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TÍTULO: CHICO BENTO DO CAIPIRA AO SERTANEJO MODERNO

CATEGORIA: EM ANDAMENTO

ÁREA: CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

SUBÁREA: Comunicação Social

INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - MACKENZIE

AUTOR(ES): BIANCA FERREIRA CANGUÇU

ORIENTADOR(ES): JOAO BATISTA DE FREITAS CARDOSO

Realização: IES parceiras:


Resumo
Este trabalho tem como objetivo analisar a mudança na representação da população
interiorana nas HQs da MSP. O corpus de análise é composto por HQs do
personagem Chico Bento (2013-2019). A pesquisa exploratória é composta por
delineamento documental. Como resultado observou-se que a representação do
caipira vem se alterando, da figura primitiva interiorana ao sertanejo moderno.

Introdução:
Este texto é parte de uma pesquisa mais ampla que trata de compreender, por meio
dos personagens e narrativas, como os signos visuais e verbais são utilizados nas
histórias em quadrinhos (HQ) da Maurício de Sousa Produções (MSP) para
representar a identidade brasileira. A partir da representação do caipira em
narrativas gráficas ficcionais, pretende-se discutir o preconceito e estigma
relacionado às identidades regionais. O recorte neste trabalho se limita à
representação do caipira nas HQs do personagem Chico Bento.

Objetivo
Analisar a evolução da representação da população interiorana nas histórias em
quadrinhos de Maurício de Sousa.

Metodologia
A pesquisa é de natureza exploratória, composta por um delineamento
documental, e também por revisão bibliográfica. Tem se como corpus de análise as
revistas das coleções “Chico Bento” e “Almanaque do Chico Bento”, do ano 2019, e
as revistas da coleção “Chico Bento Moço”, dos anos 2013 e 2017.

Desenvolvimento
A identidade nacional brasileira se fundamenta na mestiçagem de raças e
culturas, nas misturas de traços característicos de índios, negros, europeus etc.
Para Dahlberg (1907) a miscigenação influencia o sentimento de nacionalidade.
Estados nos quais não ocorreram misturas de raças ou que lutam para neutralizar as
diferenças destroem suas próprias vitalidades. Ribeiro (1995, p.21) define uma
identidade nacional quando se “fala uma mesma língua, só diferenciada por
sotaques regionais”, como se dá no Brasil. Este texto discute especificamente a
representação de um tipo de brasileiro, o caipira.
Segundo ​Falavina (2014), a cultura caipira começa a ser formada com a
entrada dos bandeirantes no interior paulista em busca de mão de obra escrava
indígena e ouro. Devido ao nomadismo e conhecimentos dos índios eles se
mantiveram fixos em uma economia de subsistência de pesca, plantação etc. Na
mistura das línguas indígenas, africanas e portuguesa, desenvolveu-se um dialeto
visto como inferior se comparado à norma culta. Esse aspecto gera as primeiras
manifestações de preconceito e discriminação em relação à população caipira.
Perceptível e estigmatizada como ‘errada’, a fala caipira pouca
importância dedica às regras sintáticas de concordância, talvez pela
percepção da redundância da regra normativa e, em muitos casos,
pela pouca diferença fonética entre singular e plural, sem nenhuma
implicação que turve o sentido lógico e poético do vernáculo.
(SANT’ANNA, 2009, p.67)

Percebe-se tal estereótipo nas representações do caipira nas narrativas


ficcionais, como o Jeca, de Mazzaropi, o Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, e Chico
Bento, da MSP. Além de serem representados com essa fala “errada”, esses
personagens são retratados como preguiçosos por trabalharem no ritmo da terra e
não das cidades. Essa característica reforça o preconceito existente.
De acordo com Schnorr (2011, p. 3), toda “representação se dá a partir da
leitura e da interpretação e está, assim, ligada diretamente à linguagem. [...] são
produtos dos contextos sociais, não podendo ser analisadas sem a historicização”.
Logo, se esse tipo de representação cria preconceitos e estigmas, é por que existe
essa ideia no imaginário popular. Para Bobbio (2012, p.103), o preconceito é uma
“[...] opinião ou um conjunto de opiniões [...] acolhida acrítica e passivamente pela
tradição, pelo costume ou por uma autoridade de quem aceitamos ordens sem
discussão […]”. Para quem comete a atitude preconceituosa, o pensamento se torna
real mesmo que não se tenha nenhum tipo de argumento lógico ou racional.
Outra característica da representação do caipira – presente nas HQs – que
possui potencial para gerar preconceito e estigma contra a população interiorana é a
figuratividade do personagem: seu modo de se vestir, cabelo, forma de andar etc.
Como produtos da indústria da comunicação, as HQs seguem a tendência de
neutralizar conteúdos, esconder características individuais e universalizar as
problemáticas tratadas com o objetivo de aumentar as chances de se atingir muito
mais pessoas (VERGUEIRO, 1998). A simplificação de traços característicos de uma
dada comunidade regional, como a população caipira, é resultado disso.
No Brasil, a primeira HQ a retratar o homem do campo contava a história de
Nhô-Quim, de Angelo Agostini (1843-1910). Porém o caipira retratado como
conhecemos hoje só veio mais tarde, em 1956, quando Mazzaropi introduziu o
interiorano que vestia chapéu de palha, botas e calças com remendos.
Nas histórias da MSP, Chico Bento retrata a inocência da criança criada no
campo, e, por isso, representar em parte uma “brasilidade interiorana”.
Criado em 1961, Chico é o estereótipo do caipira brasileiro: mora em uma
fazenda, anda descalço, usa chapéu de palha e é retratado como preguiçoso. O
personagem reproduz um imaginário sobre a criança do interior: frequenta a escola,
mas normalmente chega atrasado e não tira notas boas; rouba goiabas do vizinho;
pesca com pai; se aventura no meio da mata entre os animais. Em sua casa,
algumas características interioranas também podem ser percebidas, como a colcha
de cama de retalhos (patchwork), forno a lenha e falta de eletrodomésticos.

