Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Arquitetura Urbana
As casas urbanas, térreas e assobradadas, que, colando-se umas às outras,
formaram as ruas e praças das diversas cidades brasileiras - e continuam formando,
nos núcleos urbanos que conservam seus acervos arquitetônicos históricos – apre-
sentam, em sua quase totalidade, um programa muito semelhante entre si, confor-
me tem sido enfatizado por muitos observadores e estudiosos. Construções que,
na sua maioria, apresentam-se singelas, sem afetação, como observou Lucio Cos-
ta, procurando apenas atender ao programa de morar e de trabalhar de seus pro-
prietários ou moradores. Diferenciam -se, no entanto, segundo a técnica e o mate-
Citada por Lúcio Costa em “Documentação Necessária”, Revista do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, 1, Rio de Janeiro, 1937.
Augusto da Silva Telles, “O Barroco no Brasil, análise da bi¬bliografia crítica e colocação
de pontos de consenso e de dúvidas” - (comunicação ao Colóquio Barroco Latino-America-
no, realizado em Roma, no IILA, em1980), in Revista do P.H.A.N., 19 – Rio de Janeiro, 1984.
Posterior a esta bibliografia: História Geral da Arte no Brasil, org. por Walter Zanini, textos
de Benedito Toledo e Mário Barata, S. Paulo, 1983, 2 vols. Arte no Brasil, texto de Carlos
Lemos, S. Paulo,1979, 2vols.
Sylvio de Vasconcellos, Vila Rica, Rio de Janeiro, INL, 1956, que cita Vauthier e Debret. Pau-
lo Thedim Barreto, “O Piauí e sua arquitetura” in Revista do P.H.A.N., 2, 1938. Robert Smith,
“A Arquitetura Civil no Período Colonial”, in Revista do P.H.A.N. 17, Rio de Janeiro, 1969.
Cf. nota 1.
Augusto da Silva Telles - 885
rial de que são feitas, em sua adaptação aos diferentes sítios e por uma evolução de
forma no tempo, quanto ao tratamento de seus elementos constitutivos.
I - Nas cidades localizadas na faixa litorânea, desde o Pará, o Maranhão, o
Nordeste, a Bahia, o Rio de Janeiro até o sul, a casa residencial, construída robus-
tamente de alvenaria de pedra e cal é, na sua quase totalidade, filha das portuguesas
das áreas litorâneas de Lisboa, Porto, do Minho e, mesmo, dos Açores. O uso da
cantaria ou de molduras de massa nas guarnições dos vãos, nos cunhais, nas cima-
lhas, o emprego das beira-seveiras nos beirais, assim como, a utilização nos vãos, das
vergas retas, curvas, de plena-volta, estas últimas no século XIX, são todos elementos
e formas que coexistiram aqui e em Portugal. O próprio revestimento azulejar em
edificações brasileiras do dezenove, que poderia ter precedido igual uso na Metrópo-
le, conforme propôs Santos Simões – o que seria uma influência torna-viagem, leva-
da para lá pelos “brasileiros” – poderá ser, ao contrário, mais uma influência lusa no
Brasil, conforme deduziu Dora Alcântara a partir de estudos mais recentes, baseados
em documentação, de importação de azulejos no Maranhão.
No entanto, essas mesmas edificações urbanas vão se diferenciar entre si,
quando as analisamos a partir de suas fachadas voltadas para os fundos, para os
pátios ou jardins. Normalmente essas facha¬das que se relacionam com a parte
íntima da casa, com a sala de estar, a “varanda”, e com o “correr” de serviço, apre-
sentam-se com feição muito mais leve, com domínio dos vãos, estruturadas que
são, por elementos verticais de alvenaria, e travamentos horizontais – madres e
frechais – de madeira. É no Nordeste – até o Maranhão – que estas características
se evidenciam mais generalizadamente com maior clareza. Assim, as casas do Ma-
ranhão, do Piauí e do Ceará possuem largos alpendres envolvendo todas as suas
fachadas posteriores, que funcionam como sala de estar – a varanda – do viver
doméstico, e que se estendem ao longo do puxado; alpendres totalmente protegi-
dos por caixilharias contínuas de venezianas, ou, mesmo, que são inteiramente
abertos, desguarnecidos de qualquer proteção. Os beirais são longos, balanceando
cerca de metro dos frechais, os quais, por vezes, apresentam-se baixos - conferindo
pés-direitos também baixos aos cômodos da casa - tudo, no sentido de protegê-la
da inclemência do sol, forte e agressivo, e das violentas chuvas tropicais.
