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ARTIGO ARTICLE
Governança ambiental e economia verde

Environmental governance and the green economy

Pedro Roberto Jacobi 1


Paulo Antonio de Almeida Sinisgalli 2

Abstract The Rio+20 Conference will mobilize Resumo A Conferência Rio+20 mobiliza a co-
the global community in 2012 to participate in a munidade global em 2012 para participar de um
challenging debate on the global environmental desafiador debate sobre a realidade ambiental glo-
reality and the existing modus operandi with re- bal e modus operandi existente quanto à temáti-
spect to the broad and generic topics of develop- ca ampla e genérica do desenvolvimento e do am-
ment and the environment. One of the core biente. Um dos temas estruturantes desta reu-
themes of this meeting is the transition to a green nião é a transição para uma economia verde no
economy in the context of sustainable develop- contexto do desenvolvimento sustentável e da er-
ment and the eradication of poverty. The issue of radicação da pobreza. O tema da Governança
Global Environmental Governance will top the Ambiental Global um dos carros chefe do debate
agenda of the Rio +20 discussions, with a view to na Rio+20, no intuito de promover e acelerar a
promoting and accelerating the transition to sus- transição rumo a sociedades sustentáveis, confi-
tainable societies. It presents, often in a contro- gura a construção muitas vezes, de forma contro-
versial way, the creation of conditions to define versa, das condições para a definição de novos
new institutional spaces and shared decision- espaços institucionais e processos decisórios com-
making processes. Before embarking on the dis- partilhados. Este artigo propõe aos leitores uma
cussion about what king of sustainability should reflexão para discutir que tipo de sustentabilida-
be behind the Green Economy, and its applicabil- de está por trás da economia verde, a sua aplica-
ity, the scope of this article is to ask readers to bilidade e o que deva ser priorizada na discussão
reflect on what should be the priority in the dis- de governança ambiental. Isto se explica na medi-
cussion on environmental governance This should da em que existe a necessidade de mudar os meca-
be explained to the extent that there is a need to nismos de utilização dos recursos, profundamen-
change the existing mechanisms of profoundly te injustos, e que impedem avanços nos processos
1
Faculdade de Educação, unequal exploitation of resources, which blocks decisórios, pois as decisões de poucos tem configu-
Universidade de São Paulo. progress in decision-making processes, as deci- rado uma lógica perversa de expropriação de re-
Av. da Universidade 308,
sions of the few create a perverse logic of appro- cursos naturais e não resolução da exclusão soci-
Cidade Universitária.
05508-900 São Paulo SP. priation of natural resources and the non-reso- al.
prjacobi@usp.br lution of social exclusion. Palavras-chave Economia verde, Governança,
2
Escola de Artes, Ciências e
Key words Green economy, Governance, Eco- Economia ecológica, Recursos naturais, Rio+20
Humanidades,
Universidade de São Paulo logical economy, Natural resources, Rio+20
(EACH-USP).
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Jacobi PR, Sinisgalli PAA

Introdução que redundaria em mais concentração de rique-


za e poder e em maior desigualdade social.
A Conferência Rio+20 mobiliza a comunidade Pode-se destacar ainda outros aspectos rele-
global em 2012 para participar de um desafiador vantes deste debate. Sob o ponto de vista de mer-
debate sobre a realidade ambiental global e mo- cantilização da natureza, a ausência de referência
dus operandi existente quanto à temática ampla e econômica dos recursos e serviços ecossistêmi-
genérica do desenvolvimento e do ambiente. Esta cos é um fator que contribui ainda mais sua de-
Conferência ocorre num contexto marcado por gradação. Por outro lado, uma abordagem me-
um aumento das incertezas relacionadas com o ramente econômica não consegue captar todo o
presente quadro de degradação ambiental e da universo de valores.
necessidade de buscar, através das inovações tec- Porém, o reconhecimento dos bens comuns
nológicas e de novas formas de cooperação, sob como fatores inerentes aos processos econômi-
um ponto de vista de transição paulatina, mu- cos induz à necessidade de se repensar a distri-
danças que se fazem absolutamente estratégicas buição desta riqueza gerada. Além disso, todos
para a governança global. estes fatores devem ser olhados à luz do entendi-
Mas também se coloca a necessidade de avan- mento dos limites impostos pelo próprio ambi-
çar para além da resposta à situação preocupan- ente, o que não está explicitamente incluído no
te quanto aos problemas ambientais contempo- debate da economia verde.
râneos, na busca de avançar numa meta perma- O artigo tem como finalidade trazer ao leitor
nentemente prometida, mas não realizada: a er- o debate sobre a Governança Ambiental Global
radicação da pobreza e das desigualdades recor- como um dos carros chefe do debate, na Rio+20,
rentemente explicitadas a partir da definição das no intuito de promover e acelerar a transição
Metas do Milênio, e das questões que estão colo- rumo a sociedades sustentáveis, considerando
cadas para mudanças na lógica prevalecente da aspectos econômicos, sociais e ambientais, e suas
economia global. interações.
