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Governança Ambiental e Economia Verde
Governança Ambiental e Economia Verde
ARTIGO ARTICLE
Governança ambiental e economia verde
Abstract The Rio+20 Conference will mobilize Resumo A Conferência Rio+20 mobiliza a co-
the global community in 2012 to participate in a munidade global em 2012 para participar de um
challenging debate on the global environmental desafiador debate sobre a realidade ambiental glo-
reality and the existing modus operandi with re- bal e modus operandi existente quanto à temáti-
spect to the broad and generic topics of develop- ca ampla e genérica do desenvolvimento e do am-
ment and the environment. One of the core biente. Um dos temas estruturantes desta reu-
themes of this meeting is the transition to a green nião é a transição para uma economia verde no
economy in the context of sustainable develop- contexto do desenvolvimento sustentável e da er-
ment and the eradication of poverty. The issue of radicação da pobreza. O tema da Governança
Global Environmental Governance will top the Ambiental Global um dos carros chefe do debate
agenda of the Rio +20 discussions, with a view to na Rio+20, no intuito de promover e acelerar a
promoting and accelerating the transition to sus- transição rumo a sociedades sustentáveis, confi-
tainable societies. It presents, often in a contro- gura a construção muitas vezes, de forma contro-
versial way, the creation of conditions to define versa, das condições para a definição de novos
new institutional spaces and shared decision- espaços institucionais e processos decisórios com-
making processes. Before embarking on the dis- partilhados. Este artigo propõe aos leitores uma
cussion about what king of sustainability should reflexão para discutir que tipo de sustentabilida-
be behind the Green Economy, and its applicabil- de está por trás da economia verde, a sua aplica-
ity, the scope of this article is to ask readers to bilidade e o que deva ser priorizada na discussão
reflect on what should be the priority in the dis- de governança ambiental. Isto se explica na medi-
cussion on environmental governance This should da em que existe a necessidade de mudar os meca-
be explained to the extent that there is a need to nismos de utilização dos recursos, profundamen-
change the existing mechanisms of profoundly te injustos, e que impedem avanços nos processos
1
Faculdade de Educação, unequal exploitation of resources, which blocks decisórios, pois as decisões de poucos tem configu-
Universidade de São Paulo. progress in decision-making processes, as deci- rado uma lógica perversa de expropriação de re-
Av. da Universidade 308,
sions of the few create a perverse logic of appro- cursos naturais e não resolução da exclusão soci-
Cidade Universitária.
05508-900 São Paulo SP. priation of natural resources and the non-reso- al.
prjacobi@usp.br lution of social exclusion. Palavras-chave Economia verde, Governança,
2
Escola de Artes, Ciências e
Key words Green economy, Governance, Eco- Economia ecológica, Recursos naturais, Rio+20
Humanidades,
Universidade de São Paulo logical economy, Natural resources, Rio+20
(EACH-USP).
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Jacobi PR, Sinisgalli PAA
tram as limitações do governo e a necessidade de as políticas, que faça com que as pessoas acredi-
fortes laços com os governos locais, o setor privado tem nelas e a dimensão ambiental. A Governan-
e as organizações sociais. ça Ambiental não pode ser entendida, apenas,
Como Richard e Rieu7 afirmam, no lugar de como uma construção ideológica, mas como exer-
ser sustentada seja pelo estado ou pelo mercado, cício deliberado e contínuo de desenvolvimento
a governança sociopolítica gera novas formas de de práticas cujo foco analítico está na noção de
interação que baseadas numa visão da comple- poder social que media as relações entre Estado,
mentaridade entre o governo e a sociedade e pode Sociedade Civil, os mercados e o meio ambiente.
promover compartilhamento de responsabilida- Aqui se adota uma visão que identifica todos
de e accountability entre atores públicos, priva- os esforços relacionados com a construção cul-
dos e o ambiente. tural para articular teorias, agendas, sujeitos e
Isto demanda fortalecimento da cooperação potencialidades, construção de alianças e coope-
e inovação na negociação de conflitos entre múl- ração, além de acumular energia para romper
tiplos atores, enfatizando práticas participativas com as abordagens verticais e estanques das ati-
e coordenação entre políticas públicas e atores vidades humanas e transcender aquelas que se
da sociedade civil5,8,9. baseiam na supremacia do mercado.