Alguns inventários e estudos regionais têm sido realizados, sem que, no entan-
to, até o presente, tenha sido analisada essa arquitetura de forma crítica, em um
panorama global do acervo brasileiro. Realizados com maior extensão e detalha-
mento foram os levantamentos da arquitetura urbana de São Luís e de Alcântara no
Maranhão; de Sobral, Icó, Crato e Aracati, no Ceará; de cidades do interior de Per-
nambuco; e do acervo urbano de valor cultural do estado da Bahia, além dos in-
ventários realizados nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,
das arquiteturas das regiões dos imigrantes alemães, italianos, poloneses, et, tanto
das edificações pertencentes aos núcleos urbanos quanto as isoladas, em fazendas
J.M. dos Santos Simões, “Azulejaria no Brasil”, in Revista do P.H.A.N. 14, Rio de Janeiro, 1959.
Dora Alcântara, Azulejos portugueses em São Luiz do Maranhão, Rio de Janeiro, 1980.
886 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
A Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará realizou levantamentos exten-
sos da Arquitetura de São Luiz e Alcântara, no Maranhão, e de Icó, Aracati e Sobral no Ceará,
sob a coordenação do Arquiteto José Liberal de Castro,¬ que é autor, igualmente, do estudo
Notas Relativas à Arqui¬tetura Antiga no Ceará - tese de docência, Fortaleza,1980. Paulo
Thedim Barreto citado na nota 3. Olavo Pereira da Silva , Arquitetura Luso-Brasileira no Mara-
nhão, 1986. A FIAM, órgão do Estado de Pernambuco, tem realizado inventários da Arquitetu-
ra do interior do Estado, tendo publicado um primeiro volume: Plano de Preservação dos sítios
Históricos do Interior: Municípios do Litoral e do Circuito da Fazenda Nova, Recife, 1982.
A arquitetura de Ouro Preto foi estudada por Sylvio de Vasconcellos, Cf. nota 3.
Augusto da Silva Telles - 887
seus alpendres - à feição de casas semi-rurais do Minho - que mereciam ter uma
proteção especial, por sua excepcionalidade no acervo brasileiro; outro acervo a ser
pesquisado é o das edificações civis, urbanas, da área do vale do rio Piranga, onde
já foi levantado o acervo religioso que se mostrou do maior interesse.
Da mesma forma pode-se verificar que, enquanto em Diamantina predomi-
nam edificações assobradadas de pequeno porte que se sucedem lado a lado, com
estrutura autônoma de madeira, em que o colorido variado e rico em seus contras-
tes é um dos mais importantes componentes dessa arquitetura, a cidade do Serro,
distante poucos quilômetros, apresenta-se completamente diferente; nela, os sobra-
dos têm maiores dimensões, os elementos construtivos – cunhais, cimalhas – apre-
sentam-se fortes, comparecem varandas ladeando os sobrados, e estes não se co-
lam uns aos outros, conforme é usual na arquitetura urbana luso-brasileira, de
maneira a formar, entre eles, becos estreitos de acesso aos quintais. Evidentemente,
o visitante que chega a uma dessas cidades observa muito viva a origem comum
lusa, mas dessemelhanças igualmente existem lá em Portugal, entre norte e sul,
entre litoral e interior.10 Cremos que há urgência de ser realizado, sistematicamen-
te, um estudo comparativo desses acervos com a arquitetura de Portugal, assim
como dos acervos de cada uma dessas cidades com os das demais cidades mineiras
e com os de outras cidades brasileiras. Assim, há necessidade de ser realizado in-
ventário e estudo dos conjuntos urbanos das diversas cidades do ciclo do ouro e
dos diamantes e daquelas pelo mesmo influenciadas, como Goiás, Pirenópolis,
Pilar de Goiás, Corumbá de Goiás em Goiás; Natividade em Tocantins; São Luiz de
Paraitinga, Bananal, e vestígios ainda existentes no Vale do Paraíba, em São Paulo
e Rio de Janeiro, e as cidades da Chapada Diamantina na Bahia - Rio de Contas,
Lençóis, Andaraí etc. - assim como Cuiabá e Mato Grosso, no estado de Mato Gros-
so. Alguns inventários foram feitos há poucos anos em cidades de Goiás, pelas
equipes das “Oito Vertentes”, e também em Minas, pelas equipes da Superinten-
dência Regional do IPHAN e pelo IEPHA/MG11.
Da arquitetura urbana primitiva do planalto paulista, especialmente da cidade
de São Paulo, de taipa-de-pilão, lamentavelmente pouco se conhece, por ter sido
perdida a quase totalidade de seus exemplares, demolidos na viragem dos séculos
XIX e XX, quando a cidade tornou-se uma grande metrópole, verticalizando-se.
Documentos importantes para o conhecimento da maior parte desse acervo perdi-
do, são as fotos novecentistas do fotógrafo Militão Augusto Azevedo. Estudos de
Luiz Saia e de Carlos Lemos, feitos a partir dos poucos vestígios conhecidos, de
iconografia antiga, e de descrições documentais, mostram ter sido ela de notável
Selma Melo Miranda. “Arquitetura Religiosa no Vale do Piranga”. Revista Barroco, 13. Belo
Horizonte, 1984/5.
