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CAPTIVE —

AMOR DOENTIO
DARK ROMANCE
SILMARA IZIDORO
Copyright © 2022 Silmara Izidoro

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos de imaginação do
autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa: Silmara Izidoro

Revisão: Valeska Ortega

Diagra
mação
Digital:
Autora
Jack A.
F.
Todos
os
direitos
reserva
dos.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de
qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela


lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição
Digital
ǀ
Criado
no
Brasil

Edição
Janeiro de 2022
Depois de longos anos, finalmente eu
estava curado. Os instintos sombrios
descansavam em paz.
Os desejos obscuros adormeciam em
um sono profundo.
Os pensamentos impróprios pareciam
memórias de outra pessoa.

Eu tinha tudo o que um bom homem poderia querer: uma boa


esposa, um bom emprego e um bom motivo para ajudar os
moradores da comunidade que me acolheu.

Minha vida era perfeita aos olhos de


todos, inclusive dos meus.

Até o dia em que meu melhor amigo morreu, vítima de um


trágico fim, e sua única filha apareceu na porta da minha casa à
procura de um novo lar, de uma nova família, de um novo pai.

Ela e seu sorriso tímido, me


implorando para devastá-la. Ela e seu
olhar submisso, me implorando para
degradá-la.
Ela e sua inocência escondida por baixo das blusas largas e
saias compridas, me implorando para corrompê-la.

A jovem Elisa sequer imaginou que, ao tocar a campainha


naquela manhã ensolarada, se tornaria a obsessão do bom homem
que eu me
esforçava para ser, e a doce escuridão que ansiava pela
fuga do seu cativeiro, artificialmente iluminado.

Depois de longos anos,


descobri que nunca estive
doente.

E, finalmente, estava livre


para ser o monstro que
realmente era.
SINOPSE
A HISTÓRIA DO VILÃO PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
EPÍLOGO 1
EPÍLOGO 2 GLOSSÁRIO
CAPTIVE - Amor Doentio

Para deixar Captive como eu queria e a história merecia, abri


mão da preocupação com o leitor e investi em avisos sobre o
conteúdo do livro.
Foram várias postagens nas redes sociais e grupos de leitura, para
que todos os leitores fossem devidamente informados que não é
apenas um Romance Dark, com cenas de violência e putaria.
Carptive é a história do vilão e aqui, temos um vilão com V
maiúsculo.
Este é o último aviso e a sua última chance de desistir.

É pesado. É polêmico
Tem violência (física, psicológica) Tem relacionamento abusivo Tem abuso sexual
Tem traição
Tem muita putari@
Personagens complexos
Comportamentos inadequados Linguajar inapropriado
Cenas narradas detalhadamente
Não recomendado para leitores sensíveis Não recomendado para menores de 18
Pode acionar
gatilhos emocionais

Se um dos tópicos acima te incomoda, NÃO LEIA!

Para você, que se dispôs a ler, espero que tenha uma ótima leitura
e se apaixone por esse livro como eu me apaixonei.

Com carinho,

Silmara Izidoro.
Morada do Sol – Rio Grande do Norte

20 anos antes…

Desliguei o motor da caminhonete velha e relaxei no banco,


com o olhar fixo na luz amarela que escapava pela fresta da porta
entreaberta do chalé caindo aos pedaços, a uns 500 metros à minha
frente.

Havia alguém lá dentro e, infelizmente, eu temia saber quem


era, pois agora meus planos teriam que ser alterados e o simples
pensamento de estragar tudo antes da hora me deixava irritado.

Um homem metódico, esse era eu.

Pulando para fora, me encostei no capô e acendi um cigarro. A


primeira tragada foi longa, representando minha necessidade de
limpar a cabeça para pensar em alternativas, pois ainda tinha muito
a ser feito e eu não estava nem perto de acabar o que havia
começado.
Com os cotovelos apoiados na lataria verde-escura,
inclinei-me para trás de olhos fechados. Precisava de
uma saída e precisava ser rápido, ou todo meu esforço
iria pelo ralo.

Foram 6 meses observando cada passo de Tônia, 2


semanas para me aproximar casualmente sem que
ninguém desconfiasse de nada, e mais 32 dias para
convidá-la para sair, com a certeza de que ela aceitaria o
convite.

Um homem inteligente, esse


era eu.

Depois do nosso primeiro encontro, as coisas


aconteceram como aconteciam com qualquer casal jovem
que se conhecia desde a infância, criado sob o cabresto
retrógado de uma cidade perdida no interior nordestino,
satisfeita por ser um ponto insignificante no mapa,
orgulhosa da miséria em que viviam seus quase 5 mil
habitantes.

Década após década, Morada do Sol foi governada


por quem detinha o maior poder, abrigando a verdadeira
ditadura disfarçada de democracia, reformulando suas
próprias leis, convenientemente machistas, racistas,
impositoras de conceitos morais hipócritas e deveres
cívicos extremamente rígidos, igualmente enganadores.

Na adolescência, à vista de todos, nossos


cumprimentos eram limitados a acenos de cabeça na
entrada da escola, no início da missa e no final da
catequese. Sempre que nos encontrávamos na mercearia
da dona Efigênia, na avícola do senhor Fidalgo, ou
caminhando no mesmo lado da calçada.
Porém, quando não havia ninguém por perto, assim
como quando estávamos cercados por uma multidão,
Tônia me oferecia o que todos os cabras-machos da
região desejavam.

Nem os velhos coronéis que importavam Viagra


para comer prostitutas desdentadas, enquanto suas
esposas vigiavam a vida do pastor, resistiam ao rosto de
anjo colado ao corpo projetado para matar um peão de
tanto foder, e testar a fidelidade dos cabruncos ao doutor
Venceslau Junqueira, pai de Tônia, prefeito da cidade e
um dos homens mais poderosos do estado.

Um olhar roubado, um sorriso maroto, ou uma


mordidinha no lábio seguida do típico rubor nas
bochechas, insinuando sua timidez, que os bilhetinhos
trocados em absoluto segredo, trazendo perguntas
inapropriadas e insinuações de cunho sexual,
comprovavam que a menina de ouro de Morada do Sol,
não era tão tímida, muito menos inocente.

Tônia ansiava por uma


oportunidade de ser
corrompida. E eu, pelo
momento certo de
corrompê-la.
A adolescente rica de pensamentos impuros sabia
muito bem o que queria de mim, entretanto sequer
imaginava o que eu queria dela.

Não foi fácil fazer com mulheres que nunca vi na


vida o que eu sonhava fazer com Tônia, mas aprendi,
ainda menino e na base de muita porrada, que nenhum
soldado executa uma missão de forma impecável, sem
treinamento árduo, disciplina e comprometimento.

Todas as outras mulheres serviram para o meu


aperfeiçoamento e foram muitas, mas nenhuma como ela.

Um homem paciente, esse


era eu.

Apenas quando voltei para casa depois de passar


uma temporada em São Paulo, com um diploma
falsificado embaixo do braço e uma pinta de burguês nas
roupas compradas em brechós, pude colocar em prática
tudo que havia planejado. Era hora de dar a Tônia o que
ela sempre desejou.

Um homem dedicado, esse


era eu.
Dei a última tragada e soltei a fumaça pelo nariz,
antes de jogar a bituca no chão, pegar minha caixa de
ferramentas na caminhonete e seguir a pé pela estrada de
terra em direção ao chalé.

Tônia era apenas minha e eu jamais a dividiria com


ninguém, mas ofereceria Benedita, sua prima, para
manter meu melhor amigo de boca fechada.

O desaparecimento da menina de ouro estava


causando grande comoção em todo o estado. Ainda que a
maioria das mulheres de Morada do Sol, se reunisse
todas as manhãs na frente da igreja para a corrente de
oração que aumentava diariamente, chegando a dar a
volta no quarteirão, unida em uma fé fervorosa, para que
o pedaço de carne suculento servido pelo próprio
demônio para arruinar matrimônios sólidos, levar
esposas fiéis ao suicídio e humilhar publicamente
maridos traidores, enfeitiçados pelo símbolo da maldade
acolhido no ápice de suas coxas grossas, jamais fosse
encontrado.
Com vida.

Por outro lado, o senhor prefeito mobilizou um


pequeno exército para descobrir o paradeiro de Tônia,
além de oferecer metade do seu patrimônio para o
primeiro que trouxesse sua princesinha de volta ao
aconchego de suas asas protetoras.

O pior cego é aquele que


não quer ver.

Enquanto isso, eu continuava encenando meu papel


de noivo traído, abandonado pela mulher promíscua,
semanas antes da cerimônia de enlace mais aguardada
da história de Morada do Sol, desfilando meu belo par de
chifres fictício pela cidade durante o dia, para não
levantar suspeitas do que eu vinha fazendo com Tônia
nas últimas 14 noites.

Duas semanas com seu


corpo ao meu dispor, e eu
queria mais. Um homem
insaciável, esse era eu.
Próximo ao alpendre de madeira, tirei a chave de
fenda da caixa e fiz um rasgo nos quatro pneus do jipe de
João Camargo, estacionado na entrada do chalé.

Tinha para mim que ele aceitaria a proposta, mas


como o homem precavido que era não me arriscaria,
caso meu melhor amigo quisesse bancar o herói e
resolvesse me entregar para a polícia.

Meus passos eram firmes, porém silenciosos, por


isso JC não me ouviu entrar e me deu sua resposta sem
que eu tivesse que perguntar.
— Daniel fez isso com você? — perguntou, sua voz
alterada vindo do quarto maior, onde eu havia deixado
minha noiva. — Balança a cabeça, mexe os olhos. Faz
alguma coisa, Tônia! Eu preciso saber pra avisar seu
pai!

O desgraçado me
denunciaria, se eu não o
impedisse.

Com cuidado, depositei a caixa de ferro em cima da


mesa capenga e guardei as chaves que JC procurava no
bolso traseiro da calça. Enrolei um metro de corda na
mão esquerda e peguei o podão, meu facão de aço
carbono próprio para cortar cana, com a direita.

— Vou tirar você daqui e avisar o prefeito que


Daniel é o culpado! — esbravejou, com o sotaque sulista
forçado, que ele adorava exibir para se
gabar de ter se formado em Direito na Universidade
Federal de Santa Maria, onde seu pai morava com a
nova família.

Mal JC sabia que Narcisa, sua adorável mãe, se


consolou no meu pau alguns meses depois que o marido
a abandonou.

A mulher de 45 anos que eu chamava de “tia”


quando era mais novo, não podia me ver que já queria
abrir as pernas e, apesar de não ser bonita, tinha a
boceta apertadinha e mais disposição para cavalgar que
a esposa do pastor, de 22, e a enteada do meu tio, que
esfolou a boceta na minha cara, um dia antes de
completar 17, alegando que o aniversário era dela, mas o
presente era meu.

Se dependesse do meu interesse, não teria trepado


com aquelas mulheres, entretanto, dispensar uma
vagabunda casada ou uma putinha menor de idade, sem
dúvida, não fazia parte da minha cartilha destorcida.

Sem contar que elas encontraram exatamente o que


estavam procurando quando vieram atrás de mim, e
sabiam melhor do que ninguém que se dessem com a
língua nos dentes sobre as tantas vezes que sentaram no
meu pau, seriam as maiores, para não dizer as únicas,
prejudicadas.

A verdade é que ninguém em Morada do Sol se


atreveria a admitir que, em plena virada do século, o
coronelismo seguia imperando com a mesma força que
imperava na época dos primeiros capitães donatários, e
a importância das mulheres naquela sociedade
opressora, ainda se resumia às mesmas funções
específicas da pré-história: servir seus machos e
reproduzir.
Não pretendia contar para JC que sua mãezinha era
uma safada de primeira linha que me ligava de
madrugada implorando para ser fodida na caçamba da
minha caminhonete, e chorava como uma bebezinha
sempre que gozava, principalmente na frente da Tônia,
mas àquela altura, era perda de tempo tentar acalmar a
besta enfuriada que ele mesmo provocou.

João Camargo não sabia da missa um terço, não


conhecia Tônia como eu, não me conhecia como ela e
jamais entenderia o tipo de amor que sentíamos um pelo
outro.

Ele se meteu onde não deveria ter se metido, agora


pagaria o preço por querer me trair.

Sua voz ficava mais alta conforme eu me


aproximava do quarto com extremo cuidado para não
fazer barulho.
— Onde ele guardou as chaves? — JC vociferou,
em meio aos estrondos das gavetas da cômoda abrindo e
fechando.

Os olhos de Tônia brilharam de desejo assim que me


viu encostado com o ombro no batente da porta e os
braços para trás.

Por um breve instante, esqueci o quanto queria


machucar meu melhor amigo, para me perder em sua
beleza.

Ela estava ainda mais apetitosa usando a coleira de


spikes, o corpete de couro, que não passava de faixas
pretas envolvendo seu corpo nu, suspenso, pendurado no
gancho metálico chumbado no teto, pelas pulseiras de
aço travadas em seus pulsos, que só seriam abertas com
as chaves que estavam no meu bolso.

As mesmas que também abriam o cadeado da


mordaça de tecido sintético que impedia minha noiva de
falar e, para o azar de JC, as que ele procurava
desesperadamente.

Graças à sua resolução em libertar Tônia, meu


melhor amigo não notou minha chegada, nem minha
aproximação por trás, o que facilitou o golpe certeiro da
lâmina do meu podão no meio das suas costas.

João Camargo caiu aos meus pés, inconsciente e


ensanguentado, sem a menor ideia do que o atingiu, me
dando tempo de sobra para amarrá-lo nas estacas de
eucalipto de 2 metros de altura e 25 centímetros de
diâmetro, que eu havia cravado na direção da janela,
pelo lado de fora do chalé, a pedido da minha noiva.
A fileira amadeirada parecia a acomodação perfeita
para o meu convidado testemunhar a beleza do meu amor
e provar a fúria do meu ódio, como o verdadeiro Judas
que era, logo que acordasse do seu sono de beleza.

Só assim, JC atestaria que um homem como ele


sempre poderia ter o controle sobre seu corpo, mas
somente um homem como eu poderia controlar sua
mente.

Eu tinha o poder, conhecia meus demônios,


identificava a chegada deles e sabia quais os meios de
neutralizá-los, mas em algum momento de distração,
permiti que a vaidade, a lascívia e a escuridão, que
reinavam absolutas em minha alma, se libertassem,
abrindo passagem para a serva do mal, há tempos
mantida sob custódia, realizar seus desejos mais
hediondos.
Por horas, ela aproveitou cada milésimo de segundo
de sua liberdade, se alimentando da dor, deportando o
pudor, estuprando a empatia, torturando a camaradagem
e, depois de transformar o pequeno cômodo em uma
réplica miniatura de Auschwitz, vomitou na cara da
dignidade.

Não era para acabar daquele jeito, pois além de ter


sido a última vez que Tônia sorriu e disse que me amava,
aconteceu o que meu pai jurou, deitado na cova que
cavei para ele no quintal de casa, enquanto mijava no
último punhado de terra que joguei sobre o velho, que
nunca aconteceria.

Naquela décima quarta noite, eu deixei de ser


Daniel Bonavides e me tornei Dante Boaventura.

Um bom homem.
Riacho Verde – São Paulo
Dias atuais…

Acordo num sobressalto, sentando-me na cama,


ofegante, assustado, com o corpo encharcado de suor. Em
meio à penumbra do quarto, viro a cabeça de um lado
para o outro, confuso, perdido em algum ponto entre o
passado e o presente, mas é a respiração de Laura que me
dá a certeza de que foi apenas um pesadelo e estou em
casa.

Seguro.

— Querido? —
murmura minha
esposa, sonolenta.

— Pode dormir. Eu só preciso de um copo d’água.


— falo baixo, acariciando sua mão com a minha.

— Tem certeza
que está bem?
— Tenho, claro.

— Não demora.

— Não vou.

— Promete?

— Prometo.

Deposito um beijo rápido em seu cabelo para que


não faça mais perguntas e desço da cama. Cambaleante,
tenho que parar, apoiar a mão na parede e respirar fundo,
antes de alcançar a porta e sair do quarto.

— Merda! —
balbucio,
encostado na
parede do
corredor.

Caminho devagar até o topo da escada, sentindo meu


coração pulsar na garanta, forte, inquieto.

— Maldito seja — murmuro, descendo os degraus


com cuidado para não despencar.

Passo pela sala de estar e acendo a luz logo quando


chego à cozinha, um pouco mais calmo. Pego a jarra de
água com os olhos cravados na garrafa de vinho que
Laura abriu na noite anterior, antes do jantar.

— Não. Nada de álcool — repreendo meu


subconsciente, desesperado para aplacar o turbilhão de
emoções que me esfola em carne viva, graças às
recordações que voltaram a me atormentar nas últimas
semanas, no único momento em que me encontraram
vulnerável, incapaz de bloqueá-las.

Apoio uma mão na bancada de mármore, jogando a


cabeça para trás com os olhos bem fechados, enquanto
bebo longos goles de água no gargalo, esperançoso de
que o líquido gelado, insípido e incolor, purifique minha
alma, expurgando os demônios que a atormentam de
tempos em tempos.

Um sinal do que está por


vir? Um mal presságio?
Apenas mais um pesadelo?

A dúvida me enerva e o enervamento é tão voraz,


que quando dou por mim, a jarra já está estilhaçado no
chão, sem que eu sequer tenha
consciência do movimento que fiz com o braço para
arremessar a peça de cristal contra a parede.

Um simples instante de descontrole emocional dá o


recado mais que necessário, enviado diretamente das
trevas em nome da besta que segue em coma induzido,
descansando — nem tão em paz —, sob a fina e frágil
carcaça do homem bom que, há anos, me dedico a ser.

Limpar a bagunça me distrai por alguns minutos do


sentimento aflorado que parece mais vivo, mais forte e
mais… atraente, do que nunca, desde que vim parar em
Riacho Verde, dando início a velha disputa dentro de
mim.

Pelo poder. Pelo controle.


Pela satisfação.
Embrulho os pedaços de vidro em folhas de jornal e
jogo em um saco plástico reforçado, para evitar que os
garotos da coleta de lixo se machuquem.

Quando começo a dar o nó para finalizar o serviço, o


filete de sangue que escorre da minha mão e desce pelo
pulso, em direção ao cotovelo, cativa minha atenção
como uma Jadeíta diante dos olhos de um garimpeiro à
beira da morte, instigando um frenesi entorpecedor, quase
insuportável.

Largo tudo, de qualquer jeito, e corro escada acima,


pulando os degraus de dois em dois.

Entro no quarto, agoniado, alucinado,


inexplicavelmente necessitado, porém estaco no lugar ao
me deparar com a mulher deitada na cama, com seus
cabelos loiros espalhados sobre o travesseiro, dormindo
tranquilamente, vestindo seu pijama de seda preto
comprido, elegante e recatado — a exemplo da sua dona.

NÃO!

Não posso fazer isso com a minha esposa, pois


Laura não tem o que preciso e, ainda que tivesse, eu
jamais poderia tomar o que quero.

Não dela.
— Nem de ninguém, merda! — murmuro, num
grunhido tão colérico quanto o meu desgosto.

Eu me tranco no banheiro, arranco minhas roupas


com pressa e entro embaixo do chuveiro, porém nem a
ducha fria abranda as chamas que se alastram pelo meu
corpo, queimando, dilacerando tudo por onde passam.

Abaixo a cabeça, descendo o olhar até meu pau, tão


duro que chega a doer, grosso, vascularizado, tamanha a
necessidade de alívio.

Não.

Nego-me mentalmente à sórdida satisfação, ciente


de que os pesadelos onde revivo o passado são meras
provações, testando meu autocontrole, minha ânsia de me
manter no caminho reto e me classificar como merecedor
da segunda chance que me foi dada de viver livremente.

Fecho o registro, ignorando o pulsar da extensão


teimosa, melada na ponta da glande grossa, exigente por
cuidados específicos.

Não.

Enrolo a toalha na cintura e encaro meu reflexo no


espelho, firme, determinado, convicto.

Um bom homem.

É o que vejo, ou pelo menos é o que digo para mim


mesmo, antes de voltar para o quarto, deitar na cama ao
lado da minha bela mulher e passar o resto da noite
acordado, olhando para o teto, esperando ansiosamente
pelo nascer do sol.

— Bom dia — Laura


sussurra, me abraçando por
trás. Viro a cabeça e
deposito um beijo em seu
cabelo.
— Bom dia.
Café?

— Sim, por favor. — Ela descansa a testa nas


minhas costas. — Não conseguiu dormir?
— Não —
admito,
despejando o pó
marrom no
coador.

— Outro
pesadelo?

— Sim.

— Quer falar
sobre isso?

Você não vai gostar de


saber.

— O mesmo de sempre. Nenhuma novidade. —


Claro que essa é mais uma mentira, como tantas outras
que contei para ela sobre o meu passado.

— Falou com a
doutora Claudia?

— Ainda não.

— Seria bom se
conversasse com
ela, querido.

Estico o braço para alcançar a chaleira com água


fervente em cima do fogão.
— Ela é psicóloga, não exorcista. — Minha voz é
suave e ofusca a irritação que começa a ganhar terreno.

Laura sorri, indicando que estou me saindo bem na


tarefa de enganar minha esposa.

Como sempre.

— Você precisa
esquecer o
passado, querido.

— Não posso
fazer isso.

— Claro que
pode, não foi
culpa sua.

Despejo a água no coador e


respiro fundo, com os
dentes trincados. Laura
acredita na minha inocência
porque não conhece a
verdade.
Para que ela me aceitasse em sua vida, omiti os fatos
mais importantes, destorci os agravantes e inventei os que
garantiriam minha absolvição, caso sua família
descobrisse, criando uma versão menos tenebrosa do
“incidente” que me obrigou a deixar a cidade onde nasci
e fui criado, assumir um pseudônimo e vir parar em
Riacho Verde.
— Minha
culpabilidade é
discutível.

— Se explicar para a Claudia o que incomoda você,


tenho certeza que ela vai saber o que fazer para acabar
com os pesadelos.

Ninguém pode me ajudar,


muito menos a safada da
sua amiga.

— Vou tentar, ok? — falo o que minha esposa quer


ouvir, apenas para que pare de me encher o saco.

— Promete? — Ela desliza a língua sobre a minha


pele, enquanto suas mãos descem para a minha virilha.

Fecho os olhos, lutando contra o desejo de curvá-la


sobre o fogão, riscar um fósforo e…

Não posso! Não quero! Não


vou!

Daniel está morto e muito


bem enterrado.

— Prometo. — Afasto a garrafa térmica e giro o


corpo de frente para Laura. — Quanto tempo nós temos?
— Enfio uma mão por baixo do seu cabelo platinado e a
outra por dentro da calça do pijama.

— O culto começa em 40
minutos. Afasto sua
calcinha para o lado.
— Só preciso de 10 — sussurro, circulando seu
clitóris com a ponta do polegar.

Laura prende o lábio inferior entre os dentes para


não gritar, o que aumenta minha irritação. Quero ouvi-la
gemer, suplicando para que eu a foda com força, mas
minha mulher acredita piamente que não tem o direito de
expressar o quanto gosta do pau do seu marido, ainda que
eu seja o único a saber que sua boceta encharca só de
ouvir minha voz.

— Você não vai… — Interrompo sua fala,


escorregando um dedo em seu canal umedecido quando
ela abre a boca para fazer a pergunta que me deixará
ainda mais irritado.

— Minha prioridade é você — repito a velha


mentira, numa nova tentativa de que se torne verdade, ao
mesmo tempo que empurro Laura até seus ombros
encostarem na parede, e beijo sua boca de maneira
apaixonada
para que ela não suspeite do que eu realmente gostaria de
estar fazendo com seus lábios.

Minha esposa finca as unhas nos meus braços,


abrindo mais as pernas em um sinal de aprovação.

O segundo dedo se junta ao primeiro dentro dela,


enquanto o polegar mói o clitóris, minha língua trata a
dela com respeito e a outra mão apalpa os seios por cima
da camisa, acumulando ideias na minha mente de como
eles ficariam lindos com presilhas de aço nos mamilos.

Seu corpo se contorce conforme fodo sua boceta


mais rápido, esfolo o nervo durinho e mordisco o bico do
seio por cima da seda.

Gosto de levar Laura ao limite apenas para ver a luta


do seu espírito recatado contra o prazer que a besta
revestida de homem bom proporciona a ela.

Se eu tivesse minha esposa na cama e um pouco


mais de tempo, com certeza testemunharia sua derrota,
mas como ela dedica as manhãs de domingo ao trabalho
voluntário na única igreja da cidade, terei que me
contentar com sua rendição apática ao orgasmo, que se
aproxima em alta velocidade.

— Dante… —
murmura meu
nome,
estremecendo
com uma careta
de
dor.
Tudo na minha esposa é
contido, reprimido,
controlado, quando tudo
que eu mais quero era que ela se solte, mostre suas garras,
rasgue minha pele e encontre conforto na minha
promiscuidade.

No entanto, até seu gozo é comedido, ainda que sua


boceta pulse, latejante, me sugando para dentro dela.

— Pronto, agora você pode ir. — Lambo os nós dos


meus dedos melados. — Tente não pensar em mim na
hora do sermão.

— Dante — ela me repreende, com falsa indignação


e os olhos fixos na minha língua enquanto saboreio seu
gosto, impregnado em meus dedos.
— Não fale essas coisas. Quando estou na igreja meus
pensamentos pertencem ao Senhor.

— E os meus estão no relógio, contando os minutos


para ter minha esposa em casa. — Deposito um beijo
casto na sua boca e volto para a pia,
a fim de tomar minha dose diária de cafeína e passar mais
um domingo ensolarado, cuidando do jardim.

A nova forma de terapia que adotei para me auxiliar


na manutenção do silêncio das emoções, sempre que os
pesadelos ameaçam a regressar.

— Vou tomar um
banho.

Vinte minutos depois, Laura se despede e parte para


sua jornada evangélica, impecavelmente vestida, linda,
loira e feliz, como uma mulher de trinta e nove anos, que
realizou todos os sonhos que seus pais sonharam para ela
deveria ser.

Troco a calça de moletom por uma bermuda jeans,


ponho um boné na cabeça com a aba virada para trás e
sigo até a dispensa para pegar o que preciso, mas a
campainha toca me fazendo alterar o percurso.

— O que ela
esqueceu agora?
— resmungo para
mim mesmo.

Além de Laura ser extremamente avoada e eu não


estar esperando a visita de ninguém, sou o único homem
casado, adulto e participativo nas ações da comunidade
de Morada do Sol que, a essa hora, não está na igreja,
envolvido em algum projeto beneficente promovido pelos
membros da igreja ou pregando a palavra de Deus na
periferia da região, a mando do pastor da igreja.
Em outros tempos, eu
zombaria de um homem
assim. Hoje, agradeço por
ser esse tipo de homem.
Pelo menos até girar a fechadura, abrir a porta e me
deparar com um par olhos caramelos assustados, porém o
que chama minha atenção no rosto pálido e infantil, é a
boca formada por lábios carnudos, naturalmente
vermelhos como uma maçã saborosa, roubada da árvore
às vésperas da colheita.

— Laura acabou de sair — falo com raiva, incapaz


de desviar os olhos dos dois pedaços de carne rosada que
ficariam perfeitos com o meu pau entre eles. — Se tiver
sorte, vai conseguir falar com ela depois do culto.

Fecho a porta na cara da garota que nunca vi mais


gorda, antes que ela possa dizer alguma coisa,
incomodado pelo volume que começa a se formar na
minha virilha e retomo meu caminho em direção à
dispensa, mas não chego a dar o terceiro passo quando a
campainha toca outra vez.
Ponho as mãos na cintura e abaixo a cabeça,
soltando o ar num suspiro pesado, me perguntando se
devo explicar para a criança do lado de fora, que o
melhor que ela pode fazer para o seu próprio bem é ir
embora.

Respiro fundo, ajeito meu


pau e vou abrir a porta.

— Já disse que minha esposa não está — sibilo


entredentes, enquanto analiso a garota com mais calma.

O cabelo preso em um coque é loiro-escuro, do


mesmo tom que as sobrancelhas descuidadas. Os cílios
são longos, porém naturais. As maçãs salientes graças à
finura do contorno do rosto, contrastam com a palidez
fantasmagórica da sua pele, quase toda encoberta por uma
blusa branca de manga comprida e uma saia bege que
bate na altura dos seus tornozelos, presa em sua cintura
por um cinto masculino.

Nos pés, botas velhas de


cano médio sem salto.

— Não vim para ver sua esposa. — A voz


timidamente suave atrai meu olhar para o dela. O rubor
em suas bochechas quando a encaro envia um espasmo
dolorido direto para o meu pau, incitando a raiva que me
acompanha desde sempre.

— O que você quer? — pergunto no que parece um


rosnado, sem entender por que estou tão irritado com a
simples presença dessa garota.
Ela enfia a mão na bolsa de pano, velha e rasgada,
pendurada em seu ombro, tira um pedaço de papel e o
estende para mim.

— Meu nome é Elisa. Maria Elisa Soares e estou


aqui para ver o senhor.

— Eu deveria
saber quem você
é?

A garota entrelaça as mãos na frente do corpo e faz


que não com a cabeça, olhando para os pés.

— Meu pai escreveu nessa carta, que o senhor me


ajudaria se soubesse quem ele é.

— Seu pai? — Franzo a testa e amasso a folha em


minha mão, sentindo meu coração perder algumas
batidas.

— João Camargo.
Acho que o
senhor chamava
ele de JC.
As duas últimas letras abrem as portas do meu
passado e libertam a besta que adormecia nas
profundezas do inferno.
— Entra — vocifero, empurrando a garota pelo braço para
dentro de casa, enquanto olho em volta para me certificar de que
nenhum vizinho a viu.

Ela tropeça quando passa por mim, com uma mão segurando a
alça rasgada e a outra arrastando uma mala de viagem preta, mais
velha que a bolsa.

— Como me encontrou? — Bato a porta, assustando-a, mas


nem o pulinho que ela dá no lugar, nem a maneira que seu corpo
estremece no instante em que paro à sua frente, seguro seu queixo
com força e levanto sua cabeça, forçando-a a me encarar, dissipam a
irritação que se expande dentro de mim. — Como descobriu onde eu
moro?

Seus cílios batem rápido e, por uma fração de segundo, me


perco no marrom do seu olhar marejado, desejando profundamente
ver a garota chorar, apenas para saborear suas lágrimas com a língua.
Mas que merda está
acontecendo comigo?

— Ele sabia que o senhor tinha vindo para essa


cidade — Elisa balbucia, trêmula, verdadeiramente
nervosa.

— Ele quem? — brado por entre os dentes cerrados,


enraivecido por não ter todos os dados que preciso para
calcular os riscos que a chegada dessa garota representa.

— Meu pai. — Reteso, pronto para rebater a


mentira que acabo de ouvir, quando ela aponta para a
minha mão.

Eu a solto, fazendo o que deveria ter feito em


primeiro lugar, e leio o papel que amassei, sem acreditar
que JC guardou a única carta que lhe enviei, há 20 anos,
logo depois da sua prisão, onde conto que havia
encontrado o lugar perfeito para esquecer o passado, seu
crime, sua condenação e o perdão por tudo que ele me
tirou quando cortou em pedaços a mulher que eu amava,
por inveja e ciúme de seu melhor amigo de infância.

— Quem mais leu isso aqui? — Minha voz é fria,


seca e esconde o pânico que se aloja em meu peito de
repente, com o intuito de se estabelecer pelo tempo que a
incerteza sobreviver.

— Ninguém. A carta estava em uma caixa fechada


que meu pai escondeu em um buraco que ele cavou
embaixo da cama.

— Qualquer preso que teve contato com o JC pode


ter lido — rosno, passando a mão suada pelo cabelo.
— Não senhor.
Só eu sei o que
tinha lá dentro.

— Como pode ter


tanta certeza?

A garota engole seco e


abaixa a cabeça.

— Eu vi quando
os policiais
encontraram a
caixa.

— Você estava no
presídio?

Ela nega com um meneio


de cabeça.

— Na cela.
Mesmo que os médicos tenham afirmado que as
lesões cerebrais de João Camargo eram tão profundas que
causaram sequelas irreversíveis, e as chances de o autor
do crime brutal que chocou o país recuperasse as
memórias recentes eram nulas, eu deveria ter imaginado
que ele guardaria a carta que lhe entreguei pessoalmente,
na primeira e última visita que lhe fiz, contando a única
versão aceitável do que aconteceu naquela noite: a minha.

Um homem dissimulado,
esse era eu.

No entanto, estava tão determinado a me vingar do


meu melhor amigo pelo que ele me obrigou a fazer com a
minha noiva, que cometi o grave erro de oferecer à
polícia, ou pior, ao pai de Tônia, a localização do
verdadeiro culpado pela morte de sua filha.

— Como quer que eu acredite nessa história, se eu


nem sabia que o JC tinha uma filha?

— Não sou
mentirosa,
senhor.

— Todo
mentiroso diz a
mesma coisa.
Qual o nome da
sua mãe?

— Lindalva
Soares.
— Como ela
conheceu o JC?

Elisa fica vermelha e olha


para os pés.

— Ela era uma das prostitutas contratadas pelo


chefe de uma facção para ir ao presídio nos dias de visita
íntima.

— Era? O que aconteceu? Mudou de ramo ou


encontrou algum otário para sustentar vocês duas? —
Não consigo me conter. Estou fervendo de raiva.

— Minha mãe
morreu, três
meses atrás.

Porra, quero duvidar que tudo que ela está dizendo


seja verdade, mas é difícil acreditar que sua pose de
garota inocente seja algum truque ensaiado para me ferrar
ou qualquer coisa parecida.

Sou expert na arte de fingir, por isso reconheço um


semelhante assim que ponho meus olhos em um, e,
definitivamente, o talento de enganar as
pessoas não foi atribuído à lista de características da
personalidade entediante de Elisa Soares.

Perguntando por sobre o ombro, vou para a cozinha


em busca de uma distração do corpo miúdo e expressão
ingênua, profundamente incitado a transformá-la em uma
réplica de Tônia para calar a besta que ruge a plenos
pulmões.

— Quem sabe
que você veio
atrás de mim?

— Ninguém.

Abro a geladeira, ignorando a garrafa de vinho,


porém é impossível ignorar os passos da garota que me
segue.

— E a sua
família?

— Não tenho
família.

Encho um copo com água


gelada e bebo tudo de uma
só vez.

— Ninguém? Avós, tios, primos? — Encosto na


mesa a tempo de vê- la balançar a cabeça, negando.

Aproveito a distância para


olhar para ela com mais
atenção.

Elisa é muito jovem, sem graça e atributos físicos


que aprecio em uma mulher, mas admito que tem algo
nela que mexe comigo, ainda que eu odeie me sentir
assim.

Sei quais são as consequências de alimentar uma


fraqueza e o que elas podem acarretar para a vida do
homem bom que me tornei, no entanto, essa ânsia quase
obsessiva de me ver enfraquecido novamente é forte
demais para suportar.

Para piorar tudo, minha mente decidiu que a volta


dos pesadelos e o desejo de usar o corpo da minha esposa
para aplacar a necessidade reacendida nos últimos dias,
foram sinais enviados do inferno, antecedendo a
inesperada chegada da filha do único amigo que já tive.

Quero voltar no tempo, mais precisamente para onde


estava quando a campainha tocou pela primeira vez, e
agir como se essa merda não estivesse acontecendo, mas
enquanto não me assegurar de que a história de
Elisa é verdadeira, não existe nenhuma possibilidade de
deixar essa garota sumir das minhas vistas.

Tenho que ter certeza de que ela, ou alguém


interessado em limpar a imagem de JC, não está armando
para mim.

— Eu ainda não entendi por que você está aqui —


digo educadamente, porém não me passa despercebida a
maneira como seu corpo se contrai.

Vergonha? Medo?
Ansiedade?

Não sei, mas vou descobrir.

Ela levanta a cabeça e me encara como um cervo


desnutrido, diante de um leão esfomeado, prestes a torná-
la seu jantar. O par de olhos castanhos está mais escuro,
contrastando com as bochechas rosadas e a boca carnuda
em forma de coração, que eu daria tudo para ver
abocanhando meu pau enquanto aperto o alicate em
seu…

Não, porra!

— Eu… — Elisa
gagueja,
afastando os
pensamentos
imorais.

Arqueio as sobrancelhas, debochado, incentivando-a


a terminar de falar o que começou. Ela exala o ar com
força e tenta mais uma vez.
— Estou sozinha
no mundo e achei
que o senhor
poderia me
ajudar.

— Que tipo de
ajuda você
precisa?

— Um lugar para ficar até eu conseguir concluir os


estudos e arrumar um emprego.

— Você já está na
faculdade?

— Não. Estou no
terceiro ano do
Ensino Médio.

— Quantos anos
você tem?

— Vinte.
— E ainda está
no Ensino
Médio?

Ela só pode estar brincando


comigo.

— Eu não fui
muito à escola
nos últimos dois
anos.

— Por quê?

— Minha mãe descobriu que estava com câncer e


não podia ficar sozinha.

— Você cuidava
dela?

— Sim.

— Sozinha?

— Sim.

— Não tinha
ninguém para
ajudar?

— Minha mãe não era uma pessoa muito… hum…


querida no nosso bairro. Se é que o senhor me entende.
Entendo melhor do que
você imagina.

— Não. Pode me
explicar, por
favor?

— Ela era uma


prostituta.

— Isso eu
entendi.

— Prostitutas não escolhem clientes. Elas fazem


qualquer coisa com qualquer homem que pagar.

— Isso eu
também sei.

Elisa inspira e expira, tirando fiapos da saia


comprida para manter os dedos ocupados. Se a garota
fosse um tamanduá, enfiaria a cara na terra para esconder
o embaraço.

— Minha mãe
deitou com
muitos homens
casados e…

— E?
— Se orgulhava.

Como imaginei, Lindalva era uma versão


empobrecida de Tônia: uma puta ciente do efeito que
causa nos homens e do ódio que desperta nas mulheres.

Sua doença deve ter sido comemorada e sua morte


considerada mais que uma vingança do universo.

A justiça divina em nome daquelas que tiveram seus


lares e autoestima destruídos pela obra tentadora do
capeta, esculpida no inferno, enviada com a missão de
arruinar bons caráteres e provar que nem o amor
verdadeiro supera o desejo carnal de um homem.

Especialmente quando ele tem que escolher entre a


fidelidade à sua esposa dedicada, mãe dos seus filhos e
companheira de todas as horas, e alguns minutos do
prazer prometido pela vadia gostosa com corpo escultural
que cobra para fazer o que mais gosta, disposta a realizar
seus sonhos mais depravados.

Decido mudar de assunto para que Elisa não perceba


o volume na minha virilha que começa a se destacar sob o
jeans da bermuda.

— Onde vocês moravam? — Deposito o copo na pia


e aproveito para aumentar a distância entre nós.

Se não estiver ficando louco, tenho certeza de que o


cheiro do seu xampu de morango atacou meu olfato, mas
errou o alvo e acertou em cheio meu pau.

— Canteiros.
Sua voz me resgata dos pensamentos lascivos que
invadem minha mente como um sussurro sedutor.

— O quê?

Elisa dá uma risadinha


tímida.

— Nós
morávamos em
Canteiros.

— Esse nome não


me é estranho.

— Fica pertinho
de São Luís do
Maranhão.
Está explicado.

João Camargo cumpria pena no presídio de


Pedrinhas, pois era o único do estado que fechava os
olhos para a superlotação quando se tratava de criminosos
de alta periculosidade, como o assassino sanguinário que
matou Antônia Maria da Silva Venceslau.

— O que você
sabe fazer?

A pergunta é pertinente, pois do jeito que conheço


Laura, é fato que depois de ouvir a triste história da filha
do meu melhor amigo, me arrisco a dizer que hoje mesmo
ela irá encontrar um lugar para Elisa chamar de lar, e
ainda que as habilidades da garota não sejam o foco do
meu interesse, preciso saber quais são para decidir onde
eu quero que a garota fique.

Só assim poderei influenciar minha esposa a tomar a


melhor decisão, convencida de que está ajudando na
construção do futuro de Elisa, e não no sepultamento do
meu passado.

— Faxinar, mas posso aprender a fazer qualquer


coisa se o senhor me ensinar. Meus professores do
colégio sempre disseram que eu sou uma ótima aluna.

O sorriso dela se alarga.


Minha irritação aumenta.
Meu pau engrossa.
Definitivamente, tenho que me livrar dessa garota o
mais rápido possível, antes que o pior aconteça.
— Não! — repito, passando
por Laura e sigo para o
banheiro.

— Você não está sendo


racional, querido.

Abro a torneira da pia e lavo o rosto com água gelada, numa


tentativa de abrandar as chamas raivosas que me queimam por
dentro.

É inútil, eu sei, mas não posso deixar


de tentar.

— Ela não pode ficar aqui — rosno, encarando o reflexo da


minha esposa pelo espelho.

— A menina tem experiência e nós precisamos de alguém para


ficar no lugar da Dolores.

— Já disse que não.

— Tudo bem, vou aceitar sua negativa se me explicar o motivo


dessa implicância.
— Não quero uma estranha circulando dentro da
minha casa. — Tiro a camisa e paro na frente de Laura,
chamando sua atenção para o meu peito banhado em suor.

— Elisa é filha do
seu amigo, não
uma estranha.

Abraço sua cintura, colando nossos corpos. Meu pau


nunca ficou tão duro e espero que minha esposa deduza
que estou assim por sua causa e não pela garota insossa
que ela quer contratar para trabalhar como empregada.

— Tenho certeza que você vai encontrar uma alma


caridosa na cidade que esteja precisando de uma
prestadora de serviços domésticos e se proponha a pagar
um salário razoável por eles.

Levanto a saia do seu vestido comportado para que


minhas mãos deslizem pela parte posterior de suas
pernas, do joelho até a bunda. Só quero enfiar meu pau na
boceta de Laura, meter gostoso e dar algum alívio para
minhas bolas que estão doloridas desde que cometi o
grande erro de permitir que a fedelha maltrapilha
passasse pela porta.

No entanto, minha esposa não demonstra sentir o


mesmo desejo que o meu, pois segura meus pulsos e se
afasta.

Olhando por sobre o ombro na direção da porta


entreaberta, ajeita a roupa antes de murmurar:

— Vou preparar alguma coisa para o jantar enquanto


você relaxa no banho e aproveita para tirar esse fedor de
mato que me deixa enjoada.

Ela volta a me encarar, sorrindo com divertimento


como se a minha necessidade de foder fosse alguma piada
e a sua observação sobre o cheiro do trabalho que fiz no
jardim não me ofendesse.

— Não quero que a nossa hóspede pense que somos


um casal desrespeitoso e saia dizendo por aí que a filha
do pastor não se importa de expor sua intimidade
conjugal para adolescentes órfãs que acabaram de chegar
na cidade à procura de um lar adotivo. — Fica na ponta
dos pés e deposita um beijo, ainda mais insosso que Elisa,
nos meus lábios. — Temos a noite toda para fazermos
isso na privacidade do nosso quarto, querido. Comporte-
se, sim?

Laura me deixa sozinho, sem palavras, parado feito


um idiota acompanhando sua figura esbelta e elegante
desaparecer escada abaixo.
Ergo o braço, tomado pela frustração, pronto para
socar o batente de madeira quando um barulho no
corredor chama minha atenção.

Com a testa franzida e o humor azedo, caminho pé


ante pé o mais silencioso possível, resoluto em dar o
flagrante em vez de ser flagrado.

Inclinando o tronco para frente, estico o pescoço e


ponho a cabeça para fora, com a certeza de que há dez
segundos ouvi o que pareciam ser passos, porém agora o
ruído inaudível para ouvidos destreinados, que irrompe a
quietude no segundo andar do sobrado se resume a uma
respiração ofegante, vinda do último cômodo à direita do
banheiro social.

Eu não deveria me excitar com a mera possibilidade


de Elisa ter escutado atrás da porta, mas é impossível
frear minha mente e não imaginar a garota neste exato
momento, escorada na parede, com as pernas abertas e os
olhos fechados, molhada, excitada, gemendo baixinho
enquanto se toca violentamente, prestes a gozar, depois
de testemunhar a discussão que tive com minha esposa
por causa dela.

O bom homem dentro de mim se manifesta, me


alertando sobre os perigos que estou correndo à medida
que me aproximo do quarto de hospedes que minha
esposa disponibilizou para Elisa ocupar, até arrumar um
emprego decente e conquistar uma condição financeira,
relativamente próxima aos padrões que Laura considera
como aceitáveis, para pagar pelo seu próprio lugar.

Como previ, além de se sensibilizar com a história


de vida da Elisa, o fato de ela ser completamente sozinha
no mundo alvejou com precisão um ponto extremamente
delicado para Laura.
Agora minha bondosa esposa acredita que a chegada
inesperada da garota é uma provação de Deus em sua
vida, por isso tomou para si a obrigação de proporcionar a
Elisa a experiência que ela defende com invejável afinco
de que todo ser humano deveria ter:

A de fazer parte de uma


família.

Mas para não ferir o orgulho da garota, nem fazer


com que se sinta em dívida com a oferta de acolhimento,
ou acredite que a decisão de recebê-la como a filha que
nunca tivemos é um favor em respeito a minha amizade
com JC, Laura teve a infeliz ideia de substituir os
serviços de Dolores, nossa empregada de 40 anos que
enfrenta uma gravidez de risco, pelos de Elisa, em troca
da moradia temporária que, tudo indica, minha esposa
pretende tornar vitalícia.
Quando dou por mim, já estou do lado oposto aos
degraus marmorizados que terminam no andar de baixo,
diante do quarto decorado com cores neutras que variam
em tons de pastel, creme e salmão.

De onde estou reconheço a sofreguidão abafada de


uma mulher em busca de alívio na respiração
entrecortada de Elisa, que me deixa mais duro e
infinitamente mais necessitado.

A expectativa de pegar a fedelha se tocando entre as


penas, desejando ser fodida com força, exatamente como
eu teria fodido Laura, se minha esposa não fosse tão
reprimida sexualmente, é tão instigante quanto
incriminatória, o que torna a situação ainda mais
irresistível.

Não existe melhor sabor


que o do proibido.

Mais uma vez, olho de relance na direção da escada,


em dúvida se devo dar início a um novo jogo do qual a
maior parte de mim anseia jogar. Enquanto a outra reluta
em estipular as regras que terão como objetivo me
favorecer até na derrota e, só então, me deliciar com a
destruição total da garota que se esconde do outro lado da
porta.

Não! Não posso, porra!

Quando finalmente reúno forças para recuar,


encorajado pelo bom homem a negar o pedido libidinoso
do meu corpo e me afastar do caminho que me levará de
volta ao passado, Elisa deixa escapar um murmúrio
buliçoso seguido de um por favor, que beira o desespero.
Eu jamais teria escutado se não estivesse tão perto,
tão atento e tão malditamente excitado.

Cerrando a mandíbula, invoco a besta sonolenta para


fazer a primeira jogada e mesmo após as duas décadas de
inatividade, em que permaneceu cativa da escuridão
responsável por manter sua essência intacta, ela não me
decepciona.

Desabotoo a bermuda, abro o zíper, envolvo meu


pau nos dedos de uma mão e empurro a porta suavemente
com a outra.

A primeira coisa que avisto é a elevação sob a


cortina transparente, que falha na missão de acobertar
uma Elisa atrapalhada, debruçada na janela com um braço
apoiado na soleira e o outro perdido embaixo da sua saia.
Mesmo com a visão prejudicada pelo tecido branco
de voal, atesto sem margem de erro que é a primeira vez
que ela se toca, e só se permitiu desfrutar um momento
íntimo como esse, graças à lascívia despertada pelo que,
supostamente, me viu fazer com Laura.

A constatação de que Elisa se excitou tanto com tão


pouco, compensa sua falta de sensualidade em uma ação
que deveria ser naturalmente sensual.

Ao contrário do que planejei, não interrompo sua


ciririca, nem dou a ela um vislumbre da minha punheta.
Apenas fico ali, como único telespectador do seu show
erótico, criando dezenas de situações que trarão essa
garota direto para a minha teia despudorada, sem que eu
precise chamá-la.

E quando a tiver onde eu quero, vou dar a Elisa o


que ela nem sabe que precisa.
São Paulo – São Paulo

Cubro a cabeça com o travesseiro, amaldiçoando o infeliz que esqueceu o dedo preso na
merda do interfone. Deveria ser proibido aparecer na casa das pessoas a essa hora da manhã,
especialmente sem ser convidado.

Desisto de ignorar o som estridente que ecoa pela sala, pois além de me despertar, agora
estou irritado. Uma pontada aguda atinge minha cabeça quando me sento no sofá com os pés
para baixo.

A dor aumenta no segundo em que abro os olhos e me deparo com a bagunça vergonhosa
que representa minha vida.

Latas de cerveja, caixas de pizza, garrafas de vodca e restos de comida competem por
espaço no piso de madeira, com os sapatos, chinelos, tênis e meias de todas as cores.

A poltrona assumiu a função de guarda-roupa e agora acomoda uma pilha de roupas.


Algumas sujas, outras limpas, a maioria amassada. Difícil mesmo é identificar qual delas está o
quê.

Ao contrário do som que por pouco não me ensurdece, desvio dos obstáculos que
encontro pelo caminho até a cozinha, ignorando o chiqueiro que um dia eu chamei de lar, e
atendo o interfone.

— Se essa porra não for um defeito, é melhor não estar na gaiola quando eu sair, Mococa
— sibilo para o porteiro, apoiando a testa na parede com os olhos fechados, numa tentativa de
fazer o mundo parar de girar.

— Desculpa, seu Juliano, mas o detetive Fidel estava com uma arma apontada para mim e
ameaçou atirar se eu não acordasse o senhor.
Bufo, sentindo o típico gosto de sola de sapato na
língua ressecada. Não faço ideia da quantidade de álcool
que ingeri ontem à noite. Parei de contar na terceira
garrafa.

Ou foi na quarta?

Foda-se. Não importa.

— Avisa que eu
já vou descer.

Estou pronto para dar um fim no papo furado, mas


antes de colocar o aparelho no lugar, a voz do garoto
chamando meu nome me obriga a adiar a minha volta
para o sofá.

— Fala, Mococa — Puta merda, parece que alguém


instalou um sino na minha cabeça e agora ele
desembestou a badalar.

Esfrego a têmpora com a ponta dos dedos, enquanto


aguardo uma explicação plausível para justificar por que
ainda estou na posição vertical e não na horizontal.

— Desculpa outra vez, seu Juliano. Mas o detetive


Fidel não está mais na portaria.

— Melhor assim. Se ele voltar, inventa alguma


desculpa e fala que eu saí. Ah, e não esquece de dizer que
eu estava acompanhado de duas mulheres. Uma loira e
uma ruiva.
— Hum, acho
que não vai ser
possível, senhor.

— Por quê? —
rosno, a poucos
segundos de
entrar em coma
alcóolico.

Preciso dormir por mais


cinco minutos ou vou
vomitar.

— Ele aproveitou que a dona Deolinda, do 809,


estava chegando com as compras e…

Antes que o porteiro


termine de falar, a
campainha toca.

Óbvio que meu ex-parceiro não viria até aqui se não


fosse algo extremamente importante, ainda que o nosso
conceito de importância não seja o mesmo há muitos
anos.

Finalmente devolvo o interfone no lugar e vou abrir


a porta, me preparando psicologicamente para o ritual de
sempre.
Ouvir o sermão sobre merdas do passado, vida,
morte, e todo o blá blá blá, típico de um homem que
anseia pelo fim do expediente para voltar para sua
família. Vou fingir que estou bem, afirmar que sou adulto
e despachar o glorioso detetive Fidel, garantindo que sei
o que é melhor para mim. Cair no sofá outra vez e só
acordar apenas quando estiver novinho em folha, pronto
para encarar minha realidade.

De bebedeira, solidão e
esquecimento.

Giro a maçaneta, dando


passagem para ele entrar.

Chamar sua atenção para o projeto de lixão urbano


que está à sua frente é a única forma de desviá-la do meu
estado deplorável.

— Você está fedendo a esgoto, brother. — Fidel não


dá nem três passos e estaca no lugar.

— Bom dia pra


você também.

— Se estivesse
sóbrio saberia
que são quase
duas da tarde.

— Sério? — pergunto, verdadeiramente surpreso. —


Eu poderia jurar que não passava das seis da manhã.

Apesar de estar afastado da Corporação e um tanto


enferrujado, percebo que Fidel quer me distrair para
ganhar tempo.

Definitivamente, não foram os bons ventos que


trouxeram meu amigo à minha casa.

— O que
aconteceu? —
falo sem rodeios.

Confirmando minhas suspeitas, ele passa a mão no


cabelo e olha diretamente nos meus olhos.

— João Camargo está morto. — A resposta de


quatro palavras me deixa sóbrio de repente.

— O quê? Como ele morreu? Quando? Como você


ficou sabendo? — As perguntas se atropelam na minha
boca, enquanto meu coração dispara e meu corpo entra
em combustão.

— O diretor da SEAP do Maranhão (Secretaria de


Estado de Administração Penitenciária) lembrou do nosso
interesse no caso, e fez a
gentileza de me ligar agora a pouco para avisar que há
uma semana, o assassino confesso de Maria Antônia
Junqueira e mais oito detentos, foram decapitados durante
um confronto entre duas facções rivais que disputam o
controle do tráfico dentro do presídio.

— Não pode ser! — esbravejo, chutando tudo que


vejo pela frente. — Aquele desgraçado era minha única
chance, porra!

— Talvez ainda
seja.

Encaro meu ex-parceiro, melhor amigo e irmão que


não tive, com a testa franzida e os olhos estreitos.

— Você tem alguma coisa? — Lá vou eu de novo.


Do céu ao inferno num piscar de olhos.

Fidel tira uma chave do


minúscula do bolso da
calça e me entrega.

— Pode ser que sim, pode ser que não. Se quiser


verificar, eu te dou cobertura, mas não crie expectativas
até chegar lá.

— O que eu vou
abrir?

— Ninguém sabe.

— Tem certeza
que essa chave é
dele?

— Aquele homem gostava de segredos, bro. Um dos


carcereiros ouviu João Camargo contar para a garota que
aparecia em algumas visitas semanais, que o encontro
dele com a morte tinha sido marcado por um dos homens
mais perigosos do país, e deu orientações precisas para
que ela estivesse presente na cela quando os federais
fossem chamados para recolher o entulho.

Entulho. Como alguém pode se referir a seres a


humanos assim, eu nunca vou entender.

— Uma das
prostitutas?

— Se é filha de uma? Com certeza. Se é uma?


Absolutamente não. Apesar de não ter nenhum registro
que corrobore a informação, aparentemente todo mundo
sabia que menina era filha do João Camargo.
— Impossível — rebato prontamente, negando com
a cabeça. — Eu revirei a vida daquele palhaço do avesso.
Se ele tivesse uma filha eu saberia.

— Reza a lenda em Pedrinhas que a mãe dela era


uma das putas contratadas pelo Zebra, chefe dos Cabeças
de Fogo. Lindalva Soares tinha várias passagens pela
polícia, todas envolvendo tráfico de drogas e prostituição.
Solteira, viciada em heroína e morava em Canteiros,
cidade vizinha de Morada do Sol. Ela engravidou e, até
hoje, ninguém sabe como a prostituta que já tinha
transado com metade dos membros da facção convenceu
João Camargo que ele era o pai da criança. O problema é
que por estar preso…

— O filho da puta
não registrou a
menina — digo o
óbvio.

— Exatamente.

Analiso a pequena chave dourada na minha mão, me


perguntando se dessa vez vou descobrir quem assassinou
brutalmente vinte e duas mulheres no período de quarenta
e oito meses, aqui, na cidade de São Paulo.

Estudantes com idade entre dezoito e vinte e cinco


anos, bonitas e muito inteligentes para se deixarem
enganar por um Zé Mané qualquer como João Camargo.

Minha namorada era uma


delas.
Quando o Delegado da Polícia Civil do Maranhão
divulgou a morte da filha do prefeito de Morada do Sol e
as crueldades que seu algoz fez com ela, ainda
consciente, não tive dúvida de que era o mesmo monstro
que torturou Sabrina por mais de três horas, e a estripou
antes de descartar seu corpo enrolado em um saco de
dormir, no pátio de uma pedreira desativada no Noroeste
do Estado.

Exatamente como ele havia feito com as outras


vítimas, mudando somente o local de descarte dos corpos
para confundir os agentes que trabalhavam no caso.

A similaridade entre os dois crimes que chocaram o


país não estava apenas no padrão das agressões, mas na
precisão dos cortes feitos por um facão específico para o
corte de cana-de-açúcar, usado quase que exclusivamente
por trabalhadores rurais.
Há vinte anos, eu morri
junto com Sabrina.

Agora, irei vingar sua


morte e, se for preciso,
matarei por ela.
Riacho Verde

Acordo assustado com o despertador do celular. Não me lembro


quando foi a última vez que dormi uma noite inteira, sem os
pesadelos me atormentando.

Desligo o aparelho e me sento, com um sorriso discreto em


meus lábios. Olho para minha esposa, completamente apagada.

O ansiolítico que coloquei na taça de vinho de Laura para que


ela não testemunhasse minha pequena interação com a sua mais
nova protegida durante o jantar, funcionou melhor do que eu
esperava.

Valeu a pena, afinal.

Pulo da cama e vou direto para o


banheiro.
Relaxando sob a ducha de água morna, meu pau
ganha vida quando as lembranças da noite anterior
saúdam minha mente como um delicioso bom dia.

Se Elisa pensa que minha ameaça foi uma


brincadeira para não ser levada a sério, a garota vai
descobrir que o tamanho do problema que irá encontrar,
se aceitar o convite da minha esposa para ocupar o lugar
de Dolores, é muito maior do que imagina.

Com certeza irei para o inferno quando acabar com a


sua vida, mas vou garantir que ela esteja ao meu lado
durante todo o percurso.

De um jeito ou de outro.

Logo que ouvi a voz de Laura, quando pisei no


primeiro degrau da escada, desacelerei, atento a tudo o
que dizia.

Minha esposa estava animada, o que me fez


acreditar que sentia falta de uma amiga com quem
pudesse conversar abertamente, já que as mulheres que
frequentavam a igreja e faziam parte do seu convívio
desde a infância, não eram tão confiáveis quanto
pareciam e Laura sabia disso.

Naquele aspecto, Riacho Verde era ainda mais


elitista que Morada do Sol, com o agravante de seus
governantes estarem nas mãos da família que há décadas
controlava a cidade, manipulando a fé religiosa de seus
moradores, determinando qual sobrenome seria o
segundo na hierarquia da cadeia alimentar de acordo
com os seus interesses.

Pois Gutierrez sempre seria


o primeiro.

Uma pena, porque de jeito nenhum eu permitiria


que Elisa ficasse, ou poderia arruinar a vida que levei
vinte anos para construir.

Entrei na cozinha com o olhar fixo na minha esposa,


que estava de frente para o fogão supervisionando o
conteúdo de duas panelas e uma frigideira.

Laura usava um vestido florido sem mangas, que


alcançava os joelhos. O avental amarrado na cintura, o
cabelo preso no alto da cabeça e os pés descalços.
Sem dúvida, uma mulher
fria, mas linda.

Fingi não notar a garota sentada à mesa


descascando batatas, sorrindo timidamente enquanto
ouvia minha esposa falar sobre o comércio da cidade e
os lugares que ela pretendia levá-la para conhecer
quando se estabelecesse.

Abracei Laura por trás, colando meu corpo ao dela


ao mesmo tempo que beijei seu pescoço e sussurrei em
seu ouvido:

— O cheiro está
bom.

Obviamente minha abordagem atrevida era uma


provocação, porém eu precisava confirmar se estava
certo em relação aos sinais enviados por Elisa, quando a
flagrei se masturbando pendurada na janela do seu
quarto.

No momento em que minha esposa me afastou


bruscamente, envergonhada por seu marido agarrá-la de
maneira íntima na frente de outra pessoa, usando
somente uma calça de moletom, confirmei minhas
suspeitas.

— Por Deus, Dante! — ela bradou, entredentes.


Sorrindo sem humor, colocou a mão no meu peito e me
empurrou, revezando seu olhar entre mim e Elisa. — Às
vezes você parece um adolescente mimado querendo
atenção. Por que não me serve uma taça de vinho e
espera o jantar ficar pronto como um homem adulto?
Eu odiava a mania que Laura tinha de me
repreender, sempre se colocando num pedestal de
moralidade inatingível, porém sua reação não poderia
ter sido melhor para o que eu tinha em mente.

Cruzei os braços, sem me


preocupar em esconder
minha ereção.

— Não sou um adolescente mimado, mas talvez seja


um marido querendo a atenção da esposa. — Arqueei as
sobrancelhas. — Será que é pedir muito?

— Estou falando sério, querido. Preciso terminar o


jantar. — Laura me deu as costas e voltou a monitorar as
panelas.

Eu sabia que Elisa prestava atenção na conversa,


pois sentia seu olhar queimando minha pele.
O timing era perfeito.

Exalando o ar com força, enfiei a mão por dentro da


calça para ajeitar meu pau, demonstrando toda a
frustração de um homem cansado de ser rejeitado pela
mulher que amava, sem nem por um segundo sequer
olhar para a garota.

Fui até o armário, peguei a garrafa importada e


enchi uma taça, como minha esposa havia mandado, mas
deixei a rolha cair de propósito perto de onde Elisa
estava sentada.

Exatamente como deduzi que faria, a garota


prontamente se abaixou para pegá-la. Aproveitei para me
aproximar da sua cadeira, invadindo seu espaço pessoal
e parei ao seu lado.

Ela não conseguiria se


levantar sem esbarrar em
mim.

A surpresa em sua expressão e o rubor em suas


bochechas quando seu cotovelo roçou minha perna,
quase me fez sorrir.

Elisa parecia uma criança acuada sem saber o que


fazer, com meu pau duro a poucos centímetros do seu
rosto.

Não me movi, ansioso para que visse a grossura que


eu enfiaria na sua garganta até sufoca-la, se não saísse
da minha casa.
Olhando em seus olhos,
lambi os lábios, sério, frio.

Sem dizer uma palavra tirei a rolha de sua mão e


voltei para a pia, do lado oposto de onde minha esposa
estava.

Tirei o comprimido do bolso e esfarelei-o entre meus


dedos sobre a taça de cristal. Suor escorria pelas minhas
costas enquanto o pó branco se misturava ao líquido
escuro.

Ignorando o apelo de Laura, me posicionei


novamente atrás dela, oferecendo a bebida que ela tanto
gostava bem diante do seu nariz

— Seu vinho —
murmurei ao pé
do ouvido.

Minha suposta insistência


em seduzi-la a irritou ainda
mais.
— Você está passando dos limites — sibilou,
bebendo tudo numa golada só, como sempre fazia para
reprimir a raiva e não revelar ao mundo sua versão
imperfeita.

— Se é assim… — Girei nos calcanhares, passei por


Elisa e segui para o quintal.

— Aonde você vai? — Laura perguntou, quando me


viu abrindo a porta dos fundos.

Segurando a maçaneta com uma mão, apoiei a outra


na porta, abaixando a cabeça por alguns segundos,
simulando me controlando para não dizer algo que
pudesse me arrepender.

Puxei uma respiração e saí,


sem responder.

Fiquei no quintal, andando de um lado para o outro,


esperando o tempo de o remédio fazer efeito para voltar e
dar a Elisa uma amostra do que iria acontecer se me
desafiasse.

Não tinha nenhuma intenção de sair do quintal, mas


para o azar do Rogério, meu vizinho viúvo de sessenta
anos, Jurema, sua namorada de trinta e oito, estava
chegando quando comecei a guardar minhas ferramentas
no quartinho, ao lado da garagem.

— Quer ajuda? — A pergunta poderia parecer


inocente, porém eu sabia que a putinha não tinha uma
grama de inocência em seu corpo, tampouco em sua
mente.
— Seu marido
está em casa —
sibilei, irritado.

Ela sorriu com ironia,


atestando o quão
vagabunda era.

— Até quando vai


me dispensar,
Dante?

Não precisei pensar muito


para tomar minha decisão.

— Depende.

Seus olhos brilharam com a


resposta.

— Do quê? — Mesmo de saia, Jurema sentou no


muro baixo com as pernas penduradas para o meu
quintal e as abriu.
Ela era gostosa. Peitos fartos, quadris largos, coxas
grossas e uma bunda tão grande, que abrigaria
facilmente dois paus.

Flagrar os homens da cidade a devorarem com os


olhos havia se tornado tão comum quanto ir à padaria
comprar pão. Jurema gostava de ser o centro das
atenções e Rogério parecia envaidecido por saber que os
velhotes do grupo de supervisão ambiental do qual ele
era diretor, cobiçavam sua recente conquista.

O fato de eu nunca ter demonstrado interesse por


nenhuma mulher além da minha, deve ter despertado em
Jurema alguma espécie de competição com seu ego, pois
suas investidas ficaram mais descaradas nos últimos
meses.

Porém seria compreensível se a vadia só estivesse


procurando alguém para suprir suas necedades que a
idade avançada de Rogério não permitia que ele
suprisse.

Olhei ao redor, me certificando de que ninguém


podia nos ver. Limpei as mãos na estopa e parei à sua
frente, mas não a toquei.

Ainda travava uma batalha interna entre ir adiante


ou não, pois sabia que se desse o próximo passo, me
arriscaria em um caminho sem volta.

No entanto, o simples pensamento de que Elisa


poderia me flagrar com o pau na boca da vizinha safada,
em vez de me assistir fodendo minha esposa
desacordada, foi o meu voto de minerva.
— Do que está disposta a
deixar eu fazer com você.
Jurema sorriu,
maliciosamente.
— Pode fazer que
quiser, grandão.

— Tem certeza?
— Minha
seriedade não a
assustou.

— Absoluta.

— Vem. — Segurei seu pulso e a puxei arrastando-a


pelo quintal na direção da porta por onde eu havia saído.

Quando estávamos a dois


passos da entrada, ela
choramingou:

— Está me
machucando!
Então a barragem foi
aberta e a lama invadiu o
rio.

Meus dedos enroscaram em seus cachos negros e os


puxaram com tanta força para baixo, que Jurema foi
obrigada a se curvar, acompanhando o movimento de
declínio do meu braço, que quase a jogou no chão, para
diminuir a ardência no couro cabeludo.

Mas antes que ela reclamasse de dor, tampei sua


boca com a mão livre e cuspi:

— O que eu quiser, lembra? — Ela piscou os olhos


marejados, incitando o que havia de pior em mim. —
Guarde suas lágrimas para quando meu pau estiver na
sua garganta. Quer ser minha vagabunda boazinha ou
não? — Jurema engoliu seco, concordando com um
aceno de cabeça. — Vai ficar quieta? — Repetiu o
movimento. — Haverá consequências se não obedecer,
entendeu? — Mais uma vez concordou.

Liberei sua boca para abrir a porta e ter certeza de


que não havia ninguém na cozinha, mas ouvi um barulho
vindo da lavanderia e notei a luz acesa, indicando que
Laura já tinha subido e Elisa estava sozinha lá dentro.

Se aquilo não era o destino comemorando o


regresso de Daniel, não sabia o que poderia ser.

Empurrei Jurema para


dentro e apontei para o
chão.

— De joelhos.
Os mamilos intumescidos, os lábios entreabertos e a
respiração entrecortada, contradiziam o medo estampado
em seu rosto.

Ela se ajoelhou à minha


frente, ofegante.

Arriei a calça junto com a cueca, atento ao corredor


estreito por onde Elisa teria que passar se quisesse ir
para o seu quarto. Entretanto sabia que ela não sairia da
toca quando se desse conta do que eu estava fazendo com
a namorada do vizinho dentro da minha própria casa,
enquanto minha esposa dormia no andar de cima.

— Gosta do que vê? — Aumentei o tom de voz,


anunciando minha presença, motivado pelo olhar guloso
de Jurema, fixo na grossura que saltou eufórica, livre de
sua prisão.
Sua expressão foi de assustada a excitada numa
fração de segundo, quando voltei a segurar seu cabelo e
deslizei a cabeça robusta entre seus lábios.

— Quer meu pau,


puta? — Não
esperei sua
resposta.

Enfiei com tudo na boca de Jurema, empurrando


sem dó no fundo da sua garganta. O prazer de ser
chupado depois de tanto tempo fodendo a mesma boceta,
somado a expectativa de Elisa assistir outra mulher me
pagando um boquete, me levou ao delírio.

— Mostra o que sabe fazer com essa boca e engole


tudo! — bradei, cerrando o maxilar.

Jurema me levou, duro, implacável. Suas unhas


fincaram nas minhas coxas e minhas mãos esmagaram as
laterais da sua cabeça, enquanto eu fodia sem parar.
Rápido, forte.

Estava no limite, alucinado para gozar, mas


precisava ter certeza de que ao menos os ouvidos de
Elisa haviam testemunhado a primeira vez que traí minha
esposa.

Por culpa dela.

Minha tortura durou até a caixa de sabão em pó


despencar da prateleira e assustar Jurema que arregalou
os olhos, ameaçando se afastar para não ser pega em
flagrante pela mulher que ela chamava de amiga.
Acertei um tapa na sua cara, não tão forte quanto eu
gostaria, mas dolorido o bastante para mostrar quem
dava as ordens, e ainda aumentei a pressão na sua
cabeça, indo e vindo com uma fúria bestial, que estava
mais relacionada com a expectadora anônima no final do
corredor, do que com a vagabunda que engoliu até a
última gota da minha porra.

Jurema sorriu e tentou me abraçar quando terminei


de gozar, porém a expulsei da minha casa, depois de
deixar claro que quando eu quisesse foder qualquer
buraco do seu corpo outra vez, ela seria avisada, e se
falasse sobre o que havia acontecido para alguém, sua
língua não estaria presente no seu próximo boquete, pois
eu iria arrancá-la.

Assim que tranquei a porta, recolhi minha roupa e


entrei na lavanderia completamente pelado. Meu pau não
estava duro, mas definitivamente não estava mole, o que
foi bom para que Elisa tivesse um vislumbre do que teria
de aguentar se desobedecesse a minha ordem.
Não me surpreendi quando me deparei com a garota
encolhida no vão entre a máquina de lavar e a secadora
de roupas. Suas bochechas pareciam pintadas de
vermelho, o cabelo despenteado, os olhos arregalados e o
peito subindo e descendo mais rápido do que qualquer
cardiologista consideraria normal.

A ratinha presa na ratoeira


do gatuno tirano.

Parei à sua frente com uma


expressão inabalável.
Nenhum sorriso.
Nenhuma palavra. Apenas meu corpo nu diante do dela.

Joguei a calça dentro da máquina e avancei um


passo. Fiz o mesmo com a cueca, em seguida outro
passo.

Estiquei o braço acima da sua cabeça, até o


interruptor, e apaguei a luz, convidando a escuridão para
testemunhar minha tentativa de ser um bom homem e dei
o último passo, pressionando seu pequeno corpo contra a
parede.

Elisa ofegou no meu peito,


tremendo da cabeça aos
pés.

Fiquei ali, absorvendo seu calor, inalando o cheiro


da sua inexperiência, me intoxicando com a promessa de
corrupção que eu seria obrigado a cumprir se ela não
fosse embora o mais depressa possível, para o mais longe
de mim que pudesse chegar, ainda que minha alma
sanguinária estivesse torcendo para que Elisa me
contrariasse e… ficasse.
NÃO!

Permitir que Jurema me chupasse era um desvio


muito mais simples de ser ajustado do que o que eu teria
que fazer se a filha de JC se tornasse a substituta de
Tônia.

Eu não queria me sentir daquela forma outra vez,


principalmente por uma garota de vinte anos sem
qualquer experiência sexual. No entanto, não sabia
explicar o porquê do frenesi alucinógeno que ela
despertava em mim.

Eu sentia e pronto.

Elisa soltou um ruído esganiçado e se debateu,


tentando se soltar a todo custo quando levantei a barra
de sua saia, ao mesmo tempo que afastei suas pernas com
meus joelhos, e comecei a roçar meu pau duro feito aço,
na sua carne quente e molhada por cima da calcinha.
Indo e vindo, para frente e
para trás. Duro, forte.
Angustiantemente lento.
Travei seus braços e imobilizei suas pernas,
impondo meu tamanho, meu domínio, minha vontade,
provando que ela não tinha nenhuma chance de escapar
e seu corpo se tornaria um brinquedinho descartável
para o meu se divertir, sempre que quisesse.

Por tesão, necessidade ou


capricho, pouco importava.

Ali mesmo, eu poderia devastar Elisa sem


clemência. Tudo que precisava fazer era afastar o tecido
umedecido para o lado e arrombar sua boceta virgem
com um único golpe.

Merda!

A ideia de me deliciar com o sangue da sua


inocência tomada a força, e as lágrimas do seu corpo
violado, por pouco não me levaram ao segundo orgasmo.

Porém quando Elisa desistiu de lutar e prendeu o


lábio inferior entre os dentes, gemendo baixinho com os
olhos fechados, percebi que ela não era a única que
estava perdendo o controle.

Então parei de me mover, abaixei a cabeça e falei


pausadamente em seu ouvido. a única verdade que ela
tinha o direito de saber.

— Se ainda estiver aqui quando eu acordar, você vai


ser a próxima de joelhos no chão da minha cozinha. Não
quero te machucar, mas é o que vai acontecer se ficar.
Pegue suas coisas e dê o fora, antes que seja tarde
demais.

Desligo o chuveiro, me recusando a me masturbar, e


começo a me preparar para mais um dia de trabalho,
ansioso para descobrir se Elisa Soares é mais inteligente
que seu pai.
— Querido? — A voz sonolenta de Laura adia minha saída do
quarto e me irrita mais do que deveria.

Respiro fundo, fecho a porta que tinha acabado de abrir e


contorno a cama para me sentar ao lado dela. Inclino-me levemente
para baixo e deposito um beijo seco em sua testa.

— Como está sentindo?

Minha esposa apoia os cotovelos no colchão, mas se deita


novamente, renunciando à tentativa de se sentar.

— O que aconteceu? — Ela


se enrola para falar.

— Estava esperando você


acordar para perguntar a
mesma coisa.
Laura cobre os olhos com o antebraço. Os lábios
esticados em uma linha fina indicam que o ansiolítico
cumpriu a tarefa de comprometer não apenas seu
raciocínio, mas também sua memória.

— Não sei, eu…

— Tudo bem. Vou pedir para a Dolores preparar um


chá. — Suspiro com pesar, insinuando que não acredito
na sua explicação. — É melhor ficar em casa. Você
precisa descansar.

Ela segura minha mão


quando ameaço me
levantar.

— Eu dispensei a Dolores. Peça para Elisa cuidar de


tudo e avise meu pai que não estou me sentindo muito
bem, mas estarei no escritório depois do almoço.

A essa hora a garota deve


estar longe de Riacho
Verde.

— Vou fazer isso. Descanse


e me ligue se precisar de
alguma coisa. Antes que eu
termine de falar, Laura já
está dormindo outra vez.
Saio do quarto e começo a descer os degraus, me
perguntando por quanto tempo irei me contentar com a
boceta da minha esposa, agora que provei a boca de
Jurema.
Tenho que ser cuidadoso se quiser a vizinha de
joelhos outras vezes, como uma válvula de escape
provisória, até retomar o controle que Elisa me fez perder.

O alívio por ter me livrado da garota não é tão


recompensador quanto eu imaginei que seria quando
passo pela sala de estar silenciosa e encontro a cozinha
vazia.

Era para eu me sentir satisfeito por ter expulsado a


única mulher que, em vinte anos, despertou Daniel do seu
sono profundo.

Mas o que sinto enquanto encaro a cadeira onde a


fedelha estava sentada na noite anterior, descascando
batatas com um sorriso inocente em seus lábios, é mais
como uma traição.

Afasto a estranha sensação de culpa e ligo para


Dolores, repetindo para mim mesmo que fiz o que o bom
homem que me tornei deveria ter feito.
Ainda que este homem, não
seja eu.

— Não sei o que aconteceu, meu filho. Não está


saindo água — Dona Mercedes aponta para a torneira da
pia. — Tive que lavar a louça no tanque.

Deixo a caixa de
ferramentas no chão e me
abaixo.

— Vou dar uma olhada. A senhora comprou o ralo


que eu indiquei para evitar entupimento?

— Comprei no
mesmo dia.

— Pode ser
algum problema
na tubulação.

— Não tenha pressa, Dante. Vou passar um café


fresquinho para você tomar com o bolo de cenoura que
fiz.

— Obrigado. — Eu me deito de costas e começo a


trabalhar, grato pelo breve momento de silêncio que não
se estende por mais de um minuto.
— Laura não apareceu na reunião semanal das
auxiliares comunitárias hoje cedo. Está tudo bem?

Fecho os olhos, apertando-


os com força.

Por motivos diferentes, todos já sabem que minha


esposa acordou indisposta, por isso cancelou seus
compromissos para cuidar da saúde, o que é realmente
incomum.

No entanto, evitei falar sobre isso o máximo que


pude, pois o mal súbito de Laura está diretamente ligado
a um outro assunto que estou determinado a esquecer.

— Ela prometeu que me avisaria se precisasse de


alguma coisa, como não recebi nenhuma ligação,
suponho que esteja melhor.

— Graças a Deus,
meu filho.

Deus não tem nada a ver


com isso.
São cinco horas da tarde e
esta é a última casa que
visito hoje.

Passei o dia atendendo chamadas de emergência,


consertando chuveiros, portões, limpando calhas e
ouvindo problemas de todos os tipos, absorvendo
informações importantes sobre a vida de cada um dos
meus clientes através de relatos que eles adoram
desabafar com o cidadão exemplar e marido perfeito.

Por algum motivo confuso, essas pessoas confiam


mais em mim mais do que em Humberto Gutierrez, pai de
Laura e pastor da cidade, acreditam na minha lealdade
para guardar seus segredos e ainda me agradecem pelos
sábios conselhos que recebem gratuitamente do faz-tudo
de Riacho Verde.

Sou leal aos meus


interesses, não deles.

Depois de quase uma hora revirando o encanamento


da casa inteira, cansado, impaciente e frustrado por não
encontrar o foco do problema, descubro que a mulher de
quase oitenta anos esqueceu de abrir a merda do registro
que seu marido fechou pela manhã quando instalou o
filtro novo.

Estou por um triz.

Só não realizo o desejo voraz de enforcar a velha


porque preciso dela para convencer seu filho a me incluir
na sua lista de indicações para clientes de outras cidades,
já que o engomadinho é advogado e presta consultoria
jurídica para várias empresas da região.
Por fim, como uma fatia de bolo, tomo uma xícara
de café e me despeço com um sorriso falso em meus
lábios, retificando que retornarei para socorrê-la, a
qualquer hora.

Enquanto dirijo para casa,


meus pensamentos voltam
para Elisa.

Dou um soco no volante, me recriminando por não


ser capaz de desviá-los da garota sem graça que tive à
minha mercê por alguns minutos e rapidamente incitou a
besta sedenta por sangue que habita nas profundezas do
meu ser.

Imagens da última vez que vi Tônia permeiam


minha mente, endurecendo meu pau com tanto vigor que
contraem meu saco.

A imagem da minha noiva pendurada pelos pulsos


se impõe; os órgãos vitais expostos através da barriga
rasgada, a dor em seus olhos e as lágrimas escorrendo
deles, superaquecem meu pau.
Preciso foder.

Faço a última curva antes de virar na rua onde moro,


prestes a sujar as calças sem ao menos me tocar.

Preciso gozar.

Estaciono o carro na garagem de casa e encaro a


Land Rover de Laura, temeroso pela vida da minha
esposa, ante a necessidade que cresce em demasia dentro
de mim.

Preciso matar.

Esfrego os olhos, assustado, pela primeira vez em


muitos anos admitindo a verdade sem me abalar.

A ânsia pelo prazer que me torna inteiro e


repugnante ao mesmo tempo, não está mais sob controle
como me iludi que estivesse, pelo contrário. É ainda mais
avassaladora do que antes, por culpa de Elisa.

Não! Não vá por aí!

Sigo em direção à porta, com a chave em uma mão e


minha mala de ferramentas na outra, desesperado para
foder Laura a noite toda, nem que para isso eu tenha que
dopá-la novamente e meter em sua boceta como se ela
fosse uma boneca inflável.

No entanto, de todos os possíveis cenários que previ


encontrar no momento que entrasse em casa, nenhum se
compara ao que, de fato, encontro.
Laura está no meio da sala, de pé ao lado de
Humberto, exibindo o sorriso treinado que herdou do pai
para angariar fundos para a igreja e enriquecer o
patrimônio da família.

Os dois sorriem em seus exclusivos trajes de gala,


exalando riqueza, poder e falsa modéstia.

Mas quem atrai minha atenção é a figura miúda,


parada na frente deles, segurando uma bandeja de prata
embaixo do braço, que dá um pulinho no lugar e leva a
mão ao peito quando a porta se fecha atrás de mim num
baque pesado.
Pelo visto, além de não ter sido convidado para
acompanhar minha esposa no evento desta noite, Laura
também decidiu por conta própria me contrariar, trazendo
de volta para dentro na nossa casa a garota que me
empenhei para expulsar da minha vida.

Pelo visto, Elisa Soares vai


pagar caro pelo seu erro.
Meu corpo estremece. As batidas do meu coração aceleram. Meu sorriso se desfaz e
meus pés saem do chão quando o estrondo vindo da porta penetra meus tímpanos.

Seu Dante acaba de chegar e pela maneira que me encara, sei que pretende cumprir a
promessa que me fez na lavanderia.

Você vai ser a próxima.

Um arrepio atravessa minha coluna ao me imaginar sendo obrigada a fazer o que


aquela mulher fez de livre vontade.

E gostou.

— Querido! Que bom que chegou — dona Laura diz, sai de perto do pai e caminha
elegantemente em direção ao marido.

Quando para ao lado dele, é impossível ignorar a diferença entre os dois, o que
talvez explique a cara feia do pastor.

Seu Humberto não parece feliz com a escolha da filha, ainda que tenha passado a
última hora pregando a importância do ser e a insignificância do ter, enaltecendo que
devemos valorizar a pessoa e não os bens materiais que ela possui.

— O que está acontecendo aqui? — Seu Dante não aceita o toque da esposa, joga a
caixa de ferro que segura no chão e cruza os braços, à espera de uma explicação.

Dona Laura olha para o pai e depois para mim.

— Vocês podem nos dar licença? Gostaria de falar com meu marido em particular.
Estou pronta para fugir correndo e seu Humberto
pronto para falar alguma coisa, mas a voz autoritária do
melhor amigo do meu pai não permite que nenhum de
nós faça nada.

— Se eu sou o
único que não
sabe, eles podem
ficar e ouvir.

— Querido, por
favor.

— Qual o problema, querida? Não quer que seu


pai fique constrangido por você preferir a companhia dele
em vez da minha, ou está com medo que a sua nova
empregada espalhe para toda a cidade que você prefere
ser vista com o seu pai do que com o seu marido? — Ele
passa a mão no cabelo, descendo o olhos pelo corpo da
esposa e fala alguns tons mais baixo, desanimado: —
Quer saber, Laura? Estou cansado. Vou tomar um banho e
ir dormir. Aproveite a festa.

Seu Dante cumprimenta o sogro, acenando com a


cabeça e sobe direto para o quarto, sem dispensar um
olhar para mim. Ele me odeia.

Não sei por que seu desprezo me entristece, já que


eu mal o conheço e nas poucas vezes que falou comigo,
não se deu o trabalho de ser ao menos educado.

— Elisa. — Dona Laura apoia a mão no meu ombro,


me tirando dos devaneios.

— Sim?
— Lembre-se do que conversamos, está bem? —
Faço que sim com a cabeça, embaraçada. — Meu marido
não é uma má pessoa. Ele só precisa de um tempo e tudo
vai ficar bem. Eu prometo.

— Quer me contar alguma coisa, filha? — Seu


Humberto ergue uma sobrancelha.

— Não, pai. Nós já conversamos e Elisa entendeu


tudo, não é, querida? — Assinto e encaro meus pés,
evitando o olhar desconfiado do pastor, pois ele não sabe
quem eu sou, nem quem é o meu pai.

Quando Dona Laura me ligou e soube que eu estava


na rodoviária esperando o ônibus para São Paulo, ela me
perguntou por que eu tinha desistido de trabalhar na sua
casa.
Claro que não contei o que vi ontem à noite, nem
que seu Dante me encurralou na lavanderia ou a ameaça
que me fez, muito menos que as duas únicas vezes que
gozei, foi graças a ele.

Se tem uma coisa boa que minha mãe me ensinou,


foi a nunca fazer fofoca.

Entretanto, falei que seu marido não gostava de mim


e a última coisa que eu queria era criar qualquer problema
no relacionamento deles. Dona Laura foi muito gentil e
me convidou para almoçar.

Eu estava morrendo de fome e já tinha gastado quase


todo meu dinheiro na passagem, por isso aceitei seu
convite, mas pretendia voltar para a rodoviária e sair da
cidade, como seu Dante mandou.

Mas durante o almoço, ela me contou a mesma


história que meu pai me contou quando perguntei por que
tinha sido preso, confirmando que Daniel Bonavides não
mentiu na carta que escreveu há vinte anos, e agora está
comigo.

Dona Laura também revelou por que ele assumiu


uma nova identidade quando a conheceu.

Ela realmente acredita que seu marido não me quer


aqui, por eu ser filha do homem que assassinou
brutalmente a mulher que ele amava desde a infância. E é
bem provável que a minha presença traga recordações
que ele se esforça para esquecer.

— Posso confiar em você para cuidar do Dante


enquanto eu estiver fora, Elisa?
O que eu mais quero é cuidar do seu marido, mas
não do jeito que ela está me pedindo. Admitir que seu
Dante me faz sentir coisas que eu nunca senti na vida, é a
prova de que Lindalva sempre teve razão.

Filha de puta, putinha é.


Está no sangue.

Logo eu, que tanto critiquei minha mãe por se deitar


com homem casado em troca de dinheiro, pareço uma
cadela na cio quando me lembro do marido da dona
Laura me prendendo contra a parede completamente sem
roupa, grande, forte, musculoso e tão duro, mesmo depois
de ter feito todas aquelas coisas com a outra mulher.

Engulo em seco, morrendo


de vergonha.
— Sim, senhora.
Pode confiar em
mim.

Ela sorri lindamente e me


abraça.

— Por que não leva alguma coisa para ele comer e


tenta puxar uma conversa? Dante está acostumado a
jantar quando chega do trabalho, mas não vai descer
sabendo que você está aqui embaixo.

— Vou fazer isso.

— Obrigada.
Devo chegar
tarde, então não
me espere
acordada.

— Sim, senhora.

Seu Humberto segue a filha para fora sem se


despedir. Quando o carro da dona Laura dobrar a esquina,
corro para a cozinha para preparar um sanduíche, duas
omeletes e uma travessa de salada.

Meia hora mais tarde, estou no andar de cima,


parada em frente ao quarto dele, com as pernas bambas e
o coração quase saindo pela boca, em dúvida se devo
bater e esperar, ou deixar a bandeja no chão e passar o
resto da noite trancada no banheiro.

Mas antes que eu decida, seu Dante abre a porta,


com uma toalha enrolada na cintura, o cabelo molhado e
um brilho no olhar de puro ódio. Então não faço nem uma
coisa nem outra.

Apenas o que ele manda.


