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INTRODUÇÃO

Este trabalho é um estudo descritivo e interpretativo de uma determinada obra

composta para cravo solo do compositor Cláudio Santoro, intitulada 6 Stücke für

Cembalo (Hommage à Couperin). Esta obra é constituída de seis pequenas peças

atonais inspiradas em texturas cravísticas tradicionais dos séculos XVII e XVIII. Estas

peças foram compostas no ano de 1977, quando o compositor residia na Alemanha e era

professor na Escola Superior de Música de Mannheim. A escolha da obra foi

determinada pela descoberta de um único conjunto de peças composto para cravo solo

por Cláudio Santoro, além da surpresa desta obra homenagear dois grandes

compositores para cravo durante os séculos XVII e XVIII: Louis e François Couperin.

Existem no mercado fonográfico uma gravação de obras de Cláudio Santoro no cravo1,

porém, estes registros tratam apenas de adaptações da partitura original (no caso, piano)

interpretadas no cravo. O presente trabalho se justifica por tentar proporcionar uma

compreensão melhor da escrita composicional de Santoro demonstrada em apenas duas

obras2. Explorar a importância deste compositor para a música brasileira pode levantar

1
O Compact Disc intitulado “O Cravo Brasileiro” (1998) interpretado pela cravista Rosana Lanzelotte
possui gravação de três prelúdios para piano de Santoro tocados ao cravo.
2
Uma outra obra de Santoro trata de uma peça eletroacústica mista para cravo e fita magnética intitulada
Mutationen I.
2

questionamentos e aspectos da natureza prática que possam diminuir o hiato existente

entre o repertório contemporâneo de música para cravo e os cravistas de modo geral.

O estudo apresentado nesta dissertação possuía como estágio inicial um único

objetivo: adaptar a obra 6 Stücke für Cembalo de Cláudio Santoro - composta para

cravo industrial - para o cravo historicamente copiado. Porém, a pesquisa sobre esta

obra tende a buscar parâmetros tanto interpretativos, no que concerne a adaptação da

obra para um instrumento que é utilizado com bastante freqüência, além de estudos de

determinados elementos composicionais que integram a obra 6 Stücke für Cembalo. Daí

então o propósito de buscar elementos sob uma perspectiva histórica para,

posteriormente, propor uma análise interpretativa para esta obra. O objetivo principal

trata da exposição bibliográfica que possa gerar uma ampla compreensão desta obra

específica de Cláudio Santoro. As caracterizações composicionais do compositor

associadas a texturas cravísticas tradicionais do século XVIII, ou anterior, se fazem

presentes nesta obra. Para tal exposição acontecer, foi necessário identificar e descrever

qual o procedimento estilístico que Santoro utilizou no ano de 1977 e quais processos

composicionais e texturais o compositor havia referenciado, para assim, tentar

compreender a abordagem que o compositor teve com o instrumento. Não se sabe ao

certo se o contato de Santoro com o instrumento foi bastante recorrente, porém, não se

pode alegar falta de conhecimento do o instrumento apenas pelo fato de ter composto

poucas obras para ele.

A metodologia foi apoiada em materiais bibliográficos, estudos comparativos e

análise musical, além de depoimentos feitos pelo próprio compositor através de cartas

ou transcrições de entrevistas, onde Santoro, através destes meios, justifica seus

aspectos composicionais. O presente trabalho pretende destacar como fator principal

quatro aspectos que servem para o desdobramento da obra 6 Stücke für Cembalo,
3

divididos em quatro capítulos. O primeiro aspecto destacado explana o instrumento para

qual a obra foi composta. Foi feita uma pesquisa através de material bibliográfico para

expor as diferenças existentes para o instrumento para qual a obra foi composta, e os

instrumentos que são utilizados atualmente. O segundo aspecto aborda os métodos

composicionais que Santoro utilizou nesta obra. Foram confrontados materiais

bibliográficos de teóricos com depoimentos de Santoro além da análise musical desta

obra específica. O terceiro aspecto engloba as inspirações cravísticas que serviram de

modelo neste processo. Foram feitos estudos comparativos de obras referentes aos

séculos XVII e XVIII com esta obra de Santoro. O quarto aspecto implica a sugestão

interpretativa, onde também através de materiais bibliográficos ocorrem indicações

técnicas de como a obra pode ser representada no instrumento de cópia histórica .

O primeiro capítulo engloba o tipo de instrumento para qual a obra foi composta.

Foi feita uma retrospectiva histórica do surgimento do cravo industrial e qual o papel

que ele representa nos dias atuais. O seu primeiro repertório para este instrumento

também é citado, além da função estética apresentada em algumas destas primeiras

obras. Apesar de o instrumento ter sido construído no final do século XIX, com seus

aparatos alterados para alcançar uma “modernização do som”, é incorreto utilizar o

termo “cravo moderno” para a representação deste, pois o retorno do cravo nas salas de

concerto aconteceu em duas etapas durante o século XX. Portanto, este termo

englobaria os cravos construídos nestas duas etapas. Autores como Kirkpatrick e

Lindorff (1982) utilizam o termo “cravo contemporâneo”, onde também fazem uma

representação dúbia do instrumento. Como existem cravos construídos por indústrias e

também por artesãos, os respectivos instrumentos serão nominados “cravo industrial”, e

“cravo historicamente copiado3”. Infelizmente, quando se trata de contextualização

3
Cravos historicamente copiados são instrumentos que possuem características idênticas ou similares aos
chamados instrumentos históricos. Instrumentos “históricos”, segundo Haynes apud Albuquerque
4

histórica que englobe o cravo industrial, ou repertório para o cravo no século XX,

poucos autores possuem materiais publicados sobre o assunto.

Para a realização deste capítulo, consultas às bibliografias de Edwin Kottick

(1992, 2003 e 2004) e Howard Schott (1974 e 1979) foram bastante recorrentes. Seus

livros e artigos retratam o retorno do cravo para as salas de concerto, a partir de seu

hiato de 80 anos em que o cravo histórico se encontrava no ostracismo.