10
Para um melhor conhecimento da arquitetura vernacular em Portugal veja a publicação da
Associação dos Arquitetos Portugueses. Arquitectura popular em Portugal. Lisboa, 1980.
11
Oito Vertentes e dois momentos de síntese - Natividade, Goiânia, 1985. E relatório, original
datilografado, da visita a Diamantina e Serro do Prof. Arq. Edgard Greiff. Fernando Machado
Leal, “A antiga comercial Vila dos Lençóis”. In: Revista do P.H.A.N., 18, Rio de Janeiro, 1978.
888 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
Arquitetura Rural
I - Com o início da colonização, instalou-se aqui no Brasil um amplo empreendi-
mento agrícola, o da cana-de-açúcar, com a criação dos engenhos como unidades
produtoras; empreendimento que perdurou pelos séculos XVI, XVII e XVIII. Portugal já
conhecia a produção de açúcar nas ilhas dos Açores e Cabo Verde, mas aqui, com a
enorme extensão territorial, os programas tiveram de ser completamente alterados,
ajustados a uma nova realidade. O acervo arquitetônico dos engenhos, com todo seu
complexo edificado, é assunto já estudado, tanto dos pontos de vista econômico, social
e político, quanto arquitetônico.13 Na sua maior parte, os engenhos que se instalaram
no Nordeste, na Bahia, no Rio, mas, também, no litoral paulista, pertencem mais a uma
arquitetura que temos denominado erudita, feita por e para uma classe dominante,
produtora de riquezas, relacionada diretamente com a Metrópole.
II - Coetâneo igualmente do início da colonização é um outro conjunto arquite-
tônico, que foi produzido no planalto paulista, e relacionado com o movimento das
entradas e bandeiras. Edificações com caráter totalmente diferente das dos engenhos
– de taipa-de-pilão, compactas, sóbrias – essas casas ditas “bandeiristas” têm sido,
também, suficientemente inventariadas, analisadas e estudadas, tanto em seu contex-
to sócio-econômico, quanto de obra arquitetônica. Os estudos publicados por Luiz
Saia, Carlos Lemos, Aracy Amaral e Júlio Katinski14 (14) cremos terem esgotado o
conhecimento desse acervo, bem como as influências que tiveram em outros sítios,
tais como Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro.
III - No entanto, um imenso acervo da arquitetura rural de feição vernacular
existente por todo o interior brasileiro, das áreas onde a riqueza era menor, ou
daquelas mais afastadas dos polos econômicos e políticos - arquitetura despojada
e singela - tem sido, com raras exceções, pouco ou nada inventariado e muito me-
nos estudado. As edificações produzidas – apesar da ausência de um inventário
12
Luiz Saia, Morada Paulista, São Paulo, 1972. Pedro Corrêa do Lago. Militão Augusto Aze-
vedo, São Paulo nos anos de 1860 – São Paulo, Capivara, 2001.
13
Giberto Freyre. Casa Grande e Senzala, Rio de Janeiro, 1950, 2 vols. IPAC/BA - Inventário
de Proteção do Acervo Cultural, coordenaçâo Paulo O.D. Azevedo, 6 vols. Publicados.
Salvador, ¬1975/78/80/82/88. Wanderley Pinho. História de um Engenho do Recôncavo,
Rio de Janeiro, 1946. FIAM - citado na nota 7. Luiz Saia, citado na nota 12. Alberto Lamego.
O Homem e o Brejo, Rio de Janeiro, 1945, e O Homem e a Restinga, Rio de Janeiro, 1946.
Joaquim Cardozo. “Um tipo de casa rural do Distrito Federal e do estado do Rio de Janeiro”,
in Revista do P.H.A.N. 7, Rio de Janeiro, 1943. Esterzilda B. de Azevedo. Arquitetura do
açúcar, São Paulo: Nobel, 1990.
14
Luiz Saia - citado na nota 12. Carlos Lemos - citado na nota 12. Júlio Katinski. Casas Ban-
deiristas, São Paulo, 1976. Aracy Amaral. A hispanidade em São Paulo, São Paulo, 1981.
Augusto da Silva Telles - 889
15
Luiz Saia. Residências rurais do Brasil Colônia - tese de docência, São Paulo, 1958. FIAM,
citado na nota 7.
16
Paulo Thedim Barreto, citado na nota 3.
890 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
17
Ivo Porto de Menezes. Fazendas Mineiras, B. H., 1969. Carlos Lemos. Notas sobre a arqui-
tetura tradicional de são Paulo, S.Paulo, 1984. Lena Castello Branco Ferreira Costa. Arraial
e Coronéis, S.Paulo, 1978.
18
Cyro I C Lyra. Guia dos Bens Tombados – Paraná. Rio de Janeiro, 1994.