Observa-se que a participação enquanto Esta noção transcende, portanto, uma abor-
componente da ampliação da esfera pública tem dagem de caráter técnico-institucional e se insere
colocado uma demanda à sociedade quanto a no plano das relações de poder e do fortaleci-
obter uma maior influência sobre o Estado, tan- mento de práticas de controle social e constitui-
to como sua limitação, assumindo que a auto- ção de públicos participativos6,10.
nomia social supõe transcender as assimetrias Situações de conflito e de assimetrias de po-
na representação social, assim como modificar der são frequentes nos mecanismos mais rele-
estas em favor de uma maior auto-organização vantes para assuntos ambientais no Brasil: os
social. conselhos de meio ambiente em níveis federal,
A constituição destas esferas públicas simul- estadual e municipal, os relatórios de impacto
taneamente com a ampliação do espectro de pro- ambiental as audiências públicas e os comitês de
blemas tratados publicamente, destacando o bacias hidrográficas. Nessas situações, ressalta-
ambiental, está associada ao desenvolvimento de se o significado que as assimetrias de poder e
diversas formas de participação, não apenas no informação têm no processo11.
sentido de Estado que permeou a sociedade, mas Pode-se, portanto entender governança como
também no sentido de Estado permeado pela um processo que envolve tomadores de decisão e
sociedade. não tomadores de decisão, com objetivo comum:
As transformações politico-institucionais e a o problema a ser enfrentado e o desenho da ges-
ampliação de canais de representatividade dos tão ambiental, onde a participação descentraliza-
setores organizados para atuarem junto aos ór- da e corresponsável seja a tônica do processo.
gãos públicos enquanto conquista dos movimen- Pressupõe atuação em rede, atuação integrada e o
tos organizados da sociedade civil. Isto mostra a ganho de poder dos atores envolvidos na gestão,
potencialidade de constituição de sujeitos sociais interagindo com os tomadores de decisões.
identificados por objetivos comuns para trans- O fortalecimento da governança ambiental
formar a gestão da coisa pública, configurando pode ter muitas estratégias (institucionais ou não),
a construção de uma nova institucionalidade. como as arenas de negociação, as práticas educa-
Essa perspectiva abre a possibilidade de bus- tivas e a participação da sociedade civil, ferramen-
car a articulação entre a implantação de práticas tas para contribuir para o processo de constru-
descentralizadoras e uma engenharia institucio- ção de tomada de decisão compartilhada.
nal que concilia participação com heterogenei- Nas questões ambientais, os mecanismos
dade, gerando formas mais ativas de representa- para a democracia deliberativa, entendida como
tividade. modelo ou ideal de justificação do exercício do
Ao enfatizar o conceito de Governança Am- poder político pautado no debate público entre
biental se abre um estimulante espaço para re- cidadãos livres e em condições iguais de partici-
pensar as formas inovadoras de gestão, na me- pação, tem avançado. Entretanto, pouco se in-
dida em que fazem parte do sistema de gover- corporaram os grupos sociais normalmente ex-
nança: o elemento político, que consiste em ba- cluídos dos mecanismos tradicionais de delibe-
lancear os vários interesses e realidades políticas; ração como atores que têm presença nos proces-
o fator credibilidade, instrumentos que apoiem sos decisórios, o que tem se refletido na emer-
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tos de produção e – principalmente – à mercan- comuns como fatores inerentes aos processos
tilização da vida e da natureza. Estes entendem econômicos induz à necessidade de se repensar a
que Economia Verde seria a ponta de lança de distribuição desta riqueza gerada. Porém, todos
um novo ciclo do capitalismo, ou um eco-capi- estes fatores devem ser olhados à luz do entendi-
talismo, na medida em que transformaria bens mento dos limites impostos pelo próprio ambi-
comuns (como a água, a atmosfera, as florestas, ente, o que não está explicitamente incluído no
oceanos e mesmo os seres vivos) em mercadori- debate da economia verde.
as propícias à apropriação privada, à acumula- Concomitantemente, a este aspecto também
ção e à especulação. se questiona a pouca atenção dada à necessidade
Numa perspectiva menos radical, mas ainda de controle social sobre os poderes econômicos; e à
estrutural, questiona-se que a Economia Verde, necessidade de agir sobre a desigualdade e os pa-
conduzida pela lógica de mercado, tenderia a abri- drões de produção e consumo não sustentáveis.
