis para o cumprimento de seu novo papel, o Estado se vê
compelido a lançar mão da empresa pública como instrumento de financiamento, através
5
Uma brilhante análise deste processo é realizada por Draibe (1985).
da contratação de recursos externos, e da criação de inúmeros fundos fiscais vinculados
para assegurar recursos de investimentos para os setores nascentes. De fato, como se pode
observar na Tabela 1.2., apesar do maior esforço de investimentos que passou a ser exigido
do Estado, os gastos governamentais da administração direta situaram-se, até o ano de
1964, em torno de modestos 15% do PIB.

Outro, que se inicia em 1964, é marcado pelas profundas reformas realizadas no


quadro instrumental do Estado, pelo governo autoritário que assume o poder. As reformas
tributária, financeira, previdenciária, administrativa etc. revitalizam as bases de
financiamento do Estado, removendo os obstáculos inibidores de um novo ciclo de
crescimento, e inauguram uma nova era - que se revelará efêmera - de considerável
expansão da economia, tendo como seu principal condutor o Estado desenvolvimentista
com suas bases fiscais e financeiras fortalecidas. Só para se ter uma idéia deste
fortalecimento, basta constatar, ainda na Tabela 1.2., que os gastos públicos saltam de algo
em torno de 15% do PIB em 1965 para cerca de 25% em 1975. O envolvimento do Estado
no processo se dá com tamanha intensidade, entretanto, que em pouco tempo ele se vê
mergulhado numa profunda crise fiscal, que, ao mesmo tempo em que mina as suas bases,
representa também um reflexo da crise do Estado desenvolvimentista;

c) o que tem início, nos anos 80, revela um Estado em crise, mergulhado numa profunda
crise fiscal, dardejado pelo surgimento das idéias neoliberais, questionado em sua
dimensão e eficiência pelas mesmas elites que o mantiveram prisioneiro de seus
interesses, enquanto vigorou o pacto que deu sustentação ao desenvolvimentismo, e
incapaz, na ausência de novos consensos em torno de seu novo papel, de desenhar uma
nova trajetória para a economia e a sociedade, amortecendo os antagonismos e
conciliando os interesses do capital e do trabalho.

Em resposta a essa situação, o Estado que começou a ser construído neste período,
no Brasil, seguiu as recomendações preconizadas pela doutrina neoliberal,
consubstanciadas nos postulados do Consenso de Washington, representando uma ruptura
com o Estado de vertente keynesiana/cepalina. Ao contrário do Estado que atuou, nas
etapas anteriores do desenvolvimento do País, como condutor, organizador e agente
estruturante deste processo, com forte atuação na constituição de suas bases, por meio das
empresas estatais, dos investimentos públicos e da implementação de políticas voltadas
para estimular o investimento privado, o modelo de Estado que surgiu deste novo
paradigma passou a assentar-se no compromisso de ampliação dos espaços para garantir a
soberania do mercado.

Tudo isso significa, em poucas palavras, promover reformas tanto para sua retirada
da vida econômica como para remover obstáculos que se opõem ou limitam a ação do
capital privado, sobretudo o internacional, na busca de maior eficiência, casos da elevada
carga tributária e de sua incidência sobre a produção, os investimentos e a as exportações,
da forte regulamentação dos mercados, em geral, e, inter alia, do baixo grau de abertura da
economia.

Nessa visão, em que não há mais lugar para o Estado intervencionista nos campos
econômico e social, a este se recomenda libertar da herança keynesiana/cepalina para
libertar o capital do fardo, do ônus que suas políticas impõem e representam para o
crescimento e a estabilidade da economia, reduzindo o seu tamanho e reformando suas
instituições para gerir, com responsabilidade, suas finanças, visando não perder
credibilidade, tendo como prioridade a garantia de pagamento, aos seus credores, da dívida
pública e de seus encargos. Mesmo que, para isso, tenha de comprometer, na perspectiva
marxista, o seu papel como agente de legitimação.

É este novo Estado, modificado em sua ossatura material, em suas instituições e em


seus objetivos-alvos, que, aderindo ao ideário dessa doutrina, os governos Collor (1990-
1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) dariam início tanto à construção como
ao fortalecimento de suas bases, com a adoção de políticas de abertura comercial e
financeira, de desregulamentação da economia e de desmonte do setor público e das
políticas sociais, de um modo geral, privatizando empresas estatais e
promovendo/reduzindo o compromisso do Estado com compromissos com a oferta de
políticas públicas, em prol das forças de mercado, ao mesmo tempo em que encaminharam
uma série de reformas para realizar seu ajustamento financeiro e assegurar uma gestão
responsável de suas finanças, traduzida em equilíbrio fiscal e garantia de sustentabilidade e
pagamento da dívida pública e de seus encargos.

