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A precariedade suprema no capitalismo do século XXI

A História decorre em ciclos longos. Depois da precariedade absoluta do século XIX


acompanhada pela miséria, pela doença, pelas migrações massivas e a repressão assassina -
tão bem expressa em Peterloo - a luta dos trabalhadores foi ganhando maturidade na teoria e
na organização.

As duas guerras mundiais geraram movimentações sociais e políticas bem como as lutas
anticoloniais; bem como a decadência da Europa, a preponderância global dos EUA. A ausência
de radicalidade e a conciliação com as forças do capitalismo, em pleno êxtase neoliberal,
coincidiram com o fim dos socialismos como objetivos salvíficos.

Vivem-se tempos em que se chama democracia a uma rotatividade de gangs políticos que
parasitam os orçamentos; em que a precariedade no trabalho e na vida campeia perante
sindicatos amorfos; em que uma gripe disseminada pelo planeta veio constituir um alicerce
para a criação de uma ordem global mais autoritária e rapace; em que o nariz, em
permanência, se situa a um palmo de um pequeno instrumento de evasão.

Considerem-se os aspetos técnicos da produção, distribuição e consumo vigentes hoje em dia,


completamente inseridos na lógica de um capitalismo globalizado e predador.

Observe-se a massa de trabalhadores, precarizados, mal pagos, manipulados pelos media e,


com os velhos direitos integrados no modelo keynesiano, deformados ou já esquecidos. E,
devidamente anestesiados por dificuldades várias, para aceitarem resultados eleitorais como
potencial alívio nas suas precárias existências.

Outro grande número de pessoas é constituído por um volume enorme de população, de


baixos rendimentos na sua grande maioria, como os reformados, os desempregados e outros,
fora do enquadramento no trabalho formal.

Essa massificação reproduz-se, no plano político e eleitoral, numa mole imensa da população
que fica de fora do pleno exercício dos seus direitos políticos, apenas com o solitário direito de

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poder votar em grupos de ungidos e, do não direito a qualquer forma de autogestão e decisão
efetiva; o direito de representação só é permitido aos quadros dos partidos, cuja qualidade e
idoneidade é, bastas vezes, duvidosa.

Hoje, o ambiente empresarial e mediático aponta para a rendabilidade, a competitividade, as


horas extraordinárias não pagas; e a aceitação, a incorporação, a submissão à “cultura” da
empresa. O mesmo ambiente, incorporando o social, aponta para a precariedade como um
incentivo ao empreendedorismo, à empresarialização, ao trabalho como independente. E,
para o papel do Estado, das suas estruturas de regulador “neutro”, com a redução da carga
fiscal das empresas, com incentivos para a produção, exportação ou redução de custos de
produção… Tudo isto, obviamente, no culto demente da competitividade, do crescimento,
cujos sacrificados são o ambiente e a Humanidade; com esta, distraída do envelhecimento
populacional, da quebra da natalidade, da insalubridade dos meios urbanos que são pasto do
sacrossanto automóvel, da mesma maneira que os meios rurais são pasto de produtos
químicos com que se pretende incrementar a produtividade.

Pretende-se um empreendedorismo dos empresários, ancorado numa massa de dívida que se


recicla, ao mesmo tempo que se acumula incessantemente, com o apoio de fundos públicos e
de uma massa fiscal sempre em crescimento. Segundo o FMI, a dívida global será da ordem
dos $ 226000 biliões; e que pode atingir cerca de um trilião, com a inclusão dos produtos
derivados. Isto é, uma dívida que se multiplica incessantemente, muito para além do razoável,
cujo único final terá de ser a sua anulação, no âmbito de um cataclismo financeiro que não
deixará incólume nenhum ser humano.

A entrega da resolução da questão da habitação ao “mercado” bem como o abandono do


transporte público conduzem a um endividamento prolongado junto do sistema financeiro,
por parte da população trabalhadora; um endividamento que contempla um bom negócio
para o sistema financeiro. Essa captura, em breve, será substancialmente aumentada com o
fim da moeda física e com o controlo total das pessoas pelo sistema financeiro globalizado; o
Big Brother somará vários pontos na captura dos seres humanos.

Sublinhe-se o papel tentacular dos Estados como estruturas de controlo social e de


reafectação de recursos para benefício dos capitalistas – nacionais ou multinacionais,
consoante o grau acumulado de desenvolvimento capitalista. Não esqueçamos que o Estado é
o monopolista nacional da aplicação da violência, com os seus militares, os seus polícias, os
seus tribunais, as suas prisões.

É nesse mesmo Estado onde atracam as classes políticas, gente sem escrúpulos, verdadeiros
vomitórios de mentiras e manipuladores de consciências, potencialmente corruptos e
traficantes de influências; e também inclui angélicas figuras que acreditam num Moisés que
fez o Mar Vermelho afogar o exército do faraó. Através de leis e despachos, processa-se a
canalização do dinheiro da punção fiscal para capitalistas, por troca com a colocação em
grupos empresariais, de mandarins habilitados no seu papel de traficantes de influências.

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Grupo parlamentar dos venturecos

Perto de uma classe política cirandam jornalistas, que têm de ser próximos do regime para
poderem viver da profissão. E, daí que tenham de estar sempre atentos ao que dimana das
suas chefias, veículos dos interesses da empresa jornalística a que pertencem e, dos grupos de
pressão que se exercem sobre os media. Tudo isso, num sector onde a precariedade é elevada,
tal como o dever de não molestar os “interesses”1.

