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RADIAÇÃO E SUA INTERAÇÃO COM A MATÉRIA

SIMULANDO UMA RADIOGRAFIA

Wendel Vaccani Souza


Roberto Meigikos

maior que 16 eV) interage com a matéria,


1 INTRODUÇÃO
é transferido parte ou toda a sua energia
para os átomos causando: excitação
As radiações ionizantes são de atômica e ionização. [Figura 1]
grande interesse para a humanidade em
especifico a comunidade na área da Figura 1
saúde (medicina nuclear, radioterapia
etc.) pois podem ser utilizados para
tratamento [1] tumor, câncer e outras
doenças, proporcionando uma qualidade
de vida aos pacientes. Podemos
caracterizar as a radiação ionizante como
partículas sem massa (raios x e gama) ou
com massa (elétrons, nêutrons, prótons
etc.), o onde raio X foi descoberto por
Roentgen em 1895 [2] e a radioatividade
por Becquerel 1 em 1896 [3].
Este experimento tem por objetivo Fonte: Radioproteção e dosimetria
gerar imagens através da interação da
radiação com o material que simula um As radiações eletromagnéticas
pulmão humano (similar a uma são chamadas de radiações
tomografia), utilizando material de baixo indiretamente ionizante devido a sua
custo. transferência de energia ao elétron que
Podemos estudar diversos irá provocar novas ionizações. Porém,
fenômenos que ocorrem durante a para o ocorrer esse processo, a onda
criação da imagem, os quais são: Efeito eletromagnética que não possui carga e
Compton, Efeito fotoelétrico e outros. massa de repouso ao incidir sobre um
Foi utilizado contador Geiger Muller, material deve percorrer grande espessura
uma fonte de radiação Césio 137 [Figura antes de sofrer a primeira interação. Na
12] que possui energia acima de 16 eV. qual a interação pode ser parcialmente ou
totalmente absorvidas, pode ocorrer
2 REFERENCIAL TEÓRICO também espalhamento após a interação
ou simplesmente não interagir e passar
direto. Então, devido essas condições
2.1 PRINCIPIOS BÁSICOS DA temos que considerar a probabilidade de
INTERAÇÃO DA RADIAÇÃO COM interação da radiação com a matéria que
A MATÉRIA depende diretamente do valor da sua
energia.
Quando uma radiação ionizante
(onda eletromagnética com energia

1
Becquerel descobre o fenômeno e Marie Curie
“batiza” o fenômeno de radioatividade. Uma
breve discussão pode ser vista aqui [4].
As principais interações 𝐸𝛾
excluindo as reações nucleares são: 𝐸′ 𝛾 =
1 + 𝛼(1 − cos 𝜃)
efeito fotoelétrico, efeito Compton e Onde 𝐸𝛾 é a energia do fóton incidente
produção de pares. Todas essas 𝐸𝛾
interações são chamadas de 𝛼=
𝑚𝑜 𝑐²
“catastróficas” pois em todos os casos o
fóton incidente desaparece após uma
A energia do fóton espalhado é
única interação um único átomo da
máxima para 𝜃 = 0° e mínima para 𝜃 =
matéria.
180° e a energia cinética do elétron
ejetado é máxima para este caso e é igual
2.1.1 EFEITO FOTOELÉTRICO a:
2𝛼
𝑇𝑚𝑎𝑥 = 𝐸𝛾
No caso do efeito fotoelétrico [5], 1 + 2𝛼
o fóton incidente cede toda sua energia a Em geral a direção do raio
um único elétron orbital de qualquer Compton é imprevisível pois depende da
nível de uma nuvem eletrônica do átomo geometria da interação do fóton
com o qual interage [Figura 2]. Cujo a incidente com o elétron.
Figura 3: efeito Compton
partícula é expelida com energia 𝐸𝑐 ,
deixando o átomo ionizado.

