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Lorena Cristina Ramos Vianna1, Aldo Pacheco Ferreira2, Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos3,
Renato José Bonfatti4, Maria Helena Barros de Oliveira5
totalidade das relaçõ es sociais de produçã o RJ, exercendo funçõ es relacionadas dire-
e reproduçã o, ao introduzir “[...] o princípio tamente com as açõ es de Visat, atendendo
do conflito e da contradiçã o como aos critérios de inclusã o e exclusã o dos su-
constitutivos da realidade e, portanto, jeitos da pesquisa, com dois anos ou mais de
essenciais para sua compreensã o” (AZEVEDO, experiência mediante adesã o ao Termo de
2004, P. 132). Somada a essa corrente, esta
Consentimento Livre e Esclarecido pelos su-
pesquisa também está sintonizada ao jeitos da pesquisa (GASKEL, 2002); e as informa-
referencial teó rico do campo da saú de do çõ es coletadas foram submetidas à aná lise
trabalhador, que traz uma pers- pectiva de conteú do de recorte temá tico com base
inovadora de compreensão da relação em Bardin (2011). A aná lise de conteú do
saú de-trabalho ao romper política e ideolo- contou com as fases de pré-aná lise, de
gicamente com os campos da medicina do exploraçã o do material e de tratamento dos
trabalho e da saú de ocupacional, conferindo dados. Ao fim, realizaram-se a inferência e a
um olhar mais amplo e crítico sobre a tríade interpretaçã o do material.
acidente de trabalho, vigilâ ncia e prevençã o. Sobre a elaboraçã o do roteiro de entre-
Além disso, privilegia os interesses da classe vista, é importante explicitar que ele foi
trabalhadora, destacando-a como pensado e construído com base na Portaria
protagonis- ta do processo de luta pela nº 3.120/1998, que aprova a Instruçã o
garantia da saú de. Assim, o processo de Normativa de Vigilâ ncia em Saú de do
desenvolvimento do método científico Trabalhador para o Sistema Ú nico de Saú de
iniciou-se pela fase de ob- servaçã o geral (SUS), com a finalidade de definir procedi-
do tema. Em seguida, foram traçadas mentos bá sicos para o desenvolvimento das
suposiçõ es sobre a intervençã o e atençã o açõ es. Apesar de se tratar de uma Portaria
em saú de do trabalhador, e de explo- raçã o nã o tã o recente, se comparada a outras mais
teó rico-dialética pela compreensã o do atuais que sinalizam a questã o da vigilâ n-
processo histó rico das mudanças, conflitos e cia, porém de forma nã o tã o aprofundada,
transformaçõ es no campo e em sua prá tica. entende-se que ela traz em seu bojo ele-
O estudo foi desenvolvido por meio de mentos importantes para pensar o proces-
um delineamento misto e contou com a so de vigilâ ncia, tais como: conceituaçã o,
trian- gulaçã o dos dados como recurso princípios, objetivos, metodologia e infor-
metodoló - gico (MINAYO, 2010). A pesquisa, maçõ es bá sicas. A leitura e compreensã o
aprovada pelo Comitê de É tica em Pesquisa desses elementos contribuíram para a
da Fiocruz (Parecer nº 1.543.986) e pelo construçã o prévia de um quadro de cate-
Comitê de É tica em Pesquisa da Secretaria gorias e subcategorias (quadro 1) sobre o
Municipal de Saú de do Rio de Janeiro tema da Visat que, por sua vez, subsidiou
(Parecer nº 1.589.274), foi desenvolvida no a formulaçã o das questõ es do roteiro, bem
Cerest/RJ, no período de maio a setembro como serviu para a aná lise de conteú do
de 2016. As ca- tegorias analíticas da dos dados das entrevistas. As seis catego-
pesquisa e seus respec- tivos eixos de rias de aná lise do estudo foram: Vigilâ ncia
investigaçã o foram: trabalho e perfil dos em Saú de do Trabalhador; Metodologia
trabalhadores, processo saú de- da Visat; Princípios norteadores da Visat;
-doença dos trabalhadores, saú de do traba- Objetivos da Visat; Cerest do município do
lhador na atençã o bá sica, atençã o em saú de Rio de Janeiro; e Temas extras.
do trabalhador e proteçã o social.
