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15/12/2020 Capoeira: sentidos e percepções

Capoeira: sentidos e percepções


Capoeira: sentidos y percepciones
Mestrando do Programa de Mestrado em Ciência da Motricidade Humana
Universidade Castelo Branco – LABESPORTE Ricardo Martins Porto Lussac
Sócio-Diretor, Coordenador Técnico e Professor ricardolussac@yahoo.com.br
da Academia da UsinaRio de Janeiro, RJ. (Brasil)

Resumo
As percepções consistem na aquisição de conhecimento por meio de impressões sensoriais do mundo exterior e do próprio corpo, abrangendo os fenômenos
de captar, distinguir, associar e interpretar as sensações. Estas são caracterizadas como percepções sensoriais. A prática da capoeira é uma atividade significativa
para o desenvolvimento das percepções espacial, temporal, visual, auditiva, olfativa, proprioceptiva e termo-tátil, e também da percepção de análise, da percepção
de síntese e da percepção figura-fundo. As percepções podem ser significativamente trabalhadas e desenvolvidas através da prática da capoeira, pois esta
modalidade oferece diversificadas possibilidades em potencial neste sentido.
Unitermos: Capoeira. Percepções. Educação. Educação Física. Motricidade.

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 131 - Abril de 2009

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Introdução
A capoeira difere da grande maioria das outras modalidades de jogo-luta, precipuamente pelo acompanhamento
musical, onde o ritmo dá a cadência dos movimentos; não existe uma seqüência obrigatória de movimentação, pois de
qualquer movimento pode-se desenvolver outro. Tudo dependerá dos movimentos do capoeirista com o qual se está
jogando, e tudo isso faz com que o praticante de capoeira aguce em muito as suas percepções e sentidos, exercitando
o seu cérebro (BECHARA, 1985).

Para Ferreira (apud Santos, 1990), as percepções consistem na aquisição de conhecimento por meio de impressões
sensoriais do mundo exterior e do próprio corpo, abrangendo os fenômenos de captar, distinguir, associar e
interpretar as sensações. Estas são caracterizadas como percepções sensoriais. Neste sentido, observa-se a capoeira
como um meio pelo qual seus praticantes podem distinguir, associar e interpretar os seus fundamentos, seja nos
movimentos corporais, nos cantos, nas músicas ou nos instrumentos musicais. Desta forma, estarão aperfeiçoando ou
desenvolvendo suas percepções.

Capoeira e percepções

Silveira Costa pensa que a capoeira afeta positivamente todos os sentidos, como a audição - que pode ser
aperfeiçoada através da música (SILVEIRA COSTA, 1993, p. 82). Quanto à visão, este autor, apoiado em Inezil P.
Marinho diz:

“a visão se aperfeiçoa em função do domínio do espaço promovido pela prática do jogo, havendo,
inclusive uma tese de que a Capoeira desenvolve uma ampliação da visão periférica... Ou seja, o
capoeirista consegue, se devidamente desenvolvido, enxergar cada vez mais para além da visão do que
está na frente dos olhos, passando a perceber fora do ângulo da visão frontal. Nesse sentido o
capoeirista poderia ver atrás de si mesmo! Naturalmente, caricaturando essa seria a maior eficiência
que poderia ser atingida pela visão do capoeirista.” (MARINHO apud SILVEIRA COSTA, 1993, p. 82).

Então, de acordo com Silveira da Costa, pode-se pensar que a capoeira, por desenvolver a percepção visual e a
visão periférica, tem um grande potencial de desenvolver também a estruturação espacial.

A percepção que temos do espaço que nos rodeia e das relações entre os elementos que o compõem evolui e
modifica-se com a idade e com a experiência. Essas relações chegam a ser, progressivamente, objetivas e
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independentes. De acordo com Neto (2002), todas as modalidades sensoriais participam em certa medida na
percepção espacial: a visão, a audição, o tato, a propriocepção e o olfato. As informações recebidas não estão sempre
em acordo e implicam, inclusive, percepções contraditórias, em particular na determinação da verticalidade. A
orientação espacial designa nossa habilidade para avaliar com precisão a relação física entre nosso corpo e o
ambiente, e para efetuar as modificações no curso de nossos deslocamentos. As primeiras experiências espaciais
estão estreitamente associadas ao funcionamento dos diferentes receptores sensoriais, sem os quais a percepção
subjetiva do espaço não poderia existir; a integração contínua das informações recebidas compõem a sua estruturação
e a sua ação eficaz sobre o meio externo.

