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Direito Civil III – Contratos

Professor Flávio Brilhante

Aula 06 – 21/03/2017

Revisão dos Contratos – Teoria da Imprevisão

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1. Introdução

Segundo o princípio da força obrigatória dos contratos, uma vez


concluído o contrato, este deverá permanecer incólume, imutável
em suas disposições, intangível por vontade unilateral dos
contratantes.

A obrigatoriedade forma o sustentáculo do direito contratual.


Sem a força obrigatória, a sociedade contratual estaria falida
conforme menciona o professor Sílvio Venosa.

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Contudo, a nova concepção de contrato, levando-se em
consideração a aplicação dos princípios da função social do
contrato e da boa-fé objetiva, exigem, por exceção a atenuação
do princípio geral do pacta sunt servanda.

Assim, em situações excepcionais, a doutrina e jurisprudência


tem admitido a revisão das condições contratuais por força da
intervenção judicial.

A possibilidade de intervenção judicial ocorrerá quando um


elemento inusitado e surpreendente (imprevisto) surja no curso

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do contrato, colocando em situação de extrema dificuldade um
dos contratantes, ou seja, ocasionando um onerosidade
superveniente excessiva de sua prestação.

2. Requisitos para a Revisão Judicial dos Contratos com


base na Teoria da Imprevisão

De acordo com a Professora Maria Helena Diniz, são


necessários os seguintes requisitos para a aplicação da teoria da
imprevisão (revisão judicial dos contratos)

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a) Vigência de um contrato comutativo de execução
continuada

A revisão não será possível quando o contrato assumir forma


unilateral e gratuita. O contrato deve ser bilateral, presentes o
caráter da onerosidade e o interesse patrimonial, de acordo com
a ordem natural das coisas.

Ademais, o contrato tem que ser comutativo, tendo as partes


envolvidas a total ciência quanto às prestações que envolvem a

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avença, não podendo ocorrer nos contratos que assuma a forma
aleatória.

Contudo, os contratos aleatórios têm uma parte comutativa,


como ocorre, por exemplo, como o prêmio pago pelo segurado
ao segurador. Nesse sentido, é possível rever a parte comutativa
desses contratos, nos termos do enunciado 440 da V Jornada de
Direito Civil:

440) Art. 478. É possível a revisão ou resolução


por excessiva onerosidade em contratos

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aleatórios, desde que o evento superveniente,
extraordinário e imprevisível não se relacione
com a álea assumida no contrato.

Portanto, os contratos de execução imediata, que são aqueles


em que o cumprimento ocorre imediatamente, caso da compra e
venda à vista, estão fora da aplicação da revisão judicial com
base na teoria da imprevisão, mas apenas os contratos de
execução periódica ou continuada.

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b) Alteração radical das condições econômicas no momento
da execução do contrato

c) Onerosidade excessiva de um dos contratantes

Também é preciso que ocorra a quebra do sinalagma


obrigacional, situação desfavorável a uma das partes da avença,
normalmente a parte mais fraca ou vulnerável, que assumiu a
obrigação. Essa onerosidade excessiva também é denominada
lesão objetiva ou lesão enorme.

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Importante destacar que para ser comprovada a onerosidade,
não é necessário comprovar que a outra parte auferiu vantagens,
bastando apenas que se demonstre a prova do prejuízo e o
desequilíbrio contratual.

Nesse sentido, é o enunciado 365 da IV Jornada de Direito Civil:

365 – Art. 478. A extrema vantagem do art. 478


deve ser interpretada como elemento acidental
da alteração de circunstâncias, que comporta a
incidência da resolução ou revisão do negócio

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por onerosidade excessiva, independentemente
de sua demonstração plena.

d) Imprevisibilidade e extraordinariedade daquela


modificação

A imprevisão que pode autorizar a intervenção judicial no


contrato é somente aquela que fuja completamente das
possibilidade de previsão.

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A imprevisão deverá ser um fenômeno global, que atinja a
sociedade de maneira geral, ou em um segmento palpável de
toda essa sociedade. É a guerra, a revolução e o golpe de
Estado, segundo menciona Sílvio Venosa.

Desse modo, as questões meramente subjetivas dos


contratantes não podem nunca servir de pano de fundo para
pretender uma revisão nos contratos.

Nesse contexto, cumpre esclarecer que nos casos em que a


onerosidade excessiva provém da álea normal e não de

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acontecimentos imprevisíveis, incabível se torna a revisão
contratual com base na teoria da imprevisão.