Um dos temas estruturantes desta reunião é a
transição para uma economia verde no contexto Governança ambiental
do desenvolvimento sustentável e da erradicação – elementos para o debate
da pobreza. O tema tem despertado muitos ques-
tionamentos e polêmicas. E a visão do Programa As aceleradas mudanças no plano social, eco-
das Nações Unidas para o Meio Ambiente enfati- nômico, tecnológico e ambiental desafiam cada
za aspectos que concebem a Economia Verde sus- vez mais as estruturas tradicionais dos governos.
tentada em três pilares: pouca intensidade em car- O uso do termo “governança” reflete o deslo-
bono, eficiente no uso dos recursos naturais; e camento nas áreas de ciências sociais e de políticas
socialmente inclusiva. A temática é recente e a pa- públicas de abordagens focadas no conceito de
lavra chave transição abre espaço para um debate governo para um conceito mais abrangente de
sobre os padrões de produção e consumo e a ne- governança que incorpora os atores não estatais.
cessidade de rever o modelo de desenvolvimento Governança é uma palavra e um conceito que
ainda prevalecente. Neste sentido, o questiona- tem se difundido muito, sendo hoje utilizado de
mento que se faz é se os pilares da economia verde forma bastante generalizada, seja no campo das
são suficientes para a efetiva erradicação da po- ideias políticas, econômicas ou científicas. Abrange
breza e garantia de sustentabilidade planetária? diferentes visões e significados, e suas múltiplas
As polêmicas tem se dado em torno de dois dimensões e usos possíveis permitem uma abor-
temas, o desafio de mudanças na vida cotidiana dagem bastante ampla.
e sua relação com o desenvolvimento sustentá- Nos anos 70, a palavra “governança” era en-
vel, e a preocupação com a ampliação de uma tendida como “governar”, e governo como pro-
visão que enfatiza a expansão dos processos de cesso. Atualmente, o termo “governança” é usa-
mercantilização da natureza e privatização dos do principalmente para indicar um novo modo
bens comuns, em particular os serviços ecossis- de governar, que difere dos modelos hierárqui-
têmicos. cos tradicionais nos quais as autoridades de es-
Mas também existe uma corrente de pensa- tado exercem controle soberano sobre as pesso-
mento1 que destaca a centralidade e a defesa dos as e grupos da sociedade civil2.
bens comuns da humanidade como resposta à Ao falarmos de governança nos referimos
mercantilização, privatização e financeirização da basicamente a um modo não hierárquico de go-
vida, implícita no conceito de economia verde, o verno, onde atores não-estatais, e diversos seg-
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mentos participam na formulação e implemen- transcende um simples conjunto de formatos de
tação de políticas públicas3. gestão. Podemos desdobrá-la em sua dimensão
O conceito de governança tem se difundido instrumental, sua dimensão de compartilhamen-
desde os anos 1980 como uma referência da to baseada na participação ampliada em todos os
modernidade da ação pública e da gestão empre- processos, o que demanda o envolvimento ativo
sarial. Os diferentes significados e aplicações nos de todas as partes interessadas (stakeholders) em
diferentes contextos possuem combinações de agendas pautadas pela busca de cooperação e con-
usos descritivos e normativos. Alguns se refe- senso. O maior desafio é de avançar na direção de
rem à governança numa escala muito ampla, acordos baseados em pontos comuns que pos-
como a usada pelas Nações Unidas ou para a sam produzir avanços nos processos de fortaleci-
governança não governamental (governança cor- mento de políticas públicas ambientais no senti-
porativa). do de reduzir os problemas provocados por ações
Para Kooiman4 o conceito de “Governança” predatórias ao ambiente. O que se tem visto atu-
se baseia em multiplicidade de atores, sua inter- almente é que esta não tem sido a dinâmica atual
dependência, objetivos compartilhados, frontei- das decisões de caráter planetário, pautado mais
ras fluídas entre público, privado e esferas asso- pelos interesses de uma minoria.
ciativas e multiplicidade de formas de ação, in- O conceito de governança refere-se ao con-
tervenção e controle5. junto de iniciativas, regras, instâncias e proces-
Outros tipos de governança têm sido utiliza- sos que permitem às pessoas, por meio de suas
dos em nível de cidades: a boa governança, que comunidades e organizações civis, a exercer o
enfatiza transparência, accountability e efetivida- controle social, público e transparente, das es-
de como condições necessárias para o sucesso de truturas estatais e das políticas públicas, por um
uma política pública e a governança multiescalar lado, e da dinâmica e das instituições do merca-
que tem o desafio de articular as ações de atores do, por outro, visando atingir objetivos comuns.
públicos independentes visando objetivos com- A literatura sobre o tema enfatiza a governança,
partilhados em diferentes níveis territoriais. como a realizada através da participação, envol-
A governança ambiental envolve todos e cada vimento e negociação de multiatores (multi-
um nas decisões sobre o meio ambiente, por meio stakeholders), da descentralização (transferindo
das organizações civis e governamentais, a fim o poder para o governo local (empowerment), da
de obter ampla e irrestrita adesão ao projeto de unidade de gestão ambiental, e de mecanismos
manter a integridade do planeta. para a resolução dos conflitos6.