As entrevistas foram realizadas com
cinco profissionais que compõ em o Cerest/
das açõ es de Visat’, é possível inferir que Apesar de nã o haver um documento que
essas açõ es ocorrem a partir de uma defina as açõ es preventivas, pode aconte-
demanda, emitida por algum ó rgã o pú blico cer de os profissionais realizarem algumas
ou por denú ncia anô nima, por meio da orientaçõ es preventivas.
Central de Atendimento ao Cidadã o ‘1746’.
Até chegar ao Cerest, essa demanda passa
primeiro pelo Centro de Saú de do 5. Princípios norteadores da
Trabalhador (Cesat), e que, mediante a
emissã o de uma ‘Ordem de Serviço’, repassa
Visat
para o Cerest executá -la por meio da açã o Ao fazer uma aná lise da subcategoria
de vigilâ ncia. Relata-se que apesar da sua ‘Integralidade’, é possível inferir que nã o
metodologia ser independente e variar houve consenso quanto à presença da inte-
conforme os projetos executados, existe um gralidade nas açõ es de Visat. Relata-se que
modus operandi, que seria: rece- bimento da quando o trabalhador chega ao Cerest, ele
Ordem de Serviço do Cesat, ela- boraçã o de consegue ser acolhido pela equipe, havendo
relató rio sobre a açã o e criaçã o de um o encaminhamento dele para o SUS por
processo sobre ela. Nele, inclui-se a meio da Estratégia Saú de da Família (ESF)
aplicaçã o dos dispositivos normativos, men- ou via Sistema Nacional de Regulaçã o
cionados anteriormente. Entre os projetos (Sisreg), caso ele precise de um médico
específicos realizados atualmente, estã o: os especialista. Para aqueles que nã o acreditam
eventos de massa, a questã o do amianto, o na integralida- de, defende-se que há certa
pé-direito dos imó veis nas á reas de comér- dificuldade em reconhecê-la, pois quando o
cio, a questã o do material perfurocortante. É trabalhador é encaminhado para a rede de
vá lido destacar que, no caso dos eventos de saú de via Sisreg, nã o há garantia de que ele
massa, existe um roteiro pró prio. vá ser atendido nos outros níveis de atençã o
No que diz respeito à aná lise temá tica da à saú de. Nesse sentido, fica nítido entre os
subcategoria ‘Metodologia das açõ es de pre- entrevistados que, na prá tica, nã o há
vençã o de acidentes de trabalho’, é possível realmente a integrali- dade, mas, sim, um
inferir que essa metodologia inclui a capaci- esforço para sua concre- tizaçã o, tendo em
taçã o dos sindicatos e do conselho distrital vista que ela é prejudicada principalmente
de saú de, por meio de palestras, e dos ACS pela fragilidade das articula- çõ es entre os
por intermédio dos cursos regulares que sã o diferentes setores da atençã o à saú de do
oferecidos. Apesar das açõ es preventivas trabalhador. A falta de recursos humanos
ocorrerem, em grande parte, em eventos de também prejudica a garantia da
massa, tais como Rock in Rio, carnaval, integralidade, assim como gera a perda do
entre outros, existem outras açõ es vínculo com o trabalhador. É vá lido frisar
específicas como a questã o do agrotó xico e a que tais desafios também sã o encontrados
do benzeno. Percebe-se também que essas nas açõ es de prevençã o, conforme aná lise
açõ es ocorrem no momento da açã o de de um dos entrevistados. No entanto, relata-
vigilâ ncia, sem haver um trabalho anterior se que o Cerest, de certa forma, realiza um
com o empresá rio em relaçã o à discussã o bom acolhimento quando comparado a
dos riscos aos quais os trabalhadores outros setores, visto que nã o possui, por
podem estar submetidos, exceto na atuaçã o exemplo, a necessidade de produçã o de
em eventos de massa. Tal situaçã o faz com volume de con- sulta. Além disso, existe uma
que a compreensã o que se tenha em relaçã o forte articula- çã o com a Fundaçã o Oswaldo
ao trabalho preventivo no Cerest seja na Cruz (Fiocruz) no referenciamento de
verdade entendido enquan- to um trabalho trabalhadores.
corretivo, já que a atuaçã o ocorre apó s a Ao abordar a subcategoria ‘Pluri-
existência de uma denú ncia.