Nesse sentido, é o enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil:

366 – Art. 478. O fato extraordinário e


imprevisível causador de onerosidade excessiva
é aquele que não está coberto objetivamente
pelos riscos próprios da contratação.

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Por fim, importante destacar que a imprevisibilidade apta a
embasar a aplicação da teoria da imprevisão deve ser
interpretada não apenas quanto aos fatos, mas também quanto
as consequências desses fatos, conforme enunciado 175 da III
Jornada de Direito Civil:

175 – Art. 478: A menção à imprevisibilidade e à


extraordinariedade, insertas no art. 478 do
Código Civil, deve ser interpretada não somente
em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas

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também em relação às conseqüências que ele
produz.

No mesmo sentido, vale destacar ainda o enunciado 17 da I


Jornada de Direito Civil:

17 - Art. 317: a interpretação da expressão


“motivos imprevisíveis” constante do art. 317 do
novo Código Civil deve abarcar tanto causas de
desproporção não-previsíveis como também

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causas previsíveis, mas de resultados
imprevisíveis.

3. Teoria da Imprevisão no Código Civil de 2002

Em geral, a maior parte da doutrina aponta o art. 478 como


fundamento legal para a aplicação da Teoria da Imprevisão no
Ordenamento Jurídico brasileiro:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada


ou diferida, se a prestação de uma das partes se

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tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis,
poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Os efeitos da sentença que a decretar
retroagirão à data da citação.

Já Flávio Tartuce defende que o dispositivo legal que


fundamenta a teoria da imprevisão seria o art. 317 do CC:

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Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis,
sobrevier desproporção manifesta entre o valor
da prestação devida e o do momento de sua
execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da
parte, de modo que assegure, quanto possível, o
valor real da prestação.

Isso porque de acordo com o citado professor, o art. 478 é


voltado para a resolução do contrato, já que se encontra previsto

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neste capítulo, em virtude da onerosidade excessiva da
prestação de uma das partes provocados por fatores
imprevisíveis e extraordinários.

Nesse sentido, é o enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil:

366 – Art. 478. O fato extraordinário e


imprevisível causador de onerosidade excessiva
é aquele que não está coberto objetivamente
pelos riscos próprios da contratação.

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Contudo, de acordo com o entendimento majoritário, o citado art.
478 deve ser interpretado como dispositivo legal capaz de gerar
a revisão do contrato de forma a garantir a preservação dos
acordos.

Nesse sentido, é o enunciado 176 da III Jornada de Direito Civil:

176 – Art. 478: Em atenção ao princípio da


conservação dos negócios jurídicos, o art. 478
do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre

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que possível, à revisão judicial dos contratos e
não à resolução contratual.

4. Revisão Contratual no Código de Defesa do Consumidor

Na esfera contratual, o CDC prevê que uma simples onerosidade


excessiva ao consumidor poderá ensejar a chamada revisão
contratual por fato superveniente:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


(...)

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V - a modificação das cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais ou
sua revisão em razão de fatos supervenientes
que as tornem excessivamente onerosas;

Assim, de acordo com o dispositivo legal, é possível a revisão


dos contrato, desde que presente um fator superveniente que
trouxesse ao negócio um desiquilíbrio de forma a produzir uma

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onerosidade excessiva, não necessitando da prova de uma
imprevisibilidade.

De acordo com Nelson Nery Jr., para que o consumidor tenha


direito a revisão do contrato, basta que haja onerosidade
excessiva decorrente de fato superveniente, não sendo
necessária a presença da imprevisibilidade.

Assim, entende-se que o CDC adotou outra técnica para a


revisão do contrato: a simples onerosidade excessiva, que tem
como embrião a teoria da equidade contratual, que é motivada

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pela busca, em todo o momento, de um ponto de equilíbrio dos
contratos.

5. Jurisprudência sobre a Teoria da Imprevisão

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL -


DIREITO CIVIL - TEORIA DA IMPREVISÃO E
TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA -
HIPÓTESES DE CABIMENTO - AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DO DESEQUILÍBRIO
ECONÔMICO-FINANCEIRO NO

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INSTRUMENTO CONTRATUAL - SÚMULA 7
DO STJ - 1- Esta Corte Superior sufragou o
entendimento de que a intervenção do Poder
Judiciário nos contratos, à luz da teoria da
imprevisão ou da teoria da onerosidade
excessiva, exige a demonstração de
mudanças supervenientes nas circunstâncias
iniciais vigentes à época da realização do
negócio, oriundas de evento imprevisível