A evolução da noção espacial destaca a existência de duas etapas: uma ligada à percepção imediata do ambiente,
caracterizada pelo espaço perceptivo ou sensório-motor; outra baseada nas operações mentais que saem do espaço
representativo e intelectual. Essa evolução segue a do estabelecimento das relações objetivas em que a criança
dominada a princípio pelo seu egocentrismo se descentraliza de modo gradual para examinar as relações com outro
ponto de vista diferente do seu. A partir das reações topológicas, a criança elabora pouco a pouco as reações
projetivas e euclidianas. Essa evolução se aplica igualmente à aquisição de uma dimensão da orientação - direita e
esquerda. Assim, se estabelece de forma progressiva com a evolução mental da criança a aquisição e a conservação
das noções de distância, superfície, volume, perspectivas e coordenadas que determinam suas possibilidades de
orientação e de estruturação do espaço em que vive (ibidem, 2002).

De acordo com Alves (2003), a criança começa a organizar as suas relações espaciais de forma progressiva.
Consegue reproduzir as formas geométricas utilizando o grafismo, diferencia o longe perto, acima-abaixo, e assim,
associa uma série de referências espaciais. A criança tem necessidade de um espaço para se mover. A partir da
percepção do próprio corpo, é que pode ser percebido o espaço exterior. Segundo esta autora, este espaço exterior é
explorado, no início, por uma dupla em simultânea percepção: percepção exteroceptiva – a visão de um objeto, se faz
através de estímulos exteriores, vem de fora para dentro; percepção proprioceptiva – os gestos que são necessários
para apanhá-lo, análise de dentro para fora.

Relacionando a capoeira à percepção espacial, Santos (1990) afirma que a percepção da dimensão relacional a
tudo aquilo que nos cerca, refere-se à “percepção espacial”, indiscutivelmente presente no jogo da capoeira, pois as
crianças ao praticá-la estarão limitadas por um círculo e um parceiro, os quais estão constantemente relacionados com
o jogo propriamente dito.

A percepção espacial é explorada e muito desenvolvida na capoeira, até porque, ela é extremamente necessária
para a sua prática. Se o praticante não possuir esta percepção desenvolvida junto com sua estruturação espacial,
provavelmente, terá dificuldades para uma prática mais elaborada da capoeira, em seu jogo e treinamento. Contudo,
é possível acreditar que a prática da capoeira pode diminuir muito as deficiências neste sentido. Para isto acontecer
plenamente, o mestre de capoeira deve avaliar e conhecer as dificuldades e os meios para transpor estas e
desenvolver tais capacidades. Ambientes diferentes dos espaços comuns e cotidianos de treinamento e uma maior
variedade de ambientes de rodas de capoeira propiciam novos e positivos estímulos neste sentido.

Sobre a percepção temporal, os aspectos relacionados à percepção do tempo evoluem e amadurecem com a idade.
No tempo psicológico, organizamos a ordem dos acontecimentos e estimamos a duração, construindo, assim, nosso
próprio tempo. A percepção da ordem nos leva a distinguir o simultâneo do sucessivo, variando o umbral de acordo
com os receptores utilizados (NETO, 2002).

De acordo com Oliveira (2001), a renovação cíclica de certos períodos é a percepção de que o tempo é
determinado por dias, manhã, tarde, noite, semanas, estações. Com crianças muito novas pode-se fazer associações,
por exemplo: segunda e quarta feira é dia de treino, sexta feira há roda de capoeira.

Para Defontaine (apud OLIVEIRA, 2001, p. 92), o homem se insere no tempo segundo sua “realidade
psicossomática”. Isto significa dizer que os fenômenos auditivos, táteis, visuais, biológicos, cinestésicos estão
constantemente interferindo em sua percepção de tempo, seguindo um relógio corporal, biológico. As células e as
substâncias químicas de nosso organismo trabalham com precisão, dentro de um determinado ritmo. Possuímos um
ritmo endógeno, interno, automantido pelo organismo e que é influenciado pelo ritmo exógeno, ou externo. O ritmo
pode ocorrer em várias áreas de nosso comportamento. Ele traduz uma igualdade de intervalos de tempo (OLIVEIRA,
2001).

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De acordo com Oliveira, o ritmo permite, também, uma maior flexibilidade de movimentos, um maior poder de
atenção e concentração, na medida em que obriga a criança a seguir uma cadência determinada. Um outro fator
fundamental é a aquisição de autonomismos elementares. A percepção da alternância de tempos fortes e fracos leva à
percepção do relaxamento e das pausas (ibidem, 2001). A própria ginga leva à materialização da sucessão temporal e
suas variações, mas esta consciência rítmica depende do desenvolvimento cognitivo.

Le Boulch analisa a importância educativa da percepção das estruturas rítmicas:

“Da mesma forma que a percepção mental das formas que correspondem às figuras geométricas
constituem uma base indispensável na memorização das posições relativas dos objetos no espaço, a
percepção das estruturas rítmicas é o suporte de memorização do sucessivo imediato.” (LE BOULCH
apud OLIVEIRA, 2001. p. 95).

Para Santos (1990), a compreensão das dimensões do tempo em relação a acontecimentos do passado, presente e
futuro, relaciona-se com a percepção temporal. Na prática da capoeira, a criança pode desenvolver a percepção
temporal, pois oferece oportunidades através dos treinos e das rodas de capoeira, onde as músicas e cantos que têm
profundas significações quanto a acontecimentos que envolvam os três tempos: passado, presente e futuro.