gar predominantemente medidas superficiais, de Pela primeira vez na história do Planeta o pró-
pouca relevância, porém mais atrativas no curto prio equilíbrio do sistema climático é modifica-
prazo, gerando apenas uma ilusão de avanço do por razões fundamentalmente antrópicas, a
rumo à sustentabilidade. Além disso, mantém al- partir da emissão de gases de efeito estufa inten-
guns pressupostos questionáveis que através da sificada desde a Revolução Industrial e, sobretu-
precificação dos recursos e dos serviços ecossistê- do, desde a segunda metade do Século XX com a
micos estes seriam utilizados de forma mais efici- explosão no uso de combustíveis fósseis como
ente, garantindo a sua sustentabilidade. Entretan- base do crescimento mundial.
to, esta abordagem está ancorada na ideia de que Ignacy Sachs tem enfatizado que estamos na
os recursos naturais são ou inesgotáveis ou subs- “Era do Antropoceno”, expressão que foi popula-
tituíveis, fato que não se sustenta. rizada pelo geoquímico holandês Paul Crutzen,
Por essas mesmas razões, tender-se-ia a man- Prêmio Nobel de Química em 2002, para deter-
ter a concentração de capital, e a favorecer os mais minar as mudanças no planeta ocasionadas pelo
ricos e a impedir que soluções realmente trans- homem a partir do início da Revolução Industri-
formadoras emergissem, mantendo as causas es- al. Dentre os principais elementos por trás do ris-
truturais das desigualdades sociais e econômicas. co, destaca-se uma população mundial que deve
A visão da economia ecológica questiona os subir dos atuais 7 bilhões para 9 bilhões em mea-
pressupostos da Economia Verde sob o prisma dos do século, mas também o consumo ineficien-
do descolamento, na medida em que não se pode te e danoso de recursos, e segundo Will Steffen,
manter a perspectiva de crescimento econômico chefe do Instituto de Mudanças Climáticas da
constante, mesmo com ganhos em eficiência ener- Universidade Nacional Australiana, disse que o
gética e no uso de matérias-primas, em um pla- Antropoceno estava empurrando alguns ecossis-
neta finito. temas da Terra para “pontos sem retorno”13.
As polêmicas tem se dado em torno de dois O que um número cada vez maior de cientis-
temas, o desafio de mudanças na vida cotidiana e tas afirma é que no prazo de poucas décadas,
sua relação com o desenvolvimento sustentável, e muitos ecossistemas vitais poderiam sofrer da-
a preocupação com a expansão de uma visão que nos duradouros ou irreversíveis por causa do
enfatiza a expansão dos processos de mercantili- aquecimento provocado pelo homem. Para San-
zação da natureza e privatização dos bens comuns, tos1, a perspectiva de propor alternativas repre-
em particular os serviços ecossistêmicos. senta a passagem gradual de uma civilização an-
Uma corrente de pensamento1 que destaca a tropocêntrica para uma civilização biocêntrica,
centralidade e a defesa dos bens comuns da hu- redefinir a forma de viver com qualidade de vida,
manidade como resposta à mercantilização, à promover energias que não impliquem expul-
privatização e à financeirização da vida, implícita sões de camponeses e indígenas dos seus territó-
no conceito de economia verde, vê que esta últi- rios e desenhar políticas de transição para os
ma promoveria mais concentração de riqueza e países cujos orçamentos dependam excessiva-
poder e em maior desigualdade social. mente da extração de matérias primas.
Pode-se destacar ainda outros aspectos rele- A proposta de uma Economia Verde que pro-
vantes deste debate. Sob o ponto de vista de mer- cure direcionar o crescimento econômico para
cantilização da natureza, a ausência de referência investimento do setor público e privado na re-
econômica dos recursos e serviços ecossistêmi- dução das emissões de carbono e poluição, en-
cos é um fator que contribui ainda mais sua de- quanto utiliza de recursos de forma mais eficien-
gradação. Porém, o reconhecimento dos bens te, além de prevenir as perdas da biodiversidade
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sistema natural (os recursos e serviços ecossistê- clagem de nutrientes, formação de solo, assimi-
micos) é uma restrição relativa à expansão inde- lação de despejos, biodiversidade, além das ame-
finida do sistema econômico20,21. nidades estéticas, como a paisagem24.