Na base, em Portugal, está uma população empobrecida, envelhecida, que vende os seus
filhos para a emigração, incapaz de se organizar para se libertar de um empresariato sem
gabarito, que enriquece com subsídios e favores estatais, no âmbito da intermediação
efetuada pelos gangs governamentais e autárquicos, com acesso ao “pote”. Em contrapartida,
nos segmentos da economia menos atrativos para a população local, recorre-se em Portugal a
mão-de obra importada, africana e brasileira que vive nas zonas urbanas; ou, asiática, semi-
escravizada, trabalhando no Sul, na agricultura, em regiões desertificadas e envelhecidas.

A dinâmica demográfica e a diferença nos perfis da instrução em Portugal e Espanha é


reveladora da pobreza lusa, do fosso de indigência económica e educativa que separa os dois
países2… ; e que é, obviamente, muito superior na comparação entre Portugal e a Europa
transpirenaica.

1
Quando do referendo da regionalização em Portugal, a maioria da classe política era contrária, tal
como acontecia no seio do governo PS (Guterres). Quem escreve estas linhas colaborava num jornal
económico já extinto e era adepto da regionalização; e, nesse contexto perguntou ao diretor se podia
“bater” no governo e na classe política. A resposta foi lapidar: “sim, sem problemas, tenha apenas em
conta alguns empresários…”

2
Centro e periferias (3) – Portugal, uma periferia ibérica
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/06/centro-e-periferias-3-portugal-uma.html
Demografia na Europa – um mundo de desigualdades (2015-2020)
http://grazia-tanta.blogspot.com/2021/04/demografia-na-europa-um-mundo-de.html
A instrução e o modelo económico para o Sul da Europa (1)
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/03/a-instrucao-e-o-modelo-economico-para-o.html
Salários e impostos – sua evolução no século XXI
https://grazia-tanta.blogspot.com/2020/06/salarios-e-impostos-sua-evolucao-no.html
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Ainda no referente a Portugal, a gestão estatal, entregue a mafias, tem duas facetas. Numa,
cabem, por exemplo, as condenações de autarcas de Figueiró dos Vinhos que pretenderam
utilizar os fundos destinados às vítimas dos fogos de 2017 para benefício próprio; ou o caso de
um tal Vara, ligado ao PS. Se tivessem outro estatuto político estariam presos? Na outra faceta,
prisão é o que se não prefigura para um burlão de alto quilate - Ricardo Salgado - que vive,
confortável, desde a falência do BES em 2014 e, tudo indica que nunca será preso; deverá
estar escudado nas muitas “estórias” que poderá revelar sobre os gangsters dos partidos do
“arco da governação”.

O papel das classes políticas, nomeadamente dos partidos do “arco da governação”, é o de


gangs concorrentes na captura dos apoios eleitorais que lhes permitam ter acessos mediáticos
e financeiros privilegiados e, de colocarem os seus membros em empresas públicas ou,
privadas; ou ainda, incluídos nas obscuras sociedades de advogados. Os gangs procuram
também enquadrar a população no seu apoio, face à concorrência, oferecendo espetáculos
televisivos de wrestling – mesmo que vazios ou imbecilizantes; e assim, angariar posições no
aparelho de estado ou, em algumas empresas de maior gabarito.

Nesse caldo de baixa cultura surgem vidinhas do espetáculo e do verbo redondo, como um tal
Ventura que passou do comentário futebolístico para führer de um partido fascista, o Chega 3;
uma emanação semelhante ao Vox espanhol, ao AfD alemão, ao Fidez húngaro, ao PiS polaco,
à União Nacional de Marine Le Pen, entre outras excrescências.

A pandemia tem sido um elemento aproveitado para o confinamento social da população,


para o isolamento, com a utilização das forças policiais e dos media para a geração de medo,
insegurança e todos os problemas próprios de um confinamento; um medo proporcional ao
alarmismo lançado pelas classes políticas em geral. No caso português (até dia 3/2) haviam
sido tocados pelos vírus 2.8 M de pessoas, das quais 23% são ainda casos ativos, 76% estão
curados, havendo a lamentar a morte de 0.7% do volume global dos infetados. Por outro lado,
os 20000 mortos imputados ao covid-19 nos dois anos da peste correspondem a uma média de
uns 10000 anuais; isto é 8% da mortalidade total.

Para além do medo do covid-19, paralisante, há a registar, segundo o economista Eugénio


Rosa, aumentos miseráveis das remunerações (0.9%) e das pensões (0.24% a 1%), num país
que tem um dos mais baixos níveis de remunerações da Europa; e ainda o desvio para
pagamento de despesas com o covid-19, da ordem dos € 624 M de descontos para a Segurança
Social dos trabalhadores; uma hábito do regime pós-fascista com muitas décadas de prática.

3
É, sem dúvida, significativo que o regime não tenha excluído o Chega e tenha esquecido as próprias
normas constitucionais. A evidente degenerescência do regime
Artº 46 nº 4 - Não são consentidas ... organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.
Artº 160º - 1. Perdem o mandato os Deputados que: ... d) ...ou por participação em organizações racistas ou que
perfilhem a ideologia fascista.

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Perante estas atuações, não admira que tenha surgido um partido liberal (IL) preenchido por
empresários, obviamente pressionantes ansiosos para morder o Orçamento.

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