Tomo um banho demorado, sorrindo feito um idiota quando a raiva se dissipa e fica
apenas a luxúria doentia que rege minha alma.

Dessa vez, não me culpo pela desgraça que está para acontecer, pois tentei me livrar de
Elisa para manter minha fachada de bom homem e meu casamento de merda intactos.

Mas Laura não me deu ouvidos, agindo pelas minhas costas, atando meus pulsos e me
castrando na frente do seu pai, como sempre para provar que ele estava errado e seu marido
não é o homem autoritário e abusivo que o pastor tem certeza de que eu sou.

Em outra época, eu teria me vingado curvando minha esposa sobre a mesa de jantar e a
estuprando na frente do velho que a trata como uma princesa, para mostrar quem realmente
está no controle, mas degradar a mulher que deveria me apoiar ainda seria pouco por toda
vergonha que ela me fez passar.

Para as nobres damas da alta sociedade de Riacho Verde não há nada mais humilhante do
que serem traídas com as putinhas do subúrbio que se
recusam a seguir as normas da comunidade cristã e adotar
o pastor como seu guia espiritual.

Agora Laura vai aprender que viver com a dúvida é


mil vezes pior do que conviver com a verdade.

Traço a linha do tempo imaginária que irá me


premiar com o único troféu que desejo e enquanto me
direciono até ele, garantirei a vingança perfeita contra
minha digníssima esposa.

Por vinte anos construí uma reputação irretocável,


portanto não será fácil para Laura e Humberto me
caluniarem, especialmente se eu tiver um trunfo
escondido na manga.

E eu terei o maior de todos


em breve.

Quando desligo o chuveiro, enrolo a toalha na


cintura e vou para o quarto. Sentado na cama, pego o
telefone e ligo para Claudia, minha psicóloga e melhor
amiga de Laura, que atende no segundo toque.

— Alô. — Seu tom é uma


mistura de surpresa e
preocupação. Ela sabe que
sou eu, por isso, respiro
fundo, mas não digo nada.
— Dante?

Quem mais poderia ser?

— Desculpa te ligar a essa hora, Claudia, mas… —


pigarreio — preciso de ajuda e não confio em mais
ninguém.

— Onde você
está?

— Em casa.

— Laura está
com você?

Solto o ar com força, como


se estivesse com dor.

— Ela saiu com o


Humberto.

A psicóloga fica em
silêncio por alguns
segundos.

— Você quer
falar sobre isso?
— Não, mas sinto que se não colocar tudo para
fora, vou acabar enlouquecendo.

— Certo, então…

— Pode vir até aqui? — Antecipo-me, jogando a


isca antes que ela sugira para nos encontrarmos no
consultório.

— Claro. Me dê
alguns minutos.

— Não tenha pressa. Laura foi a algum evento de


gala e deve demorar para chegar.

— Ok, até daqui


a pouco.

— Obrigado. — Encerro a ligação, jogo o telefone


em cima da cama e fico de pé.

Primeiro passo foi fácil, agora tenho que garantir


que Elisa assista o que farei com a psicóloga e, assim
como eu, culpe Laura pela traição.

Duas batidas na porta me


colocam em alerta máximo.

Não esperava uma visita da garota, mas não vou


negar que me alegra recebê-la em meu quarto apenas de
toalha, antes da chegada de Claudia.

— O que você quer? — falo, asperamente, satisfeito


com a maneira que seu olhar passeia pelo meu tronco nu
e desce até o volume evidente sob o tecido felpudo.

— Vim trazer seu jantar. Dona Laura disse que o


senhor costuma comer quando chega do trabalho, mas
talvez não quisesse descer por minha causa. — Sua voz
beira a um murmúrio sofrido. — Por favor, não me
odeie…

Elisa desvia os olhos para a bandeja em sua mão,


envergonhada. No entanto, posso jurar que a sua
vergonha não é por acreditar que não é bem- vinda na
casa do melhor amigo do seu pai, mas por se sentir
atraída justamente pelo homem casado que ela acredita
que não a deseja.

Está na hora de confundir sua cabecinha e começar a


prepará-la para o dia em que irá me implorar para
corromper sua doce inocência.
— Coloque a bandeja em cima da cômoda. — Não é
um pedido, porém a deixo plantada no corredor enquanto
viro de costas, jogo a toalha em cima da cama e abro uma
gaveta do closet.

Apesar de fingir que não dou a mínima, sei que ela


entrou quando escuto o barulho da peça prateada sendo
acomodada sobre a de madeira, à minha esquerda.

Demoro mais que o necessário para escolher a


cueca, a bermuda jeans e a camiseta básica branca de gola
V.

Elisa não sabe, mas o fato de se acostumar com a


minha nudez naturalmente criará um vínculo de
intimidade entre ela e meu corpo que ninguém será capaz
de quebrar.

Em alguns dias, a garota se sentirá dona do que


jamais pertenceu a ninguém e terá que escolher entre
continuar como coadjuvante das minhas trepadas
extraconjugais e assumir o papel de protagonista para que
nenhuma mulher toque novamente no que ela acredita
que é dela.

Inclusive minha própria


esposa.

Será mais que divertido acompanhar seu processo de


transformação de perto, puxando as cordas certas para
que o momento mais aguardado pelo meu pau seja
memorável.

Especialmente para Laura.


Depois de fazer Elisa esperar por longos minutos,
deposito as três peças no encosto da cadeira com cuidado
e me viro de frente para ela olhando no fundo dos seus
olhos.

Inspiro profundamente, reprimindo o desejo violento


que me consome de jogá-la na cama, rasgar suas roupas
cafonas e arregaçar sua boceta virgem de uma vez, apenas
para descobrir o que essa garota tem de tão especial para
conseguir ferrar a minha vida tão rápido.

Sem sequer saber o que


está fazendo.

Como um predador em noite de caça, me aproximo


lentamente de Elisa, que recua dois passos ao perceber
que será encurralada de novo, mas é detida pela parede
atrás dela e leva a mão ao peito, ofegante, ciente de que
não tem outra opção além de se render ao ataque
iminente.
Exatamente como fiz na lavanderia, apoio as mãos
ao lado da sua cabeça, usando meu corpo completamente
nu para pressionar o seu, completamente vestido. Uso o
joelho para afastar suas pernas, sentindo sua respiração
no meu pescoço.

Ela não se debate, não luta


contra, nem desvia o olhar.

Nenhuma palavra.

Minha mão escorrega para baixo, resvalando a ponta


dos dedos em seu ombro, seio, barriga, virilha, coxa e
joelho, até alcançar a barra da saia marrom em seu
tornozelo.

Cada movimento milimetricamente calculado para


excitar Elisa a ponto de fazê-la gozar com nada mais que
um sopro em seu clitóris.

A subida é ainda mais torturante que a descida, tanto


para ela quanto para mim.

Diferente da noite anterior, a claridade permite que


eu me delicie com as nuances em sua expressão, com o
brilho lascivo reluzente em seus olhos castanhos se
revirando em órbita, o eriçar dos pelos, os bicos dos seios
perfurando a blusa velha manchada de respingos de água
sanitária e a secura em seus lábios, que obriga sua língua
a dançar entre eles para lubrificá-los.

Elisa deixa escapar um gemido quando meus dedos


contornam o elástico da sua calcinha, porém frustram sua
expectativa por não a tocarem onde ela mais necessita ser
tocada.
Então, o que sinto explodir dentro do meu peito no
segundo em que Elisa apoia suas mãos pequeninas,
quentes e macias sobre ele, me tira do transe, resgatando
a raiva familiar.

— O que você quer? — repito a pergunta ainda mais


grosseiro e cerro a mandíbula, espremendo sem
delicadeza os lábios da sua boceta entre os nós do
indicador e do dedo médio, lambuzando-os com o líquido
melado que encharca o tecido de algodão.

A garota empurra os quadris para frente, me


oferecendo por instinto o que eu quero que me dê por
necessidade.

— Que não me odeie — balbucia com os olhos


apertados, implorando em silêncio para que eu a faça
gozar.
Ainda não, ratinha.

Esmagando seu clitóris impiedosamente, me inclino


e vocifero em seu ouvido:

— Não odeio você. Odeio querer o que não posso


ter. — Eu me afasto de repente, orgulhoso por não
demonstrar o quanto me sinto bem por causar uma pane
em seu corpo e o quanto a odeio por me fazer desejá-la
mais que qualquer mulher que já desejei. — Minha
convidada está para chegar. Vá para o seu quarto e não
saia de lá até eu mandar.

Visto minha roupa e desço para esperar a psicóloga,


deixando para trás uma Elisa excitada, confusa e mais
curiosa do que nunca.

Daniel está de volta,


ansioso para se divertir.

— Obrigado por ter vindo — agradeço,


cumprimentando Claudia com um beijinho no rosto e
tranco a porta.

— Sua ligação me pegou desprevenida, mas


confesso que fiquei feliz por ter me ligado. Gosto de
saber que meus pacientes confiam em mim e sabem que
podem contar comigo para qualquer coisa.
A psicóloga larga a bolsa em cima do aparador,
senta no sofá de três lugares, cruzando uma perna sobre a
outra e aponta para o bar, no canto esquerdo, que Laura
mantém abastecido.

— Podemos dividir uma bebida e conversarmos


como velhos amigos, ou você prefere fazer uma sessão de
terapia domiciliar com a sua psicóloga?

— Velhos amigos está bom para mim — respondo


com seriedade. — O que quer beber?

— O mesmo que
você.

Sirvo duas doses e entrego uma para ela. Depois de


brindarmos, tomo um gole, aproveitando para dar uma
olhada na direção da escada e sorrio ao notar a sombra de
Elisa se mover na parede.
Eu me sento ao lado de Claudia, com o corpo
levemente inclinado para frente e os cotovelos apoiados
nas coxas.

— Qual o
problema, Dante?

Virando a cabeça para o lado, encaro a psicóloga


com uma expressão magoada.

O vestido preto de um ombro só, os sapatos


vermelhos de salto alto, a maquiagem e o cheiro de
perfume caro, denunciam que suas insinuações nas
últimas sessões não foram coisas da minha cabeça.

Claudia é uma vadia invejosa com a missão de trepar


com o marido da amiga apenas para curar seu ego, ferido
pelo ex noivo que ela flagrou comendo a secretária do pai
de Laura, ao antecipar sua volta do retiro espiritual para
fazer uma surpresa para o amado, às vésperas do
casamento.

A cereja do bolo é que o cara estava transando com a


amante no apartamento que eles iriam morar quando
retornassem da lua-de-mel.

Ao longo dos últimos dez anos, desde que Claudia


cancelou o casamento e seu namorado de infância se
mudou para São Paulo, a traição do seu ex e o
relacionamento bem-sucedido da sua melhor amiga, se
tornaram assuntos corriqueiros nas rodinhas de fofoca da
cidade, e ela sabe que Laura nunca fez questão de
esconder a satisfação por ser referência de sucesso
sempre que a vida de uma é comparada com a da outra.
Por isso, tenho certeza de que não terei que me
esforçar muito para comer a psicóloga esta noite, e ela
ainda se sentirá realizada com a ideia de transformar a
amiga em corna conformada, como a funcionária de
Humberto que Laura defendeu ao culpar o homem
comprometido pelo adultério, a transformou.

Daniel é especialista em gerar conflitos e ninguém


melhor do que ele para libertar Riacho Verde das garras
dominadoras dos Gutierrez.

— Você sabe o quanto eu amo minha esposa — digo


com um misto de decepção e revolta. — Mas sou homem
e tenho necessidades. Há vinte anos aguento tudo calado
e há alguns meses venho me anulando em nome do
egoísmo dela, mas depois do que aconteceu hoje não
posso mais aceitar ser tratado como um subordinado que
vive para acatar suas ordens. Laura ultrapassou todos os
limites e não sei mais o que fazer para ela entender que a
única lei que um casamento deve seguir é a do amor e
para que dê
certo, as duas partes precisam ser humildes, reconhecer
suas falhas e ceder em prol da felicidade do outro.

Solto o ar preso em meus pulmões, curvando os


ombros em sinal de derrota e finalizo o discurso falso-
moralista que fará Claudia cavalgar no meu pau como
uma amazona. A psicóloga só precisava de uma desculpa
para trair a amiga. Graças a mim, agora ela tem.

— Estou cansado de lutar sozinho pelo meu


casamento e você é a única que pode me ajudar a
continuar casado.

Claudia gira o corpo,


ficando de frente para mim.

— Do que você precisa?


Respiro fundo.
— De uma mulher que
goste de foder. A psicóloga
arregala os olhos.
— Você e a Laura
não fazem sexo?

— Não estou
falando de
penetração.

— Do que está
falando?

Tiro o copo de sua mão e o coloco em cima da


mesinha de centro junto com o meu. Encostando-me no
sofá, estendo as pernas para evidenciar minha ereção e
desço meu olhar para o meio de suas coxas.
— De chupar uma boceta com a luz acesa e ver a
mulher embaixo de mim se contorcer até gozar na minha
boca. — Subo lentamente até os dois montes siliconados
quase saltando para fora do decote. — De fazer uma
espanhola e encher a boca da minha putinha, porque entre
quatro paredes não quero uma fêmea reprimida. Quero
uma puta que não tenha nojo de engolir minha porra. —
Encaro seus lábios pintados de vermelho. — Estou
falando de pegar uma mulher gostosa de quatro, de meter
sem dó, de puxar cabelo e dar umas palmadas na sua
bunda enquanto eu meto por trás com um dedo no rabo
dela. — Meus olhos encontram os dela, que mal
conseguem ficar abertos. — Estou falando de foder a
noite toda como um animal. Sem vergonha, princípios
morais e os ensinamentos de Deus servindo de lacre para
o cu da minha esposa. Preciso de uma mulher que
queira o meu pau profundamente enterrado dentro dela e
me deseje como homem, não como um maldito troféu.

Tiro a camisa, desabotoo a


bermuda e abro o zíper.

A psicóloga lambe os beiços e descruza as pernas


quando puxo meu pau para fora, me convidando para
brincar no seu parquinho.

Não recuso.

Enfio uma mão por dentro da sua calcinha, me


surpreendendo com o quão molhada ela está, e começo a
me masturbar com a outra.

— Preciso de uma bocetinha safada que esteja


sempre ensopada e pronta para mim, como a sua está
agora só de ouvir minha voz, Claudia. É disso que eu
estou falando.

Um segundo depois, a psicóloga cai de boca e mama


meu pau feito uma cabrita esfomeada, mas meu primeiro
orgasmo da noite pertence a garota que observa tudo do
alto da escada, sem sequer imaginar que também está
sendo observada.
Sei melhor que ninguém o quanto é errado.

Tão, tão errado.

Mas não consigo parar de olhar, embasbacada, a moça chamada Claudia chupar o
membro do seu Dante como se a vida dela dependesse daquilo. A visão me provoca
tantos sentimentos ao mesmo tempo, que sou incapaz de definir qual o melhor ou o pior.

No entanto, mesmo sentindo raiva por ele estar traindo a dona Laura; solidariedade
pelo motivo que o levou a traí-la; decepção por ela tratá-lo de forma tão insensível e não
valorizar o amor dele; e ciúme por ele ter procurado em outra o que deixou de encontrar
na esposa, neste exato momento, o sentimento mais intenso que me consome a ponto de
sufocar, é o desejo insuportável de estar no lugar dessa mulher.

Dou uma espiada para ter certeza de que eles não podem me ver e enfio a mão por
baixo da saia que comprei num brechó em Canteiros.

Eu poderia me envergonhar da condição miserável que encontro no meio das minhas


pernas, mas estou tão aflita para me tocar que esqueço a timidez, os deveres morais e os
princípios básicos da ética que determinam o certo e o errado.

Não é a primeira vez que assisto duas pessoas fazerem sexo, pelo contrário. Passei
minha adolescência inteira abrindo a porta de casa para os clientes da Lindalva, ouvi seus
gemidos, gritos, pedidos e xingamentos, mais vezes do que sou capaz de me lembrar e
presenciei orgias que começaram na sexta à noite e só terminaram no domingo.

Lindalva se deitava com homens, mulheres, jovens, velhos e até com algumas
crianças que estudavam na mesma escola que eu.
Ela era tão viciada em drogas quanto em sexo e
quando não tinha clientes, usava objetos e até animais
para satisfazer seus vícios.

Nojento.

Desde que me conheço por gente sexo nunca foi


algo inédito para os meus olhos e ouvidos, mas sem
dúvida era para as minhas partes mais íntimas, pois até
dois dias atrás eu sequer cogitava me deitar com um
homem solteiro, mesmo que ele fosse meu namorado.

Que dirá com um homem compromissado com idade


para ser meu pai, que tem uma esposa linda, rica e
inteligente como a dona Laura e, ainda por cima, passa
por uma crise em seu casamento.

Nunca.

Meu cérebro está uma bagunça não apenas porque


Lindalva se encaixaria perfeitamente na descrição que seu
Dante fez da mulher que precisa, mas também pelas
últimas palavras que ele me disse antes de descer para
esperar sua convidada.

— Não odeio você. Odeio


querer o que não posso ter.

Será que ele me quer e sente ódio por acreditar que


não o quero, ou dona Laura tem razão e seu Dante acha
que não pode me querer por eu ser filha do homem que
matou a mulher que ele amava?

Cada vez que tento entender, em vez de esclarecer


minhas dúvidas fico mais confusa.
Desde que descobri que o que minha mãe fazia para
sobreviver poderia destruir o que eu sempre sonhei em ter
— uma família —, criei aversão ao sexo. Pelo menos ao
tipo de sexo que ela fazia.

Por dinheiro.

Agora, sentada aqui na escada, bisbilhotando e


ouvindo seu Dante xingar a moça de puta, vadia,
vagabunda, enquanto empurra com força na boca dela, e
em dúvida se entendi direito o que ele quis dizer com
aquelas palavras, tudo que penso é em sexo.

Como será minha primeira


vez e, principalmente, com
quem.

É errado querer que seja


com ele?
Sim! Muito errado!

— Vou gozar, porra! — A voz grossa e rouca do


marido da dona Laura ecoa pela sala, como se estivesse
dizendo para mim.

Gozando para mim.

Meu ventre se contrai quando uma onda de calor me


inunda, luzes coloridas serpenteiam sob minhas pálpebras
fechadas e meu corpo é atingido por uma sensação que
jamais provei na vida.

Um líquido derrama sobre os meus dedos num


esguicho viscoso que se prolonga pelo tempo que seu
Dante geme com a cabeça jogada para trás, me
conduzindo a um estado de embriaguez sem ter ingerido
uma grama de álcool, que me impede de raciocinar.

O êxtase que experimento pela primeira vez é


maravilhoso, indescritível e suga toda minha energia. Não
tenho força nem para me mexer, quanto mais para me
recompor.

Mas então seu Dante manda a mulher tirar a roupa e


esperar pelo seu pau curvada sobre a mesa, enquanto ele
vai buscar a caixa de preservativos.

O medo de ser flagrada na escada me apavora e o


pavor me obriga a querer correr para me esconder no meu
quarto, entretanto meu cérebro demora para assimilar o
tamanho do problema que terei que resolver se continuar
aqui.
Minhas mãos escorregam nos degraus, meus pés
patinam e minhas pernas parecem duas varas de pesca
tremulantes, no instante que vejo o homem subir a
escada, forte, alto, despenteado, suado, sem roupa e com
o membro duro, apontando para cima.

Fico sem ar, hipnotizada pelo mastro grosso de carne


rosada que agora está parada à minha frente.

— Perdeu alguma coisa,


Elisa?

Pisco, atordoada, levantando a cabeça para me


deparar com um par de olhos negros estreitos, frios e
severos, que prometem retaliação por conta da minha
desobediência.

Eu espero a punição com humildade, pois sei que


errei, mas o que realmente me aterroriza é que o fato de
não estar com medo de ser punida
pelo homem que me encara com uma expressão
diabólica, e sim, ansiosa para saber o que ele fará comigo,
confirma o que Lindalva me disse antes de morrer.

Você é uma puta, minha filha. Sangue do meu


sangue. E não há nada que possa fazer para mudar o seu
destino.
— Perdeu alguma coisa, Elisa? — sibilo por entre os dentes cerrados, inebriado pelo
cheiro da sua boceta virgem.

Meu pau pulsa diante dela, cativando seu olhar guloso.

Sei que do jeito que está excitada, ela faria qualquer coisa que eu quisesse e quero que
faça muitas coisas, mas mesmo desesperado para depravá-la de todas as maneiras possíveis,
me contenho.

Quando a ratinha for minha, nada além da sua destruição irá me satisfazer e tão certo
quanto as vinte e quatro horas do dia, eu irei destruir essa garota até não sobrar nada da sua
alma.

Ela levanta o olhar, encontrando minha expressão assassina, porém não é medo que vejo
nele, mas expectativa.

Não posso aceitar essa merda.

Elisa tem que temer Daniel mais do que teme a Deus e o Diabo, pois preciso da filha de
JC para substituir Tônia e ela só servirá para o meu propósito se souber que posso arruiná-la
a qualquer momento.

Seguro seu queixo com tanta força, que meus dedos afundam em suas bochechas.

— Não mandei você sair do seu quarto, mas me desobedeceu e está aqui escondida
vendo a amiga da Laura me chupar. Gosta de assistir, Elisa? Quer saber como eu fodo uma
vagabunda?

Corroído pela fúria, solto seu queixo apenas para extravasar e acerto um tapa na sua
cara. Sua cabeça tomba para o lado devido ao impacto da minha palma aberta na sua
bochecha.

Elisa arregala os olhos, em choque.


Quando abre a boca para falar qualquer merda, fecho
a mão em sua garganta, esmagando sua traqueia e
roubando o ar de seus pulmões, sem lhe dar tempo para
protestar.

Inclinando-me para frente, jogo meu peso sobre ela e


forço seu corpo para baixo até suas costas atingirem as
quinas de granito dos degraus. Elisa segura meus pulsos,
fazendo uma careta de dor enquanto sua pele pigmenta
em diferentes tons de vermelho.

Finalmente o pânico reluz novamente em seus olhos,


de onde nunca deveria ter saído.

— Shh… — murmuro em seu ouvido: — Pode


assistir o quanto quiser. Você não passa de uma putinha
safada e nunca vai chegar aos pés de nenhuma mulher
que eu já comi.

Aliviando o aperto, deposito um beijo demorado em


sua testa, contemplando o tremor de sua respiração.

— Se abrir a boca sem a minha autorização, Laura


vai saber que a empregada que ela tanto confia, gosta de
gozar pensando no pau do marido dela. — Deslizo a
ponta da língua entre seus lábios ao mesmo tempo que
afasto a calcinha para o lado e acaricio seu clitóris com a
ponta do polegar.
— Se deixar outro homem encostar nessa
boceta, eu mato o filho da puta.

Claudia resmunga alguma coisa no andar de baixo,


só então me lembro que a deixei esperando com a
desculpa de buscar preservativo, para confrontar Elisa.
— Vou foder a psicóloga bem gostoso em sua
homenagem. — Lambo o dedo que usei para brincar com
seu grelinho, festejando as lágrimas que escorrem por seu
rosto. — Se se comportar direitinho, talvez eu deixe você
me chupar no meu quarto, quando sua patroa estiver
tomando banho.

Endireito os ombros, sorrindo com sarcasmo, antes


de dar meia-volta e voltar para a sala, onde Claudia me
espera deitada sobre a mesa de jantar, nua e com a bunda
para cima.

Eu já tinha deixado uma cartela de camisinhas no


armário da cozinha antes de ela chegar, mas a vadia está
tão louca para ser fodida que nem percebe a mentira que
conto para justificar o tempo que fiquei no andar de cima,
procurando a caixa de preservativos.
Posicionando-me atrás dela, admiro o buraquinho
enrugado no meio da sua bunda enquanto desenrolo o
látex no meu pau e o lambuzo com cuspe para facilitar
minha entrada.

Elisa me deixou duro pra caralho, agora estou


ansioso para arrombar o cuzinho de Claudia, porém não
resisto e olho por sobre o ombro na direção da escada,
apenas para me arrepender quando não vejo a sombra
dela na parede.

A garota impertinente me desobedeceu de novo, o


que acaba sendo bom para a melhor amiga da minha
esposa, e pela próxima hora, é nela que desconto toda a
raiva que estou de Elisa.

Mesmo que a boceta de Claudia seja boa de foder,


não tenho intenção de manter um caso nem com a
psicóloga nem com ninguém.

Ainda assim, perto das dez da noite, prometo


transformar nossas sessões de terapia em sessões de
trepadas épicas apenas para me livrar dela e usufruir da
casa vazia para ensinar uma pequena lição para a ratinha
desaforada.

No entanto, logo que termino de limpar a bagunça


que ficou na sala, ouço o motor da Land Rover entrando
na garagem. Meio minuto depois, Laura abre a porta com
a bolsa em uma mão e os sapatos na outra. A maquiagem
borrada denuncia que esteve chorando.

Uma luz de emergência acende na minha cabeça, me


alertando que ela esconde alguma coisa, porém quando
minha esposa corre na minha direção e se joga em meus
braços, pedindo perdão por tudo que fez, não insisto para
que pare de enrolar e me conte a verdade.

Prefiro descobrir sozinho e


acumular trunfos para o
futuro.

Seu dramalhão não me comove, tampouco impede a


volta definitiva de Daniel, mas decido tirar proveito da
sua culpa para mostrar a Elisa o que irá acontecer sempre
que me desafiar.

E dou a ratinha um presente


que ela não ficará feliz de
receber.
Assim que seu Dante começa a falar com a moça, fujo para o meu quarto e fecho a porta,
lamentando não ter uma chave para trancá-la e garantir que ninguém entre sem ser convidado.

De frente para o espelho, levo a mão à garganta onde as marcas da mão dele ficaram
gravadas na minha pele, como um lembrete do que acontecerá comigo se não esquecer de vez a
história que o melhor amigo do meu pai me acolheria em sua nova família, e ir tentar a vida em
São Paulo, onde ninguém me conhece, sabe quem eu sou nem de onde eu vim.
Recomeçar. Seguir em frente.

As lágrimas não dão trégua e caem livremente, banhando meu rosto magro, sem vida.

Lindalva era uma péssima mãe, mas era a única que eu tinha e ainda que as nossas
personalidades diferentes em tantos aspectos, tornassem nossa convivência sob o mesmo teto
insuportável, ela foi a única que sempre esteve ao meu lado.
Tiro a roupa e entro no box, esperançosa que o
banho lave a sujeira do meu corpo, mas principalmente
dos meus pensamentos. Em apenas dois dias minha mente
virou um caos e não tenho o direito de culpar ninguém
além de mim mesma.

Chego a soluçar quando esfrego o sabonete no meio


das pernas, inconformada com a maneira que meu núcleo
se contrai, pulsante, ao me lembrar do prazer que senti ao
simples toque de um dedo do homem casado que me
desprezou cruelmente para logo em seguida, dizer que
mataria qualquer filho da puta que tocasse na minha
intimidade.

Como não ficar confusa com palavras tão grosseiras


que expressam um sentimento tão bonito?

Seu Dante age como se não me quisesse e o prazer


que ele sente em me humilhar é algo impossível de
ignorar, já que está estampado em seu olhar sarcástico.

No entanto, pela segunda vez, depois de fazer com


que eu me sinta um zero à esquerda, ele revela nas
entrelinhas que o ataque é sua estratégia de defesa.

Encosto a testa na parede azulejada, respirando


fundo para me acalmar e encontrar um jeito de ir embora
sem que dona Laura desconfie que me sinto
arrebatadoramente atraída por seu marido, e seu Dante
acredite que a decisão de partir foi tomada por qualquer
motivo, menos por causa desse sentimento perturbador
que ele despertou em mim no instante em que abriu a
porta e surgiu na minha frente como um príncipe da
periferia.
Encaro os potes de creme hidratante alinhados na
prateleira, em dúvida se devo usá-los ou não.

Nunca tive a chance de cuidar do meu corpo.


Lindalva vivia em dívida com traficantes da cidade e eu
acabava pagando as despesas de casa com o dinheiro que
recebia das faxinas, que mal dava para comprar miojo e
café.

A maioria das mulheres de Canteiros se recusava a


me contratar, e as poucas que gostavam do meu trabalho
não me deixavam sozinha nem para ir ao banheiro, pois
temiam que eu fosse seguir os passos da minha mãe e
seduziria seus maridos com um único olhar.

Devolvo o pote bonito no lugar, sobrecarregada pelo


peso da culpa, pois é exatamente isso que estou fazendo
desde que dona Laura me pediu
para cuidar do seu Dante, em vez de mebe
neficiar da primeira oportunidade real
que tenho para provar que elas estavam erradas.

Não sou uma puta. Repito


várias vezes. Não sou uma
puta.
Visto a única camisola comprida que Lindalva tinha
no guarda-roupa, escovo os dentes e me deito,
determinada a dormir e decidir o que fazer amanhã de
manhã, com a mente e o corpo descansados.

Mas é como se uma banda de rock formada por


percevejos ensaiasse dentro do colchão.

Viro de um lado para o outro. Deito de bruços.


Tampo a cabeça com o travesseiro. Nada adianta.

Imagens do que o seu Dante deve estar fazendo com


a moça no andar de baixo entopem meu cérebro,
comprimem meu peito e molham minha calcinha limpa.

Ouço uma voz feminina no quintal e pulo da cama


para espiar pela fresta da janela, confirmando que a
convidada está se despedindo.

Protegida pela escuridão da noite, acompanho os


passos dela até o carro luxuoso estacionado na frente do
portão, me perguntando se eles irão se encontrar outra vez
para trair dona Laura e me recrimino na mesma hora.

Não é da minha conta.

Quanto menos eu souber da


vida dele, melhor para
mim.

Apesar da minha mente saber o que deve fazer, meu


corpo não concorda com ela. Por isso, atravesso o quarto
na ponta dos pés e colo o ouvido na porta sem a mínima
ideia do que espero ouvir, já que seu Dante está sozinho
lá embaixo.

No entanto, dona Laura chega logo em seguida e o


silêncio no corredor dá lugar a gemidos escandalosos,
sussurros apaixonados e o barulho inconfundível de dois
corpos se amando loucamente.
Escorrego as costas na madeira até minha bunda
alcançar o chão, jogo a cabeça para trás e fecho os olhos,
acolhendo meu castigo por cobiçar um homem casado.

Mesmo sem dormir direito e com uma dor infernal


na coluna por ter passado a noite toda no chão, na manhã
seguinte chego à conclusão que define meu futuro:

Sou fruto da união de uma prostituta drogada com


um assassino, e meu destino se resume em contaminar
qualquer coisa saudável.

É por isso que estou indo


embora desta casa. Agora.
Para sempre.
— Você é louco, Daniel! Louco!

JC gritou, quando acordou e me viu fodendo Tônia por trás.

Ela estava linda na masmorra de luxo. Sua cabeça no círculo central da madeira
pendia para baixo entre as mãos, presas pelos pulsos nos dois círculos menores.

Seu tronco flexionado num ângulo de noventa graus, formava uma mesa com as pernas
estendidas, mais alongadas graças às botas pretas que Tônia comprou em uma de suas
viagens à Nova York, imobilizadas pelas tornozeleiras de couro, me dando livre acesso a sua
boceta e ao seu cuzinho.

— Confessa que você não queria estar no meu lugar — debochei, sem parar de meter.

Os olhos de João Camargo se revezaram entre os de Tônia e os meus, se fixando no meu


pau batendo duro na boceta deliciosa da minha noiva quando percebeu que os gemidos dela
não eram de dor e sim, de prazer.

A safada vivia para ser fodida.

Nem as quengas profissionais que trabalhavam nos bordéis da região gostavam tanto de
foder como a filha do prefeito. E não havia um cabrunco bom das vistas que não sonhasse
em comer a danada.

Se bem que a maioria se contentava em espreitar sempre que Tônia anunciava que
estava indo tomar banho no rio Saluá.

Todo mundo sabia que ela só nadava pelada e aqueles que não tinham o privilégio de
provar sua boceta, pagavam para ver o monte coberto por uma camada de pelos escuros, os
lábios delicados que escondiam o grelinho que eu adorava prender entre os dentes e a
entrada
brilhante da fenda apertadinha, que em todos aqueles
anos nunca encontrei seca, nem quando ela era
convocada para ficar no altar da igreja durante o
sermão.

Deus é testemunha de quantas vezes Tônia cavalgou


no pau do pastor Jurandir, depois que os fiéis recebiam
as bençãos e o salafrário fechava as portas da igreja
alegando que precisava de um período em oração para
renovar os votos da sua fé, diariamente testada pelos
enviados do diabo para injuriar contra o Senhor.

Tônia teve sua cota de promiscuidade durante a


temporada que passei em São Paulo.

Deu até para o tio, irmão mais novo de sua mãe, que
morava no Rio de Janeiro, lá no estacionamento da
prefeitura, enquanto seu pai discursava para meia dúzia
de gato pingado no baile de carnaval para a terceira
idade.

E a putinha gostou. Me disse que o metido a carioca


tinha um pau mediano, mas grosso feito uma tora e
alargava sua boceta como nenhum outro. A esposa do
sujeito passou uma semana ariando o par de chifre que a
safada pôs nela.

Depois da primeira trepada, Tônia não podia ver o


tio que já se oferecia toda e o homem que era tudo menos
trouxa, fodeu mais naqueles sete dias que passou em
Morada do Sol, do que nos sete anos que estava casado.

Ela não me escondia nada.


Desde o começo quis que eu soubesse que era uma
vadia endemoniada nascida para fornicar, mas quando
me conheceu e lhe sentei uma surra de vara com seu
corpo amarrada no tronco de um babaçu que tinha nos
fundos da minha casa, seus buracos não foram os únicos
que se apaixonaram por mim.

Pela primeira vez na vida, o coração de Tônia


acelerou e daquele dia em diante, nenhum outro homem
se aventurou na quentura molhada que ela ostentava no
meio das pernas.

Com Tônia era sempre assim. Quando eu começava,


não conseguia mais parar. Aquela mulher era tudo para
mim.

E eu era tudo para ela.


O que ninguém sabia é que a princesinha de ouro de
Morada do Sol, com carinha de anjo e corpo moldado
para foder, era minha prostituta submissa e amava
realizar meus desejos mais obscuros.

Tônia era a única que me conhecia de verdade,


sabia que uma besta assassina habitava na minha alma e
a qualquer momento poderia escapar para saciar sua
fome de morte.

O problema é que ela escapou cedo demais e eu não


estava preparado para ficar sem a minha alma gêmea.

As três palavras que Tônia me disse antes de morrer,


foram fundamentais para que por fora eu continuasse
vivendo, já que por dentro tudo que eu fazia era esperar
pelo dia que as portas do inferno seriam abertas para
mim e eu finalmente a encontraria outra vez.

“Eu te perdoo”

Acordo num sobressalto,


assustado, banhado em
suor.

Merda!

Empurro a porcaria do lençol para o lado e me sento,


jogando as pernas para fora da cama com os cotovelos
apoiados nos joelhos e a cabeça entre as mãos.

Outro pesadelo para ferrar


ainda mais minha cabeça.

Não como outro qualquer, mas uma das lembranças


que me atormentam desde aquela noite. A décima quarta.
A última em que vi Tônia sorrir, dizendo que me amava.

Eu te perdoo.

Respiro fundo, várias e várias vezes, tentando me


acalmar, dissipar a recordação que parece mais recente do
que realmente é.

O esforço é inútil, no entanto, pois além do sussurro


que antecipou a despedida, o cheiro do sangue que
manchava sua pele e o brilho sempre
intenso em seus olhos se tornando opaco à medida que a
vida cedia lugar a morte, permanecem vivos na minha
memória.

Levanto com a intenção de ir ao banheiro, mas ao


olhar por sobre o ombro e me deparar com a minha
esposa dormindo tranquilamente, saio do quarto com
raiva, com nojo.

De mim e dela.

Fecho a porta, grato pelo silêncio em meio à


escuridão do lado de fora. Encaro a escada à minha
direita, então meus olhos se fixam no fim do corredor à
minha esquerda, no quarto da garota insolente.

Elisa.

Flashes da noite passada


invadem minha mente.

Laura de frente para a parede, com a saia do vestido


embolada na cintura, sem calcinha. Os braços esticados
acima da cabeça, as pernas afastadas e a bunda empinada,
rebolando, recebendo meu pau em sua boceta, forte,
raivoso.

Puxando seu cabelo, ordenei em seu ouvido que


gritasse, que gemesse alto, chamasse meu nome e
implorasse por mais.

Pela maneira que seu corpo estremecia e seu


semblante se transformava em expressão de dor a cada
exigência, dava para ver e sentir que ela não queria estar
ali fazendo aquilo.
Mesmo assim, por alguma
razão desconhecida, ela fez.

Para Laura, se submeter ao prazer carnal é como um


sinal de fraqueza e dependência, o que torna o sexo uma
obrigação para ela. Apenas uma de suas tarefas de esposa
dedicada que se comprometeu a cumprir no dia que
colocou minha aliança em seu dedo.

Não por opção ou pelo prazer que meu corpo


proporciona ao dela, mas para manter seu marido
razoavelmente satisfeito.

E calado.

A exemplo do que aconteceu com Jurema e Claudia,


quando Laura me disse que seria minha para fazer o que
eu quisesse, meu pau despertou. Não de tesão por ela,
mas pela garota que eu precisava que me visse fodendo
mulheres maduras, experientes, bem-
vestidas e desconhecedoras da pobreza.

Tudo que Elisa não era.

Em todas as idades a comparação com o rival é


inevitável sempre que disputamos por algo, seja uma
vaga de emprego ou a atenção de alguém especial, tanto
faz.

Mas aos vinte anos a insegurança pode ser tão


perturbadora que muitas vezes chega a devastar a
autoestima de uma garota a ponto de traumatizá-la pelo
resto da vida.

Por experiência própria, sei que na fase


intermediária entre o fim da adolescência e o início da
vida adulta, quando a maioria dos jovens ainda está à
procura do seu “lugar de pertencimento”, a incômoda
sensação de inferioridade atinge o seu auge.

Especialmente para aqueles que nunca tiveram nada


e aprenderam a se contentar com qualquer coisa.

Por esse motivo, a minha necessidade de fazer Elisa


testemunhar tudo que as vadias que considera superiores
a ela, se submetem para terem o meu pau nem que seja
por alguns minutos.

De qualquer forma, ela não precisa saber que a


grande ironia é que nem Jurema nem Claudia aceitaram
minhas imposições por me desejarem loucamente, como
acredito que Elisa me deseja, e sim para provar que Laura
não é a esposa perfeita que todos pintam, muito menos o
seu casamento.
Esse é o segredo do meu
sucesso, o que sei fazer de
melhor.

Manipulação emocional.

Destorço os fatos a meu favor e manipulo os que


podem me favorecer e ajudar a atingir meu objetivo, sem
me importar com o que minhas ações podem acarretar,
tanto para o bem quanto para o mal, contanto que eu
consiga o que quero.

E eu quero Elisa.

A vontade de invadir o quarto dela e deixar


subentendido que se for minha putinha obediente será a
única que terá o meu pau, só não é maior
que a exigência de descobrir o que aconteceu no evento
de gala que, em menos de quatro horas, fez minha esposa
me dar o que nunca me deu em vinte anos.

Desço a escada e paro no último degrau, de onde


avisto a bolsa de mão, mais cara que o meu plano de
saúde, jogada no chão ao lado da porta.

Puxo uma longa respiração, ansioso para saber o que


Laura andou aprontando dessa vez, ciente de que ao
contrário de todas as outras, agora eu tenho um motivo
para partir o coração da minha amada esposa em milhões
de pedaços.

Literalmente.
Complexo Penitenciário de Pedrinhas – São Luís do Maranhão

Apresento meu distintivo para o segurança.


— Nome do preso — ele fala, anotando meus dados no caderno de visitas especiais.

— Edmilson da Silva, o Zebra.

— Motivo.

— Investigação de assassinato.

— Tem alguma acusação?

— O caso está em andamento.

— Nome da vítima.
— Confidencial — minto porque não sou idiota,
apesar de sequer parecer um detetive.

Não que atualmente eu possa ser considerado um,


mas para todos os efeitos meu nome ainda consta no
sistema de registro do Departamento de Polícia de São
Paulo, mesmo que esteja afastado há alguns anos do
cargo.

— Vou verificar
se ele está
disponível.

— Ok. Se ele não


estiver, terei que
falar com o
diretor do
presídio.

— O diretor não é
responsável pela
autorização de
visitas.

— Talvez não, mas meu chefe é responsável pelas


despesas da minha viagem e se não estou enganado, o
diretor é o único com autorização para assinar o relatório
que terei que elaborar para justificar o motivo pelo qual
não pude realizar meu trabalho.

O guarda me encara com


um olhar estreito e
zangado.
Se está tentando me intimidar, não faço ideia, mas
dou um sorriso cínico para garantir que se essa é a sua
verdadeira intenção, precisa melhorar muito.

Será que ele não sabe que


não devemos julgar um
livro pela capa?

— Coloque sua arma,


celular e qualquer objeto
cortante aqui dentro. O
idiota empurra uma caixa
na minha direção por cima
do balcão.
— Claro, assim
que estiver com a
liberação.

— Não pode
entrar armado.

— Não pretendo
entrar, mas como
pode ver ainda
estou aqui fora.

Quando Fidel me alertou que o líder dos Cabeças de


Fogo controlava o presídio, sei que não estava falando
apenas dos detentos, mas me recuso a acreditar que
agentes da lei como esse cara acatem às ordens do Zebra
apenas por ganância.

Se toda a preocupação com a disponibilidade de um


dos homens mais perigosos do país não faz parte do
protocolo burocrático, é muito provável que o criminoso
tenha encontrado meios eficientes de controlar os
funcionários que monitoram a entrada e saída do presídio,
justamente para se prevenir contra situações indesejáveis.

Como a visita inesperada de um detetive de São


Paulo, exigindo um encontro com o suspeito de
encomendar a morte de João Camargo, sem supervisão
armada.

O guarda abandona seu posto e desaparece por uma


porta lateral, de onde retorna dez minutos depois. Me
entrega um crachá de visitante e um termo de
responsabilidade, que eu assino e lhe devolvo.

Então ele ergue a sobrancelha, apontando o


indicador para a caixa vazia à minha frente. Acabo
sorrindo outra vez, agora com divertimento.

— Cuide bem dela, é a única que eu tenho — digo,


me referindo a pistola Glock .40.

— Espero que
seja mais
inteligente do que
parece.

— Qual o problema com a minha roupa? — Olho


para baixo, fingindo não entender. — Um terno e uma
gravata me deixariam menos burro?

Ele olha discretamente por sobre o ombro,


certificando-se de que os dois homens sentados atrás dele
não podem ouvir, inclina o corpo para frente se apoiando
nos cotovelos e murmura olhando diretamente para mim:
— Se você fosse
inteligente não
teria vindo até
aqui.

Dou de ombros.

— As melhores
decisões não são
minha
especialidade.

— Vou te dar um conselho de graça, porque


realmente acho que não sabe onde está se metendo.

— Muito gentil da sua parte — agradeço,


demonstrando falsa humildade, pois ao contrário do que
ele pensa, sei exatamente onde estou metendo e
sobretudo, com quem.

— Zebra não é um criminoso como os que vocês,


detetives de merda de São Paulo, estão acostumados a
lidar. Se não quiser ser atingido por uma bala perdida
quando pisar fora do que ele chama de casa, sugiro que
não dê
uma de espertinho, não faça perguntas que seus
superiores não vão gostar das respostas, nem ameaças que
não poderá cumprir se estiver morto.

— Certo. Sem piadinhas ou ameaças. — Abaixo o


tom de voz, sem desviar os olhos. — Foi isso que você
fez pro Zebra não te obrigar a receber uma grana por mês
pra fazer esse questionário, mais medíocre que nós,
detetives de São Paulo, para sua esposa não perder o
controle do carro e cair numa ribanceira, depois de buscar
seus filhos na escola? — Dou uma batida de leve no
balcão e empurro a caixa para ele, apreciando o choque
em sua expressão. — Tudo anotado, meu amigo.
Obrigado pelas dicas e parabéns pela família!

Sigo pelo corredor em direção à porta de ferro que


se abre quando me aproximo. Sou revistado quando passo
pelo detector de metais, na passagem para a ala de visitas
e antes de entrar no cubículo onde irei me encontrar com
Zebra.

Arrependo-me de não ter enviado uma mensagem


para Fidel, avisando que ele não terá que mentir para o
delegado, nem omitir que passou informações sigilosas
para um oficial afastado que está sendo investigado pela
corregedoria, já que ninguém desconfiou que minha
vinda a São Luís do Maranhã não tem nada a ver com
qualquer caso do Departamento.

Essa investigação é minha e meu parceiro sabe que


farei o que for preciso para levar essa merda até as
últimas consequências.

Dentro ou fora da lei.


Odeio esperar, mas não demonstro o quanto estou
irritado com a demora do sujeito que se proclama de rei
do crime, pois dependo dele para preencher lacunas
importantes que podem me levar ao verdadeiro assassino
em série que matou Sabrina e outras tantas mulheres.

Zebra entra na sala seguido por um guarda e dois


homens vestidos com roupas normais. Sem uniforme dos
funcionários do presídio ou dos presos. Não imagino
quem são, tampouco me interessa.

Meus olhos se fixam no indivíduo parado à minha


frente, do outro lado da mesa de ferro que nos separa. Ele
é do meu tamanho, embora seja dez anos mais jovem, o
que me força a admitir que chegou longe para um
criminoso de vinte oito anos, além de estar vivo.

— Obrigado por aceitar meu pedido e vir se


encontrar comigo. — Minha voz é firme, pois não tenho
medo desse idiota.
— Sou curioso
por natureza.

Assinto, apontando a
cadeira para ele e sento na
minha.

— Não pretendo demorar, mas fiquei curioso para


saber por que a minha visita te deixou curioso.

Ele inclina a cabeça, me analisando. Se senta, olha


para os três capangas parados atrás dele e volta a me
encarar.

— Se incomoda se eles ficarem? — pergunta como


se a minha opinião fizesse alguma diferença.

— Não, contanto
que a nossa
conversa morra
dentro dessa sala.

Zebra relaxa, apoiando as mãos em cima da mesa.


Não sei se seu gesto é natural ou apenas para registrar
que está sem algemas, como a lei exige.

— Seu chefe sabe


que você está
aqui?

— Não — digo
honestamente. —
Estou por minha
conta e risco.
Ele dá um sorriso de lado,
vitorioso, cruzando os
braços sobre o peito.

— Se você desaparecer, a polícia de São Paulo não


saberá que você esteve aqui?

— Talvez. — Dou de ombros. — Mas duvido que


alguém se importe, além de mim, é claro. Desaparecer
não faz parte dos meus planos.

— Quais são seus


planos, detetive?

— Descobrir por que João Camargo foi condenado


por um crime que não cometeu.

A sinceridade em minhas palavras é indiscutível, até


para o homem que vive de mentiras, mas depende da
confiança de pessoas como eu para sobreviver.

Zebra faz um gesto com a mão, dispensando os


guarda-costas, sem desviar os olhos dos meus. Pela visão
periférica, vejo a confusão dos três patetas que se
entreolham sem entender nada.

— Chefe… — o
da ponta
pigarreia, mas é
cortado
imediatamente.
— Saiam. — Uma palavra dita com convicção dá o
dilema por encerrado. Quando a porta se fecha e ficamos
sozinhos, ele pergunta: — Por que você acha que JC não
matou a garota?

— Eu não acho.
Tenho certeza.

— Por quê? — Não sei se é apenas curiosidade ou


Zebra tem algum interesse no assunto, portanto decido
omitir alguns fatos.

Recosto na cadeira,
esticando as pernas
embaixo da mesa.

— Há muito tempo, um serial killer matou mais de


vinte mulheres em São Paulo, entre elas, a minha
namorada. Eu ainda não era policial, nem tinha qualquer
pretensão de me tornar um. Antes de entrar para a polícia,
eu já sabia tudo sobre os crimes, principalmente sobre o
Modus Operandi do assassino. Se João Camargo fosse o
culpado pela morte de Maria Antônia Junqueira, acredite,
ele não meteria uma bala na cabeça no local do crime.

— Por quê? —
ele não faz
rodeios.

— Porque o homem que matou aquelas mulheres


pode ser considerado um psicopata incapaz de sentir
qualquer coisa, por qualquer pessoa, mas não passa de um
covarde manipulador que jamais tiraria a própria vida
para se punir por ter feito o que mais gostava de fazer e
fazia de melhor.
Zebra se cala, pensativo, como se estivesse
ponderando o que acabei de dizer. Então estreita os olhos.

— Como você acha que eu


posso te ajudar, detetive?
Sempre direto. Estou
começando a gostar desse
cara.
Agora quem apoia os cotovelos na mesa e tranca seu
olhar, sou eu. Quero que ele veja que não estou
brincando, nem vou desistir de procurar pelas respostas
que preciso enquanto respirar.

— Me contando
quem
encomendou a
morte de João
Camargo.

A expressão de Zebra não se altera, mas o brilho que


reluz em seus olhos confirma que estou certo. É rápido e
logo desaparece, mas eu vi. Estava lá e, por alguma
razão, sei que ele sabe que foi denunciado naquela fração
de segundo.
— Acha que alguém precisaria me pagar para
arrancar a cabeça de um membro da facção que está
tentando foder meus negócios?

— Não. Acho que você foi inteligente ao incluir JC


entre os homens que realmente pretendia eliminar para
não levantar suspeitas que a morte dele foi encomendada
por alguém de fora. Um velho amigo, conhecido ou
antigo cliente, que não tem nada a ver com a sua guerra
particular e não quer ter o nome vinculado ao seu.

Zebra gargalha, jogando a cabeça para trás. Se está


admirado por ter sido descoberto ou admirando o cara
que descobriu sua jogada, nunca vou saber.

Permaneço sério, sem me abalar com a sua tentativa


de me desestabilizar ou desmotivar. Mas confesso que sua
reação me desanima, pois evidencia que ele não pretende
me dar o que quero.

No entanto, para minha surpresa, Zebra arrasta a


cadeira para trás e fica de pé, com as mãos apoiadas na
mesa e o tronco levemente inclinado para frente.

Seu sorrio se desfaz, seu olhar estreita, se tornando


ameaçador e sua voz abaixa alguns tons quando ele
sussurra por entredentes:

— Quando finalizar seu trabalho, tenho um lugar na


minha empresa perfeito para você.

— Obrigado pelo
convite, mas não
estou interessado.
— Já sei, você
não é como eu.

— Não sou como


você.

— Está na hora
de se olhar no
espelho.

— Eu me olho
todos os dias.

— O homem que olha o próprio reflexo e se recusa a


admitir o que vê, de verdade, é tão covarde quanto o
psicopata que matou sua namorada, detetive.

Zebra dá uma risadinha e complementa, se


beneficiando da minha demora para me defender da sua
acusação:
— Tudo que eu posso dizer sobre a pessoa que você
procura, é que ela mora em Riacho Verde e nem
desconfia que JC pode ser inocente no caso da Tônia.

— Por que essa


pessoa queria
João Camargo
morto?

Ele endireita os ombros e


responde, caminhando para
a porta.

— Porque o leão não gosta de ter seu torno


ameaçado pela formiga. E pessoas acostumadas a
controlar outras pessoas, sempre estarão um passo a
frente, eliminando aqueles que representam alguma
ameaça ao seu poder de controle, por menor que ela seja.

— Algum conselho? — pergunto, ainda sentado,


memorizando suas palavras.

Zebra bate duas vezes na porta, olha para mim por


sobre o ombro e diz, antes de me deixar sozinho:

— Tome cuidado quando chegar naquela cidade. Se


você realmente acredita que um psicopata que mata
mulheres à sangue frio é o pior tipo de ser humano que
existe, está prestes a descobrir que os anjos são os
verdadeiros demônios. Boa sorte, detetive. Pelo jeito, vai
precisar.

Meia hora mais tarde, estou a caminho de Morada


do Sol onde farei uma parada para averiguar o passado da
filha do prefeito e falar com a única mulher que pode me
descrever com precisão quem era o verdadeiro João
Camargo.

Só então seguirei para Riacho Verde, ansioso para


conhecer o paraíso que, de acordo com Zebra, esconde os
segredos do inferno.
Além do batom, carteira de habilitação e uma cartela do remédio tarja preta que Laura
toma escondido, apenas o celular cai no sofá quando viro a bolsa.

Desbloqueio o aparelho usando a senha que minha esposa nem imagina que eu sei e leio
todas as suas mensagens de ontem, que enviou e recebeu pelo WhatsApp.

Não me surpreendo ao descobrir que foi ideia de Laura que Humberto a acompanhasse
no evento beneficente para o qual ela foi convidada e aconteceria em Santa Ana, a quinze
quilômetros daqui, promovido pelo candidato a prefeito na cidade vizinha e ex-namorado de
Laura, Silvano Malaquias, em prol das crianças carentes.

Minha esposa nunca falou sobre o seu primeiro relacionamento. Amoroso, porém sei
que teve início na adolescência e durou por alguns anos, até o pai do garoto decidir entrar
para a política e sua decisão criar um conflito de interesses entre as duas famílias que acabou
com quaisquer intenções que Laura tivesse de se casar com o seu amor da adolescência.

A família Malaquias se mudou para Santa Ana depois que Humberto convenceu seus
guiados espirituais que o empresário bem-sucedido estava a serviço do diabo para difamar o
porta-voz de Deus, e liderou uma série de ataques verbais e físicos contra o homem.

A providência inconsequente, tomada pelo pastor num momento de desespero, foi muito
mais prejudicial para ele do que para o pai de Silvano, que não demorou para conquistar a
simpatia dos moradores de Santa Ana, onde foi recebido de braços abertos, nem a confiança
dos comerciantes e fazendeiros, interessados no progresso econômico-social da cidadezinha
com menos de quinze mil habitantes.

Apesar de o convite para o evento ter sido enviado para Laura pela assessoria do
candidato a prefeito, minha intuição me diz que a mudança repentina no comportamento de
Laura está diretamente ligada a ele.
Recosto no sofá, apoiando a parte de trás da cabeça
no alto do encosto e fecho os olhos, buscando na
memória algo que me guie ao ponto de origem enquanto
me distraio, amassando e desamassando o material
fofinho dos compartimentos internos da bolsa importada,
apropriados para guardar objetos delicados e dependendo
do caráter da sua dona, confidenciais.

É então que sinto uma certa aspereza na ponta dos


dedos e desabotoo o delicado fecho de ouro com cuidado
para não arrebentá-lo, movido pela fúria que ganha força
dentro de mim, pois não acredito em coincidências.

Embrulhado em um fino saquinho de plástico bolha,


encontro um cartão que eu facilmente confundiria com
um cartão de visita similar aos que uso para me
apresentar como faz-tudo, e entrego a possíveis clientes
que demonstram interesse em algum serviço.

A diferença é que os meus foram impressos e


confeccionados com a única finalidade de divulgar o meu
trabalho, ao passo que este é branco, personalizado e foi
escrito à mão.

Deixo a bolsa de lado, analisando o pequeno pedaço


de papel com dizeres comprometedores, porém
reveladores e autoexplicativos, como se cada palavra
tivesse sido escrita para o entendimento de uma criança
de cinco anos, mimada e revoltada por receber uma
resposta negativa.

“Desde o começo você sabia que amo minha esposa


e nunca abandonaria minha família. Nós transamos e
continuaríamos transando, como fizemos todos esses
anos, se você não tivesse estragado tudo com mais uma
mentira. Pela última vez: Acabou. Pare de me procurar
ou serei obrigado a tomar uma atitude que prejudicará
mais a você do que a mim. Um escândalo arruinaria a
vida dos seus pais e Humberto jamais te perdoaria por
uma traição como essa. Siga sua vida e conte a novidade
para o seu marido, tenho certeza que ele ficará feliz em
saber que você está grávida do filho dele.
Atenciosamente, SM.”

Leio e releio, de novo, de novo, de novo e, a cada


releitura, os sentimentos mudam em relação à anterior.

Os meus começam pela descrença, passam para a


negação, avançam para a raiva, aumentam para o ódio e
se transformam na aceitação que
antecede o otimismo, finalizando na satisfação que
somente alguém como eu poderia encontrar em uma
situação ultrajante como essa, para um homem casado
que acaba de descobrir que sua esposa recatada e frígida,
mantém um caso extraconjugal de anos com o ex-
namorado.

Quem diria que Laura teria coragem de arriscar


tanto por algumas trepadas rápidas?

Eu, nunca.

No entanto, decido que a descoberta não pode ser


considerada uma decepção, tampouco uma afronta, e sim,
um meio para justificar o que eu já estava disposto a fazer
para conseguir o que quero, sem me preocupar com uma
retaliação da minha nem tão honrada esposa.

Sorrindo com escárnio, guardo o cartão no bolsinho


secreto da bolsa, fotografo as mensagens que Laura
enviou para Humberto apenas para registrar sua tramoia a
fim de se livrar do marido para ter mais liberdade de
implorar por uma foda de despedida com o amante, e
deixo a bolsa em cima do aparador, perto dos sapatos
novos que ela usou ontem à noite.

Solto uma gargalhada a caminho da cozinha,


pensando em como a vida pode ser uma maldita megera
com algumas pessoas.

Grávida!

Minha esposa está grávida!


Quanta ironia, pois nunca contei a ninguém que fiz
uma vasectomia semanas depois que fui embora de
Morada do Sol, já que ser mãe não constava em nenhum
dos projetos pessoais de Laura e eu jamais cogitei a
hipótese de ser pai do filho de uma mulher que não fosse
Tônia.

A única que amei na vida.

Se minha esposa for esperta, ficará de bico fechado,


fará um aborto e fingirá demência. Mas se de fato
acreditar que é uma boa ideia me enganar e ainda esperar
que eu vá criar o filho de outro homem, nosso casamento
não durará o bastante para que eu tenha a chance de me
vingar como gostaria.

De um jeito ou de outro, tenho a faca e o queijo na


mão, e pretendo fazer o primeiro corte em breve.
Estou terminando de tomar a segunda dose de
cafeína quando escuto as vozes de Laura e Elisa, na sala.

— Podemos
deixar essa
conversa para
outra hora?

— É muito
importante,
senhora.

— Tenho certeza que sim. Mas infelizmente, meu


pai está indo para São Paulo e só volta no fim da semana.
Minha mãe vai cuidar da igreja e eu não posso me atrasar
para a reunião com os diretores da construtora.

Laura entra na cozinha,


agitada, seguida pela
garota.

A primeira sorri assim que me vê encostado na pia,


vestindo apenas uma calça de moletom, enquanto a
segunda está olhando para o chão, acanhada, totalmente
alheia ao que acontece à sua volta.

— Eu só queria dizer que sinto muito, mas não


posso mais… — Elisa estaca no lugar e para de falar,
quando levanta a cabeça e seu olhar encontra o meu.

— Bom dia, querido. — Laura entra na minha


frente, beijando meus lábios rapidamente, com as mãos
apoiadas no meu peito desnudo. Virando- se para a
empregada, pergunta:. — Não pode mais o quê, Elisa? —
E se serve de uma xícara de café puro.
A garota é um poço tão fundo de ingenuidade, que
mal consegue disfarçar o quanto a minha presença a
afeta, ainda que apenas eu saiba que o rubor em suas
bochechas e a maneira que ela ofega, revezando os olhos
entre mim e a loira ao meu lado, são consequências da
culpa que carrega por desejar o marido da sua patroa.

Ao que tudo indica, um


peso que minha esposa
nunca carregou.

— O gato comeu sua língua? — Minha voz ecoa


como um trovão, assustando ainda mais a ratinha.

— Deixa a menina, Dante! — Laura me repreende


com a testa franzida e me acerta uma cotovelada na
barriga, mas o pequeno sorriso em seus lábios indica que
está brincando.

Ou muito feliz.
— Só estou tentando ajudar. — Dou de ombros,
coloco o copo na pia e me afasto de Laura, pronto para
sair por onde as duas entraram.

Mas não resisto e paro na frente de Elisa, que respira


com dificuldade, me controlando para não levantar sua
saia e fodê-la ali mesmo, na frente da piranha mentirosa.

Cerrando a mandíbula,
vocifero asperamente:

— Se o assunto que você tem para tratar for muito


importante, fale comigo depois que tomar seu café. Se
ainda não percebeu, ao contrário de algumas pessoas,
minha esposa é uma mulher ocupada e já tem problemas
demais para resolver. Você está sendo paga para cuidar da
casa, então pare de ficar andando atrás dela como uma
vira-lata carente de atenção e vá fazer o seu trabalho.

— Dante! — Laura se manifesta, claramente irritada


com a forma ríspida que me dirijo a pequena ratinha
encolhida.

Inclino a cabeça para que minha esposa não veja a


piscadela que dou para ela, nem o esboço de um sorriso
sacana que ameaça esticar meus lábios.

— Não vou repetir, garota. Minha esposa não tem


tempo para as suas baboseiras. Se precisar de alguma
coisa, sabe onde me encontrar. — Viro a cabeça na
direção de Laura e falo alguns tons mais baixo. — Fique
tranquila, querida. Prometo que vou pegar leve com a sua
protegida, e avise sua mãe que estarei na casa dela mais
tarde.
Passo por Elisa, subo para o meu quarto e fico
debruçado na janela até a Land Rover dobrar a esquina.

Envio uma mensagem para os meus clientes,


informando que tive um imprevisto, mas remarcarei as
visitas de hoje para a próxima semana.

Em seguida, envio outra para minha sogra apenas


por precaução, caso Laura se esqueça de dar o recado que
pedi, reforçando que estou com a agenda livre para
resolver o problema do vazamento no banheiro da sua
suíte.

De todos os meus trunfos, Celeste Gutierrez é o


único que colocará Humberto e Laura exatamente onde
eu quero, e eles merecem.

Mais do que nunca.


Mas isso é um assunto para mais tarde. Agora minha
prioridade é a garota maltrapilha que fará meus dias mais
divertidos.

Troco a calça de moletom por uma boxer preta e me


deito na cama para esperar a chegada de Elisa, com a
certeza de que mais cedo ou mais tarde, ela virá.

A ratinha assustada pode até não querer, mas está


louca para ser comida pelo gatuno, sem sequer imaginar
que o gato tirano não vê a hora de ter a ratinha presa na
sua ratoeira.

Sangrando. Chorando.
Pingando. Só para ele.
Faz mais de uma hora que seu Dante subiu para o quarto e até agora não apareceu,
nem saiu para trabalhar.

Dona Laura me garantiu que ele tem esse jeito grosseirão, mas é uma pessoa
adorável. As vezes tenho a impressão que ela não conhece o marido que tem, e nunca se
preocupou em conhecer.

Se conhecesse, saberia que seu Dante é completamente apaixonado por ela. Tenho
certeza de que ele só a traiu com aquelas mulheres porque é jovem, saudável, viril, e seu
corpo precisava de alívio que a esposa se recusou a lhe dar.

Lindalva jamais dispensaria um homem desses.

Claro que seu Dante estava zombando da minha cara quando me disse que era para
procurá-lo, se precisasse de alguma coisa.

Ou não estava?

Ele me confunde de um jeito que não sei explicar. Uma hora parece que me odeia, na
outra me olha como se quisesse me devorar todinha. É impossível acompanhar suas
mudanças de humor.

Não sei o que pensar.

Eu já tinha entrado em um acordo com meu lado racional e estava decidida a ir


embora, mas bastou seu Dante me tratar mal, dar uma piscadinha safada e aquele risinho
cínico, para o meu corpo contestar minha decisão.

Mordo o cantinho do dedo enquanto espero o arroz secar. Dou uma espiada na
escada, me condenando por querer ir até o quarto dele para avisar que estou indo embora.
O melhor a fazer é pegar minha mala e sair de uma
vez, sem olhar para trás, mas quem disse que é fácil viver
em dúvida, quando tudo que eu mais quero é ter certeza
de que estou fazendo a coisa certa?

Para mim, não para dona


Laura.

Apago o fogo, desamarro o avental, o penduro na


cadeira e esfrego as mãos na saia. Ajeitando o cabelo,
sinto o coração acelerar.

Estou com medo de subir e seu Dante me maltratar


outra vez, mas a necessidade de descobrir se ele me
deseja e quer fazer comigo o que fez com a moça
chamada Claudia é maior que a covardia.

Pé ante pé, atravesso a sala. Seguro no corrimão para


não cair enquanto me aproximo do quarto dele.

A porta está entreaberta, o que acredito ser uma bom


sinal, pois se seu Dante não quisesse ser incomodado
teria trancado.

Estico o pescoço, coloco a cabeça para dentro e


quase desmaio quando vejo o homem deitado na cama só
de cueca, com os olhos fechados, as mãos atrás da cabeça
e as pernas esticadas sobre o colchão.

Meu olhar é cativado por sua beleza rústica. O rosto


quadrado, o pescoço grosso, o peito forte, a barriga
dividida em quadradinhos de músculos e a trilha de pelos
que desce alinhada, se perdendo por baixo do elástico
preto.
Sem fazer barulho, dou um passo e entro,
embasbacada com o volume visível sob o tecido fino. Até
quando está relaxado é grande. Lambo os lábios secos,
imaginando como deve ser o gosto dele.

Avanço mais um pouco, como se seu Dante fosse


um imã e eu não tivesse forças para ficar longe dele. Paro
ao lado da cama, sentindo formigar no meio das pernas
enquanto admiro a visão à minha frente.

Com muito esforço, subo o olhar até o dele e


confirmo que está dormindo, o que não é de se estranhar
depois de tanto esforço que ele fez ontem à noite.
Primeiro com a psicóloga, depois com a esposa.

Minhas mãos coçam para acariciá-lo, mas não me


atrevo, mesmo que o desespero de acariciar sua pele
esteja me enlouquecendo. Para me distrair do desejo de
tocá-lo, levanto a saia e me toco, sonhando que são os
dedos
do seu Dante invadindo a calcinha, abrindo minhas
dobras e circulando o pontinho escondido entre elas.

Mordo o lábio inferior para conter o gemido que


quer escapar da minha boca, à medida que meus
pensamentos se tornam mais e mais imorais, aumentando
o prazer que se espalha pelo meu corpo.

Não consigo pensar em nada que não seja seu Dante


me usando como usou a moça. Grosseiro, rude,
incontrolável. Meus seios pesam, os pelos eriçam, as
pernas bambeiam e se torna impossível manter as
pálpebras abertas.

Estou tão perdida nas sensações que solto um grito


quando sou erguida do chão e jogada de costas na cama,
com seu Dante em cima de mim. Suas mãos prendem
meus pulsos no colchão, seus joelhos abrem minhas
pernas, seu membro se encaixa onde eu estava me
tocando, seu peito esmaga meus seios e seu rosto está a
uma respiração do meu. Mas nada me apavora tanto
quanto o seu olhar cruel, cravado no meu.

Nada, até ele abaixar e


sussurrar no meu ouvido:

— Te peguei,
ratinha.
Eu sabia que ela não resistiria e viria para mim, provando que a
ratinha tem mais coragem que inteligência.

Sorte a minha.

Finjo que estou dormindo, mas ouço seus passos, sua respiração
perto da cama. A garota tola não se contentou em me olhar à
distância e teve que se aproximar para aplacar o desejo que nutre
pelo marido da sua patroa. e pela expiração pesada, aposto que quer
me tocar.

Vibro por dentro, meu pau endurece em expectativa, torcendo


para sentir sua mão em torno dele. Espero, pacientemente, porém a
demora me enfurece e o farfalhar da roupa incita minha curiosidade.

Ela está se despindo?

Não suporto essa merda de ansiedade. Abro um olho para ser


arrebatando pela imagem da garota com a mão por baixo da saia,
dentro da calcinha, se tocando com o olhar fixo na minha virilha.
Nunca fiquei tão malditamente excitado como estou
agora, observando Elisa se masturbar enquanto me
observa.

Ela prende o lábio inferior entre os dentes, se


contraindo para reprimir os gemidos de prazer que
ameaçam ecoar pelo quarto. Os olhos revirados e as
pálpebras pesadas, são minha ruína.

Salto da cama como um


felino selvagem.

Abraçando sua cintura, a ergo do chão e a jogo na


cama sem delicadeza. Elisa dá um gritinho, surpresa, mas
é o pavor em seus olhos arregalados quando domino seu
corpo com o meu, que ressuscita Daniel, sua
impetuosidade, seu tesão enraivecido, sua fome de foder,
de causar dor e de matar.

— Te peguei — sussurro em seu ouvido, rouco,


ameaçador, excitado como há anos não me excitava.

A ratinha se remexe, tentando se soltar, porém os


movimentos fazem com que sua boceta roce no meu pau
com mais força. Seus lábios se separam. Eu empurro
contra ela, que arqueia as costas e se abre sem que eu
tenha que mandar.

— É isso que você queria, não era? — Giro os


quadris, vou e volto, para frente e para trás. Elisa vira a
cabeça para o lado, fazendo uma careta de dor. — Ser a
putinha do patrão? — Mordisco seu queixo, chupo seu
pescoço. — Esperar a patroa sair pra chupar o pau dele?
Ela choraminga, se debatendo. Abocanho um seio
por cima da blusa, pressionando ainda mais forte minha
dureza em seu clitóris.

— Vai ser minha vagabunda, Elisa? — murmuro


em sua pele, atacando o outro seio. — Quer dar a boceta
pra mim? — Junto seus pulsos e os seguro com uma mão,
fincando meus dentes em seu ombro. — Quer que eu
arromba seu cuzinho?

Minha língua percorre pela lateral do seu rosto,


enquanto a mão livre escorrega para a barra da sua
camisa amarrotada, sobe até o fecho frontal do sutiã e o
abre.

Belisco seu mamilo durinho, moendo seu grelo com


brutalidade. Ela joga a cabeça para trás, com os olhos
apertados e me implora para deixá-la gozar.
Beneficiando-me da sua necessidade, diminuo a
velocidade da esfregação.

— Uma troca,
ratinha. Você
responde. Eu te
dou o orgasmo.

— Por favor, seu Dante… — resmunga e tira a


bunda do colchão, oferecendo sua boceta como um
prêmio.

— Vai deixar eu fazer o que quiser com seu corpo?


— Ela cerra os dentes, quando volto a me mexer mais
rápido. — Vai me obedecer e abrir as pernas sempre que
eu mandar? — Desfiro um tapa no seu seio, esfrego,
circundo e imprenso seu clitóris, levando sua mente ao
limite.

Elisa grita alto, indicando


que o momento decisivo
chegou.

Solto seus pulsos, afasto minha boca da sua pele e


escorrego para baixo até encostar os joelhos no chão.
Caio entre suas pernas, suado, duro pra caralho, alucinado
para meter fundo dentro dela e arregaçar sua boceta sem
piedade.

— Fala, ratinha.

Elisa balbucia, chorosa, amassando o lençol com


uma mão e segurando meu cabelo com a outra, em total
agonia, quando assopro a região mais enxarcada do seu
corpo, mas não diz nada.
Quero amarrar seus braços nos ganchos suspensos,
espancá-la com uma barra de ferro e deixá-la de castigo
na gaiola por um dia inteiro, para aprender que resistir ao
meu domínio só irá prolongar seu sofrimento.

No entanto, antes de começar o adestramento, tenho


que ganhar sua confiança e convencer minha ratinha de
que apenas eu posso dar tudo que ela precisa.

Tiro sua calcinha, ficando cara a cara com sua


bocetinha virgem pela primeira vez.

Contorno os lábios inchados com a ponta do nariz,


inalando seu cheiro de puta feita para engolir o meu pau,
e me lambuzo com o líquido melado que pinga
exclusivamente para o meu deleite.

Apoio seus pés na beirada da cama, a saia arrasta por


suas coxas e se acomoda na cintura, deixando Elisa
totalmente exposta para mim.
Passo as mãos por baixo da sua bunda, envolvo os
braços esticados sobre a sua barriga e resvalo as palmas
abertas nos dois biquinhos intumescidos, girando-as em
círculos, no exato momento que provoco seu clitóris com
a ponta da língua.

A garota vai à loucura, sentindo o prazer que ela


nunca sentiria sozinha, e isso é tudo que eu preciso para
prender a ratinha na minha ratoeira.

De uma vez por todas.

— Isso é só o começo, Elisa — murmuro,


explorando seu buraquinho inviolado, arrebatado pela
possessividade surreal de ser o primeiro a estar onde
nenhum outro jamais esteve.

Um sentimento animalesco me consome e


desestrutura, ativando a fúria que chega de repente,
ressurgida das cinzas em busca de destruição. É
indescritível, mais implacável e infinitamente mais
violenta do que senti por Tônia.

A única que já amei.


Elisa quer tomar seu lugar e
não posso permitir que isso
aconteça. Nenhuma vadia
oferecida vai ser como a
minha alma gêmea,
representar o que Tônia representou na minha vida, nem
roubar o amor que
jurei dar somente para ela.

Não quero. Não vou.


Mesmo ciente que devo bloquear essa merda, me
pego devorando a boceta da ratinha, lambendo,
chupando, faminto por mais do seu gosto, do seu cheiro,
do seu mel que se derrama em minha língua, viciando e
comprometendo meus sentidos como uma droga em fase
de testes.

— Eu vou… eu vou… — Sua voz sussurrada em


delírio liberta minha mente do feitiço lascivo que Elisa
lançou sobre ela. Desperto e recupero o foco, retomando
o controle momentaneamente perdido.

Ergo os olhos, me arrependendo logo em seguida de


tê-lo feito, pois testemunhar a expressão depravada no
rosto da ratinha e a maneira que seu corpo se entrega ao
prazer que o meu proporciona a ele, é a coisa mais linda
que já vi.
Frustrado por não ser capaz de tirar minha boca da
boceta dela, acerto um tapa forte na sua cara, ao mesmo
tempo que belisco seu mamilo como se quisesse arrancá-
lo e prendo seu grelo entre os dentes, arrancando um grito
de dor de Elisa, que pode morrer se não gozar.

— Se não responder, eu paro agora e nunca mais


encosto um dedo em você. Vai ser minha vagabunda, me
obedecer, fazer tudo que eu quiser e não dar pra ninguém
o que é apenas meu? Sim ou não, Elisa? — vocifero, frio,
colérico.

Mentiroso.

Não vou parar de foder essa garota até não sobrar


nada da sua alma e descartá-la como lixo para mostrar
que não passou de mais uma putinha safada que usei para
me divertir.

Como tantas outras que


não sobreviveram para
contar história.

Porém, ela não precisa


saber a verdade. Pelo
menos por enquanto.

— Sim! Sim! —
ela finalmente
fala.

— Sim, o quê? — murmuro mais calmo, caindo de


boca em sua boceta outra vez, para o alívio dela.

E o meu.
— Quero ser sua
vagabunda, seu
Dante. Só sua e
de mais ninguém.

— Vai me
obedecer? —
Mergulho a
língua no seu
canal estreito.

— Sim!

— Vai fazer o que


eu quiser? —
Sugo seu clitóris.

— Sim, por
favor… sim!

— Não vai deixar


ninguém te tocar?

— Não. Juro que


não. Dou minha
palavra!

Um sorriso maligno estica meus lábios, quando


coloco minhas mãos na sua bunda, apoio os cotovelos no
colchão e trago sua bocetinha para cima, servindo-a em
um banquete apenas para minha degustação.
A mudança de posição transforma a ratinha no
bichinho perfeito para ser criado no meu cativeiro
particular, treinado para me servir e trazer de volta para
minha vida a diversão que me privei de ter, depois da
morte de Tônia.

Ela goza sob o meu olhar estreito, um misto de


admiração e ódio inconcebível para um homem que
passou por tudo que eu já passei. Provou tudo que eu já
provei. E fez tudo que eu já fiz.

Se Elisa acredita que é forte o bastante para me


derrotar, quando conhecer o verdadeiro Daniel irá
descobrir o quanto está enganada, pois farei com que se
arrependa amargamente de tocar a campainha da minha
casa naquele domingo.

E ter cruzado o meu


caminho.

Estaciono em frente à casa de dois andares, no bairro


mais nobre de Riacho Verde, dividido entre seguir a linha
do tempo que tracei para transformar Elisa no meu novo
brinquedo ou dirigir sem destino por algumas horas, até
me sentir normal outra vez.

Aperto o volante com tanta força, que as pontas dos


meus dedos ficam esbranquiçadas. Se seguir a diante
corro o risco de colocar tudo a perder, se recuar vou
assumir que a garota sem graça mexeu comigo mais do
que eu gostaria de admitir.
Não! Ela não vai me
vencer.

Desço do carro com minha caixa de ferramentas na


mão. Forço um sorriso falso e aceno o braço,
cumprimentando o segurança.

Ele retribui o aceno, abre o portão e avisa que dona


Celeste está na biblioteca, melhorando um pouco o meu
humor.

Agradeço e passo por ele, mas em vez de entrar pela


porta da frente, sigo pela lateral, atravesso o jardim de
rosas e entro pela cozinha para saber quantos
funcionários ainda estão trabalhando.

Para minha sorte, encontro apenas a cozinheira


saindo do banheiro, sem o uniforme que Humberto exige
que todos os funcionários usem, pronta para ir embora.
O silêncio que me acalmava até a chegada de Elisa,
agora me enerva, pois o som dos seus gemidos
reverberam na minha mente, impedindo que a raiva que
sinto por me sentir ansioso para ter a ratinha no lugar que
escolhi para ela se dissipe.

E eu possa fazer meu dever de casa sem essa maldita


dor nas bolas por conta da ereção que não me abandona
desde que a expulsei do meu quarto, depois de ela gozar
na minha boca.

Parado sob o arco que separa a sala de jantar da


biblioteca, vejo minha sogra segurando uma pilha de
livros que ela arruma na estante.

O cabelo alguns tons mais escuros que o de Laura


está preso em um coque impecável no alto da cabeça. O
vestido preto marca o contorno do seu corpo em forma
para uma mulher de cinquenta e cinco anos. O colar de
pérolas combina com o relógio de pulso marfim e a
sandália de salto médio da mesma cor.

Celeste é considerada pelos moradores da cidade


como um exemplo a ser seguido, de irmã, mãe, esposa e
cidadã. Todos a admiram, inclusive eu. Dos agregados da
família, ela foi a única que o sobrenome do seu marido
não corrompeu.

Se a filha dela não fosse uma piranha mentirosa e


Elisa não tivesse aparecido na minha vida, Celeste
passaria a vida sem saber quais as consequências de ser
corrompida, mas como um genuíno Bonavides não
pretendo cometer o mesmo erro do Gutierrez, e farei dela
meu principal trunfo.
— Quer ajuda? — Meu tom
é pacífico, levemente
divertido. Minha sogra olha
por sobre o ombro e sorri.
— Eu amo ler, Dante. Juro que amo. Mas guardar os
livros é uma tarefa que não me agrada.

Deixo a caixa de ferro no chão e me aproximo dela,


paro ao seu lado e deposito um beijo na sua bochecha,
como sempre faço quando nos encontramos.

— Uma mulher que eu gosto muito, me disse há


alguns anos que toda moeda tem dois lados. — Dou de
ombros, tirando os livros de sua mão. — Não lute contra
isso, querida.
Celeste sorri, com
sinceridade.

— As vezes eu
gostaria que essa
mulher estivesse
errada.

Mostro o primeiro exemplar, ela aponta a prateleira


e eu o coloco no lugar, sem a menor pressa.

— Por incrível que pareça, eu também — falo


baixo, fingindo aborrecimento.

A resposta preocupa minha


sogra, como eu sabia que
aconteceria.

O maior defeito de Celeste é se preocupar com todo


mundo, até comigo, que não vou vacilar se tiver que
ferrar sua vida para manter a ratinha cativa na minha
ratoeira.

— Algum
problema,
querido?

Solto o ar com pesar, levantando o segundo


exemplar da pilha. Ela indica a prateleira, me observando
de perto enquanto o coloco no lugar.

— Laura está me
traindo com o
Silvano.
Celeste leva a mão ao peito, com os olhos
arregalados, mas a indignação que deveria sentir ao ouvir
uma acusação como essa contra sua filha, não vem. O que
confirma minhas suspeitas de que ela já sabia.

— Dante…

— Tudo bem, querida. Você é mãe dela, eu entendo.


Não precisa se justificar. Eu só… — Passo a mão no
cabelo, puxo uma longa respiração e olho para o teto,
parecendo desolado. — Quando ela começou a mudar,
admito que me culpei. Sempre fui um homem saudável,
gosto de… — pigarreio, olhando diretamente para ela. —
Perdão, Celeste. Não deveria falar sobre essas coisas com
você, mas estou me sentindo tão mal que…

— Não se desculpe, por favor. Eu é que lhe devo


um pedido de desculpas. Laura nunca me disse nada, mas
desconfiei que minha filha estava confusa, quando ela me
disse que gostava de você, mas não sabia se um dia
poderia te amar como amou o Silvano.

Eu nunca amei a safada,


mas nem por isso saí
fodendo por aí. Um homem
fiel às suas convicções.
Esse sou eu.
— Laura não me deseja há muito tempo e não sei
mais o que fazer para reconquistar minha mulher.

Celeste coloca os livros em


cima da mesa e segura
minhas mãos.

— Você a ama?

Não.

— Amo. Muito.

— Então
converse com a
sua esposa.

Acaricio sua pele com as pontas dos polegares,


sutilmente trazendo seu corpo para junto do meu.

— Não posso e
gostaria de
manter essa
conversa entre
nós.

— Por que,
Dante?

— Se eu contar para a Laura que descobri a verdade,


não serei capaz de continuar casado com ela. Se pedir o
divórcio, todos saberão o que a sua filha fez e uma
desgraça vai recair sobre você e o Humberto. — Desço o
olhar para a sua boca e pisco rápido, engolindo seco. —
Não quero prejudicar ninguém, mas não posso tolerar as
traições dela. Laura vive inventando desculpas para não
me tocar, quando não está com dor de cabeça, está
cansada, estressada ou menstruada. Não suporto mais a
solidão. Só quero alguém que me queira.

Dou uma risada sem humor, puxo minha sogra para


um abraço e sussurro em seu ouvido, descansando as
mãos abertas na base da sua coluna:

— Humberto é um homem de sorte. — Cheiro seu


pescoço e escorrego meus dedos um pouco mais para
baixo, pressionando meu pau na sua barriga. — Deus…
estou perdendo a cabeça.

Então me afasto, surpreso ao flagrar Celeste corada,


com os lábios entreabertos e sem fôlego, me encarando
como se não acreditasse que o seu próprio genro está
duro para ela.

Duro eu estou, mas


definitivamente não pela
minha sogra.

O primeiro passo foi dado.


Tudo que me resta é esperar que Celeste faça o que
tem que fazer para salvar meu casamento e a reputação da
sua família, pois acabo de dar as informações que ela
precisa para apagar o incêndio que Laura começou e me
manter satisfeito.

Minha sogra não é burra.

Ela sabe que se ficar de braços cruzados esperando


por um milagre, mais dia ou menos dia, seu genro carente
vai ceder às necessidades do seu corpo negligenciado
pela esposa e acabará cometendo uma loucura que, além
de manchar para sempre a imagem do pastor, até então
irretocável, e dos Gutierrez, Humberto dará um jeito de
manipular a palavra de Deus para jogar em cima dela a
culpa pelas escolhas da filha, numa tentativa desesperada
de salvar o próprio rabo.

Vivemos em um mundo
machista, onde a traição
tem pesos diferentes.
A mulher, cabe a aceitação. Ao homem, o troco.

— Preciso sair daqui antes que eu faça alguma


merda! Por favor, não conte para ninguém que desabafei
com você. Será o nosso segredo. — Exagero na expressão
atormentada, tornando meu dilema de chifrudo
conformado ainda mais convincente.

Exasperado, contorno a mesa, pego minha caixa de


ferramentas e disparo para fora da biblioteca, deixando
para trás uma Celeste transtornada e com muita coisa para
pensar.

Ainda que nada dessa merda seja verdade, a fúria, a


revolta e a frustração se mostram presentes quando as
lembranças de Elisa se derramando na minha boca se
confundem com as da décima quarta noite de Tônia.

A última.

Laura, Jurema, Claudia, Celeste, são putas que


fazem, aceitam e falam qualquer coisa, por causa de um
pau que acham que podem domar.

Traem, mentem, fingem e até roubam, contanto que


recebam rola. Se autoproclamam bocetas mágicas, mas
não passam de vagabundas desesperadas para serem
arrombadas.

Dirijo pela cidade com a visão embaçada, o corpo


trêmulo, em chamas, amaldiçoado pela mesma
necessidade voraz que Daniel tinha de expurgar o ódio, à
moda antiga.
Não tenho escolha, nem
forças para resistir.

Depois de vinte anos, chegou a hora de recuperar o


tempo perdido e dar para as leoas, o que em breve será
apenas da ratinha.
Perto das seis da tarde, estaciono na frente da única imobiliária
da cidade. Checo o celular para me certificar que Laura não me
enviou nenhuma mensagem e desço do carro.

Laurentino, corretor e proprietário, é um homem de meia-idade


que vive para o trabalho. Tímido, reservado, sem muitos amigos e
podre de rico, mas se veste como um mendigo, mora numa casa
humilde e dirige um Corsa caindo aos pedaços, por medo de que as
pessoas saibam a quantidade de dinheiro que tem investido.

Meu pai chamaria de ganância. Eu


chamo de mesquinharia.

— Está perdido, Dante? — ele brinca, se levantando da cadeira


para me cumprimentar com um aperto de mãos.

— Na verdade, não. Preciso de uma informação e acho que


você é o único que pode me ajudar.

— Claro, claro. Sente-se.


Eu me sento na cadeira enquanto Laurentino volta a
se acomodar na dele, do outro lado da mesa, de frente
para mim.

— O que você quer saber?


Penso por um instante e
minto:
— Estou pensando em comprar um terreno para
construir um depósito. Preciso de um espaço maior que
eu possa entrar em sair a qualquer hora sem me preocupar
se o barulho está incomodando algum vizinho. O
quartinho onde guardo meu equipamento de trabalho é
pequeno e nas próximas semanas pretendo investir em
maquinários para jardinagem
— falo devagar para que ele entenda. — Encontrei o
lugar perfeito, que atende minhas necessidades e não tem
vizinhança por perto, mas o proprietário não consegue o
registro do imóvel porque o limite do terreno está
estabelecido em dois municípios. Se eu fechar negócio
com ele, posso ter algum problema com o SIGEF
(Sistema de Gestão Fundiária)?

— O SIGEF não criará barreiras porque é online,


mas o cartório vai. Se o imóvel contém uma divisa
municipal passando por ele, essa divisa deve ser
representada separando o imóvel em duas parcelas, uma
para cada município — Laurentino se apressa em
responder. — Você tem que atualizar os limites para cada
matrícula, pois só pode haver registros de novos imóveis
no município onde o cartório tem soberania.

Muito melhor do que eu


esperava.

— Deixe-me ver se entendi direito. Caso eu compre


o terreno e não faça a atualização dos limites, se o galpão
for assaltado, por exemplo, corro o risco de nenhuma das
duas cidades atender ao meu chamado. É isso? — Jogo a
isca.

Laurentino assente com um


aceno de cabeça.

— Exatamente. — Ele estala os dedos no ar e apoia


os cotovelos na mesa, inclinando-se para frente. — Foi o
que aconteceu na chácara que a Laura herdou da avó.
Lembra?

Óbvio que lembro, por isso


estou aqui.