O segundo capítulo engloba os processos composicionais que serviram de

princípios norteadores para a composição da obra. Fazer apontamentos sobre a iniciação

de Santoro para os sistemas que serviram de base para a realização destas peças nos faz

descobrir junto com o compositor suas novas perspectivas de organização musical. É

perceptível para o intérprete que se depara com esta obra que o conhecimento do trajeto

composicional possui suma importância para o desenvolvimento intelectual desta

performance. Foram utilizadas obras de Paul Hindemith (1942) e Reginald Brindle

(1966) para compor o referencial teórico. De acordo com correspondências enviadas

pelo próprio Santoro, Hindemith contribuiu muito para a formação técnica de

compositor. Além disto, as dissertações de mestrado e tese de doutorado de alguns

estudiosos da vida e obra de Santoro, como Iracele Lívero (2003) e Sérgio Nogueira

Mendes (2009) confirmam a informação. Dissertações que abordam obras brasileiras

para cravo no século XX ainda não constituem um corpo significativo de estudos na

área. De acordo com Pavan (2009:23) “alguns poucos [estudos] foram encontrados, a

exemplo da dissertação de Rita Taddei que versa sobre a Haëndelphonia, de Almeida

Prado, para cravo solo (2007)”.

O terceiro capítulo engloba a inspiração composicional que Santoro teve com

texturas características do século XVIII ou anterior, representadas por prélude non

(2008:144), “são aqueles construídos no mesmo período da música composta para eles”. Ou seja, são os
instrumentos que foram construídos durante o século XVIII, ou anterior.
5

mesuré, moto perpetuo, canon à oitava, pièce croisée, e recitativo instrumental, além de

semelhanças composicionais com os dois principais compositores da Família Couperin.

Apesar da terminologia “textura” estar associado ao tato e visão, e não à audição, o

dicionário Houaiss (apud Senna, 2007:07) acrescenta que textura também representa

“organização e ligação das partes de uma obra” e apresenta em seguida a seguinte

definição: “quantidade e qualidade das ocorrências sonoras num mesmo trecho

musical”. Da mesma forma que conseguimos reconhecer obras de caráter homofônico,

heterofônico, polifônico, podemos canalizar nosso pensamento para distinguir texturas

que entrelaçam estas composições. E através destas texturas e particularidades, podemos

reconhecer até mesmo em uma única escuta quem o compôs. Este capítulo serve para

elucidar e desmembrar a escrita non mesuré e suas vertentes, especialmente para quem

não é familiarizado com a linguagem característica dos séculos XVII e XVIII. A

bibliografia referencial trata principalmente do histórico da escrita non mesuré

apresentada por Davitt Moroney (1976) e a dissertação de mestrado de Ana Cecília

Tavares Ladeira (2006).

O quarto capítulo relaciona as possíveis adaptações desta obra para um

instrumento que está atualmente mais acessível, no caso, o cravo historicamente

copiado. Este tipo de adaptação é importante para conhecer melhor os mecanismos do

instrumento para qual a obra foi composta, além de fazer possíveis cotejamentos com o

que temos em mãos. Apesar do ensino de cravo estar crescente nas instituições de

ensino brasileiras, apresentações de obras contemporâneas em cravos industriais fazem

parte do cotidiano de outros países a não ser este. Para compor o referencial teórico,

foram utilizados artigos de Karin Ford (1997), Yves Rechsteiner (2001) e a tese de pós

doutorado de Chau-Yee Lo (2004) que explanam sobre as funções dos pedais que

existiam tanto em cravos históricos, quantos industriais. O capítulo relacionado ao


6

instrumento (capítulo 1) possui a utilidade de contextualizar o leitor sobre o período no

qual o cravo industrial estava em voga. Já o quarto capítulo, apesar das sugestões

interpretativas, não faz um papel excludente do primeiro capítulo, mas complementar,

pois aspectos organológicos referentes aos instrumentos industriais são utilizados para

uma melhor compreensão na adaptação.

CAPÍTULO 1 -

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRAVO INDUSTRIAL

Apesar de seus honráveis 400 anos de história, por volta de 1800 o cravo fora

momentaneamente ofuscado pelo piano, instrumento em ascensão na época. De acordo

com Kottick (2003:405), o último registro de um cravo fabricado seria um modelo

Kirkman datado de 1800 (ou 1809 na contagem de Carl Engel na Inglaterra) 4. Porém,

se considerarmos o último instrumento de ação suspensa (saltarelos) fabricado, este data

de 1844, de G. Borghetti. (KOTTICK, 2003:394)

Mesmo em seu ostracismo, o cravo ainda não seria totalmente esquecido. O

espírito “antiquariano” do Século XIX sugeria que artefatos antigos deveriam ser

estimados. Mobília, cerâmica, peças de prata e porcelana, obras de arte, instrumentos

musicais- estes possuíam relevância justamente por serem antigos e inspiravam imagens

4
De acordo com Schott (2012) o ano de 1809 teria sido o ano que a firma Kirkman alegou ter fabricado
seu último cravo. O último exemplo data de 1800.
7

de tempos já remotos. (KOTTICK, 2003:393). Nas cidades provincianas da península

Ibérica, Escandinávia, e algumas áreas da Europa Central, o uso doméstico e ensino de

música ainda era ministrado nestes instrumentos, até mesmo na utilização de contínuo

em Óperas e Oratórios. De acordo com Schott (1974:85) “um instrumento ocasional

pode até ter sido produzido uma vez a cada década por um restaurador entusiasmado.

Porém, as tradições das construções e apresentações de cravos eram vitais durante os

primeiros 80 anos do século”. Alguns cravos foram restaurados, e alguns foram

apresentados em concertos por pianistas que tentaram reproduzir a música antiga. De

acordo com Schott (1974:85), um deles seria Moscheles em 1837 e outro seria Palmer

em 1861 a 18675, além de Louis Diémer que incluía em seus recitais, seleções para o

cravo, em um modelo Paskal Taskin6 de 1769. Kottick (2003:405) complementa esta

lista de pianistas com Salaman, Engel, Hipkins e Steinert.