O conceito se centra na transformação das A Governança Ambiental está relacionada
formas de governo e regulação que transcende com a implementação socialmente aceitável de
as tradicionais hierarquias do estado e dos siste- políticas públicas, um termo mais inclusivo que
mas de mercado. A interpretação que prevalece, governo, por abranger a relação Sociedade, Esta-
a partir desta abordagem, é que a governança do, mercados, direito, instituições, políticas e
representa um processo que decorre da articula- ações governamentais, associadas à qualidade de
ção entre formas clássicas de autoridade existentes vida bem estar, notadamente os aspectos relaci-
no estado (organização hierárquica) com aquelas onados com a saúde ambiental. Isto implica no
características do setor privado (direcionado pela estabelecimento de um sistema de regras, nor-
competição do mercado) e o setor voluntário ou mas e condutas que reflitam os valores e visões
sociedade civil(caracterizado pela ação voluntá- de mundo daqueles indivíduos sujeitos a esse
ria, recíproca e solidária dos cidadãos)6. marco normativo. A construção desse sistema é
Os críticos entendem ser uma visão idealiza- um processo participativo, e acima de tudo, de
da, pois apresenta o Estado, os mercados e a aprendizagem. O fato é que a governança no ní-
Sociedade Civil como parceiros que tem uma vel territorial tem sido associada e articulada atra-
mesma lógica, o que desconsidera as assimetrias vés de parcerias, coalizões, alianças entre diferen-
existentes. Também se questiona o fato de que tes atores em iniciativas coletivas; promovendo
em muitos casos, a noção pode escamotear a interações do governo com outros atores – setor
partir da prevalência de uma visão instrumental privado e não governamental e entre atores go-
a noção de conflito, enfatizando a importância vernamentais na medida em que segundo Kooi-
de parcerias para tornar eficaz a implementação man4 nenhum ator, público ou privado, dispõe nem
de uma política. do conhecimento nem da informação para resol-
Cabe enfatizar que ao falarmos de Governan- ver problemas complexos, dinâmicos e diversifica-
ça Ambiental nos referimos a um conceito que dos; e isto demanda interdependências, que mos-
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tram as limitações do governo e a necessidade de as políticas, que faça com que as pessoas acredi-
fortes laços com os governos locais, o setor privado tem nelas e a dimensão ambiental. A Governan-
e as organizações sociais. ça Ambiental não pode ser entendida, apenas,
Como Richard e Rieu7 afirmam, no lugar de como uma construção ideológica, mas como exer-
ser sustentada seja pelo estado ou pelo mercado, cício deliberado e contínuo de desenvolvimento
a governança sociopolítica gera novas formas de de práticas cujo foco analítico está na noção de
interação que baseadas numa visão da comple- poder social que media as relações entre Estado,
mentaridade entre o governo e a sociedade e pode Sociedade Civil, os mercados e o meio ambiente.
promover compartilhamento de responsabilida- Aqui se adota uma visão que identifica todos
de e accountability entre atores públicos, priva- os esforços relacionados com a construção cul-
dos e o ambiente. tural para articular teorias, agendas, sujeitos e
Isto demanda fortalecimento da cooperação potencialidades, construção de alianças e coope-
e inovação na negociação de conflitos entre múl- ração, além de acumular energia para romper
tiplos atores, enfatizando práticas participativas com as abordagens verticais e estanques das ati-
e coordenação entre políticas públicas e atores vidades humanas e transcender aquelas que se
da sociedade civil5,8,9. baseiam na supremacia do mercado.
Observa-se que a participação enquanto Esta noção transcende, portanto, uma abor-
componente da ampliação da esfera pública tem dagem de caráter técnico-institucional e se insere
colocado uma demanda à sociedade quanto a no plano das relações de poder e do fortaleci-
obter uma maior influência sobre o Estado, tan- mento de práticas de controle social e constitui-
to como sua limitação, assumindo que a auto- ção de públicos participativos6,10.
nomia social supõe transcender as assimetrias Situações de conflito e de assimetrias de po-
na representação social, assim como modificar der são frequentes nos mecanismos mais rele-
estas em favor de uma maior auto-organização vantes para assuntos ambientais no Brasil: os
social. conselhos de meio ambiente em níveis federal,
A constituição destas esferas públicas simul- estadual e municipal, os relatórios de impacto
taneamente com a ampliação do espectro de pro- ambiental as audiências públicas e os comitês de
blemas tratados publicamente, destacando o bacias hidrográficas. Nessas situações, ressalta-
ambiental, está associada ao desenvolvimento de se o significado que as assimetrias de poder e
diversas formas de participação, não apenas no informação têm no processo11.