— Não. — Franzo a testa, como se nem imaginasse


do que ele está falando.
— Faz muito tempo, talvez por isso não se lembre.
A propriedade fica entre Riacho Verde e Pedra Sandra,
bem na divisa dos municípios. Cinco famílias sem-teto
invadiram o local e se recusavam a sair. Nenhum dos
prefeitos queria comprar uma briga com o líder do
movimento e ficaram jogando a responsabilidade pela
desapropriação para o outro. A confusão se arrastou por
anos, gerando muita polêmica entre os moradores das
duas cidades. Na época, o pai do Humberto era vivo, mas
estava muito doente e o pastor não tinha o prestígio que
tem hoje. A Celeste ainda tentou regularizar a situação e
certificar a chácara para colocar o terreno a venda, mas
quando os Gutierrez expulsaram aquela gente de lá à
força, a repercussão negativa do ocorrido foi tão grande,
que desvalorizou o terreno em quase oitenta por cento e
ela acabou desistindo.

Laurentino recosta na
cadeira, fazendo que não
com a cabeça.

— No seu lugar, não fecharia negócio enquanto o


proprietário do galpão não estiver com a documentação
regularizada na mão.

— Você acabou de salvar a minha vida — digo


brincando e fico de pé. — Me avise se souber de um
imóvel que se encaixe dentro do que estou procurando.

Ele faz o mesmo e me


acompanha até a porta.

— Alguma
restrição quanto a
localização?
— Não,
nenhuma.

— Vou falar com


algumas pessoas
e entro em
contato.

— Obrigado,
Laurentino.

— Disponha,
Dante. Dê
lembranças à
família.

Despeço-me apertando sua mão outra vez e sigo


para o carro com um sorriso discreto nos lábios, satisfeito
em saber que mesmo depois de duas décadas longe dos
gramados, Daniel continua provando que até o último
minuto o resultado pode ser revertido.

Volto para casa com as


cobaias, o primeiro trunfo e
a ratoeira.

Não é tudo que preciso para que a diversão esteja


completa, mas com certeza é o suficiente para começar a
brincadeira.
Um homem meticuloso,
esse sou eu.

O sorriso que ostento desde que deixei a imobiliária


se desfaz quando abro o portão eletrônico de casa e vejo
Elisa debruçada no muro, batendo papo com Jurema e
Kevin, filho caçula do Rogério que deve ser um pouco
mais velho que ela.

A raiva retoma seu lugar,


me consumindo dos pés à
cabeça.

Controlo o ímpeto de arrastar a ratinha pelos cabelos


até o quartinho, prender seus pulsos com uma tira de aço
e lhe dar uma bela surra para que ela entenda que sou um
homem egoísta e jamais divido o que é meu com
ninguém, principalmente com um pirralho cheio de
espinhas na cara que sonha em foder a madrasta vadia.

Ao contrário de Elisa, que sequer nota a minha


chegada, Jurema sorri ao me ver descer do carro, dá uma
piscadinha e acena com a cabeça em direção ao quintal
dos fundos.

Não estou a fim de foder a safada, mas o ódio que


sinto é forte demais para freá-lo. Tiro o celular do bolso e
ergo o aparelho no ar, indicando que irei enviar uma
mensagem para ela.
Subo direto para o meu quarto, com o coração
acelerado, as mãos fechadas em punho e o maxilar
cerrado, fervendo por dentro.

Já havia esquecido como era sentir esse desejo


louco, indomável, pois desde que Tônia se foi e conheci
Laura, tranquei os impulsos bestiais e adotei a monotonia
bondosa como filosofia de vida.

Elisa é a única culpada por eles estarem de volta,


então nada mais justa que assuma a responsabilidade de
realizá-los, um a um. De forma alguma a pouparei do
trabalho, não depois que ela me disse sim.

Para tudo.

Sento na cama para decidir o que fazer, quando o


aparelho vibra na minha mão indicando o recebimento de
duas mensagens. A primeira de Laura informando que
está no escritório do pai resolvendo um problema de
última hora e não deve estar em casa antes das dez.
A segunda é de Celeste,
ainda melhor que a dela:
Pensei muito sobre o que me disse e acho que
encontrei a solução perfeita para o problema que minha
filha criou. Você pode vir à minha casa para
conversarmos?

Sorrindo de lado, guardo o telefone no bolso, sem


responder nenhuma das duas, abro o cofre dentro do
closet e pego a pasta que Laura mantém os documentos
mais importantes.

Cinco minutos depois, seguro o envelope com as


chaves da chácara e o documento que proclama minha
esposa como dona da propriedade rural que pertencia a
sua avó materna, localizada na divisa entre Riacho Verde
e Pedra Santa.

A única herança que Laura rejeitou, justamente por


marcar sua juventude com um rastro de sangue inocente
impossível de ser apagado; deixar dívidas financeiras que
levaram os Gutierrez à falência e, ainda por cima, colocar
a vida do pai dela nas mãos de empresários corruptos que
até hoje se beneficiam dos favores que fizeram a pedido
dele, para expulsar as famílias invasoras.

O lugar que representa o calvário da família da


minha esposa, tem o doce sabor do recomeço para mim.
É lá que vou mostrar para as cobaias tudo que elas
precisam fazer para manter Daniel satisfeito.

E adiar suas mortes.


Digito uma resposta rápida
para Laura:
Sem problema, querida. Já
estou em casa. Saudade.

Outra para Celeste:


Estarei aí depois do almoço. Apenas para constar,
você fica linda de preto.

E envio uma mensagem


para Jurema.
Te pego na esquina do
açougue em uma hora.
Sem calcinha.

Jogo o aparelho em cima da


cômoda e desço para a sala.

Sessenta minutos, esse é o tempo até o horário do


meu encontro com a vizinha e quanto mais a ratinha
demorar para entrar, mais rápido ela vai aprender que
meu egoísmo não é nada comparado à minha
impaciência, e odeio esperar para ter o que quero.

Um exímio professor, esse


sou eu.
Enquanto lavo o banheiro do andar de baixo, ainda tento entender por que seu Dante
me expulsou do quarto como se eu fosse uma cadela sarnenta, mesmo depois que falei
tudo que ele queria.

Não sei o que acontece comigo sempre que esse homem está por perto. Parece que a
presença dele provoca alguma falha no meu cérebro e tudo vira uma grande confusão na
minha cabeça.

Um lado sabe perfeitamente que o que estou fazendo é errado, se culpa por desejar o
marido da minha patroa e se recusa a aceitar as imposições dele. Começando pelos nomes
que seu Dante me chama, iguais aos que os moradores de Canteiros chamavam Lindalva.

Puta safada era um elogio.

Mas o outro lado não se importa com nada disso, nem se esforça para fingir que não
quer que seu Dante faça tudo que quiser com meu corpo, tampouco se sente mal por eu
me deitar com um homem casado na mesma cama que ele se deita todas as noites ao lado
da esposa.

Agora que estou aqui, sozinha, sóbria e consciente, reluto em admitir que o jeito
grosseirão do seu Dante me domina com facilidade.

Que quando ele usa palavras baixas para me humilhar, me desafia a provar que sou
melhor que as outras mulheres que, assim como eu, também não ligam de substituir dona
Laura e dão para o marido dela, o que apenas ela deveria dar, mas se recusa porque não o
ama como ele merece ser amado.

Que só de me encarar com aqueles olhos impenetráveis, fico toda molhada, agoniada
para descobrir como será tê-lo dentro de mim, penetrando, preenchendo, tomando o que
não é dele para tomar.

Mas, sem dúvida, o mais difícil é assumir que sempre que seu Dante me despreza,
como se eu valesse menos que uma moeda de cinquenta centavos, me transformo em uma
vadia da pior espécie, daquelas submissas
que gostam de ser degradadas e submetidas aos caprichos
de um homem rancoroso, insensível, controlador.

Quando me tornei esse tipo


de mulher?

O problema é que até conhecer o melhor amigo do


meu pai, eu nunca tinha permitido que ninguém me
tocasse e algumas horas atrás, estava deitada na cama da
dona Laura, gemendo como uma prostituta, com o marido
dela no meio das minhas pernas.

Meu corpo estremece só de lembrar das coisas que


seu Dante fez com a língua, de como me tocou nos
lugares certos e do prazer que senti quando gozei na boca
dele.

Santo Cristo, sou


igualzinha à minha mãe.

Decepcionada comigo mesma por ceder ao desejo


indecoroso que me corrói, termino de secar o piso com o
rosto banhado em lágrimas e inspeciono meu trabalho
pela casa, conferindo se não esqueci de limpar nenhum
cômodo antes de ir lavar os panos de chão no quintal.

Quando o sol começa a cair no horizonte, um vento


suave sopra de mansinho, refrescando a quentura na
minha pele e afastando os pensamentos tortuosos que
roubam minha alegria de viver.

Estou procurando a caixinha de pregadores, no


momento que a moça que vi com seu Dante no corredor
da lavanderia, entra na casa do lado seguida por um rapaz
mais novo.
Os dois brincam e sorriem como se fossem amigos,
mas o jeito que ele olha para ela, não é de um homem
interessado em amizade.

Acho que fico encarando


porque a moça e diz,
apontando para mim:

— Para com isso, Kevin, senão até a nova


empregada da Laura vai acreditar que eu sou sua mãe.

Pisco rápido e abaixo a cabeça, sentindo minhas


bochechas esquentarem, agora de vergonha.

— Você é namorada do meu pai, então ela não está


errada de pensar que sou seu filho. — A voz do rapaz não
esconde o tom provocador. — Tá vendo? Deixamos a
menina constrangida.
— Eu nem ouvi o que vocês estavam falando —
rebato, sem olhar para cima, e penduro o pano no varal de
qualquer jeito.

— Não precisa se preocupar. Apenas ignore tudo


que sai da boca desse moleque. De dez coisas que ele
fala, onde são irrelevantes.

Dou risada do jeito extrovertido da moça, bem


diferente de como ela gemia quando estava ajoelhada,
chupando seu Dante.

— Meu nome é
Kevin, muito
prazer.

Viro a cabeça para eles, me deparando com o rapaz


debruçado no muro. Seu braço estendido na minha
direção. Seco as mãos no avental e me aproximo,
cumprimentando-o educadamente.

— Elisa.

— Viu? Não acredite na minha madrasta. Sou muito


mais inteligente do que ela pensa.

— Sou Jurema, namorada do pai dele, mas me


recuso a chamar um marmanjo desse tamanho de enteado
— ela diz revirando os olhos, mas o esboço de um sorriso
indica que só está provocando.

— Há quanto
tempo está
trabalhando para
a Laura? Nunca
vi você por
aqui.

Respondo timidamente,
mas em poucos minutos me
sinto como se
conhecesse os vizinhos há anos e logo estamos falando
sobre a única escola pública da cidade que tem Ensino
Médio, os lugares que Kevin gosta de ir com seus amigos
para paquerar e o brechó que Jurema costuma comprar
roupas quando está sem dinheiro.

Estou tão distraída que só percebo que seu Dante


chegou do trabalho quando o celular de Jurema vibra na
mão dela, Kevin tenta pegá-lo e acaba derrubando o
aparelho perto do meu pé.

Não é minha intenção bisbilhotar, mas em minha


defesa o nome dele brilha na tela no instante em que me
abaixo parar pegar o telefone.

A namorada do vizinho age como se nada tivesse


acontecido, então faço o mesmo e finjo que não sei que
seu Dante enviou uma mensagem para ela, nem que meu
coração está encolhido por ele ter mentido para mim.
Movida pelo ciúme, aceito o convite de Kevin para
ir à uma festa na casa de um de seus amigos no fim de
semana, antes de me despedir e entrar, determinada a me
trancar no meu quarto e só sair amanhã.

No entanto, logo que passo pela porta, sou


pressionada na parede por um armário de músculos
cheirando a suor e possessividade.

— Eu avisei que ninguém toca no que é meu, Elisa,


mas você não levou a sério o meu aviso e agora serei
obrigado a te ensinar a primeira lição. — Seu Dante
vocifera, rosnando como um animal selvagem que luta
contra caçadores para salvar a própria vida, olhando
dentro dos meus olhos.

— O senhor não… — Engulo as palavras quando


ele enfia uma mão por baixo da minha saia e desfere um
tapa na minha cara com a outra.

O estalo do golpe e a ardência na bochecha, me


desnorteiam por poucos segundos, graças à minha
letargia ao assimilar o que aconteceu.

Quando a compreensão de que seu Dante está


furioso porque me viu conversando com Kevin me atinge,
lágrimas caem dos meus olhos e começo a me debater,
numa pífia tentativa de afastá-lo.

— Você disse sim, ratinha — sussurra no meu


ouvido. Empurro seus ombros para trás. — Sim para ser
minha vagabunda. — Afasta minha calcinha para o lado.
Cravo as unhas na sua carne. — Sim para tudo que eu
quiser, Elisa. — Resvala o polegar no meu clitóris e me
beija pela primeira vez.
Sua língua irrompe entre meus lábios, reivindicando
tudo que encontra pela frente. Lambe, chupa, explora,
venera.

Quente, macia e molhada.

Em uma fração de segundo, estou puxando em vez


de empurrar; gemendo baixinho em vez de reclamar;
oferecendo meu corpo em vez de negar; desistindo de
lutar contra tudo que esse homem me faz sentir.

Pois no fundo, sei que seu


Dante tem razão. Eu disse
sim e agora pertenço a ele.
Não posso negar que Elisa se empenha para resistir e usa toda
sua força de ratinha petulante para me afastar, mas como a boa
putinha que é, se rende quando faço a única coisa que sei fazer
melhor do que me esbaldar com o sofrimento de vadias experientes.

Dou a ela o prazer que seu corpo anseia sentir e a beijo,


enquanto arruíno seu clitóris para qualquer vagabundo que tente se
apossar do que é meu.

A safada pinga, melando meus dedos que brincam com os


lábios rosados e a entradinha apertada da sua boceta virgem.

Sua boca se abre para receber minha língua, grossa, gostosa de


chupar, porém afoita e inexperiente, comprovando que a ratinha
nunca foi beijada.

O sentimento de posse está de volta, mas não permito que me


desconcentre dessa vez e espremo seu corpo contra a parede,
embriagado pelo seu cheiro natural de mulher excitada, que escorre
e me inebria como nenhum outro.
A garota inocente se mostra uma aspirante a
vagabunda mais ansiosa para foder do que Tônia era
quando tinha a idade dela.

Eu me perderia facilmente em Elisa e arrombaria


seus buracos num piscar de olhos se me distraísse.
Entretanto, ainda não é o momento e esta casa não é o
lugar para foder a ratinha como desejo.

Tenho muitos planos para


ela.

Planos que precisam de tempo, espaço e motivação.


Por isso, meu pau protesta quando interrompo o beijo
bruscamente, viro seu corpo de frente para a parede, tiro
sua calcinha e faço da peça cafona de algodão uma
amarra para prender seus pulsos nas costas.

Elisa resmunga no instante em que a arrasto pelos


cabelos escada acima, em silêncio. Abro a porta do meu
quarto e a empurro para dentro. Ela tropeça nos próprios
pés, mas não cai como eu queria.

Então eu a jogo no chão, ordenando que fique quieta


com um simples olhar. Tiro sua roupa, deixando-a
completamente nua. Vou até o closet, pego o fio de náilon
e a mordaça, vibrando por dentro, eufórico com a noite
inesquecível que terei.

— De joelhos —
ordeno, parado ao
lado dela.

A ratinha me encara com o cenho enrugado, o rosto


banhado pelas lágrimas e os olhos nublados de dor, no
entanto é o medo que a mantém calada.

Tão linda! Tão perfeita!

Assim que Elisa se posiciona como mandei, me


abaixo, passo o fio grosso por cima da calcinha, unindo
ainda mais seus pulsos, e entrelaço as duas pontas ao
redor dos seus tornozelos, dando três voltas apertadas
para que ela não consiga se mexer sem tombar para os
lados.

— Por favor, seu Dante, está… — Sem paciência


para ouvir suas lamentações, cubro sua boca com a
mordaça de couro, ajoelho atrás dela, abro a sua bunda e
deslizo a ponta da língua pela fenda, do cuzinho até a
boceta.

A princípio era apenas para acalmá-la, mas descubro


que o gosto da ratinha é meu ponto fraco. Com a cara
enfiada no meio do rabo dela, me
delicio enquanto minha língua saboreia a parte mais
íntima do seu corpo como uma iguaria rara.

Elisa rebola, balbuciando alguma merda que não


entendo com a testa no carpete de madeira. Meu pau está
a ponto de estourar o zíper e minhas bolas pesam,
doloridas, necessitadas de alívio para esvaziá-las.

É hora de ir me encontrar
com Jurema.

Fico de pé, ignorando os resmungos chorosos de


Elisa. Passo os braços por baixo da sua barriga e a ergo
do chão, sustentando a maior parte do seu peso no meu
peito como se fosse um caixote, com a vantagem de ela
ser tão leve quanto uma criança desnutrida.

— Sh, isso é pra você aprender a me obedecer —


murmuro, carregando a ratinha até o canto do quarto. —
Fica quieta, ou sua patroa vai saber que a empregada
andou gozando na boca do marido dela.

Com cuidado, flexiono os joelhos, me curvo para


frente e coloco Elisa atrás da réplica perfeita do Trono do
Crisântemo (trono imperial do Japão).

O trambolho com estofado vermelho, que não


combina com nada e ocupa o mesmo espaço que um sofá
simples de dois lugares, poderia ser anunciado como
original, se Laura não tivesse adquirido essa merda em
um leilão exclusivo para colecionadores, organizado por
seu ex-namorado, há dois anos na cidade de Parati, Rio
de Janeiro, com a desculpa que precisava de um lugar
confortável para suas leituras.
Tenho certeza de que a piranha inventou aquela
viagem só para trepar com Silvano.

Dou uma volta pelo quarto e sorrio, constatando que


minha esposa só descobrirá que tem uma mulher nua,
amarrada e amordaçada no seu quarto, se Elisa emitir
algum som. Caso contrário, ela nunca ficará sabendo que
a ratinha esteve aqui, nem o que pretendo fazer com ela
enquanto Laura estiver dormindo.

Vingança é um prato que se


come quente.

Eu me abaixo na frente de
Elisa, que agora chora
copiosamente.
Acaricio seu cabelo e sussurro:

— Da próxima vez que ficar de papinho com outro


homem, além de cumprir minha promessa e matar o filho
da puta, vou te amarrar embaixo
da cama e comer a Laura a noite toda. É isso que você
quer, ratinha? — Ela nega com a cabeça, seus olhos
arregalados em desespero. — Boa menina.

Beijo sua boca e saio sem


me despedir.

Na garagem, arrumo minha caixa de ferramentas e


tudo preciso no porta-malas do carro, ansioso para levar a
namorada do vizinho para dar o seu último passeio.

— Pensei que não tivesse gostado do meu boquete


— Jurema acaricia minha perna.

Viro o volante para a direita e pego a estrada


asfaltada com um sorriso sacana em meus lábios.

— Rogério é o
único que não iria
gostar do meu
pau na sua boca.

— O que os olhos não veem, o coração não sente. —


Dá de ombros, debochada.

— Está sem? — Olho de relance para ela, com as


sobrancelhas arqueadas.
— Missão dada é missão cumprida, grandão —
Jurema levanta a minissaia e expõe a boceta depilada,
atestando que veio sem calcinha como mandei.

Estendo o braço até o meio


das suas pernas.

— Já está molhada pra mim, safada? — Esfrego os


dedos, separando as dobras úmidas, sem tirar os olhos da
pista.

— Nossa, Dante.
Que delícia.

Jurema escorrega a bunda para frente, afastando os


joelhos para facilitar meu acesso. Quando avisto a placa
indicando que falta menos de um quilômetro para
chegarmos à estradinha de terra onde tenho que virar,
desabotoo a bermuda e abro o zíper.

— Você não viu


nada. Vem cá,
chupa gostoso.
Ela nem desconfia que não quero que saiba para
onde estamos indo e cai de boca no meu pau. Mantenho
uma mão no volante enquanto apalpo sua bunda grande
com a outra e relaxo no banco curtindo a mamada
gostosa.

Quando faço a curva fechada, Jurema ameaça se


levantar para ver nossa localização, mas empurro sua
cabeça para baixo novamente.

— Engole tudo, porra! — brado e acerto uma


palmada no seu rabo, dirigindo com mais atenção para
não perder a entrada da chácara.

A expectativa de chegar ao local que escolhi para ser


a ratoeira de Elisa faz meu pau engrossar na boca da
vizinha, e sinto que posso gozar no instante em que a luz
do farol alto ilumina a seta de madeira por entre as
árvores, a poucos metros de distância.

Atravesso os portões que estão abertos e caem


tortos, um para cada lado, dirigindo para dentro da
propriedade privada pela primeira vez, depois de quase
vinte anos.

Jurema percebe que diminuo a velocidade e se


levanta. Dessa vez não a impeço de olhar ao redor com
uma expressão preocupada por não reconhecer o casarão
abandonado.

— Que lugar é
esse, Dante?

Paro em frente à cerca de


arame farpado e desligo o
carro.

— Esse será o nosso segredinho sujo. É aqui que eu


vou fazer com você o que seu namorado não consegue e
seu enteado não tem coragem — respondo num tom
sedutor, ajeitando meu pau dentro da calça novamente.
Giro o corpo de lado e encaro seus olhos em meio à
escuridão. — Se não quiser ou se estiver arrependida de
ter aceitado meu convite, podemos voltar para casa e
esquecer o que aconteceu. A escolha é sua.

É mentira, pois Jurema não sairá mais daqui, mas


prefiro fazer isso com o seu consentimento. Sei que
ganhei a batalha quando o vinco de pele formado na sua
testa se desfaz e ela sorri como se tivesse ganhado na
loteria.

— Sabe quanto tempo eu esperei por isso, Dante?


— Jurema se inclina na minha direção, animada para me
beijar.
No entanto, meu pau é a única parte do meu corpo
que sua boca tem permissão para tocar e antes que monte
em cima de mim, fecho a mão em sua garganta, me
aproveitando da sua afobação para empurrá-la de volta
em seu lugar.

Com olhos esbugalhados,


ela esperneia, chuta o
painel e me arranha.
Chata pra caralho!

Impaciente, trinco os dentes e bato sua cabeça na


porta do passageiro duas vezes. Ela desaba no banco,
meia grogue.

A ratinha caiu de paraquedas na minha vida,


provando que continuo o mesmo Daniel de vinte anos
atrás, a diferença é que hoje reconheço meus demônios e
esse reconhecimento será minha arma secreta para não
cometer o mesmo erro duas vezes.

Em um momento de paixão
desenfreada, a besta
destruiu Tônia. Agora, sou
o único que pode decidir
quando Elisa será destruída.
Morada do Sol – Rio Grande do Norte

Olho ao redor, impressionado com a quantidade de terra negligenciada por causa da


tragédia que abalou uma cidade inteira.

— Quem é o proprietário? — pergunto à Ademilton, responsável por me acompanhar ao


local onde a filha do ex-prefeito de Morada do Sol foi assassinada.

— Coronel Venceslau Junqueira — responde ele, coçando a cabeça por baixo do chapéu
de palha.

— Tudo?

— Sim, senhor.

— Qual o tamanho do terreno?

— Até onde sua vista alcançar é dele. Talvez um pouco


mais.

— Posso entrar? — Aponto para o chalé abandonado, perdido no meio do nada.

— Faça as honras.

— Você tem a chave?

— Tá aberto.

Avanço em direção ao alpendre, com o homem atrás de mim. Paro diante da porta e abro o
arquivo direto na parte em que estão as fotos tiradas pelos peritos.

A resolução das imagens é uma porcaria, mas consigo visualizar o carro de João Camargo
estacionado na frente do chalé com os pneus
rasgados, as marcas de pneus da caminhonete de Daniel
Bonavides, noivo de Antônia, as pegadas das botas dele
manchadas com o sangue da vítima, até as bitucas de
cigarro.

Respiro fundo e giro a maçaneta enferrujada com a


intenção de avançar para dentro, mas assim que abro a
porta o fedor de podridão, passado e morte, me obriga a
cobrir o nariz com as costas da mão e esperar alguns
segundos para me acostumar com o odor insuportável.

— Há quanto tempo está fechado? — Encaro


Ademilton por sobre o ombro.

— Desde quando
o delegado
encerrou o caso e
JC foi preso.

— Nunca mais
entraram aqui? —
Não escondo o
espanto.

Ele nega com um aceno de cabeça, tira um cigarro


de palha do bolso da camisa e acende.

— Venceslau dispensou os funcionários que


trabalhavam na plantação e disse que não queria ninguém
aqui.

Franzo a testa, pois de acordo com os registros, os


negócios do pai de Antônia não incluíam lavoura.
— O que ele
plantava?

Ademilton desvia o olhar, dá uma longa tragada e


responde, soltando a fumaça pelo nariz:

— Tá ficando
tarde. É melhor o
senhor entrar.

Não insisto, pois sua não resposta já responde à


minha pergunta. Ao contrário do que o capacho do
delegado pensa, eu estranharia se um homem poderoso
como Venceslau Junqueira não estivesse envolvido com
tráfico de drogas.

Seguindo seu conselho,


atravesso a porta e entro no
chalé.

De acordo com os relatórios policiais, foi na sala de


estar que Daniel encontrou o bilhete que João Camargo
escreveu para o melhor amigo, explicando o motivo que o
levou a fazer o que fez naquela noite, com a noiva dele e
a própria vida.
O delegado alegou que a principal evidência para a
condenação de JC foi perdida durante uma reforma na
delegacia, meses após o fim do julgamento, mas sua
desculpa não me convenceu.

Acredito que o bilhete escrito à mão pelo único


suspeito de assassinar Antônia e tentar tirar a própria
vida, foi entregue a alguém diretamente ligado a uma das
partes envolvidas no crime.

Autor ou vítima.

Abro as janelas, permitindo que a claridade invada o


ambiente e amenize a fedentina, que se torna mais intensa
à medida que percorro o corredor e chego ao quarto onde
o crime foi cometido.

Apesar da decisão do pai de Antônia de isolar o


local, tornando o chalé numa espécie de ponto turístico
macabro da cidade, é fascinante comprovar que nem as
altas temperaturas nem as fortes chuvas, características
marcantes no clima da região, conseguiram apagar
algumas marcas deixadas pelas três pessoas que, em
algum momento e por motivos distintos, estiveram aqui
naquela noite.

As mais visíveis são as de respingos de sangue,


provavelmente de Tônia. Piso, parede, rodapé e teto.
Comparando os móveis que aparecem nas fotos e os que
estão no quarto, confirmo que são os mesmos. Sequer
foram mudados de lugar. Tudo continua exatamente
igual, como se o senhor Venceslau quisesse que o
assassinato da filha nunca fosse esquecido.

Verifico de perto cada marcação, uma a uma,


compreendendo porque os detetives não tiveram dúvida
sobre a autoria do crime.

A cena foi minunciosamente pensada e


meticulosamente montada, não apenas para incriminar
João Camargo, mas para que não houvesse outro
suspeito.

Porém, ao analisar um dos móveis usados por


praticantes de BDSM, o mesmo que Antônia foi
encontrada pelos policiais e gerou grande polêmica à
cerca das preferências sexuais da moça, um pequeno
detalhe chama minha atenção.

Revendo o posicionamento do Bondage Stockcade,


conhecido no Brasil como Cativeiro de Escravidão, pois
o projeto de madeira nos remete ao Feudalismo e ao
regime de servidão, noto que os dois contornos de solas
de sapatos masculinos deixados na parte posterior do
móvel, onde
provavelmente o assassino estava fodendo a vítima, em
pé atrás dela, antes de começar a golpeá-la até a morte,
não parecem iguais para mim como consta no relatório
pericial.

Jogo o arquivo no chão, arrasto a base de carvalho


alguns centímetros para a esquerda e me abaixo. Ilumino
com a lanterna do celular a pegada catalogada pelo perito,
antes de iluminar a segunda pegada, descartada por não
estar tão evidente quanto a primeira.

Quase caio de bunda, quando arranco a foto da folha


amarelada e a coloco ao lado da marca preservada pelo
móvel, não registrada.

Tanto o tamanho quanto a marca do fabricante são


iguais, porém a que foi identificada como sendo de João
Camargo pela própria mãe dele, tem um retângulo vazado
na altura do calcanhar, enquanto a outra, tem um
triângulo.

Suor escorre pela minha testa, no segundo em que


meu cérebro parabeniza meu instinto pela descoberta que
irá me levar ao verdadeiro assassino de Sabrina.

Eu sabia, porra!

Logo que ouço passos vindo do corredor, me levanto


num pulo, recoloco o móvel no lugar, jogo a foto dentro
do arquivo de qualquer jeito e vou ao encontro de
Ademilton antes que ele venha até mim.

— Algum
problema? —
pergunta,
estreitando os
olhos.

— Tirando o calor, o cheiro de bicho morto e a


poeira? — falo com sarcasmo, dando de ombros. —
Problema nenhum.

Por um milésimo de segundo, temo que Ademilton


desconfie de alguma coisa e solto o ar dos pulmões
quando ele dá um sorriso de lado, apontando o queixo
para o quarto que acabei de sair.

— Os homens que trabalharam no caso nunca


comentam sobre o que encontraram aí dentro. Eles dizem
que é por respeito à Tônia, mas todo mundo sabe que é
por cagaço do Coronel. É verdade que o JC comeu a
diaba naquele troço antes de arrancar as tripas dela?

Não, pois tudo que descobri sobre João Camargo


durante os anos que ele cursou Direito no Sul do país, me
diz que boceta não estava na sua lista de preferências.
Mas que o verdadeiro assassino fodeu Antônia em
cada móvel daquele quarto, mais de uma vez, disso não
tenho a menor dúvida.

Dou dois tapinhas no ombro de Adeilton e passo por


ele, indo em direção à saída.

— Essa é uma
certeza que nós
nunca vamos ter,
meu amigo.

Ou melhor, você nunca vai


ter. Eu, com certeza, terei.
Em três dias em Morada do Sol, descobri que
Venceslau Junqueira era contra o noivado de Antônia
com Daniel, pois apesar de ser considerado um bom
homem, apaixonado pela noiva e cidadão exemplar, o
cara era pobre, não tinha sobrenome importante ou
perspectiva de vida à altura da que o Coronel almejava
para a filha.

E segundo os homens que compõem o atual quadro


de funcionários do DP da cidade, Antônia só aceitou se
casar com Daniel para afrontar o pai.

Depois de muita barganha, troca de favores e uma


gorjeta para a cerveja de Ademilton, confirmei que havia
uma terceira pessoa no quarto com João Camargo e a
vítima.

Agora tenho trinta horas para fazer mais duas


paradas antes de pegar a estrada. Estou confiante que em
Riacho Verde encontrarei todas as respostas que preciso
para encerrar definitivamente esse caso, e finalmente
poderei mandar direto para as profundezas do inferno, o
serial killer responsável pela morte brutal de tantas
mulheres.

Ainda que a psicologia explique que matar é a única


forma que esse tipo de assassino conhece de demonstrar
seu amor, para mim o filho da puta não passa de um
psicopata.

Um homem frio, egoísta e


manipulador. Esse é ele.
Penduro a alça da bolsa no ombro, pego a caixa de ferramentas,
fecho o porta-malas e abro a porta do passageiro. Os braços de
Jurema despencam para fora, molengas, mas suas pálpebras tremem
indicando que ela não vai demorar para acordar.

Eu me abaixo, separo a fita adesiva, o capuz e os grampos de


aço. Amarro seus pulsos e tornozelos, tampo sua boca, cubro sua
cabeça e a puxo sem gentileza.

Jurema cai no chão, em um estado de semiconsciência, o que


justifica seus murmúrios enquanto eu arrasto pela trilha de terra
batida até o casarão.

Largo a vadia na entrada, giro a chave na fechadura e abro a


porta, absorvendo o cheiro de mato e mofo impregnado no ar.
Quando ligo a lanterna para me locomover sem tropeçar em nada,
um zumbido nojento ecoa pela sala.

A ação é rápida.
Uma colônia de morcegos voa em círculo, se
chocando uns contra os outros, ensandecidos pela
iluminação da lâmpada de LED.

Eu me encolho protegendo a cabeça com os braços,


o que agrava a alucinação dos ratos com asas, pois a
lanterna vacila entre meus dedos clareando vários pontos
do teto e das paredes, eliminando qualquer canto escuro
que eles possam se esconder da claridade.

Longos e repugnantes segundos se passam, até que


um infeliz encontra a rota de fuga no vão da porta e os
demais o seguem para longe.

Espero o silêncio voltar a reinar para endireitar os


ombros e procurar a merda do interruptor em paz.

Mais irritado que antes, vasculho cômodo por


cômodo para garantir que nenhum outro animal tenha
resolvido se refugiar dentro da casa. Fecho as janelas que
foram esquecidas abertas e só então arrumo minhas
coisas em cima da mesa.

Arrasto Jurema para o quarto dos fundos, que é o


maior e o único com suíte.

Enquanto a primeira cobaia não acorda, aproveito


para verificar a fiação elétrica, pregar um gancho na
parede, testar os disjuntores e procurar sinal de internet.

São quase nove horas, o que não me dá muito tempo


para brincar com a vizinha, apenas o suficiente para
aliviar um pouco a tensão que meu corpo acumulou desde
a chegada da ratinha.
Tiro toda a roupa menos a cueca, estranhamente
nervoso por rever o material que mantive guardado na
bolsa preta de córdoba depois de tantos anos.

A emoção é ainda maior do que supus quando


descarto a lona que os protege e me deparo com a
mordaça de couro, as algemas, os chicotes, as réguas, os
alicates, as tesouras e os diversos fios.

Entretanto nada me abala como o podão, um facão


de aço carbono puro ideal para corte de cana, o primeiro
que comprei com meu dinheiro logo que cheguei à São
Paulo e comecei a trabalhar como manobrista no
estacionamento terceirizado pela Universidade.
Com a mão trêmula, seguro o cabo talhado em
madeira, sentindo meu corpo inflar com a energia
familiar e inspiradora, que por duas décadas me privei de
desfrutar.

Mas agora ela está de volta.

Graças à Elisa.

O chiado feminino às minhas costas me faz sorrir e,


por mais ansioso que eu esteja para usar o podão
novamente, ainda é cedo. Preciso me preparar primeiro,
treinar diariamente com afinco, relembrar as técnicas e
calcular com precisão cada passo que darei.

Só assim poderei retomar minha vida de onde parei,


sem falhas, contratempos ou interrupções, com uma nova
rainha dedicada ao meu lado, que me conhecerá tão bem
quanto a primeira, me amará além do amor e me aceitará
como eu sou.

Escolho a régua de ferro de cinquenta centímetros,


lisa em uma extremidade, porém com dezesseis dentes
universais por polegada na outra, excelente para cortar
objetos finos e delicados, como pequenos ossos, tendões,
ligamentos e algumas artérias sem causar hemorragia.

Reservo uma agulha, dois fios amarelos e vinagre.


Luvas, álcool e algodão para esterilizar.

Com tudo perfeitamente organizado, posiciono uma


cadeira perto de onde Jurema está deitada, retiro o capuz
da sua cabeça e me sento, concentrado em cada mudança
na sua expressão conforme ela pisca, ainda atordoada,
possivelmente tentando se lembrar do que aconteceu, que
lugar é este e, principalmente, por que veio até aqui.

Apoio os cotovelos nos


joelhos, trancando seu olhar
no meu.

— Apenas eu sei onde estamos, porque como todas


as vadias que não conseguem se contentar com o pau do
namorado que paga suas contas, você não podia contar
para ninguém que ia se encontrar com o marido da sua
amiga para foder como uma louca, e depois de trocar a
calcinha, voltaria correndo para os braços do corno e
continuaria fingindo que é uma mulher direita.

Os olhos de Jurema se
enchem de lágrimas.
Encosto na cadeira, estico as pernas, abaixo a cueca
e acaricio meu pau, que engrossa sob o meu toque e o
olhar guloso da safada.

— Estamos sozinhos nesse fim de mundo. Você, eu


e nossas boas intenções. Como pode perceber, estou com
muito tesão, mas só vou tirar a fita da sua boca e te foder
como sei que quer ser fodida, se me prometer que não vai
gritar.

Ela balança a cabeça para


cima e para baixa, muitas
vezes.

— Tem certeza que pode ficar quieta? — insisto,


cada vez mais duro e inchado. Jurema confirma com
outro aceno. — Pensa bem, porque se eu tirar a fita e
você gritar, serei obrigado a te punir.

Novamente ela faz que sim.

Sorrio, cínico, pois assisto a esse filme há um bom


tempo para saber que ele sempre termina da mesma
forma.

Com elas gritando,


histéricas, implorando para
morrer.

— Ok. Estou confiando em


você. Tiro a cueca e fico de
pé.
Ainda me masturbando, caminho devagar e paro ao
seu lado. Passo a perna direita por cima das coxas de
Jurema, me posicionando de frente para ela, com um pé
de cada lado dos seus quadris e meu pau na altura do seu
rosto.

Seus olhos se revezam entre os meus, a tora


endurecida que a safada está louca para chupar e algum
ponto atrás de mim, provavelmente calculando a
velocidade da corrida que ela terá que fazer para escapar.

Flexiono levemente os joelhos, estico o braço e


arranco a fita da sua boca num puxão rápido. Jurema
estremece, ofegante.

— Dante, por
favor…

Cubro sua boca com o indicador em riste, calando-a.


Deslizo a ponta sobre o lábio inferior e lubrifico meu
dedo com sua saliva, antes de espalhar a baba na cabeça
do meu pau.
Ela se remexe, esfregando uma coxa na outra com as
pálpebras pesadas. Os pequenos movimentos fazem sua
saia levantar, deixando sua boceta à mostra. Minha
garganta seca, sedenta.

Ajudo Jurema a ficar de pé, aponto para onde eu


estava sentado e ordeno:

— Apoia as mãos
no estofado.

Quando percebe que não irei desamarrar seus


tornozelos nem servir de bengala para cumprir sua
missão, ela dá alguns pulinhos descoordenados até a
cadeira e se curva, exatamente como mandei.

Desenrolo uma camisinha sobre o meu pau e pego a


régua, com o olhar cravado na bunda empinada que está à
minha espera, ávido para descobrir como sua pele é por
dentro, qual cor ela tem, se é lisinha, adocicada e macia.

Do jeito que eu gosto.

Por trás de Jurema, me livro da saia jeans e da


blusinha azul que ela usa sem sutiã. Descanso a régua nas
costas dela e enrolo um punhado de seu cabelo em uma
mão, enquanto seguro a base do meu pau com a outra e
esfrego a cabeça entre os lábios da sua boceta, para cima
e para baixo.

Ela geme, rebolando.

Inicio uma sequência de golpes certeiros e acerto seu


clitóris com a glande inchada, levando minha vizinha à
loucura. Então meto com força, batendo duro dentro dela.
Jurema grita, e apesar de não ser o som que desejo
ouvir, continuo arrombando sua boceta.

Quando sinto a vadia me apertar, sei que seu


orgasmo está perto e não perco tempo. A expectativa de
esfolar sua carne liberta a besta e incita os demônios,
dando boas-vindas ao torpor que me transformou no
homem que fui há vinte anos.

No momento em que encaixo a régua na palma da


minha mão, empurro o tronco dela para baixo e revezo
uma série de batidas violentas, com a linha de dentes
afiados propositadamente virada para baixo, a vagabunda
à minha frente não tem mais nome ou identidade.
É apenas um meio para um
fim, como todas as outras.

O sangue escorre pelos pequenos cortes que, aos


poucos, se tornam muitos. Incontáveis.

Bunda, costas, ombros, nuca, orelhas e seios, me


mostram como são em seu interior, se revelando mais e
mais, em perfeita sincronia com os uivos de dor da
prostituta, que se tornam histéricos à medida em que ela
tenta a todo custo recusar o presente que é apenas dela
para receber.

Tudo à minha volta


desaparece.

Meu mundo particular se resume a carne flagelada,


da cor do vinho que minha mãe adorava beber e o único
som capaz de acalentar minha alma, cada vez mais baixo,
mais fraco, mais espaçado, até emudecer totalmente.

O corpo flácido à minha frente tombado sobre a


cadeira, desfalecido, rasgado e ensanguentado, me leva
ao êxtase.

Gozo, jogando a cabeça para trás, entorpecido,


embevecido, revigorado.

Aprecio a obra de arte que deu início a um novo


ciclo na minha vida, enquanto aguardo a frequência
cardíaca normalizar.

E, pela primeira vez desde os meus dezesseis anos,


quando descobri que para não matar a única garota que já
amei, teria que fazer com as outras tudo o que, dia após
dia, noite após noite, eu desejava fazer com ela, não é a
imagem de Tônia que vem à minha cabeça no momento
em que o alívio por saber que não machuquei meu amor,
me resgata da dormência mental.

É a dela, de Elisa.

Então o pior acontece e o que deveria servir para


alimentar os demônios e ninar a besta, ultrapassa todos os
limites que jamais permiti que fossem ultrapassados, me
arremessando de volta ao passado.

Onde tudo começou. À


estaca zero.
Meu estômago ronca, minha cabeça lateja, meus olhos ardem, meus seios protestam
o esmagamento e a dor na coluna é tão intensa que não sinto mais minhas pernas e
braços.

Um mistura de raiva, indignação, mágoa e decepção, me abate com gosto, num sinal
de reprovação do universo por eu ter me colocado nessa situação, mesmo depois de
receber tantos sinais de alerta sobre os perigos que estava correndo ao ceder a essa
atração sem precedentes que sinto pelo marido da dona Laura.

A sensação de impotência que sempre me deu forças para continuar lutando até
contra os obstáculos mais difíceis, agora não passa de uma vaga memória que sequer é
minha.

Desisto da batalha pela liberdade e me rendo, descansando a testa no chão, nua,


amarrada como uma contorcionista, largada atrás do que parece ser um trono como um
objeto inanimado, sem nenhuma noção de quanto tempo faz que seu Dante saiu e me
deixou aqui no escuro, com fome, com medo, assustada.

Sozinha.

Quando as lágrimas secam e param de cair, ignoro o formigamento que alcança cada
centímetro do meu corpo e substituo a testa pela bochecha no carpete de madeira com os
olhos fechados.

Abraço a escuridão e me entrego a exaustão. Agradecendo


a solidão, que nunca foi tão gentil.

O estrondo da porta batendo me desperta, acelerando as batidas do meu coração.


— Estou cansada, Dante. Não quero discutir com
você! — O tom da dona Laura é firme. O barulho dos
saltos indica que ela está a poucos centímetros de
distância.

Acho que entrou no closet.

— Se quer evitar uma discussão, responda à minha


pergunta. — Estremeço ao ouvir a voz irritada do
homem, odiando a forma que meu corpo aquece ao
identificá-la.

— Já disse que
estava em uma
reunião.

— A mentira eu
já ouvi, agora
quero a verdade.

Ela dá uma risada que deveria ser irônica, mas até


para mim que não posso ver seu rosto parece um tanto
nervosa.

— Não vou entrar no seu jogo, querido. Sei que está


chateado, mas não pode me julgar por ocupar um cargo
importante que exige mais da minha atenção do que meu
marido.

— Quem estava
lá?

— O quê?
Encolho-me quando os pés da enorme poltrona
rangem ao acolherem o peso do corpo que se acomoda
sobre ela, e as pontas dos dedos do seu Dante acariciam
minha perna até onde alcançam.

Não acredito que ele está


fazendo isso com a esposa
aqui dentro.

— Você me disse que ficou até essa hora no


escritório porque estava em uma reunião. Quem mais
estava lá?

Dona Laura demora para responder, porém ouço


seus passos pelo quarto ao mesmo tempo que os dedos do
seu marido sobem pelo meio das minhas coxas, me
obrigando a morder o lábio para não gemer.

Não quero me sentir excitada por ele me tocar


correndo o risco de sermos flagrados a qualquer
momento, nem o prazer de ser tocada que me deixa
molhada e faz meu núcleo pulsar, tampouco a
necessidade que seu Dante me toque mais para cima e me
faça gozar enquanto exige explicações da mulher que
não o ama como ele merece ser amado.
No entanto, sinto. E gosto.

Se for sincera, é óbvio que meu patrão me trata


desse jeito porque é apaixonado pela esposa e, ainda que
não seja o culpado pelo fracasso do seu casamento, se
culpa por sentir por mim a mesma atração inegável que
sinto por ele, mas, acima de tudo, porque odeia desejar
com tamanha força a filha do homem que matou sua
noiva.

— Por que não responde, Laura? — A suavidade


rouca que seu Dante fala combina com a sutileza que seus
dedos se encaminham para a parte mais quente e úmida
do meu corpo.

— Porque sua pergunta não tem cabimento, querido


— dona Laura responde na defensiva.

Esqueço a dor, a tristeza e a raiva que sentia até


alguns minutos atrás e forço meus joelhos para fora o
máximo que consigo, quando viro a cabeça e vejo seu
Dante esticar o braço para chegar aonde quer.

— Teria cabimento se a reunião que durou mais de


duas horas não tivesse sido com o seu ex-namorado,
querida?

As palavras ásperas mudam tudo e além de me


paralisarem sob a ênfase irônica no apelido que deveria
ser carinhoso, afastam os dedos do seu Dante do meu
corpo e aproximam dona Laura do marido.

Sei disso porque os pés da poltrona gigante rangem


ainda mais alto, quando ela senta no colo dele e sua voz
de gatinha manhosa penetra meus ouvidos, como se
fossem sussurradas para mim.

— Silvano e eu temos negócios em comum. Apenas


isso. Por que não deixa essa bobeira pra lá e vem tomar
um banho de banheira comigo?

Quero vomitar, porém é o medo da resposta de seu


Dante que destroça meu coração a cada segundo que o
silêncio se prolonga dentro do quarto, até que o som de
um suspiro abatido ecoa sobre a minha cabeça e ele
responde:

— Eu tentei, Laura. Mas para tudo existe um limite.


Cansei de fazer papel de idiota.

Tenho a impressão de que seu Dante se levanta, pois


ela parece insegura ao perguntar:
— Aonde você
vai?

— Dormir na sala. Me recuso a dividir a cama com


você sabendo que preferiu ficar com ele em vez de vir
para casa ficar comigo.

Meu coração se contrai pela


dor que dona Laura inflige
nele.

— Nós estávamos
trabalhando,
Dante.

— Isso é o que
você diz.

Escuto a porta sendo aberta e logo em seguida o


grunhido da minha patroa.

— Não me julgue
pelos seus
pecados!

— O que quer dizer? — ele balbucia, sem forças até


para fingir que sua decisão não está o matando.

— Você acha que ainda amo o Silvano, porque


nunca superou a morte da Antônia.

Arregalo os olhos, perplexa com a frieza que dona


Laura usa o amor puro e verdadeiro do marido pela
falecida noiva para acusá-lo, numa tentativa desprezível
de inverter os lados quando se dá conta de que ele
pretende deixá-la.

Se não estivesse amordaçada, eu mesma falaria


umas verdades para essa megera insensível.

Ao contrário de mim, que só falto espumar de raiva,


seu Dante dá uma risadinha triste.

— Meu amor pela Tônia nunca foi motivo para


mentir sobre o que sinto por você. Há alguns anos minha
mulher esqueceu que sou homem e por todo esse tempo
fiquei esperando que ela se lembrasse. Mas cansei de
esperar e ser colocado em segundo plano. Fique com os
negócios, a igreja, seu ex-namorado, a puta que pariu,
Laura. Apenas me deixe em paz.

O baque da porta é tão alto que me assusta,


entretanto o que realmente me choca é o áudio que minha
patroa envia para o tal de Silvano, depois de ligar para ele
umas dez vezes e não ser atendida.
— Dante está desconfiado. Não posso fazer isso
sozinha. Se não me ligar até domingo, segunda-feira no
primeiro horário estarei na clínica para acertar tudo com
o médico. Eu te amo e não sei o que será da minha vida
sem você, mas se não mudar de ideia vou enterrar esse
amor proibido que carrego no meu coração desde que te
conheci, fazer o que for preciso para reconquistar meu
marido e dar para ele tudo que você rejeitou. O futuro do
nosso filho está na sua mão.

Ela soluça quando para de falar e ainda que a odeie


por trair seu Dante, conheço seu sofrimento. Apenas
quem deseja desesperadamente algo que não pode ter,
sabe o tamanho da sua dor.

Dona Laura sequer imagina o quanto é sortuda por


ter um marido tão apaixonado e espero que ela conte a
verdade sobre o filho que está esperando antes de ir ao
médico, ou terei que dar um jeito de fazer com que seu
Dante descubra.

Agora que tenho certeza de que falta pouco para o


meu patrão vir me buscar, afasto a amargura e fico
quietinha

Exatamente como ele


mandou.
Bato a porta e desço as escadas com um sorriso vitorioso em
meus lábios. Se tivesse planejado, não teria saído tão perfeito.

Pensar em Elisa quando acabei com Jurema, me desestabilizou


a ponto de eu ser forçado a prolongar o calvário da vadia para não
colocar tudo a perder.

E embora tenha comprometido o prazo de validade da vizinha


para o que eu pretendia fazer com ela, confesso que o Grand finale
foi de suma importância para retomar o controle.

A imagem de Elisa na minha cabeça, quando a vagabunda


desmaiou e enchi a camisinha de porra me deixou puto da vida.

Nunca havia acontecido e não era para acontecer justamente


na primeira vez que usava uma cobaia para abastecer minha alma
com uma
bela dose de destruição, depois de mais vinte anos
vivendo em total abstinência.

Sempre foi tudo por Tônia e mesmo que a ratinha


tenha sido a única a incitar a besta desde a sua partida,
era para ser a imagem da minha alma gêmea a me visitar
no momento do êxtase. Não a dela.

Eu não iria tolerar aquela


merda. Nunca.

Mesmo que atrasasse a minha saída do casarão,


mesmo que Laura chegasse em casa primeiro e Elisa
contasse para a sua patroa porque estava pelada,
amarrada e escondida no nosso quarto, atrás do Trono
de Crisântemo, apenas para se vingar por eu tê-la
abandonado por tanto tempo, não havia outra saída.

Eu precisava começar
outra vez para corrigir
minha falha. Desde o
início.
E foi isso que eu fiz.

Tirei o preservativo, colocando-o em cima da mesa


junto com o vinagre e aferi a pressão arterial de Jurema,
satisfeito por estar dentro do aceitável considerando seu
estado lastimável.

Posicionei a vadia sentada de frente para a porta do


banheiro, encaixando a fita adesiva que mantinha seus
pulsos unidos na fechadura, já que o gancho que instalei
mais cedo estava muito alto para prendê-la do jeito que
eu queria, e usei a tesoura de costura para cortar os
cachos negros um pouco acima da nuca.
Um trabalho lindo como aquele em suas costas era
digno de reconhecimento e merecia ser exaltado.

Peguei o vinagre, a camisinha, a agulha, os dois fios


amarelos e me ajoelhei atrás dela.

Desamarrei seus tornozelos e estendi suas pernas,


me encaixando entre elas com os joelhos apoiados sobre
as duas panturrilhas roliças para que Jurema não
pudesse se mexer.

O corpo da vadia parecia uma lombriga fazendo


aula de alongamento, com exceção da sua cabeça que
despencaria se não tivesse a porta para sustentá-la.
Com um sorriso animalesco, despejei o álcool em
seus ombros para que o líquido escorresse e tirasse o
acúmulo de sangue das dezenas de cortes que rasgavam
sua pele.

A ardência alforriou a vadia da inconsciência e a


trouxe de volta para a realidade. Seus gritos de dor
engrossaram meu pau enquanto eu admirava sua carne
borbulhar.

Despejei mais álcool. Ela


gritou mais alto.
Meu pau ficou mais duro.

Apreciei cada maldito segundo da corrosão que


provocava espasmos involuntários no corpo feminino
submetido ao meu prazer.

Quando finalizei a esterilização, me inclinei sobre


Jurema com a agulha na mão e comecei a trabalhar em
seu ombro, fazendo um furo da parte posterior para a
anterior, enquanto sussurrava em seu ouvido o quanto eu
amava foder prostitutas como ela.

Assim que a ponta prateada despontou para fora de


sua pele, usei a tesoura para transformar o buraquinho
em um buracão, forçando a ponta afiada para
aprofundar e alargar o tecido subcutâneo até que o metal
fizesse seu caminho para o outro lado.

No rombo do tamanho do botão de uma camisa


social, foi a vez do fio amarelo seguir o mesmo caminho
sem dificuldade, e finalizei com um nó nas duas pontas.
Somente quando Jurema chorou como um bebê de
colo, aumentando minha euforia, repeti metodicamente o
mesmo processo no outro ombro.

Demorou, mas valeu a pena, pois os dois círculos


coloridos seriam úteis no final.

A vadia acreditou que sua punição havia acabado,


mas estava enganada. Quando seu corpo acalmou e seus
gritos se tornaram lamúrias chorosas, coroei minha obra
de arte com o último ingrediente.

Radicalmente contra a ideia de economizar, inundei


cada corte com jatos generosos de vinagre, reanimando o
instinto de sobrevivência de Jurema que rapidamente
voltou a berrar, suplicando para morrer.
Como todas as outras
suplicaram.

A devastação da vadia cumpriu sua missão,


acordando a besta gulosa, chamando meus demônios
para participarem da festa.

Abri a bunda dela e empurrei a cabeça grossa do


meu pau no buraquinho enrugado isolado ali no meio,
arrebentando todas as pregas do seu cu numa estocada
brutal que só deixou minhas bolas para fora.

Enfiei três dedos nos círculos amarelos costurados


em seus ombros e fiz deles meus suportes para arregaçar
o rabo apertado de Jurema como um boçal, enquanto me
deleitava assistindo sua carne ser puída pela acidez com
aroma de maçã.

Gozei antes de chegar a vigésima bombada e para


premiar Jurema por ter provado que era uma boa cobaia,
virei a camisinha cheia na sua garganta, matando sua
sede com a minha porra, antes de encapar sua língua
com o látex usado para que jamais se esquecesse do
presente que recebeu de mim.

— Eu adoraria ficar mais um pouco, mas tenho


assuntos importantes para tratar — murmurei no ouvido
de Jurema, limpo, vestido e pronto para ir embora. —
Não se preocupe com o Rogério, tenho certeza que as
putas da cidade vão fazer fila para oferecer a boceta
quando souberem que o pobre homem foi abandonado
pela namorada.

Amarrei seus tornozelos novamente, tranquei o


casarão, enterrei a bateria do seu celular em uma cova
rasa perto do canteiro junto com o lixo, e dirigi de volta
até o centro da cidade.

A imagem de Tônia não surgiu na minha mente


como eu gostaria, porém decidi que poderia lidar com
aquilo outra hora, já que a de Elisa também não
apareceu para me incomodar.

Estava me sentindo muito mais calmo e teria me


dado por satisfeito com o trabalho realizado no corpo da
cobaia, mas o encontro inesperado com meu vizinho
quando estacionei na garagem de casa, estranhando a
ausência da Land Rover de Laura, deixou minha noite
mil vezes melhor.

— Chegando
agora? —
Rogério
perguntou,
parecendo
abatido.

— A caixa de esgoto de um cliente estourou. Eu já


estava me preparando para ir dormir, mas você me
conhece. — Dei de ombros, fingindo humildade. — Não
ficaria em paz se não ajudasse.
Ele desviou os olhos para o
chão, parecendo
constrangido.

Eu sabia que havia alguma coisa errada e não podia


vacilar, já que meu pau estava enterrado no rabo da
namorada dele menos de uma hora atrás e as chances de
ela não sobreviver até a manhã seguinte eram
infinitamente grandes.

— Qual o problema, cara? — Disfarcei a voz para


não evidenciar minha curiosidade.

— Desculpa, Dante. Não sou de me meter na vida de


ninguém, mas você é um cara legal e estou vendo que é o
único que não sabe.

— O que eu não
sei?

— Que o Silvano passou a


tarde toda no escritório do
Humberto. Hum, então era
isso.
— Silvano Malaquias? — Me fiz de bobo. Quanto
mais Laura me pintasse de corno manso, mais créditos eu
ganharia quando a bomba explodisse. — O Humberto foi
para São Paulo. O que ele foi fazer lá?

Rogério abriu a boca para responder, no entanto se


calou quando minha esposa piranha embicou o carro e
abriu o portão automático.

Voltei a encarar o vizinho e


falei baixo:
— Eu confio na Laura. Ela vai me contar se o
Silvano estiver com segundas intenções.

— Claro. Mas
acho que você
deveria ficar de
olho só por
precaução.

— Por quê?

— Porque nós nunca sabemos o que uma pessoa é


capaz de fazer, até que ela faça.

Rogério deu dois tapinhas no meu ombro e foi


embora, enquanto eu fiquei ali, morrendo de vontade de
gargalhar por conta da ironia do conselho, esperando
minha esposa descer do carro para agir como se eu fosse
um tremendo otário.

Não era, de fato, tampouco me agradava a ideia de


Laura acreditar que sua traição ficaria impune.
No entanto, não era o seu caso extraconjugal com
Silvano que me preocupava naquele momento e sim, a
pequena ratinha que deixei em nosso quarto há quase
três horas, amarrada, sem comida, água ou roupa.

Para ter Elisa totalmente sob o meu domínio,


precisava fazer dos chifres meus aliados e induzi-la, sem
que ela percebesse, a acreditar que a culpada por todas
as desgraças que tornavam minha vida um mar de
miséria, era a piranha loira que se autointitulava uma
cristã exemplar.

Por isso, logo que a segui para dentro de casa e


fechei a porta, perguntei:

— Quer me contar alguma coisa sobre o seu ex-


namorado? — Laura empalideceu.

Dali em diante, não tive que me esforçar para que


minha esposa contasse uma mentira atrás da outra e por
medo de ser desmascarada, dissesse exatamente o que
Elisa queria ouvir.

Sobrando para mim a


tarefa mais simples:

Esperar o momento certo para prender a ratinha na


ratoeira que escolhi especialmente para ela e provar que
Tônia poderia ter milhares de substitutas que
garantiriam a minha diversão.

Mas para sempre será a


única dona do meu amor.
Esquento a comida no micro-ondas, sem conter o
sorriso e devoro o risoto de frango que Elisa preparou
para o jantar. Apesar de estar faminto, é impossível não
reconhecer que a ratinha sabe cozinhar.

Ela deve estar se perguntando por que ainda não fui


soltá-la e a sensação de poder que esse pensamento me
proporciona é impagável.

Deixo o prato na pia, de olho no relógio que marca


meia-noite em ponto. Laura tem o sono pesado, mas
tenho que tomar cuidado para não acordá-la quando
entrar no quarto.

Tomo um banho rápido, visto uma cueca limpa e um


par de meias, essencial para inibir qualquer ruído no piso
de madeira.
Um homem precavido, esse
sou eu.

Meia-noite e vinte. Perfeito.

Apago a luz do corredor, giro a maçaneta devagar e


empurro a porta. O ressonar de Laura quebra o silêncio
noturno, atestando que minha esposa já embalou no sono
pesado, entretanto meus passos em direção ao Trono de
Crisântemo genérico são hesitantes, receosos até.

Minha locomoção é toda na base da intuição, pois


não enxergo um palmo à frente do meu nariz, graças ao
breu quase fúnebre em que o cômodo está mergulhado.

Pé ante pé, alcanço a poltrona rústica e desço


tateando o veludo atrás do móvel, até sentir nas pontos
dos dedos a pele macia do braço da ratinha, que arrepia
sob o meu toque.

O espaço reduzido entre a poltrona e o canto da


parede me irrita, porém direciono minha atenção para o
que vim fazer e me ajoelho ao lado da ratinha,
sussurrando em seu ouvido:

— Vou desamarrar você,


não faça barulho.

Elisa permanece imóvel e se não estivesse ouvindo


sua respiração, desconfiaria que como Laura, também
está dormindo.

Não gosto do sentimento de culpa que me envolve


de repente, me repreendendo por tirar sua mordaça antes
de libertar seus braços e pernas e, mesmo assim, ela não
se mover, sequer emitir algum som.

A raiva cresce no meu peito, pois não estou


acostumado com essa enxurrada de emoções complexas
que poda minha ânsia de arrastar Elisa para o fundo do
poço e afogá-la na lama, apenas para agradar meu ego
autoritário.

O corpo da ratinha esmorece quando desato todos os


nós que unem seus pulsos aos tornozelos e sua apatia me
afeta gravemente. Segurando seus ombros, trago Elisa
para perto de mim e a abraço com força, um tanto
preocupado com o suor frio que escorre pela sua testa.

Ela parece uma bonequinha de pano nos braços do


gigante malvado que quer devorá-la em uma cumbuca de
sopa.
Afasto seus cabelos do rosto, beijando
delicadamente sua testa, olhos, nariz e boca. Lubrifico
seus lábios com minha língua, ao mesmo tempo que
resvalo o polegar em seu mamilo.

— Vou te tirar
daqui e cuidar de
você, ratinha.

— Obrigada, seu Dante. — Sua voz é menos que um


sopro enfraquecido, derrubando algumas das muralhas
construídas com a finalidade de evitar que acontecesse
exatamente o que aconteceu, graças à ratinha cafona.

Permitir que o bom homem que me dediquei a ser,


encontrasse alguém que me fizesse provar o mesmo sabor
que provei apenas com Tônia, e desencarcerasse a besta
que eu realmente sou.

No entanto, as palavras de Elisa me tocam


profundamente e causam uma desordem indesejada nos
pensamentos metodizados que me tornaram o marido
com desejos obscuros, porém correto, que sou hoje.

Fico de pé com a ratinha


aconchegada no meu peito.

Sua pele nua em contato com a minha é como um


litro de gasolina indo de encontro a uma fornalha. O
desejo de enfiar meu pau na sua boceta virgem aqui
mesmo com Laura como espectadora, é avassalador.

Reprimo o tesão desmedido, me lembrando que


além de Jurema ainda faltam duas cobaias para serem
usadas antes de tomar posse da ratinha.
Tudo a seu tempo.

Refaço meu caminho em direção à saída, tão lento e


silencioso quanto entrei, porém a meio passo de chegar
ao corredor, ouço o farfalhar dos lençóis e a voz
sonolenta de Laura chamar meu nome.

Não respondo seu


chamado. Não olho para
trás.

Sigo direto para o quarto de Elisa, deito a ratinha na


cama, pego a chave que escondi embaixo do abajur e
tranco a porta.

Conheço minha esposa bem o bastante para saber


que ela jamais vai descer do seu pedal falso-moralista, se
não estiver com os dois pés na beira do penhasco, sem
colete salva-vidas e a ponto de perder tudo que julga
valioso.
Por isso, tenho certeza de que não existe nenhuma
possibilidade de Laura levantar a bunda da cama no meio
da madrugada para vir atrás de mim se desculpar,
especialmente se a iniciativa evidenciar seu desejo de
resolver o problema que ela mesma causou.

Uma piranha mentirosa,


essa é ela.

Meu olhar recai sobre Elisa e a visão da ratinha


encolhida, tão pequenina no centro da cama, desbota
qualquer outra que não seja seu corpo miúdo, seus olhos
assustados, sua inexperiência e o desejo voraz que ela é
incapaz de esconder que sente pelo seu patrão.

Não penso. Não questiono.


Não me privo.

Apenas faço o que quero.

Deito atrás de Elisa, moldo meu corpo ao dela,


abraço sua cintura e encaixo meu pau na sua bunda.

Beijo seu cabelo e pego no


sono inalando seu cheiro de
inocência.

Na manhã seguinte, acordo com os primeiros raios


de sol invadindo o quarto e a irritação que ameaça
arruinar o dia que mal começou, ao me deparar com a
cama vazia, dá lugar ao desespero quando vejo Elisa
caída no chão, convulsionando.

É como reviver o único dia da minha vida que eu


daria qualquer coisa para esquecer. A diferença é que
antes era tarde demais para mudar.

Agora é muito cedo para


acreditar que pode ser
diferente.
Morada do Sol – Rio Grande do Norte

São sete da manhã e já estou suando. O calor é insuportável.

Estaciono em frente à casa verde com portões enferrujados, pintura descascada e um


círculo de terra que Adeilton chamou de jardim. Checo o número para garantir que não me
enganei, pois ele me disse que a mãe de João Camargo vive bem.

Bem mal, só se for.

Procuro a campainha ou qualquer coisa que indique a minha chegada, mas não encontro.
O jeito é recorrer à moda antiga. Bato palmas e dou uma olhada nas casas vizinhas enquanto
espero.

Barraco, chalé, barraco, barraco e barraco. Um ao lado do outro, separados por muros
baixos ou arame farpado. Se estivesse em São Paulo, apostaria que em menos de um ano esse
lugar se tornaria uma comunidade. Em dez, uma nova favela.

Depois de alguns minutos a porta é aberta e um homem aparece.

A camisa amarelada, que um dia deve ter sido branca está aberta exibindo uma barriga
saliente. Ele afivela o cinto preto e puxa o cós da calça jeans, tão suja quanto a camisa, para
cima. O cigarro apagado se equilibra entre os lábios finos quando ele vem na minha direção.

Os olhos desconfiados me avaliam da cabeça às botas de couro estilo militar e sobem até
encontrar os meus.

Tiro os óculos de sol, em dúvida se deveria ter escolhido uma roupa mais formal, em vez
de a calça preta e a camiseta da equipe de Operações Especiais que peguei emprestada de
Fidel, apenas para impressionar os
policiais da cidade e intimidar homens como o que está
parado à minha frente, me encarando com uma carranca
entediada.

— Bom dia. —
Minha voz é
baixa e meu tom
é seco, porém
educado.
— Estou procurando a senhora Narcisa
Feliciano.

— Quem está
procurando a
minha mulher?

Interessante. Segundo os registros, a mãe de JC é


divorciada há pelo menos trinta anos e poucos homens da
cidade tiveram o privilégio, ou interesse, de passar uma
noite na cama dela. Nada sobre namorado, noivo, amante
e afins.

Tiro meu distintivo do bolso para me apresentar e é


como se estivesse sacando uma arma.

— Pode entrar. — Ele abre o portão, afobado, passa


por mim e aponta para a casa. — Não sou nada dela. Só
venho aqui de vez em quando afogar o ganso quando
minha patroa tá fora cidade com o grupo de oração. Pode
entrar. Fica à vontade. Narcisa tá lá nos fundos.

Não sei se o homem está com medo porque fez


merda, ou se acredita que a esposa vai descobrir que basta
virar as costas para outra mulher molhar o ganso dele.
De qualquer forma, não
posso perder a
oportunidade.

— Há quanto tempo conhece a dona Narcisa? —


pergunto com calma, enfiando as mãos no bolso.

— A vida toda.
Eu era o melhor
amigo do
Claudiomiro,
marido dela.
— Ele coça o queixo e acende o cigarro. — O senhor tá
aqui por causa do processo?

— Que processo?

— Que a Narcisa
entrou pra ganhar
o auxílio-
reclusão?

A filha, claro! Por que não


pensei nisso antes?

— Sou detetive, não advogado. Mas posso verificar


como está o andamento. — Tento parecer amigável. —
Ela contestou quando a filha do João Camargo nasceu?
— Claro. Narcisa queria que a Lindalva fizesse um
exame de DNA pra provar que a menina era neta dela. A
mulher era puta dos Cabeça de Fogo, mas cada dia que ia
no presídio dava pra um. Não tinha como saber se o João
era o pai.

Faz sentido.

— O juiz negou o
pedido?

— Duas vezes.

— Ela recorreu?

Assente com um aceno de


cabeça.

— O advogado avisou que o pedido ia ser negado


porque o João assumiu a paternidade, só que a Narcisa é
teimosa igual uma porta. Enfiou na cabeça que tinha que
saber a verdade antes de conhecer a menina. Não queria
se apegar e depois descobrir que era uma impostora.

— A mãe do João
nunca conheceu a
neta?

— Pessoalmente não. Ele mandava fotos da filha


todo mês. — O homem suspira. — Quando o JC morreu,
a Narcisa foi procurar a menina lá em Canteiros, mas ela
tinha se mudado.
— Pra onde ela
foi?

— Ninguém sabe.

— Alguém deve
saber.

— Lindalva era puta das boas. Mulher assim não


tem amigos e os filhos acabam pagando pelos erros dos
pais. Foi o que aconteceu com a Elisa.

— Elisa?

— A filha do JC.

O nome dela é Elisa. Puta


merda!

Mais uma informação importante que cai no meu


colo. Estou chegando perto. Dessa vez o desgraçado não
escapa.
— Desculpa, qual
o seu nome
mesmo?

— Simplício
Junqueira. O seu?

Demoro um segundo para


responder, reconhecendo o
sobrenome.

— Juliano Rossi. O senhor é parente do Coronel


Venceslau? — A expressão dele se fecha.

— Irmão do
infeliz.

— Não se dão
bem?

— Aquele traste
não vale a merda
que caga.

Resolvo dar corda.

— Estou aqui por causa da


filha dele, Maria Antônia.
Simplício dá uma
cusparada nojenta.
— Minha sobrinha, mas outra safada. Vivia pra
infernizar o juízo dos cabras. Adorava uma confusão.
— O que o
senhor quer dizer
com infernizar?

— Tentar. Sabia que era bonita e usava isso pra se


divertir. Adorava ver o circo pegar fogo, gerar discórdia.
A rapariga destruiu mais casamento que a falta de
dinheiro e a fome.

— Ela não era


noiva?

— Pra Tônia isso nunca foi um problema. Daniel era


mais cego que o Mister Magoo. Se bem que as más
línguas dizem que ele sabia que a Tônia dava até pros
parentes de sangue. Nem o irmão da Betina voltou pro
Rio sem pegar ela de quatro.

— Betina Junqueira?
Simplício faz que sim.
— Esposa do
Venceslau, mãe
da Tônia.
Toupeira que só.

— Como as pessoas reagiram quando souberam que


o JC tinha matado a Tônia?
— Vou dizer uma coisa pro senhor. — Ele joga o
cigarro no chão, em cima do cuspe, e volta a me encarar
ainda de cara amarrada. — Morada do Sol é terra de
ninguém. Por aqui, quem pode mais chora menos e os
problemas a gente resolve na peixeira. O problema não
foi o JC matar minha sobrinha, mas o que ele fez com a
Tônia é coisa do satanás. Até os matadores mais cruéis
disseram que pra destripar uma mulher daquele jeito tem
que estar possuído.

— Os exames toxicológicos comprovaram que ele


não estava embriagado nem tinha ingerido drogas.

— Por isso as beatas acreditam que foi maldição do


capeta pra vingar as famílias que a Tônia destruiu quando
abriu as pernas pros homens casados.

— O que aconteceu com o Daniel? — pergunto,


aproveitando a disposição de Simplício para tentar saber
mais sobre o coadjuvante da história, que desapareceu
depois do assassinato da noiva. — O delegado me contou
que a última vez que ele foi visto na cidade foi no dia do
enterro. Ninguém nunca mais teve noticias dele.

— Daniel era o típico não fede nem cheira. Geralda,


a mãe dele, passou mais tempo no sanatório do que em
casa. Morreu cedo.

— Problema
mental?

— O marido dela, dizia que a esposa tinha


esquizofrenia, mas a mulher era doida de pedra mesmo.
Não fazia mal pra uma mosca, mas antes do Daniel
nascer, falava sozinha, andava pelada na rua, fazia cocô
na porta da igreja e vivia trepada nas árvores procurando
as naves espaciais que queriam invadir o planeta.

— E o pai dele?

— Neemias, homem direito, frequentava a igreja,


cuidou da esposa até o final, não bebia, não fumava e
pelo jeito não fodia. Sumiu do dia pra noite. Nem a
Narcisa, que era amiga de infância da Geralda, sabe o que
deu nele pra ir embora e deixar o filho sozinho.

Franzo a testa, estranhando


sua naturalidade ao falar.

— A polícia não
investigou o
desaparecimento
dele?

— Só até a
primeira carta
chegar.
— Que carta?

— Que Neemias mandou pro Daniel, avisando que


tinha arrumado um emprego numa cidade do interior de
Minas e não ia mais voltar.

— Alguém foi até


lá para confirmar
se era verdade?

— Por que o
menino ia
inventar uma
coisa dessas?

Tento me corrigir rapidamente, antes que Simplício


perceba que não engoli essa merda.

— O menino não, mas o pai, sim. Ele não podia


abandonar o filho sozinho no mundo e esperar que nada
de mal acontecesse.

— Isso que eu chamo de sorte. Daniel seguiu a vida,


terminou os estudos, foi pra São Paulo fazer faculdade e
voltou homem feito. O único defeito dele era ser
apaixonado pela Tônia.

— Quantos anos ele tinha


quando o pai foi embora?
Simplício conta os dedos,
calculando o tempo e
responde:
— Uns treze,
catorze anos.
Não acredito que todo mundo acreditou n
a palavra de um adolescente, porra?

— Ele cresceu sozinho? — Até tento disfarçar meu


espanto, mas o sorriso orgulhoso de Simplício denuncia
meu fracasso.

— A única coisa
que o menino
pediu foi
emprego.

— Como ele
vivia? Com que
dinheiro?

— Quando a Geralda endoidou de vez e teve que ser


internada, o diretor do sanatório avisou o Neemias que
era mais seguro pra todo mundo que ela parasse de
trabalhar. O psiquiatra assinou o laudo, confirmando que
o caso era sério, não tinha cura e a paciente se recusava a
tomar os remédios. Alguns meses depois, já estava tudo
resolvido e a Geralda aposentada. Se não me falha a
memória, acho que foi um juiz, amigo do doutor Adécio,
que tirou o Neemias e nomeou o Daniel como
beneficiário. Além do que ele ganhava trabalhando como
caixa no mercadinho do seu Alcides, ainda recebia a
pensão da mãe.
— A Geralda
trabalhava com o
quê?

— Ela era
engenheira da
prefeitura.

Muito jovem, muito


inteligente e com histórico
de doença mental.
Interessante.
— Também
nasceu aqui?

— Não. Em Alagoas. Ela passou em algum


concurso público e veio pra cá fazer um estágio de dois
anos, mas conheceu o Neemias e nunca mais saiu de
Morada do Sol.

— Pelo visto, o senhor conhecia bem essas pessoas.


— Não é uma pergunta, nem uma acusação.

Acho que estou impressionado com a riqueza de


detalhes que Simplício está me presenteando, enquanto
papeamos em frente à casa da mãe de João Camargo,
antes das oito da manhã.

— Sou filho caçula de um dos empresários mais


poderosos do Estado e irmão do traste que há trinta anos
manda e desmanda na cidade com menos de cinco mil
habitantes, onde nasci e fui criado. Mesmo que eu não
queira saber da vida de ninguém, o que não é o caso, eu
sempre fico sabendo. — Ele aponta para o meu relógio de
pulso. — A prosa tá boa, mas tá na minha hora.
— A patroa? — Arqueio as
sobrancelhas e sorrio de
lado. Simplício me
acompanha, sorrindo pela
primeira vez.
— Se ela sonhar que eu passei perto da casa da
Narcisa, bem capaz de contratar um dos conhecidos do
Venceslau pra me capar.

— Veja pelo lado


bom. Enquanto
tiver ciúme, sinal
que tem amor.

Ele ajeita o chapéu na cabeça, puxa a calça para


cima pelo cinto e olha para a casa verde. Se eu não o
conhecesse há meia hora, diria que Simplício não
frequenta a casa de Narcisa apenas para afogar o ganso.

Um amor de infância
talvez?

— Rapaz, a vida é simples. A gente é que complica


por acreditar que tem todo o tempo do mundo pra viver.
— Seus olhos desviam para os
meus, tristes, arrependidos. — Se tem uma coisa que
aprendi nos meus sessenta anos, é que você pode fazer
qualquer coisa, menos tampar o ouvido quando seu
coração cantar. Dinheiro, status, poder, nada disso vale a
pena, se o coração estiver calado.

O meu não se calou. Ele foi


silenciado.

— Posso fazer só
mais uma
pergunta?

— Até duas. Você


tem sorte que eu
fui com a sua
cara.

— Sorte mesmo.
Poucas pessoas
gostam de mim.

— Ninguém
gosta de
honestidade.

— É uma aposta arriscada falar isso sobre um


homem que você mal conhece.

— Mal conheço, mas sei ler, e a palavra honestidade


está escrita na sua testa. Se você fosse meu amigo, eu te
aconselharia a esquecer o clima e vestir o casaco que a
maioria estiver vestindo. Passar despercebido é a melhor
forma de observar, e observar é a única forma de
descobrir quem é quem. Como você não é meu amigo, te
aconselho a se tornar. Assim posso te dar mais conselhos.
— Nós dois sorrimos. — Faça sua última pergunta.

— Estou anotando algumas observações sobre o


caso da Antônia para colher material de estudo que
pretendo incluir no curso de investigação criminal que
tenho que apresentar em três meses. — A mentira flui tão
facilmente que até me assusta. — Ontem conversei com o
delegado, fui até a cena do crime e reli o arquivo
completo. Hoje vim até aqui falar com a Narcisa para
saber um pouco mais sobre o João Camargo, não o
homem julgado e condenado por assassinato, mas o filho
dela.

Faço uma pequena pausa para recuperar o fôlego,


como alguém curioso, mas sem interesse real no caso que
chocou o país.

De fato, acredito que Simplício foi com a minha


cara, porém só me contou tudo que sabe sobre as pessoas
ligadas à sua sobrinha, porque também acredita que o
assassino de Antônia estava pagando sua dívida com a
justiça quando foi decapitado.

Caso contrário, eu sequer


saberia qual o som da sua
voz.
Como Simplício frisou, ele é filho e irmão de
Coronéis. E homens como os da família Junqueira, ou
protegem os seus com a própria vida ou encomendam
suas mortes. Mas nunca, em hipótese alguma, revelam
seus segredos.

— Como você descreveria o Daniel? — À princípio,


suspeito que a sua demora para responder seja por
desconfiança, no entanto, percebo que Simplício está
apenas buscando as palavras certas. Mais para ser justo
com Daniel do que sincero comigo.

O tio de Antônia encolhe os ombros, se dando conta


de que não tem muito para falar do garoto que conhece
há, no mínimo, trinta anos.

E a resposta que parece


estranha para Simplício
Junqueira. Para mim, é
esclarecedora.
— Em poucas
palavras, Daniel
Bonavides é um
bom homem.
Riacho Verde – São Paulo

Pulo da cama, me ajoelho ao lado de Elisa e o desespero aumenta. Seus olhos reviram
em órbita, seu corpo chacoalha como um grão de milho prestes a estourar e virar pipoca.

Ela está branca feito um fantasma, gelada, suada, tremendo.


Não sei como parar essa merda!
No auge do pavor, passo um braço por baixo da sua cabeça para amortecer o impacto,
caso Elisa bata no chão com muita força, e me curvo sobre ela, abraçando sua cintura com o
outro.

— Calma, ratinha. Estou aqui. Fica calma, por favor — murmuro em seu ouvido, mais
para mim do que para ela.

Do jeito que Elisa se debate, duvido que possa me ouvir. É como se a mente dela tivesse
se desgarrado do corpo e assistisse a tudo de outro lugar, sem saber o que fazer para voltar.

Tenho medo de machucá-la, mas minha necessidade de proteger e cuidar dela é tão
grande, que quase a esmago contra o meu peito.

— Por favor, ratinha, não me abandone. Volta pra mim. — As palavras saltam da minha
boca sem que eu possa freá-las.

As mesmas que repeti por horas a fio, disposto a vender minha alma ao diabo para
voltar no tempo e consertar tudo.

Corrigir o único erro que me arrependo de ter cometido.

— Quando abri a porta naquele domingo, eu sabia. — Fecho os olhos e embalo Elisa
em meus braços, murmurando: — Eu sabia que seu jeitinho
submisso ia despertar meus demônios. Que seu sorriso
inocente deixaria a besta faminta. Que seu olhar de
putinha inexperiente, bebendo meu corpo sem nem
reparar, me traria de volta, mais impiedoso que antes.

A confissão murmurada me assusta e, por um


momento, torço para que Elisa não se lembre de nada
quando melhorar. A verdade é sufocante na minha mente,
mas lá, ainda tenho subterfúgios para ofuscá-la.

No entanto, quando dita em


voz em alta é esmagadora.

Intragável.

— Eu tentei te expulsar da minha casa, da minha


vida. Fiz tudo que estava ao meu alcance pra te afastar.
Mas não adiantou. Você queria ficar e ficou. Não por
causa do seu pai ou do emprego que a Laura te ofereceu.
Você ficou por me querer. Por querer montar no meu pau
tão forte quanto eu quero arrombar a sua bocetinha
virgem.

Deposito um beijo demorado na testa dela, sentindo


seu coração pulsar acelerado no meu peito, ainda que seu
corpo esteja menos arisco.

— Você conseguiu o que muitas mulheres tentaram


e acreditei que nenhuma jamais conseguiria. Passei os
últimos vinte anos negando, resistindo, renunciando, para
você aparecer e foder tudo em cinco minutos.

Acaricio suas costas, descendo a mão até sua bunda.


Elisa está mal pra caralho, mas não resisto. Acomodo seu
corpo um pouco mais inclinado e cutuco seu cuzinho com
a ponta do dedo médio ao mesmo tempo que abaixo a
cabeça para colocar seu seio na boca.

Não me importo que ela


esteja tremendo, suando ou
congelando.

Neste momento, nada é mais avassalador que a


necessidade de provar a ratinha ordinária e matar a fome
que estou dela.

Minha língua contorna o mamilo rosado, lambe e


chupa o biquinho, invocando meus instintos mais primais.

Foda-se que Laura pode


acordar.

Foda-se que estamos a três


metros do meu quarto.

Foda-se que estou tocando


na ratinha sem a sua
permissão.
Foda-se se ela não quer
que eu a toque. Foda-se
tudo!
Elisa é a única culpada por estar nos meus braços,
nua, todinha para mim. Minha para eu fazer o que quiser
com seu corpo.

Totalmente controlado pelo desejo voraz, arrasto a


bunda para trás até bater as costas na parede.

Envolvo sua cintura com um braço e abaixo a cueca


com a mão livre, liberando meu pau que descansa na
minha barriga, enquanto manobro o corpo tremulante da
ratinha e a coloco montada de frente para mim, com as
pernas abertas, uma de cada lado.

Os lábios da sua bocetinha se abrem para acomodar


meu pau entre eles, como se soubessem que o patrão
chegou e devem agradá-lo para não perder o emprego.

Inclino o tronco de Elisa levemente para trás, com o


braço firmado na sua coluna como uma tábua de apoio. O
cotovelo na base e a palma da mão na nuca, para manter
sua cabeça no lugar.

Cravo os dedos da outra mão na sua bunda e arrasto


sua boceta sobre a minha rola, indo e vindo, para frente e
para trás.

— Você me trouxe de volta, putinha — sibilo


entredentes, abocanhando o ouso seio sem parar de
empurrar e puxar seus quadris, enfeitiçado pelo poder de
manusear Elisa a meu bel prazer. — Agora tem que ficar
para me conhecer por inteiro. — Chupo o biquinho. —
Descobrir quem é o verdadeiro Daniel. — Mordisco seu
queixo. — Não vou deixar você me abandonar como a
Tônia abandonou. Tá ouvindo?

Porra!

Quando o orgasmo anuncia sua chegada, solto sua


coluna para agarrar sua bunda do outro lado e aumentar a
velocidade da roçada.

O tronco de Elisa tomba para frente, em cima do


meu. Sua cabeça escorrega pelo meu braço e só não bate
na parede porque abro o cotovelo a tempo de ampará-la.
No entanto, assim que resolvo o imprevisto, me
dedico totalmente à busca pela minha libertação,
transformando a ratinha em uma marionete vadia.

Foda-se que os braços dela


sacudam, molengões.
Foda-se que seus cabelos
entrem na minha boca.
Foda-se que a boca dela
esteja aberta sobre o meu
braço.

Foda-se que meu braço esteja todo babado por


causa da baba gosmenta que escorre da boca dela.

Foda-se tudo!

Gozar é a única coisa que


importa. E quando gozo, é
foda!

Respiro com dificuldade, gemendo baixo enquanto


os jatos de porra regam minha barriga, tingindo de branco
a fileira de pelos escuros que sobe até o umbigo.

Quando a euforia se acalma, os batimentos cardíacos


diminuem e a languidez reina soberana, percebo que
Eliza ainda está desacordada, mas não convulsiona mais.

Então a deito no chão, limpo sua boceta com uma


toalha umedecida, dou uma última olhada para ter certeza
de que não estou esquecendo nada que denuncie minha
estadia no quarto da empregada e sigo para o meu.
Solto o ar preso em meus pulmões assim que
encontro Laura dormindo em posição fetal no meu lado
da cama, vestindo uma camiseta minha.

A sorte está do meu lado,


afinal.

Endireito os ombros, estalo o pescoço e dou meu


jeito de levar a ratinha para passar em consulta no
hospital, sem me comprometer ou atrapalhar minha linha
do tempo.

Empurro a porta com tudo e


marcho para dentro.

Abro e fecho todas as gavetas do closet com força


exagerada, fingindo uma fúria que estou a anos-luz de
sentir.
Pois esse é o tipo de reação que se espera do marido
corno que dormiu no sofá depois de descobrir que a
esposa piranha passou a tarde e parte da noite com o
amante e pai do filho que ela está esperando.

Coincidentemente, o mesmo tipo de reação que me


dará exatamente o que eu quero.

— O que aconteceu, Dante? — Laura inquiri e


senta na cama, esfregando os olhos.

Segurando uma calça jeans,


vocifero da porta do
banheiro.

— Cadê sua
empregada,
porra?

— Ela não está lá


embaixo?

— Se ela estivesse, o café já estaria pronto! Nem a


louça do jantar a incompetente lavou! Dormi mal pra
caralho, acordei atrasado, tô com dor de cabeça e agora
vou ter que sair sem tomar café porque a sua protegida
pensa que é dondoca e pode dormir até a hora que quiser!
— Aponto o indicador em riste para ela. — Não estou
brincando, Laura. Minha paciência está por fio. Levanta e
vai resolver essa merda, porque se o café não estiver
pronto quando eu descer, quem vai pagar a conta é você!

Bato a porta com tanta


força, que a fechadura cai
no chão.
Não preciso esperar nem dois segundos para saber
que minha atuação funcionou e Laura foi checar por que
Elisa ainda não começou sua jornada de trabalho, pois
escuto toda a movimentação dentro do quarto, inclusive a
ligação que minha esposa faz para o doutor Gonçalo,
Clínico Geral e médico da família Gutierrez.

Tomo banho sossegado.


Visto a roupa sem pressa.
Encaro meu reflexo no
espelho satisfeito.
E desço as escadas quando o médico chega, apenas
para saber o que aconteceu com a ratinha e quanto tempo
terei que esperar para poder brincar com a minha
marionete vadia outra vez.
Morada do Sol – Rio Grande do Norte

A mãe de João Camargo é a prova viva de que o sofrimento


envelhece a alma e o envelhecimento de dentro reflete na aparência
de fora. Os cabelos grisalhos presos com grampos, realçam o rosto
fino, as maçãs proeminentes, as olheiras escuras e as rugas nos
cantos dos olhos.

Ela é muito magra, quase esquelética. A camiseta branca com o


nome de um vereador na frente tem furos nas mangas e na gola. A
ausência de sutiã não coopera para que a visão melhore, pelo
contrário.

A bermuda marrom que vai até a altura dos joelhos, deve ser
uns três números acima do dela e está manchada de cloro em vários
pontos.