Alguns colecionadores começaram a acumular cravos antigos precisamente porque


eram velhos. Alguns foram restaurados, e uns poucos foram apresentados em concertos
por pianistas tentando recriar a música antiga. Com um som fresco, porém antigo, o
instrumento ofereceu também uma opção atrativa para compositores. Pelo fim do
Século XIX havia interesse suficiente no cravo para sugerir que poderia ser tempo de
ressuscitá-lo. (KOTTICK, 2004)

Ressuscitar aqui seria uma palavra um tanto fora de contexto, pois em 1882

Tomasini restaura o mesmo modelo de Paskal Taskin de 1769 e empresta para as firmas

Erard e Pleyel para fins estudiosos. Estas firmas para qual o cravo foi emprestado não

estavam com interesse de restaurar ou modelar um cravo histórico, e sim, construir uma

espécie de “piano acoplado”, que seria um piano com mecanismo extra, que faria um

som pinçado, e não martelado. Grosso modo, ressuscitar não era a intenção principal, e

sim construir um instrumento que possua características distintas. Kottick (1992:49)

5
HIPKINS, A. J. (1900: 691) frisa apenas os anos 1862, 63 e 67.
6
Paskal Taskin, um nativo de Theux em Liège e um famoso construtor de cravos parisiense, possui o
crédito da reintrodução de couro como alternativa do bico de pena. Seu cravo ‘en peau de buffle’ feito em
1768 foi pronunciado superior ao pianoforte. (De la Borde, ‘Essai sur la Musique’, 1773) apud Hipkins
(ibid.)
8

complementa que além deste “desejo Romântico por objetos da antiguidade, [...] havia,

por outro lado, a busca por artistas contemporâneos – pintores, escultores e escritores,

assim como compositores – para novos efeitos, novas sonoridades.” Em 1889 os três

fabricantes apresentaram uma versão moderna do instrumento na “Exposition

Universelle Internationale” de Paris. Kottick 7 complementa: “Não foi um acidente que

Pleyel e Erard, as duas firmas que primeiramente começaram a produzir cravos

‘renascidos’, construíram seus primeiros instrumentos para a Exposição de Paris de

1889.” Esta exposição marcou o início do desenvolvimento do cravo industrial, pois

poucos anos após a “Exposition”, países como Inglaterra (1896), Alemanha (1899), e

Estados Unidos (1909) começaram a fabricar seus instrumentos.

1.1 Cravo Industrial

O cravo industrial, de acordo com os fatos anunciados, permite que se considere

seu início no ano de 1882, quando as empresas que se apresentaram na Feira de Paris

pediram emprestado o modelo Taskin para fins estudiosos. Apesar do lançamento dos

instrumentos na Feira de Paris virarem marco para o “renascimento” do cravo,

Steinberg (1963:189) afirma que “no início de 1888, tanto Pleyel, quanto Erard haviam

construído instrumentos ocasionais”. Apesar de um cravo francês ter sido emprestado

para as empresas, Schott (1974:86) afirma que os cravos apresentados ainda possuíam

“outras influências, principalmente aquelas dos grandes instrumentos ingleses da

metade do século XVIII por Shudi e Kirckman (sic.)”. Atualmente estes instrumentos

podem ser vistos no Musikinstrumenten-Museum em Berlim.

Tanto o cravo da empresa Erard, quanto da empresa Pleyel possuem cinco

oitavas inteiras, dois manuais, três jogos de cordas sendo dois uníssonos (8 pés)8 e um

oitavado (4 pés). Schott (2012) alega que “nesta época, nenhum metal foi empregado,
7
Ibidem.
8
O termo pés (grafado com sinal de apóstrofo), foi emprestado do órgão e se refere ao tamanho do tubo.
No caso do cravo, ao tamanho da corda. A unidade de medida 1 pé = 0,3048 m. (PAVAN, 2009:34)
9

apesar do encordoamento e as pontes (ou pinos) para mantê-los serem mais grossas que

os dos cravos históricos”. Os saltarelos eram amadeirados, com abafadores originais. A

empresa Erard decidiu manter um dos registros9 de 8’ (8 pés) com plectro10 de pena,

porém, os outros registros eram de couro, assim como todos os registros do cravo da

empresa Pleyel. Ao invés de seis pedais utilizados por Pleyel, Erard a princípio projetou

um engenhoso sistema, que consiste de dois pedais e duas alavancas de harmônicos

acionadas pelo joelho. Porém, apresentou um instrumento onde a mudança de registros

se fazia manualmente, onde posteriormente à Feira, passou para o instrumento

completamente pedalizado. Os teclados possuíam as mesmas proporções e maneiras dos

teclados de seus respectivos pianos modernos. De acordo com Schott (1974:86),

“Diémer apresentou uma série de recitais históricos no cravo durante a Exposição, e

estes foram altamente bem sucedidos de acordo com os relatos contemporâneos”. A

próxima ilustração demonstra os cravos das empresas Erard e Pleyel apresentados na

Feira de Paris em 1889:

9
O termo registro, (stop, jeux, register) foi emprestado da terminologia do órgão e se refere a um conjunto
específico de timbres.(PAVAN, 2009:34). Sua utilização no cravo histórico era realizado através de
mecanismos manuais (puxadores). “Para mudar uma registração, a mão teria que ser levantada do teclado,
interrompendo o som, e consequentemente prejudicaria o fluxo de uma linha melódica ou progressão
harmônica” (ALBUQUERQUE, 2008:82). Em cravos industriais, o mecanismo da maioria deles era
acionado por pedais.
10
Unha ou palheta acoplada em uma lingüeta, que quando acionada, atinge a corda, fazendo-a soar.
10

FIGURA1.1: Cravo Erard. 1889 FIGURA 1.2: Cravo Pleyel. 1889

Como pode ser visto na ilustração, o cravo Pleyel de 1889 possui uma intenção

de decoração mais elaborada no estilo rococó que o cravo Erard, apesar de possuir de

também possuir uma decoração pródiga e ornamentada. Germann (2002:91) afirma que

“atualmente, construtores geralmente possuem a tendência de seguir as tradições das

decorações clássicas para cada tipo de instrumento em geral, mas usualmente as tem

simplificado para poupar despesas e se adequar aos gostos modernos”.