Já a compreensão de que um todo pode se decompor em partes refere-se à percepção de análise e o procedimento
da recomposição dessas partes, para formar um todo, refere-se à percepção de síntese. A prática da capoeira pode
oportunizar à criança - através dos seus movimentos individualizados e posteriormente através do uso desses
movimentos em seqüências no jogo da capoeira propriamente dito - o desenvolvimento da percepção da análise,
como também da síntese, por estar envolvendo um todo, a decomposição desse todo e a sua recomposição, conforme
os preceitos da capoeira (ibidem, 1990).

A capacidade de detectar a figura de um conjunto, a qual é o foco de atenção, representando o objeto principal e o
fundo funcionando como segundo plano, denomina-se de percepção figura-fundo. O jogo da capoeira oportuniza à
criança estes aspectos, chamando a atenção da mesma para o jogo em si, como segundo plano os ritmos imprimidos
pelos instrumentos musicais, podendo ser estes representados através da expressão oral nas respostas dos refrões
exigidos pelas músicas ou pela expressão corporal exigida pelos movimentos do corpo (ibidem, 1990).

A prática da capoeira é uma atividade significativa para o desenvolvimento das percepções: visual, pela observação
dos instrumentos musicais, das suas formas, tamanho, cores e espessura, como também por perceber seus colegas
no seu relacionamento na roda de capoeira e no jogo, através dos movimentos que são direcionados ao objetivo de
atingir - simbolicamente - o seu adversário ou parceiro; auditiva pela identificação dos sons, ruídos e ritmos com suas
tonalidades e freqüências que os instrumentos musicais oportunizam; olfativa pela identificação de diferentes odores
do ambiente, dos instrumentos e utensílios, ou cheiros característicos de cada colega praticante; termo-tátil, pela
interpretação das sensações táteis-térmicas relacionadas com as formas, tamanho, textura, peso dos elementos que
envolvem a capoeira em si, o piso onde se treina ou joga, e a temperatura dos mesmos, de seu corpo ou de seus
colegas (ibidem, 1990).

Essas percepções são importantíssimas e têm a sua contribuição no processo do desenvolvimento psicomotor dos
capoeiristas; elas também são responsáveis pela aprendizagem nas primeiras aquisições de leitura, da escrita das
crianças e também pelo bom funcionamento, no relacionamento com o grupo a que as crianças pertencem (ibidem,
1990). Portanto, a criança precisa ter um bom desenvolvimento das percepções no seu período de alfabetização, pois
esta, só será desenvolvida ou assimilada, assim como outras aprendizagens necessárias ao desenvolvimento pleno do
ser humano, se a criança tiver boas oportunidades de percepções em seu ambiente.

Da mesma forma que os movimentos, a palavra escrita e a palavra falada exigem uma forma ordenada e sucessiva,
obedecendo um ritmo, dentro de um tempo determinado, pedindo um número de atitudes ao nível da percepção
temporal. Neste sentido, a prática da capoeira pode ser aliada na alfabetização e na aprendizagem e desenvolvimento
da leitura e da escrita.

Conclusão

Através da prática da capoeira as percepções podem ser trabalhadas e desenvolvidas. Exercícios e jogos podem ser
elaborados com este objetivo. O mestre de capoeira tem na sua arte-luta uma grande ferramenta para desenvolver e

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potencializar os sentidos e percepções de seus alunos. Vale ressaltar que o conhecimento do assunto e uma boa dose
de criatividade são necessários para conseguir tais finalidades. Os sentidos e percepções devem ser aperfeiçoados no
praticante de capoeira, não só por melhorar o rendimento e performance, mas, principalmente, por serem essenciais
ao desenvolvimento e vivência humana.

Referências bibliográficas

ALVES, Fátima. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Wak, 2003.

BECHARA, Marco Antonio. Capoeira: Um Esporte que Educa. Revista Artus nº 16. Rio de Janeiro. Universidade
Gama Filho, 1985.

LUSSAC, Ricardo Martins Porto ( Mestre Teco ). Desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da
capoeira e baseado na experiência e vivência de um mestre da capoeiragem graduado em educação física.
Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduação “Lato Sensu”, Projeto A vez do Mestre. Rio de Janeiro: 2004.

NETO, Francisco Rosa. Manual de avaliação motora. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.

OLIVEIRA, Gislene de Campos. Psicomotricidade: Educação e Reeducação num enfoque Psicopedagógico. 5ª


edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

SANTOS, Luíz Silva. Educação: Educação Física: Capoeira. 1ª edição, Maringá: Fundação Universidade Estadual
de Maringá, 1990.

SILVEIRA COSTA, Reginaldo da. Capoeira: O caminho do Berimbau. Brasília: Thesaurus, 1993.

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