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Direito Administrativo (05/10/2009)

- Princípio da supremacia do interesse público


A noção básica desse princípio é a prevalência do interesse público sobre os interesses
meramente privados. A doutrina majoritária defende não só a existência desse princípio, mas
também que ele fundamenta o D. Administrativo, é quase “a razão de ser” do D.
Administrativo (Celso Antônio Bandeira de Mello). Esses autores dividem esse princípio em
dois ângulos diversos: 1) princípio justificador do D. Administrativo (justificar a autoridade
estatal perante os administrados); 2) norma-princípio (postulado normativo de resolução de
conflitos entre princípios).

Essa doutrina aponta diversas ocasiões em que esse princípio apareceria muito claramente no
D. Administrativo: nas prerrogativas materias e processuais da Adm. Pública a aplicação desse
princípio seria clara. As prerrogativas materiais, a título de exemplo, são: presunção de
legitimidade do ato administrativo (todo ato administrativo goza de uma presunção de
legitimidade – caso o administrado ache que o ato não é legítimo, o ônus argumentativo cairá
sobre ele) e autoexecutoriedade do ato administrativo (a Adm. Pública, desde já, pode se fazer
de todos os meios materiais para que aquele ato surja efeitos – diferentemente dos
particulares, que tem que se valer dos meios judiciais). Outro exemplo de prerrogativa
material é a capacidade de desapropriar. As prerrogativas processuais são as prerrogativas da
Adm. Pública, que buscam igualar uma eventual desigualdade. Por ex., os advogados públicos
têm muitos processos, por isso, a lei garante para a Fazenda Pública o prazo em dobro para
recorrer e o prazo em quádruplo para contestar. Outro ex., a execução é feita por meio dos
precatórios, tendo em vista a impenhorabilidade dos bens públicos.