sentido de Estado que permeou a sociedade, mas Pode-se, portanto entender governança como
também no sentido de Estado permeado pela um processo que envolve tomadores de decisão e
sociedade. não tomadores de decisão, com objetivo comum:
As transformações politico-institucionais e a o problema a ser enfrentado e o desenho da ges-
ampliação de canais de representatividade dos tão ambiental, onde a participação descentraliza-
setores organizados para atuarem junto aos ór- da e corresponsável seja a tônica do processo.
gãos públicos enquanto conquista dos movimen- Pressupõe atuação em rede, atuação integrada e o
tos organizados da sociedade civil. Isto mostra a ganho de poder dos atores envolvidos na gestão,
potencialidade de constituição de sujeitos sociais interagindo com os tomadores de decisões.
identificados por objetivos comuns para trans- O fortalecimento da governança ambiental
formar a gestão da coisa pública, configurando pode ter muitas estratégias (institucionais ou não),
a construção de uma nova institucionalidade. como as arenas de negociação, as práticas educa-
Essa perspectiva abre a possibilidade de bus- tivas e a participação da sociedade civil, ferramen-
car a articulação entre a implantação de práticas tas para contribuir para o processo de constru-
descentralizadoras e uma engenharia institucio- ção de tomada de decisão compartilhada.
nal que concilia participação com heterogenei- Nas questões ambientais, os mecanismos
dade, gerando formas mais ativas de representa- para a democracia deliberativa, entendida como
tividade. modelo ou ideal de justificação do exercício do
Ao enfatizar o conceito de Governança Am- poder político pautado no debate público entre
biental se abre um estimulante espaço para re- cidadãos livres e em condições iguais de partici-
pensar as formas inovadoras de gestão, na me- pação, tem avançado. Entretanto, pouco se in-
dida em que fazem parte do sistema de gover- corporaram os grupos sociais normalmente ex-
nança: o elemento político, que consiste em ba- cluídos dos mecanismos tradicionais de delibe-
lancear os vários interesses e realidades políticas; ração como atores que têm presença nos proces-
o fator credibilidade, instrumentos que apoiem sos decisórios, o que tem se refletido na emer-
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gência de múltiplos conflitos socioambientais nos seadas no aprimoramento de suas relações de-
últimos anos, notadamente relacionados com a mocráticas e na melhoria das condições de vida,
construção de usinas hidroelétricas e de obras enfatizando os aspectos que afetam diretamente
infraestruturais que afetam a vida de cidadãos. a saúde dos indivíduos, notadamente os mais
As relações entre Estado e Sociedade Civil po- pobres.
dem efetivar alianças e cooperação, entretanto Poderão representar uma possibilidade efeti-
muitas iniciativas são permeadas por conflitos que va de transformação da lógica de gestão da ad-
decorrem das assimetrias sociais e das desiguais ministração pública nos estados e municípios,
formas de organização e participação dos diver- abrindo um espaço de interlocução muito mais
sos atores envolvidos. Observa-se que nos pro- complexo e ampliando o grau de responsabili-
cessos de descentralização e cogerenciamento dos dade de segmentos que sempre tiveram partici-
recursos naturais; nos arranjos onde atores inte- pação assimétrica na gestão pública.
ragem de forma cooperativa representando di- O trabalho intersetorial se apresenta como
versos segmentos - poder público, sociedade civil uma importante contribuição, estabelecendo
organizada e iniciativa privada – existe alguma melhores condições para uma lógica cooperati-
forma de sinergia entre o poder público e a socie- va, abrindo possíveis espaços não só para a soci-
dade, que estabelece um capital social que tem edade civil, mas também para os sistemas peri-
importância nas relações entre os diversos seg- tos na gestão ambiental.
mentos, melhorando o entendimento das neces- Entende-se que um novo modelo de gover-
sidades de se manter a qualidade ambiental. nança ambiental deveria passar pelo redesenho
Os impactos das práticas participativas na das instituições governamentais de meio ambien-
gestão, apesar de controversas, apontam para uma te e, simultaneamente, incluir nas políticas seto-
nova qualidade de cidadania, que abre novos es- riais a sustentabilidade socioambiental.
paços de participação sociopolítica e influenciar
qualitativamente na transformação do estado Economia Verde
atual da governança ambiental no Brasil12. – um conceito e seus contraditórios
O conceito de governança ambiental confi-
gura a construção muitas vezes, de forma con- Um dos temas estruturantes desta reunião é a
troversa, das condições para a definição de no- transição para uma economia verde no contexto
vos espaços institucionais, para as relações entre do desenvolvimento sustentável e da erradicação
peritos e leigos, técnicos e usuários, e entre os da pobreza. O tema tem despertado muitos ques-
setores público e privado. As instâncias partici- tionamentos e polêmicas e a visão do Programa
pativas consultivas e/ou deliberativas das políti- das Nações Unidas para o Meio Ambiente enfati-
cas ambientais podem ser consideradas instân- za aspectos que concebem a Economia Verde sus-
cias abertas a essas conexões educativas, a exem- tentada em três pilares: pouca intensidade em car-
plo dos conselhos de meio ambiente, dos comi- bono, a eficiência no uso dos recursos naturais e a
tês de gestão de bacias hidrográficas e das audiên- ênfase na inclusão social. A temática é recente e a
cias públicas, que podem cumprir o papel de ser- palavra chave transição abre espaço para um de-
viço à democracia e à proteção ambiental12. bate sobre os padrões de produção e consumo e a
Mas também os encontros e eventos de arti- necessidade de rever o modelo de desenvolvimen-
culação intelectual e política em que se dê visibili- to ainda prevalecente, e seus impactos diretos na
dade e continuidade às discussões sobre a gestão saúde. A relação entre saúde e economia verde
ambiental participativa. Essas formas educati- pode ser associada com os efeitos provocados pelas
vas de engajamento na transversalidade dos gru- alterações climáticas nos diversos setores- habi-
pos, dos interesses, dos movimentos sociais, cul- tação, transporte, fontes de energia e saneamento
turais, na vida, são tessituras que flexibilizam e básico sobre a saúde, e notadamente dos setores
potencializam politicamente as estruturas rígi- mais excluídos da sociedade.