𝐸𝑐 = ℎ ∙ 𝑣 − 𝐵𝑒

Sendo h constante de Planck, 𝑣 é a


frequência da radiação e 𝐵𝑒 é a energia
de ligação do elétron orbital.
Fonte: Radioproteção e dosimetria
Figura 2: efeito fotoelétrico

2.1.3 EFEITO PRODUÇÃO DE PAR

O efeito de produção [7] de par só


pode ocorrer quando o fóton incidente
tiver energia relativamente alta ( 𝐸𝛾 >
1,022 𝑀𝑒𝑉) ocorrendo a materialização
Fonte: Radioproteção e dosimetria
da energia. Ao passar próximo ao núcleo,
fóton interage com o campo elétrico
2.1.2 EFEITO COMPTON nuclear dissipando energia e
transformando-se em um par de elétrons
No efeito Compton [6], o fóton (um negativo, outro positivo).
incidente cede parte de sua energia a um
único elétron orbital de qualquer nível da 𝛾 → 𝑒 + + 𝑒 − + 𝑒𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑎 𝑐𝑖𝑛é𝑡𝑖𝑐𝑎
nuvem eletrônica do átomo com o qual
interage [Figura 3], ionizando um átomo Se 𝐸𝛾 for superior a 1,022 𝑀𝑒𝑉 o
e aparece uma radiação espalhada par de elétrons irá receber em energia
conhecida como raio Compton de cinética.
energia inferior à do fóton incidente. O
qual a energia do fóton espalhado 𝐸′ 𝛾
será:
Figura 4: relação N° atômico com energia
Figura: Produção de pares

2.1.4 EFEITO RAYLEIGH

Em interações de fótons de baixa Fonte: Slide Radiobiologia


energia com elétrons muitos ligados, Para um número atômico igual a 20
pode ocorrer uma interação onde o (cálcio) que é o mineral presente no
átomo todo absorve o recuo e o fóton corpo humano [8] principalmente nos
praticamente não perde energia, ossos, temos a [Tabela 1] com o intervalo
mudando simplesmente sua direção. de dominância de acordo com a energia
do fóton incidente, podemos ver que o
efeito Compton tem o maior intervalo
considerando que energias acima de 10
2.2 ANÁLISE DA PROBABILIDADE MeV não encontramos normalmente em
DE OCORRÊNCIA DO EFEITO: radiações naturais apenas em
FOTOELETRICO, RAYLEIGH E aceleradores de partículas.
COMPTON
Tabela 1: Efeitos por faixa de energia
Podemos ver na [Figura 4] que a
interação do fóton com a matéria, há uma
probabilidade de predominância para o
efeito fotoelétrico que possuem fótons
com baixas energias e átomo com alto
número atômico, porém conforme a
energia do fóton cresce a dominância do
efeito fotoelétrico decai e o efeito
Compton começa dominar só que a
probabilidade do efeito Compton ocorrer
diminuir para átomos com alto número
atômico e uma probabilidade maior de Fonte: Slide Radiobiologia
acontecer para baixos números atômicos.
Aumentando mais a energia do fóton o
efeito Compton também começa cair e a
probabilidade de ocorrer a produção de
2.3 ATENUAÇÃO DA RADIAÇÃO
pares começa aumentar.

A atenuação do feixe de radiação


consiste na diminuição da intensidade da
radiação quando atravessa a matéria. A
redução da intensidade pode ser parcial
ou total e é causada pelo processo de influenciam na atenuação do feixe.
absorção e espalhamento. Por exemplo Podemos ver na [Figura 5] a relação
na radiografia, no qual os feixes de raios entre a intensidade e a espessura de dois
X atravessa o corpo e a variação da materiais A e B com números atômicos
intensidade da radiação que chega ao diferentes. Também podemos ver na
filme depende da atenuação da radiação [Figura 6] a relação entre a intensidade e
pelo corpo. a espessura de dois materiais, porém com
Fótons monoenergéticos são energias diferentes.
atenuados exponencialmente ao
atravessar o meio, cuja intensidade 𝐼𝑥 ∶ Figura 5: Relação entre intensidade e espessura c/
número atômico diferente

𝐼𝑥 = 𝐼0 𝑒 −𝜇𝑥

Onde
𝑥 é a espessura do material absorvedor
𝜇 é o coeficiente de atenuação linear
𝑒 −𝜇𝑥 é a probabilidade de o feixe de
fóton não sofrer interação ao atravessar
um absorvedor de espessura x.

O coeficiente de atenuação 𝜇 leva Fonte [15]


em consideração as contribuições Figura 6: Relação entre intensidade e espessura em
individuais de cada processo ocorrido relação a energia
durante a interação, como o efeito
fotoelétrico, Compton e produção de
pares e pode ser obtido como soma dos
coeficientes parciais de cada.