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 114, P. 786-800, JUL-SET 2017
Vigilância em Saúde do Trabalhador: um estudo à luz da Portaria nº 3.120/98 793
institucionalidade’, é
possível inferir
que grande parte das relaçõ es interseto- algumas ressalvas para essa efetiva
riais ocorrem com: Ministério Pú blico do participa- çã o. Atribui-se essa dificuldade
Trabalho, articulaçã o mais forte atualmente; aos embates que existem entre o Cerest e
Delegacia Regional do Trabalho; Ministério os sindicatos e também pela compreensã o
do Trabalho e da Previdência Social; que se tem deles enquanto instâ ncia
sindica- tos; Instituto Estadual do Ambiente; tendenciosa. Outro motivo se deve ao uso de
outros Cerests; outras Secretarias; Defesa legislaçã o específi- ca por parte do Cerest,
Civil; setor de Engenharia e Arquitetura; fato este que, segundo eles, os trabalhadores
setor de Alimentos e Delegacia de Crimes têm pouco ou nenhum domínio. É
contra o Consumidor. Apesar disso, ressalta- importante destacar ainda a com- preensã o
se o in- teresse em fortalecer relaçõ es que se tem em relaçã o à Comissã o
também com: Juizado da Infâ ncia e Intersetorial de Saú de do Trabalhador
Juventude; Secretaria de ambiente; (Cist). Segundo um dos entrevistados, o
Secretaria de Trabalho e Emprego; á rea de Cerest já participou de muitos trabalhos
financiamento; univer- sidades e a Fiocruz. com a Cist, mas atualmente nã o, devido à s
Para um dos entrevis- tados, nã o se divergên- cias quanto a sua prá tica e
verifica intrassetorialidade na instituiçã o, funcionamento. Evidencia-se uma forte
considerando que dentro da pró pria comparaçã o e certo ceticismo quanto ao
subsecretaria existem vá rias supe- controle social de hoje e ao da década de
rintendências que nã o se comunicam. 1980, sob o argumento de que a sociedade
Em relaçã o à aná lise temática da subca- está mais individualizada e pouco
tegoria ‘Interdisciplinaridade’, percebe-se mobilizada para defesa dos interesses
que há um consenso com relaçã o a sua coletivos. Tal percepçã o reforça a grande
existência, e que pode ser percebido, por descrença pelo controle social nos dias de
exemplo, no fato de que os técnicos da ins- hoje, ao mesmo tempo que evoca a séria ne-
tituiçã o nã o sã o divididos por categoria, e, cessidade do seu resgate.
por isso, sã o capacitados para exercerem as
mesmas funçõ es. Apesar disso, ressalta-se o
interesse pela incorporaçã o de mais profis- 6. Objetivos da Visat
sionais de outras á reas, como é o caso dos
engenheiros, pois agregaria positivamente Ao analisar os temas extraídos da
no processo de intervençã o. Manifesta-se, subcatego- ria ‘Conhecimento da realidade
ainda, a necessidade do desenvolvimento de de saú de da populaçã o trabalhadora’, é
um trabalho mais interdisciplinar nas possível inferir que esse conhecimento é
outras superintendências. obtido principal- mente pela coleta,
Ao tratar do ú ltimo princípio norteador detecçã o e encaminha- mento de
da Visat, expresso pela subcategoria informaçõ es advindas da prá tica de Visat e
‘Controle social’, é possível inferir que há pelo contato direto com o traba- lhador no
uma fraca articulaçã o do Cerest com o seu local de trabalho. Para além do setor de
controle social. Nota-se que há a acolhimento, existem vá rias frentes de
participaçã o do trabalhador e do sindicato trabalho, bem como os subgrupos de tra-
em açõ es educativas promovi- das pela balho que auxiliam no acú mulo dessas infor-
instituiçã o e em eventos comemora- tivos. maçõ es, que estã o divididos em:
Com relaçã o aos sindicatos, ressalta-se a capacitaçã o, vigilâ ncia, atençã o integral,
articulaçã o mais pró xima com o Sindicato preceptoria e informaçã o. Apesar de nã o
dos Trabalhadores em Telecomunicaçõ es haver um sistema de informaçã o
(Sinttel), o sindicato do comércio, e o estruturado, o Cerest busca obter esse
Sindicato dos Trabalhadores em Indú strias conhecimento de vá rias formas, inclusive
de Frios (Sintrafrio); entretanto, revelam-se
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Vigilância em Saúde do Trabalhador: um estudo à luz da Portaria nº 3.120/98 795
do Trabalhador (PST) e dados da Fiocruz. das empresas, elemento este já refor- çado nas subcategorias
Evidencia-se, ainda, a tentativa de traçar um anteriores.