das de formação do sujeito e de seus grupos de Os movimentos sociais veem na definição
pertencimento. uma nova roupagem para o sistema econômico,
As diferentes engenharias institucionais sobre que até implicaria melhorias em áreas como efi-
as transformações em curso nos organismos co- ciência energética e gerenciamento dos recursos
legiados mostram que a implantação efetiva dos naturais, através de sua monetização, mas que
diversos instrumentos de participação pode mu- não modificaria a lógica econômica prevalecente
dar os padrões de governança, estabelecendo no- em seus fundamentos, sobretudo no tangente à
vas mediações entre Estado e sociedade civil, ba- maximização do lucro, ao rebaixamento dos cus-
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tos de produção e – principalmente – à mercan- comuns como fatores inerentes aos processos
tilização da vida e da natureza. Estes entendem econômicos induz à necessidade de se repensar a
que Economia Verde seria a ponta de lança de distribuição desta riqueza gerada. Porém, todos
um novo ciclo do capitalismo, ou um eco-capi- estes fatores devem ser olhados à luz do entendi-
talismo, na medida em que transformaria bens mento dos limites impostos pelo próprio ambi-
comuns (como a água, a atmosfera, as florestas, ente, o que não está explicitamente incluído no
oceanos e mesmo os seres vivos) em mercadori- debate da economia verde.
as propícias à apropriação privada, à acumula- Concomitantemente, a este aspecto também
ção e à especulação. se questiona a pouca atenção dada à necessidade
Numa perspectiva menos radical, mas ainda de controle social sobre os poderes econômicos; e à
estrutural, questiona-se que a Economia Verde, necessidade de agir sobre a desigualdade e os pa-
conduzida pela lógica de mercado, tenderia a abri- drões de produção e consumo não sustentáveis.
gar predominantemente medidas superficiais, de Pela primeira vez na história do Planeta o pró-
pouca relevância, porém mais atrativas no curto prio equilíbrio do sistema climático é modifica-
prazo, gerando apenas uma ilusão de avanço do por razões fundamentalmente antrópicas, a
rumo à sustentabilidade. Além disso, mantém al- partir da emissão de gases de efeito estufa inten-
guns pressupostos questionáveis que através da sificada desde a Revolução Industrial e, sobretu-
precificação dos recursos e dos serviços ecossistê- do, desde a segunda metade do Século XX com a
micos estes seriam utilizados de forma mais efici- explosão no uso de combustíveis fósseis como
ente, garantindo a sua sustentabilidade. Entretan- base do crescimento mundial.
to, esta abordagem está ancorada na ideia de que Ignacy Sachs tem enfatizado que estamos na
os recursos naturais são ou inesgotáveis ou subs- “Era do Antropoceno”, expressão que foi popula-
tituíveis, fato que não se sustenta. rizada pelo geoquímico holandês Paul Crutzen,
Por essas mesmas razões, tender-se-ia a man- Prêmio Nobel de Química em 2002, para deter-
ter a concentração de capital, e a favorecer os mais minar as mudanças no planeta ocasionadas pelo
ricos e a impedir que soluções realmente trans- homem a partir do início da Revolução Industri-
formadoras emergissem, mantendo as causas es- al. Dentre os principais elementos por trás do ris-
truturais das desigualdades sociais e econômicas. co, destaca-se uma população mundial que deve
A visão da economia ecológica questiona os subir dos atuais 7 bilhões para 9 bilhões em mea-
pressupostos da Economia Verde sob o prisma dos do século, mas também o consumo ineficien-
do descolamento, na medida em que não se pode te e danoso de recursos, e segundo Will Steffen,
manter a perspectiva de crescimento econômico chefe do Instituto de Mudanças Climáticas da
constante, mesmo com ganhos em eficiência ener- Universidade Nacional Australiana, disse que o
gética e no uso de matérias-primas, em um pla- Antropoceno estava empurrando alguns ecossis-
neta finito. temas da Terra para “pontos sem retorno”13.