𝜇 = 𝜎𝑐 + 𝜘 + 𝜏

Onde
𝜎𝑐 coeficiente de atenuação devido ao
espalhamento Compton
Fonte [15]
𝜘 coeficiente de atenuação devido ao
efeito fotoelétrico
2.4 SEÇÃO DE CHOQUE
𝜏 coeficiente de atenuação à produção de A seção de choque representa a
pares probabilidade de uma determinada
reação ou interação ocorrer. E é definida
Podemos escrever o coeficiente de como sendo razão entre o número de
atenuação em relação a massa: eventos observados por fluxos de fótons
incidentes por unidade de tempo e por
𝜇 𝜎𝑐 𝜘 𝜏
= + + número de espalhados [Figura 7]
𝜌 𝜌 𝜌 𝜌
O fluxo incidente sobre o alvo é:
𝑁
∅𝐴 = 𝐴
A composição do material 𝐴
absorvedor (densidade e número Onde
atômico), energia e intensidade
𝑁𝐴 é o número de fótons por unidade de Figura 8: intensidade da radiação
tempo que incide por uma região cuja
área é A.

O número de átomos no material é 𝑛𝐵


será:

𝑛𝐵 = 𝐴𝑑𝑁𝐵
Onde Fonte: LFMII - Prática 2
d é a espessura do material
S superfície
𝑁𝐵 é o número de centros espalhadores
por unidade de volume no alvo 2.5 PRODUÇÃO DE IMAGEM [10]
Então podemos escrever a seção de
choque como: A produção de imagem envolve a
atenuação e absorção dos fótons. No
𝑁𝑡𝑜𝑡 qual, a densidade e o número atômico do
𝜎𝑡𝑜𝑡 = material influenciam na forma de
∅𝐴𝑛𝐵
Onde obtenção de imagem gerado através de
uma chapa de fotográfica. Podemos ver
𝑁𝑡𝑜𝑡 são números de fótons total que na [Figura 9] uma imagem produzida
interagem com o material por unidade de através interação de fótons com um
tempo pulmão real, podemos notar que há
diferenças de contrates, assim podendo
A intensidade da radiação identificar cada região do pulmão.
obedece a lei do inverso do quadrado de Porém há efeitos não desejáveis como
sua distância radial [11][ Figura 8] visto na [Figura 10] que acontece quando
ocorre o efeito Compton, que
∅𝐴 basicamente é o espalhamento dos fótons
𝛪= poluindo a imagem na chapa fotográfica.
4𝜋𝑟²
Figura 7: fluxo incidente sobre alvo
Figura 9: pulmão sem efeito Compton

Fonte: LFMII - Prática 2

Figura 10: pulmão com efeito Compton

Fonte: LFMII - Prática 2

Fonte: LFMII - Prática 2


Figura 12: material utilizado II

3 EXPERIMENTO

3.1 MATERIAL

As imagens podem ser vistas nas


Figura 11] e [Figura 12]
Fonte: LFMII - Prática 2
• Fonte radioativa: Césio-137
• Coletor: contador Geiger-Muller
• Placas de acrílico:
2,0 mm de espessura
36 cm de altura
3,0 cm de largura 3.2 EXPERIMENTO
• Pulmão
Tecidos moles: Placas de Para montar o experimento
isopor colocamos pulmão entre o coletor e a
Osso da costela: tíbia fonte radioativa [Figura 12], o contador
bovina GM foi colocado a 1,5 cm de distância.
Tecido pulmonares: Para conseguir produzir uma imagem de
borracha de silicone boa qualidade devemos coletar maior
Coração concreto airado quantidade de medidas possível. Então,
Marcapasso: chumbo utilizando um papel milimetrado que
possui 1,0 cm² cada quadrado,
Figura 11: material utilizado I possibilitou fazer pixel a pixel medições,
foram feitas medições em 1656 posições
distintas no papel milimetrado. Cada
quadrado foi exposto a radiação por 60
segundos, ou seja, relacionando cada
pixel com número de contagens
podemos então montar a imagem
relacionando cada número de eventos
(pixel) a uma cor.