Para piorar, o esmalte preto que cobre suas unhas roídas


descascou, dando a impressão de sangue pisado, como se ela tivesse
prendido todos os dedos das duas mãos na porta, ao mesmo tempo.
Dona Narcisa completou sessenta e um anos mês
passado, mas parece que tem setenta, ainda que seja
fisicamente disposta e cem por cento lúcida.

Por isso, me obrigo a esquecer que estou diante de


uma mulher e me lembro que vim até aqui para falar com
uma mãe que perdeu o único filho duas vezes.

A primeira quando ele foi


preso. A segunda quando
foi morto.

— Desculpa deixar você esperando. Achei que


tivesse vindo atrás do Simplício — ela diz, despejando
água fervente no coador de papel.

— Eu é que tenho que me desculpar. Não avisei que


viria e a senhora está sendo muito gentil por me receber
— digo com sinceridade, pois é o mínimo que posso fazer
considerando minhas verdadeiras intenções com essa
visita.

— Você é
detetive?

— Sim, senhora.

— Tá investigando o quê?
Dona Narcisa não me
encara.
— Não é uma investigação. Estou preparando um
curso para os novatos do nosso Departamento sobre
crimes passionais. Como acompanhei o caso do João
Camargo, achei que usar algumas questões que não
ficaram muito claras pode agregar ao conteúdo.
É um risco jogar essa isca?
Sim, dos grandes.

Mas meu tempo em Morada do Sol está acabando e


se não conseguir alguma coisa que confirme minhas
suspeitas, meu trabalho em Riacho Verde vai ser muito
maior, isso se não for em vão.

Ela fica pensativa, assimilando o que eu disse.


Espero não ter me enganado quanto ao seu currículo, já
que na minha experiência na Polícia acredito que poucas
pessoas são tão práticas e racionais como os contadores.

E dona Narcisa tem a fama


de ser uma das melhores da
região.
— Você acha que houve alguma falha na
investigação? — Dúvida escorre por cada palavra, como
eu previ.

— A senhora não? — Aceito a xícara de porcelana


que ela me oferece, como se não tivesse insinuado que JC
pode não ser o assassino de Antônia.

— No começo, achei. Depois de alguns anos, aceitei


que talvez eu não conhecesse meu filho tão bem como
pensei.

Bebo um gole de café e


comento:

— Minha mãe sabe quando estou com um problema,


chateado, feliz ou com sono, só pelo jeito que eu digo
“alô”, quando atendo o telefone. — Coloco a xícara na
mesa, feliz por fazer a mulher sorrir. — Ninguém
conhece o filho melhor que a mãe, dona Narcisa. É por
isso que estou aqui. Se não se incomodar, gostaria que me
contasse um pouco mais sobre o João. Coisas que só
quem conhecia bem o homem que morava nessa casa
antes de tudo acontecer poderia saber.

Sinto-me mal quando seus olhos se enchem de


lágrimas. Tenho certeza de que minha mãe ficaria tão
arrasada quanto ela se alguma coisa acontecesse comigo
ou com minha irmã.

Tenho sido um péssimo filho. Preciso consertar isso


assim que voltar para casa.

— O que eu mais gosto de lembrar do João é que ele


nunca estava de mau humor. Os meninos da escola
viviam tirando sarro do cabelo dele, que era cacheadinho
nas pontas. Pegavam no pé dele que só. Nem bravo ele
ficava. Até achava engraçado. — Dona Narcisa sorri,
seca a bochecha com as costas da mão e puxa uma
cadeira para sentar ao meu lado. — A única vez que vi
meu filho chorar, foi no sábado que o pai dele contou que
estava apaixonado por outra mulher e saiu de casa, mas
João era tão orgulhoso que aguentou até o último minuto
e só desabou quando o Claudiomiro arrancou com o
carro. Depois daquele dia, achei que ele fosse ficar
vulnerável. — Ela balança a cabeça de um lado para o
outro, negando. — Me enganei, sabe? João prometeu que
seria um homem muito melhor que o pai e nunca faria
nada que me fizesse sofrer. Meu filho não tinha coragem
de matar uma barata. Virava o rosto quando eu pegava o
chinelo, porque não queria ver a bichinha se
estrebuchando. Como eu posso acreditar que o meu
garotinho cometeu uma atrocidade daquela com a menina
que ele considerava como irmã?
Ninguém precisa me dizer que estou sendo um
babaca egoísta por resgatar memórias tão dolorosas para
dona Narcisa.

O que me motiva a continuar é saber que não posso


mudar o que aconteceu com o filho dela, mas posso evitar
que outras mulheres sofram o que Sabrina e Antônia
sofreram nas mãos de um psicopata que mata por prazer.

— O diretor do presídio me disse que o João só


tomou conhecimento do que aconteceu naquela noite
quando o Daniel levou uma carta para ele, contando tudo.
A senhora leu essa carta ou sabe o que estava escrito
nela?

Obviamente é mais uma mentira, porém preciso


confirmar se a história é verdadeira. No Complexo
Penitenciário de Pedrinhas, tanto os funcionários quanto
os presos mais próximos ao JC, afirmam que o Daniel
visitou o ex melhor amigo apenas uma vez, logo depois
que ele foi transferido, e entregou a carta pessoalmente,
mas ninguém sabe onde a bendita está.

— O João me ligou no dia que o Daniel foi no


presídio e me contou que ele levou uma carta, mas tinha
medo de abrir e descobrir que as acusações que estavam
fazendo contra ele eram verdade. — A voz de dona
Narcisa endurece, assim como a sua postura. — Não
precisei ler a carta para saber o que estava escrito nela.

— Por quê? —
Minha ansiedade
aumenta.

— Fazia duas semanas que a Tônia estava


desaparecida. No começo até Venceslau achou que ela
decidiu sair da cidade porque não queria se casar. Depois
de uma semana sem nenhuma notícia da menina, a
possibilidade de sequestro se tornou real. Na época, o
jornal do Simplício ainda não era muito famoso, mas foi
através dele que a polícia descartou os inimigos do
prefeito como suspeitos. Se tivesse sido um deles, o corpo
teria aparecido boiando em algum rio ou Venceslau já
teria recebido um pedido de resgate.

Ela limpa o nariz com a


barra da camisa e volta a
falar:

— Os policiais reviraram Morada do Sol. As


mulheres se reuniam na igreja todo santo dia numa
corrente de oração. Metade da população se dividiu em
grupos para fazer buscas nos lugares mais improváveis da
cidade, mas ninguém encontrou nenhuma pista que
indicasse para onde a Tônia tinha sido levada. Daniel
estava inconsolável com o sumiço da noiva às vésperas
do casamento. Ele participava de todas as reuniões e
conversava com os policiais todos os dias. Naquela noite,
os homens que iam fazer a busca na zona rural onde fica
a fazenda do Venceslau, não foram por conta do incêndio
na igreja. Daniel foi sozinho e só entrou nas terras do
Coronel, porque já tinha rodado tudo e não queria voltar
para casa.

— A senhora está me dizendo que na noite que o


Daniel encontrou a Antônia, teve um incêndio na igreja?
— Meu assombro é visível.

— Isso.

— Que tipo de incêndio?


Dona Narcisa franze a testa.
— Do tipo que
pega fogo, ué.

— Não. — Arrasto a cadeira para trás e me levanto,


passando a mão no cabelo para mantê-la ocupada e não
deixar transparecer que estou animado. — O que causou
o incêndio? — reformulo a pergunta, com o coração
acelerado.

— Problema na fiação elétrica. Mesmo com o laudo


do Corpo de Bombeiros declarando que o incêndio não
era criminoso, o pastor Jurandir foi obrigado a apresentar
os recibos da reforma pra provar que todos os fios tinham
sido trocados.

— Se não foi um ato criminoso, por que o delegado


exigiu os comprovantes?

— Porque o
incêndio
começou no
quarto dele.

— Dentro do
quarto?

Ela faz que sim e aponta o


indicador para o teto.

— No ventilador.

Puta que pariu!

O desgraçado armou tudo!

— Quem fazia o roteiro das buscas? — Apoio as


mãos no encosto da cadeira, com a expressão impassível,
mas por dentro estou a ponto de entrar em erupção.
— Não sei.

— Como os
grupos sabiam
onde iam
procurar?

— O delegado anunciava dois dias antes, para dar


tempo de todo mundo se organizar.

— Então o Daniel sabia que naquela noite, um


grupo se reuniria para fazer as buscas na zona rural —
murmuro, atordoado.

— A cidade
inteira sabia.

Nada como a mente


brilhante de um psicopata.

— Dona Narcisa, eu tenho uma pergunta muito


importante pra fazer, mas vou entender se a senhora não
quiser responder. — Sento novamente, olhando no fundo
dos seus olhos. — O promotor alegou que o João era
apaixonado pela Tônia desde a adolescência, mas nunca
revelou seu sentimento por causa do Daniel, e num
acesso de raiva, tomado pelo ciúme com a aproximação
do casamento, ele fez tudo o que fez com ela e tentou se
matar.

Cubro sua mão com a


minha, sem desviar o olhar
do seu.
— Quando a
senhora soube
que o João era
homossexual?

Dona Narcisa não reponde à pergunta que me dará a


certeza de que JC não assassinou Antônia, pelo menos
através de palavras.

Contudo, no exato momento em que a mulher


começa a tremer, chorar copiosamente e gritar
histericamente, pedindo perdão por não ter revelado o
único segredo do filho que ela prometeu levar para o
túmulo, o mesmo que poderia adiar sua prisão e até
impedir sua condenação, tenho a minha resposta.

Daniel Bonavides matou a noiva, incriminou o


melhor amigo e ainda foi eleito o mocinho da história,
mas não tem problema.

Contanto que no final eu


mate o filho da puta, por
mim tudo bem. Vou adorar
ser o vilão.
Ouço vozes baixinhas.

Tento abrir os olhos para ver onde estou, mas minhas pálpebras pesam mil quilos e
não tenho força para mantê-las levantadas.

Meu corpo inteiro dói.

Músculos, articulações, tendões, coração. Minha cabeça é um emaranhado de


mensagens incompletas, sem sentido. Um sonho encoberto por nevoeiro, onde as
lembranças se confundem com coisas que imaginei, acreditando que realmente
aconteceram.

Estou aquecida. Não sinto mais aquele frio que doía em meus ossos, mas meu
estômago continua embrulhado e tenho a impressão de que posso vomitar a qualquer
instante.

Conforme o tempo vai passando, não sei se segundos, minutos ou horas, os sons ao
meu redor ficam mais altos, nítidos, reais.

Falho na segunda tentativa de abrir os olhos, na terceira, na quarta e na quinta


também. Na sexta, vencer a fraqueza que me abate e me deixa sonolenta se torna um
desafio pessoal. O maior de todos.

Quero, ou melhor, preciso descobrir onde estou, o que aconteceu e por que parece
que meu corpo não me pertence mais.

Luto com tudo que tenho e empurro os cílios para cima. Eles batem rápido, subindo
um pouquinho. O pontinho claro que vejo entre eles quando se afastam, me incentiva a
continuar empurrando, até que finalmente vejo a luz amarelada acima da minha cabeça.

Ainda está desfocada, mas considero uma grande conquista.

Um toque quente e delicado em meu braço desvia meus


olhos para o
lado.
— Como você se sente, querida? — A voz feminina
é familiar, suave, preocupada. — Pode me ouvir?
Consegue me entender?

Flashes permeiam na minha


mente, vão e voltam fora de
ordem.

Eu enfiando roupas amarrotadas na bolsa, ligando


para a rodoviária e anotando os horários de saída dos
ônibus para São Paulo. Encontrando uma mulher loira
no topo da escada, dizendo para ela que tinha um
assunto importante para falar e sendo cativada por
aquele olhar negro, frio, possessivo.

Dele.

Seu Dante.

Inspiro com força, puxo e prendo, inalando mais ar


do que meus pulmões suportam. Abro a boca, arregalo os
olhos, sufoco, engasgo e desembesto a tossir.

Uma mão grande aperta meu ombro, outra dá


tapinhas nas minhas costas, enquanto a pequena e
quentinha acaricia meu braço, para cima e para baixo, até
o cotovelo.

— Respira devagar — diz um homem que não


conheço. — Puxa o ar pelo nariz e solta pela boca. Puxa e
solta. Puxa e solta. — Seu tom calmo me passa confiança.

Sigo as instruções,
normalizando a respiração
logo em seguida.
— O senhor não disse o que ela tem. — Meu corpo
retesa sob o trovão em forma de voz que ecoa pelo ar,
feroz, irritado.

— Não posso dizer o que não sei. E não vou saber


até ela me contar o que aconteceu. Você precisa se
acalmar. A menina está bem.

— Bem? Se o legista encontrar essa garota na rua,


vai assinar um atestado de óbito. Ela parece uma defunta,
Gonçalo!

— A pressão está boa, a frequência cardíaca e a


temperatura estão normais. Sua empregada não vai
morrer, Dante. Eu garanto.

— Quem é você
pra garantir
alguma coisa?

— Sou o médico
que está cuidando
dela.
— Exatamente.
Ninguém.

— Não
menospreze
minha
experiência,
rapaz.

— Diante da morte, sua experiência e o estrume dos


seus cavalos têm a mesma relevância.

O suspiro derrotado do homem à minha esquerda


quebra o silêncio, até dona Laura falar baixinho, à minha
direita.

— Vai ser bom se


ficar um pouco
sentada, querida.

O médico me ajuda a levantar o tronco, enquanto ela


coloca dois travesseiros atrás de mim e eu encaro a
parede cor de creme à minha frente, estarrecida por conta
das lembranças que chegam como um enxame de abelhas
me encurralando com seus ferrões.

— Está confortável? — pergunta minha patroa,


quando me inclino para trás e apoio as costas.

Assinto com um aceno de cabeça, totalmente focada


na minha mão que agora brinca com a costura da manga
do roupão branco que, a propósito, não me pertence.

Vestida de vergonha do dedinho do pé até o último


fio de cabelo, mas despida de coragem para olhar nos
olhos da esposa do homem que está me transformando
em uma vagabunda pior que Lindalva.

— O doutor Gonçalo está aqui, porque hoje cedo


encontrei você desmaiada no chão. O que aconteceu,
querida?

Não respondo nem me


movo.

Mesmo se soubesse, não diria que seu Dante tirou


minha roupa, me amarrou e me escondeu atrás da
poltrona vermelha, dentro do quarto dela. O problema é
que, de fato, não sei.

Tudo que me lembro é de sentir muito sono depois


que testemunhei a discussão entre eles. Dali em diante,
apenas fragmentos de lembranças que sequer tenho
certeza se de fato aconteceram ou são frutos da minha
imaginação.

— Elisa? — dona
Laura insiste.
Inspiro, expiro. Inspiro,
expiro.

Tomo coragem e forço as


palavras para fora da minha
boca.

— Eu não sei.

— Não sabe? —
O médico não
esconde a
surpresa.

— Não consigo me lembrar. — Jogo a cabeça para


trás e fecho os olhos, cansada, arrependida, constrangida.

— Se a garota não quer falar, é melhor deixar ela


descansar. — As palavras severas e a frieza do seu Dante
perfuram meu coração. — São quase dez horas, Laura.
Gonçalo já garantiu que ela não vai bater as botas. Anda,
tenho que passar na casa da sua mãe, mas preciso falar
com você antes de sair.

— Pode ir, minha filha. Não se preocupe. Elisa está


medicada e vai ficar bem.

Viro a cabeça na direção da dona Laura, olhando


diretamente em seus olhos pela primeira vez desde que
acordei.

— Obrigada por se preocupar comigo. Eu ligo para


a senhora se precisar de alguma coisa.
— Posso confiar
em você?

Engulo seco, odiando a forma que meu cérebro


zomba, dando duplo sentido à pergunta apenas para me
fazer sentir culpada.

Eu me sinto, é verdade.
Porém bem menos do que
deveria.

— Pode — respondo com convicção, afinal ela está


se referindo ao meu estado de saúde, não ao marido dela.

Dona Laura sorri, alisa o vestido vermelho elegante


que a deixa ainda mais linda, contorna a cama e para na
frente do seu Dante, abraça o pescoço dele e o beija na
boca.

A cena me abala, não por ela beijá-lo, mas por ele


retribuir o beijo e envolver a cintura da esposa com os
braços, apertando o corpo dela contra o dele.

Na frente do médico.
Na minha frente.

Doutor Gonçalo fala alguma coisa sobre a


enfermeira que vai passar mais tarde para aferir minha
pressão, mas não presto atenção, pois ainda estou
digerindo o que acabei de ver.

Dona Laura é a primeira a


deixar o quarto, seguida
pelo médico.

Seu Dante fica por último, mas antes de sair olha por
sobre o ombro, dá uma piscadela e manda um beijo para
mim.

Não retribuo o gesto e


fecho os olhos, fingindo
que dormi.

Quando a porta bate com tudo quase me deixando


surda, um pequeno sorriso desliza em meus lábios, pois
sei que ele está com raiva.

Eu não deveria me contentar com tão pouco, mas


como uma criança pobre que come chocolate uma vez por
ano, um coração que nunca teve nada, se satisfaz com
algumas migalhas.

Acabo pegando no sono e


acordo horas mais tarde.
Para variar, sozinha.
— O que o senhor acha? — Escuto Laura perguntar para o médico, assim que piso no
último degrau.

— Acordada, Elisa realmente apresenta um quadro típico de anemia, mas dadas as


circunstâncias que você a encontrou, não posso afirmar nada antes de ver o resultado dos
exames.

— Quanto tempo para ficarem prontos?

— Se ela for ao hospital amanhã de manhã, até o fim da tarde eles estarão no meu
consultório.

— Então é melhor que Elisa descanse hoje para se recuperar. Quando eu chegar do
escritório, vou perguntar outra vez. — Minha esposa olha para mim. — Você checou as
fechaduras?

— Ninguém entrou nessa casa, Laura. — A irritação no tom da minha voz não faz jus a
tormenta que sinto. — A garota estava no quarto dela. Se estava nua ou vestida não é da
nossa conta.

— Eu sei que você não gosta da Elisa, mas ela é uma


moça direita.

— Direita ou não, ainda é mulher.

— O que quer dizer com isso?

Odeio minha esposa piranha por insinuar que a ratinha pode ter sido vítima de algum
tarado que ela convidou para conhecer sua cama e o pedacinho molhado do céu, que se
esconde no meio de suas coxas.

Elimino a distância e sussurro em seu ouvido, alto o bastante para Gonçalo ouvir:

— Que boceta sem marido, ou amante, tem que se


virar sozinha.
— Qual o seu problema, Dante? — ela me
repreende, fazendo careta de nojo.

— Meu problema é perder uma manhã de trabalho


por causa da sua empregada.

— Elisa está
doente.

— E o médico já disse que ela não vai morrer.


Podemos partir para o próximo tópico, pelo amor de
Deus? — exaspero, balançando os braços no ar.

Laura revira os olhos, apontando a saída para


Gonçalo e o acompanha até a porta.

— Elisa vai fazer os exames amanhã sem falta,


doutor. Eu mesma irei acompanhá-la.

— Faça isso. Vou mandar uma das meninas passar


aqui mais tarde para dar uma olhada nela.

— Obrigada.

— Até mais,
Dante.

Aceno com a mão e fico ainda mais irritado quando


verifico o celular e vejo que já são onze horas.

Merda!
Eu sabia que a ratinha estava mal, mas não imaginei
que ela fosse dar tanto trabalho. Mais cedo, logo que
desci Laura estava resumindo para Gonçalo que
encontrou Elisa desmaiada no quarto, nua, e acompanhou
o médico até lá para que ele pudesse examiná-la.

Minha agenda estava cheia e eu tinha que levar os


remédios e a comida da Jurema, antes de ir à casa da
Celeste. Se saísse cedo, faria tudo com calma e ainda
sobraria tempo para me divertir um pouco com a minha
sogra.

No entanto, empaquei no lugar e não consegui entrar


na porra do carro sem ter certeza de que a ratinha ficaria
bem.
O problema é que depois de examiná-la, Gonçalo
afirmou que o estado apático, o tom levemente amarelado
da pele, a pequena falha no couro cabeludo e a
subnutrição de Elisa poderiam ser em decorrência de um
típico quadro de anemia profunda, entretanto, não
descartava a hipótese de ser algo mais sério que incluía
depressão ou alguma disfunção renal, hepática e até
cerebral.

A mera possibilidade de ficar sem a ratinha gerou


uma espécie de pânico no meu peito que eu nunca havia
experimentado, e se agravou no decorrer da manhã por
ser obrigado a assistir outro homem tocar no que me
pertencia, sem poder arrancar as mãos do velho babão
com uma serra, nem perfurar seus olhos com grossas
farpas de madeira, e ainda ter que fingir que não
importava com ela.

Quando Elisa acordou, cada


parte do meu corpo vibrou.

Meu coração saltou, aliviado. Minha boca salivou,


sedenta. Meus dedos tiniram, ansiosos. Minhas bolas se
contraíram, eufóricas.

E meu pau engrossou, exibindo toda a saudade que


sentia da bocetinha que ele queria arrombar, tomar posse
e destruir.

Manhãzinha filha da puta!

— O que você quer falar comigo, querido? — O


tom ligeiramente cínico de Laura me traz de volta ao
momento.
— Até quando
seu pai ficará em
São Paulo?

— A última palestra é na sexta-feira, acredito que


no mais tardar sábado de manhã ele esteja de volta.
Algum problema?

— Sua mãe quer eu arrume o vazamento do


banheiro, mas para arrumar tenho que quebrar a parede e
não quer fazer nada antes de falar com ele. — Mentiras e
mais mentiras.

Laura caminha na minha direção, jogando a bunda


de um lado para o outro como se estivesse desfilando em
um passarela de moda.

Ela pensa que me tem na mão e será fácil me seduzir


e eu até me beneficiaria da sua culpa inconsciente para
obrigá-la a recitar algum versículo bíblico enquanto
chupa o meu, mas tenho opções melhores se quiser gozar
ouvindo merda religiosa.
Sem contar que se me entender com Laura, ficarei
sem munições para comer a mãe dela no café da tarde, e
entre foder a mãe ou a filha, prefiro provar a boceta
experiente de Celeste do que repetir a piranha da minha
esposa.

— Meu pai comanda a igreja, mas em casa é minha


mãe que dita as regras. — Ela apoia as mãos no peito,
com o corpo colado ao meu. — Tenho uma hora até a
próxima reunião. Não quer tomar aquele banho de
banheira comigo?

Dou um sorriso cheio de sarcasmo, seguro seus


pulsos e a empurro para trás.

— O convite é
tentador, mas
não, obrigado.

— Não pode remarcar seu cliente e dar um pouco de


atenção para sua esposa?

— O que aconteceu? — Sarcasmo escorre da minha


boca, quando pego a chave do carro em cima do aparador.
— Silvano te dispensou pra ficar com a esposa e agora
você quer ficar com o seu marido pra provar que não
precisa dele? — Guardo a carteira no bolso da calça. —
Sua boceta era titular do meu pau, mas preferiu ser
reserva do pau do seu ex-namorado. — Seguro a
maçaneta da porta, encarando seus olhos com a testa
franzida. — Não me diga que você acreditou que ele ia
largar aquela ruiva gostosa, com cara de quem adora
chupar uma rola, dez anos mais nova, por causa da ex
namoradinha de escola?
Gargalho alto, adorando como as bochechas dela
avermelham e seu rosto se contrai de desgosto.

Não gosto de ser corno, mas estou cagando para o


que minha esposa faz ou deixa fazer, pra quem ela abre as
pernas ou dá o cu.

Contanto que ela não se


meta no meu caminho,
ficaremos bem.

Sempre admirei Laura, porém jamais a amei, senti


sua falta, tampouco fiz questão da sua companhia. Nosso
casamento nunca foi um enlace amoroso para mim,
apenas um negócio que me garantiria uma vida estável e
um futuro longe de Daniel, sem complicações, perversões
e imprevistos.

Nada além disso.


Diferente dela, que ainda ama o candidato a prefeito
de Santa Ana, político liberal, casado com uma mulher
mais jovem e muito mais bonita, que prefere enfrentar a
forca do que assumir que é o pai do neto do pastor
conservador, preconceituoso, homofóbico e machista de
Riacho Verde.

— Não fique triste, querida. Se eu tivesse uma


mulher como a dele, com certeza comeria uma como
você de vez em quando. É sempre bom se engasgar com a
gema do ovo para valorizar a textura da picanha.

Saio de casa, sem esperar


sua réplica defensiva.

Tenho coisas mais importantes para fazer do que


afagar o ego ferido da minha esposa, como alimentar a
cobaia vadia, e ensinar minha sogra a rezar de boca cheia.
Giro a chave na ignição, desligando o carro, e recosto no banco
com os olhos fixos no casarão à minha frente. Não tive o prazer de
contemplar a ratoeira ontem à noite e me surpreender com o quanto
esse lugar é perfeito para tudo que tenho em mente.

Espaçoso, rústico, abandonado. Características imprescindíveis


para usar as cobaias e manter a ratinha presa enquanto arruíno sua
alma.

Pego o isopor com o almoço, a sacola com os remédios e a


chave, curioso para saber como Jurema ficou depois do que fiz com
ela.

Logo que entro, noto a diferença no


cheiro.

Nada como o sangue de uma vadia


para amenizar o de mofo.

Tranco a porta por precaução, avaliando cada detalhe da


cozinha e do corredor enquanto sigo para o último quarto dos
fundos, constatando que o aroma de ferro fica mais forte à medida
que me aproximo.
Não me espanto ao ver Jurema encostada de lado na
porta, encolhida e toda torta com a cabeça pendendo para
baixo.

A visão das suas costas é magnífica, uma miscelânea


de tons de vermelho sobrepostos, cobrindo e contornando
os cortes de tamanhos e profundidades diferentes que
esgaçam sua pele.

Minha marca.

Deixo as coisas em cima da mesa, destampo a


marmitex, separo o antibiótico, o analgésico e o anti-
inflamatório para dar a ela depois do almoço. Sento na
cadeira.

Não me programei para esperar a donzela rasgada


acordar, mas estou disposto a perder alguns minutos para
que ela descubra que estou aqui sem que eu precise
anunciar minha chegada.

Para o meu deleite, Jurema começa a chorar


baixinho quando tenta mudar de posição. Os braços
esticados, presos pelos pulsos na fechadura da porta
limitam seus movimentos, e os ferimentos recentes
censuram o sono profundo.

O choramingo é música
para os meus ouvidos.

Como se sentisse minha presença, ela levanta a


cabeça. Seus olhos correm o quarto e pousam em mim.

— Fome? — Não
espero que me
responda.

Sento ao seu lado, com o isopor no meu colo, rasgo


o plástico que guarda os talheres descartáveis, corto um
pedaço do filé de frango e levo à boca dela, que se abre
para receber a comida.

Seus olhos inchados de tanto chorar analisam meu


rosto, porém Jurema continua a comer sem dizer nada por
longos minutos. Até que murmura:

— Por quê?

Misturo o feijão e o arroz com o garfo, fingindo


pensar em uma resposta.

— Por que está aqui? — Devolvo a pergunta,


enfiando a garfada na boca dela.
— Por que eu?

Dou um pouco de água para


ela e sorrio.

— Você não é tão especial como pensa. Não foi a


primeira e não vai ser a última. Nada disso é por você,
nem para você. — Limpo os cantos da sua boca com
guardanapo, sob o seu olhar opaco. — Se não fosse uma
vagabunda e respeitasse seu namorado, nada disso teria
acontecido. Você estaria almoçando com o Rogério e eu
estaria dando almoço para outra vadia qualquer.

Novas lágrimas encobrem


seus olhos.

— Não precisa chorar. Eu vou cuidar de você,


prometo que não vai demorar para o seu sofrimento
acabar.

A esperança em seu olhar


me faz sorrir.

Ela tomas os três comprimidos, bebe toda a água e


me encara atenta, quando enfio a mão no bolso, tiro uma
caixinha de veludo vermelha e a abro, revelando as
presilhas do tamanho de um alfinete com quatro dentes de
aço na ponta, dois em cima e dois embaixo.

— Isso é pra você


não esquecer de
mim.

Jurema arregala os olhos ao perceber o sorriso


diabólico esticando meus lábios e, por uma fração de
segundo, tenho pena. Não pelo que vou fazer, mas por ela
acreditar que terei compaixão.

Para poupar meu tempo e me poupar da sua inútil


relutância, empurro seus ombros para trás, colando suas
costas esfoladas na porta.

Quando começo a deslocar seu tronco de um lado


para outro, três, cinco, dez vezes, esfregando sem
clemência sua carne esganiçada nos fiapos da madeira
velha, para que os cortes se transformem em resorts de
bactérias, Jurema grita.

O clamor agudo semelhante ao uivo de um lobo com


a pata presa em uma armadilha, acalenta os demônios
alvoroçados que se felicitam com a sua dor, mas a besta
não se contenta apenas com a alegria.

Ela exige a felicidade


plena.
Tiro uma presilha da caixa e seguro o queixo de
Jurema com a mão livre, forçando-a a olhar para mim.

— Você pediu por isso. A culpa é sua. — Mordo seu


lábio inferior até sentir o gosto do seu sangue na minha
língua, ao mesmo tempo que os dentes afiados da presilha
mordem seu mamilo, formando uma gaiola em torno do
bico do seio.

Jurema grita ainda mais alto, arrancando alguns


aplausos da besta, que se empolga quando mordo sua
bochecha salgada e igualo o placar, prendendo a segunda
presilha no outro mamilo.

Meu pau endurece, no momento em que afasto os


lábios da sua boceta e a terceira presilha abocanha seus
clitóris, numa dentada áspera, fatal, na carne delicada e
sensível.

De pé, ao lado de Jurema, eu me masturbo,


hipnotizado pela visão do triângulo de metal, devorando a
carne de segunda da vagabunda de primeira, e gozo na
cara dela.

A besta aplaude de pé o show de degradação,


lágrimas e porra, exultante por saber que a cobaia é
apenas a introdução.

O melhor ainda está por vir.


Entro na loja de equipamentos eletrônicos, usando
boné e óculos de sol para não ser reconhecido. Me
distraio com os celulares expostos na prateleira, enquanto
aguardo a vendedora atender o único cliente.

Logo que ele sai, me aproximo do balcão e aponto


para a caneta prateada que esconde uma microcâmera de
gravação. Apesar do olhar intrigado, a funcionária me
mostra todas as funções do aparelho e ainda dá dicas de
como posicioná-lo para melhorar a qualidade da
filmagem.

Preencho o cadastro com os dados falsos que


costumava usar quando morava em São Paulo, pago em
dinheiro para não ser rastreado e sigo para a casa de
Celeste.

Antes de descer do carro, prendo a caneta no meu


bloco de notas, abro minha caixa de ferramentas, me
certificando de que os dois itens que trouxe
para minha sogra não estão visíveis e faço meu caminho
para ir ao encontro dela.

Dessa vez, entro pela porta da frente, pois sei que


Celeste é esperta e certamente dispensou os empregados.
Ela jamais correria o risco de ser flagrada num ato imoral
com seu genro, pelo menos até descobrir tudo que posso
dar a ela.

Então não será difícil corromper a esposa do pastor e


convencê-la a fazer o que eu quero sem se importar com
nada, além do meu pau enterrado dentro dela. Nem
mesmo com a piranha da sua filha.

Como sempre, encontro Celeste na biblioteca,


usando um vestido preto, mais sensual que o último. As
alças frouxas caem nos ombros, enaltecendo o decote em
V que termina no meio dos seios fartos.

Uma saia rodada desce até os joelhos, a partir da


faixa branca que modela sua cintura. As sandálias pretas
com tiras brancas e salto alto deixam minha sogra ainda
mais elegante.

A velha safada se vestiu


para mim.

— Você está
linda, Celeste.

— Obrigada, é muito gentil da sua parte elogiar uma


mulher da minha idade. — Ela coloca o livro em cima da
mesa e se encosta.
— Seria gentileza se fosse mentira. — Deixo a caixa
de ferramentas no chão e paro à sua frente, descendo
meus olhos até os dois montes que ela ostentam como
troféus. — Uma beleza como a sua deve ser venerada e…
provada.

Celeste se remexe,
encabulada.

— Pensei muito
no que me falou.

— Estou aqui para saber qual solução você


encontrou para o meu problema.

Ela disfarça, ajeita o coque impecável e respira


fundo, nitidamente sem jeito. Decido contribuir,
facilitando as coisas para nós.

Avanço um passo colando meu corpo ao dela, ponho


o bloco de notas sobre o livro e ligo a câmera da caneta,
antes de apoiar as mãos ao lado dos
seus quadris. Abaixo a cabeça, como se fosse contar
algum segredo ao pé do ouvido e acaricio seu pescoço
com a ponta do nariz.

Celeste estremece.

— Você é uma mulher inteligente. — Beijo seu


ombro. — Sabe que só existem duas opções. — Deslizo a
língua para cima até o lóbulo. — Se quiser que eu me
separe da Laura e a cidade inteira fique sabendo que a sua
filha é amante do Silvano, vá para o seu quarto e só saia
quando eu for embora. Mas se quiser que eu continue
com aquela puta traidora, levante a saia e me mostre a sua
boceta.

Então me afasto e encaro


minha sogra.

Olhos arregalados, lábios entreabertos, mamilos


intumescidos. Um bom sinal, sem dúvida. Porém não
pretendo tornar isso um contrato aberto para
renegociação.

Celeste não tem escolha, a não ser que esteja


preparada para assistir à queda do império dos Gutierrez,
decretada quando Laura abriu as pernas para outro
homem. Uma mancha que jamais será apagada e para
sempre será lembrada.

— Dante, por
favor…

Acaricio meu pau por cima da calça, comprovando


que a velha safada cairia de boca se pudesse, mas precisa
de uma desculpa para se tornar a prostituta do genro.
— A escolha é sua. Ou você me dá o que a minha
esposa está dando para o amante, ou eu peço o divórcio e
vou atrás de uma mulher que queria o que ela não quer.

— Eu sou sua
sogra.

— E tem uma boceta que


eu quero foder. Celeste leva
a mão ao peito e fecha os
olhos.
— Você não pode falar
essas coisas para mim.
Sorrindo cinicamente, volto
a me aproximar dela.
Com um movimento rápido, giro seu corpo. Ela
tropeça, mas usa a mesa para se equilibrar. Empurro meu
pau na sua bunda e cubro seus seios com as mãos.

— O Humberto te pega por trás? — sussurro,


salpicando beijos na sua nuca. — Ele te come no
banheiro? — Puxo o decote para baixo com tanta força,
que o tecido rasga. Amparo os dois montes enormes da
minha sogra nas palmas abertas. — Ele fode esses peitos
e goza na sua cara?

Cravo os dentes no pescoço de Celeste quando um


gemido sôfrego escapa da sua garganta.

— Dante, eu
estou…

— Louca pra me dar o que eu quero? — A corto,


descendo as mãos até a barra da saia. — Sentir meu pau
entrar rasgando essa boceta? — Meus dedos fazem o
caminho para cima, roçando suavemente em sua pele. —
Ou minha sogra já está toda molhada pra mim?

Afasto a calcinha maior que os peitos de Celeste,


anulando qualquer desculpa que ela tente me dar ao sentir
a evidência úmida impossível de ser contestada.

Agora é o momento em que Daniel assume mais


uma parte da sua vida e deixa claro que ele nunca entra
em um jogo para perder.

— É sua última chance. Vai se trancar no quarto ou


ser minha prostituta?
Meto um dedo na boceta da minha sogra. Ela
balbucia alguma merda que não entendo, porém não
responde. Meto o segundo, perplexo por descobrir o quão
apertada ela é.

— Vai ser minha puta, Celeste? — rosno, irritado


com a maldita demora. — Sim ou não, porra?

— Sim! Sim,
Dante!

— Resposta certa. — Seguro seu coque com força,


puxo sua cabeça para trás e rosno na sua boca: — De
joelhos. Quero que me diga quais são os dez
mandamentos, enquanto chupa o meu pau… sogrinha.

Celeste chora, diz que vai para o inferno e pede


perdão a Deus por trepar com o marido da filha, no
entanto, faz tudo que eu mando e goza
duas vezes montada no meu pau. Na segunda, gritando
meu nome com a boceta arreganhada de frente para a
câmera da caneta.

Eu conquisto meu trunfo.

Os demônios dormem
relaxados.

E a besta não apenas


aplaude de pé, como
também pede bis.
Tomo o banho mais longo da minha vida, me sentido mole,
fraca.

Não lembrar do que aconteceu depois que dormi, deixa uma sensação ruim, um
gosto amargo na boca.

Forço minha memória, busco nas lembranças alguma coisa, o mínimo que seja, mas
nada vem. É como se a noite de ontem nunca tivesse existido.

A página arrancada de um livro.

Tenho certeza de que seu Dante sabe, foi ele quem me desamarrou e me trouxe para
o meu quarto. Só pode ter sido.

O problema é descobrir, encontrar um jeito de fazer o homem me contar, já que não


consigo nem olhar para a cara dele depois que o vi beijar dona Laura, sem se importar
com o quanto aquele beijo poderia me magoar, e magoou.

Muito.

Preciso sair daqui. Ir embora para São Paulo e começar do zero, como eu tinha
planejado fazer desde Lindalva ficou doente. Não sei por que dei ouvidos ao meu pai e
achei que vir atrás do melhor amigo dele poderia ser uma boa forma de recomeçar.

Meus olhos se prendem no roupão pendurado atrás da porta, potencializando a culpa


e o remorso. Dona Laura pode ser uma péssima esposa, mas é a única que se preocupa
comigo, demonstra que gosta de mim e quer o meu bem.

Desviando o olhar para o espelho, encaro meu reflexo.

Estou mais magra, pálida, com olheiras profundas. Meu cabelo parece mais fino,
apesar de ser natural e comprido.
Lindalva dizia que minha beleza só podia ser vista
quando eu abria a boca, porque vinha de dentro, mas por
fora não era marcante e passaria despercebida em
qualquer lugar que eu estivesse.

“Esmoleira só chama atenção de catador de latinha.


Se quiser um homem bonito, trate de voltar pra minha
barriga e nascer de novo. Tu nunca vai arrumar ninguém
chochinha assim”

Lágrimas enchem meus olhos quando lembro das


palavras dela. Posso até ouvir sua voz repetindo aquelas
coisas para mim, todas as vezes que se maquiava e
perfumava para esperar algum cliente.

Chochinha, tosquinha,
mirradinha, tapadinha.

Sempre no diminutivo. Sempre abaixo dela. Sempre


um degrau abaixo de todas as outras mulheres. Era assim
que minha mãe me via.

Talvez ela tivesse razão,


por isso preferia acreditar
no meu pai.

Ele me achava linda, inteligente, me incentivava a


estudar para crescer na vida e não depender de ninguém.
Dizia que já tinha feito muita merda, mas se redimiu
quando me fez, porque eu era perfeita e apenas os
exaltados eram dignos de atingir a perfeição.

Tive pouco tempo com meu pai. Ele viveu bem


menos do que eu gostaria. No entanto, os melhores
momentos da minha vida foram os passei naquela cela
pequena, suja e fedida.

Visto uma saia e blusa limpas, penteio o cabelo,


escovo os dentes, arrumo a cama e vou até a cozinha
preparar o jantar. Não estou com fome, mas preciso
compensar o trabalho perdido.

Meu coração dispara quando passo em frente ao


quarto do seu Dante. A vontade de espiar para saber se
ele está lá é tão grande que minhas mãos chegam a coçar.

Entretanto não paro de


andar, sequer diminuo a
velocidade.

Desço os degraus devagar, segurando no corrimão


para não rolar escada abaixo. Atravesso a sala de estar,
mas em vez de abrir a porta e entrar, me encosto na
parede quando escuto dona Laura conversando com uma
mulher.

— Você acha que


estou
exagerando? Seja
sincera.
— De forma alguma, mas se a menina é direita e
Dante garantiu que ninguém invadiu a casa, deveria
esquecer essa história. — A voz da mulher não me é
estranha.

Encaro o teto, exalando o ar com força, me


repreendendo mentalmente por estar sendo mexeriqueira.
Mas as palavras da dona Laura refreiam minha volta para
o quarto.

— Não posso. Elisa estava nua, desmaiada no chão.


Não sei se foi ela que se limpou ou quem esteve no
quarto se deu o trabalho de limpá-la, mas quando me
abaixei e coloquei o ouvido no peito dela para saber se
estava viva, senti o cheiro de esperma. Era recente,
Claudia.

Cubro a boca aberta com a mão, atônita por minha


patroa desconfiar que alguém me estuprou e por ter
contado sobre a sua desconfiança justamente para a
psicóloga que chupou seu marido no sofá e transou com
ele na mesa de jantar. Da sala dela.

— Isso é muito
sério, Laura.

— Eu sei! Por
que você acha
que estou tão
nervosa?

— Pensei que
tivesse
acontecido
alguma coisa com
o Dante.
Odeio a hipocrisia dessa mulher, mas não estou no
direito de julgá-la porque não sou diferente.

— Aconteceu,
mas não como
está pensando.

— Vocês
brigaram?

— Brigamos.

— Por quê?

— Porque meu marido não


gosta da Elisa. Não sei qual
das duas é mais falsa.
Que seu Dante me odeia eu sei, mas com certeza a
discussão que tiveram não foi por minha causa.

— Ela não é filha


do melhor amigo
dele? Qual o
problema?

Não conta, por favor! Por


favor! Por favor!
— O pai dela
matou a noiva do
Dante.

Ah, dona Laura. Por que a senhora contou? Ela


quer roubar seu marido e agora tem uma carta na manga
para conseguir o que quer.

— É alguma
piada, Laura?

— Gostaria que
fosse.

— Espera, você
sabia que o Dante
era noivo?

— Sabia.

— Desde
quando?

— Ele me contou
no nosso primeiro
encontro.

— Por que nunca


me disse nada?

— Porque meu
marido não gosta
de falar sobre o
assunto.
— Por assunto
você quer dizer
sobre a noiva?

O silêncio se arrasta por


alguns minutos, até minha
patroa dizer:

— Desde menino, Dante era completamente


apaixonado pela Tônia, mas ela era filha do prefeito,
linda e rica. Ele tinha seis ou sete anos quando a mãe
morreu, o pai era alcóolatra, chegava em casa bêbado
todos os dias, batia nele, devia dinheiro para várias
pessoas e pelo menos uma vez por semana era preso por
se meter em confusão.

— Nossa, amiga!
Nunca pensei que
o Dante tivesse
passado por tudo
isso.

— É muito
triste, mas o
pior é que
tudo que ele
enfrentou
sozinho,
sem a ajuda de ninguém, foi pela Tônia. O prefeito não
queria que a filha se envolvesse com um menino órfão,
pobre e sem futuro. Dante nunca o criticou, porque
também achava que ela merecia alguém melhor. Foi por
isso que ele começou a trabalhar cedo, se formou numa
das melhores Universidades de São Paulo e só voltou
para casa quando se achou digno de se casar com o
grande amor da vida dele.
Estou tremendo dos pés à cabeça. Meu pai me disse
que seu melhor amigo amava tanto, tanto a mulher mais
cobiçada de Morada do Sol, que as vezes parecia mais
uma doença do que propriamente amor.
Doentio.

Foi a palavra que ele usou


para definir o amor de
Daniel.

— Por que o
amigo do Dante
matou a noiva
dele?

— A polícia concluiu que foi por ciúme e inveja,


mas o que o João fez com a Tônia prova que ele era um
enviado de Satanás.

— Estou até com


medo de
perguntar o que
esse monstro fez.

— Melhor não saber. Me dá ânsia de vômito só de


pensar. Mas o importante é que Deus tomou à frente e
cuidou de tudo.

— O que quer
dizer?

— Depois de matar a Tônia, João deu um tiro na


cabeça pra se livrar da cadeia. Por intervenção divina,
Dante estava por perto e ouviu o disparo. Encontrou os
dois, avisou a polícia e a equipe de resgate conseguiu
salvar aquele monstro.

— Essa história daria um bom filme de terror.


Credo! Ele ficou com alguma sequela pelo menos?
— Não. O castigo foi muito pior. Além de passar
mais de vinte anos na cadeia, há quase um mês João foi
decapitado dentro da cela durante o confronto entre duas
facções rivais.

— Desculpa, Laura, mas é totalmente compreensível


seu marido não gostar da menina e não querer que ela
fique aqui. Imagina como deve ser difícil pro Dante ter
que viver sob o mesmo teto que a filha do homem que
destruiu a vida dele.

— Elisa não pode


pagar pelos erros
do pai.

— Concordo, mas você está tomando partido e dessa


vez escolheu o lado errado para defender.

— Não estou defendendo ninguém e não tenho


culpa se o Dante não conseguiu superar a morte da Tônia.

— Será que ele


pensa nela?

— Eu ficaria feliz se meu marido só pensasse na ex.


Dante ainda ama aquela mulher. No fundo, acho que ele
nunca vai deixar de amar.
— Se quiser, posso abordar esse assunto na próxima
sessão e tentar descobrir alguma coisa.

— Não adianta. Dante não se abre nem comigo, não


vai se abrir com você.

— Nunca se sabe.

— Contanto que ajude meu marido a esquecer o


passado, pode fazer qualquer coisa.

— Obrigada.
Sabe que eu te
amo, não sabe?

— Sei porque eu também te amo. Você é minha


melhor amiga e a única que confio para confidenciar
essas coisas. Dante pensa que eu não sei que todas as
mulheres de Riacho Verde venderiam um rim para ter
uma chance com ele. Até as casadas. Mas não sou cega
nem burra.

A falsiane arranha a garganta. Deve estar se


borrando nas calças, com medo que a dona Laura saiba
que ela é uma das amigas da onça.

— Você não fica


com ciúme?

— Um pouco, mas conheço meu marido e confio no


caráter dele. Dante nunca arriscaria o nosso casamento
me traindo com qualquer uma. Se ele transar com outra
mulher, vai ser por amor, e pode ter certeza que se um dia
isso acontecer, ele vai pedir o divórcio e sair dessa casa
pela porta da frente.
— Está falando
sério, Laura?

— Claro, por que


eu mentiria pra
você?

— Não é isso. Mas acho seu pensamento um tanto


lírico para a nossa realidade.

— Como assim?

— Trair faz parte da natureza humana. É quase um


ato instintivo e está diretamente ligado à busca pelo
prazer. Para trair, um homem não precisa
necessariamente, deixar de amar a esposa, nem estar
apaixonado pela amante, pelo contrário. Na maioria dos
casos, a traição é decorrente do fascínio pelo novo, pelo
diferente e proibido. Não tem qualquer relação com os
sentimentos. É por isso, que o arrependimento de perder o
que
realmente importa por causa de um impulso passageiro
que, muitas vezes, nem atinge as expectativas, pode levar
um homem à ruína.

— Não duvido. Mas meu marido é a pessoa mais


verdadeira que já conheci. Dante não sabe fingir e odeia
mentiras. Acredite, ele só vai me trair se estiver
apaixonado, Claudia.

— Espero que
esteja certa,
amiga.

— Eu sempre
estou.

Corro para me trancar no banheiro quando a


campainha toca, determinada a ficar lá até a psicóloga ir
embora. No entanto, acabo saindo quando a visita de
dona Laura se apresenta como a enfermeira que o doutor
Gonçalo mandou para me examinar.

Falar com a moça é fácil. Concordar em ir ao


hospital amanhã de manhã para fazer todos os exames e
me despedir dela com um sorriso amarelo nos lábios
também.

Comer um prato de
macarronada, mais ainda.

Difícil mesmo é ver seu Dante chegar, cumprimentar


a esposa com um beijo seco na bochecha, me ignorar
como ignorou a samambaia no canto da sala, mas sorrir
para a psicóloga de um jeito que nunca sorriu para
ninguém, e passar quase uma hora conversando com ela
como se o mundo ao seu redor não existisse.

Dona Laura não sabe que


seu Dante a traiu com a
amiga.

Entretanto não dá para negar que ela conhece o


marido melhor que ninguém e pela expressão enraivecida
que retorce seu rosto, também não dá para negar que ela
está pensando o mesmo que eu.

Seu Dante está apaixonado


pela psicóloga.

Não sei o que minha patroa pretende fazer quando


seu marido pedir o divórcio para ficar com a mulher que
ele ama.

Eu, no entanto, não


pretendo estar aqui quando
esse dia chegar.
Entrego a passagem para a moça da companhia aérea, com a cabeça nas nuvens.

— Tenha uma excelente viagem. É um prazer recebê-lo


em nosso voo.

A voz feminina me desperta do devaneio e aproveito para dar uma conferida no corpo da
loira à minha frente.

— Vocês são obrigadas a decorar essas frases? — provoco, enquanto aguardo ela destacar
o voucher.

— Não, senhor. A única exigência é a educação.

— Como você decide o que vai falar para cada


passageiro?

— Não sou eu que decido.

— Não? — Ela nega com um aceno de cabeça. —


Quem decide?

A loira não precisa ficar na ponta dos pés para apurar o tamanho da fila atrás de mim, nem
se tem alguém perto o bastante para ouvir nossa interação na porta de embarque do aeroporto,
já que é uns dez centímetros mais baixa que eu, e tenho um e noventa de altura.

— O cliente. — Inclinando-se levemente para frente, sussurra: — Digo apenas o que ele
me faz sentir.

Ergo uma sobrancelha, apreciando sua abordagem direta.

Gosto de mulheres que sabem o que querem e vão atrás sem se importar com a opinião
alheia. Isso mostra que são seguras, experientes, independentes e não precisam da aprovação
masculina para se sentirem bem consigo mesmas.

— Se é assim, posso copiar sua técnica? — Ela me devolve o voucher destacado e dá um


passo para o lado, liberando minha entrada.
— Obviamente.
Estou aqui para
atender o senhor.

Imitando seu gesto, inclino


o corpo na direção dela.

— Minha viagem será excelente, se depois da


decolagem estiver no banheiro para me receber —
sussurro em seu ouvido, sério, e sigo pelo corredor
estreito sem olhar para trás.

Há muito tempo aprendi que sexo satisfaz o corpo,


no entanto, nunca sacia a alma se não for feito com a
pessoa certa.

Por três anos, eu tive a minha e me sentia


constantemente saciado, mas depois que aquele
psicopata a tirou de mim, nenhuma outra sequer chegou
perto de me empanturrar.

A loira gostosa não fez questão de esconder seu


interesse e agradeço por isso. Minha última foda foi um
dia antes de Fidel aparecer no meu apartamento para me
contar que João Camargo estava morto.

Para um homem de quarenta anos, acostumado com


a ação quase que diária, é muito tempo sem praticar.

Meu corpo já está


começando a reclamar da
inatividade.

Mesmo sendo bonita, ter um corpo cheio de curvas,


peitos avantajados e lábios pintados de vermelho que dão
asas a minha mente libertina para imaginar que ficariam
ótimos com meu pau entre eles, pela maneira que meu
corpo reagiu à loira, sei que ela não passará de mais uma
foda.

Beijos, carícias,
sacanagens, penetração,
orgasmo, saco vazio e
tchau.
Cada um para um canto. Vamos para a próxima da fila.

Sempre foi assim, menos


com Sabrina.

Com ela a reação foi natural, imediata. Soube que


havia encontrado o que nem sabia que estava procurando,
no momento em que a conheci e não nada nem ninguém
irá me convencer que um raio pode cair no mesmo lugar
duas vezes.

Para cada pessoa, apenas


uma é certa.

Se tiver a segunda, é porque a primeira era errada.


Alguns chamam de alma gêmea, outros de cara metade e
por aí vai.
Eu chamo de destino.

Antes de entrar na aeronave, meu celular começa a


tocar. Cerro o maxilar ao ler o nome do meu ex-parceiro
na tela do aparelho.

É a quarta vez que Fidel me liga. Não atendi as três


primeiras com a desculpa de que estava na casa da dona
Narcisa, mãe de João Camargo, mas agora não tenho
nenhuma teoria fundamentada para adiar o embate que
sei que teremos assim que eu disser que não estou
voltando para casa, como combinamos.

Respiro fundo e atendo:

— Tudo isso é
saudade?

— Onde você
está? — A
irritação dele me
alcança rápido.

— Estaria entrando no avião se não tivesse parado


para atender o telefone.

— Graças a Deus.
Já estava
preocupado.

— Com o quê?

— Faz quase uma


semana que você
não dá notícias,
brother.

— Estava
ocupado.

— Conseguiu
alguma coisa?

Penso por um instante, tentado a mentir. Mas apenas


omito os fatos mais importantes.

— JC não matou
Antônia.

— Como você
sabe?

— Descobri
quem matou.

Fidel fica em silêncio,


então pergunta.

— Quem foi?

— O noivo dela,
Daniel
Bonavides.
— Tem certeza?

— Tenho.

— Provas?

Encosto na parede, atento


ao horário. Não posso
perder esse voo.

— Físicas, não.

— O que você tem de concreto para incriminar esse


cara, Juliano? — Agora ele parece impaciente.

— Não vou
incriminar
ninguém.

— Ficou louco,
porra!?

— Ele armou tudo, brother. Enganou todo mundo,


até o pai da Antônia, jogou a culpa no melhor amigo
sabendo que o idiota ia apodrecer na cadeia. Não tenho
como provar que Daniel é o culpado num julgamento,
mas sei que foi ele.

— O que você vai


fazer?

— Encerrar o
caso.
— Como
pretende encerrar
o caso se não tem
provas?

— Vou encerrar
do meu jeito.

— Não!

— Sim.

— Se fizer isso
vai acabar com a
sua vida.

— Se não fizer
outras mulheres
vão morrer.

— Não vem com essa pra cima de mim. Você sabe


que estou monitorando o sistema de criminologia. Se
tivesse aparecido um caso semelhante em qualquer lugar
do país nos últimos vinte anos, eu saberia. Quem matou a
Sabrina e aquelas mulheres não é um assassino comum. É
um serial killer. Eles são chamados assim porque não
conseguem fugir do padrão e matam por compulsão.
— Fui eu que te
disse isso.

— Pelo visto, você esqueceu que nenhum assassino


em série fica vinte anos sem matar, Juliano.

— Toda regra tem


a sua exceção.

— Tudo bem, não vou discutir essa merda por


telefone. A gente conversa quando você chegar.

Esfrego a testa, lamentando por mais uma vez


decepcionar o cara que sempre me apoiou, me incentivou
e esteve ao meu lado, mesmo quando eu queria ficar
sozinho.

— Ainda não
estou voltando
pra casa — falo
sem pausa.

— Para onde
você está indo?

— Não posso
dizer.

Ouço o barulho de vidro se


quebrando.

Tomara que não seja a


garrafa de uísque escocês.
— Você pode e
vai, porra!

— Se eu contar para onde vou e der alguma merda,


você será meu cúmplice. Estou fazendo isso para o seu
próprio bem.

— Isso o quê?

— Jogando meu telefone pela janela. Eu te ligo


quando Daniel Bonavides estiver morto.

Encerro a ligação, desligo o aparelho e o guardo no


bolso. Claro que não sou idiota de jogar dois mil reais no
lixo, mas vou comprar um celular usado, simples e não
rastreável para usar durante a minha estadia em Riacho
Verde, que terá início amanhã de manhã e só terminará no
quando eu matar o homem que matou minha namorada.

Ou ele me matar.
Sou o último a embarcar. Ao meu lado, um homem na faixa dos cinquentas anos, vestindo
terno cinza, camisa branca e gravata vermelha, digita no seu notebook com agilidade.

A movimentação dos seus dedos estimula meu cérebro a trabalhar. Dona Narcisa não
reconheceu a chave dourada que foi encontrada na cela de JC, porém me mostrou com orgulho
as fotos da neta que João enviou para ela.

Todas, até a última, enviada um ano atrás.

A imagem era péssima e por ser colorida não dava para ver o rosto de Elisa claramente,
mas fui obrigado a concordar com dona Narcisa. A garota não tem nenhum traço do pai. Nada.
Ela tem a pele clara, quase pálida, grandes olhos castanho-claros, cabelo um tom mais escuro
que os olhos e lábios que se destacam no rosto miúdo por serem muito, muito carnudos.

Agora entendo porque ele assumiu a paternidade sem exigir o exame de DNA. João
Camargo sabia que não era o pai dela, mas queria que ela fosse sua filha.

O que seria de grande valia para Elisa, se ele tivesse ao menos registrado a menina e desse
a ela o direito de herdar seus bens.

Afasto a imagem da bocuda e foco no que, de fato, importa.

De acordo com a rápida pesquisa que fiz antes de ir para o Marechal Cunha Machado,
aeroporto em São Luís do Maranhão, Riacho Verde é a típica cidade do interior de São Paulo
em ascensão.

Pequena, mas bem estruturada e acolhedora. O comércio é variado, a classe média alta é
predominante, oitenta por cento da população é evangélica e a comunidade se encontra
altamente envolvida em ações solidárias, promovidas pela igreja da família de Humberto
Gutierrez, homem por trás dos partidos políticos que lutam pela oportunidade de assumir a
administração da cidade.
O que me diz que se a ordem para Zebra matar JC
partiu de Riacho Verde, o pastor certamente sabe quem
foi o mandante.

Estou relaxado no assento, decidindo a maneira mais


rápida e segura de conseguir acesso aos dados dele,
quando o passageiro ao meu lado recebe uma chamada de
vídeo de uma mulher e os dois começam a discutir sobre
as estratégias que escolheram para usar no novo sistema
operacional que estão desenvolvendo, objetivando a
proteção de informações pessoais a fim de garantir a
máxima privacidade dos pacientes de hospitais
particulares.

Riacho Verde tem um ambulatório, algumas clínicas


médicas e apenas um hospital particular, o maior e mais
bem equipado da região.

É isso.

Já tenho a hospedagem, o meio de transporte, o


motivo para passar um tempo na cidade, o homem que
pode me levar até Daniel e agora, o meu primeiro
compromisso agendado para amanhã de manhã.

Falta apenas um contato dentro do hospital, o que


não será um problema de conseguir.

Tenho orgulho de todos os anos que investiguei


criminosos para colocá-los atrás das grades. Mas não me
envergonho de agir como um para encontrar o assassino
de Sabrina.

A vibração no meu peito denuncia minha euforia,


que acumula pontos extras quando a gostosa que conheci
na área de embarque desfila pelo corredor vindo na minha
direção, para ao meu lado e fala baixo para que apenas eu
escute:

— Estou pronta
para recebê-lo,
senhor.

Levanto e sigo atrás dela, sendo positivamente


surpreendido por uma bunda empinada e redondinha.
Olho para o meu pau, que se agita em antecipação.

É, amigão, finalmente
vamos conhecer a loira do
banheiro.

Rio de mim mesmo.

Depois de vinte anos, o


destino resolveu intervir a
meu favor.
E Daniel Bonavides não
perde por esperar.
Claudia é a mulher mais chata que já conheci. Não para de
falar, cospe quando fala e ri como uma hiena.

O latejar nas minhas têmporas se


intensifica.

Estou cansado pra caralho por conta das fodas que acumulei
nos últimos dias e preciso de algumas horas de sono para me
recuperar, ou não irei aguentar a maratona sexual que planejei para
os próximos.

No entanto, aqui estou. Firme e forte. Aguentando a tagarelice


desenfreada e o festival de toques irritantes da psicóloga, apenas
para tirar a atenção de Laura da ratinha e desviá-la para a amiga
dela.

Amigo de cu é rola, como diria JC se


estivesse vivo.

A arrogância da minha esposa por se achar muito esperta, a


cegou para o que acontecia bem diante dos seus olhos. Há anos
Claudia se oferece para sentar no meu pau, pouco se lixando se sou
casado, tampouco com quem.
Agora, além de comer a vadia e usá-la como minha
cobaia, vou mostrar para Laura o que acontece com quem
tenta me fazer de otário.

A velha safada que ela


chama de mãe será a cereja
do bolo.

— Está ansioso para a nossa sessão? — Claudia


murmura, acariciando minha coxa, próximo à virilha,
quando Laura se levanta para atender a campainha. Pouco
se importando que Elisa veja.

Viro a cabeça para o lado e estreito os olhos ao me


deparar com o sofá vazio. Abro a boca para perguntar
onde a ratinha está, mas me calo quando minha esposa
convida Rogério para entrar.

Ele acena com a mão


trêmula na minha direção.

— Me perdoem por vir aqui a essa hora, mas preciso


saber se vocês viram a Jurema.

Mais rápido do que previ.

— Encontrei a Jurema no culto de domingo —


Laura é a primeira a responder.

Eu me levanto, equipado
com minha máscara de bom
vizinho.
— Da última vez que vi a Jurema, ela estava no
quintal com o Kevin. Não lembro se foi ontem ou
anteontem. O que aconteceu?

Rogério penteia o cabelo com os dedos,


vergonhosamente preocupado com a namorada
vagabunda.

— Não sei. Nós tínhamos um compromisso


importante hoje, mas ela não apareceu. O apartamento
dela está trancado e a vizinha de porta disse que não fala
com a Jurema há dois dias. O porteiro confirmou que ela
saiu ontem de manhã e não voltou.

— Tentou o
celular? —
Claudia se
intromete.

— Está fora de serviço. — Ele olha para Laura, com


uma expressão de dar pena. — Ela nunca desliga o
telefone. Não sei o que fazer.

— Primeiro você senta. — Minha esposa empurra


Rogério para o sofá e se acomoda ao lado dele. — Jurema
é freelancer, trabalha com vendas e depende do dinheiro
das comissões para viver. Ela deve ter ido atender
algum cliente em Pedra Santa, acabou a bateria do celular
e não pôde te avisar porque esqueceu de levar o
carregador. Fica calmo. Não aconteceu nada. Daqui a
pouco a Jurema aparece e explica o que aconteceu.

Não conte com isso,


esposinha. Aquela lá não
dura até amanhã.

— Ela já ficou tanto tempo sem entrar em contato?


— A intromissão de Claudia me enfurece.

Quero cortar a língua da vagabunda com estilete e


enfiar no cu dela, antes de costurar sua boca com agulha
de tricô. Talvez assim ela aprenda a não se meter onde
não é chamada.

— Não. Nunca. Mesmo quando estamos


trabalhando, trocamos mensagens o dia todo. Jurema não
gosta de dirigir a noite, morre de medo de ser assaltada e
me avisaria se tivesse que sair da cidade. — Ele esfrega a
mão fechada no peito, fazendo uma careta de dor. — Eu
sinto aqui dentro que ela precisa de mim. Mas não sei o
que fazer para ajudar.

Se Rogério começar a chorar, juro que arranco o


coração da vadia e envio para ele por Sedex. Só não me
comprometo de enviar a boceta porque está com a
presilha que fiz especialmente para ela.

— Por que não registra um boletim de ocorrência?


— sugiro a última coisa que espero que ele faça, mas ser
o primeiro a incentivá-lo a envolver a polícia, me
descarta como possível suspeito pelo desaparecimento
dela.
— Posso ir com você até a delegacia, se quiser.
— Não adianta. O delegado me disse que eles só
começam a procurar depois de quarenta e oito horas.

Puta que pariu!

Meu vizinho acaba de superar todas as minhas


expectativas e prova que é o corno conformado número
um de Riacho Verde.

O relógio marca dez e meia. Está ficando tarde e eu


ainda tenho alguns assuntos pendentes para resolver,
antes de ir dormir com a ratinha. Se Rogério não for
embora, Claudia também não vai. Se eles não derem o
fora, não posso programar o próximo passo.

Dou dois tapinhas no ombro dele, demonstrando


uma compaixão que sou incapaz de sentir.
— Então o jeito é pedir a Deus para proteger sua
namorada e ter fé, meu amigo. Por que não vai pra casa,
toma um banho, come alguma coisa e tenta descansar um
pouco? Se a Jurema estiver enfrentando algum problema,
você tem que ficar bem para ajudá-la. — Forço um
sorriso. — Não somos apenas vizinhos. Somo amigos.
Avise se ela entrar em contato.

Mais sutil, impossível.

Ele entende o recado, Claudia finge que não, mas


quando aviso que vou subir, ela diz que precisa preparar o
material para a nossa sessão de amanhã, se despede e
finalmente some da minha frente.

— Muito estranho esse sumiço da Jurema — Laura


comenta, trancando a porta.

— Não vejo nada de estranho. — Vou para a


cozinha, esperando que ela venha atrás de mim.

— Você ouviu o
Rogério, ela
nunca fez isso.
Estou
preocupada.

Abro a garrafa de vinho, sirvo uma taça e coloco em


cima da mesa. Laura franze a testa, desconfiada da minha
cordialidade. Porém não recusa a bebida.

— Se prestasse mais atenção ao que acontece à sua


volta, saberia que as pessoas não são o que aparentam.
Ela bebe tudo de uma vez, larga a peça de cristal
dentro da pia e fala antes de sair batendo o pé como uma
criança birrenta:

— Não sou desatenta. Apenas me finjo de morta


para comer o coveiro. Eu conheço a amiga que tenho,
mas pelo visto você não me conhece e achou que iria me
irritar deixando a Claudia acreditar que está interessado.
Quer transar com ela pra se vingar de mim? Fique à
vontade. Como você mesmo disse, é bom se engasgar
com a gema do ovo de vez em quando para valorizar a
textura da picanha. Mas tome cuidado para não morrer
engasgado, querido.

Uma mulher que busca no álcool o refúgio para se


esconder dos problemas, é a presa perfeita para um
caçador como eu.

Meus olhos sobem até o


relógio de parede.
Dez minutos é o tempo que preciso esperar para ter a
casa livre para mim, até o dia amanhecer.

Com a quantidade de ansiolítico que misturei no


vinho, Laura só precisava de um gole para dormir como
uma pedra. Uma taça vai levar minha esposa piranha para
um longo passeio, com direito a sonambulismo e ciririca
madrugada à fora.

Com certeza será um ótimo


passatempo.

Pena que estarei ocupado cuidando da ratinha, caso


contrário, eu até poderia apreciar o espetáculo.

Subo apressado para o segundo andar, ávido para me


encaixar atrás de Elisa e sentir seu corpo junto ao meu.

Odeio essa possessividade que me faz querer


arrancar a pele dela com ferro a vapor, mas a cada dia que
passa sinto que está mais difícil controlá- la.

Passo direto pelo meu


quarto, rápido como um
foguete.

Raiva, tesão, desprezo,


necessidade.

Estou a ponto de entrar em combustão quando paro à


frente da última porta do corredor, mas no exato
momento em que giro a maçaneta e a encontro trancada,
o sentimento se transforma.
E tudo que era fogo,
congela.
Peço licença baixinho e me levanto. Dona Laura sorri para mim, seu Dante e sua
amante fingem que não escutam.

Subo para o meu quarto com raiva e magoada. Não entendo por que ele faz essas
coisas, por que me trata desse jeito, e estou muito cansada para tentar entender.

Tiro a roupa e visto uma das camisolas velhas de Lindalva. É preta, transparente e
curta, mas gosto do tecido molinho que não pinica.

Antes de me deitar, abro a janela e olho para o céu estrelado, sentindo um aperto no
peito que não sei explicar. Minha cabeça nunca esteve tão confusa. Meu corpo jamais foi
tão exigente.

Chego à conclusão de que não estava preparada para viver a intensidade dos últimos
dias. Mesmo com todos os problemas que enfrentava em Canteiros, sabia que Lindalva
estaria me esperando quando voltasse para casa.

Ela não me ajudava em nada, só falava comigo quando estava bêbada ou drogada, e
preferia a companhia do seu cliente mais estúpido que a minha.

Mas estava lá.

Hoje não tenho ninguém me esperando, sequer tenho uma casa, e o medo da solidão
só não é maior que o de me acostumar com ela.

De gostar de estar sozinha.

Inspiro profundamente com os olhos fechados, antes de fazer o que há muito tempo
não faço.

Eu rezo, pedindo a Deus que ilumine meu caminho.


Que em meio aos espinhos,
o Senhor me encante com
uma flor. Durante a forte
tempestade, me ampare
com um abraço amigo. Na
escuridão opressiva, me
abençoe com o brilho de
um sorriso.
E quando o mal disfarçado de amor tentar me
seduzir, me proteja com as asas de um anjo vingador.

Amém.

Sento na beirada da cama, em dúvida. Minha mente


ordena que eu tranque a porta, enquanto meu coração e
meu corpo exigem que a deixe aberta. Por fim, escolho
ser racional, giro a chave e apago a luz.

Viro de um lado para o


outro, inquieta, aflita.

Ouço a voz rouca sussurrando em meu ouvido, não


com ódio ou repulsa, mas com pesar, à beira do lamento.

Por favor, ratinha, não me


abandone. Volta pra mim.

O calor dos braços do seu Dante aquece meu corpo


friorento, embalando, beijando, acolhendo.

Eu tentei te expulsar da minha casa, da minha vida.


Fiz tudo que estava ao meu alcance pra te afastar. Mas
não adiantou…Você ficou por me querer. Por querer
montar no meu pau tão forte quanto eu quero arrombar a
sua bocetinha virgem.

O toque, o abraço, o
carinho.

Não vejo nada, mas sinto


absolutamente tudo.

Não vou deixar você me


abandonar, como a Tônia
abandonou.

Desperto num sobressalto e sento na cama,


desorientada, sem saber se estava sonhando ou delirando.
Ainda estou mergulhada no torpor quando a porta trepida,
vítima dos socos do seu Dante.

— Eu preciso falar com você, Elisa. Se não abrir,


vou derrubar essa merda! — Fecho os olhos, levando a
mão ao peito.
Era ele.

— Dez segundos e a vizinhança inteira vai saber


que esperei minha esposa dormir para foder a empregada.

Não era sonho nem delírio. Eram lembranças da


noite passada. Seu Dante estava comigo, cuidando de
mim.

O homem que rosna no corredor como um animal


selvagem e indomável, é o mesmo que revelou que me
quer e não vai permitir que eu o deixe, quando acreditou
que não podia ser ouvido.

A contagem termina, mas em vez de invadir meu


quarto sem permissão, ele murmura inflando meu peito.

— Eu sei que você está acordada, ratinha. Abre a


porta e me deixa entrar, por favor.

Meu coração bate tão rápido, que minhas pernas


bambeiam logo que firmo os pés no chão e me levanto.

— Se é assim que
você quer, é
assim que vai
ser…

Quero correr, porém não consigo. Meus passos até a


porta são lentos, cambaleantes, curtos, incertos.

— Vou me afastar e te deixar em paz. — Estremeço


com o tremor na voz dele.
Um calafrio corta minha coluna da base até a nuca,
no instante em que o tilintar da chave invade meu ouvido.

Meus seios pesam, os


mamilos intumescem.

Giro a fechadura.

A calcinha umedece.

Abro a porta.

O ar foge dos meus pulmões, quando o olhar do seu


Dante cativa o meu, estreito e colérico.

Desce pelo meu corpo,


lascivo, indecente.
Encontra o meu outra vez,
luxurioso, cruel. Então ele
avança, me ergue e me joga
na cama. Eu não resisto,
permito e me entrego.
Selando meu destino para
sempre.
Bato na porta, possesso, possuído pela besta furiosa, ovacionado pelos demônios que
preceituam a dor mais profunda que Elisa já sentiu.

Sei que ela quer abrir, mas não abre, e sua recusa transforma minha vontade em
necessidade urgente.

O que eu estava disposto a permitir que ela me desse espontaneamente, agora irei tomar
a qualquer custo. A ratinha acaba de cometer o maior erro da sua vida e vou garantir que seja
o último.

Inverto o jogo, armando a defesa em vez de preparar o ataque.

Reforçar a insegurança de uma mulher é a melhor forma de torná-la dependente de um


homem.

Sussurrando derrotado, finjo desolamento para ofuscar a cólera e fazer Elisa acreditar
que tem o poder. Que a escolha é dela.

— Se é assim que você quer, é assim que vai ser. Vou me afastar e te deixar em paz.

Nem em um milhão de anos essa garota insossa se recusará a ser minha. Ela passou a
me pertencer no momento em que tocou a campainha e se ofereceu para mim.

Estou a um segundo de desmontar a fechadura e invadir o quarto, quando o barulho da


chave ativa uma corrente elétrica de alta voltagem em minhas veias.

Furor borbulhante me incita, consome.

Endureço, engrosso, alucinado para invadir e pegar o que é


meu A porta se abre. Elisa aparece para mim e… Caralho!
Meu olhar bebe a visão do corpo miúdo coberto por
um paninho preto decadente, surrado por excesso de uso,
em discordância da ratinha que o veste e nunca foi usada.

Até agora.

Não falo, não pergunto, não peço. Apenas ataco a


putinha, pegando-a no colo e jogando-a na cama. Caio
com o meu corpo sobre o dela e seguro seus pulsos,
prendendo-os no colchão.

Seus braços estendidos acima da cabeça a tornam


minha refém. Meus joelhos forçam suas pernas para fora
e me encaixo entre elas, para foder Elisa a seco.

— Quando eu der uma ordem, obedeça — rosno na


cara dela e giro os quadris, moendo sua boceta. — Você é
uma cadela de rua, se eu mandar sentar, senta. Não
discuta. Não me contrarie. Não me desafie.

Abaixo a cabeça e capturo


o seio com a boca por cima
do tecido fino.
A ratinha morde o lábio inferior para não gemer.

— Grita! —
Mordo o mamilo
de leve para testá-
la.

Ela vira a cabeça para o


lado, espreme os olhos
fechados e geme.
— Grita! — Meus dentes aumentam a pressão ao
redor do biquinho. Seu choramingo é mais alto, mas não
o suficiente. — Eu mandei gritar, porra!

Agora a mordida é canina, não oferecendo outra


opção para Elisa, além de extravasar sua dor. O berro
ecoa pelo quarto, servindo de aquecimento para a besta.

— Me abraça
com as pernas. —
Meu tom
autoritário a
assusta.

Parto para o outro seio, sem ter que repetir. Mesmo


assim, mordo com força, me deliciando com o guinchado
agudo que ela solta.

— Quantos homens já tocaram nessa boceta? —


vocifero na sua boca e olho em seus olhos, enquanto
esfolo ao longo da sua carne delicada com o zíper da
calça.

Frente e trás, de um lado para o outro.


— Um. — Elisa tenta sustentar meu olhar, mas não
consegue. As pálpebras carregam o peso do prazer que
que dou a ela gratuitamente.

Por enquanto.

— Quantos já
sentiram o gosto
dela? — Beijo
seu pescoço.

— Um. — Seus calcanhares afundando na minha


pele justificam seu murmúrio sofrido.

Ela está chegando aonde


eu quero.

— Quantos paus já estiveram dentro dela? —


Contorno seu rosto com a ponta da língua.

— Nenhum, seu
Dante — Elisa
fala tão baixo que
mal escuto.

— Sabe por que você não deu a boceta pra


ninguém? — Não dou tempo para ela responder. — Sabe
por que seu pai mandou você me procurar? — Chupo
seus lábios, sob o seu olhar atento. — Sabe por que você
ficou aqui, mesmo quando eu te mandei embora? —
Minha língua escorrega por entre eles. — Sabe ou não
sabe?

Paro de me mover,
memorizando cada traço do
seu rosto jovem. Elisa faz
que não com a cabeça.
Garota tola. Perfeita.

Solto seus pulsos, prendo uma mecha de fios


castanhos atrás da sua orelha e deposito um beijo na sua
bochecha.

— Porque você nasceu para me amar. — Beijo o


outro lado. — Você nasceu para ser apenas minha. —
Beijo sua testa. — Porque seu corpo estava esperando
pelo meu. — Beijo seu queixo. — E essa boceta só queria
ser arrombada pelo meu pau.

Mergulho em sua boca,


devorando Elisa
impetuosamente.

Estou tão duro que poderia gozar nas calças, mas me


contenho. Mesmo que a ratinha ainda não esteja
apaixonada por mim, ela precisa acreditar que está.

Sou um homem de inteiros,


não de metades.
E dessa garota, vou aceitar tudo que ela me der,
tomar a força o que me negar e controlar a distância o que
não puder ter.

O gatuno está pronto para


prender a ratinha na sua
ratoeira. Começando em 3,
2, 1…
A força, a intensidade, o prazer, as
palavras.

Seu Dante consegue ir do romântico apaixonado para o


controlador cruel em questão de segundos. Sua personalidade
versátil me deixa tonta, confunde meu cérebro e incinera meu corpo.

Nunca me apaixonei, nem sabia se um dia seria capaz de me


apaixonar, mas admito que o que eu acreditava ser o amor, não se
parece em nada com o que sinto pelo marido da dona Laura.

Sempre imaginei que amar é como navegar em mar calmo,


onde os riscos de naufragar são os mesmos dos que os que navegam
em mar revolto, mas a felicidade de estar com quem se ama,
transforma as correntes de retorno em marolas inofensivas.

Quando penso em amor, penso em calmaria, não em tumulto.


Em cumplicidade, não em intransigência. Em abrigo, não em
desamparo. Em harmonia, não em desiquilíbrio. Em confiança, não
em incerteza.

No entanto, o que eu sei?


Apenas que o homem em cima de mim acalenta meu
coração dizendo que nasci para amá-lo e ser apenas dele,
ao mesmo tempo que domina meu corpo e me nomeia sua
posse.

Enalteço os prós e relevo os contras, pois o meu


maior sonho é provar o sabor do pertencimento.

Ser o único amor do


homem que também é o
meu.

Seu Dante me beija, invadindo minha boca com sua


língua impiedosa, enquanto escorrega as alças da
camisola pelos meus braços e a puxa para baixo, me
deixando de calcinha.

— Vou te chupar, você vai gozar na minha boca e


ficar bem molhadinha pra levar meu pau pela primeira
vez. — Meu corpo retesa. — Faz muito tempo que não
fodo uma virgenzinha, mas prometo que vou ser
cuidadoso e meter devagar.

Seu Dante está tão concentrado em cumprir sua


promessa que nem percebe o quanto a forma grosseira
com que fala me machuca. Não pela vulgaridade, ou
aspereza, mas pela indiferença.

Como se ser virgem fosse


motivo de piada.

Quero contestar, perguntar se minha impressão está


certa, no entanto, ele já tem um seio na boca, uma mão
beliscando o mamilo do outro e os dedos da mão livre no
meio das minhas pernas.
Os pensamentos são dizimados pelas sensações
arrebatadoras que nublam minha mente.

Seu Dante desliza para baixo do meu corpo e se


ajoelha no chão quando suas pernas caem para fora da
cama.

Ele segura meus tornozelos e me puxa na direção


dele, com as pernas abertas. Seu olhar de fascínio preso
na minha intimidade faz meu ventre contrair, mas é
quando sua língua chicoteia meu clitóris ao mesmo tempo
que um dedo me invade, que a realidade me atinge.

Minha primeira vez vai ser


com um homem casado.

— Não! — falo
alto, claro,
exasperada.
Seu Dante não para de me chupar nem de me
penetrar com seu dedo, mas seus olhos se levantam até os
meus.

— O senhor é casado. — Aponto para a porta do


quarto, só então me dando conta de que está aberta. —
Não posso fazer isso, por favor.

Meio segundo depois, a


boca dele está na minha de
novo.

O beijo é tão voraz que fico sem ar. Ele se afasta e


sussurra, tirando a camisa com pressa.

— Eu te amo, ratinha. E sei que você também me


ama. — Volta a me beijar, ainda mais tempestuoso que
antes. — Esquece a Laura. Esquece tudo. Seu mundo
agora sou eu.

Seu Dante tira a calça junto com a cueca, expondo


seu membro ereto, grosso, muito duro. Não consigo parar
de olhar.

— Isso, minha putinha. — Sua mão envolve a carne


endurecida e começa a masturbá-la. Um sorriso perverso
brilha em seus lábios. — Não minta para você mesma e
admita que quer o meu pau.

Ele apoia um joelho no


colchão. Engulo seco.

— Você me quer
enterrado na sua
boceta, Elisa.
Apoia o outro joelho e se
curva para frente. Meu
coração dispara.

— Você me ama
como eu te amo.

Seu corpo cobre o meu, com a cabeça melada


posicionada na minha abertura, seu peito prensa meus
seios, seus olhos trancam os meus e sua boca murmura na
minha:

— Você se deu
pra mim quando
apareceu na porta
da minha casa.

Seu Dante apoia os cotovelos ao lado da minha


cabeça e me beija bem devagar, forçando sua passagem.
A dor me aterroriza. Tento afastá-lo, mas o beijo se torna
áspero, necessitado, e eu me perco.

Ele escorrega mais alguns


centímetros. Choramingo,
me sentindo ser rasgada ao
meio.
Cada vez que seu meu membro desliza para fora,
volta mais com força, me abrindo, alargando,
conquistando espaço dentro de mim. O que torna a dor
tão insuportável que as lágrimas banham minhas
bochechas. Nem os olhos consigo fechar.

— Shh, relaxa.
Vai melhorar,
confia em mim.

Seu Dante me silencia novamente com um beijo


enquanto segue sua jornada para tirar minha virgindade,
gemendo, puxando meu cabelo, mordendo meu lábio.

A testa franzida e o olhar apertado, enfatizam a


expressão zangada que me aterroriza.

Não sei por quanto tempo ele se controla, mas posso


sentir a tensão em seus músculos no instante em que a
necessidade de se satisfazer, supera sua preocupação
comigo.

Seu Dante interrompe o beijo, para de se mexer e


seca meu rosto com as costas da mão. Solto o ar, aliviada,
grata por sua compreensão, ao menos até ele dizer:

— Preciso tomar o que é meu ou eu vou te matar.


Então seja uma ratinha boazinha e abre essa boceta pra
mim.

Sua mão cobre a minha boca no exato momento em


que ele arremete com um único golpe, intolerante, brutal,
implacável, e faz exatamente o disse que faria.
Toma o que é dele, me
alarga, preenche, possui.

— Merda! A
boceta mais
apertada que eu já
comi.

Sua expressão é de puro contentamento, conforme


seu membro entra e sai, uma vez e outra, cada vez mais
rápido.

Os olhos, agora fechados, não permitem que ele veja


minhas mãos agarradas no lençol, meus olhos embaçados,
nem que estou tão anestesiada pela dor, que não sinto
prazer algum.

— Vou te foder tanto, Elisa. Se eu soubesse que era


tão gostosa, não teria trepado com a Claudia.
Sua mão libera minha boca para acariciar meu seio
ferido, sem nem por um segundo parar de me penetrar.

— Ratinha quente, apertada e molhadinha. — Ele


rodopia a língua sobre o mamilo. — Só minha pra fazer o
que eu quiser.

Seu Dante me beija, me elogia e diz que me ama.


Retribuo o beijo, mas não falo nada. Pois não sei como
me sinto.

E tenho medo descobrir.


Não consigo parar de meter. Não posso. Não quero.

Elisa tem uma boceta que deixaria qualquer cabrunco de Morada do Sol com os quatro
pneus arriados, tombado aos pés da garota cafona.

Diminuo o ritmo, beijando seus lábios salgados pelas lágrimas.

— Eu sei que está sentindo dor, mas a primeira vez é assim mesmo — falo em seu
ouvido, girando os quadris com meu pau enterrado dentro dela.
— Quando passar, vai me implorar pra te comer como todas as vadias imploram. — Ela
fecha os olhos.

Escorrego para fora e acomodo a grossura entre os lábios da sua boceta, congelando por
alguns segundos ao notar a gosma vermelha encapando meu pau.

Sangue. Dela.

A prova incontestável de que sou o primeiro.

E serei o único.

O sentimento primitivo de posse me invade, ameaçando me destituir do controle das


minhas emoções, mas não vou permitir que isso aconteça outra vez. Não agora.

Nem nunca!

Levanto meu olhar para o da ratinha e acabo golpeado de novo, agora pela tristeza que
vejo nele. Enxoto a merda que está à espreita, aguardando ansiosamente por um mísero
vacilo para atrapalhar meus planos, e foco no que realmente importa.

Para mim, para os demônios e, especialmente, para a besta.


Preciso provar que estou dizendo a verdade e o
único jeito de distrair Elisa da porra da dor, idolatrar o
meu pau e pingar onde quer que esteja sempre que ouvir
meu nome, farejar meu cheiro ou pensar em mim, é
fazendo a cachorra gozar.

— Me abraça —
ordeno, roçando
minha rola em
seu clitóris.

Ela envolve meu pescoço com os braços, ofegando


pela primeira vez desde que entrei nela. Puxo seu cabelo
para trás, expondo seu pescoço, e provo sua pele suada
com a língua, enquanto presto atendimento VIP ao seu
grelinho.

Indo, vindo, girando,


espremendo.

— Relaxa, ratinha. Deixa eu te mostrar como é bom


levar meu pau na boceta.

Puxo os fios castanhos com mais força, apoio os


joelhos no colchão e abocanho seu peitinho. Ela geme
alto, agora de prazer.

É difícil admitir, mas a verdade é que essa garota


conseguiu a proeza de superar a Tônia só abrindo as
pernas. Não quero nem pensar no quão gostosa ela ficará
quando parar de fazer manha e aprender tudo que
pretendo ensinar para ela.

Meu pau vai viver esfolado


e vou morrer de tanto
trepar.

Já sinto falta de estar dentro dela, mas antes de


colocar Elisa de quatro e comê-la por trás, desço por sua
barriga até ficar cara a cara com a minha mais nova
aquisição.

Devoro seu clitóris e levo a Ratinha à loucura,


enfiando um dedo nela. Elisa endoida, se contorce como
uma lagarta libertina, agarra meus cabelos e ergue a
bunda, me deixando ainda mais encantado por ela.

— Eu vou… —
Sua voz falha.

— Goza, putinha
— incentivo,
maravilhado com
o seu gosto.

Quando ela se derrama na minha boca chamando


meu nome, sei que o orgasmo abrandou sua tensão. Sem
perder tempo, aproveito seu estado de torpor para girar
seu corpo e deslizar em seu canal estreito.
As lamúrias chorosas de Elisa comprovam que ela
gosta de ser fodida assim. Enrolo um punhado do seu
cabelo na mão, acerto um tapa na sua bunda e me inclino
para rosnar em seu ouvido:

— Parou de chorar, putinha? — Tiro devagar e entro


rápido. Ela dá um gritinho. — Não está mais doendo a
bocetinha? — Puxo ainda mais lento e empurro com tanta
força, que Elisa dá um tranco para frente. — Quer que eu
pare de te foder?

Outro tapa, outra estocada violenta, outro grunhido


excitado da ratinha.

— Responde! — Colo meu peito nas suas costas,


brinco com seu clitóris e começo a comer safada do jeito
que eu gosto, bradando no seu ouvido. — Quer que eu
pare?

— Não, seu
Dante!

Entro e saio

— Quer meu pau


só pra você?

Forte, fundo.

— Sim! Sim!

Dentro e fora.
— Implora,
putinha.

Rápido, duro.

— Por favor… —
Prendo o grelinho
entre meus dedos.

Empurro e enterro.

— Por favor, o
quê?

Sua boceta me engole,


apertada, quentinha.

Elisa hesita, mas responde:

— Por favor, seu Dante. Me


fode com o seu pau. CA.
RA. LHO!
Empurro a putinha para baixo com a cabeça
pressionada no colchão. Abro sua bunda com a mão livre
e me deleito com a visão da sua boceta me engolindo até
as bolas.

O prazer surreal satisfaz meu corpo, mas a besta está


impaciente e exige sua própria satisfação, me alertando
do risco que estou correndo.

Se não arrumar uma nova cobaia depressa, ela


destruirá a ratinha sem a minha permissão, exatamente
como fez com Tônia.

Elisa goza de novo. Eu


gozo logo em seguida.