No ano seguinte, em 1890, um jovem professor de música em Londres, porém

nascido na França, chamado Arnold Dolmetsch, presenciou um concerto de música

antiga de seus pupilos (Dolmetsch era professor de violino) acompanhados por um

cravo Shudi emprestado pelos sucessores do fabricante, os Srs. Broadwood. Quando

Dolmetsch era aluno no conservatório de Bruxelas, ele já teria assistido apresentações

de Diémer no cravo em apresentações de música de câmara com violas. Porém, a

impressão deixada nesta exposição a música antiga tocadas em instrumentos de época

foi profunda e teria alterado todo o curso da carreira de Dolmetsch. Durante o período

de 1890 ele continuou a apresentar concertos similares ao que tinha assistido, onde
11

gradualmente aumentou seu arsenal de instrumentos antigos. Neste ano ele adquiriu e

restaurou um cravo Kirkman de dois manuais, um virginal italiano, um clavicórdio

alemão e uma espineta. Seus concertos atraíram um crescente e influente círculo de

artistas, escritores e críticos. De acordo com Campbell (2012):

Após restaurar diversos instrumentos antigos, Dolmetsch fabricou seu primeiro


alaúde em 1893; seu primeiro clavicórdio surgiu em 1894. Através de uma
sugestão de Willian Morris ele construiu seu primeiro cravo, que foi
apresentado na Exibição de Artes e Ofícios, em outubro de 1896.

Este momento de “renascimento” do cravo na Inglaterra também possui uma

honra considerável a um associado da empresa Broadwood: A. J Hipkins. Hipkins foi

um intérprete ativo no cravo, assim como um historiador com autoridade em assuntos

que envolviam instrumentos de teclados em geral. Sua sociedade com uma grande

manufatura de pianos não impediu Hipkins de utilizar os cravos fabricados pelas

empresas concorrentes. Desta forma, ele pode introduzir os cravos das empresas Erard e

Pleyel no circuito musical inglês, no início da década de 1890. Schott (2012) afirma que

“Na década de 1880 e 1890 Hipkins dava palestras demonstrativas nos cravos ingleses

do século XVIII, utilizando tanto seu cravo Kirkman e Shudi-Broadwood da coleção de

sua empresa, e posteriormente nos novos cravos Erard e Pleyel.” Apesar da boa

intenção de divulgar o instrumento em território britânico, aparentemente os novos

cravos fabricados na França não pareceu ter agradado um crítico de artes da época. De

acordo com Steinberg (1963:189) “Bernard Shaw ouviu um dos novos cravos em

Londres, em Janeiro de 1893. E seu relatório sobre a ocasião é particularmente válido

para seu início de documentação sobre como o cravo tem sido mal interpretado durante

sua segunda vida:

Existe a menor razão para supor que se fôssemos fabricar cravos, faríamos
bons cravos? Ai de mim! A questão já está respondida. Sr. Hipkins não
somente tocou em uma linda espineta já mencionada, e em um cravo
comparativamente medíocre, mas também em um novo cravo fabricado por
uma empresa parisiense bastante eminente de fabricantes de pianoforte; e o
cravo não apenas revelou-se como uma aberração rosnando, com vícios de tom
12

que até um harmonium teria se envergonhado, mas evidentemente havia sido


deliberadamente feito de modo a atender as noções comuns dos clientes de um
instrumento poderoso e brilhante. (SHAW apud STEINBERG, 1963:189)

Mesmo com a importância que Hipkins possuiu para a divulgação do cravo em

território britânico, Schott (1974:87) afirma que “a principal iniciativa permaneceu com

Arnold Dolmetsch, e, de fato, o interesse no ‘renascimento’ dos instrumentos antigos se

esvaiu na Inglaterra durante os dez anos em que ele estava vivendo e trabalhando nos

EUA e França.”

O “renascimento” do cravo nos outros países como Alemanha e Europa Central

teve um desenvolvimento menos acelerado, onde nem o tradicional espírito

“antiquariano”, nem os movimentos de Artes e Ofícios tiveram a mesma equivalência

que na Inglaterra. Felizmente a Corte da Prússia foi persuadida por Phillip Spitta11 a

formar uma coleção especial de instrumentos musicais históricos em 1888. Este projeto

foi formado primeiramente ao centralizar aqueles instrumentos que estavam nas

Universidades e em outros estabelecimentos reais, para depois haver um massivo

movimento de campanha para adquirir exemplares adicionais. A década de 1880 era um

período onde produtos advindos de antiguidades eram mais fáceis de serem atualizados,

porém, infelizmente algumas atualizações vinham com atribuições duvidosas e

associações fictícias dos negociantes. Um exemplo bastante citado era o de que toda

harpa francesa do final do século XVIII era vendida com a informação de ter pertencido

à Maria Antonieta. Em uma dessas incitações para adicionar instrumentos, Spitta foi

apresentado a um negociante bastante sagaz, que vendeu um cravo onde alegou ter

11
Phillip Spitta (1841-1894) era um historiador da música. Seus estudos sobre Bach se tornaram seu
principal interesse. Estes estudos duraram entre 1873-1880. Um fato curioso é que na época
confidencialmente se acreditava que, em comum com a era Vitoriana, instrumentos musicais estariam em
constantes aprimoramentos e que se Bach e Handel tivessem conhecido os gloriosos teclados de um
século depois (fortepianos), eles estariam mais que deliciados em ter suas composições interpretadas
neles, ao invés de uma caixa de arames melosa na qual eles foram condenados em suas vidas. Este tipo de
atitude estava firmemente arraigada, até mesmo se adensando em grandes trabalhos acadêmicos, como o
de Spitta. (SCHOTT, 1974:85)
13

pertencido ao próprio J. S. Bach, e que apesar do cravo não possuir assinaturas, este

cravo haveria sido construído pelo Johan Gottfried Silbermann (SCHOTT, 1974:88).