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(teoria da imprevisão) ou de evento
imprevisível e extraordinário (teoria da
onerosidade excessiva). (...) (STJ - AGInt-REsp
1.316.595 - (2012/0062578-7) - 4ª T. - Rel. Min.
Luis Felipe Salomão - DJe 20.03.2017 - p. 1619)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - SISTEMA


FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH) -
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA -

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RENEGOCIAÇÃO DO CONTRATO -
DESEMPREGO - TEORIA DA IMPREVISÃO –
(...). 2- "Para cogitar a incidência da teoria da
imprevisão é necessária superveniência de
fato extraordinário e de caráter geral que
torne a obrigação excessivamente onerosa e
sacrificante ao devedor, importando um
proveito muito alto para o credor.
Desemprego, divórcio, separação de fato,

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redução de renda, entre outras circunstâncias
adversas que interferem na saúde financeira
do devedor, não dão ensejo à revisão
contratual com base na teoria da imprevisão,
pois são fatos naturais da vida e, não,
extraordinários, integrando o risco de
qualquer contrato, especialmente
financiamentos longos, como na hipótese
dos autos." (TRF2, 8ª Turma Especializada, AG

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00056576620164020000, Rel. Des. Fed.
MARCELO PEREIRA DA SILVA, E-DJF2R
11.10.2016). (...) (TRF-2ª R. - AI 0010074-
62.2016.4.02.0000 - 5ª T.Esp. - Rel. Ricardo
Perlingeiro - DJe 16.02.2017 - p. 164)

AÇÃO ORDINÁRIA - LICITAÇÃO E PRAZO DE


ENTREGA CONTRATUAL - PEDIDO DE
DILAÇÃO DE PRAZO - MOTIVO JUSTIFICADO

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- POSSIBILIDADE ( LEI Nº 8666/93, ART. 57, §
1º, INC. II ) - SUPERVENIÊNCIA DE FATO
EXCEPCIONAL - OCORRÊNCIA - 1- O autor
adimpliu parte do contrato, o fornecimento do
lote 5, entregando 36 monitores LCD 15, no
entanto com relação ao lote 04, referente aos
monitores LCD 17, estes não foram entregues
na data aprazada, ocasião em que justificou,
apontando que o atraso decorreu por motivos

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alheios à sua vontade e sim de terceiros, no
caso, o fabricante "Samsung Eletrônica da
Amazônica Ltda.", o que demonstra que os
atrasos decorrentes de ato não imputáveis à
contratada não poderia gerar a incidência das
penalidades prevista na cláusula contratual.
2- A hipótese dos autos se amolda
efetivamente à teoria da imprevisão, eis que a
ocorrência foi externa ao contrato,

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imprevisível, inevitável e superveniente de
molde a impor-se a prorrogação do prazo
pretendido pelo autor (...) (TRF-3ª R. - AC
0000221-16.2008.4.03.6100/SP - 4ª T. - Rel.
Des. Fed. Marcelo Saraiva - DJe 19.01.2017 - p.
564)

APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS A


EXECUÇÃO - LOCAÇÃO - DEVOLUÇÃO
ANTECIPADA DOS IMÓVEIS - MULTA

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CONTRATUAL - ONEROSIDADE EXCESSIVA -
I- A devolução antecipada dos imóveis, antes do
término do prazo estabelecido nos contratos de
locação, caracteriza descumprimento contratual
motivador de penalidades. II- É devida a multa
contratual compensatória decorrente da quebra
antecipada do contrato. III- A alegação de
onerosidade excessiva não está comprovada
nos autos, visto que não há provas de fato

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superveniente imprevisível capaz de motivar
a rescisão contratual, art. 478 do CC . IV-
Apelação desprovida. (TJDFT - Proc.
20160710054285APC - (994614) - 6ª T.Cív. -
Relª Vera Andrighi - J. 21.02.2017 )

PRESCRIÇÃO - PLANO DE SAÚDE - REVISÃO


CONTRATUAL C.C - PLEITO DE
RESTITUIÇÃO DE VALORES

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INDEVIDAMENTE COBRADOS – (...)
Possibilidade de revisão de cláusulas
contratuais que decorre do próprio sistema
jurídico (arts. 478 e 480 do CC e art. 6º, V, do
CDC ). Relativização da 'pacta sunt servanda'.
Majoração das mensalidades do convênio
médico após os 60 anos. Inadmissibilidade.
(...) (TJSP - Ap 1110075-95.2014.8.26.0100 -

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São Paulo - 7ª CDPriv. - Rel. Rômolo Russo -
DJe 07.03.2017 )

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