As polêmicas tem se dado em torno de dois O que um número cada vez maior de cientis-
temas, o desafio de mudanças na vida cotidiana e tas afirma é que no prazo de poucas décadas,
sua relação com o desenvolvimento sustentável, e muitos ecossistemas vitais poderiam sofrer da-
a preocupação com a expansão de uma visão que nos duradouros ou irreversíveis por causa do
enfatiza a expansão dos processos de mercantili- aquecimento provocado pelo homem. Para San-
zação da natureza e privatização dos bens comuns, tos1, a perspectiva de propor alternativas repre-
em particular os serviços ecossistêmicos. senta a passagem gradual de uma civilização an-
Uma corrente de pensamento1 que destaca a tropocêntrica para uma civilização biocêntrica,
centralidade e a defesa dos bens comuns da hu- redefinir a forma de viver com qualidade de vida,
manidade como resposta à mercantilização, à promover energias que não impliquem expul-
privatização e à financeirização da vida, implícita sões de camponeses e indígenas dos seus territó-
no conceito de economia verde, vê que esta últi- rios e desenhar políticas de transição para os
ma promoveria mais concentração de riqueza e países cujos orçamentos dependam excessiva-
poder e em maior desigualdade social. mente da extração de matérias primas.
Pode-se destacar ainda outros aspectos rele- A proposta de uma Economia Verde que pro-
vantes deste debate. Sob o ponto de vista de mer- cure direcionar o crescimento econômico para
cantilização da natureza, a ausência de referência investimento do setor público e privado na re-
econômica dos recursos e serviços ecossistêmi- dução das emissões de carbono e poluição, en-
cos é um fator que contribui ainda mais sua de- quanto utiliza de recursos de forma mais eficien-
gradação. Porém, o reconhecimento dos bens te, além de prevenir as perdas da biodiversidade
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e serviços ecossistêmicos14, mostra claramente dades entre as gerações presentes e futuras; (c) e
que alguns pontos de consenso devem ser ataca- por fim, a alocação eficiente de recursos com
dos prioritariamente: adequada quantificação do capital natural. Se
1) O reconhecimento da contribuição do ca- observarmos os pressupostos chaves da Econo-
pital natural na promoção da riqueza, no senti- mia Verde, este vão ao encontro das definições
do de prevenir perdas da biodiversidade e dos de desenvolvimento sustentável.
serviços ecossistêmicos; De acordo com Daly e Towsend17, escala re-
2) A necessidade de se combater a ameaça presenta o volume físico de fluxo de energia e
representada pelas mudanças climáticas, através matéria do meio ambiente, como fonte de recur-
a redução das emissões de carbono e poluição; e, sos de baixa entropia, e a capacidade de receber
3) A redução do desperdício no uso dos re- os resíduos com alta entropia. Em outras pala-
cursos naturais, tanto no sentido de diminuição vras, representa a capacidade dos ecossistemas
da pressão sobre o ambiente, como na redução naturais em fornecer recurso para a economia e
dos resíduos gerados; absorver os resíduos de forma a não alterar sig-
De acordo com a publicação do Programa nificativamente a sua condição inicial. Por seu
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNU- turno, distribuição equitativa representa a divi-
MA), os pressupostos chaves desta nova abor- são justa de fluxo de recursos, na forma de bens
dagem são14: e serviços, para toda a população, atual e futura.
1) O esverdeamento da economia não ape- A ideia central da Economia Verde é que, o
nas proporciona crescimento de riqueza, mas conjunto de processos produtivos da sociedade
particularmente melhora o capital natural; e as transações deles decorrentes contribua cada
2) Relação intrínseca entre erradicação da po- vez mais para o desenvolvimento sustentável,
breza e melhora da manutenção e conservação tanto em seus aspectos sociais quanto ambien-
dos bens ecológicos tais. Para isso, propõe como essencial que, além
3) Novos empregos são criados, que supera- das tecnologias produtivas e sociais, sejam cria-
rão as perdas com empregos marrons. dos meios pelos quais fatores essenciais ligados à
4) O papel do capital natural e especialmente sustentabilidade socioambiental, hoje ignorada
o capital natural vivo (biodiversidade e ecossis- nas análises e decisões econômicas, passem a ser
temas) não poderá ser ultrapassado no contexto considerados.
destes pressupostos. Sob o ponto de vista econômico, para Pearce
Tomando como base estes pressupostos cha- e Turner18, a manutenção de uma economia sus-
ve, observamos que existe um papel destacado tentável depende de dois fatores: (a) do progres-
na questão do capital natural tanto no sentido so tecnológico para o melhor uso dos recursos
de reconhecimento da sua importância para a naturais (maior eficiência); e (b) na substituição
geração de riqueza quanto no estabelecimento do capital produzido pelo capital natural, sendo
do seu uso, bem como de sua manutenção. o primeiro mais produtivo, ou seja, não está in-
Para melhor entender esta questão e situar serida a questão da escala dos recursos naturais
melhor a discussão de economia verde, traremos na definição econômica. Estes dois pressupostos
para este contexto uma descrição da dicotomia condicionam as duas principais correntes do pen-
entre os sentidos econômico e ecológico do capi- samento econômico sobre a questão ambiental:
tal natural. Sustentabilidades Fraca e Forte.