Devido a essa informação, este suposto “cravo de Bach” tornou-se referência para

diversos construtores. Em 1899 já havia instrumentos modernos que foram modelados a

partir deste “cravo de Bach”, onde se tornaram cada vez mais elaborados e curiosos na

tentativa de conquistar a Europa Central (SCHOTT, 2012). A verdade veio à tona no

início de 1924 quando o musicólogo Georg Kinsky havia arriscado a ira do mundo

musical por mostrar conclusivamente que o instrumento nunca poderia ter pertencido a

Bach. Devido ao fato de Schott ter escrito um artigo em 1974, ele afirma que até os dias

atuais (1974) o espectro desta decepção assombra a construção de cravos na Europa

Central. “Se tivesse sido um instrumento convencional, o dano causado por este tipo de

fraude teria durado, no máximo, um efeito temporário sobre as contas Reais Prussianas”

(SCHOTT, 1974:88). Porém, a coleção de Berlim também contou com instrumentos

originais que pertenceram a pessoas notáveis como Frederico, o Grande, Mendelssohn,

Weber e Mayerbeer, além de outros espúrios como o “piano portátil” de Mozart.

No final do século XIX uma jovem polaca chamada Wanda Landowska

terminava sua educação musical em Berlim, estudando piano e composição com

Heinrich Urban. Embora tivesse visto cravos que despertaram a sua curiosidade, os

instrumentos com que se deparou haviam sido negligenciados e não estavam em

condições de serem tocados. Somente quando se mudou para Paris em 1900 que seu

interesse pelo cravo desenvolveu e amadureceu, apesar do repertório setecentista e

oitocentista já preencherem sua imaginação desde quando morava na Polônia. Ao

chegar a Paris, começou uma campanha cujo principal objetivo era:

Reconstituir uma aproximação do cravo tão próxima quanto aquelas de meados


do século XVIII, quando haviam atingido o auge de sua glória para a riqueza
dos registros e beleza da sonoridade. O cravo [...] pessoas os conheceram
apenas como uma peça de museu. Adornada com entalhes ricos, decorados
com cores desbotadas e ouro ofuscado, eles aparecem como fantasmas, outrora
14

magníficos, agora eternamente mudos. Qual era a voz desses cravos de que os
músicos da época falam com tanto prazer? Para fazê-lo viver novamente, para
dá-lo sotaques jubilosos ou patéticos, para evocar a pureza polifônica, para
fazer os teclados acoplados ressoarem, para cantar com tons remanescentes as
cantilenas amorosas, tal era o meu sonho, um sonho múltiplo e vasto. (LO,
2004:13)

Segundo Schott (1974:90), em 1905, Albert Schweitzer12 já acumulava elogios

sobre a jovem artista. Ele alegava que “quem já ouviu a Sra. Wanda Landowska tocar o

Concerto Italiano no maravilhoso cravo Pleyel que enfeita sua sala de música,

dificilmente poderá imaginar que este Concerto também pode ser interpretado em um

piano moderno”. O instrumento que Schweitzer referiu se trata de um modelo Pleyel de

1889. Por achar que o instrumento possuía algumas falhas, Landowska contatou o

diretor da empresa parisiense Pleyel, Gustave Lyon, para desenvolver um instrumento

para ela. O engenheiro chefe M. Lamy ficou responsável de esquematizar planos para o

novo instrumento, a fim de satisfazer os anseios de Landowska. Em 1912, o cravo da

empresa Pleyel “modelo Landowska” estava pronto. Kottick (2004) afirma que a

primeira vez que este cravo apareceu em público foi em 1923, porém o autor cita este

cravo como um modelo estruturado com ferro fundido. Este foi o único instrumento que

ela tocou, ensinou e gravou pelo resto de sua vida.

Enquanto estes desenvolvimentos aconteciam com o cravo na Europa,

Dolmetsch passava alguns anos nos Estados Unidos, apresentando o repertório do

século XVIII em instrumentos característicos da época. Desta forma, ele divulgava o

repertório e os instrumentos em toda a costa dos Estados Unidos. Em 1905, em Boston,

Dolmetsch recebeu uma proposta de trabalho na manufatura de pianos Chickering &

Sons, para coordenar um departamento próprio na fabricação de cravos, clavicórdios,

espinetas, virginais, alaúdes e violas. Dolmetsch aceitou e chefiou este departamento até

12
Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1952. Formou-se em Teologia e Filosofia. Era considerado um
dos melhores intérpretes de Bach e uma autoridade na construção de órgãos. Neste ano em questão
(1905), Schwaitzer iniciou o curso de medicina.
15

1911, onde algumas dificuldades financeiras compeliram para o fechamento da

empresa. Campbell (2012) afirma que “alguns de seus melhores instrumentos datam

deste período, incluindo um cravo para Busoni.” Associados a Dolmetsch, três

americanos estavam entre os pioneiros a defenderem o cravo: Arthut Whiting, que

apresentou concertos com os cravos fabricados por Dolmetsch na empresa Chickering

& Sons no início de 1907; Frances Pelton-Jones, que parece ter sido bastante conhecida

tanto por suas fantasias quanto sua maneira de tocar; Lotta Van Buren, que se

apresentou e restaurou uma variedade de instrumentos históricos; e John Challis, que foi

para Londres aprender com Dolmetsch a construção de instrumentos, mas se recusou a

copiar instrumentos históricos. Palmer (1989:89) alega que Challis bradou em um

recital apresentado em um cravo Hubbard: “Se eu ouvir mais uma nota com plectra de

pena eu vou vomitar”. Porém, Palmer apud Bryant (1991:423) alega que na América,

provavelmente a indicação mais antiga que se tem sobre o “renascimento” do cravo foi

o trabalho de um colecionador natural da Bavária chamado Morris Steinert. Ele deu

palestras com demonstrações de cravos restaurados na década de 1880, e seus

instrumentos posteriormente formaram a base da notável coleção da Universidade de

Yale.

