Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
O inconsciente é o pilar sobre o qual se funda o edifício teórico da psicanálise. Dedicando sua
vida a estudá-lo e desvendá-lo, Freud desempenhou papel crucial nas análises que conduziu,
resultando no sucesso de boa parte delas, ao livrar os seus pacientes de dores e afetos incom-
preensíveis para a consciência. Mas estamos no século XXI. O sujeito reprimido do tempo de
Freud ainda existe? Numa época em que a injunção ao gozo se faz presente, em que a imagem
se faz mais forte que as palavras, em que o virtual faz parte da realidade, ainda podemos falar
de inconsciente? Este trabalho se propõe a analisar tais questões a partir de uma breve teoriza-
ção sobre o conceito de inconsciente.
bê-lo como uma instância psíquica de muita Estou de mudança, quero levar minhas coi-
importância, que ultrapassa o Eu. sas que são muitas, não posso levar todas e
Para ele, nem voltar depois para buscar aquelas que
restarem. Pego o máximo de peças que con-
[...] a suposição do inconsciente é legítima e sigo e saio. Uma a uma, elas vão caindo pela
[...] dispomos de numerosas provas de sua rua e não importo, não me angustio... (segun-
existência. Ela é necessária, porque os dados da cena) Estou num carro com minha mãe e
de consciência têm muitas lacunas (Freud, outras pessoas viajando para encontrar um
[1915] 2006, p. 19). lugar desconhecido. Minha mãe mostra-se
ansiosa pela chegada. Estou tranquila. Chega-
Um dos pilares da teoria psicanalítica, o mos num terreno vazio, com uma linda pai-
inconsciente nos traz outra cena (lacunas na sagem. Fico em paz, pois aqui posso construir
consciência), na qual paixões desenfreadas algo novo.
reinam sem pudor ou censura. Sua com-
provação é clínica, ou seja, escutamos seus A cada peça que cai, o desejo dessa
ruídos nos tropeços de nossos pacientes, em moça se reafirma. Ela pode prescindir dos
seus sonhos, seus sintomas e seus atos falhos, objetos, ou melhor, ela necessita perdê-los,
assim como em suas atuações e seus encon- desinvesti-los e suportar a falta que emer-
tros com o nonsense. girá, para alçar a posição de desejante,
Assistimos em nossa clínica contempo- para que possa construir um novo lugar
rânea à fragilidade do simbólico trazendo pra si. Os objetos coisas do inconsciente
muitas atuações e passagens ao ato paralela- podem se tornar representações palavras
mente ao império do imaginário em todas as e encontrar uma satisfação na linguagem,
formas de narcisismo, felicidade imposta e sem angústia.
proibição da tristeza. Vemos um ser humano E o que atuaria neste ato falho?
robotizado, preocupado com selfies de uma
alegria fingida e fugaz, sustentada por atua- Um vizinho brigão retorna ao apartamento
ções e antidepressivos. no qual vivia às turras e berros com a espo-
Contudo, continuamos seres falantes, sa, após uma separação de 10 anos. Estava
seres de falta, de desejo, de desejo tampo- descarregando as malas quando uma jovem,
nado, abafado numa injunção de felicida- que ele viu crescer, passa por ele na garagem.
de contínua. É só escutá-los em seus atos Ele a cumprimentou carinhoso e a respos-
e suas atuações de maneira atenta e cuida- ta dela foi: De novo? O que lhe trouxe um
dosa. Mesmo com o esgarçamento do te- grande constrangimento e dificuldade de ex-
cido simbólico, continuamos falando, so- plicação.
nhando, cheios de sintomas, chistes e atos
falhos. Vemos aqui a presença de um Outro
Tal constatação já seria suficiente para que ultrapassa o sujeito, que o faz co-
nos autorizar a teorizar e trabalhar com um meter gafes, dizer mais do que preten-
mais além da consciência. Contudo, em psi- dia desrespeitando normas de convívio
canálise, a comprovação da teoria, como já social e ir além tangenciando uma outra
foi dito aqui, é clínica. verdade, que insiste em se manifestar,
Passemos, então, à análise de alguns frag- malgrado a vontade consciente. Esse é o
mentos de sessão. mesmo sujeito que faz chistes, sintomas,
O que estaria em ação neste sonho no comete enganos, trocas e sonha. Em psi-
final da análise de uma analisanda obses- canálise nós o chamamos de INCONS-
siva? CIENTE.