Ela se conchega em mim, deita a cabeça no meu


peito, abraça minha cintura e pega no sono com um
pequeno sorriso adornando seu rosto. Meu cansaço beira
à exaustão.

Tenho que dormir e não quero largar a ratinha, mas


assim que sua respiração se acalma, me obrigo a recolher
minhas roupas e sair do quarto sem sequer olhar para a
garota em cima da cama.

Não posso confundir as


coisas.

Elisa é jovem, inexperiente e tem a boceta mais


sensacional que já provei, entretanto, é como todas as
outras vadias que usei para poupar a única mulher que
amei.
Tônia reivindicou meu
amor quando ainda era
menina.

Eu jurei que para sempre seria dela e ninguém


jamais roubaria o seu lugar no meu coração, nem mesmo
depois da sua morte.

O problema é que nenhum de nós imaginava que ela


me deixaria tão cedo. Entretanto não importa, pois eu só
disse que amava Elisa porque estava puto da vida, louco
de tesão e diria qualquer merda para poder comer sua
boceta.

Mais uma, entre tantas mentiras que já contei, e


outras tantas que ainda irei contar.

Tudo para atingir meu


objetivo. Tudo por uma boa
diversão.
Tomo um demorado banho de banheira para relaxar
e colocar os pensamentos em ordem.

Entro no meu quarto uma hora depois, deito na


minha cama e me forço a dormir ao lado da minha
esposa, alegando que aqui é o lugar mais seguro para a
besta, onde não vou acordar a cada cinco minutos de pau
duro querendo me enfiar na doce boceta da ratinha,
tampouco querer dormir de conchinha com Laura.

É o que repito para mim


mesmo até me render ao
sono.

Um invejável mentiroso,
esse sou eu.
Já estou acordada encarando o teto quando o despertador
toca.

Sinto uma forte ardência no meio das pernas, assim que me levanto para ir ao
banheiro. Meus seios fritam sob a ducha morna.

Mas o incômodo físico nem se compara ao que carrego no


peito.

A sensação de ter sido usada e descartada após o uso, só não me abate totalmente
por conta do que seu Dante fez depois de ter me penetrado, mesmo sabendo que eu não
queria.

Ele disse a verdade ao afirmar que quando a dor passasse eu iria gostar de tê-lo
dentro de mim, e fez questão de provar na prática que a sua teoria estava correta.

De fato, eu gostei.

Muito mais do que imaginei que pudesse gostar.

Ainda assim, preferir fingir que dormia apenas para não ter que perguntar o motivo
de ele ir embora sem sequer se despedir, com medo de saber a resposta, alimenta a dúvida
que se enraizou na minha cabeça.

Quem estava dizendo a verdade: seus olhos ou suas ações?

Pois nada do que seu Dante fez combinava com o que vi no brilho do seu olhar,
desde que abri a porta do quarto e permiti que ele entrasse. No entanto, não posso
descartar a outra alternativa, mesmo que embrulhe meu estômago.

Será que tudo não passou de uma grande mentira só para me convencer a deitar
com ele?

A simples hipótese faz meu sangue gelar.


Não gosto nem de pensar que seu Dante seria capaz
de fazer uma coisa dessas, sendo que ele pode deitar com
qualquer mulher da cidade, como a própria dona Laura
afirmou para sua amiga da onça.

Visto a mesma saia e blusa que estava vestindo


ontem e vou para a cozinha. Combinei com a enfermeira
de ir ao hospital às nove horas para realizar os exames
que o doutor Gonçalo pediu. Ainda são seis e meia, então
tenho tempo de adiantar o serviço até minha patroa
acordar.

Saio do quarto me
perguntando onde seu
Dante passou a noite.

Atacada pela curiosidade quando vejo que a porta do


quarto que ele divide com a esposa está fechada, dou uma
espiada no outro quarto de hóspedes, que fica de frente
para o meu.

Mas além de vazio, o lençol sobre a cama de solteiro


não tem um amassadinho. Seu Dante não esteve nesse
cômodo.

O único lugar que resta é o sofá, porém quando


desço a escada confirmo que meu patrão não se refugiou
aqui embaixo. Um aperto no peito me faz olhar para o
topo da escada.

Obviamente ele preferiu dormir com a esposa do que


com a empregada, mesmo depois de tirar minha
virgindade. Meus olhos embaçam por causa das lágrimas
que se aglomeram neles, mas inspiro profundamente e me
recuso a chorar.
Sigo até a cozinha para preparar o café e minha
dúvida é esclarecida assim que vejo a taça de cristal
dentro da pia.

Dona Laura sempre bebe vinho antes de ir dormir,


por isso seu Dante disse para eu não me preocupar com
ela quando falei que não queria continuar.

Esquece a Laura. Esquece


tudo. Seu mundo agora sou
eu.

Como pude acreditar que um homem como ele se


apaixonaria em poucos dias por uma mulher como eu,
ainda mais tendo uma esposa como ela e amantes como
Claudia e Jurema?

Burra!
Seu Dante sabia que dona Laura não nos ouviria e
voltou para o seu quarto para ela não desconfiar de nada,
caso acordasse no meio da noite e não encontrasse o
marido na cama.

Mais uma evidência da mentira, pois ele não teria


me deixado sozinha se me amasse como afirmou mais de
uma vez.

Mil vezes burra!

Lavo a taça, confusa com tantos sentimentos em


conflito dentro mim. Coloco a água para ferver e começo
a separar a roupa para lavar, magoada por ter sido
enganada, mas, ao mesmo tempo, mais leve sem o peso
da culpa sobre meus ombros.

Quando seu Dante falou que me amava enquanto me


possuía, usei a desculpa da dor para não responder. Mas
bem lá no fundo da minha consciência, sei que o
verdadeiro motivo do meu silêncio não foi esse, e sim, a
incerteza do que sinto por ele.

Lindalva me ensinou desde cedo a diferença entre


tesão e amor. Ela se deitava por dinheiro, mas nem todos
os seus clientes eram somente cumprimento de dever.

Ainda que ela não


recusasse nenhum
pagamento.

Minha mãe sempre convidava seu Plínio para ir à


nossa casa quando a esposa dele, dona Clemilda, viajava
para ir visitar os pais no Vale do Ribeirinho.
Ela dizia que o dono da padaria de cinquenta e
poucos anos, tinha o melhor pinto de Canteiros e não
precisava de GPS para encontrar seu clitóris, coisa que a
maioria dos seus clientes não sabia onde ficava, nem se
preocupava em descobrir.

Em compensação, Lindalva
amou apenas uma vez na
vida.

Maurílio, seu marido taxista, que morreu num


acidente de carro aos vinte anos, seis meses depois de
eles fugirem para se casar. Ela tinha dezessete.

Vários homens vão dar prazer ao seu corpo, mas só


aquele que for especial, vai fazer seu coração gozar.
Tesão tem hora marcada pra acabar. Amor verdadeiro é
pra sempre, mesmo quando acaba.
Foi o que minha mãe respondeu, embriagada,
quando perguntei como ela soube que estava apaixonada
pelo Maurílio.

Lindalva começou a se prostituir quando se viu


sozinha no mundo, depois que o marido faleceu. O pai
dela não a aceitou de volta em sua cidade natal, e proibiu
a mãe e os irmãos de aceitarem. Nenhum deles sequer
ligou para saber se ela estava bem, ou viva.

Lembro que no dia em que foi diagnosticada com


câncer, Lindalva não chorou, nem ficou triste. Disse que
não temia a morte porque finalmente iria reencontrar seu
grande amor, deixando claro o grau de importância que
sua filha tinha para ela.

Pensar que minha mãe passou mais da metade da


vida se deitando com todos os tipos de homem, mas
nunca deixou de amar o marido, é o que me faz duvidar
se realmente amo o seu Dante como ele afirmou com
tanta convicção.

Eu gozei. Meu coração,


não.

Ligo a máquina, faço café fresquinho, varro a sala de


estar, o banheiro e a cozinha. Tiro a poeira dos móveis,
deixo os bifes descongelando para fritar no almoço,
penduro a roupa e já estou com o balde na mão, pronta
para lavar o quintal, quando olho para o relógio.

Oito e meia.

Não acredito que fiquei tão distraída com o serviço


que me esqueci completamente do horário dos exames.
No entanto, estranho dona Laura ainda não ter descido.

Será que perdeu a hora?

Ela se ofereceu para me acompanhar até o hospital,


mas de forma alguma vou bater no seu quarto para pedir
que me leve.

Do jeito que estou sem sorte, bem capaz de dar de


cara com seu Dante e a última coisa que preciso é ter que
lidar com aquele homem a essa hora da manhã.

Principalmente agora que


sei que ele mentiu.
Sou bem grandinha para encontrar o caminho sem a
ajuda da minha patroa. Sem contar que será bom sair de
casa e andar um pouco pelas ruas para conhecer melhor a
cidade.

Talvez até aproveite e dê uma passadinha na escola


para me informar sobre os documentos que preciso
apresentar para fazer minha matrícula e voltar a estudar
ano que vem.

Decidida a me beneficiar da escapada para tentar


colocar a cabeça no lugar, tomo um banho rápido, troco a
saia e a blusa por um vestido azul- marinho que ficava
muito apertado em Lindalva, e prendo o cabelo num
rabo-de-cavalo antes de calçar as rasteirinhas pretas.

Como não tenho uma bolsa bonita, enfio a carteira


de identidade por dentro do decote e a prendo na alça do
sutiã para não perder.

Deixo um bilhete para dona Laura em cima da mesa


de jantar, informando sobre a minha saída e avisando que
deixei café na garrafa térmica, as torradas estão no forno
e seus comprimidos na geladeira.

Estreito os olhos para a garagem quando não vejo o


carro do seu Dante ao lado do da dona Laura. Acho
esquisito e não faço a mínima ideia do que pode ter
acontecido, porém deixo para lá. Fiquei acordada a noite
inteira, se ele tivesse saído eu teria escutado.

Durante o trajeto até o hospital, encaro o céu azul e


faço a mesma oração que fiz ontem à noite, torcendo para
que o sol ajude a Deus a iluminar meu caminho, pois a
lua só o deixou mais sombrio do que costuma ser.
E já não sei se ainda
tenho força para
continuar andando na
escuridão.
— Bom dia — cumprimento a recepcionista que está de costas,
apoiando os cotovelos no balcão de atendimento.

Ela olha por sobre o ombro de cara feia, mas abre um sorriso
quando me vê. Espero que seja mais simpática que a atendente que
fez meu check- in ontem à noite, e não se importe de compartilhar
algumas informações sobre os moradores de Riacho Verde.

— Bom dia, em que posso ajudá-lo? — A ajeitada no decote


não me passa despercebida. Começamos bem.

— Juliano, prazer. —
Estendo a mão, que ela
segura sem hesitar.

— Marilyn, ao seu dispor. Meu sorriso


é espontâneo.
— Nome diferente.

— Minha mãe é fã da
Marilyn Monroe.
— Combina com
você. — Aponto
para o seu cabelo
loiro.

— Obrigada. — Ela não é feia, mas ficaria mais


bonita se não usasse tanta maquiagem.

— Você é daqui? — Não me culpo por perguntar


como se estivesse interessado. Realmente estou, mas não
nela, e sim, no que ela pode me contar de relevante sobre
o pastor.

Humberto Gutierrez é a minha ponte para chegar a


Daniel Bonavides e estou disposto a fazer qualquer coisa
para atravessá-la. Inclusive usar meu charme para cima
da Marilyn Monroe falsificada.

— Nasci em Riacho Verde. Conheço tudo. Se quiser


posso te mostrar uns lugares legais.

— É tão evidente que sou de fora? — Ela dá uma


risadinha e também apoia os cotovelos no balcão.

— Cidade do interior não guarda segredo. Todo


mundo conhece todo mundo, que sabe da vida de todo
mundo — cochicha, brincalhona.

— Devo me
preocupar? —
Ergo uma
sobrancelha,
preocupado.
Marilyn se inclina para frente, me dando uma bela
visão dos seus peitos. Aprecio como qualquer homem que
gosta de imaginar como eles ficariam ótimos na minha
boca enquanto ela cavalga no meu pau segurando na
cabeceira da cama.

— Só se estiver
escondendo
alguma coisa.

— Minha vida é um livro aberto — afirmo e subo


meus olhos até os dela, sorrindo de lado.

— Então está a
salvo.

— Vou confiar
em você. —
Pisco um olho.

— Pode confiar. Sou moça de família. — Ela


retribui a piscadela e começo a gostar da recepcionista.
— O que precisa?

— Moro em São Paulo e trabalho no setor de


pesquisas do Departamento de Polícia. Vou passar alguns
dias na cidade, colhendo
material para um curso que estou montando, mas não sei
ao certo por onde começar. Será que você poderia me dar
algumas dicas?

Não pretendo contar que sou detetive, porém não


posso esconder que trabalho na polícia ou não terei como
justificar o distintivo e a arma.

— O que eu vou
ganhar em troca?

— Depende. O
que você quer?

— Eu te ajudo
com a pesquisa e
você me leva para
jantar.

— Fechado —
falo prontamente.

— Jura? — Marilyn arregala os olhos, como se não


acreditasse que aceitei sua proposta.

— Posso te
contar um
segredo? — Imito
seu tom de voz.
Ela assente.
— Eu te levaria para jantar mesmo se não me
ajudasse.

Seu sorriso largo me diz que o que começou bom,


acaba de ficar muito melhor.
— Sobre o que é
a sua pesquisa?

— A influência
da fé na vida das
pessoas.

— Você vai
encontrar tudo
que precisa na
igreja Alvorada.

— É a única igreja da cidade? — Sei que tem outras,


mas quanto mais detalhes Marilyn me der, melhor.

— Não.

— Por que você


acha que lá é o
melhor lugar para
eu começar?

— Alvorada não é só uma igreja. É um templo de


oração. Foi construída na década de trinta por Nuno
Gutierrez, a pedido da esposa, Agnes. Por ano, cerca de
cem mil evangélicos de todo o país visitam Riacho Verde
para conhecer o pastor Humberto. Ele inovou a maneira
de disseminar a Palavra e se tornou um ícone religioso.

— Uau! O que
mais pode me
falar sobre o
pastor?
Tiro meu bloco de notas do bolso traseiro da calça e
faço várias anotações, à medida que Marilyn desembesta
a falar.

Uma hora mais tarde, sei que a senhora Celeste


Delfin Gutierrez, tinha dezesseis anos quando se casou
com Humberto. Laura, única filha do casal, por pouco
não seguiu os passos da mãe. Aos trinta e nove anos, é
casada há quinze com Dante Boaventura, o faz-tudo da
cidade, com quem namorou por um bom tempo antes de
oficializar a união.

Além de pastor, Humberto é dono da Nossa Casa,


maior construtora da região; presidente da Riacho-Habit,
Cooperativa de Infraestrutura formada por trinta
empresários locais; assessor do prefeito; e conselheiro
espiritual.

Segundo Marilyn, é impossível fazer qualquer


referência à Riacho Verde sem mencionar o sobrenome
Gutierrez, pois geração após geração, a família se dedica
ao crescimento socioeconômico da cidade, em busca de
uma comunidade justa e igualitária.

É impressionante o quanto a carência de esperança


induz cidadãos de bem a acreditarem cegamente em
homens como Humberto.

Mesmo sem conhecer o pastor, não tenho a menor


dúvida de que a máscara de herói anônimo,
desinteressado no reconhecimento público, foi criada com
o único objetivo de manipular a crença religiosa dos fiéis
de acordo com os seus interesses pessoais.

No entanto, não estou aqui para investigar a vida de


Humberto, e sim, usar a influência dele para descobrir
quem encomendou a morte de João Camargo. Qualquer
descoberta além dessa, receberei como bônus.

Perto das nove da manhã, estaciono o carro alugado


em frente ao hospital, onde combinei de encontrar o
“garoto do almoxarifado”.

Ele foi contratado recentemente e concordou em


ceder sua sala e seu computador, em troca de alguns
quilos de maconha para consumo próprio.

Uma das vantagens de estar afastado do


Departamento, é poder usar os meios legais para praticar
atos ilegais. Bastou apenas um telefonema para conseguir
seu contato em um site de vendas.

Minha intuição me diz que se ele não amarelar e


desistir de aparecer, esse não será o único acordo que
faremos.
— Bom dia, eu vim fazer os exames que o doutor Gonçalo pediu — falo para a
atendente, por baixo da divisória de vidro.

— Nome? — ela pergunta sem tirar os olhos do


computador.

— Elisa Soares.

— A senhora agendou?

— Não.

Antes que eu possa explicar, a mulher empurra um folheto na minha direção e


aponta a saída.

— O telefone para agendamento está na última página. Horário de atendimento, de


segunda à sexta, das sete às dezoito.

Empurro o folheto de volta para ela.

— A enfermeira Rosângela me disse que eu podia vir a qualquer hora no período da


manhã.

— A Rosângela disse isso?

— Pode perguntar pra ela, se quiser.

— Só um minuto.

A mal-educada tira o telefone do gancho, disca o número zero e fala baixinho com a
pessoa do outro lado da linha por alguns segundos, antes de desligar.

Fico esperando que se desculpe ou pelo menos me diga se poderei fazer os exames,
mas ela apenas digita depressa, me entrega uma folha que imprimiu e resmunga sem me
encarar:
— Segundo andar, primeira sala à esquerda. A Rô já
está esperando a senhora.

Não sou burra.

Notei que o hospital é para gente rica assim que


dobrei a esquina e vi o prédio chique de cinco andares,
assim como sei que a minha roupa não combina com a
recepção pomposa, meu sapato é quase um insulto ao
piso de granito e ela só está me tratando com desdém
porque não sou da cidade e estou sozinha.

Duvido que alguém teria coragem de me


desrespeitar dessa forma se a dona Laura estivesse
comigo.

Estou com os nervos à flor da pele e tão


descontrolada que começo a chorar. A recepcionista se
assusta com a minha reação e pergunta o que aconteceu.

Eu a encaro, com as palavras venenosas na ponta da


língua, mas me sinto esgotada até para dizer para alguém
que não conheço, que independentemente da quantidade
de dinheiro que ela tenha, no final, a cova dela terá a
mesma profundidade que a minha.

Então pego a folha, giro nos calcanhares e caminho


até o elevador, porém decido subir pela escada de
emergência quando percebo que as pessoas estão me
encarando.

Nunca fui melindrosa para essas coisas e fico


constrangida por receber tanta atenção quando o que mais
quero é me tornar invisível.
Cresci sendo excluída, xingada e caluniada por conta
das escolhas dos meus pais, estou mais que familiarizada
com o destrato, por isso não entendo por que me permiti
ser afetada desse jeito.

Não tenho pressa para subir os degraus, diferente da


pessoa que desce correndo e esbarra em mim na curva do
primeiro para o segundo andar, com tanta força que eu
caio de bunda chão.

— Ah, caramba!
Não vi você. Me
desculpa.

Olho para cima,


reconhecendo a voz no
segundo que a escuto.

— Fico mais tranquila em saber que não está


querendo me matar — brinco, aceitando a ajuda de Kevin
para me levantar.
— Elisa? O que
está fazendo
aqui?

— Vim fazer uns


exames. E você?

Ele passa a mão no cabelo,


parecendo nervoso.

— Eu trabalho aqui. Limpo


as mãos no vestido.
— Não sabia que
você já
trabalhava.

— Comecei há
pouco tempo.
Estou no período
de experiência.

— Você quer ser


médico?

Kevin gargalha.

— Não. Fico enjoado só de sentir cheiro de sangue.


Acho que não daria muito certo.

— O que você
faz?

— Trabalho no almoxarifado. — Ele inclina a


cabeça, com os olhos estreitos. — Você estava chorando?
— Não. —
Encaro meus pés.

— Elisa — Kevin levanta meu queixo, me forçando


a encará-lo. — O que aconteceu?

— Nada. Bobeira
minha.

— Nenhuma garota chora


por bobeira. Agora quem
gargalha sou eu.
— Garotas
choram por
qualquer bobeira,
Kevin.

— É, acho que tem razão. — Ele faz uma careta


engraçada, tira o celular do bolso do jaleco branco e dá
um tapa na testa. — Droga! Tô atrasado. Tchau, Elisa.

Kevin passa por mim e já


está descendo os primeiros
degraus quando
falo:
— Tchau. Manda
um beijo pra
Jurema.

Ele para, olha para trás e


fala:

— Não está
sabendo?

— Sabendo o
quê? — Franzo a
testa, confusa.

— Faz dois dias


que a Jurema não
aparece em casa.

— Onde ela está?

— Ninguém sabe. Meu pai acha que aconteceu


alguma coisa, mas as fofoqueiras de plantão já
espalharam que ela fugiu com o amante.

Levo a mão ao peito,


lembrando da vizinha
chupando seu Dante.

— Amante?

— Um
empreiteiro de
Água Santa cheio
da grana.
— Você acha que
ela fugiu?

— Não. Eu sei que a Jurema não era nenhuma santa,


mas ela não faria uma coisa dessas com o meu pai, nem
comigo. — Ele encara o telefone novamente, e volta a
descer. — Tenho que ir, mais tarde a gente se fala.

Tento não pensar na vizinha desaparecida, quando a


Rosângela amarra a borrachinha no meu braço, espeta
uma agulha fina na minha veia e enche três tubinhos de
sangue, mas é impossível.

Nem quando a enfermeira manda eu fazer xixi no


potinho, ou me leva para fazer Raio-X do pulmão, do
tórax e da cabeça, penso em outra coisa que não seja a
vizinha.

No entanto, no momento em que ela avisa que vai


chamar a ginecologista que fará a colposcopia, manda eu
tirar a roupa e vestir o avental que está no banheiro,
apenas uma coisa vem à minha cabeça:

Seu Dante.

Se fizer esse exame, a médica vai saber que fiz sexo


e, mais cedo ou mais tarde, dona Laura também.
Como vou explicar que perdi minha virgindade no
mesmo dia que ela me encontrou desmaiada, e sentiu
cheiro de esperma em mim?

Não posso deixar que isso


aconteça.

Entro em pânico, me sentindo claustrofóbica, como


se a sala estivesse encolhendo, se fechando comigo ali
dentro.

Aterrorizada, abro a porta e saio em disparada sem


saber para onde estou indo, mas quando estou a cinco
passos da escada, vejo Rosângela vindo na direção
contrária, ao lado de uma mulher tão alta quanto uma
girafa.

Meu coração bate tão rápido que não mal respirar.


Minhas mãos tremem, minhas pernas cambaleiam, suor
escorre pela minha testa.

Abro a primeira porta que encontro, numa tentativa


desesperada de ficar escondida até encontrar um jeito de
sair do hospital sem ser vista e inventar uma desculpa
convincente para explicar a minha fuga.

Entretanto, me choco contra uma parede de


músculos e me desiquilibro, como um castigo por todas
as minhas decisões ruins.

E intenções ainda piores.


Dou um soco no volante e recosto no banco, encarando o celular.

Não acredito que ele vai dar pra trás. Merda!

Envio a segunda mensagem para o meu contato. Novamente ele visualiza, mas não
responde. Decido esperar dez minutos.

Se ele não aparecer, terei que encontrar outra maneira de descobrir mais detalhes sobre a
família e os amigos do pastor.

Não importa quanto tempo demore, dessa vez nada vai me impedir de ir até o fim e fazer
o assassino de Sabrina pagar o preço justo, não apenas por tudo que me tirou quando matou
minha namorada, mas por todas as vidas que ele arruinou.

Batidas no vidro do passageiro afastam os pensamentos destrutivos que aprofundam suas


raízes na minha mente, sempre que penso no filho da puta e nas diversas formas que planejo
torturá-lo antes de arrancar sua cabeça.

Quero que ele sofra muito mais do que suas vítimas sofreram.

Destravo a porta para um cara de no máximo vinte anos entrar no carro, afobado.

— Está atrasado — sibilo entredentes, contaminado


pela ira.

— Foi mal. Tive um imprevisto quando estava descendo — ele diz, enquanto tira o jaleco
branco. — Cadê a maconha?

Viro o corpo um pouco de lado, para avaliá-lo melhor.

— Primeiro as damas — provoco, sem sorrir.

— Tá tudo aqui. Deixei o computador ligado. O sistema é simples e as senhas para


acessar os dados de cada setor estão embaixo do teclado. —
Ele a chave da sala. — Você tem duas horas pra conseguir
o que precisa e sair pela porta da frente como se nada
tivesse acontecido.

— Como eu vou
entrar?

— Agendei uma consulta com o urologista no seu


nome, às dez horas. A recepcionista vai preencher seu
cadastro e te mandar para o segundo andar. O consultório
dele fica do lado da minha sala e perto da sala de exames.
A escada de emergência é no final do corredor.

— Por que não


agendou com o
cardiologista?

— Qual o problema? — O garoto dá um sorriso


sacana. — Está com medo de levar uma dedada? Ou de
gostar?

Pego as coisas da mão dele


e brado:

— Meu negócio é
outro, brother.

— É o que todos
dizem antes da
primeira consulta.

— Experiência
própria? —
Arqueio as
sobrancelhas.
— Meu negócio é
outro, brother.

— Já saquei. —
Aponto o
indicador para o
seu pé. — O seu
negócio
está embaixo do banco.

Uma marca azul na gola do jaleco chama minha


atenção. Alguém bordou o nome Kevin perto da costura.

— Sua mãe marcou pra nenhum amiguinho roubar


seu uniforme? — zombo, passando o dedo por cima do
relevo.

— Minha mãe
morreu. — Meu
divertimento
evapora.

— Sinto muito.

Ele dá de ombros e tira um


canivete do bolso da calça.

— Foi a
namorada do meu
pai que bordou.

— Sinal que ela


gosta de você.
— Até dois dias atrás, eu achava a mesma coisa. —
A amargura em sua voz aguça minha curiosidade, mas
não pergunto.

Kevin faz um pequeno rasgo no pacote, enfia o dedo


no buraco e o leva à boca para confirmar a qualidade da
erva. Então me encara com os olhos arregalados.

— É batizada!

Garoto esperto.

— Se está dizendo. —
Finjo desentendimento. De
repente ele congela.
— Como você
conseguiu dez
quilos de
maconha
batizada?

— Informação
confidencial.

— Você é
policial?

— Não.

— Tá trabalhando
disfarçado?

— Não.
— Delegado?

— Não.

— Detetive?

— Que diferença
faz o que eu
faço?

— Toda, porra!

— Se eu quisesse
te enquadrar, não
precisava vir até
aqui.

— Por quê?

— Nós
conversamos pelo
chat do site,
esqueceu?

— Você gravou a
conversa?
— Cada palavra.

— A política de privacidade deles é muito foda. Não


dá pra gravar. Eu já tentei. É impossível.

Dou um sorriso cínico.

— Impossível,
até que alguém
faça.

O celular de Kevin começa a tocar, ele encara o


aparelho com a mesma expressão amargurada e atende.

— Oi, pai. Silêncio.


— Por que o senhor não me
esperou? Mais silêncio.
— O advogado já
chegou?

Ele esfrega os olhos,


nitidamente irritado.

— Não responde nenhuma pergunta. Ou melhor, não


fala mais nada. Chego aí em dez minutos.

— Algum problema? — Apesar de não conhecer o


garoto, nem saber em que tipo de confusão o pai dele se
meteu, minha preocupação é genuína.

Kevin apoia os cotovelos em cima do pacote de


maconha, e vira a cabeça na minha direção.
— Você é mesmo
detetive?

Penso por alguns segundos,


em dúvida entre mentir ou
omitir.

— Era, não sou


mais. Por quê?

Agora é ele quem está em


dúvida entre me dizer a
verdade.

— Nada.
Esquece.

— Tem certeza?
— Tenho. Preciso
ir.

— Aonde você
vai?

— Encontrar meu
pai.

— E o seu
trabalho?

— O diretor sabe
o que está
rolando e me
liberou por duas
horas.

Garoto muito esperto.

— As minhas
duas horas.

— O bom, é que até a desgraça tem seu lado bom.


— Ele guarda o pacote na mochila.

— Quer uma
carona? —
ofereço, quando
Kevin abre a
porta.

— A delegacia fica a uma quadra daqui. Aproveita


seu tempo. Te vejo em duas horas.
Se o pai dele está da
delegacia, o problema é
maior do que pensei.

Enfio o jaleco na bolsa de couro junto com todas as


minhas anotações. Guardo a chave no bolso da calça e
sigo para a recepção do hospital, sorrindo ao lembrar da
consulta com o urologista.

O garoto do almoxarifado até que tem bom humor,


pena que o que estou prestes a fazer não tem nada de
engraçado.
Beijei a boca de Tônia assim que entrei no carro, entusiasmado
com a nossa primeira aventura juntos.

— Podemos ficar no chalé


da fazenda — ela disse
sorrindo.

— Quando seus pais voltam


de Brasília?

— No fim da semana.

— Tem certeza que está pronta? — perguntei quando minha


noiva colocou seu Chevette em movimento.

— Não confia em mim?

— Você é a única em quem eu confio — acariciei sua coxa por


baixo da saia.

— Estou mais que pronta, Dan. — Afastou as pernas,


atazanando meu juízo. A safada não usava calcinha.

— Sabe chegar lá, não sabe?


— Sei.

— Então não tira


os olhos da
estrada.

Empurrei o banco do passageiro todo para trás,


levantei o pedaço de jeans que ela usava e me inclinei
para me lambuzar na sua boceta. Tônia gemeu o
caminho inteiro, rebolou, arrancou meus cabelos e gozou
feito uma puta.

A minha puta. Só minha.


— É aqui? — Ela
fez uma careta
para a placa
luminosa.

— Quer desistir?

— Você disse que


confia em mim —
falou, aborrecida.

— Confio, meu
anjo.

— Então por que fica


perguntando? Não quer
que eu veja? Trouxe Tônia
para o meu colo, de costas
para mim.
Desabotoei a calça e abri o zíper, liberando meu
pau. Posicionei a cabeça melada no meu buraco
preferido e a puxei para baixo, entrando fundo na sua
boceta.

A safada amava sentar numa rola, mas depois que


provou a minha não queria saber de mais nenhuma.

Ela começou a quicar em desespero. Abracei sua


cintura, inclinei o banco e me deitei, obrigando Tônia a
deitar no meu peito.

— Dan… —
choramingou,
doida para ser
fodida.

— Vou te dar o
que você quer,
mas do jeito que
eu quero.

Segurei por baixo das duas coxas e ergui as duas,


abrindo suas pernas no ar. Ela parecia uma franguinha
assada, toda arreganhada.

Naquela posição meu pau entrava fundo. Era


perfeita para o que eu precisava fazer.
Apoiei os pés no chão e comecei a comer minha
noiva, levantando com força ao mesmo tempo que ela
descia. O carro balançou, os vidros embaçaram, nossos
corpos se chocaram.

Tônia gritou.

Soquei furioso, saudado


pela besta que despertava.

Ela descansou a cabeça no meu ombro e tentou me


beijar, mas cada vez que sua boceta tragava meu pau, a
vadia pedia mais, dizendo que queria passar o resto da
vida fodendo comigo e eu era o único que a preenchia
daquela forma.

Quando Tônia gozou, tirei


meu pau e gozei na barriga
dela.

— Eu confio em você, meu anjo — sussurrei em seu


ouvido, enquanto nos recuperávamos. — Mas tenho medo
que você me deixe quando ver.

Foi tudo tão rápido, que só percebi que Tônia tinha


me acertado um tapa na cara, quando o estalo ecoou
pelo carro.

— Tá doida, porra? — esbravejei, esfregando a


palma da mão na face ardida.

Em vez de se desculpar, a vadia acertou o segundo


tapa, do outro lado, mais forte que o primeiro. Quando
ameacei me levantar, ela cravou as unhas nas minhas
bolas e me encarou com os olhos estreitos cheios de ódio.
— Nunca mais repita essa abobrinha! — bradou,
cerrando a mandíbula. — A única que pode me afastar de
você é a morte, mas juro que te mato se eu sentir cheiro
de vagabunda no seu cangote de novo. Ou nós fazemos
isso juntos, ou arranco suas bolas. — A demônia afundou
as unhas compridas no meu saco.

A dor foi tão grande, que


quase desmaiei, mas porra!
Aquela mulher era tudo que
eu sempre quis.
Suas palavras tiraram do meu peito a aflição que
carregava nos últimos dias, desde que Tônia sentiu o
cheiro da cobaia no meu pescoço. Enquanto punha
minha casa abaixo, avisou que, dali em diante, ela
estaria presente sempre que a besta quisesse se divertir.
A desgraçada não poupou
nenhum copo.

Entramos de mãos dadas no puteiro de


Albuquerque, cidade vizinha de Morada do Sol. Havia
tempo que eu não ia naquele lugar pegar cobaia, por
conta do rodízio que fazia entre os bordeis da região.

Ninguém ligava para as putas que desapareciam


sem deixar rastros, entretanto era um homem precavido e
sempre tomava o máximo de cuidado para não levantar
suspeitas.

A música brega animava o


ambiente deplorável.

Eu odiava aquela merda, mas minha necessidade


era muito maior que meu ódio e aquela noite tinha que
ser perfeita para o anjo endemoniado que caminhava na
minha frente, rebolando a bunda, jogando o cabelo de um
lado para o outro, se exibindo para os cabruncos que só
faltavam babar por ela.

Nós nos sentamos em uma mesa no canto, perto do


palco onde as quengas dançavam seminuas.

O garçom trouxe duas


cervejas e disse que era
cortesia da casa.
Tônia agradeceu, já de olho nas candidatas.

Não falei nada, apenas tomei a cerveja e deixei que


ela decidisse quem seria a próxima cobaia, pois sabia
que por mais que Tônia me amasse e confiasse em mim,
se abrisse a boca e dissesse qual delas eu queria, a
megera ciumenta não me daria sossego.

Claro que minha noiva não escolheu a loira gostosa


que eu teria escolhido se estivesse sozinho. Mas não
reclamei da japonesa magricela com carinha de criança
eleita por ela.

Jamais contaria para Tônia que mulheres miúdas


como aquela, tinham as bocetas mais apertadinhas e meu
pau já estava animado para arregaçar a oriental.

Era o que eu pretendia


fazer. Foi exatamente o que
fiz.
A japonesa aceitou participar da festinha a três.
Tônia e eu saímos mais cedo do puteiro e combinamos de
pegá-la na rodoviária, com a
desculpa que era a primeira vez que fazíamos aquilo e
não queríamos que ninguém soubesse das nossas
putarias.

Assumi a direção para Tônia acompanhar a japa no


banco de trás. As duas conversaram como se fossem
velhas amigas durante o trajeto até o chalé, na fazenda
do pai dela.

Quando chegamos, minha noiva disse que precisava


ir ao banheiro e me deixou no quarto sozinho com a
japonesa. Sentei no sofá, mandei a putinha tirar a roupa
e me chupar.

Bastou uma linguada para a besta surgir das cinzas,


colérica, mais animada que nunca. Botei a vadia de
quatro, coloquei a camisinha e meti forte, me deliciando
na bocetinha apertada que eu sabia que ela tinha.

Minhas mãos subiram pela coluna dela, suaves,


traiçoeiras. Segurei seus ombros, me enterrando duro
dentro dela até escurecer a visão, secar a garganta e
gelar a alma.

A besta reivindicou o céu.

Curvei-me sobre ela, espalmei uma mão na sua


lombar, abracei seu pescoço com o outro cotovelo e
enverguei a puta para trás, num tranco animalesco.
Entorpecido pelo som das costelas se quebrando, fodi
mais forte e gozei quando ela desmaiou, sem ar.

Arremessei seu corpo no sofá, tirei o preservativo e


olhei ao redor, à procura de alguma coisa que servisse
para deitá-la, mas meus planos de não prolongar a
brincadeira para que Tônia não se sentisse excluída
foram por terra no momento que flagrei minha noiva
completamente nua, abraçada ao batente da porta
esfregando a boceta como se a vida dela dependesse
daquilo.

Assistir Tônia trepar com a base de madeira foi a


coisa mais sexy que já vi. Eu queria que ela se esfregasse
daquele jeito em mim, porém a safada fez que não e
apontou o queixo para a japonesa desacordada.

— Prova que seu pau é só meu e rasga essa puta


bem devagar — sibilou entredentes. — Só vou deixar
você me tocar depois que acabar com ela, Daniel.

Tônia não me chamou pelo nome porque estava com


raiva. Ela estava puta pra caralho. Eu deveria saber que
seu ciúme não deixaria barato, mas era tarde para
tentar explicar qualquer merda.
Minha noiva me viu foder a japonesa e para que
tivéssemos uma chance juntos, ela precisava entender
que o sexo com as cobaias era apenas o atalho para levá-
las onde a besta queria.

Não discuti sua ordem,


sequer reclamei.

Deitei a vadia em cima da mesa quadrada, com a


bunda na beirada, arreganhei as pernas dela, amarrei os
tornozelos nos pés de madeira e algemei seus pulsos nas
costas, sem tirar os olhos de Tônia, que continuava
fodendo com o batente, em busca do orgasmo.

Peguei o podão, três pregos grandes, a rosa


vermelha e o martelo na minha caixa de ferramentas que
havia guardado embaixo da cama.

Meu pau já estava duro feito aço outra vez e eu não


sabia se era por causa da expectativa do que iria fazer
com a puta, ou do ódio que me assolava ao ver Tônia
esfolar sua carne molhada na maldita porta sem poder
fazer nada para impedir.

Aquela boceta era minha,


porra!

Só no meu pau ela podia se


esfregar daquele jeito.

Coloquei a camisinha e me abaixei entre as pernas


da puta com a cara na altura da boceta pequenina. Enfiei
um dedo nela, chupei o clitóris e estiquei o braço para
brincar com o mamilo.
Enfiei mais um dedo no canal apertadinho,
enquanto devorava o grelinho como um esfomeado.

Eu não sairia dali enquanto a cobaia não acordasse,


e a besta torcia para que ela continuasse dormindo, pois
a puta era deliciosa e meu pau não via a hora de entrar
na boceta dela outra vez.

Fiquei de pé e me enterrei na vadia quando ela se


contorceu chorando baixinho. Mas a verdadeira
diversão só começou no instante em que seus olhos
puxados se abriram e se fixaram nos meus.

Contornei o mamilo com a ponta do prego, me


deliciando com o terror em sua expressão, que alimentou
a besta quando dei uma martelada certeira na cabeça do
prego, afundando os dez centímetros de aço em sua
carne.

Os gritos, as lágrimas, os
pedidos de socorro.
A pele destroçada, o
sangue, a esperança se
esvaindo. Pequenas partes
de um todo, que saudavam
a morte.
Contornei o outro mamilo, fodendo sua xoxota mais
forte. Martelei o segundo prego, perfurando seu peito
ainda mais fundo, e gozei com o corpo da cobaia se
estrebuchando sobre a mesa.

Anestesiado pelo prazer, peguei a flor que as vadias


adoravam e me abaixei novamente entre suas pernas
para chupar a oriental mais um pouco, enquanto
atochava o caule cheio de espinhos no rabo dela,
lacerando as pregas até deixar somente as pétalas
vermelhas para fora do seu buraco enrugado.

A visão da rosa entalada no cu da vadia de quinta


só não era mais sexy que a da minha prostituta trepando
com o batente, no entanto, a besta exigiu o ato final.

Segurei o cabo do podão com as duas mãos. Ergui


os braços acima da cabeça e declinei num mergulho
brutal, cravando a ponta afiada entre os seios martelados
da cabaia.

Fatiei seus mamilos para servi-los em pequenos


bifes. Picotei seu grelinho e fiz dele um punhado de
confetes para colorir o céu do chalé de vermelho, em
homenagem ao carnaval dos demônios.

Por último, assei o coração da cobaia no espeto,


enchi uma taça com seu sangue e temperei com ácido os
outros órgãos, antes de decorar a mesa e avisar a besta
que o jantar estava servido.
Quando meus olhos encontraram os de Tônia, tive
certeza de que ela finalmente havia entendido.

Ali, naquele momento, minha noiva, minha alma


gêmea, a mulher que amei desde o primeiro olhar, soube
que o meu amor por ela era o grande motivo.
O motivo de tudo.

Eram os seus ossos que eu queria quebrar. Era o seu


corpo que eu queria rasgar. Os seus peitos que eu queria
fatiar. A sua boceta que eu queria picotar e o seu coração
que eu queria arrancar, para que ele batesse apenas por
mim, como o meu batia apenas por ela.
No dia em que conheci Maria Antônia Junqueira, fui
presenteado com o amor que dependia da sua vida, e
amaldiçoado com a besta que necessitava da sua morte.

Descobri nas cobaias uma maneira eficaz de manter


os pratos constantemente abastecidos, para que o jantar
de dor e sofrimento durasse para sempre. E a única
sobremesa capaz de saciar plenamente a sua fome,
jamais fosse servida.

Um garçom da selvageria,
esse era eu.

Arrastei Tônia para o outro quarto e comi sua


boceta até o dia amanhecer para que ela entendesse, de
uma vez por todas, que nenhuma mulher jamais teria o
que para sempre seria apenas dela.

Depois daquela noite, minha noiva convenceu o pai


do seu interesse pelos negócios da família e passou a
gerenciar a fazenda.

Fez uma nova demarcação nas terras, isolou a área


do plantio e restringiu o acesso à propriedade
exclusivamente aos convidados da nova administradora.
Instalou câmeras de vigilância, cerca elétrica e alarmes
em todas as entradas, e mobiliou o chalé com todos os
móveis para prática de BDSM que encontrou na internet.

Tônia o transformou no cativeiro sombrio da besta,


no Epcot Center dos demônios e nosso futuro lar.

Mas o lugar que deveria realizar o meu melhor


sonho, foi onde eu vivi o meu pior pesadelo.
Agora, depois de vinte anos hibernando em
profunda inanição, a besta desperta infinitamente mais
exigente que antes e reivindica Elisa como sua nova
necessidade.

Tudo por uma boa


diversão. Tudo para
destruir o meu amor.

— NÃO! — Salto num


pulo, suado, desorientado,
aterrorizado.
Volto a respirar quando olho para cama e vejo que
Laura hiberna em seu sono dopado. Tranco-me no
banheiro, entro no box e abro o chuveiro sem tirar a
roupa.

A água fria custa a abrandar o calor que incendeia


meu corpo e carboniza minha alma, me reduzindo a uma
nuvem de cinzas.

As memórias que nunca me abandonam, acabam de


escolher uma nova protagonista para atuar com destaque
nas diversões da besta impaciente, que não tolera mais
esperar.

Furiosa, ela grita sua ordem


na minha cabeça. Alto.
Autoritária. Fecho os olhos,
aplacado pelas lembranças
recentes.
Elisa.

Suas lágrimas, sua dor, seu sofrimento, seus lábios


carnudos, sua língua macia, seu olhar inexperiente. O
desejo molhado entre suas pernas, a boceta malditamente
apertada.

Porra!

Estou duro outra vez, mesmo fodendo como o


Daniel de vinte e poucos anos fodia as putas que
montavam no seu colo, chupavam seu pau no último
banco da igreja e davam o rabo nos becos da cidade.

Dia após dia. Noite após


noite.
A qualquer hora. Em
qualquer lugar.

Descartando a roupa
encharcada no cesto, me
encaro no espelho.

Apesar dos fios brancos, a barba por fazer, o


abatimento notório e o peso da idade refletido no olhar
descortês, sou o mesmo homem.

Leal ao seu amor, mas fiel


ao seu prazer e a sua
satisfação.

Elisa se infiltrou sob a minha pele ocupando o lugar


que pertencia a Tônia, e agora a besta necessita da
destruição da ratinha para aplacar o desejo incontrolável
que sinto por ela.

Não suporto mais lamentar o sonho perdido, nem


reviver memórias que prefiro esquecer.
O relógio marca cinco da
manhã.

Visto uma calça jeans, camiseta preta e calço tênis.


Guardo algumas trocas de roupa na mochila, desligo o
celular de Laura, pego a chave do casarão e saio do
quarto sem fazer barulho.

Pego tudo que preciso no quartinho, arrumo no


porta-malas e abro o portão manualmente para não
acordar Elisa.

Manobro meu Corolla Altis Hybrid Premium com o


motor desligado para fora da garagem. Fecho o portão e
empurro o carro pela rua por mais uns quinhentos metros,
antes de me acomodar no banco do motorista e dirigir até
o único hipermercado de Pedra Santa que funciona vinte
e quatro horas.

Passa das seis quando


estaciono em frente ao
casarão.

Descarrego as sacolas com os itens que comprei,


minha caixa de ferramentas e a bolsa preta de lona.

Tiro a camisa, arrumo os mantimentos nos armários,


os congelados no freezer da geladeira velha, o material de
limpeza no banheiro e os de construção na área coberta
do lado de fora.

Só então vou até o quarto dos fundos para ver se


Jurema ainda está viva. Para a infelicidade de Rogério, a
vadia parece um aeroporto de moscas e fede mais que
rato morto.
Um filhote de barata tenta
entrar na boceta dela.

Como o homem dotado de gentileza que sou, visto


luvas descartáveis, abro o buraco catinguento com a
ponta dos dedos e empurro a bicha cascuda para dentro
do canal cheirando a mijo, desejando-lhe boa sorte.

Passo a próxima hora preparando o terreno atrás do


casarão para enterrar Jurema ainda no primeiro estágio de
decomposição do seu corpo, antes que a fedentina podre
atraia mais insetos e outros bichos peçonhentos.

Arrasto a vadia até lá fora, nauseado com o odor


insuportável que fica pior a cada minuto. Jurema rola na
inclinação da cova e cai toda torta na sua nova cama,
alguns centímetros menor que ela.
Tiro a calça, a cueca e jogo as duas peças em cima
dela, antes de usar a pá para tapar o buraco com terra e
voltar para o casarão, animado para preparar a recepção
da próxima cobaia.

No quarto, chumbo os ganchos no teto, monto a


gaiola portátil e fixo as correntes na janela. Na sala, viro a
mesa de jantar de seis lugares para baixo e prendo os
quatro braceletes de couro no alto dos pés.

Primeiro problema
resolvido.

Tomo um banho rápido, visto calça e camisa limpas,


desinfeto o quarto, recolho o lixo e envio uma mensagem
para Claudia.
Estou tirando o dia de
folga. Quer me fazer
companhia?

A resposta chega cinco


minutos depois.
É alguma piada?

Se eu não estivesse com tanta pressa, mandaria a


vagabunda para o inferno e procuraria uma menos chata.
Foder você em todas as
posições parece divertido
pra mim.

Meu tempo de espera cai


para meio segundo. Preciso
de duas horas para
reagendar os pacientes.
Melhor impossível.
Te encontro às nove no
posto de gasolina da
entrada da cidade.

A última mensagem dela


me faz sorrir.
Vou contar os minutos,
meu amor.

Não resisto e encerro a


conversa.
Vou te dar a eternidade,
querida. Não se atrase.

Segundo problema
resolvido.

Dirijo de volta para casa,


estaciono na esquina e
espero.
Meia hora depois, Elisa sai na rua com um
vestidinho azul tão maltrapilho quanto a camisola preta
que usava ontem à noite. Mas nem a breguice da garota
impede meu pau de ficar duro para ela ou meu coração de
acelerar em sua inércia.

Laura ainda deve estar dormindo e, por um


momento, quero sequestrar a ratinha e fazer com ela o
que me prontifiquei a fazer com a psicóloga.

A tentação é grande. O
desejo malditamente maior.

Mas então relembro o pesadelo, o medo, o terror que


senti quando pensei que a besta tivesse feito dela sua
presa e o quanto me desestabilizou a sensação de vazio ao
imaginar como a minha vida seria penosa, sem poder me
perder em sua boceta apertada.

Não estou preparado para ficar sem Elisa e dessa


vez não vou admitir que a besta saia dessa batalha
vitoriosa.

Mantenho o foco no prêmio


final: a vida da ratinha.

Sigo garota cafona até o hospital, espero que ela


entre e faço meu caminho em direção ao posto.

Terceiro problema
resolvido.

Só faltam dois.
Como Kevin falou, a recepcionista
preenche a minha ficha.

Estou atento a tudo, principalmente às câmeras de vigilância


espalhadas pela recepção e o segurança parado ao lado da entrada
principal, com os braços para trás e uma arma no coldre.

— Por que aquela moça estava


chorando, Ludmila? Giro o corpo para
saber quem fez a pergunta.
— Não sei, doutor — a mulher responde com indiferença e
continua teclando sem tirar os olhos do monitor.

— Por que você ligou para a


Rosângela?

O homem que deve ter uns sessenta e poucos anos se aproxima


do guichê. Ele é alto, magro e não parece muito feliz. A
recepcionista não pode ver sua expressão zangada, mas tenho
certeza de que pode sentir a vibração negativa direcionada a ela.

— A paciente não agendou


os exames.
— Não foi isso
que perguntei.

O homem está tão puto, que


só falta cuspir no cabelo
dela.

Estou quase aconselhando a funcionária a parar o


que está fazendo e resolver logo o problema com seu
chefe para não se prejudicar, quando ela bufa.

— Liguei para confirmar se a Rô tinha autorizado a


realização dos exames sem agendamento.

— A paciente
informou que ela
tinha autorizado?

A recepcionista revira os olhos, com cara de tédio e


começo a torcer para que receba uma advertência.

Mulher arrogante da
porra!

— Informou —
admite a
contragosto.

— Antes ou
depois de você
ligar?

— Antes.
O homem está por um triz de dar uns cascudos nela,
e eu o entendo perfeitamente, já que também estou.

— Mesmo assim
você ligou. — É
uma acusação,
não uma
pergunta.

— Ela não parece


ser uma pessoa
confiável.

Acho que o assombro do velho é tão grande quanto


o meu, isso porque nem sei de quem eles estão falando.

— Como você
chegou à essa
conclusão?

Os segundos que a mulher demora para responder


garantem que seus motivos não são os mais louváveis.

Finalmente, seus dedos


pausam sobre o teclado.

Ela respira fundo, endireita os ombros e cola na


própria testa o selo de preconceituosa quando diz:
— A roupa. O sapato. — Dá de ombros. — Ela não
se enquadra nos padrões que esse hospital espera de seus
pacientes, doutor Gonçalo.

— E a senhora não se enquadra nos padrões que


esse hospital exige dos seus funcionários. Termine o
atendimento do rapaz e vá para casa. — Antes que a
recepcionista proteste, ele adiciona: — A senhora Laura
Gutierrez acabou de me ligar para saber o nome da
funcionária que destratou a empregada dela na recepção
do hospital, na frente de outros pacientes, portanto não
estranhe se tiver que procurar emprego em outra cidade.
Está dispensada, Ludmila.

A mulher que segundos atrás estava furiosa, pronta


para rodar a baiana, estremece na cadeira ao ouvir o nome
da filha do pastor, porém finaliza sua tarefa de cabeça
erguida, ainda que as lágrimas escorram pelo seu rosto.

Não sinto pena. Ela bem


que mereceu.

Subo de elevador até o segundo andar, atravesso o


corredor em direção à sala de Kevin e entro sem que
ninguém perceba.

A cena que presenciei a pouco não sai da minha


cabeça quando me sento de frente para o computador.
Talvez por isso, o primeiro nome que procuro é o da
herdeira Gutierrez.

Laura mantém atualizada apenas sua conta no


Instagram, onde tem mais de trinta mil seguidores. Todos
as postagens são sobre cultos, reuniões da igreja, projetos
comunitários e eventos beneficentes.
Nada da sua vida pessoal. Até os comentários
referentes ao marido ou a família, são ignorados.

Obviamente ela foi preparada para assumir seu papel


de sucessora do pastor.

A postura, o sorriso, as
roupas. Tudo na medida
certa.

Se o decote da blusa for mais ousado, a saia


obrigatoriamente deve ser mais longa, e a exposição de
pele varia de acordo com o quanto o vestido marca as
curvas do seu corpo.

A tática de Laura a torna


uma via de mão dupla.
Ao mesmo tempo que instiga o desejo nos homens e
inveja nas mulheres, restringe a aproximação deles e
conquista o respeito delas.

É como seduzir o cunhado com brincadeiras


inocentes para que ele a queira em sua cama, mas saiba
que nunca terá. E sua irmã fique com ciúme, mas nunca
duvide da sua lealdade.

Laura Gutierrez é realmente uma mulher linda,


porém alguma coisa em seu olhar me incomoda e o
incômodo se intensifica quando abro uma imagem em
que ela foi marcada. A legenda chama a atenção:

Melhores amigas para


sempre.

Duas adolescentes usando beca estão abraçadas,


sorrindo para a câmera. Laura não mudou muita coisa e
me arrisco a dizer que está mais bonita agora. A outra é
tão deslumbrante quanto ela, porém sua beleza tem um
apelo mais sexual.

O cabelo preto, a pele branca, os olhos grandes e


escuros. Cílios longos, lábios grossos, dentes perfeitos.

Claudia Botelho.

Digito o nome no campo de buscas e fico


boquiaberto ao ser surpreendido por várias informações
da garota que se formou em Psicologia, atende em um
consultório na cidade e é considerada uma das melhores
psicólogas do estado com especialização em
Neuropsicologia.
Diferente de Laura, Claudia é bem ativa nas redes
sociais. Solteira, bonita, independente e rica, também
frequenta os cultos de domingo na igreja Alvorada.
Todas as suas legendas são
frases de autoajuda e
motivacionais. Encontro
diversas postagem sobre o
seu trabalho, momentos de
lazer,
idas a restaurantes, boates, festas e algumas viagens,
porém nenhuma se
refere à sua vida amorosa.

Anoto o que acho relevante sobre a amiga de Laura


e digito o nome da mãe dela, Celeste Gutierrez, sendo
mais uma vez surpreendido. Não pela atuação da esposa
do pastor nas redes sociais, mas por sua beleza clássica,
refinada.
A mulher é uma bela visão até para mim, que sou
quase vinte anos mais novo. Com certeza Laura herdou
os traços da mãe, mas diferente da filha, Celeste tem um
olhar doce, amigável.

Humberto é um homem de sorte, acertou em cheio


quando a pediu em casamento.

Faço as anotações sobre ela e digito Dante


Boaventura, ansioso para descobrir um pouco mais sobre
o genro do pastor, mas agora sou surpreendido
negativamente, pois tudo que encontro são anúncios de
divulgação do seu trabalho.

Nenhuma rede social, fotos


ou dados pessoais.

Desmotivador e interessante ao mesmo tempo, pois


os únicos profissionais aconselhados a não interagirem na
internet são os diretamente ligados ao Departamento de
Polícia, por motivos óbvios.

Fecho o Google, levanto o teclado para descolar o


cartão onde estão as senhas que Kevin deixou para mim e
entro no sistema do hospital, repetindo o processo de
digitar os mesmos nomes.

Todos eles estão cadastrados como pacientes, mas o


único que não tem registro de consulta é o faz-tudo de
Riacho Verde, o que me deixa mais ressabiado.

Não é possível que o cara nunca ficou doente,


realizou algum exame ou precisou de receita médica para
comprar nem que seja um anti- inflamatório, remédio
para queda de cabelo ou a porra de um levanta pau,
também conhecido como Viagra.

Meu faro investigativo


acaba de ser desafiado.

Recosto na cadeira com os braços cruzados e encaro


a tela em branco, analisando o cenário que Dante
Boaventura criou para a sua vida, já que é isso que todos
nós fazemos, ainda que inconscientemente.

Ostentamos a melhor versão de quem somos, do que


adquirimos, dos lugares que frequentamos, dos nossos
valores morais — até os que não temos. E omitimos a
versão que deduzimos que as pessoas não irão gostar, não
acharão bonita e não irão tecer elogios.
Não tem nada de errado em varrer a sujeira que
incomoda para baixo do tapete, tampouco não tem nada
de certo. É apenas uma coisa do ser humano que vive a
constante busca pela aprovação.

Seja ela qual for.

Volto para a página inicial e releio as opções,


confirmando que já entrei em Agenda, Autorização,
Cadastro, Cirurgias, Consultas, Convênios, Exames, Guia
Hospitalar, Retorno.

Desço os olhos até o rodapé, onde estão os telefones


de contato do hospital, horário de atendimento e…
quadro de funcionários.

Mais de cem nomes listados por ordem alfabética


despontam à minha frente. Vou direto para a letra G,
torcendo para que Gonçalo seja o primeiro nome do
médico que dispensou a recepcionista depois de receber
um telefonema de Laura.

A sorte anda boazinha


comigo ultimamente.

Gonçalo Mancini Neto, descendente de italianos,


formado em Medicina pela Unicamp, casado, dois filhos,
natural de Morada do Sol, pioneiro em atendimento
domiciliar.

Bingo!

Verifico todas as opções novamente, agora com a


senha do diretor do setor financeiro para ampliar meu
acesso e descubro que além de atender no consultório do
Centro Integrado, Gonçalo também faz atendimento na
casa de pacientes que não podem ou não querem vir ao
hospital.

Posso estar enganado, mas Laura não ligaria para o


celular dele para reclamar do comportamento da
recepcionista se não tivesse liberdade para isso. Em
contrapartida, não teria liberdade se não fosse íntima do
médico.

Intimidade não se compra


em farmácia. É adquirida.

Se Gonçalo fez algum atendimento fora do hospital,


mesmo que tenha recebido o pagamento pela consulta
direto do paciente, duvido que ele não tenha registrado a
saída para contar como hora trabalhada e aumentar seu
salário em alguns reais.

Quando pensei que ninguém me surpreenderia mais


que Celeste Gutierrez, o extenso registro de consultas
realizadas na casa do pastor nos
últimos dez anos, é de cair o queixo, comparado com as
que foram realizadas na casa da sua filha.

São tantos que não vou conseguir verificar um por


um sem extrapolar meu tempo, já que faltam apenas
quinze minutos para encerrar as duas horas que Kevin
determinou.

Não tenho pendrive e o garoto do almoxarifado


também não, então ligo a impressora e envio o arquivo
completo para impressão para que eu possa ler no hotel,
antes de decidir meu próximo compromisso.

Começo a arrumar minha


bagunça enquanto a
máquina trabalha.

Guardo o calhamaço de folhas junto com as


anotações, limpo o histórico do computador e destranco a
porta, mas antes de sair, dou uma última olhada na sala,
sentindo que estou deixando alguma coisa importante
para trás.

Voltando até a mesa, me abaixo para garantir que


não caiu nada no chão. Levanto o teclado, abro todas as
gavetas, checo até o cartucho da impressora. Nada.

Espero que Kevin me avise


se encontrar algo perdido.

Passo a mão no cabelo, inquieto por não reconhecer


essa sensação de… inacabado. Como se eu ainda não
tivesse feito tudo que tinha para fazer aqui.
No entanto, sei que fiz. Tenho certeza. Consegui as
informações que precisava e algumas que nem estava
procurando.

Não há motivo para


encasquetar com isso.

Puxo uma longa respiração e dou meia-volta, mas a


um passo de tirar a chave da fechadura, a porta é aberta
de repente para um coisinha pequena e delicada invadir a
sala como uma manada de rinoceronte.

Ela não me vê. Eu a vejo.


Eu estaco no lugar. Ela não.
Ela se choca contra o meu
peito e se desiquilibra. Eu a
abraço e não a deixo cair.
Ela levanta sua cabeça. Eu
abaixo a minha. Ela me
encara.
Eu perco o fôlego.
— Qual foi a coisa mais bonita que você já viu?

— O mar. — Lindalva respondeu rápido.

— Eu nunca vi o mar. Como ele é?

— Intenso, perigoso e azul. Muito azul.

Quando olho para cima, tudo que me vem à cabeça é a única lembrança que tenho de
estar sentada no colo da minha mãe, no alpendre da nossa casa admirando as estrelas.

O mar.

— Você está bem? — O homem pergunta, afrouxando o aperto dos seus braços em
volta de mim.

Sou grata por ele não me soltar, porque minhas pernas estão bambas e certamente
iria cair de bunda, de novo.

— Não… sim… — Engasgo, me atrapalhando com a resposta. — Estou… —


Pigarreio e assinto com a cabeça — Estou bem.

— Não parece. Do jeito que quase me atropelou pensei que tinha visto um fantasma.

Arregalo os olhos.

A ginecologista.

Empurro o homem, me viro para fechar a porta o mais rápido que consigo e encosto
as costas nela, com a respiração alterada.
Levo a mão ao peito para me acalmar, mas a
maneira como ele franze a testa e me encara, como se
pudesse ler meus pensamentos, me deixa mais nervosa.

— Você está
fugindo de
alguém?

— Não.

— Tem certeza?

— Tenho.

O homem alto que tem o cabelo loiro-escuro


despenteado, o rosto quadrado, a boca que Lindalva
chamaria de pecaminosa, e uma barba rala da mesma cor
dos fios que cobrem sua cabeça, arqueia as sobrancelhas
e se aproxima devagar, parando à minha frente.

O mar em seus olhos


anuncia que ele não
acredita em mim.

Seus dedos resvalam no meu braço, antes de se


fecharem em torno da maçaneta. Um calafrio sobe pelo
meu corpo, do dedinho do pé até a nuca, arrepiando meus
pelos.

— Se não está fugindo, não vai se importar se eu


abrir a porta. — Seu tom desafiador faz meus ossos
trepidarem.
— Não, por
favor. — Minha
voz vacila.

— De quem você está fugindo? — Seu tom é baixo,


sério. Ele apoia a outra mão ao lado da minha cabeça.

— Não estou fugindo — balbucio, apavorada com


tudo que estou sentindo, com a confusão na minha cabeça
e as batidas do meu coração que aceleram, desenfreadas.

— Não minta.

— Não é mentira. — Encaro meus pés. — Não


estou fugindo, estou me escondendo.

— Se escondendo
de quem?

— Da médica. —
Não me atrevo a
levantar a cabeça.

— Que médica?
— Ginecologista. — Ele dá uma risadinha. Minhas
bochechas esquentam.

— Já vi mulheres fugindo de muitas coisas, mas da


ginecologista é a primeira vez. — Seu tom debochado me
aborrece.

— Não tem graça


— falo, brava.

— Na verdade, tem. — Sua mão troca a fechadura


pelo meu queixo, e me obriga a encará-lo. — A médica te
forçou a fazer alguma coisa?

A diversão se foi.

— Eu me escondi
antes de ela
forçar — admito,
envergonhada.

— O que ela quer


te forçar a fazer?

— Um exame.

Ele inclina a cabeça, sem entender, mas antes que eu


faça a besteira de contar sobre a colposcopia, alguém abre
a porta com tudo e me arremessa para frente.

Meu corpo se choca contra a parede de músculos


novamente e como da primeira vez, dois braços fortes
envolvem minha cintura me impedindo de cair.
— O combinado eram duas
horas, brother. Por que
você… A voz de Kevin
estronda pela sala, me
assustando.
Não sei se sou eu que me afasto dele ou se é ele que
se afasta de mim, mas no segundo seguinte, estamos mais
longe um do outro do que já estivemos, desde que entrei
aqui.

— Elisa? Por que


está na minha
sala?

— Elisa?

— Sua sala? — O
homem e eu
falamos ao
mesmo tempo.

Kevin reveza os olhos entre seu amigo e eu, com


uma expressão tão confusa quanto a minha. Então levanta
a mão aberta, gesticulando para esperarmos, fecha a porta
e gira a chave, trancando-a.
— Vamos por partes. O que você ainda está
fazendo aqui? — pergunta diretamente para o homem.

— Tentando descobrir por que a… — ele arranha a


garganta e me encara com o cenho enrugado. — Elisa
está se escondendo da ginecologista.

A cara do vizinho do seu Dante não é muito


diferente quando olha para mim, e agradeço mentalmente
ao homem por ele não mencionar o exame.

— Por que está se


escondendo da
ginecologista?

Eu adoraria colocar tudo para fora, desabafar e


dividir a culpa, o remorso e a dor que as minhas próprias
decisões estão me infligindo.

Mas abaixo a cabeça de


olhos fechados, em
silêncio.

Se alguém descobrir que me deitei com seu Dante,


enquanto a esposa dele dormia no quarto ao lado, no
mesmo dia que ela me encontrou desmaiada e sentiu
cheiro de esperma no meu corpo, não é apenas a minha
vida que será arruinada.

Não posso fazer isso com a mulher que cuidou de


mim melhor do que Lindalva jamais cuidou. Nem com o
marido dela.

Se eu não tivesse me deixado levar pela atração


arrebatadora que sinto pelo seu Dante, nada disso estaria
acontecendo. Sou a única culpada e não vou permitir que
nenhum deles pague pelos meus erros.

— Elisa? — A voz de Kevin é suave, mas não


esconde sua preocupação, o que torna tudo ainda pior,
pois sei que ele já tem muito com o que se preocupar.

O desaparecimento de
Jurema, por exemplo.

— Desculpa. Eu não devia ter entrado na sua sala.


Vou falar com a enfermeira antes de passar na escola que
você indicou. — minto com facilidade.

Deus me livre esbarrar com a enfermeira e ter que


explicar porque não fiquei esperando a ginecologista
como ela mandou.
— Você pode entrar e ficar aqui o tempo que quiser.
Não quero me meter na sua vida, só promete que vai me
falar se estiver com algum problema e precisar de ajuda.

Sorrio sem graça.

Gentileza não é comum de


onde eu venho.

— Prometo, mas tenho mesmo que ir. — Desvio o


olhar para o homem ao meu lado, que me encara com
seus olhos tão lindos como o mar que Lindalva viu, deve
ser.

Intenso, perigoso e azul.


Muito azul.

Quero dizer alguma coisa, agradecer por ter me


segurado ou me desculpar por quase o atropelar.

O problema é que minha mente nubla quando seu


olhar se fixa na minha boca por longos segundos, antes de
subir e aprisionar o meu, revelando sentimentos que eu
duvido que ele queira que eu saiba.

Mas eu sei, mesmo sem


entender por que.

E a certeza de que esse poder de enxergar através do


azul não é um teste da minha imaginação, nem uma prova
que estou ficando louca, faz com que as palavras não
encontrem o caminho até a minha boca para dizer
obrigada ou sinto muito.
Por isso, aceno levemente a cabeça, giro nos
calcanhares e vou embora com a estranha sensação de
que estou deixando alguma coisa importante para trás.

Impossível, pois não trouxe


nada além da carteira de
identidade.

Esfrego a mão na alça do sutiã por cima do vestido,


apenas para me confirmar que ela está no mesmo lugar.

Não há motivo para me


preocupar com isso.
Não é possível.

Estou tão obcecado para encontrar o assassino de Sabrina, que


meu cérebro resolveu jogar contra o próprio time para colocar meu
juízo de volta nos eixos. Só pode ser.

Tem que ser.

Mas então a amiga de Kevin que, por acaso tem o mesmo nome
da filha de João Camargo, diz que precisa falar com a enfermeira e
logo em seguida chama a fulana de Rosângela.

Por que você ligou para a Rosângela?

Foi a pergunta que o doutor Gonçalo


fez para a recepcionista.

Desço o olhar pelo corpo da pequena mulher ao meu lado que


encara o chão, visivelmente constrangida.

Vestido azul-marinho surrado,


rasteirinhas velhas.
A roupa. O sapato. Ela não se enquadra nos
padrões que o hospital espera de seus pacientes.

Não há dúvida que essa Elisa é a empregada da


Laura que a funcionária do hospital destratou, humilhou
ou sei lá o que.

De qualquer forma, não significa que seja a neta da


senhora Narcisa, ainda que as semelhanças entre ela e a
garota da foto que a mãe de JC me mostrou, insistam em
provar o contrário.

O cabelo liso e castanho é mais comprido e a pele


pálida parece igual, entretanto não é um tom raro que
sirva de fator determinante para uma conclusão, pois essa
Elisa tem um tipo de beleza comum, simplória até, aos
olhos de quem apenas a vê.

Mas para quem a enxerga, é inevitável não se


encantar pelo conjunto de traços delicados, sensualmente
alinhados.

Enquanto Kevin demonstra toda sua preocupação


com a amiga, me convenço de que estou diante de uma
pessoa muito parecida com Elisa Soares.

Porém minha torre de convicção desmorona quando


ela vira a cabeça na minha direção e meus olhos caem na
parte do seu rosto que me fez ter pensamentos
inapropriados com a filha de João Camargo.

Sou corrompido pela luxúria mais depravada que já


senti, no momento que a imagem de Elisa ajoelhada, se
apropriando do meu pau com sua boca perfeita para me
engolir até a base, rouba o chão sob meus pés. E eu caio.
Na verdade, despenco.

— Tá me
ouvindo, brother?
— Kevin sacode
meu braço.

— O quê? —
Pisco, atordoado.


Que papo é esse que a Elisa estavase escondendo da
ginecologista?

— Cadê ela? — Aponto para o espaço vazio ao meu


lado, ignorando sua pergunta.

Ele dá um sorriso
desdenhoso, cruzando os
braços sobre o peito.
— É sério?

Bufando como um touro, saio correndo pelo


corredor desviando das pessoas que transitam no segundo
andar, à procura de Elisa, mas ela desapareceu sem deixar
rastros.

Quando marcho de volta, Kevin está me esperando


parado sob o batente da porta, com metade do corpo para
fora e uma expressão de descrença.

— Dá pra me explicar que merda é essa? — Seu


grunhido me assustaria se ele fosse uns vinte centímetros
mais alto e uns cinquenta quilos mais pesado.

Empurro o garoto para


dentro e fecho a porta.

— De onde você conhece a Elisa? — falo rápido,


novamente descartando sua pergunta.

— Ela é
empregada da
minha vizinha.

— Quem é a sua
vizinha?

Kevin não parece feliz em responder meu


interrogatório, mas acho que responde por notar minha
tensão.

— Laura
Gutierrez, filha
do pastor
Humberto.

— Qual o
sobrenome da
Elisa?

— Não sei.

— Há quanto tempo ela


trabalha lá? Ele pensa por
um instante.
— Duas semanas,
talvez três, no
máximo. Não
tenho certeza.

Merda!

Ando de um lado para o


outro.

Coincidência? Improvável.
Elisa não viria justamente para Riacho Verde
semanas após a morte do pai dela.

Destino? Não.

Surreal demais até para mim que acredito cegamente


que o que tiver de ser, será. Independente das nossas
vontades e ideais.

Um comentário de Elisa
vem à minha cabeça.

— Onde fica a
escola que você
indicou pra ela?

— Não vou falar mais nada enquanto não me disser


o que está acontecendo e o porquê desse seu interesse
repentino na Elisa.

Respiro fundo, tentando elaborar uma resposta que


não comprometa minha investigação e satisfaça a
curiosidade de Kevin, ao menos por enquanto, no entanto,
falho com louvor.

Sem opções, olho dentro


dos seus olhos.

— Vou te contar tudo quando eu tiver certeza que a


sua amiga Elisa, é filha de um cara que foi assassinado
algumas semanas atrás, em São Luís do Maranhão. Você
tem a minha palavra. Agora preciso do endereço.
Kevin não disfarça a
surpresa e faz o que pedi.

Dez minutos depois, estaciono em frente à escola


que o garoto do almoxarifado estudou, ainda sem saber
qual a melhor forma de abordar Elisa sem parecer um
perseguidor e assustá-la.

Desço do carro e encosto


no capô.

São quase meio-dia, talvez


eu possa convidá-la para
almoçar.

Péssima ideia.

Se Elisa for mesmo a filha de João Camargo, tenho


que manter uma distância segura até descobrir como ela
veio parar em Riacho Verde e, principalmente, por quê
está aqui.

Um garotinho sai correndo da escola. De onde estou,


posso ouvir a mãe gritando para ele não ir para a rua. O
pestinha vê isso como um incentivo e dispara pela
calçada com um sorriso encapetado no rosto.
Quando ele pula o meio-fio, um utilitário branco
surge no meu campo de visão, em baixa velocidade, mas
qualquer contato com o toquinho de gente pode pôr fim a
uma vida que mal começou.

Não penso, apenas sigo meu instinto e corro atrás


dele. A um metro de agarrar a camisa do pirralho, o
motorista acelera em vez de frear e afunda a mão na
buzina.

O garoto para no meio da rua com os olhos no


veículo vindo na sua direção e grita, assustado. Um coral
feminino grita às minhas costas. A distância entre o
utilitário e o pestinha é mínima.

Ele vai ser atropelado!

Salto para a frente como um golfinho. Corrigindo,


como um tubarão. Minhas mãos chegam primeiro, se
encaixam nas axilas sem pelos e levantam o pestinha no
ar.

Enlaço seu corpinho mirrado protegendo-o com o


meu, pronto para o impacto iminente, que é mais
doloroso do que previ. Amorteço a queda com o ombro e
rolamos pelo asfalto como um croquete recheado, até a
calçada do outro lado.

Quando finalmente paramos de girar, minha


respiração é tão rápida e pesada quanto a do garoto que se
treme inteiro em cima de mim, todo encolhido. Fecho os
olhos sem soltá-lo.

Vai que ele goste da


aventura e queira repetir.
Nem pensar!

— Getúlio! —
Uma mulher
berra, acredito
que seja a mãe.

É por isso que o garoto é atentado. Vingança! Quem


coloca um nome desse no filho?

— Meu Deus! — Ela se abaixa ao meu lado,


chorando, e pega o garoto. — Nunca mais faça isso,
menino! — A voz embarga quando o mini terrorista a
abraça e pede desculpas baixinho. — Você podia ter
morrido! Como a mamãe ia viver sem o coração dela?

Foi uma merda e a mulher tem razão. Seu filho


poderia ter morrido, e eu quebrado as duas pernas, mas a
cena emocionante à minha frente faz tudo valer a pena.
Apoio os cotovelos e me sento, com uma puta dor na
coluna, mas nem tenho tempo de reclamar. A mulher
passa um braço pelos meus ombros e me abraça com
força, agradecendo, chorando e fungando no meu
pescoço.

Fico sem reação, desacostumado com esse tipo de


gesto, mas desmorono quando sinto o braço esquelético
do pestinha me abraçar e sua cabeça descansar no meu
peito.

Só percebo que estamos rodeados por uma pequena


multidão, no momento em que ouço os aplausos, como se
eu fosse um ator de Hollywood e tivesse acabado de
gravar uma cena extremamente difícil.

A mãe de Getúlio se levanta com o garoto no colo,


rindo e chorando ao mesmo tempo.

Faço o mesmo logo em seguida, agradecendo os


cumprimentos que recebo com tímidos acenos de cabeça,
pois passei anos da minha vida trabalhando pela
segurança de pessoas como essas sem nunca esperar
reconhecimento.

Escolhi ser policial pelos motivos errados, mas no


primeiro dia de treinamento soube que tinha feito a
escolha certa.

É meu trabalho, minha


obrigação e o que amo
fazer.

O problema é que a cada dia que eu passava sem


resolver o caso de homicídio que me inspirou a entrar na
polícia, aumentava minha frustração, e depois de
dezesseis anos, nenhum sucesso — por maior e mais
glamoroso que fosse — já não compensava o meu único
fracasso.

Discretamente, começo a andar para fora da


aglomeração com a calça imunda, a camisa rasgada e
decidido a voltar para o hotel, tomar um banho, trocar de
roupa e pensar em outra maneira de descobrir se a Elisa
de Kevin é a Elisa de JC.

A única coisa que vou conseguir se abordá-la nesse


estado, é uma esmola.

No entanto, revogo minha decisão no momento em


que levanto a cabeça e a vejo, com a mão no peito,
lágrimas molhando seu rosto e um pequeno sorriso
naqueles lábios grossos que despertam os mais lascivos
desejos em mim.
Paro à frente dela e estendo o braço, olhando no
fundo dos seus olhos marrons.

— Prazer, sou o
Juliano, salvador
de garotinhos
atentados.

Seu sorriso alarga, ela seca as bochechas coradas


com uma mão e segura a minha com a outra.

— Prazer. Sou a
Elisa.

Ainda não sei se estou diante da filha de João


Camargo, melhor amigo de Daniel Bonavides. O cara que
eu acredito ser o psicopata que matou minha namorada, a
própria noiva e muitas outras mulheres.

Mas tenho absoluta certeza


de que estou muito fodido.
Paro o carro no estacionamento do posto, onde as duas câmeras não funcionam. Estive
aqui há poucos dias para consertar a fiação elétrica, mas o dono se recusou a pagar com a
desculpa que era besteira arrumar, já que era um lugar seguro.

Ele teria pagado pelo serviço, se soubesse o que está prestes a acontecer com a minha
psicóloga.

Às nove e cinco, Claudia estaciona seu ix-35 ao lado do meu, abaixa o vidro do
passageiro e seu inclina sobre o banco.

— Para onde nós vamos? — Sua expressão é um misto de euforia e medo. A vadia está
eufórica para ser fodida de todas as formas, mas com medo da sua vadiagem ser descoberta.

— Tenho o lugar perfeito esperando por nós. É melhor deixar seu carro aqui e vir
comigo.

— Eu prefiro ir te seguindo.

— Eu prefiro que você chupe meu pau enquanto dirijo até lá. — Dou um sorriso de lado
e pronto.

Dois minutos depois, Claudia está sentada ao meu lado, vestindo um dos terninhos
elegantes que ela usa para atender seus pacientes.

É vadia, falsa e traidora, mas sem dúvida, gostosa.

Pego a estrada em direção à Pedra Santa. Não é o caminho mais rápido até o casarão,
porém quero que ela pense que estamos saindo de Riacho Verde.

— Estou nervosa — diz, esfregando as mãos na saia


preta.

— Por estar comigo ou por estar traindo sua melhor


amiga?
— Por estar com
você, óbvio.

— Óbvio? — Arqueio as sobrancelhas. — Pensei


que gostasse da Laura.

— Eu amo a
Laura.

— Se amasse não treparia com o marido dela. —


Claudia abre e fecha a boca algumas vezes, mas não diz
nada. — Não precisa se envergonhar. Se você não fosse
uma puta, nós não estaríamos aqui — adiciono, com
sarcasmo.

A psicóloga se enfurece, o que me faz sorrir, no


entanto, meu sorriso se desfaz quando ela fala:

— Se eu sou uma
puta, sua esposa
também é.

— Do que está
falando?

— Você não
sabe?

— Claro que não. — Ela olha pela janela, em


silêncio. — O que eu não sei, Claudia?

— A Laura me
disse que você
sabia.
— Sabia o quê?

— Não posso contar, Dante, me desculpe. — A


tristeza na sua voz é palpável.

— Por que não


pode?

Seu peito sobe e desce rápido quando seus olhos


marejados encontram os meus. Raiva irriga meu corpo.

— Porque o Humberto me obrigou a assinar um


contrato de confidencialidade. Se eu falar sobre isso com
alguém, vou perder tudo que tenho. Absolutamente tudo.

Para o pastor fazer algo desse tipo com a melhor


amiga da filha, é porque a coisa foi séria. Busco na
memória o que pode ter sido, mas não me lembro de
nada, até que uma luz acende na minha cabeça. Só posso
estar ficando louco, mesmo assim, pergunto:
— Quantos anos você tinha quando isso aconteceu?
— Claudia franze a testa, sem entender, mas logo
compreende.

— Vinte e dois.

Puta que pariu! Faz um


bom tempo que não fico tão
chocado.

— Não foi a secretária do Humberto que você pegou


transando com o seu noivo. Foi a Laura — concluo,
mesmo sabendo que não terei sua confirmação. — Ele te
convenceu a assinar o contrato para evitar um escândalo.
E a secretária? O que ela ganhou para assumir a culpa?

A psicóloga dá de ombros, fingindo indiferença, mas


sua expressão consternada atesta que ela nunca perdoou a
traição de todos eles, pois foi a única lesada dessa
história.

— A última vez que eu soube, Francine estava na


Flórida vivendo como uma rainha.

Não aguento e gargalho.


Meu sogro é um gênio, não
posso negar.

— Está se
divertindo,
Dante?

— Vou começar a me divertir agora — falo sério,


desabotoo a calça, tiro meu pau mole para fora e seguro
sua nuca, trazendo-a para a minha virilha. — Mostra pra
Laura como o marido dela gosta de ser chupado.

Claudia obedece e mama gostoso pelo resto do


trajeto. Quando chegamos na entrada do casarão, quero
gozar. Desligo o carro e fodo mais forte, enchendo sua
boca, fazendo-a se engasgar.

— Chupa meu saco — ordeno e me masturbo,


enquanto ela dá um banho de língua nas minhas bolas.
Cravo os dedos no seu queixo e a encaro. — Puta safada!
— vocifero, gozando na cara dela.

Claudia fecho os olhos, satisfeita com o jato de


porra. Se ajeita no banco do passageiro e olha ao redor
para descobrir onde estamos, mas não tem a sua resposta.
Seguro seu cabelo e a empurro para frente, batendo sua
testa no painel.

O estalo da pancada se
funde ao grito de dor que
ela dá.

— Você, Laura, Celeste, Jurema. — Puxo os fios


negros para trás e empurro de novo. — Tudo puta! Bando
de vadias!
Repito o movimento mais duas, três, quatro vezes,
até a safada desmaiar com um inchaço entre os olhos.

Arrasto a psicóloga até o quarto, exatamente como


fiz com Jurema. Tiro sua roupa e a penduro pelos pulsos
nas correntes, de costas para a janela. Queimo sua bolsa,
estilhaço seu celular e admiro a visão da psicóloga
suspensa na mesma posição que vi Tônia pela última vez.

Com vida.

A besta ruge, colérica, mas não dou ouvidos.


Claudia é a primeira cobaia da ratinha e não pode morrer.

Ainda.

Enfeito seu pescoço com a coleira preta, deixando a


ponta solta para ajustá-la na hora certa e cubro sua boca
com a mordaça de couro. Por agora, posso me contentar
com sua dor e seu sangue, mas seus gritos serão todos
para Elisa.

Não quero uma vagabunda


rouca.

Quando Claudia acorda chutando os pés no ar, dou


uma tapa na cara dela e puxo a ponta da coleira que
espreme sua traqueia, bloqueando a passagem de ar para
os pulmões.

— Fica quieta se quiser que eu te foda. Não estou


com paciência. Devia ter pensado na sua merda feminista
antes de entrar no meu carro. — O segundo tapa que leva,
é ainda mais forte. — Putas não gostam carinho. Gostam
de rola. E você é a cobaia putinha que eu vou usar, até a
Elisa chegar.

Claudia choraminga, tentando tocar chão. É tão


burra que não percebe a distância de dez centímetros que
o separam dos seus pés.

Fico de pé na frente dela, apoio suas pernas nos


meus ombros com as mãos espalmadas na sua bunda. Sua
boceta se abre para mim.

— Pelo cheiro, aposto que já está molhada. —


Deslizo a língua sobre a extensão rachada. — Adoro
foder uma vadia. — Enfio um dedo no cu dela. — Adoro
ouvir uma vadia gemer. — Capturo seu clitóris com os
lábios. — Adoro ouvir uma vadia implorar pelo meu pau.
— Chupo o grelinho. — Mas não tem nada que eu adore
mais, do que o grito de dor de
uma vadia. — Mordo o nervo com força, até meus dentes
de cima se unirem aos de baixo, com a carne sensível
entre eles.

Seu corpo chacoalha alucinadamente, parecendo


uma lombriga com overdose. Ela abre, fecha e cruza os
braços. Joga a cabeça para trás, empurrando a bunda para
cima. Tomba para frente, seu queixo encosta no peito,
empurra a bunda para baixo.

Tudo para livrar seu


clitóris da minha prisão.

Mas em vez de soltá-lo, enrosco meus braços em


volta das suas coxas, como duas serpentes, prendendo-as
também. A imobilização imediata é um souvenir para a
besta.

Levanto os olhos, me divertindo com o quão


arregalados estão os dela, e separo os lábios o máximo
possível, para que a psicóloga testemunhe meus dentes
cerrados aniquilarem todas as terminações nervosas do
que, em poucos minutos, será seu ex nervo do prazer.

Graças às suas lágrimas e ao sabor do seu sangue


mais íntimo se espalhando na minha língua, sou
reverenciado pelos demônios, ainda que a besta me
repreenda por não dar o que ela tanto quer.

Quando ela se rende a dor, esmorecendo sob o meu


domínio, separo os dentes, fazendo uma careta de nojo ao
me deparar com o pedaço de carne escangalhado, tão
nojento quanto uma couve-flor cheia de fungos.
Empurro suas pernas para baixo dos meus ombros e
me afasto sem nenhum cuidado. Seu corpo balança no ar,
inerte.

Claudia está fraca, inconformada, provavelmente


querendo acreditar que isso não passa de um sonho e a
qualquer momento irá acordar, mas não vou permitir que
se engane ou minta para si mesma.

Quanto mais cedo ela admitir que agora é uma


cobaia, com a obrigação de fazer Elisa me conhecer de
verdade, e entender que o meu amor por ela sempre será
o motivo de tudo.

Levo Claudia para a sala e faço do seu corpo uma


rede, prendendo seus pulsos e tornozelos nos braceletes
de couro que fixei nos pés da mesa virada para baixo, e a
empurro levemente para testar a resistência das pulseiras
grossas.
Apesar do rangido da madeira conforme ela vai de
um lado para o outro, com a cabeça derrubada para trás,
me certifico de que não há nenhuma chance de a cobaia
cair ou se soltar.

No entanto, o movimento contínuo boas recordações


da minha infância, e começo a rir ao lembrar de quando
JC e eu brincávamos de Balança Caixão, com o caçula da
dona Efigênia, nossa vizinha e mulher mais porca que já
existiu.

Eu segurava nos braços do fedelho e JC nos pés, e


balançávamos o menino de um lado para o outro,
cantando a bendita música, antes de arremessar o
avexado no terreno baldio que a mãe dele usava de
privada sempre que se entupia de laxante, para não
empestear o barraco que eles moravam com a fedentina
da própria merda. JC chegava a mijar nas calças de
tanto rir do menino. Eu achava engraçado, claro. Mas o
que eu mais gostava, era de rir da risada do meu melhor
amigo.

Por um breve instante, lamento o passado. Mas a


besta se incube de não me deixar esquecê-lo e alertar do
perigo que Elisa está correndo, o que é suficiente para a
minha retomada de controle.

Pego o pacote de velas que guardei no armário da


cozinha. Ajoelho ao lado da base apoiada no chão, estico
o braço por baixo do corpo de Claudia e posiciono uma
sob cada ombro, uma no meio das suas costas, duas um
pouco acima da bunda e a última bem na direção do cu.

Apagadas, as velas sequer encostam nela, mas


quando o pavio absorve o fogo do isqueiro, começa tudo
de novo.
Claudia se sacode, esperneia e tenta a todo custo se
distanciar dos pontos de luz que queimam sua pele,
porém, não fico para assistir a sua rendição. Em poucos
minutos as chamas vão diminuir e ela terá algum tempo
para se recuperar.

Está quase na hora do almoço, mas ainda tenho uma


parada para fazer antes de voltar para casa e planejar a
falsa viagem de Elisa, sem que ninguém desconfie de
nada.

Quarto problema resolvido.

Agora só falta um.


Quando saí correndo do hospital e vim até a escola pública para me informar sobre o
que eu precisava fazer para poder voltar a estudar, não imaginei que teria tanto trabalho,
nem que testemunharia o quase atropelamento de um menino de quatro anos.

Muito menos que quem iria impedir a tragédia seria o homem que há pouco estava
na sala do Kevin.

Os gritos desesperados da mãe me levaram para a rua no exato momento em que ele
saltou no ar e pegou o menino, tirando-o da mira do carro. Os dois caíram no chão e
saíram rolando até o outro lado.

Eu não queria olhar, mas foi impossível desviar os olhos do homem enorme, mais
alto e mais forte que seu Dante, esfolando o corpo no asfalto para proteger o garotinho
como se fosse seu filho.