Em 1929 o instrumento estava firmemente restabelecido na cultura musical

ocidental. Entretanto, estes instrumentos de 1929 eram tudo que um instrumento do

século XVIII não era. Construtores e intérpretes estavam em acordo quase unânime

sobre a fragilidade e instabilidade que o instrumento do século XVIII passava. De

acordo com Kottick (2003:407):

Eles achavam que sua campana de som era muito fraca, permitindo bastantes
movimentos, que levariam a instabilidade de afinação. Eles acreditavam que os
saltarelos estavam imperfeitamente acasalados à suas guias, assumindo assim
que com os modernos métodos industriais, poderiam encaixar uns aos outros
com uma tolerância de meros milésimos de polegada. Achavam os teclados não
satisfatórios, faltando buchas de feltro para garantirem a ação silenciosa, além
do peso suficiente nas extremidades da tecla para garantir o retorno. Saltarelos
eram considerados leves demais, sem a massa necessária para superar
16

“cabides” 13, assim como a gravidade. O plectro de pena de corvo era


considerado muito delicado e de curta duração. O tampo harmônico era muito
fino para proporcionar estabilidade.

Nestes cravos de 1929, seus plectros, ao invés de serem de penas de corvo, agora

eram de pedaços rígidos de couro, que eram necessários para a utilização de um jogo de

cordas mais resistentes, que necessita um jogo de teclas mais pesadas. Para tudo isso

acontecer, era necessário um tipo de madeira mais firme para agüentar o peso. Desta

forma o instrumento ficava cada vez mais parecido com um piano. A próxima figura

(Fig. 1.3) representa um cravo fabricado nos moldes exigidos por Wanda Landowska:

FIGURA 1.3 Grand Modèle de Concert de Pleyel.

Lo (2004:14) concorda que “o Pleyel da Landowska é construído próximo a

exatidão de um piano”. Kottick (2004) conclui que:

Estas combinações de teclados maciçamente contruídos, saltarelos, plectros,


cordas [...], garantiram que as ações flexíveis do cravo histórico, com sua
habilidade de frasear, articular, e mesmo produzir limitados efeitos de
dinâmicas, estavam completamente perdidas. [...] Também, o Pleyel espalhava
a percepção de que era um instrumento poderoso e colorido. Na vida real,
porém, seu som era esquálido e decepcionante. Ainda assim, a lenda de

13
“Cabide” é um termo utilizado quando ao acionar um saltarelo, seu plectro não retorna para baixo da
corda após soltar a tecla. Assim, o plectro fica pendurado acima da corda, como um cabide.
17

Landowska e seu Pleyel era tão forte que as pessoas se convenceram de que
estavam ouvindo algo especial.

O advento do novo Pleyel obteve um efeito enorme na construção de cravos na

Alemanha. O tipo de construção pesada dos cravos da empresa Pleyel também foi

imitado por firmas como Maendler-Schramm, uma oficina em Munique de 1906, e

Neuperts de Bamberg, uma antiga fábrica de pianos que iniciou a construção de cravos

ao mesmo tempo.

O “renascimento” do cravo, porém, parece ter ocorrida em duas fases. Quando o

cravo industrial se instalava no cenário musical europeu, pessoas como Frank Hubbard,

William Dowd e Hugh Gough vieram a perceber a superioridade inerente dos modelos

históricos sobre os industriais, e entre 1950 começaram a desenvolver instrumentos

inspirados por eles. Essa data é afirmada por Kottick (2004), onde alega que “a

construção de cravos estava parada durante a Guerra, mas dentro de cinco anos depois

do fim das hostilidades surgiu uma nova geração de construtores, que tentaram imitar as

práticas de construção dos antigos mestres.” Pela primeira vez no século novo, os novos

cravos abordam os sons dos instrumentos antigos, e os resultados assustavam cada vez

mais. De acordo com Kottick (2004), a razão seria que “os cravos historicamente

copiados produziram mais volume, pareciam mais graciosos e eram mais fáceis de

afinar e manter, possuindo assim um som mais atraente e mais útil, e as suas disposições

relativamente simples serviram melhor que os modelos industriais [...]”. A descoberta

foi feita a partir dos construtores de antigamente, que ao invés de trabalharem nesta fase

pré-industrial, eram artesãos informados e sofisticados. Este movimento chamou a

atenção de estudiosos e melômanos, onde se possibilitou formar o termo que é

normalmente utilizado como Movimento de Performance Historicamente Informada14.

O termo “historicamente inspirado” também é utilizado em uma contextualização

14
PAVAN (2009:32)
18

similar. De acordo com Rocha apud Pavan (2009:32) “alguns construtores menos

conhecidos uniram-se aos musicólogos e deram início a uma série de questionamentos

sobre a maneira como os cravos vinham sendo construídos. Vários cravos históricos

foram restaurados, revelando as reais qualidades fônicas do instrumento”.

O momento definitivo para o cravo no meio do Século XX veio na segunda das

exibições internacionais que aconteceram em Bruges, Bélgica. Na primeira, em 1965, a

fábrica de instrumentos alemã dominara; mas três anos depois a revolução já havia

ocorrido, e as fábricas de cravo se mostraram pobre quando confrontadas com os

modelos historicamente copiados. Assim, o festival de Bruges de 1968 - 79 anos após a

exposição de Paris - marcou o início do fim do cravo industrial e despertar da

hegemonia do instrumento historicamente copiado (KOTTICK, 2004). Schott (1975:

52) escreveu um artigo sobre o festival de Bruges do ano de 1974 (duas edições

posteriores ao de 1968), onde afirma que “fui imediatamente atingido pela mudança

fundamental no tipo e na qualidade dos instrumentos exibidos. Foi-se o cravo industrial,

a estrutura pesada, os plectros de couro com registros nos pedais [...] que dominaram o

cenário de concerto por décadas”.