Figura 1.​ Revistas Chico Bento. Nº 55. 2019 e Almanaque do Chico Bento. Nº 75. 2019

Fonte: Panini

Chico Bento exibe “vícios” da fala rural, como “R” evidenciado. Os


estereótipos da representação do cidadão interiorano se tornam mais evidentes
quando os ambientes da cidade e do campo são comparados nas histórias. Nos
episódios “Na Roça É Diferente” (1990), criado como adaptação em DVD das HQs,
as diferenças entre o personagem da zona rural e o personagem da cidade ficam
explícitas. O primo Zeca, que mora na “cidade grande”, mostra espanto ao notar que
na casa de Chico não tem eletrodomésticos. O mesmo acontece em “Chico Bento
no Shopping” (1997), quando ele chama Chico de “bicho do mato”, devido ao fato de
que Chico não sabe o que é um ​shopping center​.
Contudo, percebe-se nas novas revistas do personagem que essas
características que marcam a imagem tradicional do homem do interior – expressa
nas figuras de Mazzaropi, Jeca Tatu e nas festas juninas – vão mudando conforme o
personagem “cresce”. Em 2013 foi lançada a HQ “Chico Bento Moço”. A revista é
uma adaptação das então revistas “Turma da Mônica Jovem”, que contam as
histórias da Turma da Mônica não mais crianças. Nas novas histórias, Chico sai do
campo para ir estudar Agronomia na “cidade grande”. Na nova representação do
personagem, Chico tem contato com outras culturas (principalmente por morar em
uma república com estudantes de outras regiões do país). Aos poucos o
personagem vai mudando seu jeito de se vestir e vai perdendo seu sotaque.

Figura 2.​ Revistas Chico Bento Moço nº 50. 2017, nº 2. 2013 e nº 44. 2017

Fonte: Panini

Nessas novas histórias, Chico também ganha o apelido de “Goiabento” dos


colegas de república, enfatizando ainda o aspecto estereotipado. O preconceito
contra o caipira, nesse caso, é marcado pelo pertencer a um lugar considerado, por
outro, inferior, selvagem, atrasado, subdesenvolvido, culturalmente inferior.

Resultados da análise
A presente pesquisa ainda está em fase inicial e os resultados aqui
apresentados reduzem-se a algumas reflexões sobre a forma de representação do
caipira e o preconceito e discriminação voltado à população interiorana.
Aponta-se que a imagem do caipira construída ao longo dos anos vem se
alterando desde a caricata figura primitiva interiorana até o sertanejo moderno que
mora na cidade. Sobre essa atual forma de representação da pessoa do interior,
muitos outros produtos da mídia também tiveram influência em sua formação, como
as novelas e a música popular – segundo o Kantar Ibope Media, o “Sertanejo” foi o
estilo musical mais ouvido no país em 2019. Essa nova forma de retratar o
caipira/sertanejo também se manifesta nas HQs. Nesse sentido, as revistas da MSP
apresentam-se como uma amostra significativa dessa mudança. Dito isso, fica o
questionamento que solicita maior aprofundamento: Até que ponto as HQs
influenciam na construção e transformação de estereótipos que resultam em
preconceito e discriminação regional?

Bibliografia:

BOBBIO, Norberto. ​Elogio da Serenidade​. 2ª ed. Rio de Janeiro: Unesp, 2012.

DALBERG,John Emerich Edward.​The History of Freedom and Other Essays.​London:


Macmillan, 1907.
FALAVINA, Flávia. O preconceito à linguagem caipira: um falar regional ou inculto?. ​O
Guari-Revista Eletrônica de Literatura,​Dezembro 2014.Disponível em:<​http://oguari.
blogspot.com/2014/12/o-preconceito-linguagem-caipira-um.html​>. Acesso em: 20 de
setembro de 2020.
RIBEIRO,Darcy.​O povo brasileiro​.2. ed.São Paulo:Companhia das Letras,1995, p. 22
SANT’ANNA, Romildo​. ​A moda é viola. S
​ ão Paulo: Arte e Ciência, 2009.
SCHNORR, Julia. A representação do viver no campo: o estereótipo do homem e do espaço
rural na televisão. ​Dissertação. ​Cadernos de Comunicação UFSM, V.15, N. 2, Jul-Dez
2011. Disponível em: <​https://periodicos.ufsm.br/ccomunicacao/article/viewFile
/4722/4343​> Acesso em: 20 de Setembro de 2020.
VERGUEIRO, W. Alguns aspectos da sociedade e da cultura brasileiras nas histórias em
quadrinhos. ​Agaquê,v.1,n.1,jul.1998. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/nucleos/nphqe-
ca/nucleousp/agaque_volume1_n1.asp>. Acesso em: 21 jul. 2013
https://www.uai.com.br/app/noticia/musica/sertaneja/2019/06/07/sertaneja,247211/sertanejo-
e-o-estilo-mais-ouvido-nas-radios-brasileiras-em-2019.shtml

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