Já, algumas vozes da doutrina moderna (incluindo o Binenbojm, Daniel Sarmento, Humberto
Ávila) vêm se levantando contra esse princípio, dizendo que ele não existe. O Daniel Sarmento
busca, no D. Constitucional, quais seriam as possíveis premissas teóricas que embasariam esse
princípio:
1) organicismo (o homem é um mero meio para o surgimento do interesse público e o Estado
existe como uma grande célula e o homem seria apenas uma parte dessa célula, trabalhando
para o funcionamento do todo – o homem teria apenas um caráter instrumental e o interesse
público não seria a soma das vontades individuais, seria como se o Estado tivesse uma vontade
própria). Essa teoria foi albergada pela CF? Não; pelo contrário, o Estado Brasileiro é um
Estado Democrático de Direito, que preza a autonomia política e individual. Além disso, para o
Sarmento, o epicentro axiológica da CF seria a dignidade da pessoa humana (o indivíduo é a
medida de todas as coisas). Os autores majoritários dizem que o princípio da supremacia do
interesse público está implícito no ordenamento jurídico, mas de onde ele pode ser extraído?;
2) utilitarismo (é parecido com o organicismo, mas ele não considera o indivíduo como um
mero meio, ele simplesmente preconiza que a melhor solução de qualquer conflito é aquela
que otimiza a felicidade geral – ele iguala todos os indivíduos; o interesse público nada mais é
que o somatório das vontades individuais). Mas essa teoria também não está na CF - a CF não
autoriza que o interesse da maioria elimine o direito à vida de uma pessoa, por ex., porque
mais do que os direitos fundamentais terem um lugar centralidade clara na CF, eles são
cláusulas pétreas.;
3) individualismo (o interesse privado sempre prevalece ao interesse público – o ser humano é
o início e o fim de todas as coisas e o Estado tem que interferir minimamente na sua
autonomia privada). O problema dessa teoria considera o indivíduo como se ele não tivesse
nenhuma carência, porque ele não precisa do Estado; além disso, não existe a solidariedade, o
“ser humano é uma ilha”. O princípio da supremacia do interesse público não pode ser
extraído dessa teoria; pelo contrário, haveria talvez um princípio da supremacia do interesse
privado. O individualismo não é a única base teórica da CF; contudo, ela fala que um dos
objetivos da República do Brasil é que a sociedade seja livre, justa e solidária, o que não é
compatível com o individualismo. Além disso, a gente tem um rol extenso de direitos sociais.;
*4) Para Sarmento a nossa CF tem base no personalismo (afirma que o ser humano é a
mediada de todas as cosias, ele tem um valor intrínseco, tem a sua dignidade, mas
diferentemente, do individualismo, enxerga as carências, necessidades materiais do homem,
ele precisa da solidariedade de todos, como, por ex., se você é mais rico você paga mais
imposto para ajudar o mais pobre).
E o princípio da supremacia do interesse público pode ser extraído desta teoria? Não. Primeira
razão: incompatibilidade de um princípio de prevalência com a nossa CF. Não tem espaço na
nossa CF, que é uma CF que se comprometeu com mais de uma teoria, para você dizer que
sempre vai prevalecer o interesse público sobre o privado. Como é que se resolve esse choque
entre os interesses público e privado? Através da ponderação, a partir da proporcionalidade e
outros princípios, para chegar em uma solução, levando em conta as peculiaridades do caso
concreto.
Segunda razão: posição de centralidade dos direitos fundamentais. Em uma CF que dá tanta
importância aos direitos fundamentais que estão baseados na dignidade da pessoa humana,
como é que você vai dizer, a priori, que sempre o interesse público vai prevalecer?
Terceira razão: o que é o interesse público? O professor diz que o interesse público não é o
interesse coletivo, mas sim o resultado da ponderação proporcional entre interesse coletivo e
o interesse privado. O interesse público, ou seja, o interesse da Administração, não
necessariamente é promover o interesse coletivo, mas pode ser promover o interesse
individual.
Ex.: duas pessoas querem fazer uma manifestação pacífica no meio da Av. Presidente Vargas
(direito fundamental da liberdade de expressão, liberdade de reunião); mas existe o interesse
de todas as pessoas que vão passar por lá que não querem pegar trânsito. O Sarmento vai
dizer que, nesse caso, o interesse público é deixar a passeata acontecer, pois é interessante
para toda a sociedade que esse direito fundamental seja protegido. Já, nesse caso, o professor
vai dizer que tem que ponderar, de um lado a liberdade de reunião, e do outro lado o direito
de todas aquelas pessoas de ir e vir, que estaria sendo um pouco restringido e ele afirma, que,
nesse caso, iria prevalecer a liberdade de reunião (portanto, nesse caso, o interesse público
seria defender o direito daquela minoria).
Por que o professor e outros professores, que prezam tanto os direitos fundamentais, estão
fazendo esse esforço? Porque ele tem medo da arbitrariedade que o princípio da supremacia
do interesse público pode trazer, já que essa noção de interesse público é muito abstrata, o
que pode vir a causar violação dos direitos fundamentais. Existe uma necessidade de
motivação (art. 93, X/CF).
Última razão para a desconstrução desse princípio: fundamento em Humberto Ávila, que
escreveu sobre a Teoria dos Princípios (uma regra de prevalência, a priori, de um interesse
sobre outro, não é uma norma-princípio). Qual é a diferença entre regras e princípios? Os
princípios são mais gerias e abstratos e as regras, por outro lado, são mais específicas e
concretas. E qual é a diferença na forma de aplicação? A regra se aplica pelo “tudo ou nada”,
isto é, ou você aplica ou você não aplica – se as regras entrarem em choque, aí tem os critérios
da hierarquia, cronologia e especialidade. E os princípios podem ser aplicados em diferentes
graus; eles são mandados de otimização – no caso concreto você pode ponderar os dois
princípios e sempre tem que ter um esforço pelo princípio da concordância prática em otimizar
ambos. E por que esse dito suposto princípio da supremacia do interesse público não se
coaduna com a noção de princípio? Porque esse princípio diz que sempre vai prevalecer o
interesse público.
Segundo o professor, a ponderação entre o interesse público e o privado não é feita apenas
pelo juiz, ela começa lá no constituinte originário. Ex. prático de ponderação constitucional:
art. 5º, incisos XXII, XXIII e XXIV (direito à propriedade). Ex. de ponderação legislativa: art. 78,
inciso XV da Lei 8.666/93. Além disso, a Administração Pública pondera todo o dia nos casos
concretos em que ela encontra choque entre o interesse público e o interesse privado. O juiz
também poderá, mas ele somente vai ponderar quando o constituinte, o legislador e o
administrador não ponderaram.

- Princípio da indisponibilidade do interesse público


Este princípio não se confunde com o princípio da supremacia do interesse público. Ele, em
princípio, existe, embora ele esteja mitigado. O administrador gere interesses de outras
pessoas, e não interesses próprios. Você não pode fazer uma arbitragem, o Procurador do
Estado não pode deixar de ir no P. Judiciário pleitear os direitos do Estado e resolver recorrer
ao árbitro, porque esse direito é indisponível, já que ele não é seu. Esse princípio está sendo
mitigado, porque ele está sendo ponderado com outros princípios, como o princípio da
celeridade, da eficiência.
Em algumas hipóteses em que os direitos são meramente patrimoniais ou contratuais, tem-se
admitido certa disponibilidade. Mas com muito cuidado, não pode abrir isso para todo mundo.
Em algumas hipóteses, a arbitragem está sendo concebida como meio válido.

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