Em suma, o “renascimento” do cravo se iniciou com a construção modificada do

mesmo, e em 1929 seu som fora aceito como “o som do cravo”. Pode se afirmar que há

uma significativa importância na construção destes instrumentos. Em um breve

momento reflexivo, Kottick (1992:51) realça que “se pianistas não houvessem tocado,

se ninguém os houvesse construído, não haveria demanda, finalmente, para o cravo de

cópia histórica.”. Atualmente nós não somente distinguimos os cravos entre Italiano,

Franco-flamengo, Inglês, Germânicos e Ibéricos; nós reconhecemos que há distintas

diferenças entre os estilos regionais entre os Séculos XVI, XVII e XVIII.


19

1.2 Primeiras Composições para Cravo Industrial

Antes de iniciar este tópico, é importante ressaltar que não é a intenção do autor

desta dissertação catalogar, ou numerar em sua totalidade as composições ou

compositores que escreveram para o cravo industrial. A primeira composição para cravo

industrial ocorreu ainda no século XIX. Um compositor de salão francês chamado

Francis Thomé (1850-1909) compôs Rigodon Op. 97 para Louis Diemér em 1892

(ELSTE, 1991:204). Porém, Lindorff (1982:06) afirma que a adaptação de Maurice

Ravel no epigrama de Clement Marot (séc. XVI) D’ Anne jouant de l’espinette, foi a

referência da utlização do cravo industrial mais antiga. “O acompanhento do cravo

representa programaticamente sua contrapartida do século XVI.” O interesse no cravo

como um meio composicional durante o século XX pode ser associada a Manuel de

Falla, ao compor El Retablo de Maese Pedro, em 1923. Algumas dissociações por parte

de Feruccio Busoni ocorreram, pois sua Sonatina pro clavicembalo datava de 1916.

Outras peças em forma de miniaturas produzidas por compositores ingleses para Sra.

Violet Gordon Woodhouse datam antes de 1923, como a obra Dance for Harpsichord

(1919), de Freredick Delius. Porém havia bastante indicações similares a indicações de

piano (como marcação de pedal harmônico). Schott (1973:79) diz que “compositores

deveriam entender que o alcance da dinâmica cravística pode ser melhor explorada ao

pensar primeiramente em termos de textura e tessitura ao invés de registração”.

Estas composições datadas anteriormente a 1923, ainda remetiam aos moldes da

música do século XVIII, pois, talvez por uma ausência de tradição no que concerne à

música contemporânea para cravo, estas composições eram muitas vezes inspiradas em

moldes históricos. Outros aspectos poderiam recorrer para causar algumas desavenças,

pois segundo Steinberg (1963:189) a parte cravística da peça “El Retablo” (não se

tratava de uma obra solística) foi composta pela própria Wanda Landowska. Segundo
20

Lindorff15, “o cravo entrou no século XX como um intérprete no palco operístico. Tanto

Massenet (Therèse, 1906) e Busoni (Die Brauthwahl, 1911) empregaram-o como um

papel próprio, como um instrumento barroco, da mesma maneira que Mozart e Verdi

tinha utilizado o bandolim em suas óperas”. A década de 20 também foi importante

para a composição de dois concertos bastante representativos para qualquer cravista que

resolva se aventurar no repertório do século XX: O Concerto para cravo, flauta, oboé,

clarinete, violino e violoncello de Manuel de Falla, composto em 1926; e o Concert

Champrête de Francis Poulenc, composto em 1927-28.

Steinberg (1963:189) fez uma lista em um artigo que possui mais de 150

compositores que haviam feito composições para cravo nos últimos cinquenta anos da

escrita de seu artigo. Vale lembrar que a lista destes compositores incluem obras tanto

para cravo solo, quanto música de câmara, ou orquestral16.

Schott (1979:79) ao comentar sobre o artigo de Steinberg acredita que em 1979

esta numeração de compositores haveria dobrado. Há de se considerar mais alguns

compositores que não foram citados, talvez pela composição utilizar o instrumento

somente como uma coloratura nostálgica perceptível, e não para a obra inteira. Entre

15
Ibidem.
16
Steinberg (Ibidem.) afirma: Eu espero no futuro preparar um catálogo próprio do repertório para cravo
moderno (sic.). Aqui, por enquanto está uma lista de nomes para os curiosos: Abendroth, Ameller,
Angerer, Babbitt, Baird, Bartand, Batolozzi, Baur, Beck, Bem-Haim, Berger, Bernard,
Bialas,Blackewood, Blumer, Borris, Braithwaite, Brandstetter, Brogue, Burkhard, Busoni, Carter,
Casadeus, Castelnuevo-Tedesco, Cerha, Cohn, Coleman, Cortese, Cowell, Curandeau, Davies, Debruck,
Degen, Delannoy, Delius, Demuth, Dietrich, Distler, Donatoni, Driessler, Duhamel, Duke, Eder, Erb,
Escher, Falla, Fiorillo, Fortner, Françaix, Frazzi, Gener, Ghisi, Gingold, Grainger, Grunenwald, Haieff,
d´Harcourt, Harrison, Haubenstock-Ramati, Hauer, Henze, Herrmann, Hessenberg, Hoeller, Hovhannes,
Howe, Howells, Ibert, Ikonomow, Jacobi, Jones, Kaminsky, Kauffmann, Klebe, Knab, Von Knorr,
Kraehenbuehl, Krenek, Ladmirault, Laks, Lamb, Langlais, Leclère (Klingssor), Layton, Leibowitz, Leigh,
Lessard, Levy, Luening, Malcolm, Maler, Malipiero, Manuel, Des Marais, Martin, Martinu, Marx,
McBride, McDowell, McPhee, Mellers, Micheelsen, Mieg, Migot, Milhaud, de Monfred, Moser, Murrill,
Naginsky, North, Nussio, Oboussier, Von Oertzen, Orbôn, Orff, Parris, Passani, Peeters, Pepping,
Persichetti, Petrasssi, Pinkham, Piston, de Polignac, Porter, Poulenc, Powell, Raasted, Ránki, Read, F.
Reuter, S. Reuter, Rieti, Roesgen-Champion, Saguer, Schaefer, Schmitt, Schuller, Shapero, Smyth,
Sorabji, Soulage, Staalenberg, Stravinsky, Surinach, Tansman, Thomas, Thomson, Trimble, de
Vallombrosa, Vaughan Williams, Veretti, Wagner-Régeny, Von Waltershausen, Weber, Weisse e
Wigglesworth.
21

eles estão Maurice Ravel, e sua Fantasie Lyrique L´enfant et lês Sortiléges, de 1920-24,