3.2.1 OBSERVAÇÕES

Fonte: LFMII - Prática 2


• A distância entre a fonte e o
detector deve ser mínima e fixada
durante todo o experimento para
que os fótons transmitidos
passem somente por cada
quadrado do papel e que sejam
totalmente captados pelo
contador.
• Para achar a distância exata de o efeito Compton ocorrer aumenta.
devemos utilizar o conceito de Que está de acordo com a [Figura 4],
seção de choque e ângulo solido, aumentando a energia acima de 1022
no qual foi obtido o valor de 4,5 keV começamos ter probabilidade de
cm medido a partir da fonte. produção de par acontecer.
Como podemos ver na [Figura 13]
que foi produzido pelo experimento, no
4 ÁNALISE DE ERROS
qual foi utilizado Python [Figura 14]
para interpretar os dados (coletados
durante o experimento) e assim
Alguns possíveis erros que devem associando uma cor para cada n° de
ser considerados: [12] contagem de definindo assim uma paleta
de cor. Comparando as [Figura 11] e
• Erros Instrumentais [Figura 13] podemos facilmente
• Erros Observacionais identificar cada objeto na imagem
• Erros Ambientais digitalizada. Podemos utilizar a imagem
• Erros randômicos como um mapa de calor e associar cada
região a quantidade radiação coletada
Erro instrumental: Alinhamento pelo contador. Sabe-se que a densidade
da fonte com o contador GM do material e o número atómico
(obedecendo a regra do ângulo influenciam na atenuação
sólido). Equipamentos que não consequentemente na qualidade da
estão em perfeitas condições e imagem. Olhando a [Tabela 2]
calibrados. conseguimos entender por qual motivo
cada objeto tem sua coloração
Erro Observacional: Leitura característica e compreender o efeito da
errada das medidas, unidades atenuação nos respectivos objetos.
erradas etc. Por exemplo o marca passo
(chumbo), na [Figura 13] vemos que ele
Erros Ambientais: como o possui uma coloração bem desarmônico,
laboratório não foi isolado, podendo associar a um objeto externo
podemos ter coletado radiação de que naturalmente não faz parte da
vários elementos ali presentes, região (corpo humano) e por possuir uma
podendo então alterar densidade alta, maior será sua atenuação
significativamente o resultado. e modo que o contador irá contabilizar
somente (em média) 100 fótons
Erros randômicos: Flutuações emergentes. Observando o músculo
nas medidas (isopor), podemos notar que já um objeto
natural pois está distribuído
harmonicamente na imagem (oposto do
chumbo), vemos que a densidade é muito
5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS inferior a densidade chumbo, então seu
A [Tabela 3] ajuda a entender os poder de atenuação é muito inferior
efeitos que ocorrem durante a interação consequentemente o contador irá
do fóton com a matéria, ou seja, com contabilizar mais fótons emergentes (em
forme aumentamos a energia do fóton, a média 550).
probabilidade de ocorrer o efeito
fotoelétrico diminui e a probabilidade
Tabela 2: Material com sua densidade

Fonte: LFMII - Prática 2

Figura 13: Imagem digitalizada

Tabela 3

Fonte: LFMII - Prática 2


6 CÓDIGO
Figura 14: código para criar a imagem

utilizando radiação eletromagnética,


Para reproduzir este código (no onde foi utilizado Python para
Python) deve instalar a biblioteca range- transformar dados em cores, simulando
key-dict no computador. Para instalar um equipamento de radiografia que é
basta ir ao prompt de comando e utilizar amplamente utilizado em indústrias, área
o comando: médica, sistema de segurança etc.
pip install range-key-dict Como foi utilizado material de baixo
custo é facilmente reproduzível por
exemplo: em escolas, cursos técnicos,
7 CONCLUSÃO
feiras de ciências etc.
A física por trás do experimento é
Como esperado o experimento extremamente rica e envolve diversos
conseguiu produzir uma imagem digital
conceitos que contribui para a diminuir o espaço de 1.0 cm² para 0.5
construção de conhecimento científico cm² (ou menos) e consequência
de modo significativo. Uma sugestão aumentando a quantidade de medições.
para um futuro experimento é tentar
reproduzir uma imagem digital de maior
qualidade, uma possível modificação é

Referencias

[1] Radioproteção em Serviços de Saúde

[2] Wilhelm Röntgen e a criação dos raios X

[3] Antoine Henri Becquerel ( 1852 - 1908 )

[4] COMO BECQUEREL NÃO DESCOBRIU A RADIOATIVIDADE

[5] BASES EXPERIMENTAIS DA MECÂNICA QUÂNTICA

[6] A descoberta do efeito Compton: De uma abordagem semiclassica a uma


abordagem quantica

[7] Electron–positron pair production by photons

[ 8 ] Considerações gerais sobre a função do cálcio no organismo

[9] Demonstraçao da lei do inverso do quadrado

[10] Fundamentos da Imagem Digital

[11] ângulo sólido

[12] Tipos de Erros Experimentais

[13] Meigikos, Roberto Interação da Física das Radiações com o Cotidiano: uma
prática multidisciplinar para o Ensino de Física, 2017.

[14] LFMII - Pratica 2.pptx

[15] Caracterização de objeto simulador antropomórfico de tórax para medidas de


dose em feixes de radiologia

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