Meus olhos se encheram de lágrimas, primeiro de medo que eles se ferissem


gravemente, depois de apreensão sem saber se estavam bem e, por fim, de alívio ao ver o
menino no colo da mãe e as pessoas aplaudindo o responsável pelo ato de heroísmo que
eu jamais irei esquecer.

Mas nada do que senti se compara ao que sinto no momento em que ele se levanta,
creio que para ir embora, e me vê na calçada.

Desafogo, felicidade, gratidão e mais alguma coisa que não sei o que é, tudo ao
mesmo tempo.

Levo a mão ao meu peito, afundada no mar dos seus olhos, tão intensos, sinceros,
tristes, zangados, que suavizam quando ele me oferece a mão como um bote salva-vidas e
eu a seguro com a minha sem titubear.

Não sei explicar, mas sei que é seguro, confiável e… certo.


Juliano.
— Prazer, sou Elisa.
Algumas mães que estavam na escola se aproximam
e fazem uma rodinha em torno dele. Elas me empurram e
entram na minha frente, sem nem pedir licença, me
obrigando a dar alguns passos para trás.

Elogiam Juliano, perguntam seu nome, quantos anos


tem, onde mora, por quanto tempo vai ficar na cidade e
até se é solteiro, enquanto tocam nos braços dele.

Não sou idiota.

Juliano é lindo, mais velho, tem dinheiro e, com


certeza, receber atenção feminina deve ser tão comum
para ele quanto respirar.

Não tenho por que ficar


aqui.

Minha cabeça é uma grande bagunça, meu coração


nunca esteve tão perdido, e meu corpo implora por um
descanso. Isso porque o dia ainda está na metade.

Giro nos calcanhares, mas quando dou o segundo


passo para ir embora, uma mão quente e calejada segura
meu braço.

— Aonde você vai? — Juliano está atrás de mim,


olhando nos meus olhos com a expressão fechada, bem
diferente da que estava alguns minutos antes.

— Voltar para
casa.
— Não ia nem se despedir? — Seu olhar estreita,
porém sua mão continua no mesmo lugar.

— Você estava ocupado. — Aponto o queixo na


direção do grupinho de mulheres que nos encaram e
cochicham.

— Só estava
sendo educado.

— Se fosse
comigo, eu
também seria
educada.

— Acredite, você não gostaria de ser cercada por


um bando de mulheres.

Dou risada.

— Não, mas
gostaria se fosse
um bando de
homens.
— Isso não tem
graça. — Ele faz
cara de bravo. Eu
rio ainda mais.

— Tem para
mim.

— Tudo bem, vamos pular essa parte. — Sua mão


escorrega até a minha e seu dedinho se entrelaça ao meu.
— Estou morrendo de fome. O que você acha de almoçar
comigo?

Minhas bochechas esquentam e até tento esconder o


quanto sua pergunta me deixa espantada. O fato de eu
nunca ter sido convidada para nada, me deixa em dúvida
se Juliano está falando sério ou me convidando por pena,
porém não sei se quero saber.

Acreditar em uma mentira para esquecer a verdade


talvez não seja uma coisa ruim, afinal.

— Você quer… — Solto o ar que ficou preso em


meus pulmões. — Você está me convidando para
almoçar?

— Estou, mas se
preferir posso te
obrigar.

Nós dois sorrimos.

Quero ir com ele, porém saí de casa cedo para fazer


os exames e deixei um bilhete para a dona Laura
avisando que não iria demorar.
— Eu adoraria
aceitar o convite,
Juliano, mas não
posso.

— Você tem
namorado?

Meu olhar desce para os nossos dedos, então a


imagem do seu Dante vem à minha cabeça e tudo fica
confuso outra vez.

Digo a verdade:

— Não tenho ninguém. E você? — Volto a encará-


lo. — Tem namorada?

Juliano se afasta, enfiando as mãos nos bolsos como


se sentisse culpa por ter me tocado. Ele responde com os
olhos fechados:

— Eu tinha. Não
tenho mais.

— Você ainda é apaixonado por ela. — As palavras


pulam da minha boca sem eu perceber.
— Sou e acho que nunca vou deixar de ser. — Não
sei como me sinto com a sua confirmação, só sei que não
é um sentimento bom.

O que é uma loucura, já que


nós mal nos conhecemos.

— Minha mãe
dizia que o amor
é para sempre,
mesmo quando
acaba.
— Forço um sorriso amigável. — Tenho certeza que ela
também é apaixonada por você.

Ele olha para o céu.

— Não sei. Faz


muito tempo que
a gente não
conversa.

— Por que em vez de me convidar para almoçar,


você não faz esse convite para ela?

Juliano passa a mão no cabelo, visivelmente irritado


e me pergunto se na intenção de parecer uma mulher
madura não acabei falando besteira.

No entanto, ele não responde, pois um carro preto


estaciona em frente a escola e uma loira deslumbrante se
junta a nós, roubando toda a sua atenção sem fazer o
menor esforço.
Trinta minutos mais tarde, Juliano aceita o convite
da dona Laura e vai almoçar com ela, dando todas as
respostas que preciso. Eu aceito a realidade e volto a pé
para o meu trabalho.
Nunca me importei com o que as pessoas pensam a meu
respeito e não entendo essa minha preocupação com o que Elisa está
pensando, agora que estou sentado de frente para a patroa dela,
comendo lagosta no restaurante mais chique de Riacho Verde,
depois de aceitar o convite de Laura e agir como se não a tivesse
convidado para almoçar, meia hora antes.

O que também foi uma atitude irresponsável, mas irresistível.


Pelo menos quando estávamos na porta da escola e a vi indo embora.

Ao descer do carro, no estacionamento do Buon Appetito, até


usei a desculpa da camisa rasgada e da calça suja para desistir do
almoço, mas Laura insistiu tanto para que eu ficasse, que acabei me
culpando por priorizar os sentimentos de uma mulher que mal
conheço em vez de aproveitar uma chance de ouro para descobrir
mais sobre o pastor Humberto e o faz-tudo da cidade, que não pega
nem resfriado.

— Está na cidade a trabalho? — A pergunta de Laura afasta a


imagem cabisbaixa de Elisa da minha cabeça.
— Eu vivo para o trabalho. — Dou meu melhor
sorriso e conto a mesma mentira que contei para Marilyn,
apenas troco o Departamento de Pesquisas da Polícia pelo
da Universidade Global, onde Sabrina cursava o primeiro
ano de Direito quando foi assassinada.

— Qual a pauta da sua pesquisa? — Ela bebe um


gole de vinho branco, me encarando por cima da borda da
taça e confirma minha teoria.

A filha do pastor calcula


cada movimento.

— A influência da fé na
vida das pessoas. Laura
arqueia as sobrancelhas.
— Você já tem
alguma
referência?

— A recepcionista do hotel me indicou a igreja


Alvorada. Ela elogiou o trabalho do pastor e garantiu que
ele pode me fornecer todas as estatísticas que preciso. —
Dou de ombros e jogo a isca: — Estou pensando em dar
uma passada para conhecer, mas duvido que uma cidade
com quinze mil habitantes não tenha outras igrejas tão
respeitadas quanto essa, senão até mais.

O sorriso dela assegura que


atingi meu objetivo.

— Eu posso
apresentá-lo ao
pastor, se quiser.
Apoio os cotovelos na mesa, parecendo mais
empolgado do que realmente me sinto.

— Seria ótimo! O
que você sabe
sobre ele?

— Tudo.

Enrugo a testa e recosto na


cadeira, com uma
expressão confusa.

— Desculpa se estiver sendo indelicado. Mas você


conhece bem o pastor Humberto?

Laura bebe outro gole, agora mais longo, como se


precisasse se preparar para falar sobre o pai.

— Sou filha dele.


Acho que mereço
algum crédito.
— Uau! — Arregalo os olhos. — Uau! — repito e
nós dois rimos, mas o sorriso de Laura não chega aos
olhos. — Isso é incrível.

— Eu ser filha do
pastor?

— Não. — Bebo um gole da minha água com gás.


— Você ir até a escola, preocupada com a sua emprega e
me convidar para almoçar sem saber quem eu era. Eu
aceitar o convite sem saber quem você era e descobrir
que estou diante da filha do homem que, tudo indica, será
a base da pesquisa que pode mudar a minha vida.

— Essa pesquisa
é muito
importante pra
você?

— A mais
importante de
todas — digo
sério.

— Desafio profissional?
Nego com a cabeça.
— Realização pessoal — respondo com
determinação e encaro Laura com frieza para que ela
saiba que não é uma brincadeira, porém sua neutralidade
deixa claro que sequer notou.

Ao contrário de Elisa, que parecia saber tudo que eu


estava sentindo com apenas um olhar.
Exatamente como ela não conseguiu esconder seus
sentimentos de mim, mesmo com todo seu esforço.

— Estou trabalhando nela há mais de vinte anos,


mas nunca consegui finalizá-la. Dessa vez isso não vai
acontecer.

— O que tem de
diferente agora?

A vida da sua empregada


pode estar em minhas
mãos.

— Um emprego fora do país — falo a primeira coisa


que me vem à cabeça.

Laura ergue taça, com uma


largo sorriso que não me
convence.

— Pode contar comigo. — Ela desliza a língua entre


os lábios, antes de beber o resto do vinho. — Mas
confesso que vou gostar se você puder ficar mais tempo
por aqui.
O garçom retira nossos pratos e Laura comprova que
não está mentindo quando pede a sobremesa. Ainda quero
informações sobre o faz- tudo, mas não pretendia usar seu
interesse para consegui-las.

No entanto, não me resta


outra escolha.

— Seu marido
não fica
enciumado por
você almoçar
comigo?

— Dante não
sente ciúme.

— Duvido. Qualquer homem morreria de ciúme se


fosse casado com uma mulher como você — Minha
olhada para o seu decote é descarada. — Talvez ele só
tenha vergonha ou seja muito machista para assumir.

— Ciúme faz
parte do amor.
Meu marido não
me ama.

— Tive apenas um relacionamento duradouro e não


sou a pessoa mais indicada para fazer análise sobre
comportamento amoroso, mas em um casamento de
muitos anos, é inevitável que os sentimentos mudem. O
casal se torna mais amigo, o tesão perde a explosão do
começo e por aí vai.
Laura pede a segunda
garrafa de vinho. Eu fico na
água.

Ela já esvaziou a primeira e não apresenta qualquer


indício de que esteja bêbada, sinal de que o álcool faz
parte da sua rotina. Mesmo assim, vou garantir que
Humberto não tenha que comparecer à delegacia para
buscar sua filha, presa por dirigir embriagada.

— Dante gosta de
mim, mas ainda é
apaixonado pela
ex noiva.

Essa notícia é nova e fora de contexto. Não faço


questão de esconder minha curiosidade.

— Não vejo você como uma mulher que se contenta


em ser a segunda opção. De nada, nem de ninguém.

— Às vezes, coisas ruins acontecem, uma após a


outra, e ficamos tão focados no sofrimento, sentindo pena
de nós mesmos, que quando percebemos é tarde para
voltar atrás de algumas decisões.

Laura dispensa a formalidade quando o garçom traz


sua bebida e toma outro gole.

— Você se
arrepende de ter
se casado?
— Não. Sempre quis me casar. — Ela olha para os
lados. — Me arrependo de ter me casado com o Dante.

— Já conversou
com o seu
marido?

— O que eu
poderia falar, se
desde o começo
ele foi honesto?

— Ele sabe como


se sente em
relação à ex?

— Não importa o que o Dante sabe. O que importa é


que ele não se importa.

— Como pode saber se não


conversa com ele? Laura se
inclina para frente e
sussurra:
— O problema não é o fato de que, há muito tempo,
meu marido não me vê como mulher, e sim, o de ele não
se importar com o que eu faço, nem com quem, para não
ser consumida pela carência. Quer saber o que eu faço
quando estou carente?

Não respondo, pois seu joguinho passa dos limites


quando ela lambe os lábios, descendo os olhos até os
meus.

— Me sinto
sozinha,
vulnerável e
cometo erros.

— Que tipo de
erros?

Laura leva a taça à boca,


bebe tudo num gole só e a
enche outra vez.
Respirando fundo, murmura:

— O tipo que eu acabo no quarto de um hotel


qualquer, na cama com um homem que está na cidade de
passagem, dando para ele tudo que o meu marido rejeita.

Um senhor engravatado para ao lado da mesa e põe


a mão no ombro dela, que se assusta com o toque, mas
sorri quando gira a cabeça e o reconhece, me instigando a
descobrir quem é esse homem.

— Não sabia que


estaria aqui,
querida.

— Eu não sabia
que viria. Alguma
notícia da
Jurema?

Antes de responder, ele


estende a mão na minha
direção.
— Rogério, muito prazer. Sinto muito atrapalhar o
almoço de vocês, prometo que serei rápido.

— Juliano, o prazer é meu. — Aperto sua mão. —


Não atrapalha em nada. Fique à vontade.

Ele assente e volta a falar


com Laura.

— O celular continua desligado, ela não visitou


nenhum cliente, não movimentou a conta bancária, nem
usou o cartão de crédito. Não sei mais o que fazer. Estive
na delegacia hoje de manhã. O delegado disse que está
investigando, mas eu sei que ele não acredita em mim. —
O cara parece desolado.

— Seu advogado não falou nada? — pergunta ela,


com uma expressão carrancuda.

— Ele saiu da
cidade e não pôde
me acompanhar.

— Você não
devia ter ido
sozinho. Por que
não me ligou?

— Eu liguei, mas seu


celular estava desligado.
Laura bufa.
— Não sei o que aconteceu. Acho que descarregou,
porque nem o despertador tocou. Dante deve ter saído
cedo para trabalhar, por isso não me chamou e acabei
perdendo a hora. Acordei quase nove e meia. — Ela dá
um tapinha no braço dele. — Por que não passou lá em
casa? Eu teria ido com você.

— Não se preocupe. — Rogério dá um sorriso


amarelo. — O Abílio liberou o Kevin para ir comigo.
Você conhece aquele menino, falou poucas e boas para o
delegado.

Puta merda! É o pai do


garoto do almoxarifado.

— O que vai
fazer hoje à
noite?

— Tenho uma
reunião do
Conselho. — Ele
faz uma careta.

— Minha mãe está reunindo o pessoal do Pequenos


Aprendizes, para definir as metas de colocação no
mercado de trabalho do próximo semestre. Ela vai adorar
se você aparecer por lá.
— Vou tentar.

Rogério se despede de Laura dando um beijo


fraternal no alto da cabeça dela, aperta minha mão outra
vez e vai embora. O garçom traz a sobremesa que está
com a cara ótima, mas não consigo parar de pensar no
que ela falou.

— Alguma coisa
séria?

— A namorada
dele desapareceu.

— Há quanto
tempo ela está
desaparecida?

— Três dias, se
não me engano.

— Por que o
delegado não
acredita nele?

— É complicado. Rogério tem a idade do meu pai e


a Jurema tem a minha. — Laura limpa a boca com
guardanapo, atuando no papel de filha do pastor. — É
uma mulher linda, inteligente, trabalhadora, mas não teve
muita sorte com os namorados. Infelizmente, as pessoas
não acreditam que ela realmente ama o Rogério e dizem
que só está com ele por causa do dinheiro. Quando a
Jurema sumiu, surgiu um boato de que ela tinha fugido
com o amante. Um empreiteiro de Pedra Santa.
— Você acredita
nisso?

Não conheço a madrasta do Kevin, mas sei que ela


não bordaria o nome do enteado no jaleco do garoto, se
estivesse com o pai dele por dinheiro.

Pequenos detalhes que dizem muito sobre alguém, e


fazem toda a diferença no final das contas.

— Não acredito,
mas também não
duvido.

A resposta não condiz com a forma que ela se


mostrou preocupada com o sumiço da moça e se propôs a
ajudar Rogério.

— Você sabe de
alguma coisa que
ninguém sabe?

— Está
perguntando se já
vi a Jurema com
outro homem?

— Viu?
— Não.

— Então por que


não duvida que o
boato seja
verdade?

Ela come o último pedaço do pudim de leite e na


ânsia de seguir os passos do pai, me apresenta à
verdadeira Laura.

— Convivo diariamente com mulheres que não têm


condições financeiras nem para suprir o básico
necessário, mas não são essas mulheres que se perdem na
vida. São as que nunca receberam amor, independente da
classe social. — Seu tom é de superioridade. — Jurema e
Elisa são ótimos exemplos dos traumas que o descaso e o
abandono podem causar.

Meu corpo se alvoroça ao


ouvir o nome da provável
filha de JC.

— Elisa, sua empregada? — indago como se não


soubesse. Laura assente, deslizando o dedo sobre a toalha
de mesa grã-fina.

— A menina veio ao mundo para sofrer. Pai


assassino, mãe prostituta, totalmente sozinha no mundo.
Estou fazendo o que posso para ajudá-la, mas a cada dia
que passa, meu marido prova que tinha razão. Ele odeia a
Elisa e estou começando a entender o porquê. Não viu
como ela se ofereceu para você?
— Para mim? — A surpresa na minha voz é
genuína, tanto pelo seu desprezo disfarçado de
preocupação, quanto pelo comentário sobre os pais de
Elisa.

Pai assassino e mãe


prostituta. Porra!

A empregada da mulher à minha frente é a filha do


melhor amigo de Daniel Bonavides.

— Por favor, Juliano. Elisa estava te comendo com


os olhos — desdenha, como se fosse uma afronta eu me
interessar por Elisa.

Estou por um triz de mandar Laura ir se foder,


porém me seguro porque preciso dela para me aproximar
de Humberto.

— Não reparei, mas não vejo nenhum problema se


ela estivesse. — Sou sincero. Entretanto a mera
possibilidade de Elisa ter me comido com os olhos, me
agrada mais do que deveria.
— Concordo. Não vejo problema em uma menina de
vinte anos que não tem onde cair morta, cultivar a ilusão
de que um homem como você vai se apaixonar por ela e
resgatá-la da miséria. Mas essa necessidade arraigada de
sedução vulgar, comprova que é apenas uma questão de
tempo para Elisa assumir o lugar da mãe. — Laura olha
nos meus olhos, esnobe.
— A princesa prostituta da cidade, que passa o tempo
destruindo casamentos, enquanto espera o príncipe
encantado.

Agradeço por seu telefone começa a tocar,


encerrando a nossa conversa antes que eu fale alguma
merda e estrague tudo.

— Meu pai está saindo de São Paulo, deve chegar


em casa no final da tarde. Se não tiver compromisso,
estou livre para te levar até a Alvorada.
— Laura estica o braço e cobre minha mão com a sua. —
Você pode aproveitar que a igreja está vazia para me
conhecer melhor.

Mais uma vez não quero


aceitar seu convite. Mais
uma vez aceito.
Mais uma vez o destino se
vira contra mim.
Envio uma mensagem para Celeste assim que entro no estacionamento do Pet Shot.
Estarei aí em dez minutos.

Ela responde em seguida.


Humberto está voltando
hoje. Não venha.

Dou um soco no volante. Esse velho filho da puta


não vai estragar meus planos.
Que horas ele vai chegar?

A resposta é curta. Minha


sogra está se borrando nas
calçolas.
Seis.

Solto o ar que estava


prendendo.
Ainda são duas, e você só vai precisar de uma
para me dar o que a sua filha está dando para o
amante. Me espere no escritório. Vou te comer em cima
da mesa para o seu marido sentir o cheiro da minha
porra quando estiver lendo a bíblia.

Largo o celular no banco, ciente de que ela não irá


responder. Coloco o boné, os óculos de sol e saio do
carro.

Um sininho toca quando entro na loja de animais.


Caminho pelos corredores, procurando o que preciso. O
vídeo que gravei de Celeste ficou ótimo. A esposa do
pastor de quase sessenta anos cavalgando no pau do
marido da filha, com mais disposição que as putinhas de
vinte e cinco, certamente vai deixar Humberto e Laura
comendo na palma da minha mão, mas um homem
prevenido vale por dois.

Dois trunfos.
Além de foder Celeste no lugar sagrado para o
pastor, vou garantir que minha esposa e meu sogro
saibam que se não fizerem o que eu mandar, o mundo vai
ter uma bela amostra que além de vagabunda, a velha
também é uma cadela submissa e se submete até a
degradação, para purificar a alma com o leite sagrado do
genro.

De frente para a prateleira, fico em dúvida de qual


coleira levar por conta da variedade de tamanhos e cores.

— Posso ajudá-
lo? — A
vendedora
pergunta ao meu
lado.

— Ainda estou
decidindo —
respondo sem
olhar para ela.

— Quantos quilos
o seu cachorro
pesa?

— Quê?

Ela dá risada e aponta para


as coleiras menores.

— Se o pet for muito gordo, essas vão ficar


apertadas e podem machucar. — Seu dedo aponta na
direção das maiores. — Se for pequeno, essas vão ficar
muito grandes e ele pode fugir. Por isso é mais fácil de
escolher, se souber o peso do animal.

Como eu vou saber quantos


quilos minha sogra pesa,
porra?

— Qual o nome dele? — Ela pergunta quando eu


demoro para responder.

— Dela — a
corrijo. —
Celeste.

— O senhor sabe
a raça?

Tive alguns animais de


estimação quando era
criança.

Três cachorros, uns dez gatos, cinco ou seis


pássaros, e um peixe, mas quando a tartaruga que o
criador assegurou que viveria mais que eu, morreu cinco
meses depois, meu pai não teve dúvida de que eu tinha
matado todos os bichos que ele comprou para mim,
acreditando que suas mortes foram acidentais como eu
havia falado.

Então me lembro do cachorro do açougueiro que


minha mãe adorava brincar. O porte físico dele era
parecido com o da minha sogra.

— Buldogue
inglês —
respondo,
convicto.
Com certeza a velha seria
um buldogue.

A vendedora sorri, me convence a pagar trinta reais


na coleira lilás com guia, alegando que os cachorros
sentem quando os donos os tratam com carinho.

O único carinho que Celeste vai receber, é um osso


duro e grosso atochado no fundo da boceta. E aposto que
vai gostar.

Escolho a vasilha de água, os petiscos e dirijo em


direção à casa da cadela no cio.

Seguindo o mesmo ritual de sempre, estaciono o


Corolla, sorrio, cumprimento o segurança com um aceno
de mão, atravesso o quintal e entro pela porta da frente,
no entanto, em vez de seguir para a biblioteca, viro à
direita na sala de estar e chego ao escritório.

Minha sogra está à minha espera. Cabelo


impecavelmente preso em um coque baixo. Brincos,
pulseiras e relógio de ouro. Levemente maquiada. Seu
vestido é elegante, discreto e de grife.

Azul-marinho.

O que me faz lembrar do


trapo velho que Elisa vestia
de manhã.

— Está linda,
Celeste. — Meu
elogio suaviza
sua tensão.
— Obrigada,
Dante. — Seus
olhos passeiam
pelo corpo.

Velha tarada.

— Por que o pastor antecipou a volta? — Tranco a


porta, deixo a sacola do Pet Shop em cima da poltrona e
me aproximo dela.

— Humberto está
preocupado com o Rogério.
Mais um motivo para
providenciar outro vídeo.
— Foi isso que ele disse? — Paro à sua frente,
estendo o braço e torço o bico do seio por cima da roupa.
Celeste ofega.

— Foi.

— Você
acreditou?
— Eu…

— Não minta —
brado
entredentes,
apertando mais
forte.

— Dante…

Belisco o outro mamilo com a mão livre. Ela apoia a


bunda na beirada da mesa e joga a cabeça para trás.

— Você acha que o Humberto está preocupado com


o Rogério, ou com a puta da Jurema?

— Não sei.

— Não sabe que


o seu marido é
louco pela
namorada do
amigo?

— Eu…

Agarro a bola de fios claros presa na nuca e puxo


cabeça dela para baixo.

— A verdade — rosno em seu ouvido. — Quero


ouvir você dizer que nunca viu o Humberto olhar para a
Jurema como se ela fosse uma picanha suculenta que ele
não vê a hora de comer.
— Está me
machucando,
Dante!

— Isso não é nada comparado ao que eu vou fazer


se não disser a maldita verdade. — Empurro sua cabeça
com mais força.

— Eu já vi!

Claro que já. A cidade inteira sabe que o pastor


perde a compostura sempre que Jurema está por perto e
só não comeu a puta porque ela o rejeitou.

— Já viu o quê?

— O Humberto flertar com a Jurema. — Solto seu


cabelo, ela cai de joelhos e começa a chorar.

Aproveito sua posição para tirar a caneta do bolso e


posicioná-la em cima da mesa, com a câmera virada para
o centro do escritório. Jogo a sacola no chão e me sento
na poltrona.
— Vem aqui — ordeno, impaciente. Ela endireita os
ombros e se prepara para levantar. — De quatro, Celeste.

Minha sogra levanta a


cabeça. Seus olhos estão
esbugalhados.

— O que você
falou? —
pergunta, secando
o rosto com a
mão.

— Eu falei pra
vir aqui. —
Desabotoo a
calça,
sustentando seu
olhar.
— De quatro. — Abro o zíper. — Hoje você vai ser
minha cachorra. — Seguro meu pau mole. — Eu serei
seu adestrador.

Mesmo contrariada, ela obedece, e a cena que era


para ser hilária, acaba sendo sexy pra caralho.

— Tira a roupa,
sem se levantar
— determino,
frio, autoritário.

Celeste demora para se livrar da calcinha, mas agora


está do jeito que eu quero. Pelada e com a bunda virada
para a câmera.
Passo a mão no seu cabelo. Relaxo no estofado de
couro e arreio a calça até os tornozelos.

— Pode pegar o seu osso. Mas não é para morder, só


para chupar. — Ela engatinha se encaixando entre as
minhas pernas, e me engole. — Isso. Mostra pro
Humberto que o seu boquete é muito melhor que o da
Jurema
— provoco, incitando sua raiva. A velha me leva mais
fundo. — O pastor quer as putas da rua. Eu quero a puta
que ele tem dentro de casa, que adora dar a boceta e gozar
no pau do genro.

Fecho os olhos quando a glande alcança a garganta


dela. Empurro mais rápido. Ela se engasga, mas não
diminuo o ritmo.

— Aquele velho idiota não sabe o que está


perdendo. Melhor pra mim. Você agora é a minha
vagabunda, Celeste. Só minha — sibilo por entre os
dentes cerrados, sentindo as bolas contraírem.

Esporro na boca dela, momentaneamente saciado.


Ela não desperdiça uma única gota, e ainda me limpa com
a língua.

— Olha pra mim. — Meu tom é severo. Minha


sogra obedece prontamente. A tristeza em seus se foi.
Tudo que vejo é o brilho devasso que meu sogro sequer
consegue enxergar.
— É a sua primeira aula. Se fizer a lição direitinho,
vou comer sua boceta em cima da mesa e deixar você
gozar. Se reclamar, chorar ou qualquer coisa que me
irrite, vou enfiar um plug no teu rabo e arrebentar todas
as pregas. Entendeu?

Celeste faz que sim com a


cabeça.

Abro a sacola e tiro a


coleira lilás com guia.

— Vamos
passear, sogrinha.

Seus olhos arregalam, sua expressão é de terror. No


entanto, os mamilos intumescem e a boceta pinga nos
meus dedos. A esposa recatada do pastor, se recrimina. A
cachorra vagabunda, se excita.

Por fim, saio da casa da minha sogra com o que vim


buscar. E entrego o que ela sempre quis receber.

Último problema resolvido.

Finalmente a ratinha está


livre para conhecer a
ratoeira.
Ligo o rádio, decidida a fazer uma
faxina na casa.

Começo pelo andar de cima, distraindo meu cérebro com as


músicas e notícias, sempre que ele traz de volta as lembranças da
noite com o seu Dante, do descaso da recepcionista no hospital, do
pânico na sala de exames, do encontro com Juliano e, especialmente,
da imagem dele indo almoçar com a dona Laura.

Não quero pensar em nada que me


deixe triste.

Se pudesse, apagaria minha memória. Como não posso, me


esforço para me convencer de que a minha vida só vai melhorar
quando eu for embora de Riacho Verde.

Por isso, tenho que me dedicar ao trabalho e juntar o dinheiro


da passagem para São Paulo o mais depressa que conseguir.

A tarde passa voando, o que é bom. Assim não tenho tempo de


ficar imaginando se Juliano está com a dona Laura, se almoçaram e
cada um foi
para um canto ou se resolveram ir para algum lugar onde
pudessem ficar sozinhos. Só os dois.

Termino de secar a lavanderia e carrego o balde


pesado para pendurar os panos de chão no quintal. O
barulho de um carro estacionando na frente da casa faz
meu coração acelerar.

Estou imunda, suada e


fedida.

Vou morrer se for a dona


Laura e o Juliano.

Logo que o medo de ser flagrada se instala na minha


cabeça, encosto a testa na parede e fecho os olhos, me
xingando por ser tão idiota. Eu poderia estar limpa,
cheirosa e arrumada, que ele nunca iria olhar para mim
como olhou para ela.

Eu estava lá e vi a
admiração nos olhos dele.

Odeio que a esposa do seu Dante seja tão linda, tão


rica, tão culta. Odeio que ela tenha tido uma infância
maravilhosa, pais amorosos e todas as oportunidades que
eu nunca tive. Mas não a odeio.

De jeito nenhum.

Queria que o mundo fosse justo e todos tivessem


chances iguais ao nascerem. Infelizmente, não existe
justiça e esse é o principal motivo pelo qual não posso
ficar aqui.
Se quiser ser alguém na vida, tenho que parar de ter
pena de mim mesma e ir à luta. Não sou bonita como a
dona Laura, mas sou inteligente.

Era boa na escola, tirava notas altas e não teria sido


reprovada duas vezes se Lindalva não tivesse ficado
doente. Gosto de estudar. Tenho apenas vinte anos e ainda
posso aprender muitas coisas.

— Falando sozinha? — Levo um susto ao ouvir a


voz de Kevin, do outro lado do muro.

— Quer me matar
do coração?

— Não ouviu o portão bater? — Ele aponta para a


rua, na direção do seu Rogério, que acaba de entrar.
— Estava concentrada no trabalho. — A mentira
esquenta minhas bochechas e sei que estou vermelha.

— Pendurar pano de chão é uma tarefa muito


complicada mesmo. — Kevin ri, debochado. — Exige
muita concentração.

— Você é sempre assim? — Ponho as mãos na


cintura, fazendo cara de brava.

— Assim como?

— Chato.

— Sempre, Elisa
— seu Rogério
responde pelo
filho, se
aproximando.
— Uns dias mais, outros menos. Mas a chatice
está no DNA desse garoto.

— Para de
queimar meu
filme, pai.

— Seu filme está queimado


faz tempo. Não tenho
culpa. Nós rimos.
— Pode me fazer
um favor, Elisa?

— Claro, seu
Rogério.
— Avisa a Laura que eu
preciso falar com ela? Meu
sorriso se desfaz.
— Ela não está
em casa.

— Ainda não
chegou?

— Não, senhor.

Ele tira o celular do bolso e arqueia as sobrancelhas,


encarando o aparelho.

— O almoço
deve ter sido bom
— fala baixinho.

— Que almoço?
— Kevin
pergunta.

— Fui almoçar no Buon Appetito com o diretor do


banco e encontrei a Laura. Ela estava com um homem
chamado Juliano. — Ele leva o telefone
ao ouvido. — Preciso avisá-la que não irei à casa da
Celeste. Tenho um compromisso amanhã cedo e não
quero chegar tarde em casa.

Quando minha patroa atende e seu Rogério começa


a falar com ela, volto a pendurar os panos para não ouvir
a conversa, mas é impossível. E cada palavra que escuto,
me deixa mais triste e confusa do que já estava.

Dona Laura e Juliano estão na igreja do pai dela.


Eles foram para lá depois que saíram do restaurante, o
que significa que passaram a tarde inteira juntos.

Pelo que entendi, ela se ofereceu para ajudá-lo com


uma pesquisa de trabalho.

Claro que Juliano aceitou a ajuda da dona Laura,


assim como aceitou o convite dela para almoçar, fingindo
esquecer que havia feito o mesmo convite para mim,
minutos antes.

Eu queria gritar e perguntar se ele estava


arrependido de ter me convidado, mas não tive coragem.
No fundo, sabia que se perguntasse Juliano diria que sim.

Agora, de cabeça fria, agradeço por ele não me


dispensar na frente dela, ou minha humilhação seria
muito maior.

Meu peito apertou quando dona Laura perguntou se


Juliano gostaria de ir almoçar com ela. Sou tão estúpida
que ainda nutria esperança que ele dissesse não.

Por minha causa. Porque


preferia ir comigo.
Mas Juliano nem piscou para responder aquele sim
que não deixa dúvida sobre a preferência de um homem
que sabe exatamente o quer.

E me descartou mais rápido que um piloto de


corrida descartaria um pneu furado.

Saber que ele preferiu a companhia da dona Laura


doeu, mas com certeza, teria sido mil vezes pior se
tivesse ouvido as palavras da boca dele.

Seu Rogério encerra a ligação e me chama para


repassar o recado da minha patroa, com a expressão
preocupada:
— Elisa, Laura pediu pra você guardar a comida na
geladeira. Ela e o Juliano estão na Alvorada esperando o
Humberto chegar de viagem. Depois eles vão sair para
jantar e conversar sobre a pesquisa que ele está fazendo.
Ela não tem hora para voltar.

Assinto, em silêncio.

— Quero ver as fofoqueiras que adoram meter o


pau na Jurema, espalharem por aí que a filha do pastor
está sassaricando pela cidade com um cara solteiro,
enquanto o marido dela está trabalhando — Kevin se
revolta.

— O que a Laura faz não é da sua conta —


repreende seu Rogério, com a mão no ombro do rapaz. —
Se cada um tomasse conta da sua vida, muitos problemas
seriam evitados.

— Eu sei, pai. Mas não é certo. Dois pesos, duas


medidas. Só porque uma é pobre e a outra podre de rica.

— Esquece isso. — Ele dá um beijo na testa do


filho. — Pede uma pizza pra você. Vou comer alguma
coisa na rua. Até mais, Elisa.

— Até, seu
Rogério.

Logo que a porta se fecha atrás do vizinho. Kevin


senta no muro com as pernas balançando no quintal da
dona Laura.

— Mudando de
assunto, o que a
Ludmila falou pra
você?

Não queria pensar sobre isso, mas se ele não souber


por mim, vai acabar sabendo por outra pessoa.

Guardo os pregadores no bolso do avental e apoio os


cotovelos na mureta, ao lado dele, para contar o que nem
eu sabia que estava acontecendo na recepção do hospital,
enquanto fazia os exames.

— O problema não foi o que ela falou, mas o jeito


de falar, sabe? Como se eu não tivesse o direito de estar
lá. Como se eu fosse… menos.

— Por isso estava


chorando quanto
a gente se
esbarrou?

— Quando você esbarrou em mim? — corrijo, com


ironia. — Acho que sim.
— Acha?

Encolho os ombros, pois


ainda não cheguei a uma
conclusão.

— Normalmente não ligo para essas coisas. Na


minha cidade, eu já tinha me acostumado a ser tratada
assim por causa da profissão da minha mãe, mas hoje
estava com a cabeça muito cheia e o coração vazio. Aí,
quando ela me deu o folheto e me mandou embora, sem
nem olhar na minha cara, não consegui me segurar e
comecei a chorar.

— Como a Laura
soube?

— A Rosângela ficou desconfiada logo que a


Ludmila quis confirmar o que eu disse, e ligou pro
segurança para saber se ela estava implicando comigo.
Ele contou tudo que viu. Quando entrei para fazer o Raio-
X, a Rosângela ligou pra dona Laura e falou que a
recepcionista me destratou na frente de todo mundo.

— Ninguém gostava da Ludmila. Quando o doutor


Gonçalo avisou que ela tinha sido demitida, parecia final
de Copa do Mundo. Todo mundo comemorou.

— Eu não queria
que ela perdesse
o emprego.

— Se ainda não percebeu, a família da sua patroa


manda e desmanda nessa cidade. Um telefonema e
pronto. Você não teve culpa.
— Só fiquei sabendo que a dona Laura tinha ligado
pro doutor Gonçalo, quando ela apareceu na escola e me
contou.

Kevin prende uma mecha


do meu cabelo atrás da
orelha.

— A Laura foi no hospital te procurar. Eu não ia


contar para onde você tinha ido, mas ela estava tão
preocupada que achei melhor falar pra não arrumar mais
confusão.

— Você fez bem


em contar.

Se não tivesse contado, eu teria acreditado que o


Juliano estava interessado em mim.

— Não está
chateada?

— Claro que não.


Não com você.

Kevin fica em silêncio por


alguns segundos, antes de
comentar

— O Juliano
também foi lá na
escola atrás você.

Abro a boca para perguntar por que ele foi atrás de


mim, mas o barulho do portão eletrônico ganha a minha
atenção. Olho para a frente da casa no momento que seu
Dante entra com o carro na garagem.

— Não gosto
desse cara —
Kevin resmunga
baixinho.

— Por quê?

— Não sei. Só sei


que não gosto.

Quando meu patrão abre a porta e desce, seu olhar


está cravado no meu como uma fenda felina, estreito,
feroz.

— Preciso de você, Elisa. Agora. — Seu Dante


vocifera sem nem cumprimentar o filho do vizinho, e
marcha para dentro da casa.
— Você não tem
medo de ficar
sozinha com ele?

A pergunta de Kevin me deixa nervosa, pois não sei


se medo é a palavra certa para descrever o que sinto.

Até ontem, eu já estaria seguindo seu Dante, ansiosa


para que me tocasse. Hoje, não quero que ele me toque e
estou ansiosa para me trancar no quarto, cair na cama e
dormir a noite inteira.

Afastando-me, dou um
sorriso pequeno para
Kevin.

— Seu Dante não vai me fazer mal. Ele não gosta de


mim, mas é o melhor amigo do meu pai.

— Não confiaria tanto se fosse você. — Ele pula do


muro, caindo com os pés no seu quintal. — Vou ficar em
casa. Se precisar de alguma coisa, é só chamar.

— Obrigada. Se
tiver notícia da
Jurema, me avisa.

— Boa noite,
Elisa.

— Boa noite,
Kevin.
Dou a volta no quintal para deixar o balde na
lavanderia e guardar os pregadores na cestinha. Estou
desamarrando o avental quando sou arremessada para
frente.

— Eu avisei que não quero outro homem perto de


você — Seu Dante vocifera no meu ouvido, me
pressionando contra a parede. — Sorte daquele fedelho
que a ratoeira está pronta. — Ele beija meu pescoço
enquanto enfia as mãos por baixo da minha saia. —
Ninguém vai chegar perto da ratinha.
— Ele rasga a calcinha. — Ninguém vai tocar
no que é meu.

Quero afastá-lo e pedir para parar, mas minha voz


desaparece no instante que seu dedo me invade. Meu
corpo discute com o meu cérebro. Um é desejo o outro é
razão.

Seu Dante me vira de frente


para ele e se abaixa.

— Passei o dia todo pensando nessa boceta. — Tira


a minha saia. — Não via a hora de te pegar de jeito,
ratinha.

Coloca uma perna no seu ombro, me deixando


aberta para ele e me lambe devagar. É uma delícia, mas
não posso mais me enganar.

— Não, seu Dante. Não quero fazer isso. — Minha


voz é alta e meu tom é firme, mesmo assim ele finge que
não escuta e continua me devorando. — Por favor, para!
— Eu o empurro para trás.
Seus olhos sobem até os
meus, frios, furiosos.

— Você quer. — Ele fica de pé. — Você me ama. —


Eu nego com a cabeça. Seu Dante tira a camisa. — Você
é minha. — Tira a calça junto com a cueca. Eu me
apavoro. — Vai abrir as pernas — rosna, eliminando a
pequena distância que nos separa. — Vai levar meu pau.
— Esfrega seu membro no meu clitóris. — Vai gemer
como uma puta.

Seu Dante tenta me beijar,


eu viro o rosto, ele se
transforma.

A palma da mão dele estala no meu rosto. Minha


cabeça dá um tranco para o lado. O barulho do tapa ecoa
pela lavanderia, minha pele arde tanto que chega a
queimar.

Ele segura meu queixo com os dedos afundados nas


minhas bochechas e me obriga a encará-lo. Lágrimas
escorrem dos meus olhos quando vejo um ódio que
desconheço, estampado nos dele.
— Eu te amo, ratinha — balbucia e encosta a testa
na minha. — Você roubou o amor que era dela. Agora ele
é todo seu.

Seu Dante tenta me beijar


de novo e, de novo, eu viro
a cabeça.

— O senhor é casado. Daqui a pouco a dona Laura


vai chegar. Não posso perder meu emprego — falo com
calma, apesar da diligência que sacode meu peito.

Ele volta a esfregar o membro no meu clitóris e a


beijar meu pescoço, ao mesmo tempo que acaricia meus
mamilos por baixo da blusa, como se eu não tivesse
falado nada.

Como se eu não tivesse


acabado de dizer que não
quero.

— Esquece a Laura. — Apoio as mãos nos ombros


dele, me empenhando para não sucumbir ao prazer. —
Ela já deve estar montada no pau do novo amante. Eu vi
os dois se beijando na igreja.

Seu Dante solta uma gargalhada e me encara com


um olhar maléfico. Meu corpo estremece até o último fio
de cabelo, ao imaginar Juliano beijando a dona Laura.

— Agora tenho três trunfos e os Gutierres não


podem fazer nada contra mim. Você vai morar na ratoeira
e nunca mais terá que trabalhar para aquela vagabunda.
Eu vou te dar tudo que você precisa. A partir dessa noite,
será apenas você e as cobaias. Para sempre, ratinha.
Meu cérebro dá um nó.

Trunfo? Ratoeira? Cobaia?


Do que ele está falando.

— Eu não quero
ir morar com o
senhor.

Minhas palavras soam como raios congelantes, pois


o homem paralisa, me fuzilando com um par de olhos
negros assassinos.

Seu Dante se eleva sobre mim, agarra meu cabelo e


puxa minha cabeça para trás e para baixo. Grito de dor
quando minha coluna enverga, estalando as costelas.

— Você me ama,
não ama, Elisa?
— Ele grunhe na
minha boca.
Estou mortificada, sem saber o que fazer ou dizer. A
dor nas costas é surreal de tão intensa, mas não consigo
me soltar. Seu Dante envolve minha garganta com a mão
livre e aperta, aperta, aperta.

Eu engasgo, sufoco.

— Ama ou não ama,


ratinha? — É uma ameaça
velada. Meu patrão quer
que eu diga o que ele quer
ouvir.
Não a verdade.

Seguro seu pulso com as duas mãos, numa tentativa


deprimente de abrandar o sufocamento, mas nada
acontece.

Seu Dante apoia minhas costas na sua coxa, mas o


alívio sobre a base de apoio não dura nem cinco
segundos.

Parece que ele está possuído quando me dobra ainda


mais para trás, formando um arco com meu corpo. Vejo
tudo de cabeça para baixo e as pontas do meu cabelo
encostam no chão.

— Última
chance. Você me
ama?

Não posso responder, pois meus pulmões ficam


muito tempo sem ar. Os pés são os primeiros atingidos
pela dormência, que vai subindo até as minhas mãos.
As pernas resfolegam. Os
braços despencam.

A visão turva. A língua


pousa entre os lábios,
molenga. A mente registra
o sussurro distante:
— Sim, você me ama, Elisa e a única que pode tirar
você de mim, é a morte.

A luz se apaga.
Saio do terceiro salão da famosa Alvorada atrás de Laura, abobalhado com a grandeza e o
requinte do lugar, que está longe de ser uma igreja. O último espaço que faltava para eu
conhecer é destinado ao encontro de jovens, às quartas, reuniões com a equipe de limpeza, às
sextas, e ensaio do coral infantil, aos sábados.

Marilyn tinha razão, é um templo, porém não apenas de oração.

Por tudo que Laura me contou, chego à conclusão que Alvorada é um comércio religioso
onde pessoas vendem esperança para os que acreditam que estão em dívida com Deus e o
pagamento não precisa ser, exclusivamente, em dinheiro.

Prestação de serviços, lealdade, cumplicidade, troca de favores, tanto faz. O que cada um
tiver a oferecer. Para Humberto Gutierrez, desperdício é o oitavo pecado capital. O maior de
todos.

Hoje um mendigo. Amanhã um rei.

A filosofia de ajudar o pobre para roubar sua fortuna quando estiver rico, funciona por
aqui para ambos os lados. É admirável e desprezível ao mesmo tempo.

No entanto, é o que é, e não estou aqui para julgar ninguém.

— Vem, vou te mostrar onde ficam os arquivos — Laura fala por sobre o ombro, pisca um
olho e segue rebolando.

Onde eu estava com a cabeça para acreditar que era uma boa ideia passar algumas horas
com essa mulher, ainda é uma incógnita. Desde que chegamos, ela não deu uma trégua. A todo
o momento me tocando, se insinuando, se fingindo de preocupada, se vitimizando.

Tenho que encontrar outro caminho para chegar ao pastor, ou ela vai me meter em uma
grande enrascada.
Caminhamos pelo corredor mal iluminado até uma
porta envernizada. Laura a abre, mas em vez de avançar,
encosta as costas na madeira acenando com a cabeça para
que eu entre primeiro.

Devido ao espaço reduzido, é inevitável que meu


corpo resvale no seu. Ela segura meu braço.

— Eu fiz o que você queria, Juliano. — Levanta a


saia e coloca minha mão na sua boceta, por cima da
calcinha. — Agora me faça gozar.

— Você é casada, Laura — alerto, porém não


resisto a umidade quente nas pontas dos meus dedos, e as
deslizo sobre a renda.

— Meu marido não está aqui. — Ela afasta mais as


pernas, empurra a bunda para frente e desabotoa os
primeiros botões da blusa branca de seda.
— Faça o que quiser comigo, Juliano. — Puxa o sutiã
para baixo e os dois montes fartos saltam para fora.

Merda!

Minha língua se agita com


a visão.

Afasto a calcinha para o lado e penetro um dedo na


boceta de Laura, ao mesmo tempo que abocanho um seio.
Ela deixa cair a bolsa, geme, fala que quer ser fodida no
altar e vai ser minha puta.

As sacanagens que deveriam me excitar, reduzem


meu tesão a quase zero. Gosto de sexo. Gosto pra
caralho. Nunca tive problema para foder uma mulher em
uma cama ou num beco, mas nenhuma delas era casada,
sequer comprometida.

Sou totalmente contra traição, vai contra tudo que eu


penso e acho uma grande canalhice. O fato de Laura abrir
as pernas para um homem que acabou de conhecer,
comprova que não é a primeira vez que trai o marido e
tem um caráter, no mínimo, duvidoso.

Pensamentos controversos povoam minha mente,


mesmo assim a glande inchada se força contra o zíper.

A investigação. O
assassino.
Elisa.
Pensar na filha de João Camargo é a gota que faltava
para transbordar meu copo de moralista. Eu me afasto
bruscamente de Laura, que arregala os olhos.

— Por que
parou?

— Não estou
mais a fim —
digo sem vacilar.

— Sua virilha me diz outra coisa. — Ela ergue uma


sobrancelha, encarando o volume sob o jeans.

— Reação física
de qualquer
homem sem
problema de
ereção.

Laura abaixa a saia e começa a abotoar a blusa


quando seu telefone toca. A loira pega o aparelho dentro
da bolsa caída no chão, faz uma careta de tédio e atende.

— Oi, Rogério.

Encosto o ombro na parede e cruzo os braços, atento


a sua conversa com o pai do garoto do almoxarifado.

À princípio, não entendo porque ela conta para ele


tudo que fizemos durante a tarde, pois não há motivo para
compartilhar cada detalhe da sua vida com o vizinho.
Mas quando Laura pede para o Rogério mandar
Elisa guardar a comida na geladeira, mente que iremos
sair para jantar e ainda diz que não tem hora para voltar,
tudo faz sentido.

Que Laura quer que Elisa saiba que passamos a tarde


juntos e acredite que passaremos a noite também, eu
entendo.

O que não consigo entender


é, por que?

Por isso, assim que ela encerra a ligação, mantenho


uma expressão neutra e pergunto:

— Por que
mentiu?

Seu sorriso malicioso entra


em conflito com a raiva em
seu olhar.

— Gosto de me
exibir.

— Mentindo?
Laura termina de ajeitar a blusa, pendura a alça da
bolsa no ombro e para à minha frente. Seus olhos
trancados nos meus.

— Elisa não sabe que é mentira. Mas agora sabe a


única coisa que precisa saber. — Ela se inclina para
sussurrar no meu ouvido: — Mulheres como eu escolhem
o que querem. Mulheres como ela dividem as sobras.

Laura se afasta. Seu sorriso é vitorioso. Meu sangue


ferve nas veias, porém não movo um músculo.

— Parabéns, você me enganou direitinho. — Enfio


as mãos nos bolsos para não fazer merda. Nunca bati em
mulher, mas essa bem que merecia uma surra de cinta. —
Do jeito que falou com a sua empregada na porta da
escola, acreditei que se preocupasse com ela. Perdi o
tesão pelo seu corpo quando me disse que queria ser
fodida no altar da igreja do seu pai. Agora acabo de
perder a admiração pela sua inteligência.

— Não tem o
direito de me
julgar.

— Você me deu esse direito quando me usou para


machucar uma pessoa inocente.

Laura solta uma


gargalhada.

— Está chamando de inocente a mulher que


encontrei no meu quarto de hóspedes desmaiada, nua e
cheirando a esperma? Elisa é uma prostituta como a mãe.
Por isso fugiu do hospital quando a enfermeira saiu para
chamar a ginecologista. Com aquela carinha de santa,
achou que iria me enganar, mas não nasci ontem.

Parei de ouvir na primeira


frase. Meus ombros
tencionam.

— Você disse
desmaiada?

Laura revira os olhos, sem responder. Ela sabe onde


a minha pergunta irá nos levar.

— Elisa foi
estuprada dentro
da sua casa e
você não fez
nada?

— Quem garante
que foi estupro?

— Quem garante
que não foi?
— Sinto cheiro de vagabunda a quilômetros de
distância, Juliano. Elisa se aproveitou da minha confiança
e levou algum vagabundo para dentro da minha casa
enquanto eu estava dormindo.

— Como pode ter


tanta certeza?

— Ela diz que não se lembra de nada. Mas meu


marido e eu éramos as únicas pessoas que estavam lá.

As batidas do meu coração aceleram. Não preciso


dizer para Laura o que estou pensando, pois ela logo sai
em defesa do faz-tudo.

— Não ouse, Juliano! Dante não precisa drogar a


Elisa para entrar no meio das pernas dela e qualquer
mulher da cidade pode comprovar isso. Até minha melhor
amiga me apunhalaria pelas costas se tivesse uma chance
com o meu marido, nem que fosse por alguns minutos. —
A loira faz uma pausa para recuperar o fôlego. — Sem
contar que desde o começo, ele não queria que a Elisa
substituísse a nossa empregada. Dante odeia aquela
menina com todas as forças.

— Por que seu


marido odeia
tanto a Elisa?

Em uma fração de segundo, Laura começa a chorar.


Franzo a testa, em dúvida se sou muito insensível para
desconfiar que ela está fingindo, ou se ela é muito esperta
para escapar da pergunta.
Sem que eu espere, Laura me abraça com a cabeça
enfiada no meu pescoço. O choro é real, ainda que não
seja sincero.

Seguro sua cintura quando seu corpo sacoleja colado


ao meu. Ela balbucia alguma coisa que não entendo,
funga e molha minha camisa com suas lágrimas de
crocodilo.

Eu a amparo, ansioso pelo


fim do show para dar o fora
dali.

Ela se afasta, seca o rosto com as mãos e segue para


o porta. Seu silêncio me diz que não terei uma resposta.

Sigo a loira para fora da sala e pelo corredor na


direção da saída. Quando chegamos em frente ao altar,
Laura gira o corpo com um sorriso debochado nos lábios.

— Não quis me foder, mas vai me beijar. — Ela se


joga em cima de mim, me desiquilibrando para trás por
conta do impacto.
Meus ombros se chocam com uma pedra de
mármore e sua língua se aproveita para invadir minha
boca como uma cascavel traiçoeira. Laura abraça minha
cintura com as pernas ao perceber que será rejeitada
novamente.

Tento de tudo para afastá-la sem fazer uso de


violência, mas depois de alguns minutos com a mulher
me enforcando, me forçando a uma situação da qual não
desejo, perco a paciência e a jogo no chão.

Laura cai sentada, o cabelo desgrenhado, as faces


vermelhas e a roupa amassada. Um sapato no pé, o outro
a meio metro dela, em cima da bolsa.

Respiro rápido, profundamente irritado, mas minha


irritação se transforma em cólera quando a sem vergonha
abre as pernas.

— Por que não para com essa frescura e me mostra


logo o que sabe fazer?

— Porque não
como comida
estragada.

Meu sorriso cínico quando passo por ela e


finalmente saio daquela maldita igreja, não revela o
quanto eu quero matar essa mulher.

Dirijo até o hotel, determinado a explicar para Elisa


o motivo que me levou a aceitar o convite da sua patroa, e
torcer para que ela me perdoe por tratá-la com tanta
indiferença na porta da escola.
Não sei por que estou tão
desesperado para falar com
ela.

Tudo que sei é que preciso olhar em seus olhos,


ouvir sua voz e ter certeza de que vai ficar tudo bem, pois
eu não poderia estar pior sabendo que Laura me usou
apenas para humilhar Elisa.

E eu usei a Laura apenas


para conseguir
informações. Merda!
Antes de entrar no chuveiro, envio uma mensagem
para Kevin pedindo seu endereço. Ele é vizinho da Laura,
Eliza mora com ela, e uma visita à casa do meu amigo é a
desculpa perfeita para tentar me reaproximar.
A casa térrea onde Kevin mora é bonita, mas a de dois andares da
filha do pastor é infinitamente mais.

O que chama minha atenção, no entanto, é o muro baixo que separa as


duas, diferente do de quase dois metros que esconde o interior das
propriedades de quem passa na rua.

— Chegou rápido — ele fala de boca cheia e abrindo o portão,


segurando metade de um pedaço de pizza na outra mão.

— São cinco minutos do hotel até


aqui.

— E cinco daqui até a entrada da


cidade, com trânsito.

— Mais rápido do que do meu


prédio até a padaria.

— Vantagens do interior.

Entro no quintal, espero Kevin fechar o cadeado e o sigo até a porta


da frente de olho na casa ao lado, toda apagada.

— Seus vizinhos saíram? —


pergunto como quem não quer
nada.

— Dante deve ter saído, o carro dele não está na garagem. A Laura
disse que ia jantar com o amiguinho e não tinha hora para voltar. — Kevin
faz cara de sonso. — Conhece o amiguinho dela?

Paro de andar e me debruço no muro.

— E a Elisa?
— O que tem ela?

— Também saiu?

— Acho que não. A gente estava conversando quando o Dante


chegou e disse que precisava dela.

Olho para o garoto ao meu lado, com uma sensação desagradável no


peito.
— Sobre o que
vocês
conversaram?

Kevin morde o último pedaço de pizza e mastiga


sem pressa. O rascunho de um sorriso estica levemente
seu lábios.

— Várias coisas,
mas nada que seja
da sua conta.

— Não é um bom momento para brincar com a


sorte — sibilo entredentes, me recriminando por cair na
provocação dele.

— Você foi até a escola atrás dela, mas saiu de lá


com a Laura. — Ele lambe os dedos. — Alguém
precisava consolar a menina.

A imagem de Kevin beijando Elisa embrulha meu


estômago e escurece minha visão.

O garoto gargalha alto,


apontando o indicador para
mim.

— Sério que está


com ciúme?

— Não estou com


ciúme — retruco,
rabugento.
— Ainda bem —
ele dá de ombros.

— Ainda bem,
por quê?

— Um amigo meu vai dar uma festa no sábado e a


Elisa aceitou ir comigo. — Kevin sobe e desce as
sobrancelhas, esfregando uma mão na outra. — Sempre
fico um pouco nervoso no primeiro encontro.

Folgado. Babaca.
Provocador. Um tremendo
idiota. Eu sei.

Mesmo assim, não consigo me controlar e dou uma


rasteira nele, rápida e certeira. Um segundo depois, Kevin
está deitado com as costas no chão, com a sola da minha
bota carimbando seu peito.

— Sem primeiro encontro pra você ou vou garantir


que seja o último. Fui claro? — brado, sem nenhum
resquício de humor.

— Só se admitir
que está com
ciúme.

— Fui claro? —
Piso com mais
força.

— Tá bom. Tá
bom. Já entendi.
Estendo a mão para ele, que aceita sem pestanejar e
o ajudo a ficar de pé. Voltamos a nos debruçar no muro,
um ao lado do outro.

Eu, atento a qualquer movimento dentro da casa que


indicasse a presença de Elisa. Ele, perseverante na sua
função de me irritar.

— Se você tá a
fim da Elisa, por
que pegou a
Laura?

— Não estou a
fim da Elisa e não
peguei a Laura.

— Duvido que passou a tarde toda com a beata do


chifre furado e não tirou uma casquinha.

— Aquela mulher
é uma cobra
venenosa.

— Pode ser, mas


o marido dela é
pior.

— O que você
sabe sobre o faz-
tudo?

— Não muito. Meu pai é que tem mais amizade


com o Dante. — Kevin estala o dedo no ar. — Acabei de
me lembrar. A Elisa não pode ser filha do homem que foi
assassinado.

Virando-me de frente para


ele, franzo a testa,
intrigado.

Elisa é a garota na foto da dona Nazaré. Laura


disse que o pai dela é assassino e a mãe é prostituta. Sei
que ela é filha do JC.

— Por quê? —
pergunto, certo de
que não vou
gostar da
resposta.

— Porque o pai
dela está vivo.

Nem pensar. Não pode ser


apenas coincidência.

— Quem te falou
isso. —
Desconfiança
banha cada
palavra.

— A Elisa.

— O que ela
disse? — Franzo
a testa.
— Que o Dante é o melhor amigo do pai dela. —
Kevin completa, antes que eu conteste sua afirmação. —
Se o velho estivesse morto, Elisa teria dito que o Dante
era o melhor amigo do pai.
Dispenso a observação gramatical do garoto, pois
nem sempre falamos tão certinho quanto escrevemos, e
foco na parte relevante da afirmação de Elisa.

Minha mente imerge num frenesi acalorado, ligando


pontos aleatórios que se unem em perfeita harmonia,
como peças de um enigma macabro, espalhadas por três
cidades diferentes para serem encontradas.

Está tudo ali, bem diante


dos meus olhos.

“A ordem para matar JC


partiu de Riacho Verde”

“Encontrei a vagabunda
desmaiada, nua, cheirando
a esperma” “Meu marido
odeia aquela menina com
todas as forças”
Noivo da Antônia, capataz
na fazenda do Coronel
Venceslau. Marido da
Laura, faz-tudo da cidade.
Meus olhos recaem sobre a
casa ao lado, escura,
silenciosa.

Daniel Bonavides. Dante


Boaventura.

Encontrei você, filho da


puta!
Elisa desmaia, esticada sobre a minha
perna.

Tão frágil, tão gostosinha.

Ela é mais leve que meu cortador de gramas, mas apoio o outro
joelho no chão para não me cansar. A cabeça tombada para trás, os
braços ao lado do corpo, as pernas abertas.

Tiro sua blusa esfarrapada e o sutiã de algodão. Chupo o


mamilo rosado, enfiando um dedo na sua boceta.

Tão molhada, tão apertadinha.

A ratinha não se mexe, mas sei que


está gostando.

Ela sempre gosta.

A garota passou vinte anos esperando por mim. Veio até a


minha casa à procura de um novo pai, um que cuidasse dela como
JC não podia cuidar. Que lhe desse amor e uma chupeta de carne
grossa para chupar.
O gatuno adotou a ratinha.

Um felino protetor que fará de tudo para manter a


putinha em segurança na ratoeira, onde ela não passará
frio, nem ficará a mercê dos cabruncos que só querem se
aproveitar de bocetinhas inexperientes. Será alimentada e
servirá de alimento para o meu corpo e para a besta que
habita dentro dele.

Elisa é minha.

Qualquer um que chegar perto dela terá um encontro


inesquecível com os demônios, como os dois inúteis que
tentaram me destruir.

Meu pau resvala na bunda da ratinha, provocando


espasmos na extensão endurecida. Me levanto com ela no
colo e a carrego até a sala.

Deito Elisa no sofá, com uma perna no alto do


estofado e a outra dobrada para baixo.

De pé, me masturbo diante da visão da ratinha


arreganhada. Preferia que ela estivesse acordada para
ouvir seus gemidos de prazer, mas não aguento mais
esperar.

Preciso foder.

Eu me acomodo entre suas pernas, inebriado pelo


cheiro da sua excitação, e saboreio seu gosto com a ponta
da língua. Brinco com o clitóris, enfio um dedo no cu,
chupo seus pentelhos.
Apoio um joelho no sofá, posiciono a glande melada
no buraquinho avermelhado e empurro, me aconchegando
na boceta mais gostosa que já comi.

Elisa se abre, se alarga e se


alegra em receber meu pau.

O prazer de estar dentro dela é avassalador. Deito


sobre ela, com a cara no vão do seu pescoço, e fodo a
ratinha do jeito que eu gosto. Indo cada vez mais fundo,
arregaçando sua boceta.

O móvel balança conforme eu me enterro e saio,


para me enterrar e sair outra vez, e outra e outra e outra,
numa sequência de estocadas impetuosas que desanuviam
minha mente, revelando a verdade.

Eu amo a ratinha.
Fecho os olhos, giro os
quadris.

Meu amor agora é dela.

Mordo seu ombro, fodo


mais forte.

Todo para ela.

Puxo seu cabelo, meto mais


rápido.

Para sempre.

Não vejo nada. Não ouço nada. Não penso em nada.


Apenas na maravilha que é ter Elisa Soares embaixo de
mim. Minha.

Pelada, molhada, quente e


apertada. Perfeita.

Abaixo a cabeça até o seio, cravo os dentes no seu


mamilo e gozo uns dez litros, irrigando o corpo da ratinha
com a minha porra, me culpando pela primeira vez por
não ter dado ouvidos ao médico.

Você é um homem jovem e a vida é cheia de


surpresas. Se algum dia o amor te surpreender
novamente, vai se arrepender de ter feito a vasectomia.

Ofegante, encaro o rosto pálido de Elisa. Uma ideia


surge na minha cabeça quando imagino como seria o
nosso filho.
Meu pau amolecido desliza para fora, mas não me
importo se o líquido esbranquiçado que escorre por entre
as pernas dela está sujando ou manchando o tecido de
couro que Laura pagou uma fortuna.

Minha mente está muito ocupada em montar uma


nova linha do tempo para corrigir o que eu jamais
imaginei que consideraria um erro.

Visto a roupa, agitado pelo turbilhão de pensamentos


que ocupam cada espaço da minha cabeça.

Pego o celular para saber onde Laura está, mas logo


que desbloqueio o aparelho e a notificação da conta falsa
que fiz no Facebook aparece no alto da tela, gargalho alto
ao ver sua cara amarrada, cercada por um bando de
adolescentes.

Tudo para salvar a


reputação da esposa
piranha.
Óbvio que Humberto já sabe que o nome da filha
está na boca do povo, por isso fez questão de registrar a
presença dela na reunião do Jovens Aprendizes. Grupo de
pirralhos selecionados por ele para administrar seu
projeto de incentivo a ingressão antecipada de jovens de
baixa renda no mercado de trabalho.

O que o velho não sabe é que quando saía da casa da


Celeste, ouvi uma beata enxerida contar para o segurança
que a filha do pastor almoçou no restaurante mais caro da
cidade com um turista bonitão.

Além de beber duas garrafas de vinho e pagar a


conta com o cartão de crédito da Cooperativa, Laura foi
vista entrando na Alvorada com o forasteiro, o que não
seria nada demais, se a igreja não estivesse fechada por
conta da viagem do pastor.

Era a minha chance de decretar definitivamente o


meu controle sobre os Gutierrez.

Laura não admite, mas há anos enfrenta sérios


problemas com o álcool. Ela começou a beber na
adolescência, quando Silvano deu um pé na sua bunda.

Orgulhosa e prepotente, a patricinha mimada


aprendeu a esconder os indícios de embriaguez para que
suas amigas não soubessem que estava sofrendo, e seus
pais não descobrissem onde se refugiava, provando que,
de fato, a prática leva à perfeição, no entanto, sempre que
passa dos limites acaba fazendo merda.

De todos os tipos.
Seja dormir a ponto de babar, enquanto seu pai prega
o sermão do culto de Natal, no ginásio de esportes para
mais de dois mil fiéis. Cair de cara na entrada de um
evento de gala em Brasília, vomitar durante um jantar na
Câmara Municipal, ou esquecer de deletar o e-mail em
que ela oferece propina ao diretor financeiro da
Construtora, para que ele não denuncie o desvio de
dinheiro que ela mesma havia feito, mas foi descoberta
porque também esqueceu de apagar seus rastros.

Graças à sua negação, descobri que está grávida do


amante, usei seu caso com o ex-namorado para comer a
mãe dela e venho manipulando a piranha para me divertir
com a ratinha.

Porém, quando entrei na igreja, me esgueirando pela


sala do corpo eclesiástico e peguei minha esposa
pendurada no pescoço do homem na
frente do altar, soube que o álcool consumido no almoço
não era o único responsável pela abordagem nada
sedutora que, claramente, não estava agradando o sujeito.

E a forma que Laura apagou depois que ele foi


embora, confirmou minhas suspeitas de que o excesso de
ansiolítico da noite anterior e os dois comprimidos para
ansiedade, à base de Canabidiol (Substância extraída da
planta cannabis), que ela toma todas as manhãs, em fusão
com o álcool, influenciaram no seu comportamento, tanto
no aumento da libido quanto na diminuição da
capacidade de raciocínio.

Foda-se!

Agora que tenho dois vídeos da minha sogra e meia


dúzia de fotos da minha esposa, que farão o pastor
celebrar o maior culto da história em minha homenagem,
Laura pode chegar agora e me pegar fodendo Elisa no
sofá que não fará diferença.

Tudo que preciso acertar com a piranha, antes de


levar de vez minhas coisas para a ratoeira, são os detalhes
da reforma que farei no casarão, já que ela será a
encarregada de comprar o material que irei precisar. E
informá-la que, a partir de hoje, os Gutierrez são meus.

No entanto, tenho que levar a ratinha para sua nova


casa antes da piranha voltar, e tomar todas as
previdências necessárias para que ela nunca mais saia de
lá.

Um homem meticuloso,
esse sou eu.
Estou enjoada, cansada e sem forças, até para abrir os
olhos.

Meu corpo pesa uma tonelada. Alguma coisa se revira no meu estômago, se
impulsiona para cima, sobe pela garganta e alcança a boca.

Vou vomitar.

Minha primeira reação é sentar, mas não consigo. No segundo seguinte, sou
derrotada pela prostração quando tento me virar.

Um líquido quente, denso e fedido, vence o bloqueio dos meus lábios e vaza por
entre eles, molha os cantos da minha boca, meu queixo, pescoço e respinga no colo.

Busco na memória uma explicação para o que está acontecendo comigo, mas tudo
que me lembro é do mar.

Intenso, perigoso e azul. Muito azul.

Faço uma careta de nojo quando um gosto salgado se mistura ao azedume na minha
língua. O vulcão no meu estômago entra em erupção outra vez, expelindo uma onda ainda
maior do fluido podre.

Minhas mãos formigam para limpar minha pele grudenta, mas nem o dedo mindinho
acata às ordens do meu cérebro. Novamente o sal tempera a crosta amarga que cobre
minha língua, só então reconheço o gosto e entendo que são lágrimas.

Estou chorando.

Ao longe, um ruído estridente e agoniado, que nunca ouvi antes, se infiltra na minha
cabeça através dos tímpanos.

Meu coração aperta em compaixão ao animal sofrido, como se soubesse o tamanho


da sua dor, ainda que nem mesmo saiba de onde vem o som, tampouco quem o está
reproduzindo.
Não sei por quanto tempo compartilho daquela
agonia, mas mentalmente imploro para que acabe logo,
pois a melodia amargurada potencializa minha exaustão,
me esmorece, furta o pouco de esperança que ainda
resiste dentro de mim.

Lembranças, sonhos e ilusões, se embaralham sob


minhas pálpebras. Flutuo em uma nuvem de cores,
lugares e palavras. Flashes de uma vida vêm e vão,
épocas diferentes, situações parecidas, desamor igual.
Uma mistura disforme, porém familiar.

Em algum momento o
ruído cessa e o silêncio
volta a reinar.

O nó no meu peito desata, minha mente amansa e


meu corpo finalmente descansa. Não tenho ideia se por
um segundo, um minuto, uma hora ou um dia inteiro.

Quando acordo, me sinto mais disposta. O resgate da


disposição resgata a esperança perdida, os movimentos
dos dedos, a fome, a sede e até sinto o aceleramento dos
batimentos cardíacos.

Meu coração está vivo.

Respiro fundo, nauseada pelo mau cheiro, mais


desagradável que antes, porém não me permito abater.
Nada fere mais o olfato que o fedor da solidão, no
entanto, sobrevivi a ele. Sobreviverei a esse também.

E a todos as fedentinas que


encontrar pelo caminho.
Tomo coragem, iniciando a contagem regressiva
para que meus olhos se abram e revelem o motivo do
desfalecimento do meu corpo, o grande responsável pela
morbidez da minha mente.

Eles atendem meu pedido, lacrimejando à procura


do foco até que enxergam com nitidez, mesmo que meu
cérebro demore para assimilar as informações enviadas.

As algemas nos meus pulsos, as cordas nos meus


tornozelos, o piso de taco onde estou sentada, a parede
rachada às minhas costas, o sofá embaixo da janela, as
correntes penduradas nela, os ganchos no teto e… a
mulher pendurada neles.

Nua. Ferida. Sangrando.


Meu olhar captura tudo, horrorizado com a cena à
sua frente. Quando tento gritar para pedir socorro e minha
voz não sai, me dou conta que estou amordaçada.

Mas somente quando seu Dante abre a porta do que


parece ser um quarto, de calça jeans, sem camisa,
descalço, suado, com um facão enorme na mão, todo sujo
de sangue, as lembranças me saúdam.

E, com um aceno de mão, a


esperança se despede. Sem
nenhuma intenção de
voltar.
Kevin entra no quarto com duas xícaras de café, senta na cadeira ao meu lado, de frente
para a janela e me entrega uma.

— Valeu. — Bebo um longo gole, otimista que a cafeína continue combatendo a exaustão
e mantenha meu foco.

— Você precisa descansar, senão não vai aguentar ficar


de pé.

— Estou bem — minto, sentindo a ardência queimar


meus olhos.

— Ninguém fica bem depois de passar a noite inteira


acordado.

— Vigilância faz parte da rotina de um policial.

— Profissão que você não exerce há seis anos.

— Cinco.

— Que seja.

— Dante ainda não voltou.

— Nada da Elisa?

Bebo outro gole, reprimindo a raiva e a culpa que me corroem.

— Não.

— São quase oito horas, daqui a pouco a Laura deve sair para trabalhar. Por que não fala
com ela?

— Laura é uma mulher ardilosa. Não dá para confiar.


— Você acha que ela sabe que o Dante mentiu esse
tempo todo?

Deposito a xícara na mesa de cabeceira, em dúvida. Apoio os cotovelos nos joelhos,


relembrando as palavras da filha do pastor.
— Ela encontrou Elisa desmaiada no quarto, nua e
cheirando a esperma. — Kevin ameaça xingar, mas se
cala quando levanto a mão sinalizando para que fique
quieto. — Elisa disse que não se lembrava de nada, mas a
Laura não acreditou, por isso chamou o médico e exigiu
que ela fizesse os exames. — Respiro fundo, atordoado.
— No hospital, quando a enfermeira saiu para chamar a
ginecologista, a Elisa fugiu para não ter que fazer a
colposcopia.

— Se fizesse, a Laura ficaria sabendo que ela tinha


transado — O garoto esperto afirma o óbvio.

— Laura virou uma onça quando percebeu que eu


estava desconfiado que o Dante tinha drogado e
estuprado a Elisa. Defendeu a reputação do marido como
se estivesse defendendo a própria vida.

— Você acredita
nela?

— Depois de tudo que o Rogério contou sobre como


o Dante chegou em Riacho Verde, quando ele conheceu a
Laura, a facilidade que o Humberto aceitou o casamento
da filha e o comportamento dele nos últimos vinte anos,
até eu fiquei em dúvida se ele e Daniel eram a mesma
pessoa.

— Como você
sabe que eles
são?

Recosto na cadeira, tiro o celular do bolso e mostro a


foto do noivo de Antônia tirada no dia do enterro dela.
— Esse é Daniel
Bonavides.

— Caralho! É
igualzinho o
Dante, só que
vinte anos mais
novo.

— A foto que seu pai tirou com ele, no aniversário


da sua mãe, me deu a certeza que eu precisava.

Fico de pé num pulo assim que a porta da frente da


casa vizinha se fecha num baque e Laura aparece na
garagem, vestida de preto dos pés à cabeça, usando um
óculos de sol que tampa metade da sua cara.

— É a sua vez de
vigiar. Me avisa
se a Elisa
aparecer.

— Aonde você
vai?
— Seguir a Laura. — Pego a chave do carro e
aponto para Kevin com uma expressão intimidante. —
Cumpra a sua promessa.

— Pode confiar,
brother. Seu
segredo está
seguro comigo.

— Eu confio —
falo com
sinceridade.

Ontem à noite, quando descobri que Daniel


Boaventura mudou de cidade, se casou com a filha do
pastor influente e passou os últimos vinte anos vivendo a
vida de outro homem, fiquei tão fora de mim, que me vi
encurralado entre duas opções: invadir a casa de Laura
e cometer uma loucura, ou extravasar o ódio pernicioso
que me consumia, antes de ser consumido por ele.

Escolhi a segunda e extravasei. Contei para Kevin o


que apenas Fidel sabia, desde o início, sem poupar o
garoto dos detalhes.

Ele ouviu cada palavra, cada relato, a voz da minha


fúria, da minha tristeza, frustração e das minhas
lágrimas, sem me julgar ou duvidar do que eu dizia.

Por fim, lamentou a morte da mulher que eu amava,


meu sofrimento, minha dor, minha perda e ainda se
ofereceu para me ajudar a desvendar o mistério
envolvendo o serial killer que conseguiu se safar dos
inúmeros crimes que cometeu.

Quando o pai dele chegou da reunião de trabalho,


para explicar minha presença, Kevin disse que, assim
como a Laura, estava dando sua parcela de contribuição
para a minha pesquisa, incentivando-o a me contar um
pouco mais da trajetória de Humberto Gutierrez.

Envaidecido por falar do amigo, Rogério narrou a


história de vida do pastor, enquanto me fornecia dados
pessoais da esposa, da filha e do genro dele, sem
desconfiar de nada.

Em poucas horas, acumulei um arsenal de


informações valiosas, ciente de que, se soubesse usá-las
no momento certo e com inteligência, eles poderiam
determinar a derrota do meu inimigo.
Dormir na casa de Kevin foi o band-aid sobre a
sutura que continha o sangramento no meu peito,
provisoriamente, pois somente a morte do assassino de
Sabrina poderia estancar em definitivo.

A hora pela qual eu tanto esperei, estava prestes a


chegar, e eu não desperdiçaria um mísero segundo
sequer, até a morte de Daniel.

Ou a minha.

Corro para fora da casa e me escondo atrás do


portão, esperando a Land Rover branca passar. Laura está
dobrando a esquina, quando piso no acelerador e vou
atrás dela.

A cinquenta metros da avenida principal, diminuo a


velocidade e entro atrás de um Sandero para que ela não
me veja, enquanto dirige até uma cafeteria no Centro.

Completamente diferente da mulher que me pediu


para fodê-la no altar da igreja, Laura dirige e caminha
pelas ruas de Riacho Verde camuflada pelo véu da
hipocrisia. Elegante, refinada, séria.

Não fala ao telefone, sorri educadamente e conversa


com os comerciantes como um político às vésperas de
eleição.
Vai ao banco, ao escritório da construtora, dá uma
passada rápida na sede da Cooperativa e come um lanche
na praça de alimentação do Shopping.

Às duas em ponto, Laura se apresenta na Women’s


Health., clínica especializada em saúde da mulher, que
oferece de tratamentos estéticos a preventivos contra
doenças autoimunes.

Não a sigo como uma sombra até o terceiro andar,


pois a entrada de homens encabeça a lista de restrições da
empresa, mas de acordo com o placa na recepção, os
consultórios daquele andar são reservados à pacientes
interessadas em realizar algum tipo de cirurgia.

Faço uma nota mental para pedir ao Kevin uma


cópia dos prontuários de Laura. Pelo pouco que me
mostrou da sua personalidade, duvido que ela se
submeteria a um procedimento cirúrgico se não fosse
extremamente necessário.
Em uma investigação, nada
deve ser descartado.

A cara da loira não é muito boa na saída do prédio


luxuoso e está ainda pior quando ela deixa a loja de
materiais de construção, onde ficou por quase três horas e
saiu de mãos vazias.

Gravo um áudio relatando o itinerário de Laura para


não esquecer, enquanto dirijo atrás dela até o bairro
residencial de alto padrão mais afastado da zona
comercial da cidade.

Ela estaciona na frente de uma casa de dois andares,


vigiada por um segurança desarmado. Eu paro em uma
vaga mais adiante.

Passa das sete e o cansaço


está determinado a me
derrubar.

Pesco o celular do bolso, conferindo pela milésima


vez se Kevin não enviou nenhuma mensagem, mas
reafirmo que Elisa não apareceu.

Uma dor aguda me atinge no peito, como se alguém


tivesse cravado uma faca e a tirado rapidamente. Abro a
porta e desço, esfregando a palma aberta sobre o coração,
no intuito de amenizar a sensação ruim.

Encosto na lateral do carro com o peito colado no


vidro e os cotovelos apoiados na parte de cima. Fingindo
mexer no aparelho, observo com atenção a movimentação
na entrada da casa.
Uma hora mais tarde, a espera sem nenhuma
mudança no cenário já está se tornando um verdadeiro
martírio, até um Corolla preto estacionar atrás da Land
Rover e Daniel Bonavides aparecer no meu campo de
visão, como o demônio ressurgido das cinzas em forma
humana, trazendo de volta um passado em que ele
destruiu todos os sonhos que sonhei para o meu futuro.

O ódio que sinto desse filho da puta é tão voraz que,


por uma fração de segundo, fecho a mão em torno do
cabo da minha pistola, presa no cós da calça.

Um tiro na perna e eu teria o desgraçado rendido


para arrastá-lo até um terreno ermo, onde eu passaria as
próximas horas, semanas, meses, arrancando cada órgão
do seu corpo, um a um, exatamente como ele arrancou os
de Sabrina. E quando estivesse satisfeito, o descartaria
em um lixão para que urubus famintos devorassem sua
carcaça.
Nada de julgamento, condenação e cumprimento de
pena em presídio de segurança máxima.

Para Daniel Bonavides, apenas o toma lá dá cá, o


olho por olho dente por dente, a lei da ação e reação.

A minha vingança.

No entanto, a imagem de Elisa na porta da escola,


me encarando com lágrimas nos olhos e um sorriso
tímido nos lábios grossos que atormentam meu juízo,
desde que a vi na sala do Kevin, refreia meus impulsos
assassinos e me obriga a esperar por mais uma hora.

Antes de segui-lo e descobrir que para os que vivem


no inferno, a mente de um psicopata é o próprio paraíso.
Algumas horas antes…

Elisa dorme como um anjo graças às gotas do


ansiolítico da Laura que enfiei em sua goela, depois que
ela passou mal com o que eu vinha usando para dopar
minha esposa.

Tive que dar um banho de banheira na ratinha


quando ela vomitou pela terceira vez.

Não queria colocá-la no porta-malas, mas não podia


deitá-la no banco traseiro do Corolla, correndo o risco de
ela acordar no caminho até o casarão e começar com
aquela palhaçada de me rejeitar por eu ser casado e blá,
blá, blá.

Agora que estamos na ratoeira, vou manter minha


ratina presa até me certificar de que ela não fará nenhuma
merda que me irrite, como tentar fugir, por exemplo.
Sim, isso me deixaria muito
puto.

E quando fico puto, a besta leva vantagem. Por isso


não me importo em algemar seus pulsos nas grades da
cama, amarrar seus tornozelos ou tampar sua boca com a
faixa de cetim.

Em breve, Elisa entenderá que o que estou fazendo é


para o seu bem e irá me agradecer.

Fecho as cortinas, deposito um beijo na sua testa, um


em cada peitinho e um na bocetinha, que ainda está com
o cheiro da minha porra. O simples toque dos meus lábios
na sua carne rosada endurece meu pau.

Merda.

Passa das onze da noite, fodi a boca e o rabo da


Celeste, e comi a ratinha. Não era para me excitar de
novo. Preciso descansar, dormir a noite toda e me
recuperar para acordar disposto.

Amanhã será o dia do


regresso oficial de Daniel
Bonavides.

E para que o rei reassuma seu lugar de direito, o


impostor tem que morrer. Dante Boaventura dirá adeus a
sua vida patética, ao seu trabalho operário de bosta e a
sua esposa piranha, responsável pela hibernação da besta
por vinte anos.

Laura e sua boceta hipócrita fizeram um excelente


trabalho tornando o sexo uma atividade entediante,
fingindo ser uma mulher recatada, afastando vadias
gostosas que demonstrassem qualquer interesse pelo pau
do marido e conservando meu corpo em uma temperatura
constantemente morna.

Num balanço geral, a hibernação da besta por quase


vinte anos, compensou o par de chifres que ostento sem
orgulho, pois o considero como um efeito colateral, afinal
minha esposa fez a proeza de bloquear a passagem de
Daniel sendo apenas ela.

Até Elisa aparecer.

O tesão que sinto por essa garota chega a ser


opressor e quando os demônios se agitam, não adianta
tentar acalmá-los com outras alternativas. Eles gostam a
dor, se divertem com os gritos, necessitam do sangue.
Cubro Elisa, nua, com o lençol, apago a luz, saio do
quarto que reservei para ela e sigo para o dos fundos,
onde está a cobaia que pode silenciar o chamado da besta.

A única que aplacará sua


fome, até a próxima
refeição.

Contorno o corpo de Claudia, admirado com o


quanto a vadia é resistente. Os seis pontos queimados
pelas velas formam uma figura excêntrica em suas costas,
como se o da bunda, isolado e maior que os outros, fosse
o começo e o fim.

Molho o pano com éter, paro à frente dela e esfrego


o tecido em seu nariz. Ela vira a cabeça para o lado,
apertando os olhos fechados.

— Hora de
brincar, vadia. —
Minha voz a
desperta.

O pavor em seu olhar me agrada, o desafio não. Um


sorriso zombeteiro estica meus lábios. Enfio a mão no
bolso e volto com alguns alfinetes. Seis, para ser mais
exato.

— Quando minha noiva morreu, fiz uma vasectomia


porque acreditei que nunca mais amaria ninguém. — Dou
de ombros, adorando a confusão estampada na expressão
dela. — O médico bem que tentou me alertar, foi até
chato, para falar a verdade. Ficou repetindo que a vida é
cheia de surpresas e o amor podia bater na minha porta
outra vez. — Meu sorriso se alarga com o trocadilho.
Prendo os fios negros que caem em seu rosto atrás da
orelha. — Foi exatamente o que aconteceu. Estou até
pensando em marcar uma consulta só para dizer que ele
estava certo em tudo que disse, menos em uma coisa. —
Deslizo os dedos para baixo em seu pescoço, bem
devagar. — O amor não bateu na minha porta. Ele tocou a
campainha e entrou na minha casa sem permissão.

Claudia estremece e seus mamilos intumescem


quando desço pelo ombro e começo a desenhar um oito
na horizontal, acima dos seios. Indo e vindo de um lado
para o outro, com uma delicadeza que a vadia nunca viu,
sabe que Dante não é delicado com ninguém, e apesar de
não estar mentindo, existe algum motivo por detrás das
palavras carinhosas.

Traiçoeiro, perverso.

— Hoje, foi a primeira vez que admiti para mim


mesmo que amo outra mulher, desde que minha noiva
morreu. — Meus dedos descem pelo meio dos seios, até
abaixo do umbigo em uma linha reta, fazem o caminho de
volta e repetem o percurso. — E decidi que vou reverter a
vasectomia.
Avanço meio passo, meu
corpo resvala levemente no
dela.

— Segura para mim — murmuro, erguendo os


alfinetes na altura da sua boca.

Claudia olha deles para mim, em dúvida, porém


tentada a acreditar que é a eleita de Daniel para tomar o
lugar de Tônia.

Seus lábios se afastam voluntariamente. Eu coloco


os alfinetes entre os dois e ela os fecha, segurando-os
como mandei.

Tiro a camisa, as meias, os tênis. Suas pupilas se


dilatam, cravadas no meu torso nu e tenho que me
controlar para não rir da vadia songamonga.

— Sou um
homem
antiquado. Onde
nasci, até o
progresso é
atrasado.
— Desabotoo a calça e abro o zíper. — A modernidade
em Morada do Sol é antiguidade nas grandes capitais. —
Abaixo o jeans, a cueca vai junto. — Mas eu gosto do
trabalho manual, do rústico. — Chuto as duas peças para
o lado. — Quero criar meu filho como eu fui criado, mas
não tenho experiência com criança, principalmente com
bebê de colo. — Tiro os alfinetes da boca dela, com meu
pau duro roçando seu clitóris de couve-flor estragada. —
Estou disposto a me preparar para ser pai, mas não vou
conseguir fazer isso sem você.
Envolvo a mão na sua nuca, abraço sua cintura e
colo o corpo pendurado da vadia no meu. Lambo seu
pescoço, chupo sua orelha, deposito beijos molhados em
seu queixo.

— Pode me ajudar a ser um bom pai para o meu


filho? — sussurro em seu ouvido e me afasto, para olhar
para ela.

A cobaia da ratinha prova que além de vagabunda e


carente, também é burra. Uma lágrima escorre pelo seu
rosto quando ela balança a cabeça, confirmando.

É impossível segurar a
gargalhada, porque porra!

A jumenta realmente acredita que a escolhi para ser


mãe do meu herdeiro. Era só o que faltava. Não me
lembro da última vez que ri tanto.

— Sou meio bruto e pra não machucar meu filho na


hora de limpar a bunda dele, tenho que aprender a colocar
isso aqui. — Ergo a mão com os alfinetes, me
masturbando com a outra. — E você, vagabunda
ordinária, vai ser minha fralda de pano.
Claudia arregala os olhos, atingida pela realidade, se
debate inutilmente, e me implora para não a machucar.

Anta pra caralho.

Como ela, prendo as pecinhas de metal entre os


lábios e posiciono duas cadeiras atrás dela.

Uso fita isolante para fixar a mesma régua que


rasguei Jurema no alto de primeira, estico a perna da
vadia para trás, apoio a parte anterior da sua canela sobre
os dentes de ferro, e a amarro.

Os gritos histéricos ecoam pelo casarão, porém não


me importo. Elisa está num sono profundo e não acordará
tão cedo.

Repito o processo com a outra perna, mas em vez da


régua, o que vai rasgar a psicóloga sempre que ela se
mexer, será uma mini serra.