O conceito de desenvolvimento sustentável, Em termos econômicos, o conceito de desen-
que dá subsídio à Economia Verde, foi descrito volvimento está vinculado à manutenção susten-
como desenvolvimento que atende as necessidades tável ou ao não declínio da capacidade de prover
do presente sem comprometer a capacidade de fu- renda (utilidade) per capita infinitamente. Em
turas gerações de atender suas próprias necessida- outras palavras, significa a manutenção do capi-
des15, mesmo sendo vago e impreciso, favoreceu tal necessário para garantir a utilidade para o
a incorporação da questão ambiental ao discur- futuro, o que implicaria também, de certa for-
so oficial. ma, em que o ambiente tivesse condições de pro-
Costanza16 observou que, nas diversas defi- ver os recursos necessários a esta condição19.
nições de desenvolvimento sustentável, três ele- Esta abordagem econômica do ambiente
mentos estão sempre presentes: (a) a questão de mostra, teoricamente, que há a possibilidade de
escala sustentável da atividade econômica em re- substitutibilidade entre capital produzido e re-
lação aos mecanismos de suporte da vida; (a) a cursos naturais, sendo que somente depende da
distribuição equitativa de recursos e oportuni- elasticidade entre eles. Além disso, indica que o
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Jacobi PR, Sinisgalli PAA

sistema natural (os recursos e serviços ecossistê- clagem de nutrientes, formação de solo, assimi-
micos) é uma restrição relativa à expansão inde- lação de despejos, biodiversidade, além das ame-
finida do sistema econômico20,21. nidades estéticas, como a paisagem24.
Para a economia verde, na medida em que se A definição de capital natural como ativo ar-
observa a necessidade de melhoria da distribui- tificial para compor a função de produção eco-
ção de riqueza, e que esta mudança seja feita por nômica de fundamento neoclássico serviu para
uma modificação gradual da atual economia, incorporar a questão ambiental na análise eco-
pode-se observar que existem alguns pressupos- nômica. Porém o valor monetário, como pro-
tos intrínsecos a esta abordagem: a substituição posto pela Economia Verde, a ser dado a este
entre os recursos, a melhoria na eficiência tecno- capital não consegue abranger toda a gama de
lógica e a valoração do capital natural. componentes da ecosfera, bem como as suas re-
Assim, a substitutibilidade entre o capital lações, que garantem a homeostase do planeta.
natural e o capital produzido e a crença no de- O meio ambiente possui propriedades, ca-
senvolvimento tecnológico para resolver os pro- racterísticas e dinâmicas próprias, que se inter-
blemas decorrentes de escassez do recurso natu- relacionam, ou seja, é um sistema organizado,
ral são os elementos presentes no debate entre as que garante a manutenção da vida, e muitas des-
duas correntes: sustentabilidade fraca e forte. tas características não são captadas pelos preços
A sustentabilidade fraca entende que os re- de mercado25,26.
cursos naturais - ou na denominação mais perti- Outro ponto relevante quanto ao uso do ter-
nente à questão, o capital natural - são passíveis mo capital natural é que ele mantém a mesma
de substituição e, na medida em que há progres- lógica do crescimento da economia neoclássica
so tecnológico, há ampliação das possibilidades que resultou nos problemas ambientais que hoje
da reposição deste capital pelo produzido. Na enfrentamos. Dentro da economia neoclássica, a
visão da sustentabilidade forte é importante sustentabilidade pode ser alcançada, entretanto
manter o estoque de capital natural constante, é necessária uma mudança na estrutura institu-
pois não é possível sua completa substituição pelo cional, como observado na economia, contudo
capital produzido (man-made capital). o conceito de capital natural não aponta neste
Neste sentido, a correta contabilização do capi- sentido27.
tal natural e sua valoração monetária, de acordo A formação do valor monetário do capital
com Pearce et al.22, é uma ferramenta imprescin- natural, segundo Amazonas28, possui uma rela-
dível para o entendimento da sustentabilidade. ção direta e dependente da abordagem adotada.
Segundo Costanza23, somente é possível avaliar a Por um lado, na visão neoclássica, este é definido
sustentabilidade de um sistema se houver a inte- ex-ante pelas preferências individuais, que con-
gração do capital natural na contabilização do duzem à sua internalização na análise custo-be-
sistema econômico. Entretanto, o valor monetá- nefício, visando, em última instância, escalas sus-
rio de um recurso natural, que não necessaria- tentáveis de uso do recurso. Por outro, temos, na
mente está inserido no mercado, nem sempre con- visão institucional ecológica, a determinação de
segue captar todos os seus aspectos ambientais. valores com base nas características ecológicas e/
O conceito de capital natural foi introduzido ou de fluxo de energia do recurso, que define a
na discussão sobre sustentabilidade no início da sua escala, para constituírem um valor monetá-
década de noventa. Partindo da ideia de que ca- rio ex-post, dado pela atividade econômica de-
pital, na economia neoclássica, representa o es- corrente do emprego deste recurso.