mapeamento do territó rio e dos processos
produtivos. No entanto, ressalta-se a dificul-
dade de realizar tal mapeamento, que
implica um trabalho de inteligência e de
mediçã o de indicadores, devido ao acú mulo
de tarefas, à carga horá ria de trabalho e à
dificuldade em obter o pleno acesso as
informaçõ es. Com relaçã o à populaçã o
trabalhadora informal, relata-se que a forma
de abordagem é dife- rente, já que essa
relaçã o necessita de um trabalho de
educaçã o maior e que depende dela para
mudar. Esse conhecimento sobre os
trabalhadores informais advém das de-
mandas dos PST locais, das clínicas da
família ou dos acidentes envolvendo essas
pessoas. Entretanto, nã o há atualmente
nenhum projeto para acompanhar esse
grupo parti- cular, exceto o trabalho sobre
agrotó xico na Serrinha do Mendanha com a
Fiocruz.
No que diz respeito à subcategoria
‘Intervenção sobre os fatores determinantes
de agravo à saú de do trabalhador’, é possível
inferir que a intervenção ocorre principalmen-
te mediante o uso dos seus dispositivos
norma- tivos. Há também o chamado
Procedimento Operacional Padrã o (POP),
que é um instru- mento criado pela
instituição, porém ainda não publicado, para
subsidiar a açã o de inspeçã o. Ressalta-se
ainda o apoio das diversas articu- laçõ es
intersetoriais e intrainstitucionais. Fica claro
que, a depender do grau de risco pre- sente
em uma empresa, a intervençã o ocorre com
a sua interdição total ou só de alguns dos
seus setores ou atividades. Em contraparti-
da, quando nã o há um risco mais explícito,
mas que imponha a necessidade de alguma
mudança, exige-se que ela seja feita em 30
dias. Com relaçã o à negociaçã o coletiva em
saú de do trabalhador, é possível notar que,
diante dos desafios na relaçã o com os
empregadores, os profissionais do Cerest
buscam sempre a negociação. Entretanto,
não se identifica nessa negociação a
participação conjunta dos traba- lhadores
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Vigilância em Saúde do Trabalhador: um estudo à luz da Portaria nº 3.120/98 797
8. Temas extras
Com a realizaçã o das
entrevistas, foi possí- vel
identificar o surgimento
de quatro novas
subcategorias. Com
relaçã o à subcategoria
‘Perfil profissional no
Cerest’, relata-se a
importâ ncia do
profissional do Cerest
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80 VIANNA, L. C. R.; FERREIRA, A. P.; VASCONCELLOS, L. C. F.; BONFATTI, R. J.; OLIVEIRA, M. H.
B.
9.Discuss
ão
Verifica-se que os profissionais da institui-
çã o compartilham dos mesmos valores e
pressupostos inerentes ao campo da Saú de
do Trabalhador, assim como seus posiciona-
mentos se assemelham quanto ao conceito
e ao papel da Visat. Quanto ao trabalho de
prevençã o, pode-se afirmar que, apesar de
ocorrer de forma pontual na esfera indivi-
dual, ele é mais perceptível em eventos de
massa (DIAS; HOEFEL, 2005). Sobre esse assunto,
Minayo-Gomez; Lacaz (2005); Lacaz (2007);
Castro et al. (2014) afirmam que o País tem
desenvolvido diversas iniciativas, como a
estruturaçã o de grupos de trabalho, regula-
mentaçõ es nacionais e locais, e articulaçõ es
inter e intrassetoriais, visando à avaliaçã o
dos riscos, preparaçã o e eventual resposta
aos acidentes que possam ocorrer durante
10. Conclusões
A partir das
entrevistas com os
técnicos do Cerest, é
possível dizer que a
institui- çã o exerce um
papel fundamental para
a garantia da saú de do
trabalhador no mu-
nicípio do Rio de
Janeiro, sendo marcada
por avanços
importantes, porém
ainda per- meada por
muitos desafios. O
interesse em
aprofundá -los sob a
ó tica da Portaria nº
3.120/1998 nã o teve o
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80 VIANNA, L. C. R.; FERREIRA, A. P.; VASCONCELLOS, L. C. F.; BONFATTI, R. J.; OLIVEIRA, M. H.
B.
Referências