Para a economia verde, na medida em que se A definição de capital natural como ativo ar-
observa a necessidade de melhoria da distribui- tificial para compor a função de produção eco-
ção de riqueza, e que esta mudança seja feita por nômica de fundamento neoclássico serviu para
uma modificação gradual da atual economia, incorporar a questão ambiental na análise eco-
pode-se observar que existem alguns pressupos- nômica. Porém o valor monetário, como pro-
tos intrínsecos a esta abordagem: a substituição posto pela Economia Verde, a ser dado a este
entre os recursos, a melhoria na eficiência tecno- capital não consegue abranger toda a gama de
lógica e a valoração do capital natural. componentes da ecosfera, bem como as suas re-
Assim, a substitutibilidade entre o capital lações, que garantem a homeostase do planeta.
natural e o capital produzido e a crença no de- O meio ambiente possui propriedades, ca-
senvolvimento tecnológico para resolver os pro- racterísticas e dinâmicas próprias, que se inter-
blemas decorrentes de escassez do recurso natu- relacionam, ou seja, é um sistema organizado,
ral são os elementos presentes no debate entre as que garante a manutenção da vida, e muitas des-
duas correntes: sustentabilidade fraca e forte. tas características não são captadas pelos preços
A sustentabilidade fraca entende que os re- de mercado25,26.
cursos naturais - ou na denominação mais perti- Outro ponto relevante quanto ao uso do ter-
nente à questão, o capital natural - são passíveis mo capital natural é que ele mantém a mesma
de substituição e, na medida em que há progres- lógica do crescimento da economia neoclássica
so tecnológico, há ampliação das possibilidades que resultou nos problemas ambientais que hoje
da reposição deste capital pelo produzido. Na enfrentamos. Dentro da economia neoclássica, a
visão da sustentabilidade forte é importante sustentabilidade pode ser alcançada, entretanto
manter o estoque de capital natural constante, é necessária uma mudança na estrutura institu-
pois não é possível sua completa substituição pelo cional, como observado na economia, contudo
capital produzido (man-made capital). o conceito de capital natural não aponta neste
Neste sentido, a correta contabilização do capi- sentido27.
tal natural e sua valoração monetária, de acordo A formação do valor monetário do capital
com Pearce et al.22, é uma ferramenta imprescin- natural, segundo Amazonas28, possui uma rela-
dível para o entendimento da sustentabilidade. ção direta e dependente da abordagem adotada.
Segundo Costanza23, somente é possível avaliar a Por um lado, na visão neoclássica, este é definido
sustentabilidade de um sistema se houver a inte- ex-ante pelas preferências individuais, que con-
gração do capital natural na contabilização do duzem à sua internalização na análise custo-be-
sistema econômico. Entretanto, o valor monetá- nefício, visando, em última instância, escalas sus-
rio de um recurso natural, que não necessaria- tentáveis de uso do recurso. Por outro, temos, na
mente está inserido no mercado, nem sempre con- visão institucional ecológica, a determinação de
segue captar todos os seus aspectos ambientais. valores com base nas características ecológicas e/
O conceito de capital natural foi introduzido ou de fluxo de energia do recurso, que define a
na discussão sobre sustentabilidade no início da sua escala, para constituírem um valor monetá-
década de noventa. Partindo da ideia de que ca- rio ex-post, dado pela atividade econômica de-
pital, na economia neoclássica, representa o es- corrente do emprego deste recurso.
toque de bens que possui a propriedade de pro- Assim, teoricamente, o valor de um bem na-
duzir outros bens e serviços no futuro, capital tural possui, em última instância, dois pontos de
natural representa os recursos renováveis, os não ancoragem: socialmente julgado e o fisicamente
renováveis, os serviços ecossistêmicos e as ame- determinado. Caso sejam integradas estas duas
nidades que o ambiente fornece para o bem-es- abordagens, talvez seja possível utilizar o concei-
tar humano. to de capital natural de uma forma adequada
Teoricamente, o capital natural representa para a transformação real de uma Economia
todos os recursos e serviços naturais utilizados Verde.
pelo homem; como as águas, o petróleo, os di- Portanto o novo arranjo conceitual, a Eco-
versos minerais, o solo, a madeira, os peixes, en- nomia Verde, expressão que para muitos não dá
tre tantos outros, bem como os processos e fun- conta dos desafios existentes, e que independen-
ções do ecossistema na composição e manuten- temente da sua denominação, indica que a tran-
ção da atmosfera e da biosfera, tais como a reci- sição para outra economia, considerando tem
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Colaboradores
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