toque de bens que possui a propriedade de pro- Assim, teoricamente, o valor de um bem na-
duzir outros bens e serviços no futuro, capital tural possui, em última instância, dois pontos de
natural representa os recursos renováveis, os não ancoragem: socialmente julgado e o fisicamente
renováveis, os serviços ecossistêmicos e as ame- determinado. Caso sejam integradas estas duas
nidades que o ambiente fornece para o bem-es- abordagens, talvez seja possível utilizar o concei-
tar humano. to de capital natural de uma forma adequada
Teoricamente, o capital natural representa para a transformação real de uma Economia
todos os recursos e serviços naturais utilizados Verde.
pelo homem; como as águas, o petróleo, os di- Portanto o novo arranjo conceitual, a Eco-
versos minerais, o solo, a madeira, os peixes, en- nomia Verde, expressão que para muitos não dá
tre tantos outros, bem como os processos e fun- conta dos desafios existentes, e que independen-
ções do ecossistema na composição e manuten- temente da sua denominação, indica que a tran-
ção da atmosfera e da biosfera, tais como a reci- sição para outra economia, considerando tem
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Ciência & Saúde Coletiva, 17(6):1469-1478, 2012


havido um incremento qualitativo da eco-efici- importantes tomadores de decisão econômica
ência, decorrente da queda do uso de recursos ocupem o cerne da questão, e sejam assim esti-
físicos (materiais de construção, biomassa, mi- mulados a promover mudanças na forma de uso
nérios e combustíveis fósseis) deve ser baseada dos recursos sobre os quais detêm o controle
no que deva ser realmente necessário produzir, produtivo e distributivo.
de forma a não ser destrutivo para o planeta e de Talvez um dos maiores desafios que se colo-
estratégias mais sustentáveis de governança que em termos de governança esteja associado
com a ausência de mecanismos de controle social
sobre os agentes econômicos. E isto demanda
Considerações Finais encontrar meios para que o poder público (local,
nacional e global) possa direcionar a força da
Os desastres naturais e climáticos, os problemas economia conforme decisões democraticamente
ligados à segurança alimentar e dos recursos hí- tomadas pela sociedade dentro de uma perspec-
dricos, e a perda da biodiversidade são fatores tiva que incorpore os limites impostos por um
que têm se agravado e que demandam resposta planeta finito.
apropriada. Avanços na governança ambiental Trata-se de garantir que instrumentos, inclu-
precisam ser cada vez mais incorporados nos pro- sive acordos internacionais, possam ser efetiva-
cessos que envolvem os tomadores de decisão e mente conhecidos e ter a sua implementação efe-
os não tomadores de decisão com um objetivo tivada, seja pelos governos locais e nacionais,
comum: maior consenso possível quanto à for- pelas instituições da ONU e organizações finan-
ma de enfrentar os problemas ambientais que se ceiras multilaterais, como pelo setor privado. Para
multiplicam, e o desenho da gestão para a susten- tanto existe o desafio que haja um amplo com-
tabilidade, onde a participação descentralizada e partilhamento pela sociedade em geral da neces-
corresponsável sejam a tônica do processo. Pres- sidade de conhecer e mobilizar-se para reduzir
supõe atuação em rede, atuação integrada; o gan- os impactos das mudanças climáticas que tanto
ho de poder dos atores envolvidos na gestão, in- afetam as condições de vida, a qualidade ambi-
teragindo com os tomadores de decisões. ental, mas também de incrementar ações que atu-
Neste sentido, visando a melhor incorpora- em na redução das desigualdades e na melhoria
ção do conceito de economia verde integrada, das condições de saúde ambiental enfatizando
deve-se partir da governança participativa para práticas pautadas pelos princípios e diretrizes de
que o capital natural seja devidamente avaliado e sociedades sustentáveis. Isto demanda criar e
julgado, tomando como um pressuposto básico aprimorar condições de governança, local a glo-
os limites de uso e a capacidade de regeneração bal, nas quais os limites biofísicos e todos seus
do meio. Estas são notadamente as críticas feitas desdobramentos sejam incorporados na discus-
aos documentos do PNUMA quanto à falta de são de um novo modelo focado na redução das
questionamentos maiores sobre os atuais pa- desigualdades socioeconômicas. Portanto é in-
drões perdulários de consumo e estilos de vida questionável a necessidade de também estabele-
nas economias de mercado, o que indica que a cer limites nos padrões de consumo nos países
economia mundial tenderá a continuar depen- ricos com base em modelos mais sustentáveis de
dente das energias fósseis por muito tempo. Por- governança, visando garantir as condições socio-
tanto ao se colocar a economia verde no centro ambientais mais adequadas possíveis para as
do debate se cria a possibilidade de que os mais gerações futuras.

Colaboradores

PR Jacobi e PAA Sinisgalli participaram igualmen-


te de todas as etapas de elaboração do artigo.
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Jacobi PR, Sinisgalli PAA

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