Ironicamente, para garantir o pagamento dessa dívida, foi nesses governos que a
carga tributária conheceu crescimento inédito, ultrapassando a casa dos 35% do PIB – uma
receita produzida por uma estrutura totalmente descomprometida com os princípios da
tributação, como os da competitividade, da neutralidade e da equidade. Seduzidos pela
nova doutrina dominante, empenharam-se, na realidade, em ajustá-lo às exigências do
processo de globalização, não medindo esforços para retirar do Estado o seu papel como
agente de “legitimação”, circunscrevendo-o ao de “acumulação”, apesar das implicações
que isso possa representar para o sistema.6

Com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o comando do país em
2002, essa política não somente foi mantida como aprofundada, apesar do discurso em
contrário, dando-se prosseguimento à desmontagem de suas bases materiais e financeiras
como agente responsável pela implementação de políticas essenciais para o
desenvolvimento e para o bem-estar social. A remodelagem (ou “reinvenção”) de seu
aparelho, em nome da eficiência e eficácia, bem como a limitação de seu papel como
agente “regulador”, reflete as exigências colocadas pelo capital, nestes tempos de
globalização, em que o afastamento do Estado dessas atividades é por ele considerado
essencial para garantir seu “curso natural”, sem o ônus representado pela necessidade de
manter o apoio e coesão das classes dominadas, por meio de políticas redistributivas.
Tema, cuja discussão é retomada nos capítulos seguintes.

6
Essas questões são retomadas e discutidas com maior profundidade nos próximos capítulos.
Tabela 1.2.
A Evolução do Estado na economia brasileira na República
1889-2006

Períodos Características
 reduzida participação nas atividades
produtivas;
1ª República  manejo da política econômica,
Estado liberal e economia agroexportadora principalmente da política cambial, para
(1889-1930) defender os interesses do setor hegemônico,
o cafeeiro;
 carga tributária e gastos públicos entre 10%
e 15% do PIB
 Avanço e consolidação de suas bases
materiais e institucionais;
 Forte intervencionismo na vida econômica e
social;
Estado Desenvolvimentista e Industrialização  Carga tributária e gastos orçamentários ainda
1ª fase: 1930-1964 reduzidos (entre 15% e 20% do PIB) devido
à estreiteza das bases de tributação e dos
compromissos políticos (“Estado de
compromisso”);
 Mecanismos complementares de
financiamento: empresas públicas, fundos
vinculados, déficits e dívida
 Reformas do quadro instrumental e
institucional (tributária, administrativa,
Estado Desenvolvimentista, Autoritarismo e financeira etc.) para aumentar eficiência e
Redemocratização capacidade de financiamento;
2ª fase: 1964-1988  Forte intervencionismo na economia, com
ampliação das empresas estatais;
 Elevação da carga tributária e dos gastos
orçamentários para 25% do PIB
 Crise fiscal;
 Predomínio das idéias neoliberais;
 Retirada da atividade econômica, com
privatização de estatais, desregulamentação e
Globalização, Neoliberalismo e Crise Fiscal: desmonte de políticas sociais e regionais;
1988-(...)  Reformas das instituições, ajustes e
compromissos com a política de
sustentabilidade da dívida;
 Elevação da carga tributária para promover o
ajuste fiscal, que ultrapassa a casa dos 35%
do PIB;
 Aumento dos gastos com o pagamento dos
juros da dívida, para evitar seu descontrole
BIBLIOGRAFIA