A imagem da cobaia suspensa com o corpo


levemente curvado no ar é incrível. Na frente, tenho suas
lágrimas, seu desespero e sua dor. Atrás, tenho apenas o
sangue que escorre pelos seus pés, mas em poucos
minutos, terei tudo que preciso.

Eu me encaixo entre as coxas de Claudia, abro a


bunda grande, dou uma cusparada no cu dela e me delicio
com a visão do meu pau sendo tragado para dentro do
buraquinho enrugado.

— Está feliz, vadia? — Estoco, estoco, estoco. — É


um rabo bom de foder, mas pode ficar melhor.
Paro de meter.

Com o polegar e o indicador, espremo o círculo


queimado sob o ombro direito, puxo para cima formando
um pequeno monte de pele chamuscada, e atravesso a
ponta afiada do alfinete de um lado até ela sai do outro.

Claudia suplica quando furo, e berra quando tenta se


livrar da furada, mas acaba com a canela mais rasgada.

— Cuzinho melhorou. — Estoco, estoco, estoco. —


Se for uma vadia esforçada, dá pra ficar ainda melhor. —
Estoco, estoco, estoco.
No círculo queimado sob o ombro esquerdo, a voz
da psicóloga continua estridente. No do meio das costas,
aumenta alguns tons, pois a pele descascou e está em
carne viva quando a ponta afiada abre o túnel até o outro
lado.

Nos dois círculos da


lombar, os gritos se tornam
lamúrias.

Ela volta a berrar escandalosamente no exato


momento em que espeto o alfinete no último montinho
preto, cinco centímetros acima de onde meu pau entra e
sai.

Não porque a pele descascou, mas porque assim que


furo, seguro nas duas extremidades com as pontas dos
dedos e faço da pequena peça metalizada meu apoio para
arrombar o cu da cobaia.

Quanto mais forte eu fodo, mais forte puxo o


alfinete, mais alto Claudia grita, mais rasga a perna dela.

Os demônios se calam quando a carne não suporta


mais os trancos brutais e rompe, esgaçada. O metal
ensanguentado se solta, o sangue jorra e escorre pelo
rego, colorindo meu pau de vermelho.

O imprevisto antecipa meu orgasmo, saio do cu


arrombado e encho de porra o buraco bestial que Claudia
ganhou.

Um presente da besta, em
agradecimento pelo serviço
prestado. Finalmente posso
dormir.

A cortina não impede a claridade de invadir o quarto


e atingir meu rosto. Não sei por quanto tempo dormi, mas
me sinto revigorado.

Elisa respira fracamente, ainda sob o efeito do


remédio. Solto as algemas da cama, viro seu corpo de
costas para o meu, abraço sua cintura e trago sua bunda
para mim.

Jogo seu cabelo por cima do ombro e apoio sua


perna sobre a minha, abrindo sua boceta para molestar o
grelinho, enquanto beijo seu ombro e deslizo meu pau no
meio de suas coxas, frente e trás.
Elisa parece uma boneca putinha, manuseável e
indiferente, mas o mel que lambuza meus dedos me faz
sorrir. Até inconsciente, ratinha pinga para mim.

Ela me ama, porra!

— Hoje eu vou te contar tudo — sussurro em seu


ouvido, mordiscando o lóbulo pequenino, sem parar de
acariciar o clitóris e escorregar entre suas pernas. — Não
precisa ficar com ciúme da Tônia. A endemoniada era
linda, gostosa e nasceu pra foder, mas não foi por isso
que dei meu amor pra ela.

Enfio um dedo na bocetinha estreita, meu pau


engrossa. Falar da minha alma gêmea com o corpo de
Elisa à minha mercê, é mais excitante que levar Celeste
para passear pela casa do pastor, arrastando a cadela
velha pela guia da coleira.

— Quando a Tônia era menina, o pai dela não


deixava ninguém chegar perto da filha. A safada tinha
carinha de santa, mas quando ninguém estava olhando,
mostrava os peitinhos, levantava a saia para eu ver a
boceta gorducha, e me mandava bilhetinhos. Eu tinha
doze anos quando Tônia escreveu o primeiro, dizendo
que me amava e não mostraria pra nenhum outro o que
ela escondia na calcinha, se eu prometesse que o meu
amor seria dela, para sempre.

As lembranças do passado não fazem jus ao prazer


que sinto neste momento. Mas não consigo afastar as
imagens de Tônia na porta da classe, segurando a barra da
saia pregueada com dentes, afastando a calcinha cor- de-
rosa para o lado e acariciando a bocetinha com a outra
mão, sempre que eu ficava de castigo na sala da
orientadora depois da aula, por bater em algum menino
que chamava minha de louca, e a escola estava vazia.
— Eu prometi que meu amor seria dela e tô cagando
se quebrei minha promessa. Agora ele é seu, ratinha.
Todo seu. — Chupo o mamilo rosado, pequeno e macio.
— Você é igualzinha a ela. Chegou toda santinha se
fingindo de inocente, mas foi só a patroa virar as costas,
para a vagabunda mentirosa abrir as pernas pro marido
dela. A minha vagabunda. Minha!

Seguro a base do meu pau com a cabeça na direção


da sua boceta preferida, ouvindo o despertador da besta
tocar.

Ela mal acordou e já está


deliberando suas ordens.
— As cobaias são pra você, ratinha. Pra sua
proteção. — Escorrego para dentro, me enterrando o mais
fundo que consigo. — Elas vão ter meu pau, meus dedos
e minha boca. — Puxo para fora e entro de novo, até as
bolas. — Vou ficar duro e comer todas elas antes de
alimentar a besta. Mas apenas a ratinha terá o meu amor.
Nenhuma vadia que entrar aqui, sairá viva. A besta quer
você, mas vai se contentar com as outras se eu nunca
parar de dar comida para ela.

Minha mente deleta tudo quando começo a estocar


furiosamente. Sou drenado por uma emoção inédita que
beira o terror, ao imaginar como seria se a ratinha não
estivesse exatamente onde ela está.

Nos meus braços, com o


meu pau atolado na sua
boceta.

Explodo dentro dela, minhas bolas encolhem, meu


coração acelera, minha garganta seca. Abraço Elisa com
tanta força que poderia quebrar seus ossos.

Não quero soltá-la nunca


mais.

O gesto irrita a besta, mas o toque do celular adia


sua repreensão. Desço da cama, pego o aparelho em cima
da cômoda antiga e me deparo com o nome de Laura na
tela.

O relógio marca cinco da manhã. A piranha perdeu o


sono e não me encontrou na cama. Por isso está me
ligando a essa hora.
Eu poderia ignorar a chamada e voltar a dormir, mas
quanto mais cedo ela souber que as regras mudaram, mais
tempo terei com a ratinha.

— Alô.

— Onde você
está?

— Não interessa.

— Precisamos
conversar.

— Qual o
problema?

— A Elisa não
dormiu em casa.

— Eu sei.

Laura fica em silêncio.


— Você sabe
onde ela está? —
pergunta,
ressabiada.

— Sei. — Meus
olhos disparam
para a garota
miúda na cama.

— Onde, Dante?

— Estou olhando
pra ela.

— O quê? —
Dou risada do seu
alarde.

— Elisa está comigo, Laura. Pelada na minha cama.


Acabei de foder a boceta dela e pretendo foder de novo
quando você parar de encher o meu saco.

— Não pode estar


falando sério. Eu
acabo com a sua
vida, Dante!

Alguns dias atrás, ela


poderia. Hoje, ninguém
pode.

— A partir de agora, as coisas serão do meu jeito.


Leia com atenção a mensagem que irá receber em cinco
minutos. É apenas uma amostra do que vai acontecer com
a família Gutierrez, se não fizer tudo que eu mandar. Não
brinque comigo, nem duvide de mim, esposa.

Encerro a ligação, seleciono duas fotos das que tirei


da piranha na Alvorada, agarrada com o sujeito que ela
conheceu, e decido deixar para mostrar os vídeos apenas
na reunião em que Humberto estará presente, para que
minha esposa passe o dia acreditando que pode reverter a
situação. Envio para ela junto com a mensagem:
Espero que convença seu novo amante que ele é
o pai do seu filho, porque eu, com certeza, não sou, e
nós dois sabemos que o Silvano não vai largar uma
ruiva gostosa como a mulher dele pra ficar com você.
As fotos são as primeiras letras. O alfabeto inteiro será
mostrado hoje à noite, às oito horas, na casa da minha
sogrinha. Avise seu pai que não irei tolerar atrasos.

Obs: Segue a lista de material que você vai


comprar com o cartão da Cooperativa na loja do
Heleno. Não esqueça de avisar o gerente que seu fiel
marido passará para retirar na próxima semana.

Desligo o telefone,
sorrindo.

Laura é esperta e não vai responder, mas aposto que


se não estava de ressaca, ficará quando receber essa
mensagem.
Tomo banho, visto uma calça jeans, preparo o café
da manhã para quando Elisa acordar, como alguma coisa
e entro no quarto dos fundos para ver como a cobaia está
se sentindo nessa linda manhã.

Admito que esperava encontrar Claudia muito pior,


o que me anima para trazer a ratinha para cá e começar a
me divertir um pouco.

Com cuidado, carrego Elisa no colo e a acomodo no


chão, de frente para a cobaia. Quero que ela acorde logo,
mas se estiver confortável vai dormir até a hora do
almoço e não estou com paciência para esperar tanto
tempo.

Abro minha caixa de ferramentas, olho para a cobaia


pendurada, depois para a ratinha sentada e volto a encarar
os objetos organizados no interior. Não hesito nem por
um segundo em escolher o podão.

O cabo de madeira é acolhido pela palma da minha


mão com saudosismo. Meus dedos o cortejam,
contemplando a familiaridade, como se o objeto que me
acompanha há anos, fosse uma extensão do meu corpo.
Como se fizesse parte de mim.

Não somente da minha


história.

Ansioso para que Elisa conheça Daniel, opto por


fazer um pequeno aquecimento e usar a melodia favorita
dos demônios para resgatar a ratinha do sono profundo.

Claudia tenta bancar a malandra, simulando que


também está apagada, no entanto, flagro seu olhar
cravado na garota e não caio no seu blefe.

Paro na frente dela, seguro o podão pela capa de


couro que protege a lâmina e contorno o bico seio com o
cabo.

— Uma mulher que valoriza a vida. Gosto disso.


Minha pergunta é: Por quanto tempo você vai aguentar?

— Até a polícia descobrir que você é um psicopata.


— A vadia tem a ousadia de responder, sem desconfiar
que está pisando em um campo minado.

— Tenho duas notícias: uma ruim e uma muito pior.


— Sorrio, sem qualquer humor. — Qual você quer ouvir
primeiro?

— Não vou dizer.


— Por quê? — pergunto, concentrado nos
movimentos circulares, contínuos, ásperos.

— Porque você
só faz o que quer,
independente do
que eu quero.

— Então faça o que eu quero, e me diga qual notícia


você quer ouvir primeiro.

— Não.

Olho por sobre o ombro,


apertando o cabo com mais
força.

Acorda, porra!

— Ela é a
próxima? —
Claudia
murmura.

— Não. Ela é
minha.

— Sua o quê?

— Eu faço as perguntas. — Encaro seus olhos com


os dentes cerrados e acerto um golpe na lateral do seio.

O som da madeira colidindo com a pele mole é mais


baixo do que eu gostaria, em compensação o grito que sai
da garganta da vadia é a motivação que preciso. — Qual
notícia?

— Nenhuma! —
ela brada,
entredentes.

O segundo golpe é mais forte. O som do impacto é


mais alto. O grito dela é mais urgente.

Olho outra vez para trás,


frustrado por Elisa sequer
se mexer.

— Última
chance.

— Vai se foder, Dante! — esbraveja, então entendo


que não sou o único que está tentando despertar a ratinha.

Meu humor está de volta.

Arranco a proteção de couro do podão, seguro o bico


do seio direito e estico.
— Com o maior prazer! — Meu braço se desloca
rente ao corpo dela, de fora para dentro num movimento
rápido e preciso.

A lâmina afiada corta o ar, atravessando o espaço


estreito entre os meus dedos e o mamilo.

Em um segundo, o bico
rosado está grudado ao
corpo da Claudia. No outro,
ele está na minha mão.
E no seguinte, atochado na
boceta dela.

Um esguicho forte de sangue jorra do corte e vem


direto na minha cara, me sujando inteiro. Deixo a
psicóloga gritando alucinadamente, e sigo para o
banheiro, onde fico me lavando até ela se calar.

Abro a porta do quarto pronto para desfigurar o


outro seio, mas estaco no lugar ao encontrar a ratinha
acordada.

Os olhos cheios de lágrimas me encarando como se


eu fosse um monstro, ratificam que Elisa não me
reconheceu, e a forma mais segura de garantir que a
ratinha entenda que dessa vez, nem mesmo a morte irá
afastá-la de mim, é contar e, principalmente, mostrar a
verdade para ela.

Daniel Bonavides, o
primeiro, único e último
amor da sua vida.

Esse sou eu.


Seu Dante sorri para mim, porém seu sorriso não é forçado como os que ele dava, ou
como qualquer outro que eu já tenha visto. É um sorriso de contentamento, de alguém
que está realmente feliz.

— Finalmente minha ratinha acordou.

Ele deixa o facão em cima da mesa e se encosta na beirada. Cruza um pé sobre o


outro e os braços sobre o peito.

— Estou te devendo um pedido de desculpas. — O olhar dele tranca o meu. Não


faço nada, tenho medo até de respirar. — Você fez o que nenhuma mulher conseguiu
fazer em vinte anos. — Suas mãos descem para o elástico da cueca. — Você trouxe ele de
volta, Elisa.

Engulo seco quando seu Dante abaixa a boxer até o chão, a chuta para o lado e
abraça seu membro com a mão, dando início a uma carícia lenta para cima e para baixo.

— Seu pai te mostrou alguma foto da Tônia? — Sua voz é grossa e autoritária, mas
não tem mais aquele tom hostil que ele falava comigo.

Nego com a cabeça, me empenhando para manter meu foco nos seus olhos, não nos
dedos que apertam a carne grossa com força.

— Você já viu alguma foto dela? — Seu Dante murmura sem fôlego, apoiando a
mão livre ao lado do quadril, e relaxa os ombros.

Nego novamente, apertando minhas coxas. Não quero que ele saiba que está me
afetando, no entanto, pelo sorriso divertido nos seus lábios, é óbvio que sabe. E gosta de
saber.

— Tônia era a mulher mais linda da cidade. — Inclina a cabeça, com os olhos
fechados e prende o lábio inferior entre os dentes. Sua mão trabalha mais rápido.

Ele está lembrando dela.


Meus seios pesam, meu ventre se contrai, excitação
escorre pela minha coxa. Tento desviar o olhar do seu
membro e pensar em outra coisa que não seja o desejo
surreal de prová-lo na boca.

Falho vergonhosamente.

— Eu amava tanto a Tônia, que ter e foder aquela


mulher de todas as formas possíveis, não era suficiente
para satisfazer a besta dentro de mim. Ainda menina,
Tônia exigiu ser a única a sentar no pau e por algum
tempo até pensei que ela seria, mas desde a primeira vez
que me masturbei, só conseguia gozar se me imaginasse
rasgando Tônia com o podão, de cima a baixo, para
arrancar o coração dela e garantir que o amor do meu
amor, jamais fosse o amor de outro homem. Apenas meu.

Não respiro, não pisco, não


movo nem um fio de
cabelo.

Ouço as palavras e sei o que cada uma delas


significa, por isso, não tenho dificuldade de entender o
que ele acaba de falar.

Difícil mesmo é acreditar que seu Dante só sentisse


prazer se fantasiasse que estava matando a garota que ele
amava desde a infância, a que era sua noiva e foi
assassinada pelo seu melhor amigo.

Mais difícil ainda, é acreditar que essa mulher


pendurada no teto, com a cabeça tombada para frente e o
corpo todo machucado, coberto de sangue, não é uma
boneca gigante para me assustar.
Que as algemas, a corda e a mordaça, não fazem
parte de uma brincadeira de mau gosto.

E a imagem dele me enforcando na lavanderia até eu


desmaiar, não é um delírio ou uma lembrança do pior
pesadelo que já tive.

Seu Dante se aproxima devagar, se abaixa na minha


frente e acaricia meu rosto com os nós dos dedos. Seu
olhar é indecifrável, sua expressão impassível. Seu
sorriso pode ser tanto sorrateiro, quanto travesso, depende
dos olhos de quem vê.

Minha esperança que seja o adicional de uma


travessura do marido da dona Laura por me odiar, para
me expulsar da sua casa ou qualquer outra desculpa que
ele queira inventar, evapora quando seu Dante apoia as
mãos na parede, uma de cada lado da minha cabeça, e
olha no fundo dos meus olhos.
Agora, além de nua, imobilizada e silenciada,
também estou encurralada pelos braços de um homem
que me encara como se quisesse… me matar.

— Quando a Tônia morreu, fui embora de Morada


do Sol. Passei dois anos viajando sem rumo, até descer na
rodoviária de Riacho Verde, ser assaltado por um bandido
que levou todo meu dinheiro e uma loira metida a besta,
me oferecer mil reais para dirigir o carro dela até a casa
dos pais, para que eles não descobrissem que ela tinha
usado drogas e estava tão bêbada, que não conseguia ficar
de pé.

Claro que seu Dante se refere à dona Laura e por


alguma motivo sei que não está mentindo, ainda assim, é
impossível imaginar minha patroa drogada e embriagada.

Ele deposita um beijo na minha testa, demorado,


calmo. A sensação que tenho é que o homem que queria
me possuir à força ontem à noite, simplesmente não
existe mais.

— Por razões diferentes, Laura precisava de mim e


eu precisava dela. Fizemos um acordo e nos tornamos
aliados. Por vinte anos, acreditei que o meu amor pela
Tônia era único, insubstituível. — Seu Dante liberta
minha boca e cola os lábios nos meus, mas não aprofunda
o beijo. — Até você chegar e fazer ele te amar.

É a segunda vez que seu Dante fala desse homem


que não conheço. Quero preguntar quem é ele, mas estou
com tanto medo, tão confusa, tão apavorada, que
dispenso a curiosidade e permaneço muda.

No entanto, seu Dante nota


minha confusão e
questiona:

— Ainda não
entendeu,
ratinha?

No segundo em que balanço a cabeça, negando, me


arrependo. Ao mesmo tempo que um nevoeiro cobre seu
olhar, me revela o que eu gostaria de nunca ter visto.

Crueldade.

— Dante trata o casamento como um negócio, trepa


com a esposa pra aliviar a dor nas bolas e é incapaz de
matar uma mosca por causa dela. — Ele se inclina e
sussurra em meu ouvido: — A próxima vez que meu pau
estiver enterrado na sua bocetinha deliciosa, não é o
nome dele que você vai gritar. É o meu. Sempre o meu.
Qual o nome dele?

Cinco segundos, no máximo. Esse é o tempo que


demoro para entender de quem seu Dante está falando.

Daniel Bonavides. O
melhor amigo do meu pai.

Ele recoloca a mordaça, vai até a mesa novamente e


desenrola uma camisinha sobre o membro.

Não! Por favor, Deus. Me


ajuda! Não quero deitar
com esse homem.
Petrifico por fora como uma estátua de sal e gelo por
dentro como um iceberg inquebrável, aterrorizada. Não
quero que ele me toque, mas não sou forte, nem corajosa,
para enfrentá-lo.

Sou tomada pelo pânico quando Daniel empunha seu


facão, sorri e pisca um olho para mim.

Ele vai me cortar e arrancar meu coração, como


queria fazer com Tônia.

Novas lágrimas enchem


meus olhos.

Vou morrer! Daniel vai me


matar!

Minha mente dá um tilt quando ele para atrás do


corpo pendurado em vez de vir para cima de mim. Se
pensei que o que estava sentindo era ruim, o que sinto no
momento em que Daniel puxa o cabelo da mulher para
trás e levanta a cabeça dela para que eu reconheça a
amiga da onça da dona Laura, é imensuravelmente pior.

Claudia.

Senhor, o que esse homem


fez com ela? Homem, não.
Monstro.
— Quando eu acabar com a cobaia, você vai
entender que ninguém vai te amar como eu te amo. O
meu amor é seu, Elisa. Todo seu. E para ter você, eu faço
qualquer coisa.
Daniel corta o bico do seio de Claudia com o facão,
com a mesma frieza que uma dona de casa corta uma
rodela de tomate.

Nenhum vestígio de culpa, compaixão ou empatia


por outro ser humano. Nenhum respeito pela vida de uma
pessoa que ele conhecia, frequentava sua casa, era amiga
da sua esposa.

O grito de dor que ecoa pelo quarto dizima minha


alma, mas como Daniel mesmo disse, era apenas o
começo.

Quando ele deita Claudia na mesa de barriga para


cima, a penetra no ânus e enfia o facão na vagina dela,
imploro a Deus para que a leve de uma vez, pois
nenhuma mulher merece sofrer o que ela está sofrendo
nas mãos desse monstro sádico.

Minhas preces são ouvidas e o corpo da psicóloga


finalmente desiste de lutar. Estou chorando, minha
barriga está doendo e meu coração arruinado, mas ainda
tenho esperança que tudo seja um terrível pesadelo e, a
qualquer momento, irei acordar e descobrir que nada
disso é real.

Então Daniel chama o meu nome, num tom


autoritário que não me deixa outra escolha que não seja
encarar seu olhar severo, sombrio.

— Tudo que eu fiz com a cobaia, era o que a besta


queria fazer com você. Agora ela exige o ato final para se
sentir satisfeita, até a próxima refeição.
Com os olhos cravados nos meus, ele rasga o peito
de Claudia e arranca o coração dela com a própria mão,
antes de esticar o braço para cima e exibir o órgão
ensanguentado como um troféu.

Eu choro, grito, passo mal,


vomito. E, graças a Deus,
desmaio.
Elisa apaga.

Puta que pariu!

A garota é mais ingênua do que pensei. Olho para o coração da


cobaia na minha mão e caio na gargalhada.

Isso vai ser divertido.

O quarto está uma bagunça e se não fosse o cheiro do vômito


da ratinha, seria perfeito. A cobaia rasgada em cima da mesa,
sangue, dor, lágrimas e sofrimento. Tudo para salvar meu amor.

Sigo até a cozinha, coloco o coração em um prato e lavo as


mãos. Assobiando, unto a frigideira com azeite, acendo o fogão e a
coloco para esquentar, enquanto arrumo a mesa como a besta gosta
para servir seu jantar.
Despejo o pedaço do corpo da cobaia sobre a
gordura aquecida para fritar bem e sirvo. A besta saliva,
devora a carne malpassada e satisfaz sua necessidade.

Por enquanto.

Encosto o ombro no batente da porta, com os olhos


na ratinha. A primeira vez com Tônia foi muito mais
excitante, mas não é justo comparar as duas.

A endemoniada não sabia o que eu fazia com as


cobaias, mas já havia sido apresentada para a besta e
tinha uma ideia do que aconteceria com a japonesa
gostosinha, quando a levamos para o chalé.

Elisa foi pega de surpresa e assistiu Dante foder a


cobaia. De certa forma, existia um vínculo entre as duas,
ainda que superficial.

Levo a ratinha para o outro quarto. Ela está imunda,


mas a deito na cama sem limpá-la. A resistência de
Claudia prolongou sua estadia no mundo dos vivos e
engrandeceu o divertimento dos demônios.

Em contrapartida, irá me atrasar para a reunião na


casa do Humberto se eu não me apressar. Quando voltar
para a ratoeira quero foder Elisa até o dia amanhecer para
que não fique com ciúme das próximas cobaias e entenda
que seus corpos usados, formam o escudo que a protegerá
da besta.

Exatamente como fiz com


Tônia.
Noto que as algemas estão frouxas nos pulsos de
Elisa, quando os prendo nas grades de ferro da cabeceira,
porém não tenho outras e duvido que ela acorde antes de
eu chegar.

Anoto no meu bloco de notas para não esquecer de


comprar menores quando for retirar o material de
construção. Esterilizo o podão, as ferramentas, as
correntes e os braceletes.

Amanhã termino de limpar


e enterro a cobaia.

Tomo banho, visto roupas limpas, dou um beijo na


testa de Elisa, um em cada peitinho e um na boceta. Meu
pau desperta na mesma hora, ansioso para ser aquecido
pelo seu cobertorzinho apertado.

Tranco o casarão, dirijo até a o bairro nobre e


estaciono à frente da casa do pastor faltando dois minutos
para às oito.
Um homem pontual, esse
sou eu.

Humberto, Laura e Celeste já estão no escritório me


esperando. O pastor sentado na cadeira atrás da sua mesa,
minha esposa em pé à sua direita e minha sogra à
esquerda.

— Quanto você quer pelas fotos? — ele pergunta


assim que me acomodo de frente para os três.

— Quanto está disposto a pagar por cada uma? —


Relaxo com as mãos entrelaçadas no colo.

— Laura errou e está arrependida. Tenho certeza


que podemos resolver essa questão sem prejudicar
ninguém e seguir nossas vidas. Me diga quanto quer,
você leva sua esposa para casa e esquecemos tudo.

Encaro Laura com um


sorriso cínico.

— Está arrependida de se agarrar com um estranho


na igreja da sua família, ou de ter engravidado do seu
amante, querida?

Celeste e o marido encaram


a filha, boquiabertos.
— Não estou
grávida, nem
tenho um amante,
querido.

— Quer que eu
prove? —
Arqueio as
sobrancelhas.

Laura usa sua melhor


técnica de fingimento e faz
cara de tédio.

— Eu bebi além da conta na hora do almoço, cometi


um erro e espero que me perdoe. Não vamos fazer disso
algo mais importante do que realmente é.

— Claro que não. — Desvio o olhar para o meu


sogro. — Quanto está disposto a pagar pelas fotos?

— Quem está me chantageando é você, Dante. Não


sou eu quem tem que determinar os valores.

— Preciso que
me dê um
parâmetro.
Ele enruga o cenho. Meu
sorriso se alarga.

— Parâmetro
para quê?

— Para eu decidir
quanto vou
cobrar pelo vídeo.

Minha sogra cobre a boca com a mão. Laura e


Humberto franzem a testa, sem entender porra nenhuma.

O pastor se inclina para


frente e apoia os cotovelos
no tampo.

— Não sei por que está fazendo isso. Se está com


algum problema e precisa de dinheiro, era só me pedir,
mas essa história passou dos limites. Não aturo
desrespeito na minha própria casa de um inimigo. Não
vou aturar de você.

— Como quiser.
— Eu me levanto
e sigo para fora
do escritório.

Laura tem as técnicas de fingimento dela, eu tenho


as minhas de manipulação. Faz tempo que não as coloco
em prática, porém duvido que não funcionem.

É como oferecer um bombom de merda embrulhado


em papel celofane para uma criança que não come nada
há meses.
Seus olhos fingirão que é chocolate, o nariz fingirá
que o cheiro é de Nescau, e a boca que é o doce mais
gostoso que já provou na sua curta e miserável existência,
contanto que o estômago esteja cheio.

— Vinte mil. — A voz de Humberto estronda atrás


de mim, quando abro a porta.

Olho para ele por sobre o


ombro.

— Por cada uma


ou pelas seis?

— Seis? — ele
repete, chocado.

Uma melhor que a outra. Mas todas elas juntas não


chegam aos pés dos vídeos. Estamos chegando lá.

— Não posso afirmar que a sua filha estava sob


efeito de álcool, mas garanto que uma cadela no cio não
ofereceria a boceta dentro da igreja para um cachorro
sarnento, como ela ofereceu para aquele cara. — Meu
olhar na direção de Laura, é de pura ironia. — Tanto
esforço pra ser rejeitada
daquele jeito. Foi por isso que engravidou do Silvano,
quando percebeu que ele nunca largaria a esposa por sua
causa? Gosta de homens que te tratam como vagabunda?
Como seu pai disse, era só me pedir. Eu teria gostado de
acordar com uma puta na minha cama, em vez de uma
falsa frígida.

— Você dormiu
com a
empregada! —
Laura acusa.

— Chega! — Humberto grita, batendo a mão na


mesa. Passa a mão no cabelo e aponta para a cadeira que
eu estava sentado. — Sente-se, Dante. Quero ver o vídeo.

Velho pilantra.

Acreditou que me compraria hoje, e amanhã


mandaria um dos seus cabruncos invadir minha casa para
destruir a fonte das evidências.

Agora que se deu conta que o agarramento da filha


com o forasteiro é fichinha, perto da merda que vai dar se
a notícia que a piranha está grávida de um Malaquias,
acha que pode evitar que o arranhão se transforme em
ferida inflamada.

Quanto mais alto o degrau, maior o tombo. E meu


sogro está prestes a ser jogado de um penhasco sem
fundo.

Tiro do bolso da calça, o celular descartável que


comprei para guardar uma cópia dos vídeos, desbloqueio
o aparelho e seleciono apenas o primeiro. O segundo
ficará reservado para o futuro, caso o pastor ou sua filha
tentem me ferrar.

— Eu fiz essa
cópia para vocês.
O original está
muito bem
guardado.
— Aumento o volume, coloco o telefone na frente dele e
encosto na cadeira.

Assisti essa merda milhares de vezes enquanto fazia


a edição das imagens, mas nenhuma delas me deixou tão
excitado quanto ver a cara de assombro do Humberto e de
inveja da Laura.

Celeste tem um piripaque com menos de dez


segundos de filmagem, despenca no chão como uma jaca
passada e é carregada para o quarto pelo segurança.

Laura quebra metade da porcelana cara das


prateleiras, Humberto me xinga de todos os palavrões que
conhece, e eu faço todas as minhas exigências para
continuar atuando como membro da família Gutierrez.
Para todos os efeitos, ainda sou marido da Laura,
moro na mesma casa e meu casamento é perfeito, fui
contratado para trabalhar em uma empresa de São Paulo,
de segunda à sábado, e Elisa aceitou o convite da família
do pai para ir morar na cidade onde ele nasceu, no Rio
Grande do Norte.

Em uma semana a escritura da chácara que minha


esposa herdou da avó estará no meu nome e Humberto
depositará mensalmente uma quantia satisfatória na
minha conta bancária.

Qualquer deslize de um deles, os dois vídeos de


Celeste dando a boceta e o cu para o genro, gemendo
como uma louca, gozando como uma puta e se
submetendo a mais depravada humilhação, para se entalar
com o osso dele, serão publicados em todas as redes
sociais que existem, e nas que ainda serão criadas.

Laura se revolta.

Humberto acata.

Antes ir embora, dou o tiro


de misericórdia na minha
esposa.

— Se eu soubesse que a sua mãe era tão gostosa,


teria trepado com ela há muito tempo. Meu objetivo era
manipular a Celeste pra conseguir meu trunfo. Eu não
precisava ter voltado, mas voltei porque a boceta dela é
deliciosa e a velha sabe chupar um pau melhor que as
putas que seu pai fode todas as quintas-feiras, no bordel
de Pedra Santa.
Saio do escritório do pastor, deixando o passado de
Dante para trás, pronto para viver o futuro de Daniel.

Sigo até a casa da filha dele para pegar o resto das


minhas coisas e volto para o casarão, me sentindo
verdadeiramente feliz, certo que a ratinha ficará satisfeita
em saber que agora seremos apenas nós três:

Eu, ela e o nosso amor.

Mas qualquer sentimento bom que um homem como


eu é capaz de sentir, pulveriza quando estaciono o carro e
vejo a janela aberta.

Sei o que aconteceu, mesmo assim corro até lá,


apoio as mãos na soleira e me debruço, com metade do
corpo para dentro do quarto onde Elisa deveria estar
dormindo, porém a cama está vazia e as algemas
penduradas nas grades, soltas.
Dou um soco na parede e lambo o sangue que
escorre das juntas dos dedos. O calor abranda. Estou puto
com a fuga da ratinha, mas existe uma razão para eu
nunca ter sido pego.

Enfio as mãos nos bolsos, olho ao redor e tudo que


vejo além da escuridão é mato por todos os lados. O
cantar dos grilos é o único som que anula o silêncio total.

Uma mulher vestida, calçada, bem condicionada e


fisicamente descansada, que conhecesse o terreno,
dificilmente conseguiria chegar até a estrada nem se fosse
de dia.

Elisa está nua, descalça, emocionalmente abalada,


fisicamente debilitada, não sabe que lugar é esse, não tem
a menor noção de direção e é naturalmente insegura.

Pego a lanterna, uma garrafa de água, um pacote de


biscoito e um cobertor, antes de sair à caça.

Um sorriso ardiloso estica


meus lábios.

Eu gostava brincar de balança caixão com JC, mas


minha brincadeira favorita era pique-esconde. Se a filha
dele acha que pode se esconder de mim, está
redondamente enganada.

Quando a ratinha menos


esperar, BUH! O gatuno
comeu.

E vou comer Elisa, até me


empanturrar.
Sigo Daniel até a casa dele, mas não paro. Dobro a esquina e estaciono embaixo de uma
árvore. Ligo para Kevin, que atende no primeiro toque.

— Já ia te ligar. Dante acabou de chegar — ele fala,


apressado.

— Eu sei. Estava esperando a Laura sair de uma casa na rua Olavo Bilac e ele apareceu
lá.

— Os pais dela moram nessa rua.

— Isso explica o segurança na porta.

— Elisa não voltou.

Fecho os olhos, cerrando a mandíbula.

— Esse desgraçado está com ela.

— O que você quer que eu faça? Penso por um instante.


— Me traz qualquer coisa para comer. Eu te explico o resto quando chegar aqui.

— Beleza.

Recosto no banco, cansado pra cacete, mas a adrenalina da perseguição se encarrega de


me manter acordado. Não posso fraquejar agora que estou tão perto de pegar o assassino de
Sabrina.

Minutos mais tarde, Kevin dá duas batidas no vidro.

— Você não comeu nada o dia todo? — pergunta o garoto, me entregando duas sacolas
de supermercado cheias.
— Comi dois sanduíches no shopping, enquanto a
Laura estava almoçando.

— Por favor, manda uma tarefa que eu tenha que


ficar de pé. Passei dez horas sentado de frente para aquela
janela, minha bunda tá quadrada.

Acabo sorrindo.

— Não sei o que Dante está fazendo lá dentro. Dá


um tempo no quintal como quem não quer nada, e me
avisa se ver qualquer coisa suspeita.

— Aonde você
vai?

— Ficar aqui e esperar. Tenho quase certeza que o


filho da puta vai sair de novo, e não quero que ele veja
meu carro. — Pego um sanduíche embrulhado em papel
alumínio, com a data de hoje anotada em uma etiqueta
branca. — Você anotou o dia que fez? — Aponto para os
números azuis.

Kevin puxa uma longa


respiração.

— A Jurema tinha essa mania de colocar data de


validade em tudo que fazia.

— Algum motivo especial ou só hábito mesmo? —


Dou uma mordida, agradecendo mentalmente a madrasta
do garoto. A combinação de ingredientes é simples, mas
muito saborosa.
— Ela dizia que não se perdoaria, se eu ou meu pai,
comesse alguma coisa estragada e ficasse doente.

— Motivo
especial —
murmuro entre
uma mastigada e
outra.

— O quê? —
Kevin faz uma
careta engraçada.

— Preocupação — explico melhor depois de


engolir. — Ela não anotava por hábito. Preocupação é o
motivo especial.

— Não quero
falar sobre isso.

— Sobre a
preocupação da
namorada do
Rogério?

— Sobre a
namorada do meu
pai.
— Você gosta dela, é normal se preocupar com as
pessoas que gostamos.

— Não estou
preocupado. —
Ele dá de ombros
e se afasta da
janela.
— A Jurema que fique com o amante. Foda-se.

Termino de comer e abro uma garrafinha descartável


com algum líquido amarelo dentro.

Suco de laranja.

— Não entendi direito. — Bebo um longo gole. —


Ela já tinha dado alguma dica que não estava feliz com o
seu pai?

Ele acena com a cabeça.

— Não.

— Tem certeza? Às vezes, o Rogério não quis


contar que estavam com problemas pra não te magoar.

Kevin abaixa a cabeça e


chuta uma pedra invisível.

— No dia seguinte que a Jurema saiu e não voltou,


ela e o meu pai tinham uma entrevista com a assistente
social. Eles estavam na fila de adoção desde o início do
ano. Um casal não planejaria assumir uma
responsabilidade como essa, se estivesse com problemas.
Eu acho. — Ele penteia o cabelo com os dedos. — Na
verdade, não sei de mais nada. Só sei que o velho está
arrasado e ver meu pai arrasado me deixa puto.

Abro a boca para incentivá-lo a voltar na delegacia e


exigir que o delegado faça a merda do trabalho dele, mas
Kevin adiciona.

— Vou pra casa


ficar de olho no
Dante.

— Toma cuidado.
Não deixa ele
perceber que
você está
vigiando.

— Beleza. Se
precisar de mais
alguma coisa, dá
um toque.

— Obrigado.

Como mais um sanduíche e estou tomando o resto


do suco, quando meu telefone toca. Kevin.
— Dante colocou uma mala de viagem no porta-
malas e está saindo. Acho que ele vai viajar.

Ligo o carro, de olho no


retrovisor.

— Me avisa se a
Elisa aparecer.

Encerro a ligação um segundo antes do Corolla fazer


a curva e passar por mim. Acelero e vou atrás dele.

Na avenida principal, em vez de virar à esquerda,


como Laura virou de manhã, Daniel vira à direita, em
direção à saída da cidade e pega uma estrada asfaltada de
mão dupla.

Diminuo a velocidade para um Focus me ultrapassar


e ficar entre nós. Ele segue na pista por mais vinte
quilômetros, antes de entrar numa estrada de terra no
meio do nada.

Daniel vai se tocar que está sendo seguido se eu


fizer o mesmo caminho, pois o movimento de veículos
nesse trecho é quase nulo. Então sigo por mais
quinhentos metros, irritado por não encontrar nenhum
retorno.

Para não me distanciar e perder seu rastro, giro o


volante todo para a esquerda e volto pela outra pista, até a
estrada que ele pegou.

Desse lado não tem acostamento, apenas mato.


Analiso minhas opções, que não são muitas, e avanço
para o matagal, enfiando o carro entre duas árvores.
Confiro a munição da pistola, enfio o celular no bolso e
desço. Do asfalto, não dá pra ver o HB20 preto, entocado.

Atravesso a pista e sigo a pé pela estrada de terra,


me sentindo exposto. Não sei para onde esse psicopata
foi, se está armado ou escondido em algum buraco.

O cenário é o mesmo, tanto


atrás quanto à minha frente.

Uma faixa de terra para a passagem de um carro,


cercada de mata fechada pelos dois lados.

Escura, deserta, excelente


para refugiar psicopatas.

Acendo a lanterna do celular, avanço em diagonal


para a direita, por uns trezentos metros entre as árvores, e
retomo o caminho em linha reta,
paralelo à estrada, que agora está completamente tampada
pelo projeto de floresta.

Não acredito que animais selvagens vivam por aqui,


mas certamente é o lar de diversos pássaros, insetos e
cobras. O silêncio seria absoluto se não fosse o estalar de
galhos sob meus pés, denunciando a minha presença.

Estou caminhando a mais ou menos dez minutos,


sem chegar a lugar nenhum, e a incerteza de estar indo na
direção certa começa a me irritar.

Uma sequência de ruídos próximo de onde estou, me


faz parar de andar. Saco a arma, totalmente concentrado
nos estalos seguidos do que parecem ser gemidos de dor.

Desvio a luz da lanterna para o chão e sigo na


direção do barulho, que fica mais alto à medida que me
embrenho na mata. De repente os estalos cessam e um
grunhido agonizante estronda pelo ar.

Respiro fundo, apreensivo.

Um animal ferido, talvez?

Cruzando um pé na frente do outro, mais devagar e


com a atenção redobrada, sigo em meio à vegetação, me
aproximando do ponto de origem dos gemidos.

Estou muito perto agora. Tão perto que me arrisco a


dizer que o bicho é rastejante. A certeza de que a
distância entre mim e ele é de menos de cinco metros, me
deixa mais apreensivo que a incerteza de não saber onde
estou.
Meu coração dispara quando contorno o tronco
robusto de um Jatobá e a luz branca que sai do meu
telefone ilumina uma figura pequena deitada de bruços.

Um amontoado de fios marrons na primeira


extremidade, manchas vermelhas espalhadas pela pele
cálida, que se destaca sobre o preto da terra e o verde-
escuro das folhas, e… nua.

O reconhecimento me
atinge como uma granada.

Elisa.
Caio de joelhos ao lado dela e a viro com cuidado,
segurando seus ombros. Não vejo ferimentos em seu
rosto ou tronco, mas está congelando. Eu a puxo para
mim, acolhendo seu corpo com o meu numa tentativa de
aquecê-la.

Afasto seu cabelo para trás e procuro machucados


em suas pernas. Roço levemente a ponta do dedo na sua
coxa, por cima da mancha avermelhada, e a levo ao nariz.

Sangue.

Preciso descobrir se Elisa se cortou, e para avaliá-la


com mais precisão tenho que me afastar, mas me recuso a
soltá-la.

Ela balbucia alguma coisa que não entendo, suas


pálpebras tremulam, uma lágrima escorre do seu olho.
Encosto minha boca em seu ouvido.

— Elisa — sussurro para não a assustar. — Sou eu,


Juliano. Fala comigo, pequena. Quem machucou você?

— Dan…

— Daniel?

Novas lágrimas banham seu


rosto. Seu corpo estremece.

Maldito seja! Eu sabia!

— Claudia — Elisa diz baixinho. — Daniel matou a


Claudia… — Seu choro é desesperador. — Ele quer me
matar… Ele…

— Calma, pequena — rosno entredentes. — Não


vou deixar aquele desgraçado encostar um dedo em você.

Encaro o céu, apertando seu


corpo contra o meu.

O psicopata sequestrou Elisa e matou uma mulher na


frente dela. Não sei como ela conseguiu escapar, mas
Daniel sabe o que pode acontecer se a mulher que deveria
ser mais uma de suas vítimas, se tornar testemunha.

Ele vai fazer de tudo para impedir que a filha de


João Camargo denuncie seu crime, e não descansará
enquanto não encontrá-la.

Se eu fosse adiante,
encontraria o esconderijo
do desgraçado.
Seria a minha grande chance de matar Daniel
Bonavides, mas a vida de Elisa é infinitamente mais
importante que a morte dele, e para protegê- la, abro mão
da minha vingança. Sem pensar duas vezes.
Meus olhos ardem, minha garganta seca, meu coração
comprime.
Mas não paro de correr.

Gravetos afiados perfuram meus pés, câimbras entortam os músculos das minhas
pernas, galhos de árvores arranham meus braços, seios e barriga. Mas não paro de
correr.

Não encontro uma trilha dentro da mata. Não sei onde estou, nem para onde estou
indo. A escuridão da noite, que antes me assustava, agora é minha confidente e sabe que
não posso parar de correr. Não olho para trás.

A mulher pendurada grita quando o facão penetra sua intimidade. O monstro


empurra a lâmina e puxa para fora, com os olhos vidrados de prazer.

Põe e tira. Ela se debate, chora, implora. Põe e tira. Seu corpo convulsiona sobre a
mesa. A dor da mulher é minha. Põe e tira. O sangue que escorre dela decora o membro
dele.

Põe e tira…

A lâmina paira no ar, apontada para baixo, e desce sobre o peito da mulher se
estrebuchando, perfurando sua carne, quebrando seus ossos, roubando sua vida. A mão
do monstro invade o corpo e arranca o coração que não lhe pertence.

Mas não é o coração dela que ele exibe, pomposo, como um troféu. É o meu.

— A ratoeira é a sua nova casa, e você é minha, ratinha.


— Não! Não! Não! — Desfiro socos no ar,
rechaçando o monstro para longe de mim.

— Shi… — Sou
imobilizada por
uma camisa de
força quente e
macia.
— Calma, pequena. Acabou. Eu estou aqui e não vou
deixar ninguém te machucar.

A voz enrouquecida me tranquiliza, porém não inibe


as lágrimas de escorrerem dos meus olhos.

— Tudo bem. Você está segura. — Dois braços


fortes me envolvem num abraço de urso. — Eu vou
cuidar de você.

Descanso a cabeça em um peito duro, com cheiro de


mar, limpeza e realidade.

Juliano.

Eu me afasto bruscamente e arrasto a bunda para


trás, até minhas costas alcançarem a cabeceira da cama,
secando as bochechas molhadas nas mangas da camisa de
malha cinza.

— Elisa? — Odeio como


meu nome parece bonito
quando ele fala. Levanto a
cabeça para encontrar seus
olhos azuis.
— Bom dia. — Juliano é lindo quando está sério,
mas sorrindo sua beleza supera qualquer coisa.
— Bom dia. — Minha voz falha e minha expressão
é séria. Não tenho motivos para sorrir.

— Eu pedi café da manhã pra você. — Ele aponta


para a mesa posta no canto do quarto, porém meus olhos
desviam para a porta aberta ao lado do guarda-roupa,
antes de encontrarem os de Juliano novamente, que se
estreitam.

— Posso usar o
banheiro? — falo
sem qualquer
emoção.

— Claro, fique à
vontade.

Não agradeço, não espero que me diga onde estão as


toalhas, tampouco que me acompanhe. Desço da cama e
faço meu caminho, passando o trinco para poder lavar
meu corpo e minha mente em paz.
Embaixo do chuveiro, não bloqueio as lembranças
de ontem, pelo contrário. Faço questão de me lembrar de
tudo, de cada detalhe, até a hora que acordei sozinha no
quarto e tentei me sentar, mas não consegui porque estava
algemada.

Gemi de dor quando minha mão deslizou quase toda


para fora da círculo prateado, graças ao suadouro que
ensopou o lençol, como se alguém tivesse jogado um
balde de água em cima da cama, e trancou meu polegar
retorcido entre o indicador e o aro de metal.

Foi então que ouvi o motor do carro de Daniel do


lado de fora, se afastar até desaparecer.

Não sei o que senti, o que pensei, nem o que me


levou a crer que se Deus estava me dando uma
oportunidade de fugir, eu tinha que ao menos tentar.

Medo, instinto de sobrevivência, exasperação, tudo


ao mesmo tempo, não faz diferença.

Quando comecei a me virar de um lado para o outro,


usando toda minha força para me soltar, soube que
preferia fraturar um osso, romper os ligamentos e estirar
os tendões da mão, correndo o risco de nunca mais poder
segurar uma caneta, do que passar o resto da vida naquele
lugar.

Com as duas mãos livres, cogitei vestir uma roupa e


calçar um sapato dele, mas a agonia para escapar daquele
cativeiro era tão, tão arrebatadora, que pulei a janela e fiz
o que ninguém faria por mim. Corri para me salvar do
monstro.
Corri para salvar minha
vida.

Se Daniel iria me encontrar


quando voltasse, nunca vou
saber.

Juliano não se embrenhou na mata àquela hora da


noite por minha causa, sequer estava me procurando, mas
serei eternamente grata por ter sido ele a me encontrar
primeiro.

Estava fraca, meu cansaço beirava à exaustão, minha


mente deu pane e meu coração havia iniciado um
processo de revestimento para se autopreservar, mas me
lembro de tudo que Juliano falou, de ele ter me vestido
com a sua camisa, me colocado no carro, me trazido para
o hotel onde está hospedado e me deitado na cama.
Lembro de ter contado que Daniel matou a Claudia e
queria me matar, porém não narrei o que vi, o que senti, o
que o dia de ontem causou dentro de mim, muito menos
como ele me mudou.

Nem pretendo narrar.

Se quiser saber mais informações sobre o monstro


que arrancou o coração de uma mulher para não arrancar
o meu, Juliano que vá pedir para a dona Laura ou
qualquer outra loira rica e sofisticada que convidá-lo para
almoçar.

Desligo o chuveiro, enrolo uma toalha na cabeça,


uma no corpo e encaro meu reflexo no espelho.

Nunca namorei. Nunca me senti atraída por ninguém


e era virgem até conhecer o melhor amigo do meu pai.

Seu Dante mentiu pra mim, disse que me amava


para me convencer a deitar ele. Juliano fingiu que estava
interessado e me descartou como se eu não valesse nada,
para sair com outra. Daniel disse que matou Claudia
porque me ama, para justificar sua necessidade doentia de
ser cruel.

Tudo por minha culpa.

Se eu não preferisse acreditar na mentira de João, e


tivesse aceitado a verdade de Lindalva, nada disso teria
acontecido.

Apoio as mãos na pia e abaixo a cabeça com os


olhos fechados, ouvindo a voz dela, alta e clara.
“Sempre que abrir as pernas, fecha o coração.
Mulher que nem tu, homem bonito não chama de esposa,
chama de capacho. Só serve pra pisar em cima”

Giro a maçaneta e volto para o quarto, com a cabeça


no lugar, o corpo indisponível e o coração trancado.
Determinada a fazer qualquer coisa para que Daniel não
me encontre.

Até dividir o quarto do tamanho de uma caixa de


fósforo, com o dono do mar azul que me encara como se
eu fosse a mulher mais linda do mundo.

Dói admitir que Lindalva


tinha razão, ainda bem que
aprendi a lição.
Antes tarde do que nunca.
Retorno para o casarão quatro horas
depois.

Sem Elisa.

Abro a porta com um chute, arremesso a lanterna na parede e


puxo a toalha de mesa, lançando pratos, copos, talheres e a frigideira
no chão. Quebro duas cadeiras, a tampa de vidro do forno, o rádio
relógio antigo que fica sobre o balcão.

Arrasto a cobaia para fora.

Ao lado da cova de Jurema, cavo um buraco pequeno e fundo,


de propósito, apenas para aplacar o ódio que não cabe dentro de
mim, serrando o corpo dela em oito pedaços, antes de cagar em
cima deles e achatá-los embaixo da terra.

Estou mais calmo quando começo a limpar o quarto. Mais


racional quando esterilizo o sofá. Totalmente focado quando termino
de montar a jaula portátil, onde a ratinha ficará assim que eu a
encontrar e trazê-la de volta para a ratoeira.
O nosso lar.

De onde ela nunca deveria


ter saído.

Tomo banho, visto uma calça jeans, camiseta branca


e calço um par de tênis. Paro na entrada do casarão,
analisando o matagal que cerca a propriedade. Seria um
desperdício limpar o terreno para garantir que Elisa não
consiga se esconder, caso tente fugir novamente.

Além de dar um trabalho infernal, perderia a barreira


natural que protege a ratoeira de possíveis olhares
curiosos.

Postes de luz, sensores de presença e armadilhas


para animais de pequeno porte, devem resolver o
problema. Caso contrário, algumas semanas na jaula
certamente irão ajudar a ratinha a aceitar que é minha, e
só descansarei quando ela estiver ao meu lado.

Sob o meu controle.

Pouco antes das oito da manhã, pego um rolo de


barbante e avanço para dentro da vegetação, de novo.

Deslocando-me entre as árvores à procura de Elisa,


faço marcações nas árvores para me guiar e não perder
tempo vasculhando o mesmo lugar duas vezes.

Por mais quatro horas, percorro a área de ponta a


ponta. Vistorio cada árvore, cada metro quadrado de terra.
Nenhum sinal dela.
A única explicação para Elisa não estar dentro da
propriedade, me enfurece a ponto de querer matar o
primeiro ser vivo que se materializar na minha frente.

Qualquer um.

Durante a varredura que fiz de madrugada, mesmo


com a lanterna, não foi possível enxergar direito. Agora,
a visibilidade é muito melhor, ainda assim, ela não
chegaria até a estrada sem ajuda.

As perguntas retiram senha e formam fila na minha


cabeça, todas à espera de respostas.

Meu cérebro trabalha inquietante para responder


apenas duas, articulando dezenas de ideias para descobrir
quem foi o verme com
coragem suficiente para roubar a ratinha de mim e,
sobretudo, para onde ele a levou?

Entretanto, nenhuma estratégia me parece viável, já


que nem a merda de um celular Elisa tem.

Então a mágica acontece e me dou conta de que


estou olhando o cerno do problema pelo ângulo errado.
Não preciso abrir busca para ir até onde Elisa está e sim,
atraí-la para onde eu estou.

Se Maomé não vai à


montanha, a montanha vai
a Maomé

A ratinha não tem pais,


parentes ou amigos.

Mas tem alguém com quem ela certamente aceitaria


trocar de lugar, caso a vida dele estivesse sendo
ameaçada.

Envio uma mensagem para


Laura.
Prepare uma lasanha para quatro pessoas.
Estarei em casa para o jantar. Teremos dois convidados.

Deixo o casarão e dirijo até o empório mais


renomado de Riacho Verde para comprar alguns queijos
para servir de entrada e bebidas.

Espero que Kevin goste de


vinho branco.
— Pode me emprestar uma camisa?

Juliano sobe o olhar até o meu, pisca e arranha a garganta.

— Claro. — Ele passa por mim e abre uma mala que está no chão. — Já está quase
na hora do almoço e você nem tomou café. Quando terminar de comer, vou sair pra
comprar algumas roupas pra você.

— Obrigada. Eu te dou o dinheiro quando pegar


minha bolsa.

— Não precisa se preocupar com isso. — Sua voz é tranquila, mas seu olhar é
agitado.

— Faço questão. — Tiro a toalha da cabeça e pego a camisa preta que ele me
entrega, antes de entrar no banheiro para pendurá-la.

Não me importo se Juliano repara que estou fugindo. O jeito que seus olhos
admiram meu corpo mexe comigo e me faz acreditar que realmente me deseja, mas não
vou permitir que me engane novamente.

— Onde estão suas coisas? — Ele para em frente a porta aberta, me observando
enquanto desembaraço o cabelo com os dedos.

Não desvio os olhos do espelho.

— Tenho a impressão de ter visto minha bolsa em cima de uma cômoda, mas não
sei se… — Me calo e fecho os olhos.

— Se o quê, pequena?

De cabeça baixa, apoio as mãos na pia, respirando rápido.

— Não me chame assim — murmuro, detestando


como me sinto perto
dele.
— Assim como?
— Você sabe.

— Pequena?

Inspiro profundamente, e
confirmo com um meneio
de cabeça.

— Você é
pequena — Seu
tom divertido me
deixa pior.

“Num é bonita, num tem corpão pra deixar homem


de quatro, e vive enfurnada dentro de casa. Se pra tu, o
amor é a única coisa que importa, melhor virar sapatão.
Senão daqui a pouco tá que nem a Leilane, lá da Vila
Tomé, solteirona e chamando cachorro de filho”

As palavras de Lindalva invadem minha cabeça, tão


inconvenientes quanto ela, porém sinceras.

— E você não é nada meu! — sibilo, visto a camisa


que bate no meio das minhas coxas e puxo a toalha por
baixo. — Pode me emprestar uma cueca também? —
Viro a cabeça na direção dele. — Por favor.

O mar azul me diz que Juliano está irritado, porém


ele sorri, descendo os olhos devagar até a barra da camisa
e sobem ainda mais lentamente.

— Acho que meu número é um pouco maior que o


seu. — Ele arqueia as sobrancelhas, zombando da minha
cara.
Ninguém vai me fazer de
boba outra vez.

— A não ser que a dona Laura tenha esquecido a


dela aqui, vou aceitar. É melhor uma samba canção do
que nada.

Volto a passar os dedos pelos fios castanhos, como


se não tivesse notado seus ombros tombarem para frente,
nem escutado seu suspiro abatido.

Agradeço por ele não dizer nada, ainda que uma


parte minha iria gostar de ouvir uma explicação ou um
pedido de desculpas.

— Aqui. — Ele
joga a peça preta,
que cai dentro da
pia.

— Obrigada. Vou lavar antes de devolver. — Visto


ali mesmo, sem fechar a porta ou virar de costas.

— Não é seguro
ir até a casa da
Laura.
Franzo a testa, despejando
pasta de dente no dedo.

— Por que eu voltaria lá?


Agora é a testa dele que
franze.
— Pra pegar sua
bolsa.

— Não era da casa dela que


eu estava falando. Abro a
torneira e molho o dedo.
— Você não vai chegar perto daquele lugar outra
vez! — O tom autoritário acelera as batidas do meu
coração.

— Não é você
que decide. —
Esfrego a pasta
nos dentes.

— Tem razão, não posso te proibir de fazer merda


— ele rosna e sai marchando pelo quarto.

O sorriso orgulhoso que vejo no espelho, se desfaz


quando ouço o tilintar na fechadura. Cuspo a gosma
branca e vou atrás, a tempo de ver Juliano guardando a
chave dentro da calça, só então noto o volume se
forçando contra o zíper.

Abro a boca, fecho. Abro de novo, fecho. Na terceira


vez, o som da sua risada chama minha atenção para o seu
rosto sem defeitos.
Ele cruza os braços sobre o
peito.

— Se não tiver
medo de altura,
tenta a sorte pela
janela.

— Não pode me
prender aqui! —
Ponho as mãos na
cintura.

— Não estou te
prendendo. Estou
te protegendo.

Ficar naquele cativeiro


com Daniel é perigoso para
o meu corpo.
Ficar nesse quarto com você é perigoso para o meu
coração.

— Vou encontrar um lugar


pra ficar, até Daniel ser
preso. A expressão de
Juliano se fecha, o mar azul
escurece.
— Ele não vai pra
cadeia.
— Claro que vai.
Aquele monstro
matou a Claudia.
Eu vi.

— Eu sei. Mas
vou garantir que
o futuro dele não
seja no presídio.

— O quê?

— Daniel é um
assunto meu.

— Do que você
está falando?

Juliano avança, cruza o pequeno quarto e para à


minha frente. Nem o cheiro de liberdade que emana dele,
me distrai do seu olhar frio, tão sombrio quanto o do
monstro devorador de almas.

— Não vim para Riacho Verde fazer pesquisa


nenhuma. Não fui ao hospital porque estava doente. Não
aceitei o convite da Laura porque queria ir almoçar com
ela, nem passei a tarde inteira com aquela doida para
conhecê-la melhor.

Levo a mão ao peito, tentando me acalmar para


entender o que suas palavras significam. Ele nota minha
confusão, passa a mão no cabelo e aponta para a cadeira.

— Senta. Vou te
contar tudo
enquanto você
toma café.

Não sei se consigo comer. Meu estômago ainda está


embrulhado, mas obedeço porque quero saber o que está
acontecendo.

Juliano contorna a mesa, apoia as mãos no encosto


da cadeira e começa a falar, olhando no fundo dos meus
olhos.

— Eu moro em São Paulo, mas nasci em Paraíso,


uma cidade um pouco maior que essa, no interior. Meu
pai era criador de gado e tinha uma fazenda. A única
coisa que eu gostava mais do que trabalhar com ele, era
jogar basquete. Com quinze anos, fui convidado pra jogar
no time de uma escola particular. Foi lá que conheci a
Sabrina. Nós ficamos amigos e começamos a namorar
alguns meses depois. Os pais dela tinham grana, mas
eram muito conservadores. Ela estava estudando para
entrar em Medicina e não via a hora de sair da casa.

Juliano exala o ar, pesarosamente. Tomo um pouco


de café com leite, concentrada em cada sílaba para não
perder nenhum detalhe.
— Eu era o oposto da Sabrina. Queria dar
continuidade ao trabalho do meu pai, me casar e criar
meus filhos na fazenda. Nunca pensei em fazer faculdade,
nem jogar basquete profissionalmente. Mas amava minha
namorada e estava disposto a abrir mão do meu sonho
para ficar com ela.

Sinto um nó apertando meu peito. Saber que uma


adolescente foi amada tão verdadeiramente, a esperança
de que um dia alguém também vai me amar assim,
retarda o processo de concreção do meu coração, que teve
início no momento que acordei naquele quarto
monstruoso.

— Sabrina não passou em Medicina, mas passou


em Direito, na Global, uma Universidade elitista, que só
aceita aluno por indicação. Os pais dela alugaram um
apartamento perto do Campus para ela morar, dentro de
um condomínio fechado. No primeiro semestre, eu saía
de Paraíso sexta-feira na hora do almoço, passava o fim
de semana com ela e voltava pra fazenda no domingo à
noite. No segundo semestre, Sabrina entrou para o grupo
de debate e os encontros eram aos sábados, o dia inteiro.
Para eu não ficar sozinho, ela me convenceu a ir só aos
domingos.

A tristeza na expressão de Juliano aumenta, à


medida que ele se aprofunda na história.

— No período de provas, Sabrina me ligou dizendo


que estava muito ocupada estudando para ser a primeira
da classe, e a minha presença estava tirando a sua
concentração. Eu sentia muito a falta da minha
namorada, mas não queria que ela se prejudicasse por
minha culpa, por isso concordei em esperar as aulas
acabarem para passar alguns dias no apartamento.
O mar impetuoso que me encara, me alerta que não
vou gostar das próximas palavras.

— Uma semana depois daquele telefonema, o corpo


da Sabrina foi encontrado em uma pedreira desativada. —
O embrulho no meu estômago piora. — O assassino, fez
um corte de quarenta e dois centímetros, da clavícula até
o púbis. — Sinto o bolo subindo pelo esôfago. — Ele
guardou todos os órgãos do corpo dela em sacos com
urina. — O gosto amargo chega na garganta. — Menos o
coração. Minha namorada foi enterrada, completamente
oca.

A cadeira tomba quando disparo para o banheiro,


cobrindo a boca com a mão para não lavar o quarto com
vômito.
Meu esforço é recompensando, mesmo que a
quantidade de líquido amarelado que esguicho na privada
não dê para encher nem um copinho descartável de café.

Vinte e duas mulheres.

— Você está suando frio, pequena — Juliano


murmura às minhas costas, enquanto puxa meu cabelo
para trás.

Vinte e dois corações.

— Não é nada. Estou bem — minto, aperto a


descarga e fecho a tampa, morrendo de vergonha por ele
me ver nesse estado deplorável.

Órgãos ensacados.

— Vem, deixa eu
te ajudar.

Seguro no antebraço dele para ficar de pé. Enxáguo


a boca, molho a nuca, seco as mãos e sigo Juliano de
volta para o quarto.

— Você acha que o Daniel que matou sua namorada


— afirmo, sentando na beirada da cama.

— Acho

— É por isso que


está aqui.
— É.

— Como você
descobriu?

— Sabrina foi a vigésima segunda estudante morta


daquele jeito, mas a polícia não tinha nada que
identificasse o assassino. Estudei, me tornei policial e
comecei a minha própria investigação. Por dois anos,
falei com pais, amigos, professores, colegas de turma de
todas as vítimas. Fui em todos os lugares que elas
frequentavam, bibliotecas, bares, salão de beleza e
restaurantes, tentando encontrar um padrão, alguma
característica física, um hobby, um vício, qualquer coisa
que me ajudasse a entender como ele escolhia as
mulheres, porque não fazia sentido.

— O que não
fazia sentido?

Juliano posiciona a cadeira na minha frente e se


senta com os cotovelos apoiados nas pernas.
— A maneira de matar era sempre a mesma. Ele
torturava, fazia o corte frontal e colocava os órgãos em
sacos plásticos, com urina, fezes ou restos de comida,
mas nunca deixava o coração, e sempre descartava os
corpos em pedreiras abandonadas. Era um serial killer,
não havia dúvida. Eu precisava de alguma característica
que todas elas tivessem em comum para montar um perfil
das vítimas, mas não encontrei nada relevante. A uma
conexão entre as vinte e duas, é que todas eram
comprometidas.

— Isso não é relevante? — pergunto, me lembrando


da conversa que tive com meu pai, uma semana antes da
sua morte.

Juliano endireita os
ombros.

— Seria se todas estivessem em relacionamentos


sérios. Algumas tinham começado a namorar havia
poucos dias.

A réplica está na ponta da minha língua, porém não


falo. Ele é o policial, eu sou apenas o pretexto substituto
que Daniel inventou para justificar seus crimes.

— O que você
está pensando,
Elisa?

— Nada.

Ele segura meu queixo e levanta minha cabeça para


olhar em seus olhos, agora mais claros.
— Eu sei que tem alguma coisa te incomodando.
Fala comigo, pequena.

Relevo o apelido, em consideração a tudo que


Juliano passou. Conhecendo sua história, consigo
entender seus motivos, mesmo que ele tenha me magoado
para se aproximar da dona Laura.

— Talvez o compromisso não seja a única conexão


entre as mulheres que ele matou.

— Mas essa é a
única, não existe
outra.

Se eu disser o que estou pensando, Juliano vai me


odiar. Se eu não disser, ele vai pensar que estou
escondendo alguma coisa para proteger Daniel.
— Elisa, isso é muito importante para entender
como funciona a mente daquele psicopata. Você acha que
as vítimas têm outro fator em comum?

Não quero responder,


porém respondo.

— João me disse que não se lembrava de ter matado


a Tônia, mas sabia que jamais seria perdoado pelo amigo,
porque não conseguia esquecer que para Daniel,
qualquer tipo de traição não merecia perdão. Claudia não
tinha namorado, não era noiva, nem casada, mas traiu a
amizade da dona Laura quando se deitou com o marido
dela.

— Está insinuando que o Daniel matou aquelas


mulheres porque elas transaram com ele?

Juliano fica de pé e anda pelo quarto, o rosto


vermelho feito um pimentão. De repente ele para, me
encarando como se estivéssemos em um duelo e eu fosse
sua arquirrival.

O mar é um misto de
tristeza, mágoa, dor e,
sobretudo, raiva.

— É isso, Elisa? Está me dizendo que a Sabrina


morreu porque me traiu com aquele filho da puta?

Supor que ele iria me odiar,


foi um eufemismo.

Juliano não me dá chance de responder. Resgata a


chave de dentro da calça e sai do quarto batendo a porta
com tanta força, que mesmo sentada dou um pulinho,
assustada.

Ele me deixa trancada.

Eu fico sozinha, sem roupa, documento ou dinheiro,


com medo que Daniel me encontre, já que Juliano acabou
de me descartar.

Pela segunda vez.

Agora, por causa da mulher


que ele nunca deixou de
amar.
Saio do quarto furioso e quase arrebento a porta. Preciso de ar, de espaço, de tempo para
pensar, mas em vez de ir para a rua, fico andando no corredor, de uma ponta a outra.

Meu coração discorda de Elisa e se recusa a acreditar que Sabrina estava me traindo com
Daniel. Minha mente, no entanto, concorda com ela, pois na época considerei essa hipótese
mais vezes do que gosto de admitir.

Sabrina era doce, carinhosa e apaixonada por mim quando deixou Paraíso. Apesar da
distância, os primeiros finais de semana que passamos no apartamento foram maravilhosos.
Fazíamos tudo juntos, desde que acordávamos até a hora que íamos dormir.

Minha namorada compartilhava sobre as aulas, os professores, as matérias e sua


dificuldade de fazer novas amizades, mas depois da viagem de cinco dias que ela fez com o
grupo de debate, nas férias de julho, tudo mudou.

Ela mudou.

Passava o tempo todo com o celular na mão, pouco falava, não prestava atenção no que eu
dizia e não perguntava nada da minha vida. Por medo, fingi não notar seu desinteresse e até sua
irritação gratuita, como se não estivesse feliz com minha presença. Como se ficar comigo fosse
uma obrigação.

Depois da sua morte, acabei desencanando.

A investigação da polícia era inconclusiva e não havia qualquer evidência que


comprovasse ou sequer sugerisse que ela estava envolvida com outra pessoa.

Sabrina e eu tínhamos dezoito anos. Daniel é um pouco mais velho, devia ter uns vinte e
um, ou vinte e dois. Pode não parecer, mas nessa fase a diferença de idade fez toda diferença,
principalmente entre um garoto de
família e apaixonado como eu, e um homem manipulador
e doente como ele.

Porra!

Encosto a testa na parede, odiando Elisa neste


momento por ter cutucado uma ferida que pensei que
estivesse cicatrizada.

Meu telefone vibra no


bolso da calça. O nome de
Kevin brilha na tela.
Solto o ar, antes de atender.

— E aí, brother?

— Onde você
está? — Seu tom
sério me coloca
em alerta.

— No hotel.

— Elisa acordou?

Meus ombros tencionam.

— Acordou.

— Ela já comeu?

— Estava
comendo, mas
vomitou. Por
quê?

— Vim até o hospital falar com o diretor para


justificar a minha falta de ontem, mas ele não estava.
Aproveitei para dar uma olhada no prontuário médico da
Laura, como você me pediu.

— Encontrou
alguma coisa?

— Encontrei, mas
não sobre ela.

— Como assim?

— Os exames da Elisa ficaram prontos. Como a


Laura é a responsável pelos custos, uma cópia dos
resultados foi arquivada no prontuário dela. Não sou
médico, mas pelo que estou lendo aqui, acho que não são
muito bons.

— O que quer dizer com “não são muito bons”? —


Fecho os olhos, me sentindo pior do que estava.
— Ela tem
anemia.

— Muitas
pessoas têm
anemia.

— Errado.
A maioria
das pessoas
está com
anemia. A
Elisa tem
anemia.

— Qual a
diferença?

— O doutor Gonçalo solicitou outra bateria de


exames. No adendo, ele grifou as palavras hemolítica e
autoimune. A Elisa precisa fazer os novos exames com a
máxima urgência. Nos casos mais graves, os pacientes
com anemia hemolítica são submetidos a uma cirurgia de
remoção do baço.

— Como você
sabe?

— Meu professor
me ensinou.

— Que
professor?
— Dr.
Google.com.br

— Ela não vai


sair daqui
enquanto o
Daniel estiver
solto.

— Sobre isso, liguei pro meu pai pra saber o que ia


ter de almoço e ele me avisou que o Dante chamou a
gente pra jantar na casa dele.

— A gente
quem?

— Meu pai e eu.

O sinal de alerta dispara no


último volume.

— O Rogério, até
entendo. Mas por
que ele te
convidaria?

— Relaxa, brother. Pensei a mesma coisa que você


quando meu pai me falou. Dante mal olha na minha cara.
Não pode ser coincidência ele me convidar pra jantar na
casa dele, um dia depois da Elisa ter fugido do cativeiro.

Garoto mais que esperto.


Quando Elisa dormiu, ainda estava agitado. Meu
corpo pedia descanso, porém não conseguia pegar no
sono. Então liguei para o Kevin e contei tudo que havia
acontecido.
— Daniel deve estar puto porque a Elisa fugiu, e
duplamente puto por não saber para onde ela foi. Não
faço ideia do que ele está aprontando, mas, com certeza,
esse desgraçado vai tentar te usar pra obrigar a Elisa a
fazer o que ele quer. Você não pode ir.

— Já confirmei
presença.

Esfrego os olhos com as pontas dos dedos, me


controlando para não ir até a casa do Rogério e dar uns
cascudos no filho dele.

— Esse cara é um psicopata, um assassino. A Elisa


confirmou que viu o Daniel matar a Claudia. Por isso ela
estava tão abalada ontem à noite. — Puxo uma
respiração. — Avisa seu pai que você não vai jantar com
eles e dorme na casa de algum amigo.

O telefone fica mudo por alguns segundos, mas sei


que Kevin não desligou porque ouço sua respiração
pesada.

— Depois que você me contou como tinha


encontrado a Elisa no meio do mato, comecei a lembrar
tudo que aconteceu desde que ela chegou na casa da
Laura, pra tentar entender por que o Daniel ficou tão
obcecado por ela. — Kevin murmura, se sentindo
culpado. — No início da semana, peguei a Jurema
pulando o muro do quintal dele, para o meu. Ela tentou
cobrir o rosto com o cabelo, mas eu vi o vergão vermelho
na bochecha, como se alguém tivesse dado um tapa na
cara dela. A Jurema jurou que tinha escorregado no
degrau da entrada e bateu no portão. Ela estava sem uma
sandália, o zíper da saia estava torto e tinha uma mancha
na blusa, em cima do peito. Branca.
Pagou um boquete e foi
recompensada com um
tabefe. Merda.

— Você contou
isso pra alguém?
— brado,
entredentes.

Porra! Porra!

Se o Daniel sonhar que o Kevin desconfia que ele é


o responsável pelo desaparecimento da Jurema, ele pode
se sentir ameaçado, e quando um psicopata se vê
encurralado, as consequências são sempre as piores.

— Não. Eu deveria ter desconfiado. No fundo, acho


que fingi acreditar nela para não ter que encarar a
verdade. Não duvido que a Jurema ame o meu pai, mas
uma mulher nova e fogosa como ela, mais cedo ou mais
tarde ia procurar na cama de outro homem o que já não
encontrava na do meu velho. Agora entendo por que você
não quer que o Daniel não seja
preso. Passar o resto da vida na cadeia é muito pouco pra
ele. Esse filho da puta tem que morrer.

Puta que pariu.

Não posso deixar aquele psicopata acabar com a


vida de mais um inocente, especialmente a de Kevin.

— Escuta bem o
que eu vou te
falar…

— Foi mal, brother, mas tenho que desligar — O


garoto me corta. — Cuida bem da Elisa. — E encerra a
ligação.

Quando ligo para ele de


novo, o telefone já está
desligado.

Jurema era namorada do Rogério, vizinho do Daniel.


Kevin viu a madrasta em situação inegavelmente
suspeita, um dia antes do desaparecimento dela. Dias
depois da chegada da Elisa.

Ainda não sei o que a filha de JC fez para ressuscitar


o psicopata de vinte anos atrás, mas infelizmente sei que
ela está certa.

A traição é o elo de ligação


entre as vítimas de Daniel.

E ele vai ameaçar a vida do


Kevin para ter Elisa de
volta.

Tenho que proteger o


garoto, sem colocar a vida
dela em perigo.

Elisa acordou tarde e trocou o almoço pelo café da


manhã. São quase quatro da tarde e não pode ficar sem
comer até à noite.

As horas passam voando.

Entro no quarto, disposto a ter uma conversa séria


com ela sobre os exames, o jantar na casa de Daniel e a
decisão de Kevin, porém, a cama está vazia e ouço o
barulho do chuveiro, o que é estranho, pois Elisa já
tomou banho.

Disparo até o banheiro sentindo o coração pulsar na


garganta, apavorado que ela tenha passado mal outra vez.

Mas quando chego na porta, descubro que a dona da


boca pecaminosa, enrolada na toalha, que mais cedo me
deixou duro como uma pedra sem nem me tocar, perderia
de goleada para a mulher nua dentro do box, que se
masturba sem imaginar que está sendo observada.
Sussurrando meu nome.

Talvez Daniel não seja o


único obcecado, afinal.
Para quem tem dificuldade de gozar sozinha, hoje até que estou
me saindo bem.

Não vou negar os méritos do jato forte do chuveirinho


acariciando meu clitóris, nem da fantasia que crio com Juliano, em
que ele me leva para um passeio a cavalo por sua fazenda.

Juliano montado no animal, vestido de cowboy, com chapéu e


botas de couro. Eu montada nele, completamente nua.

Sua mão nas rédeas e o outro braço na minha cintura, me


segurando firme para a sua boca chupar meus seios.

Minha cabeça jogada para trás e minhas mãos em seus ombros,


enquanto cavalgo no membro dele no ritmo das galopadas do
garanhão, me esfregando na grossura por toda a extensão, para cima
e para baixo.

Juliano puxa as tiras de couro, obrigando o animal a diminuir a


velocidade, e ordena que eu o ponha para fora.
Sério, bravo, arrogante.

Seu jeito mandão me deixa


ainda mais molhada.

O líquido que escorre pelas minhas coxas lambuza


seu jeans. Desabotoo a calça, abro o zíper e o aconchego
na palma da minha mão, mas preciso das duas para
ampará-lo por inteiro.

É longo, grosso, macio e


duro.

Juliano me ergue alguns


centímetros e me solta com
tudo.

Em cima dele.

Gemo de prazer ao ar livre, alargada e preenchida


como nunca. Ele me beija como se me amasse, delicado,
gentil, carinhoso. E me penetra como se me odiasse, duro,
bruto, impiedoso.

O cavalo aumenta a velocidade conforme o orgasmo


se aproxima. O impacto das ferraduras na terra, enterram
Juliano dentro de mim, fundindo nossos corpos,
transformando dois em um.

Ele engole meus gemidos


de prazer, eu me farto
engolindo Juliano .
Na última reta, a fazenda vira Jóquei e o cavalo do
campo, agora disputa para ser o vencedor da corrida.
Juliano acompanha o bicho, investe mais rápido, entra
mais fundo, empurra mais forte.

Veloz, voraz, impetuoso.

Meu orgasmo explode, ele


explode dentro de mim.

Ao final do passeio, Juliano deixa a filha do


assassino, a herdeira da prostituta, a empregada
doméstica no estábulo. E volta para sua mansão, onde
alguma mulher mais bonita, mais elegante e mais rica,
usando seda italiana, perfume francês e uma aliança de
ouro no anelar esquerdo, espera pelo marido, o dono das
terras, o patrão, deitada na king size forrada com lençol
chique.

Dou um sorriso desprezível e fecho o chuveiro, me


repreendendo pela minha capacidade de fazer uma piada
de mau gosto como essa, comigo mesma.
Por outro lado, é bom saber que ainda consigo rir
das coisas que me entristecem.

Estou me sentindo mais disposta, apesar da zonzeira


que por pouco não me derrubou e só melhorou depois que
comi um pão com manteiga.

Visto a camisa e a cueca, me perguntando se Juliano


ainda vai comprar uma roupa para mim, depois que
deixei subentendido que Daniel matou a namorada dele,
por ela ter transado com Daniel, quando era namorada
dele.

Por que eu fui abrir a


boca?

O susto que levei quando Juliano bateu a porta e saiu


do quarto, não se compara ao que levo quando saio do
banheiro e dou de cara com ele sentado na cama, sem
camisa, de calça jeans e descalço, com as costas
encostadas na cabeceira, as pernas esticadas, os
tornozelos cruzados e um notebook aberto no colo.

— O banho
estava bom?

Não sei se minhas bochechas esquentam por conta


da consciência que acabei de gozar pensando nele, ou do
pânico de ele ter me visto gozar e, pior, me ouvido
chamar seu nome.

— Faz tempo que


você chegou?
— Tempo
suficiente.

O sorriso cínico e o brilho malicioso no seu olhar


bambeiam minhas pernas.

Ele viu! Ele viu!

— Suficiente pra quê? — Minha voz é um sopro.


Quero me esconder embaixo da cama e só sair na
próxima encarnação.

Juliano põe o notebook na cama e cruza as duas


mãos atrás da cabeça, me dando ampla visão do seu corpo
forte, musculoso. Os braços que fantasiei me embalando
em cima dele, os lábios experientes devastando meus
seios, o membro sob o jeans que está… inchado.

— Quer adivinhar? — Ergue uma sobrancelha,


petulante. — Você tem uma chance.
Meu Deus, ele ouviu! Ele
ouviu!

— Não —
respondo e me
sento na cadeira.

— Está com
medo?

— Medo do quê? — Meu esforço para não parecer


uma tapada é surreal. Enfio uma uva na boca.

— De acertar. — Fecho os olhos quando a cama


range, indicando que ele se levantou.

— Sou ruim de
adivinhação. —
Brinco com a
colher.

Juliano para atrás de mim, apoia as mãos no encosto


da cadeira e se abaixa para sussurrar no meu ouvido:

— Vamos tentar uma mais fácil. Adivinha o que eu


vou fazer com a sua boca da próxima vez que te pegar se
masturbando e ouvir meu nome saindo dela? Vou te dar
uma dica: nós dois vamos gostar.

Sinto um calafrio na espinha. Meus pelos eriçam. Os


bicos dos seios despontam contra o tecido molinho da
camisa preta. Meu coração acelera. Não falo uma palavra.
— Agora que
esclarecemos
tudo, precisamos
conversar.

Ele se afasta. Eu fico onde estou, imóvel. Me viro


para encará-lo de frente, apenas quando escuto outro
rangido da cama.

— Conversar
sobre o quê?

Juliano se acomoda na mesma posição que estava


quando saí do banheiro e bate no colchão ao seu lado.

— Senta aqui. — Faço o que ele manda. — Quando


os detalhes da morte da Antônia foram divulgados, eu
sabia que era o mesmo assassino da Sabrina. Liguei para
a delegacia de Morada do Sol e um dos investigadores
que trabalhava no caso me disse que o autor do crime
estava internado em estado grave. Ele tinha dado um tiro
na cabeça.

— Meu pai.

Juliano assente com um meneio de cabeça e abre o


notebook. Uma sequência de fotos de João Camargo
surge na tela. Ele no hospital com a
cabeça enfaixada e um tubo na boca. Entrando no
tribunal, no dia do julgamento, e algumas dele já em
Pedrinhas.

— Não sei quantas vezes reli os arquivos do caso.


Todas as evidências apontavam para o JC. O depoimento
da única testemunha e a lesão cerebral que comprometeu
a memória dele, facilitaram a condenação. Mas desde o
começo, eu sabia que alguma não se encaixava.

— Por quê?

Juliano digita rápido, outra sequência de fotos


aparece. Agora das mulheres mortas. A imagem de
Claudia deitada na mesa, invade minha mente como um
tornado. Ela foi cortada como as outras. O corte que
dividiu seu peito em dois não era parecido. Era idêntico.

A compreensão me invade,
antes de Juliano responder:

— Porque o homem que fez isso, é muito covarde


para cometer suicídio. Eu revirei a vida do seu pai de
ponta-cabeça, desde a infância até o dia do assassinato.
Ele não matou a Antônia, Elisa.

— Daniel matou
— balbucio.

— Zebra, o líder dos Cabeça de Fogo, foi pago para


matar o JC no presídio. Ele não revelou o nome do
mandante, mas me garantiu que a ordem partiu de Riacho
Verde.
Fico de pé, incapaz de
permanecer sentada por
mais um segundo.

— Por que o Daniel mandaria matar o meu pai


depois de todos esses anos? — pergunto o que não faz
sentido para mim.

— Não acho que foi ele.


Juliano e eu nos encaramos.
— Laura? — O
nome deixa um
gosto amargo na
minha boca.

— Talvez.

— Como vamos
descobrir?

— Perguntando
pra ela.

A resposta direta me
atordoa.
— O quê?

Juliano estende o braço na


minha direção.

Solto o ar preso em meus pulmões e seguro sua mão.


Ele me puxa de volta para o seu lado, passa o braço por
cima dos meus ombros, me acolhendo perto dele. Aceito
o conforto e me aconchego em seu corpo, abraçando sua
cintura, descansando a cabeça em seu peito largo.

— Fica quietinha
e escuta tudo que
eu vou te falar.

Enquanto acarinha meu cabelo, Juliano me conta


sobre a sua desconfiança de que Laura sabe que seu
marido não é quem diz ser e o motivo pelo qual ela
mandou matar meu pai.

Ele me conta sobre o jantar na casa de Daniel, os


planos de Kevin para descobrir se o vizinho é o
responsável pelo desaparecimento de Jurema e o que
pretende fazer para resolver todos os problemas de uma
só vez, sem que o monstro desconfie que estou a dois
quilômetros de distância.

Ouço tudo com atenção e sufocada pelo medo de


que Daniel faça alguma maldade com Kevin para me
obrigar a voltar para o cativeiro, quando Juliano
murmura:

— Por que você não perguntou para o Daniel por


que ele mudou de nome?
Ficar abraçada a Juliano é tão bom. Parece tão certa
a forma que me encaixo nele, que poderia esquecer tudo
que aconteceu e ficar aqui para sempre. Também sei que
se contar a verdade, as chances de ser convidada para ser
acolhida de novo, são quase nulas. Mas não vou mentir,
nem omitir meus erros.

— Porque no dia que cheguei ao endereço anotado


na carta que o melhor amigo do meu pai escreveu, o
homem que abriu a porta para mim não era ele. Daniel
não trocou apenas de nome. Ele se transformou em outra
pessoa.

— O que quer
dizer?

— Quando meu pai foi transferido para Pedrinhas,


minha avó levou tudo que ele tinha guardado para lá.
Fotos, brinquedos, cadernos, revistas. Ela acreditava que
se estimulasse o cérebro com lembranças da infância e da
adolescência, a memória dele ia voltar. — Fecho os
olhos, resgatando as
minhas próprias lembranças. — Lindalva ainda
trabalhava para a facção quando eu nasci. Alguns dias da
semana, nos turnos dos guardas que faziam parte do
esquema, ela me deixava na cela do meu pai para atender
os presos. As vezes eu passava a noite com ele.

— Quantos anos
você tinha?

— A primeira vez
que ela me levou,
eu tinha três.

— Que merda, Elisa. Sinto muito. — Juliano me


aperta e beija minha cabeça, aquecendo meu coração.

— Não sinta. Os melhores momentos da minha vida


eu passei naquela cela. João era paciente, carinhoso,
engraçado e me amou mais do que a Lindalva jamais
seria capaz de amar. — Uma lágrima escorre pelo meu
rosto. — Ele tinha muitos álbuns de fotografia e Daniel
aparecia em quase todas. Meu pai se emocionava todas as
vezes que falava dele, do quanto eram unidos, de como se
davam bem, das travessuras que aprontavam e do quanto
sentia falta do melhor amigo. Daniel era tudo para o João,
a pessoa que ele mais amava.

Faço uma pausa, só então noto meus dedos


brincando no umbigo de Juliano. Respiro fundo e volto a
falar, ignorando a aceleração repentina das batidas do
meu coração.

— Eu não conhecia Daniel pessoalmente, mas sabia


tudo sobre ele. Na minha cabeça, eu era tão amiga dele
quanto meu pai. O garoto simpático, bonito, falante e
inteligente que arrumava briga na escola quando alguém
dizia que a mãe dele era louca ou xingava o João de
baitola. Era apaixonado pela filha do prefeito, mas depois
que o pai dele sumiu, se transformou no maior galinha da
cidade. Até com mulher mais velha ele se deitou.

Levanto a cabeça e encaro


Juliano.

— Quando ele se apresentou como Dante, fiquei


feliz por não ter que associar o Daniel que eu conhecia
tão bem das fotos, sempre com um sorriso cativante que
transmitia alegria, aquele homem carrancudo, de olhar
frio e infeliz. Eu vi o marido da dona Laura transar com a
Claudia na sala de estar e garanto que não é o mesmo
homem que fez todas aquelas crueldades com ela. Dante
não sorria como Daniel sorriu para mim quando entrou
naquele quarto.

— Talvez ele
tenha transtorno
de personalidade
múltipla.
— Lindalva não mudou de nome, mas virou outra
mulher depois que o marido dela morreu. Uma que não
amava ninguém, nem ela mesma. Se eu tivesse matado o
menino que eu amava desde a infância e visto minha
melhor amiga passar vinte anos na cadeia por minha
culpa, também ia preferir fingir que não era eu. Talvez,
pessoas como a minha mãe e o Daniel não sejam doentes.
Apenas egoístas.

Deito novamente a cabeça, buscando a paz que o


monstro me roubou no som das batidas do coração do
Juliano, com a certeza de que Dante Boaventura nunca
existiu.

E, mesmo sem existir,


mudou a minha vida.
— Muçarela com borda recheada e uma Coca-Cola, como pediu. — Marylin me entrega a
caixa de pizza e o refrigerante, me encarando com os olhos cerrados.

— Obrigado. — Tento fechar a porta, mas ela põe o pé embaixo e a mão em cima,
impedindo o fechamento.

— Não acha esquisito o dono do hotel transferir todos os hóspedes deste andar para
outros quartos por causa de uma praga de baratas, menos você?

— Nenhuma barata passou por aqui, mas se a preocupação do seu patrão com os clientes
que pagam o seu salário está te incomodando de alguma forma, acho que deveria falar
diretamente com ele.

Marylin estica o pescoço para dentro, confirmando que não estou mentindo. Nada de
insetos.

— Você tem razão, gato. — Ela desliza a mão para baixo do decote, mostrando mais dos
peitos. — Já terminou sua pesquisa? Estou ansiosa para o nosso encontro.

Meus ombros caem em desânimo quando olho de relance na direção do banheiro e vejo a
porta entreaberta.

Merda!

— Não é um encontro — corrijo, aumentando o tom de


voz.

A recepcionista joga o cabelo para o lado, arranha meu peito com sua unha comprida e
sorri, prendendo o lábio inferior entre os dentes.

— Um jantar com direito a sobremesa é sempre um encontro. Você me prometeu


primeiro, o segundo fica por minha conta.

Nunca é tão ruim que não dê para piorar.


Puta que pariu.

— Você me deu algumas dicas para a minha


pesquisa, em troca de eu te levar para jantar — falo
pausadamente, para a pequena mulher escondida saber
que não tenho nada com a loira parada à minha frente,
nem quero ter.
— Esse foi o nosso acordo.

— Conheço um restaurante com salas privadas,


onde as pessoas podem fazer as refeições sem roupa. Me
avise quando terminar a pesquisa para eu fazer a nossa
reserva. Boa noite, gato. — Ela pisca um olho e vai
embora.

Fecho a porta com o pé,


coloco tudo em cima da
mesa e espero.

Uma hora Elisa terá que sair, certo? Ou ela pretende


ficar lá dentro até Daniel estar morto?

Arrumo os pratos, talheres, copos, guardanapos e


destampo a caixa, presenteando minhas narinas com o
cheiro de queijo derretido que elas adoram.

— Eu amo esse cheiro. — Os lábios de Elisa se


esticam num sorriso lindo quando se aproxima.

— É um dos meus favoritos — murmuro, com a


mão parada no ar equilibrando a tampa de papelão, os
olhos aprisionados pela sua boca e meu pau dando o ar da
sua graça.
— Café de manhã, muçarela derretida à noite. —
Elisa senta na cadeira, serve um pedaço para mim, e dá
uma mordida no que serviu para ela.

Eu deveria ficar feliz por não ter que me explicar


sobre a breve e descabida interação com Marilyn, já que
Elisa não parece nem um pouco incomodada, porém, é a
sua indiferença que me incomoda.

— Não vai
comer? Está uma
delícia!

Disfarço minha frustração com um sorriso amarelo e


me sento. De repente ela dá uma risadinha, mas não diz
nada.

— Também quero saber a


piada. Elisa aponta o garfo
para a porta.
— Foi a Laura,
não foi?

— O quê? —
Realmente não
sei do que está
falando.

— A praga de baratas que a moça falou. Só pode ter


sido. Laura deve ter pagado para o dono do hotel
transferir os hóspedes desse andar, para não ser vista
entrando no seu quarto.

— Não tinha pensado nisso,


mas tem lógica. Elisa
recosta na cadeira, seu
sorriso se desfaz.
— Você confia
que ela não vai
contar para o
Daniel?

— Confio, não porque a Laura é confiável. Mas


porque ela vive em função de preservar e enaltecer a
imagem de mulher exemplar que o Humberto criou, e não
vai colocar em risco a reputação da família.

— Estou com medo, Juliano. O que vamos fazer se


ela não acreditar e se recusar a ajudar?

Cubro a mão de Elisa com


a minha, olhando em seus
olhos.
— Laura não viria se tivesse a ficha limpa. Nós
temos todas as evidências para convencê-la a fazer o que
queremos por bem. Se ela se recusar, vamos convencê-la
por mal. — Acaricio sua pele com o polegar.
— Não vou permitir que o Daniel machuque o
Kevin.

— Promete?

— Prometo.

Elisa exala o ar pesadamente e volta a comer.


Aproveito para tocar no assunto que está me matando por
dentro.

— Sobre a minha
conversa com a
Marylin…

— Não precisa
falar nada,
Juliano.

— Eu quero falar.

— Mas eu não quero ouvir. Pode ir almoçar e jantar


com quantas loiras peitudas você quiser. Eu não me
importo — Elisa esbraveja, mostrando as garras.
Cruzo os braços, me
controlando para não sorrir.

— Loiras
peitudas?

— Me corrija se
eu estiver
enganada.

— Não se
importa? — Ergo
uma sobrancelha.
Ela estreita os
olhos.

— Estou
satisfeita com os
meus peitos,
obrigada.

Caio na gargalhada, Elisa


não dispensa a expressão
fechada.

— Também estou satisfeito com os seus peitos, mas


perguntei se não se importa que eu saia com loiras
peitudas.

— Não, Juliano.
Não me importo.

Apoio os cotovelos sobre a mesa e me inclino para


frente, sem sorrir. Elisa sustenta meu olhar, se
empenhando para manter a postura displicente, mas sei
que ela se importa mais do que quer que eu saiba.

— Se você se importasse, eu diria que não estou


interessado em nenhuma loira peituda.

A pequena tigresa me imita, se inclinando para


frente com os cotovelos apoiados na mesa.

— Por que você


aceitou o convite
da Laura para
almoçar?

— Porque eu
precisava de
informações
sobre o pai dela.

— Que tipo de informação sobre o pastor você


conseguiu quando beijou a Laura na igreja?

Como ela sabe do beijo?

O choque da sua pergunta me deixa


momentaneamente sem palavras, o que não é uma reação
favorável para mim, pois Elisa interpreta meu silêncio
passageiro como uma confissão de culpa.

— Loiras peitudas, lindas, ricas, elegantes. Como


pode ver, não me encaixo no seu padrão. É por isso que
eu não me importo.

Que porra de padrão?


A pergunta está na ponta da
língua quando alguém bate
na porta.

— Essa conversa ainda não acabou, pequena —


aviso e me levanto para receber nossa convidada
indesejada.

Laura passa por mim como se fosse a primeira dama


da selva, mas logo descobre que não passa de uma
gatinha sem unhas.

E o posto que ela almeja, já


tem dona.
Apesar de não gostar, sou obrigada a concordar com Juliano que Laura é a pessoa
mais indicada para nos ajudar a impedir que Daniel faça algum mal ao Kevin.

Ele enviou uma mensagem para ela, marcando um encontro no seu quarto de hotel
para falar sobre a identidade falsa de Dante Boaventura e a morte encomendada de João
Camargo. A resposta confirmando sua presença não demorou para ser enviada.

Laura sabia que eu estava aqui. O que minha ex patroa não sabia é que a Elisa que
chegou ao cativeiro do monstro, que ela chama de marido, não é a mesma que fugiu de
lá.

Quando Juliano se levanta para abrir a porta, fico de pé no meio do quarto. Laura
sequer o cumprimenta e marcha na minha direção.

— Isso é por transar com o meu marido! — Ela me dá um tapa na cara. Minha
cabeça vira para o lado. — Vagabunda!

Não penso na ardência que sinto na pele, na acusação dela, ou na aversão que tenho
à violência. A única coisa que vem à minha cabeça é a promessa que fiz quando acordei.

Ninguém vai me enganar outra vez. Ninguém vai me


humilhar outra vez.
Juliano não tem tempo de intervir e Laura é prepotente para imaginar que tenho
coragem de revidar, mas o tour que fiz pelo inferno, graças a Daniel, forjou uma mulher
que não aceita desaforo nem abaixa a cabeça para ninguém.

O impacto da palma da minha mão contra a face dela é tão forte, que tira Laura do
seu eixo central. Ela tomba para o lado, tropeça nos próprios pés e se desequilibra, caindo
em cima da cama.
Juliano solta um “Caralho, pequena!”. Laura apoia
as mãos no colchão, e olha para mim, descabelada,
vermelha, perplexa.

Eu avanço, munida de um enraivecimento que


jamais presumi que um dia sentiria, e paro ao lado dela,
trancando seu olhar no meu.

— A esposa do Silvano já sabe que está grávida do


marido dela? Acha que o seu sobrenome faz de você
menos vagabunda que eu?

Laura endireita os ombros, afasta o cabelo do rosto e


ajeita a alça da bolsa no ombro, recuperando sua pose de
superior.

— Além de
vagabunda é
mentirosa.

— Já marcou a consulta com o médico ou a história


do aborto foi só chantagem emocional pra fazer ele se
sentir culpado e largar a esposa?

Os olhos dela dobram de


tamanho.

— Como você sabe? Quem te falou? — Laura grita,


mais apavorada que antes.

— Ninguém me falou. Seu marido me amarrou, me


amordaçou, me escondeu atrás da sua poltrona vermelha
e me deixou lá até de madrugada. Eu ouvi tudo.
— É mentira! —
ela acusa,
revezando os
olhos entre mim e
Juliano.
— Você está com raiva porque o Dante voltou
pra casa.

— O nome dele é
Daniel, e eu fugi
do cativeiro.

— Que cativeiro?

— O que mesmo
que ele matou a
Claudia, na
minha frente.

Laura fica boquiaberta, alarmada. Juliano se


posiciona ao meu lado e aponta para a cama.

— As próximas notícias não são melhores que essa.


É melhor você se sentar.

Em choque, ela larga a


bolsa no chão e senta na
beirada da cama.

Por mais de uma hora, Juliano faz um resumo do


passado e de como seu caminho se cruzou com o de
Daniel.
Ele revela que veio para Riacho Verde descobrir
quem mandou matar meu pai, pois acreditava que o
mandante era alguém próximo a Daniel. Juliano assume
que se aproximou dela apenas para conseguir
informações de Humberto e conta como me encontrou,
depois que seguiu Daniel quando que ele deixou a casa
dos pais dela.

Não escondo nada de Laura. Admito que me senti


atraída por seu marido desde o primeiro dia e permiti que
ele me tocasse algumas vezes, no entanto, reafirmo que
não lembro de nada da noite em que ela me encontrou
desmaiada e não queria me deitar com Daniel, mas me
deixei ser manipulada por ele e não fui forte o bastante
para afastá-lo.

Em algum momento, dizer cada palavra, reviver


cada lembrança, descrever cada sentimento, me iludiu de
que nada que Daniel fizesse, me machucaria mais do que
assistir o monstro torturar e matar Claudia.

Mais uma vez, me


enganei.

— O que o Dante fez quando você disse que não


queria ir morar com ele? — Laura pergunta, parada de
frente para a janela.

Ela está ali ouvindo tudo, porém pensativa e


distante, desde que contei o que Daniel fez com sua
amiga psicóloga.

— Me enforcou
até eu desmaiar.
— Onde você
estava quando
acordou?

— No mesmo
quarto que a
Claudia.

— Deitada na
cama?

— Sentada no
chão.

— Vocês
transaram?

— Não. Eu dormi a noite inteira. Não me lembro


nem como fui parar naquele lugar. Por quê?

Laura encara Juliano e


abaixa a cabeça.

— Desgraçado!
— ele brada,
passando as mãos
pelo cabelo.

— O que foi? — Meu coração dispara. — O que


aconteceu? — Aumento o tom de voz quando nenhum
dos dois responde.
— Aquele filho
da puta drogou e
estuprou você,
Elisa.

Meu cérebro demora uma fração de segundo para


registrar a afirmação direta, isenta de incertezas, de
Juliano.

A voz dele é firme. O tom é


sombrio. O ódio é palpável.
Encaro Laura, que encara
os pés.
— Eu liguei pro celular dele ontem de manhã para
avisar que você não tinha dormido em casa. Dante me
disse que você estava na cama, pelada, que tinha acabado
de transar com você e ia transar de novo, quando eu
parasse de encher o saco. — Laura esfrega a testa com a
ponta do dedo.
— Não foi só você que ele drogou. Isso explica porque
não ouvi vocês transando no quarto de hóspedes e perdi a
hora no dia dos seus exames. Eu senti que o vinho estava
com gosto diferente, mas não dei importância. Dante
deve ter usado meu remédio controlado para nenhuma de
nós se lembrar o que ele fez.

— Meu Deus! — Perco o chão. — Eu apaguei na


lavanderia e só acordei no dia seguinte! Meu Deus! Meu
Deus — Perco o fôlego. — Quantas vezes ele…

— Não, pequena.
— Juliano me
abraça. — Não
pensa nisso.

— Daniel me
estuprou… —
balbucio, atônita,
enojada.

— Você vai
ajudar, Laura? —
ele pergunta num
rosnado colérico.

— Vou. — Antes que eu possa agradecer, ela


adiciona. — Com uma condição.

— Essa merda é
alguma piada pra
você? — Juliano
brada.

— Que condição?
— falo, me
afastando para
encará-la.

Então Laura conta que Daniel está usando um vídeo


dele transando com a mãe dela, no escritório do pai, para
chantageá-los. E só irá nos ajudar se lhe entregarmos a
filmagem quando tudo terminar.

Juliano concorda, contanto que ela admita que


encomendou a morte de João Camargo e explique o
porquê.
À princípio, Laura fica em dúvida. Mas acaba
concordando quando Juliano garante que se não admitir,
ela ficará sem o vídeo e ainda será acusada de ser
cúmplice de Daniel, caso alguma coisa aconteça com
Kevin.

Laura conta que Silvano havia prometido largar a


esposa para viver seu grande amor. Há um ano, ela
descobriu que era tudo mentira.

Ele estava usando seus contatos para estreitar


relações pessoais com os empresários locais, sócios de
Humberto em negócios ilícitos, pois planejava voltar para
Riacho Verde e se tornar prefeito da cidade, mas sabia
que não seria eleito se o pastor estivesse no seu caminho.

Vingativa, ela fingiu não saber de nada e enquanto


guiava Silvano na direção contrária da que ele queria,
planejava secretamente sua própria candidatura, apenas
para afrontar o ex-namorado.

No entanto, o presidente do seu partido político,


deixou claro que para sair como candidata a prefeita, seu
nome não poderia estar vinculado a nenhuma atividade
comercial irregular, nem a ninguém que tivesse passagem
pela polícia.

Laura nunca duvidou que meu pai havia matado


Tônia, mas desconfiava que Daniel escondia alguma
coisa sobre a noite do assassinato dela, e temia que se
João Camargo recuperasse a memória, o passado do seu
marido poderia arruinar seus planos para o futuro.

Pedrinhas vivia dias tensos com a disputa das


facções pelo comando do tráfico dentro do presídio. O
timing foi perfeito para Laura incluir o nome do meu pai
na lista de mortos durante o confronto.

Para ela, uma decisão tão simples quanto um estalar


de dedos. Para mim, uma perda irreparável e
insubstituível.

Coroando minha desgraça, descobrimos que a


chácara que Laura herdou da avó, é o lugar que Daniel
pretende reformar e transformar no seu novo lar.

O meu cativeiro.
São sete da noite e Laura ainda não
voltou.

Faz mais de uma hora que piranha disse que precisava comprar
alguma merda para temperar não sei o que, e saiu quando eu estava
tomando banho.

A besta é um animal enjaulado na minha cabeça, gritando suas


ordens e exigências cada vez mais alto. Sinto que vou enlouquecer
sem Elisa. Ela foi a única que me fez querer ser eu mesmo, depois
de Tônia.

Sua ausência me atormenta, por valorizar sua presença. Não se


trata mais de desejo, mas de necessidade. Preciso do meu amor para
trazer de volta um sentido à minha vida. Preciso da ratinha na
ratoeira, minha, sob o meu controle, e de muitas cobaias para
acalmar os demônios.

Passei a tarde inteira aprimorando a linha do tempo que criei


para a nossa nova fase, minha e de Elisa. Ter Kevin como moeda de
troca, será imprescindível para convencer a ratinha de que o meu
amor por ela é tão grande e verdadeiro quanto o dela por mim.
Analisei cada passo que demos, desde que Elisa
cruzou meu caminho, e não tenho mais nenhuma dúvida
que ela fugiu, porque não acredita que eu a amo.

A mãe dela era uma prostituta de ponta e mãe de


merda. JC pode ter sido um bom pai, mas tornou a vida
da ratinha ainda mais difícil pelo simples fato de estar
preso, condenado por ser um assassino.

Canteiros é uma cidade tão pequena como Morada


do Sol ou Riacho Verde, onde privacidade é ilusão e
segredo, sonho de consumo. Todo mundo sabe tudo da
vida de todo mundo. Se sabe pouco aumenta, se não sabe
inventa.

Elisa começou a pagar pelos crimes dos pais, no


segundo em que nasceu. Carregou nos ombros o peso do
preconceito e da discriminação por não ter tido o direito
de escolher sua família.

Com péssimos exemplos para seguir, sem amigos e


alguém que realmente a amasse, se preocupasse e
cuidasse dela, Elisa cresceu solitária. Se acostumou a não
receber nada e aprendeu a não esperar nada de ninguém.

Como consequência de uma infância de bosta e uma


adolescência ainda pior, minha ratinha não se acha digna
de ser amada, principalmente pelo homem para quem ela
se guardou por vinte anos.

Elisa me amou desde o primeiro olhar. Fui o


primeiro que a tocou, a beijou, a possuiu. Seu amor por
mim é tão voraz, que mesmo depois que a tratei mal, fodi
a boca da Jurema e comi a boceta e o cu da Claudia na
sua frente, ela ainda me quis.
Porque me ama.

Eu errei ao permitir que a ratinha me visse


alimentado a besta e, agora, sei que me precipitei.

Era muito cedo para mostrar, pois o que Elisa me viu


fazendo com a psicóloga na sala de estar, não tem nem
comparação com que o que fiz com ela no quarto do
casarão.

Dante fodeu o corpo de


uma mulher. Daniel
estuprou a alma da cobaia.
Quando estou alimentando a besta, me transformo
em uma máquina de sexo suja, depravada, degradante.

Posso foder por horas a fio, mas depois que a última


gota de porra pinga do meu pau, já estou pronto para
começar outra vez.

Claudia foi a primeira cobaia para o meu amor, em


vinte anos, e a besta estava faminta. Porra! Fodi os
buracos dela como um louco, gozei pra caralho e queria
mais. Elisa viu tudo, porém não entendeu que a vadia
fazia parte do cardápio. Eu jamais daria para a cobaia, ou
qualquer outra mulher, o que para sempre será apenas
dela.

Ciúme.

Esse é o grande motivo da sua fuga e agora, minha


ratinha ciumenta não acredita no meu amor.

Cada minuto que vivo longe dela, se torna mais


difícil manter o controle, mas por Elisa farei qualquer
sacrifício e falta pouco para descobrir onde ela está.

Planejei tudo, passo a passo, e sei que não tem como


dar errado. O único problema é o mau pressentimento que
me acompanha desde que cheguei na minha antiga casa,
como uma corrente de energia negativa tentando
neutralizar meu otimismo.

Afasto a cortina para o lado e olho pela janela,


quando escuto o barulho do portão automático e do motor
da Land Rover.

Laura chegou.
Sinto uma fisgada na nuca e esfrego a mão no local
com a mandíbula cerrada. Vou esquartejar essa piranha,
se ela estiver armando para cima de mim.

Rogério e Kevin vêm logo atrás, entram pela


garagem e ajudam Laura com as sacolas de
supermercado.

Os três não podem me ver, mas eu vejo tudo que eles


fazem, até a encarada, longa demais para o meu gosto,
que Kevin dá na direção do quarto da ratinha, antes de
seguir seu pai e minha esposa para dentro.

Apoio as mãos no parapeito, respiro, espero, tomo o


tempo que preciso para me acalmar, me concentrar, vestir
minha máscara de bom homem, que o corno pai e o
fedelho filho acham que eu sou, e descer as escadas para
receber meus convidados de honra.

— O cheiro está ótimo. Não sabia que você gosta de


cozinhar — Rogério fala, sentando-se na outra ponta da
mesa, de frente para mim.

Não me admira Jurema procurar outro pau para


sentar, o velho é frouxo até para fazer um elogio.

— Não é minha atividade doméstica preferida, mas


eu me viro bem na cozinha e serve como terapia de vez
em quando.
Mentirosa!

Se dependesse da piranha, eu viveria à base de


lasanha congelada e miojo, mas como sou um bom
marido, resolvo apoiá-la na mentira.

— Ela está sendo modesta, meu amigo. Laura é uma


cozinheira de mão cheia.

— Elisa não vai


jantar com a
gente? — Kevin
se intromete.

— Não, querido. Ela foi morar com a família do pai,


em uma cidade pequena do Rio Grande do Norte. —
Minha esposa se antecipa, executando perfeitamente o
seu papel.

Aprendeu rápido.

— Pensei que ela tivesse se despedido de você —


falo em tom casual e me levanto para pegar a garrafa de
vinho branco que deixei na geladeira, depois que despejei
todo o ansiolítico de Laura dentro dela.

— É bem estranho mesmo. — Kevin apoia o


cotovelo no encosto da cadeira, passando a mão na meia
dúzia de pelos que ele tem no queixo, e acha bonito
chamar de barba.

— Elisa ficou tão empolgada com o convite da avó,


que deve ter esquecido, mas ela prometeu vir passar as
férias aqui. — Laura dá um sorriso de consolo para o
fedelho e senta ao meu lado, de frente para ele.
— Não é isso. Ela me disse que nunca conheceu
ninguém da família, nem por parte de mãe, nem por parte
de pai. Tem certeza que foi a avó dela que ligou? —
Kevin olha da Laura para mim. — Esse mundo está cheio
de pessoas maldosas, que se aproveitam de mulheres
carentes. Você não concorda, Dante?

O fedelho quer me testar,


ou ele sabe onde a Elisa
está?

— Plenamente. — Abro a tampa da garrafa,


lamentando por não estar muito gelada. — Mulheres
jovens como a Elisa, são alvos fáceis para psicopatas
manipuladores que arrancam seus corações com a mão.

Rogério se engasga, Laura


me olha de cara feia.

— Estou brincando. — Sirvo uma taça para minha


esposa e uma para o fedelho, que não parece abalado com
a minha brincadeira séria, e volto a me sentar. — Kevin
tem razão, o mundo sempre foi perigoso, mas com a
internet ficou ainda mais. — Corto um pedaço da lasanha.
— Por falar nisso, alguma notícia da Jurema?

Rogério conta da sua desavença com o delegado, o


acusa de fazer corpo mole porque sua namorada é pobre,
e afirma que irá continuar procurando por ela até o dia da
sua morte.

O corno ganha alguns


pontos e sobe no meu
conceito.
Nesse aspecto, somos iguais. Nunca desistimos do
amor. A diferença é que eu encontrarei o meu em breve e
ele só encontrará o dele quando atravessar o arco-íris.

A conversa segue tranquila por um tempo, a lasanha


está realmente boa e não nego que o fedelho me
surpreende quando falamos de política.

— Sua água. — Laura coloca uma garrafinha ao


meu lado e sussurra no meu ouvido: — Ótima atuação.
Sorte a deles não saberem quem você é. — Ela me beija
na bochecha, limpa a marca do batom com um sorriso
traiçoeiro nos lábios e senta novamente. — Quando
estiverem prontos para a sobremesa, é só avisar. Dante
adora a minha torta de morango, não é, querido?

A piranha estica o braço e cobre sua mão com a


minha, piscando os cílios. Obviamente para me provocar.
Sorrio, cínico, levo sua mão à boca e beijo os nós dos
seus dedos, arqueando as sobrancelhas.
— Sua torta é uma delícia. Mas a rabanada da sua
mãe é insuperável, querida. Desde que saí da minha
cidade, não tinha comido uma rabanada tão bem servida
como a dela. — Dou uma piscadela.

Laura recolhe o braço


bruscamente, com os olhos
cerrados.

— Vou ter uma conversa séria com a Celeste —


Rogério finge decepção. — Quero saber por que eu nunca
comi a rabanada dela.

Minha risada é alta, mais pelo chute que Laura me


acerta por baixo da mesa, do que pela piada inocente de
Rogério.

— O pastor é um homem inteligente, meu amigo. —


Bebo um longo gole de água. — Humberto sabe que se a
Celeste oferecer a rabanada dela pra todo mundo, vão
fazer fila na porta da casa dele. É impossível comer
aquela delícia e não voltar para a segunda rodada. Minha
esposa cozinha bem, mas minha sogra sabe o que faz e
faz com gosto.

Se o olhar fulminante de Laura pudesse matar, nesse


exato momento, eu seria um monte de cinzas. Ela pensa
que me conhece, porém não tem noção de quem é o
homem que dormiu ao seu lado por quase duas décadas.

Dou uma olhada no relógio de parede, satisfeito.


Daqui a pouco, o fedelho e a piranha começarão a sentir
os efeitos da mistura na bebida.
Laura vai subir para o quarto e dormir como uma
pedra, Kevin mal terá tempo de chegar ao quintal para
apagar, e eu só terei que esperar as luzes da casa vizinha
se apagarem para usar a chave reserva que Rogério deixa
embaixo do vaso, enfiar o fedelho no porta-malas e levá-
lo para o casarão.

Bebo o resto da água, como um pedaço de torta,


verifico o relógio. Os segundos viram minutos. Trinta,
quarenta, cinquenta. Meus olhos ardem, minha língua fica
mais seca que o calor nortista, minhas mãos e pés
formigam.

Ouço a voz de Rogério, porém, está muito longe


para entender o que ele diz. Também não entendo uma
única palavra que Kevin fala. Vejo dois fogões, duas pias,
dois armários.

Ao meu redor, o mundo


duplicado está girando.
A voz da piranha parece mais próxima quando apoio
a cabeça em alguma coisa macia, porém nem a dela
consigo escutar com clareza. Meu corpo amortece, minha
mente relaxa.

A escuridão é tão atraente,


que nem a besta resiste a
ela.
Daniel me estuprou!

A frase se repete na minha cabeça, de novo, de novo, de


novo.

— Elisa, olha pra mim. — Juliano segura minha cintura e me vira de frente para ele,
mas não consigo encarar o mar em seus olhos.

Tenho vergonha do que aquele monstro fez comigo. Ódio por ele ter feito. Medo de
ver a repulsa que sinto de mim, no olhar de Juliano.

Com o indicador no meu queixo, ele levanta minha cabeça.

— Por favor, pequena. — O tom apreensivo em sua voz comprime meu coração,
deixando-o ainda menor.

Abro os olhos. Uma lágrima rascunha uma trilha molhada pelo meu rosto, que
Juliano seca com o polegar.

— Bota pra fora. Fala o que está sentindo. Grita, xinga, me bate, põe esse quarto
abaixo, mas reage de alguma forma. Não guarda essa merda dentro de você. Eu tô aqui e
quero que divida seu sofrimento comigo.

Como vou botar para fora o que sinto?

Como vou dizer que estou com nojo de mim? Que me sinto imunda e não sei se
algum dia me sentirei limpa novamente?

Que quero mergulhar numa banheira com cloro, sabão, álcool e desinfetante, e só
emergir quando minha pele não tiver um único vestígio do toque do monstro?

Que odeio aquele desgraçado por ter se aproveitado da minha inconsciência, mas me
odeio mais por não perceber que havia sido drogada, por meu corpo não me alertar que
Daniel tocou onde não tinha o direito de tocar, por não acordar antes para impedir sua
violação, e ainda acreditar que ele não me machucaria?
Nego com a cabeça, passo por Juliano e vou para o
banheiro, em silêncio.

— Daniel Bonavides é um psicopata, pequena. —


Paro sob o batente, minhas mãos se fecham em punho. —
O filho da puta não sente nada. Nunca amou ninguém,
porque é incapaz de amar. O que ele fez com você só
confirma o que eu já sabia, mas não vou mentir, Elisa.
Agradeço a Deus por ele acreditar que te ama.

Olho por sobre o ombro, corroída por um tipo de


rancor que nem sabia que existia.

— Agradece? — vocifero entredentes, marchando


de volta até ele. — Você acabou de falar que ele não ama
ninguém! Como pode agradecer por ele me amar? —
Sem perceber, aumento o tom de voz.

Juliano põe as mãos nos meus braços e me prende


no lugar, se abaixando para ficar na minha altura e seu
mar tempestuoso revistar a minha alma.

— Agradeço por
ele acreditar que
te ama.

— Eu cresci sonhando com o dia que alguém me


amaria. Rezei todas as noites pra descobrir qual o sabor
do amor, que cor ele tem e por que as pessoas juram que é
o sentimento mais poderoso do mundo. — Ando de
costas, me afastando dele. Meu rosto agora banhado pelas
lágrimas. — Ninguém me avisou que o amor machuca
com palavras, corta dedos com alicate, faz sexo com
facão, arranca coração com a mão e estupra quem ele diz
amar. Não quero que o Daniel me ame! Não quero que
ninguém me ame!
— A Claudia está morta e tudo indica que a Jurema
também. Eu sinto muito por isso, mas não vou mentir. —
Juliano avança, encurtando novamente a distância entre
nós. — Agradeço por Daniel acreditar que te ama e não
ter feito com você o que fez com elas. — Ele acaricia
meu rosto, dá mais um passo e beija minha testa
demoradamente. — Não me odeie por estar feliz porque
você está viva. Me diz o que você precisa para curar essa
dor, pequena…

Juliano desliza o nariz para baixo sobre o meu, bem


devagar. Desce ainda mais lento até sua boca pousar na
minha e resvalar de um lado para o outro, suavemente,
com uma mão na minha nunca, a outra na minha cintura.
Abro meus lábios, ele abre os dele.
Minha língua vai em busca da sua, a dele vem ao
encontro da minha.
Elas se apresentam e se convidam para dançar em
uma pista molhada, com sabor de queijo, menta e emoção
à flor da pele.

Os lábios se espremem, se enlaçam, se amassam,


enquanto as cabeças trocam de posições, os braços
envolvem, apertam, e as mãos exploram o novo desejo.

Tudo se resume ao beijo de um homem amargurado


em uma mulher quebrada, com vinte anos de dor, solidão
e experiência, separando os dois.

Um beijo, até então, desconhecido, mas que de


alguma forma, parece familiar. Dado no momento errado,
mas que de alguma forma, parece certo.

Juliano para de me beijar e se afasta. Seu rosto é


uma miscelânea vermelha, atordoada, atormentada e sem
fôlego, o que me alivia, pois é exatamente como me sinto
e não poderia me sentir melhor.

Um beijo com o dom de


afastar pensamentos ruins.

Mas meu alívio perdura até ele fechar os olhos,


respirar fundo, depositar outro beijo demorado na minha
testa e perguntar:

— O que você
precisa, Elisa?
Que o seu toque limpe o dele. Que a sua boca me
faça esquecer o que ele fez. É isso que eu quero. É tudo
que eu quero.

No entanto, não respondo e


Juliano dá um passo para
trás.

— Eu… tenho que ver se recebi alguma mensagem


da Laura e depois vou ligar pro Kevin pra saber como foi
o jantar. Pode dormir na cama, você precisa descansar. Eu
fico no chão.

Ele se vira e segue para a porta. Cada passo que o


leva mais longe, inflige uma nova dor no meu peito,
aumentando o vazio e o temor de jamais me curar.

A maçaneta gira, a chave


tilinta, a dobradiça da porta
reclama.
Juliano está saindo. Posso deixar que ele vá e
abraçar a escuridão que me espera, ansiosa para me
engolir. Ou posso pedir sua ajuda, revelar o que preciso e
esperar que decida, se quer ou não me ajudar.

Ele pisa no corredor.

— Eu preciso… — Meu sussurro faz Juliano parar e


olhar por sobre o ombro. Para mim.

O pé do lado de fora recua


e a porta se fecha, mas ele
continua longe.
De mim.

— O que você
precisa, Elisa?

Ele sabe o que eu quero e depois do beijo, seria


mentira dizer que não sei que Juliano quer tanto quanto
eu. Mas o mar azul que se mostra sem timidez, não quer
apenas o meu desejo.

Juliano quer que eu precise


dele e saiba que ele fará
qualquer coisa.
Por mim.

Não importa se vai durar por uma noite, um mês, um


ano ou dez.

Hoje, preciso que Juliano substitua todas as minhas


suposições do que Daniel fez comigo, naquela noite no
cativeiro, por lembranças reais do que ele fará esta noite,
neste quarto.
Respiro fundo, tomando
coragem para responder:

— Preciso que você faça amor comigo, Juliano. —


No segundo seguinte, a boca dele está na minha. E o
segundo beijo é muito melhor que o primeiro.

Daniel me ensinou que uma pessoa não pode mudar


em um dia, mas um dia pode mudar uma pessoa. E
Juliano me ensinou que um homem pode levar uma
mulher ao orgasmo, sem amor.

Mas não pode fazer o


coração dela gozar, sem
amá-la.
Eu acredito em três coisas: Deus, destino e na porcaria do meu sexto sentido. Por um
motivo: eles nunca falham. Ponto.

Até na minha fase mais rebelde, depois que meu pai morreu, nunca deixei de acreditar,
mesmo que não quisesse ou dissesse que não acreditava.

Não me orgulho das merdas que fiz, mas no auge dos meus quarenta anos, sei que é
totalmente compreensível um cara jovem se revoltar por ver o homem que ele mais ama e
admira, preparando ovos mexidos num minuto, e caído no chão sem respirar no outro.

Meu pai morreu na minha frente sem que eu pudesse fazer nada para salvar a vida dele, e
o resultado foram alguns anos de atitudes inconsequentes que geraram mais dor e sofrimento
que qualquer outra coisa. Tanto para mim, quanto para minha mãe e irmã.

Quando Elisa entrou na sala do Kevin, não entendi o que senti, tampouco me preocupei
em entender. Mas estava lá, fazendo meu sangue correr mais rápido, meu coração bater mais
forte.

Na porta da escola foi ainda mais intenso, mais real. Então Laura chegou e o meu desejo
de vingança falou mais alto. Fiz merda e poderia ter feito muito mais, se não fosse a vozinha na
minha cabeça, alertando que o prazer passageiro não valeria a pena no final.

Quando segui Daniel e encontrei Elisa no meio do mato, acabou para mim. Eu sabia que
tinha perdido a batalha, e o motivo que me manteve vivo nos últimos vinte anos, deixou de ser
a minha prioridade.

Óbvio que ainda quero matar o filho da puta, agora até mais do que antes, mas não para
vingar a morte da minha ex-namorada, e sim, para proteger a vida da Elisa.

No instante em que a Laura entrou no quarto e partiu para cima dela como se fosse a dona
do mundo, tive um pequeno vislumbre da mulher que
eu não conhecia, nem acreditei que existisse por trás da
aparência pequena e frágil, da que estava fugindo da
ginecologista.

Revidar o tapa, chamar a patroa pelo primeiro nome


em vez de dona, como a ouvi chamando algumas vezes, e
replicar os xingamentos que recebeu de maneira educada,
porém assertiva, foi como se Elisa estivesse se despindo
para quem quisesse ver, revelando, aos poucos, a pelagem
da tigresa encoberta pelo casco da tartaruguinha que se
perdeu da família no primeiro mergulho após a desova.

Então veio o xeque-mate, o momento mais difícil


para Elisa e o mais extraordinário para mim.

Ouvir a mulher de vinte anos, assumir sua atração


pelo marido da Laura, admitir sua fraqueza e ânsia de
experimentar o que nunca havia sentido por um homem
de cabeça erguida, totalmente consciente dos seus erros e,
sobretudo, das situações nas quais ela deixou de ser a
jovem empregada deslumbrada pelo patrão, e se tornou
vítima de um psicopata sequestrador, assassino e
estuprador, provou que a filha de João Camargo é como
uma joia rara de inestimável valor, soterrada por uma
parede de concreto sem reboco.

Elisa teve que perder a voz da mãe que decidia tudo


por ela, o carinho do pai que recarregava sua esperança
de um futuro melhor, a casa que poupava sua insegurança
de críticas e da cidade onde ela morava, mas não vivia,
para andar com suas próprias pernas.

Em poucos dias em Riacho Verde, sua vida, sua


rotina e seu modo de olhar para o mundo, mudaram. Sua
essência, não. O problema é que nem Elisa sabia quem
ela era, mas graças à psicopatia de Daniel, ela está
começando a se descobrir.
Agora, olhando para a mulher parada no meio do
quarto, usando minha camisa e minha cueca, me
encarando com as bochechas coradas, os olhos cheios de
lágrimas, que acaba de me dizer que precisa que eu faça
amor com ela, ratifica que Deus escreve certo por linhas
tortas, que cada um de nós não subiu nessa embarcação
sem um propósito e a porcaria do meu sexto sentido, mais
uma vez não falhou.

Três passos e estou à frente de Elisa, mergulhando


na boca dela, com um braço em sua cintura, e a mão
infiltrada em seus cabelos.

Minha língua alicia a dela,


desafia, provoca.
Sonho acordado com esses lábios desde que a vi pela
primeira vez, sou arrebatado por eles e me esbaldo,
lambendo, chupando, mordendo. Desejo flui pelo meu
corpo, exala pelos poros, me consome.

Ela é tão gostosa.

— Vou fazer amor com você, pequena — sussurro


em seu ouvido, tirando a camisa dela e a minha. — Vou
ser tudo que você precisa. — Beijo seu pescoço.

Elisa geme quando a abraço com as mãos na bunda


dela, e a pego no colo. Seus braços envolvem meu
pescoço, suas pernas abraçam minha cintura e nossas
peles se tocam pela primeira vez.

Os seios pressionados contra o meu peito dilatam


meu pau, que engrossa e endurece, sob o feitiço dos bicos
pontudos que roçam em aflição, conforme ela esfrega a
boceta sobre o jeans, num convite irrecusável para eu me
perder dentro dela.

Lascívia brilha nos olhos de Elisa, no momento que


me sento na cama com ela montada em mim.

— Cavalga, pequena. — Empurro sua bunda para


cima e para baixo, fazendo da minha extensão um
escorregador para a boceta dela. — Sente como o meu
pau está duro pra caralho. Todo pra você.

Ela geme mais alto, joga a


cabeça para trás e monta
gostoso.
Inverto nossas posições, deitando-a na cama. Fico de
pé, tiro a calça, a minha boxer e a dela. Elisa fica
envergonhada quando paro à sua frente, sem roupa, dando
um sorriso sacana enquanto toco uma, me deleitando com
a imagem do seu corpo à minha espera.

— Abre as pernas. — Ela obedece, eu me ajoelho


entre elas, sem parar de me masturbar. — Me mostra
como você se tocou no chuveiro.

Sua pele pálida fica vermelha. Acaricio a parte


interna da sua coxa com a mão livre, descendo cada vez
mais perto da sua virilha.

— Põe a mão na bocetinha, pequena. — Quando seu


dedo toca o clitóris, chupo o meu e o escorrego para
dentro em seu canal, tão estreito que desisto de pegá-la de
frente para não machucá-la.
— Foi assim que você gozou? — Giro o dedo dentro
dela e coloco o polegar em cima do seu dedo,
aumentando a pressão sobre o pontinho inchado.

— Isso… — Elisa murmura, rebola, escorrega a


bunda pra frente e ergue os quadris.

Meu dedo fode mais rápido e o dela abandona a


posição. Não resisto ao ficar cara a cara com sua boceta e
caio de boca para prová-la.

— Pensou em mim, pequena? — Circulo a língua


em seu clitóris, prendendo-o entro os lábios, enquanto
desfiro uma série de batidinhas no seu ponto G com a
ponta do dedo.

— Sim!

Sugo seu grelinho,


martelando dentro sem
parar.

— Chamou meu
nome?

— Sim! — Sua
voz é uma
mistura de
súplica e
lamentação.

— Imaginou meu pau aqui?


— Enfio mais um dedo.
Elisa enlouquece.
— Por favor.
— Te comendo
gostoso?

Ela me aperta, indicando que está perto, e posso


gozar só de imaginá- la estrangulando meu pau com a sua
doce boceta.

— Goza pra mim,


pequena.

— Juliano… — Elisa grita meu nome, se retorce no


colchão, me dá uma chave de perna, quase me deixa
careca e me transforma em um predador depravado
quando se derrete na minha boca.

Caralho! Que mulher


deliciosa.

Espero seus espasmos diminuírem, seus joelhos


liberarem minha cabeça e suas mãos o meu cabelo, para
colocar a camisinha, inverter nossas posições novamente
e sentar Elisa em cima de mim, com as pernas abertas e
meu pau aninhado entre os lábios da sua boceta.
— Vem cá, pequena. Me dá essa boca. — Eu a puxo
para baixo com a mão na sua nuca e a beijo, sem pressa.

Ela geme, rebola, esfrega


os seios no meu peito.

— Quer montar
no meu pau?

— Sim.

— Me põe onde
você quer.

— É muito
grande, Juliano.

— Desce devagarzinho. — Chupo um mamilo. —


Depois que me engolir por inteiro e estiver toda cheia do
meu pau. — Chupo o outro. — Não vai querer que eu
saia. — Junto os dois montes, enquanto ela segura a base
com a palma delicada e encaixa a cabeça na sua
entradinha. — E eu vou querer morar na sua boceta.

Elisa apoia a mão livre na cabeceira e me encara


com a expressão nublada pela luxúria, quando começa
escorregar. Nós dois gememos.

Revezo meu olhar entre seus olhos revirados, o lábio


inferior entre os dentes e a cabeça inclinada para o lado,
arrebatada de tanto prazer, e o ponto em que nossos
corpos se fundem à medida que meu pau desaparece
dentro dela, centímetro a centímetro, incapaz de escolher
qual visão é a mais deslumbrante.
— Juliano…

— Porra,
pequena!

Falamos juntos, quando Elisa me traga até as bolas,


apoia as mãos no meu peito e começa sua cavalgada.

— Tá machucando? — sibilo entredentes,


desesperado para empurrar com força, rápido e duro.

— Não.

— Tem certeza?

De olhos fechados, ela faz que sim com a cabeça,


completamente submetida ao tesão.
— Então segura firme. — Afasto seu cabelo pra trás,
olhando em seus olhos. — É o meu cheiro que você vai
sentir, a minha voz que vai ouvir, o meu toque que vai
querer e sempre que pensar no passado, é de fazer amor
comigo que você vai lembrar.

Trago sua boca para a minha, apoio os calcanhares


no colchão, espalmo as mãos na sua bunda e faço amor
com Elisa pela primeira vez, como se fosse a última.

A cama chacoalha, bate na parede, os pés arranham


o chão. Ela geme, grita, diz que não aguenta mais e goza
chamando meu nome, de novo. Eu gozo logo em seguida,
o mais fundo que posso dentro dela.

Elisa desaba em cima de mim, deita ao meu lado e


dorme com a cabeça no meu peito. Quando ela embala no
sono, vou ao banheiro, tiro o preservativo, visto a cueca e
desbloqueio o celular com o coração acelerado, ao me
deparar com a notificação de uma mensagem da Laura.
Eu 1 x Ele 0 – Kevin salvo.

Era para ser engraçado, mas não consigo rir por


conta do mal-estar repentino que embrulha o meu
estômago. Ligo para Kevin, mas seu telefone cai direto na
caixa postal. Envio uma mensagem e peço para ele me
ligar assim que puder, a qualquer hora.

Encaro Elisa deitada na cama, linda, carregando


sozinha uma bagagem tão pesada, porém jovem e com
uma vida inteira pela frente.

Foi muito rápido o que rolou entre nós, é verdade.


Mas a morte do meu pai me ensinou que não devo deixar
para depois o que posso fazer agora, porque cada segundo
da vida é precioso e daqui a cinco minutos, pode ser tarde
demais.

Especialmente quando um psicopata assassino está


mais que determinado a reescrever uma velha história,
com novos cenários e novos personagens, mas o mesmo
final.

E eu estou disposto a acabar com a raça do filho da


puta, nem que seja no último parágrafo dessa porra.
Meus olhos se recusam a abrir, meu pau se recusa a mijar na
cueca, e meu cérebro se recusa a tomar partido para decidir se mijo
na privada ou continuo dormindo.

Minha lerdeza é tão absurda, que demoro longos minutos para


ser atropelado pela realidade e me sentar num sobressalto que me
deixa tonto.

Que merda é essa?

Reconheço o quarto de hóspedes que Elisa ocupou enquanto


esteve nessa casa e abaixo a cabeça com a mão na testa, num esforço
sobre humano de me lembrar o que aconteceu e como vim parar
aqui.

Levanto e vou ao banheiro, cambaleando como um


universitário bêbado após uma festa em algum puteiro clandestino.

Tenho que me concentrar para não mijar na pia e lavar o rosto


no vaso sanitário, mas não poupo a tampa do cesto de lixo e o tapete
felpudo sob os meus pés, de uma gota ou outra.
A água gelada no meu rosto ativa o processo de
recuperação de memória, o que é excelente para mim,
mas péssimo para minha esposa.

O jantar, a provocação, o
vinho, a água.

Admiro a coragem dela de tentar ferrar meus planos,


tanto quanto desdenho da sua pretensão de pensar que iria
conseguir. Não sei se Laura desconfiou que eu faria
alguma coisa com o corno pai e o fedelho filho, ou
simplesmente achou que sua interferência ficaria impune.

Não tenho dúvida que a piranha me boicotou, no


entanto, para conseguir todas as respostas que preciso,
tenho que descobrir quais perguntas devem ser feitas.

Minha raiva cresce quando checo o celular e o


relógio marca onze da manhã. A desgraçada me pôs para
dormir por quinze horas, o que significa mais da metade
de um dia de vantagem para a ratinha se distanciar de
mim.

Os demônios estão em polvorosa. A besta não aceita


nada menos que uma retaliação à altura da filha do pastor.
Laura terá o que merece.

E muito mais.

Abro a porta com cuidado e saio com os tênis na


mão para não fazer barulho. Dou uma olhada rápida no
meu antigo quarto, me certificando de que está vazio e
desço os degraus na ponta dos pés.
No meio da escada, ouço a
voz dela na cozinha.

Atravesso a sala, irritadíssimo por conta do latejar


nas têmporas, que retarda o trabalho da minha mente de
assimilar o que, e com quem, a vadia está falando

Encosto as costas na
parede, ao lado da porta.

A inércia ameniza a palpitação na cabeça,


colaborando para a minha reabilitação temporária.

Laura diz alguma coisa sobre melhorar as ações


estratégicas do seu plano de governo e montar uma
equipe de assessoria de imprensa.

A ordinária está tramando alguma merda política,


provavelmente para se vingar do amante. Ela se despede
de quem quer que seja e encerra a ligação. O toc toc dos
sapatos denuncia sua aproximação.
Eu me preparo para o
ataque, tão sorrateiro
quanto o dela.

No segundo em que Laura entra na sala, agarro seus


cabelos com uma mão, o cotovelo com a outra, e acerto
uma joelhada na sua coluna, antes de arremessar seu
corpo em cima da mesa de centro.

Ela voa no ar e cai com a cara no vidro, que se


estilhaça embaixo dela. Me apresso em ligar o rádio
quando os gritos da piranha estrondam pela sala, para
evitar que chamem a atenção dos vizinhos ou de algum
fuxiqueiro que esteja passando na rua.

Os demônios se animam com o estrago que os


estilhaços cortantes fizeram no seu rosto. Testa,
bochechas, nariz, lábios e queixo, nenhuma área
preservada. Até os olhos ganharam cortesia dos cacos
menores.

Sangue goteja de vários pontos, formando uma trilha


no piso por onde arrasto minha esposa de volta para a
cozinha.

Laura não para de gritar e sua histeria me deixa


maluco, além de fomentar o latejamento na minha
cabeça, mas seu estado miserável me dá nojo e me nego a
sujar as mãos para fazer a vagabunda calar a boca.

Puxo uma cadeira e a


empurro para baixo pelos
ombros.
— Senta, que eu ainda nem comecei a acabar com
você — rosno, nauseado por causa do cheiro do seu
perfume adocicado.

Abro a gaveta do armário, enfaixo minha mão com


um pano de louça e pego o segundo para fazer o mesmo
na outra mão, mas não concluo a merda da tarefa porque
ela sai tropeçando de volta para a sala.

A tentativa frustrada de escapar do seu destino,


invoca a fúria demoníaca da besta. Alcanço a piranha
antes que ela consiga chegar à porta, giro seu corpo e dou
um soco na cara dela com a mão protegida.

Laura cai perto da mesa de jantar, zonza. Chuto suas


costelas. Uma, duas, três vezes. Ela geme, se encolhendo
em posição fetal. Ergo a perna e piso na sua cabeça. Uma,
duas, três vezes.

Seu corpo esmorece no chão, mas sigo chutando e


pisoteando, sem me importar com onde meus pés
acertam. Barriga, costas, peitos, coxas, boceta, bunda,
foda-se.
Desde criança adoro esculhambar cachorro morto e
não paro de vandalizar a vira-lata vadia, até perder o
fôlego.

Seco o suor que escorre pela minha testa,


vasculhando a sala à procura da bolsa de Laura. Procuro
na cozinha, no quarto, na lavanderia. Nada. Ela escondeu,
pois sabia que eu iria fuçar.

Meus olhos caem sobre um objeto prateado, caído


entre a sujeira aglomerada ao redor do que sobrou da
mesa de centro. Me abaixo para pegar, com a testa
franzida por não reconhecer o celular.

Uso sua digital para desbloquear o telefone e sou


apresentado ao mundo paralelo que minha esposa vive no
mais absoluto sigilo.

Cartões de créditos, contas bancárias no exterior,


comprovantes de PIX de traficantes da região, informes
tributários alterados, tudo em nome da Alvorada, além de
fotos de Humberto e vários membros da igreja em
puteiros, orgias, festas à fantasia e até em boate gay.

Nada dessa merda faz meu sangue borbulhar, até que


acesso o aplicativo de mensagens e leio as que ela trocou
com um tal de Juliano.

A primeira, enviada por ele ontem, no final da tarde,


convocando Laura para ir ao seu encontro no hotel onde
está hospedado, para falar sobre a identidade falsa de
Dante Boaventura e a morte encomendada de João
Camargo.
Mas meu borbulho sanguíneo não é por conta da
convocação, nem pelos dois assuntos que o desgraçado
queria falar com a minha esposa e, sim, pelas três
palavras que ele usa para se certificar de que a piranha
iria atender ao seu chamado.
Elisa está comigo.

Não aqui, nem segura, ou


bem. Comigo.
Enfio o celular no bolso, calço os tênis, engulo dois
comprimidos de aspirina e subo correndo até meu antigo
quarto.

No cofre, pego os dois sacos de dinheiro que Laura


tem guardado, meus documentos antigos, esquecidos lá
dentro desde que cheguei à cidade, e as chaves da minha
casa em Morada do Sol.
No closet, jogo todas as roupas que cabem na minha
mala. Faço o mesmo com as roupas da piranha na mala
dela para Elisa usar durante a viagem. Abro a caixa de
madeira talhada e, pego a Taurus antiga com as iniciais
do nome do meu pai gravadas no cabo, a munição e o
documento de autorização de porte de arma.

Disparo para o andar de baixo, direto para a


lavanderia. Em uma sacola de feira, ponho o tubo de éter,
as cordas de varal, o martelo, sacos de lixo e uma caixa
de pregos. No armário da cozinha, encontro o kit com
seis facas para churrasco, fita adesiva e tesoura.

Por fim, duas cartelas de ansiolítico e o frasco do


remédio para ansiedade da Laura.

Antes de sair, respiro fundo, penso por um instante


para ter certeza de que não estou esquecendo nada e
aproveito para me acalmar.

A distração com os itens essenciais para a fuga


emergencial abranda a tormenta que distende meu peito,
com o simples pensamento de Elisa ter passado a noite
com outro homem em vez de passar comigo.

Seu único amor.

Enfio minha carteira e o celular nos bolsos da calça,


dou uma última pisada na cara da piranha, que parece
uma massa sangrenta de pão italiano, e saio do meu
cativeiro domiciliar.

Acomodo tudo no porta-malas, menos o que vou


levar para garantir que a ratinha não ouse me decepcionar
e se recuse a ir embora.
Comigo.

Manobro o Corolla para fora da garagem, dirijo em


direção ao hotel do futuro defunto, estaciono do outro
lado da rua e procuro o telefone da recepção na internet.
Digito os números e levo o aparelho ao ouvido, de olho
na entrada.

— Grand Royale,
boa tarde. Em
que posso servi-
lo?

— Vocês têm
quartos
disponíveis?

— Solteiro, duplo
ou triplo?

— Solteiro.
— Um minuto,
por gentileza.

A voz charmosa da recepcionista é substituída por


uma melodia chata, enquanto ela verifica o que pedi.

— Obrigada por aguardar. — Ela retorna. —


Infelizmente, os únicos quartos disponíveis são duplos.

— Duas camas de solteiro? — Aperto o volante com


força, torcendo, pelo bem de Elisa, que a resposta seja
sim.

— Sim, senhor. — Antes que eu possa comemorar,


ela acrescenta. — Todos os quartos com cama de casal
estão ocupados.

— Todos? — rosno, por entre os dentes cerrados,


vendo tudo escurecer à minha frente.

— Sim, mas se o
senhor…

Encerro a ligação,
esmagando o celular entre
meus dedos.

Se a ratinha ficou impressionada com o que fiz com


a Claudia, ela nunca mais irá me desobedecer depois de
assistir o que vou fazer com o maldito que se meteu com
quem não deveria.

Coloco o boné, os óculos


de sol e ajeito a arma no
cós da calça.

Penduro a alça da bolsa no ombro, desço do carro e


atravesso a rua na direção do hotel para buscar a ratinha e
matar o canalha que quer roubar o que é meu.

Se Elisa não for minha, ela


não será de mais ninguém.
Acordo com vontade de fazer xixi. Ainda está escuro e a única iluminação do quarto
vem da luz da rua, que entra pela fresta da janela.

Juliano dorme ao meu lado de barriga para cima. Apoio os cotovelos para apreciar o
homem lindo, carinhoso, generoso e grande.

Muito grande.

Lindalva reclamava dos homens com membros avantajados que não sabiam usá-los
e dizia que preferia os menores com habilidades manuais e linguísticas.

Eu não entendia o que ela queria dizer, mas agora entendo e torço para que minha
mãe tenha visto o que Juliano fez com sua língua, seus dedos e seu… pau.

Um sorriso maroto desliza em meus lábios quando me


sento.

O lençol branco e fino, cobre apenas uma parte do corpo dele da cintura para baixo.
A ponta do joelho dobrado toca a minha perna, a coxa grossa, as duas bolas e o membro
flácido, descansando sobre os pelos pretos me assanham.

Quando Juliano tirou a roupa e começou a se masturbar, não consegui tirar os olhos
dele, acompanhando os movimentos da sua mão subindo e descendo em torno da carne
tão dura e, ao mesmo tempo, tão macia.

Pensei que fosse me machucar, mas fiz o que Juliano mandou e desci devagarzinho.
Conforme escorregava, ele me alargava, preenchia, me completava. Não sou capaz de
descrever o prazer que senti ao ter seu membro inteiro dentro de mim.

Juliano tinha razão, naquele momento tudo que eu queria era que ele nunca mais
saísse.
— Gosta do que vê? — A voz rouca e sonolenta faz
minhas bochechas esquentarem. Ele joga o lençol para o
chão, coloca uma mão embaixo da cabeça e acaricia
minhas costas com a outra. — Não precisa ter vergonha
de me tocar, se é isso que você quer fazer. Sou todo seu,
pequena.

A escuridão me encoraja. Com a mesma delicadeza


que seus dedos passeiam pela minha coluna, deslizo os
meus pela sua perna, do joelho até o alto da coxa. Seu
membro incha sem que eu sequer o toque.

— Não sei o que


fazer — admito
baixinho.

— O que você quer?


Segurar, brincar com ele,
pôr na boca? Juliano fala de
uma maneira tão natural,
que acabo relaxando.
— Tudo.

— Tem certeza?

Faço que sim com a cabeça.


Ele segura minha mão.

— Senta na minha cara com a bunda pra cá. Só de


pensar na sua boca em volta do meu pau, já estou
morrendo pra provar essa bocetinha outra vez.

Não escondo minha ansiedade e me apresso para


obedecer. Meus olhos giram em órbita quando Juliano
abre a minha bunda e me lambe de ponta a ponta, do
clitóris até o ânus.
Ele ergue os quadris, me
oferecendo seu membro
totalmente duro.

— Esse é o seu pirulito, pequena. Pode chupar,


lamber, babar em cima dele. O que você quiser. Só toma
cuidado com os dentes, se bem que eu curto umas
arranhadas de vez em quando. Menos mordida. Mordida
nunca.

Então faço tudo que eu quero com meu pirulito


gigante, menos morder, enquanto Juliano me mostra que
sexo é muito mais que penetração e não acaba com o
orgasmo.

É intimidade, confiança.

Gozo na boca dele. Ele


goza na minha.

Nós nos beijamos e


pegamos no sono outra vez.
Minha cabeça no peito dele.
O queixo dele na minha
cabeça. Meu ouvido no
coração dele. A mão dele
no meu coração.

Saio do banheiro enrolada na toalha. Juliano fala


com Kevin ao telefone, debruçado na janela apenas de
cueca branca.

Deixo me guiar pelo instinto e o abraço por trás. Ele


leva minha mão à boca e a beija. Derreto com seu gesto
de carinho, simples, espontâneo.

Juliano se vira quando encerra a ligação, segura meu


rosto e beija minha boca. O beijo se torna impaciente,
desesperado. Minha toalha cai no chão, seus braços me
apertam contra ele.

Nós nos afastamos apenas para Juliano se livrar da


cueca, colocar a camisinha e me pegar no colo, mas em
vez de me deitar na cama, ele me pressiona contra a
parede.

— Já transou assim? — pergunta, encaixando seu


membro na minha intimidade umedecida.

— Não.

— Tenho tanto coisa pra te ensinar. — Ele lambe


meu mamilo. — Essa é a segunda. — Lambe o outro. —
Sua bocetinha vai ficar viciada no meu pau, pequena. Tão
viciada que não vai querer outro. — Juliano me penetra
com força. Eu solto um gritinho. — Sente, Elisa. — Sai e
entra de novo, mais forte. — Sente como é perfeito. —
Outra arremetida. — Perfeito pra caralho.

As palavras são trocadas por gemidos e sussurros,


quando Juliano passa a estocar mais rápido. A posição
diferente faz com que ele entre ainda mais fundo,
provocando uma dorzinha sempre que bate dentro de
mim. O que deveria me incomodar, aumenta o meu
prazer.

— Estou louco
pra gozar,
pequena. Mas
quero que venha
comigo.

Sua voz rouca no meu ouvido é um aviso disfarçado


de pedido, que eu atendo quando ele segura meu cabelo e
me beija, enquanto a outra mão faz seu caminho até o
meio da minha bunda e seu dedo cutuca lá atrás.
Juliano me tem sob o seu domínio, e nunca me
importei menos de estar sob o comando de alguém.

— Vou gozar —
murmuro,
desorientada.

— Sua boceta tá
me
estrangulando!
Que delícia,
porra!

— Juliano…

— Elisa…

Nossos nomes ecoam pelo quarto ao mesmo tempo.


Alto, em reverência. Um mar agitado me encara, antes de
a boca dele tomar a minha com fúria, e eu ser atingida por
uma avalanche de emoções coloridas e brilhantes, como
se fogos de artifício estourassem no meu peito.

— Isso foi…

— Perfeito — Juliano
completa, ofegante. Eu
sorrio, penteando seu
cabelo para trás.
— Perfeito pra
caramba.
— O que ela fez?
— pergunto e me
sento para tomar
café.

— Quando saiu daqui, Laura comprou uma garrafa


do vinho preferido dela e trocou pela que o Daniel tinha
posto para gelar. — Juliano responde, sentando-se à
minha frente. — E colocou ansiolítico na garrafa de água
que ele mesmo trouxe para casa. Kevin disse que o
Daniel ficou tão lesado, que o Rogério queria chamar
uma ambulância.

— Onde ele está?

— No quarto de hóspedes. Laura contratou dois


caras para levar o Daniel para a chácara. Eles estão vindo
de alguma cidade vizinha, mas ela não falou qual era.

— Não é
perigoso ele ficar
lá?
— A Laura garantiu que colocou remédio suficiente
pro Daniel dormir por dois dias.

Relaxo na cadeira, soltando


o ar com força.

— E agora?

Juliano pisca um olho e


sorri.

— Agora eu vou sair para comprar sua roupa.


Vamos passar a tarde toda na cama e à noite, eu e o Kevin
faremos uma visita para o Daniel.

— E a Claudia?

— O que tem ela?

— Não vamos avisar a


polícia? A família dela
precisa saber. Juliano
entrelaça nossas mãos.
— Não podemos falar pra ninguém, pequena. É uma
merda, mas o Daniel não escolheu aquela chácara por
acaso. O que você acha que vai acontecer, se a polícia
souber que o marido da Laura sequestrou a própria
empregada e matou a melhor amiga dela, na frente da
empregada, dentro da propriedade que ela herdou da avó?

— Que a Laura sabia — balbucio, odiando que além


de monstro, Daniel também é inteligente.
— Depois que toda essa merda acabar, vamos
pensar em alguma coisa. O mais importante é que aquele
psicopata não vai mais machucar ninguém. — Juliano
limpa a boca no guardanapo. — Agora nós precisamos
conversar sobre os resultados dos seus exames, pequena.

Franzo a testa.

— Meus exames?

Juliano faz que sim com a cabeça e me conta como


Kevin descobriu que eu tenho anemia hemolítica
autoimune, e o doutor Gonçalo pediu uma nova bateria de
exames para avaliar a gravidade.

Nunca ouvi falar desse tipo de anemia, apesar de


saber que existem vários. Juliano me acalma, diz que vai
ficar tudo bem e eu acredito nele.
vez.

— Tranca a porta e não abre para ninguém. —


Ele repete pela terceira

— Nem pra você?

— Só pra mim, pequena. Tudo, só pra mim. —


Juliano me beija na

testa, dá um tapinha na minha bunda e sai.

Deito na cama para assistir um pouco de televisão,


mas acabo cochilando e só acordo quando ouço as batidas
na porta. Não sei se por conta do breve descanso ou por
me sentir protegida, faço a única coisa que Juliano me
pediu para não fazer.

Destranco a porta e a abro.

— Sentiu
saudade, ratinha?

Daniel mal termina de falar e entra, me empurrando


para dentro do quarto sem qualquer gentileza. Seus olhos
descem pelo meu corpo, estreitos para a camisa
masculina que visto, e sobem de volta até os meus.

Crueldade.
Foi o que vi no seu olhar no cativeiro, é o que vejo
nesse exato momento. Crueldade em sua essência mais
crua e impiedosa.

Um monstro cruel.

Daniel me joga na cama e monta em cima de mim,


prendendo meus pulsos no colchão, acima da cabeça.
Estou tremendo, aterrorizada.

— Por favor, não me machuque.

— Cala boca, Elisa! — cospe ele, beliscando meu


mamilo. — Dois dias sem a minha ratinha e olha como eu
estou. — Aperta o jeans, marcando o contorno do seu
membro rígido. — Você não deveria ter fugido de mim.
— Solta a alça da bolsa, que cai ao seu lado e tira uma
faca de dentro dela.

Arregalo os olhos,
impossibilitada de gritar,
sequer de falar.

Daniel desliza a lâmina afiada sobre os meus lábios,


inclina para o queixo e a encosta na minha garganta.

— Minha! Você.
É. Minha. —
Pontua, com o
olhar negro fixo
no
meu.
Ele solta meus braços e com um único movimento,
desce rasgando a camisa de Juliano até a altura da
barriga.

Grito, apavorada. Daniel


acerta um tapa na minha
cara.

— Eu disse pra calar a boca, putinha! — esbraveja,


saltando para fora da cama. — Meu amor é seu, Elisa.
Mas agora eu te odeio, então é melhor fazer o que eu
mandar, se não quiser que eu te machuque.

Daniel termina de rasgar a


camisa.

— Cadê o
desgraçado que
quer pegar o que
é meu?

Não respondo e não irei responder. Esse monstro


pode fazer o que quiser comigo, até me matar, mas eu
nunca direi para onde o Juliano foi.

Daniel sorri com sarcasmo, afastando as partes


rasgadas do tecido para os lados, me deixando exposta
para ele.

— Ele tocou aqui? — A primeira lágrima escorre


pelo meu rosto quando sua mão aperta meu seio. — E
aqui, tocou? — Aperta o outro. — Onde mais aquele
miserável tocou, ratinha? — Daniel inverte a posição da
faca e a segura pela lâmina para bater com o cabo no
meio das minhas pernas.
Solto um gemido de dor.

— Tsc. Tsc. Tsc. — Nega com a cabeça, como se


estivesse lamentando. Apoia as mãos no colchão e se
abaixa, aproximando sua boca da minha. — Se eu não te
amasse tanto, faria a vontade da besta e te mataria aqui
mesmo. Mas sei que você me ama e só deixou outro
homem te tocar porque estava com ciúme da Claudia. —
Ele encosta seus lábios nos meus. — Agora fica de quatro
que eu vou te foder e você vai me dizer onde ele está.

— Tô aqui, seu filho da puta! — A voz do Juliano


estronda pelo quarto, quando a porta é aberta com tudo.

Daniel olha por sobre o ombro sem demonstrar


nenhuma emoção, se vira, endireita os ombros e põe uma
mão para trás. É nesse momento que eu vejo a arma nas
suas costas, presa no cós da calça, e me lanço sobre ele.
Daniel se desiquilibra para frente, tropeça e cai de
joelhos. Eu caio junto com ele, mas antes de bater no
chão, Juliano abraça minha cintura e me puxa de volta.

O tempo que ele leva para me colocar de pé e


verificar se estou machucada, é o que o monstro precisa
para empunhar a pistola e apontá-la em nossa direção.

— Sai de perto dela! — Daniel rosna, quando


Juliano se faz de escudo, me protegendo com o seu corpo.

— Se quiser que
eu saia, vai ter
que me tirar.

O monstro é mais magro e mais baixo que Juliano,


por isso, inclina seu braço levemente para cima e, agora,
a arma aponta para a testa dele.

— Elisa é minha e ninguém toca no que me pertence


— Daniel ladra, avançando dois passos.

— Não foi na sua cama que ela dormiu. — Tento


me afastar para acalmar o monstro, mas Juliano bloqueia
minha passagem. — Você não vai a lugar nenhum,
pequena. — Encara Daniel novamente. — Nem é a sua
roupa que ela está usando. Se quiser a Elisa, vai ter que
passar por mim.

Eu me pergunto por que Juliano quer irritar o


psicopata que está apontando uma arma pra ele, no
entanto, tenho medo da resposta.

— Não toca nela, porra! — Daniel já não parece tão


controlado, quando avança outro um passo e se aproxima
ainda mais.

Juliano dá uma risadinha


debochada.

— Tarde demais, brother. Passei a noite toda


enterrado dentro dela e só não vou me enterrar de novo,
se ela não quiser. — Ele dá de ombros. — Por que não
deixamos Elisa decidir com quem ela quer ficar?

Então acontece, Daniel


avança o último passo.
Juliano ataca.
A arma dispara.
Bum!
Estava finalizando a compra na loja feminina, ansioso para ver a bundinha empinada de
Elisa em uma calça jeans, no momento que meus olhos foram atraídos para o relógio digital de
mesa, marcando o horário e a data.

Fiquei encarando os números separados por barras, sem acreditar que havia me esquecido
que dia é hoje, menos ainda na coincidência inacreditável que tornava aquela merda surreal de
tão macabra.

A diferença é que vinte e anos atrás, nessa mesma data, Maria Antônia Junqueira foi
encontrada morta na fazenda da sua família, e João Camargo conduzido ao hospital entre a vida
e a morte.

Hoje, Elisa estava viva.

Justo hoje!

É o que me vem à cabeça quando entro correndo no hotel, depois que Kevin me ligou para
avisar que Daniel saiu de casa e deixou Laura caída em uma poça de sangue, toda deformada,
na sala de estar.

Ele não agrediria a esposa daquela forma se não tivesse descoberto que Elisa está
escondida a menos de dois quilômetros da sua casa. Justo hoje.

Mandei Kevin ir atrás de Humberto, com recomendações específicas para ele dar um jeito
de convencer o dono do hotel a restringir o acesso ao andar do meu quarto, e enviar alguém da
sua confiança para limpar a bagunça que o marido da sua filha iria deixar, sem mencionar o
nome da Elisa ou o meu.

Caso contrário, os vídeos da esposa dele estarão na internet até o fim do dia. Justo hoje.
Como o pastor irá resolver, quantos bolsos ele terá que encher ou quantos favores ficará
devendo, pouco me importa.
Quero apenas ter certeza de que quando eu acabar
com Daniel Bonavides, o mistério acerca da morte do faz-
tudo de Riacho Verde não se torne outro remendo mal
costurado do passado.

Nem para mim, nem para


Elisa.

Não tenho os vídeos, mas Humberto não sabe que


estou blefando, e o fato de o filho do Rogério ser o porta-
voz do homem com quem Laura foi fotografada pelo
marido, aos beijos, na sua igreja, é comprometedor o
suficiente para que o pastor arregasse as mangas e faça o
que tiver que ser feito para manter a reputação da sua
família irretocável.

Subo pelas escadas, pulando os degraus de dois em


dois, atravesso o corredor como um raio e chego à porta
do quarto a tempo de ouvir a voz de Daniel, dizendo para
Elisa:

— Agora fica de quatro que eu vou te foder, e você


vai me dizer onde ele está.

Não precisa preguntar duas


vezes.

Abro a porta com um chute.

— Estou aqui,
seu filho da puta!

Daniel olha por sobre o ombro, com os olhos


vidrados, as pupilas dilatadas. O psicopata está por um
triz de perder o controle.
Ele pode fingir que não se lembra, mas ninguém que
presencia uma tragédia como aquela consegue esquecer,
ainda que não seja afetado por ela na maior parte do
tempo.

Vítima, testemunha ou
criminoso.

Ele se vira para mim e me dou conta de que hoje é a


primeira vez que fico frente a frente com o homem que
mudou a minha vida, sem sequer saber que eu existo.

Justo hoje.

Elisa salta da cama e pula nas costas dele. Eu


avanço, Daniel cambaleia e cai de joelhos, ela vai junto,
mas abraço sua cintura e a puxo para cima, evitando sua
queda.
Faço uma rápida inspeção para me certificar de que
não está ferida, porém não sou tão rápido quanto eu
gostaria.

Daniel já está apontando uma arma para nós. Uma


não. A Taurus antiga que reconheço das fotos dos
arquivos e pertencia ao pai dele. A mesma que o
desgraçado usou para forjar a tentativa de suicídio de
João Camargo.

Destino de merda!

— Sai de perto dela! — A voz de Daniel é firme


quando desloco Elisa para ficar atrás de mim, entretanto
seu braço estendido dá uma pequena vacilada, quase
imperceptível.

Há vinte anos, era o seu melhor amigo que tentava


proteger a mulher que ele dizia amar. As coincidências
são inegáveis e as lembranças que Daniel bloqueou por
sei lá quanto tempo, certamente estão voltando com força
para atormentá-lo.

— Se quiser que eu saia, vai ter que me tirar daqui


— falo baixo, sem demonstrar nervosismo.

O braço de Daniel vacila outra vez, quando ele o


inclina levemente para cima, mirando o cano na minha
testa.

— Elisa é minha, e ninguém toca no que é meu —


Finalmente ele avança. Apesar de ainda não ser a
distância ideal, se golpeasse seu cotovelo, iria desarmá-lo
com facilidade, porém qualquer erro com esse psicopata
pode custar a vida de Elisa.
E não estou disposto a
arriscar. Então o jeito é
provocá-lo.

— Não foi na sua cama que ela dormiu. — Elisa se


move para o lado, tentando passar. Deve me achar um
completo idiota, já que ela não tem as informações que eu
tenho.

Bloqueio sua passagem e


empurro seu traseiro para
onde estava.

— Você não vai a lugar nenhum, pequena — digo


com tranquilidade e encaro Daniel com a expressão
neutra, como se não estivesse a três passos do serial killer
que estripou mais de vinte mulheres. — Nem é a sua
roupa que ela está usando. Se quiser a Elisa, vai ter que
passar por mim.

— Não toca nela, porra! — Daniel esbraveja, dando


os primeiros sinais reais do seu descontrole emocional.
Só mais um passo.

Dou risada, meio que


zombando da cara dele.

— Tarde demais, brother. Passei a noite toda


enterrado dentro dela e só não vou me enterrar de novo,
se ela não quiser. — Encolho os ombros.
— Por que não deixamos Elisa
decidir com quem ela quer ficar?
Daniel avança.

Giro o braço no ar, de baixo para cima, e acerto a


parte interna do seu antebraço com as costas da minha
mão fechada em punho. O reflexo do golpe flexiona o
cotovelo dele, amolece a mão e relaxa os dedos,
facilitando o seu desarme.

A arma cai no chão e


dispara, atingindo o teto.

Daniel encara o objeto perto da mesa, como se


estivesse revivendo o passado na sua cabeça doente.
Realmente espero que esteja, porque dessa vez o final
será diferente.

Sua breve dispersão me beneficia. Acerte um soco


na cara dele. Daniel cambaleia. Acerto outro e outro. Seu
corpo tomba para o lado. O último o derruba no chão.

Tenho que matar esse filho da puta, mas se


descarregar a arma nele será mais difícil de explicar o
barulho. Olho ao redor, e lá está ela.
Pego a faca ao lado da minha camisa que Elisa
vestia e o desgraçado cortou, e me viro para ela.

— Tenho uma dívida de vinte anos para cobrar dele.


Veste uma blusa limpa e me espera lá fora. Eu não vou
demorar. — Ela me abraça, fica na ponta dos pés e beija
minha boca.

— Promete? Beijo sua


testa.
— Prometo.

Elisa olha pela última vez para o homem que, por


muito pouco, não arruinou a vida dela e sai do quarto.
Rasgo o lençol, amarro seus braços, suas pernas, o
silencio com uma mordaça improvisada, e espero o
psicopata acordar, pois quero que ele olhe nos meus olhos
e saiba quem o mandou para o inferno.

Daniel pisca, tentando se soltar.

Com um sorriso sádico nos lábios, sento na barriga


dele, girando o cabo da faca entre os meus dedos.

— Durante vinte anos, eu vivi por esse momento


porque você matou minha namorada. Agora eu vivo para
vingar as mulheres que você matou e todo o mal que fez a
Elisa. — Seus olhos escuros refletem a maldade que
habita na alma dele. — A justiça tarda, mas não falha,
brother. Duas décadas depois, o destino decreta o seu fim,
no dia da morte das duas pessoas que morreram por
amarem um psicopata, manipulador e assassino, que
nunca amou ninguém. Cada vez que a faca entrar no seu
corpo, uma alma inocente que você destruiu, será
vingada. Pode começar a contar, desgraçado.

Encaro a lâmina de aço, que não é tão grande nem


tão afiada como o podão que Daniel usou para estripar
suas vítimas, no entanto, hoje irá servir.

Justo hoje.

E nunca mais.
Morada do Sol – Rio Grande do Norte
Uma semana depois…

Estaciono meu carro em frente à casa amarela, tiro o


cinto de segurança e olho para a mulher sentada no banco
do passageiro.

— Está tudo bem, pequena. Não precisa fazer isso


se não quiser.

Elisa encara o lugar onde


seu pai cresceu e respira
fundo.

— Eu quero conhecer minha avó, mas tenho medo


que ela não goste de mim.

Prendo uma mecha do seu


cabelo atrás da orelha e
pergunto:
— Você confia
em mim?

— Confio.

— É impossível
não gostar de
você, pequena.

A porta da casa é aberta e a senhora Narcisa passa


por ela, vindo em nossa direção. Mesmo à distância, é
possível ver seus olhos marejados. Elisa não diz nada
quando a avó abre a portão de ferro e sai na calçada, com
os braços estendidos para ela.

Apenas olha para mim, com


o olhar igualmente
molhado, fala obrigada
sem emitir nenhum som e abre a porta do carro.

— Eu volto mais
tarde pra me
despedir de
vocês.

Ela assente com um aceno


de cabeça, e vai abraçar
dona Narcisa.

A cena é emocionante e eu ficaria aqui assistindo, se


não tivesse um assunto pendente para tratar. O último.

Coloco o endereço no GPS e acelero pelas ruas de


Morada do Sol a caminho do rancho do Coronel
Venceslau Junqueira, que fica a dez quilômetros daqui.

Depois que a faca perfurou o corpo de Daniel pela


vigésima quinta vez, tomei banho, troquei de roupa,
arrumei minha mala e fui encontrar Elisa, que estava
sentada no chão do corredor.

— Vamos? — Estendi o braço para ela. Sua mão


segurou a minha e eu a ajudei a se levantar.

Sem choro, sem perguntas,


sem julgamentos. Somente
compreensão mútua,
cumplicidade, gratidão.
Eu precisava matar Daniel
Bonavides. Ela queria que
ele morresse.
Certo ou errado, quem poderá dizer?

Dois homens e uma mulher vestidos de preto,


tatuados, usando óculos de sol e piercings, estavam no
saguão do hotel à nossa espera.

— Vocês vêm comigo —


disse a ruiva. Elisa apertou
minha mão, assustada.
— Confia em mim, pequena — sussurrei em seu
ouvido, ignorando os olhares curiosos dos funcionários
do hotel, que bloqueavam os elevadores e a entrada,
inclusive o de Marylin.

Uma Hilux preta nos esperava do lado de fora.

A mulher abriu a porta traseira, Elisa entrou


primeiro, subi atrás dela e a ruiva deu a volta para se
acomodar no banco do passageiro. Um terceiro homem
dirigiu o carro em direção à saída da cidade.

— Isso é de vocês. — A mulher se virou para trás


com um envelope pardo na mão. Eu o segurei, mas não
abri. — O chefe reservou uma suíte luxo no Hotel San
Carlo, em Pedra Santa, por uma semana. Junto com a
reserva, tem uma quantia justa pelos vídeos,
considerando o transtorno causado à família Gutierrez e
todas as despesas que ele terá que arcar. — Ela abriu o
porta-luvas para que eu visse a pistola cromada com
silenciador. — O pastor Humberto agradece a estadia de
vocês em Riacho Verde, e estará em oração para que
sejam inteligentes e nunca mais apareçam aqui. Que
Deus vos abençoe.

Elisa e eu aproveitamos a estadia na suíte de todas


as formas. Foi uma semana e tanto. Mas não podíamos
fingir que aquela era a nossa realidade. Eu tinha a minha
vida em São Paulo e ela precisava de uma definição para
a dela.

Foi então que o destino mais uma vez resolveu


intervir e a senhora Narcisa me ligou para dizer que
havia pensado muito depois da nossa conversa, e
perguntou se eu tinha o contato de Elisa, pois ela queria
pedir perdão a neta e gostaria de fazer isso
pessoalmente.
Não foi difícil convencer
Elisa a vir para a casa da
avó.

Além de ser bom para as duas, esse tempo que ela


ficará por aqui e eu em São Paulo, também será
importante para descobrirmos se o sentimento que
aflorou entre nós em Riacho Verde, e se intensificou em
Pedra Santa, foi consequência do caos que
compartilhamos nas últimas semanas, ou é algo mais.

Eu tenho certeza de que é, ao menos da minha parte.


Mas preciso que Elisa descubra sozinha.

Se o futuro dela for ao meu lado, o destino se


encarregará de trazê-la para mim. Não importa quando,
como, nem por quanto tempo.
Freio diante do portão, apresento meu documento ao
segurança armado, que me anuncia ao seu chefe e libera
minha passagem para dentro do rancho.

O Coronel está à minha espera na entrada da casa


gigantesca, cercada por um jardim extremamente bem
cuidado. Ele me cumprimenta com um charuto pendurado
entre os lábios.

— Você me disse no telefone, que tinha uma


pergunta para fazer sobre a Tônia, que pode esclarecer
algumas questões sobre a morte dela. Tô curioso para
saber que pergunta é essa.

Venceslau é um homem vivido, experiente e


inteligente, e não concordou em me receber por
curiosidade, mas para se certificar de que eu não causaria
problemas.

Enfio a mão no bolso e tiro a chave que Fidel me


entregou no dia que foi ao meu apartamento, dar a notícia
da morte de João Camargo.

— O senhor sabe
me dizer se é da
Antônia?

A maneira como ele encara


o objeto, me dá sua
resposta.

Venceslau acena com a cabeça, indicando para que


eu o siga. Três salas, dois corredores, dois banheiros e
quatro portas fechadas depois, chegamos ao quarto da
filha dele, que continua exatamente do mesmo jeito.
— Ali — Ele aponta o indicador para uma caixa
amarela e lilás, em cima da penteadeira, lotada de
perfumes, bijuterias e estojos de maquiagem.
— Minha esposa fazia essas bugigangas que a Tônia
adorava. Essa foi presente de aniversário, a única que eu
não deixei ninguém abrir.

— Por quê?

— Porque era a caixa que ela guardava as coisas do


Daniel. Eu não tenho medo de fantasma, mas não me
atrevo a enfrentar o capeta.

— O senhor sabia
quem ele era. —
Não é uma
pergunta.

Venceslau fecha a porta do quarto e a tranca, tira a


chave da minha mão, joga no lixo e fala, enquanto me
acompanha até a saída:
— Eu soube quem era aquele garoto, no dia que eu
fui na casa dele para mandar o traste do Neemias dar um
corretivo no filho, e vi o Daniel mijando em cima do pai.

— O senhor não
fez nada?

O Coronel dá dois tapinhas


no meu ombro.

— Morto não reclama.


Paro de andar, boquiaberto.
— Daniel matou
o pai?

— Matou e
enganou todo
mundo. Ele tinha
quinze anos.

— O senhor
contou pra sua
filha?

— Quem você
acha que mandou
eu ir até lá falar
com o homem?

— Antônia sabia?

— Desde o
começo.
— Mesmo assim
ela ficou com
ele?

— Não é isso que


as almas gêmeas
fazem?

Deixo o rancho assolado por um misto de descrença


e exaspero. No entanto, é como se a última pedra fosse
retirada das minhas costas e agora posso caminhar sem o
peso de uma lacuna em branco que precisava ser colorida
com a verdade.

São quase cinco da tarde e meu voo para São Paulo é


daqui a três horas.

Com o coração amuado, faço o caminho de volta


para a casa da senhora Narcisa, apostando todas as
minhas fichas no meu sexto sentido, pois ele me diz que à
espera não será fácil.

Mas, no final, valerá a


pena.
Paraíso – São Paulo
Um ano depois…

Entro no táxi com uma mala, uma bolsa e um


coração explodindo dentro do peito. Juliano não sabe que
estou indo para a fazenda da sua família, onde ele está
morando há seis meses, desde que se desligou da polícia e
decidiu trabalhar com o que sempre quis.

O último ano foi de mudanças para mim. Morei com


a minha avó, fiz supletivo, me formei, me descobri, me
perdi e me reencontrei.

Cuidei da minha saúde, iniciei o tratamento para


suprimir meu sistema imunológico por conta da anemia
hemolítica e os últimos exames confirmaram que meu
organismo não rejeitou a medicação.

Os cuidados serão para a


vida toda, mas estou feliz,
saudável.
Durante todo esse tempo, a única coisa que não
mudou foi a saudade que sinto dele.

Conversamos quase todos os dias por telefone,


trocamos mensagens, enviamos e-mail. Falamos sobre
tudo, menos de nós e do que sentimos, como combinamos
quando nos vimos pela última vez, no aeroporto de São
Luís do Maranhão.

A última vez que tivemos notícias de Kevin, ele


estava de mudança para o Rio de Janeiro, pois descobriu
que seu telefone havia sido grampeado e dois homens o
seguiam vinte e quatro horas por dia.

Humberto passou a monitorar os passos do garoto,


depois que enterrou seu genro, assassinado por um
inimigo do passado que deixou a filha dele deformada.
Tudo por inveja e ciúme do faz-tudo da cidade, homem
de família, bom marido e cidadão exemplar. Laura já
tinha feito duas cirurgias de recontrução facial e a terceira
estava agendada para o próximo semestre.

O pastor encobriu os rastros de Daniel e guardou o


segredo do psicopata para que os dele não fossem
revelados. O desaparecimento da Claudia e da Jurema,
continuam sem explicação, mas os boatos de que as duas
foram embora da cidade porque se envolveram com
homens casados, continuam sendo fomentados para que o
desenvolvimento econômico de Riacho Verde e o
enriquecimento da família Gutierrez não parem de
crescer.

Desde o começo, eu sabia que queria ficar com


Juliano, mas precisava de um tempo para me recuperar
de tudo que aconteceu naquelas semanas. Assimilar, rever
meus passos, descobrir onde tinha errado e o que fiz para
corrigir meus erros. Aprender. Crescer. Amadurecer.
A diferença de idade nunca foi um problema para
mim, mas senti que depois do aniversário de quarenta e
um anos do Juliano, se tornou um enorme problema para
ele. Por isso, conversei com minha avó e contei que
estava com medo que Juliano me afastasse por eu ser
vinte anos mais nova.

— Vá atrás do seu homem, minha filha. E quando


vier me visitar, traga meus bisnetos.

Eu ri do seu conselho,
claro. Mas aceitei sem nem
pestanejar.

E agora estou aqui, ansiosa para reencontrar o


homem que salvou minha vida em todos os sentidos,
morrendo de medo que ele não fique feliz por eu ter
vindo sem avisar e não me queira mais, mas nutrindo a
esperança de que Juliano sinta por mim o mesmo que eu
sinto por ele.

Ligo para o seu telefone, doida para avisar que estou


chegando, mas cai na caixa postal. Tento mais duas vezes
e nada. Estranho, pois Juliano me disse que hoje iria
acompanhar a veterinária na vacinação dos cavalos.

Vinte minutos mais tarde, estou em frente aos dois


portões de madeira, completamente perdida e sem saber
para onde ir. Olho para os lados, à procura de alguém que
possa me informar se posso entrar, mas estou sozinha.

Tento mais uma vez ligar


para o Juliano e, de novo,
cai na caixa postal.
Cansada de esperar, enfio meu braço entre as estacas
grossas, abro os trincos pelo lado de dentro e entro,
mesmo sem ter sido convidada. Se ele não quisesse ser
surpreendido, que atendesse ao celular.

Sigo pela estrada de terra, que leva à uma trilha de


pedras, reconhecendo o caminho de uma foto que Juliano
me enviou da entrada principal.

Sorrio quando avisto a pick-up dele estacionada ao


lado de duas motos. Minha euforia é tão grande, que não
sei se vou conseguir me controlar quando finalmente
encontrá-lo.

No entanto, estaco no lugar, meu sorriso se desfaz e


meu coração perde algumas batidas, quando vejo Juliano
saindo da casa ao lado de uma loira alta, linda e peituda.
Então, ele também me vê e para de andar, me encarando
como se estivesse vendo um fantasma.

Esse é o momento pelo qual eu esperei, desde que


saímos do hotel em Riacho Verde. Aquele em que toda
solidão, toda dor e todo sofrimento, fazem sentido, pois
como recompensa, me trouxeram até aqui, exatamente
onde estou. O único lugar do mundo onde eu quero estar.

Juliano deixa a loira falando sozinha e vem até mim.


Largo a mala no chão e vou até ele.

Os lábios dele sorriem para


mim, os meus anseiam
pelos dele. Os braços dele
abraçam meu corpo. Meu
corpo abraça o dele.
Juliano me beija como se me amasse e, agora, tenho
certeza de que ele me ama, pois essa foi a lição mais
importante que o amor doentio de Daniel me ensinou.

O amor não é cativeiro. O


amor é liberdade.
Jadeíta: Está entre as joias mais caras do mundo. Também
conhecida como pedra dos sonhos.

Modus Operandi: Modo de agir. No mundo jurídico, é a


expressão usada para caracterizar a forma peculiar que um criminoso
tem de agir.
Grand Finale: Grande final em inglês
Buon Appetito: Bom apetite em
italiano
Women’s Health: Saúde da Mulher
em inglês

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