1. Affonso, Rui de Brito Álvares (2003). O federalismo e as teorias hegemônicas da


Economia do Setor Público na segunda metade do século XX: um balanço crítico.
Campinas, IE/Unicamp (Tese de doutoramento);
2. Barber, W. J. (1971). Uma história do pensamento econômico. Rio de janeiro, Zahar;
3. Buchanan, J.M. (1979). Politics withouth Romance: a Sketh of Positiv Public Choice
Theory and its Normative Implications. Viena, Áustria, HIS-Journal 3 (1979):B1-11.
4. Carvalho, F.J.C. (2001). Economia monetária e financeira: teoria e prática. Rio de
Janeiro, Campus;
5. Cardoso de Mello, J.M. (1998). Capitalismo Tardio. Contribuição à Revisão Crítica
da Formação e do Desenvolvimento da Economia Brasileira. 10a. edição. Campinas,
SP: Unicamp/IE (30 anos de Economia, UNICAMP, 4).
6. Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL (1951). Economic survey of
Latin America – 1949. New York: United Nations Publications;
7. Van Creveld, Martins ((2004). Ascensão e declínio do Estado. São Paulo, Martins
Fontes – (Justiça e Direito);
8. Denis, Henri (1974). História do Pensamento Econômico. 2a. edição. Lisboa, Livros
Horizonte;
9. Dornbusch, R. & Fischer, S. Macroeconomia. 2ª edição. São Paulo: McGraw-Hill
do Brasil, 1982;
10. Draibe, S. (1985). Rumos e Metamorfoses: Estado e Industrialização no Brasil –
1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra;
11. Deyon, Pierre (1973). O Mercantilismo. São Paulo, Editora Perspectiva;
12. Faoro, Raymundo (2000). Os donos do poder; formação do patronato político
brasileiro. 10ª edição. – São Paulo; Globo; Publifolha – (Grandes nomes do
pensamento brasileiro).
13. Goldsmith, R. W. (1985). Brasil 1850-1984. Desenvolvimento Financeiro sob um
Século de Inflação. São Paulo, Ed. Harper & Row do Brasil Ltda.
14. Hartle, D.G. (1983). The Theory of “Rent Seeking”: some Reflections. Canadá,
Canadian Journal of Economics/Revue Canadiene d”Economique, XVI, no. 4,
november.
15. Hirsch, J. (1977). “Observações Teóricas sobre o Estado Burguês e sua Crise.” In:
Poulantzas, N. (org.). O Estado em Crise. Rio de Janeiro: Edições Graal.
16. Martins, L. (1985). Estado Capitalista e Burocracia no Brasil Pós 64. Rio de
Janeiro:Paz e Terra;
17. Mathias, Gilberto & Salama, Pierre (1983). O Estado Superdesenvolvido. São Paulo,
Editora Brasiliense;
18. Mattos, Paulo etc. al. (organizadores). “Introdução”. In: Mattos, Paulo et. al.
(organizadores). Regulação Econômica e Democracia.: o debate Norte-americano.
São Paulo, Editora 34, 2004;
19. Monteiro, J.V. (1990). Macroeconomia do Crescimento do Governo. Rio de Janeiro:
PNPE/IPEA.
20. Musgrave, R. & Musgrave, P. (1980). Finanças Públicas: teoria e prática. Rio de
Janeiro: Campus; São Paulo: Editora Universidade de São Paulo.
21. O’Connor, J. (1977). USA: A Crise do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra;
22. Osdchaya, Irina (1974). De Keynes à Síntese Neoclássica – uma análise crítica.
Lisboa, Prelo, 1974;
23. Prado, Sérgio (1985). Descentralização do Aparelho do Estado e Empresas Estatais:
um estudo sobre o setor público descentralizado. Campinas, IE/Unicamp (Dissertação
de Mestrado;
24. Peltzman, Sam. “Towards a More General Theory of Regulation.” In: Journal of
Law Economics, vol, 19 , agosto de 1976, pp-211-40;
25. Peltzman, Sam. “A teoria da regulação econômica depois de uma década de
regulação”. In: Mattos, Paulo et. al. (organizadores). Regulação Econômica e
Democracia.: o debate Norte-americano. São Paulo, Editora 34, 2004;
26. Posner, Richard A. “Teorias da regulação econômica.”. In: Mattos, Paulo et. al.
(organizadores). Regulação Econômica e Democracia.: o debate Norte-americano.
São Paulo, Editora 34, 2004;
27. Przeworski, A. (1995). Estado e Economia no Capitalismo. Rio de Janeiro: Relume-
Damará;
28. Ramalho Jr., Álvaro (2006). Notas sobre o conceito de eficiência na teoria econômica.
Belo Horizonte, mimeo.
29. Rego, José Márcio; Mazzeo, Luzia Maria e Freitas Filho, Edson. “Teorias da
Inflação: uma abordagem introdutória”. In: Rego, J. M. (organizador). Inflação
Inercial, Teorias sobre inflação e o Plano Cruzado. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1986.
30. Stigler, George J. “A teoria da regulação econômica.”. In: Mattos, Paulo et. al.
(organizadores). Regulação Econômica e Democracia.: o debate Norte-americano.
São Paulo, Editora 34, 2004;
31. Soboul, Albert (1981). 3ª edição. História da Revolução Francesa. Rio de Janeiro,
Zahar;

Você também pode gostar