Jules Massenet e seu drama musical Therése de 1905-06, Reybaldo Hahn e sua comédia

musical Mozart de 1925. Outros compositores como Richard Strauss, Paul Hindemith,

Hans Eisler, Fritz Geissler, Kurt Schwaens, Paul Dessau, Samuel Adler, Bordeaux,

Hans Martin Linde, Rudolf Kelterborn, Pierre Batholomée e Dieter Schnebel também

não foram citados.

A utilização do cravo industrial como meio composicional aguçava a

curiosidade dos compositores no sentido de explorá-lo completamente. Compositores

como Pierre Bartholomeé17, Hans Zeder, Anneli Arbo, Ted Poniee, Jukka Tiensu

preferiram estudar maneiras de estender o sistema de temperamento igual, onde cada

manual possuía um temperamento diferente. Gyorgy Ligeti preferiu interagir os pedais

com o instrumento, e Martinu resolveu contrastar dois instrumentos de teclados

diferentes, como cravo e piano. Eliot Carter escreveu para um modelo específico do

instrumento, contruído por John Challis, que possuía uma grande variedade timbrística.

De acordo com Caldwell (2012), Roman Haubenstock-Ramati em seu concerto para

cravo e orquestra de 1978 (baseado em seu Recitative et Aria de 1954-55)

possivelmente foi o primeiro compositor a explorar completamente as qualidades

percussivas do instrumento. Haubenstock-Ramati apresentou o cravo como um

instrumento barulhento e pontilhístico, no espírito da música concreta.

Segundo Pavan (2009:40) “Alguns compositores interessados no público,

preferem compor em estilo minimalista ou ainda em estilo neo-clássico”. Não é por

acaso que o cravo - em conexão com composições atuais - seja utilizado como um meio

para a ilustração musical de uma época histórica do passado. A escrita moderna no

moldes do século XVIII, ou anterior, é encontrada em muitas composições para cravo

17
Bartholomeé sugeriu temperamentos diferentes para cada manual do cravo, além de dividir uma oitava
em 21 semitons iguais.
22

como uma referência histórica direta à época que se passou. De acordo com Elste

(1994:13) a “nostalgia de composição manteve-se até muito recentemente em um tópico

de muitas composições para cravo.” Nas composições modernas para cravo, podemos

encontrar obras escritas tanto em texturas vanguardistas – tais como pontilhistas,

aleatórias e até mesmo eletroacústicas – quanto obras que expressam esse tipo de

nostalgia composicional, calcadas um certo historicismo musical. Carl Dahlhaus, em

seu ensaio “O que é historicismo musical?” observou a diferença entre a tradição e o

historicismo (no sentido de restauração). No mesmo sentido, Erich Doflein(1969) define

historicismo em um estilo no qual o passado é designado para uma nova presença. O

passado, no entanto, possui a aparência de diversas obras ou estilos, porém, deve ser

ainda considerado passado, um tipo especial: ele não pode representar a tradição, mas

serve de modelo ou inspiração. Elste ao escrever seu artigo em 1994 afirma que “desde

então, há cerca de 5000 composições que utilizam o cravo como meio de som, entre eles

1500 são composições solo”. Frances Bedford e Robert Conant publicaram um catálogo

de músicas para cravo no século XX, em 1974. Neste catálogo estavam listadas obras de

mais de 700 compositores. (LINDORFF, 1982:5)

1.3 As Composições para Cravo no Brasil no século XX.

Apesar de não se ter conhecimento de quando o primeiro concerto para cravo foi

realizado no Brasil durante o século XX, de acordo com Augustin apud Albuquerque

(2008:145):

acredita-se que Hans-Joachin Kollreutter (1915-2005), flautista, compositor,


professor e musicólogo alemão, tenha sido um dos pioneiros a levar a música
dos séculos XVII e XVIII às salas de concerto. Ele chegou ao Brasil em 1937 e
no início da carreira, dedicou-se ao repertório barroco para flauta doce,
acompanhado por uma harpista e uma cravista italianas.
23

Albuquerque (2008:146) alega que “é efetivamente na década de 50 que o cravo

finalmente passa ser tocado em concertos, e na década de 60 começam a ser dadas aulas

dos instrumentos, ainda que de forma periódica, não regular”. Um exemplo bastante

lembrado foi a vinda do cravista tcheco Stanislav Heller18 ministrar um curso de cravo

no então Seminário de Música Pro-Arte, de São Paulo em 1961. “Este foi o primeiro

contato de alguns futuros professores de cravo com o instrumento [...]”

(ALBUQUERQUE, 2008:153). Como o instrumento ainda era escasso país, Heller

trouxe seu próprio instrumento, descrito pela cravista Regina Schlochauer apud

Albuquerque (ibidem.):

O primeiro professor e, também, o primeiro recital de cravo a que assisti, foi


com o Stanislav Heller. Tinha trazido consigo um cravo, grande, de registros de pedal.
Não era um Neupert. Heller veio por conta da Pró Arte, ou seja, do Sr. Theodor
Heuberger. Deu recitais e aulas de cravo, sobretudo. [...] Falava-se de técnica no sentido
de evitar o excesso de peso característico da escola de piano que se usava no Brasil. Os
alunos eram pianistas interessados em aprender mais sobre o instrumento que se
associava à música de Bach.

Este tipo de informação leva a outros questionamentos que concernem às

primeiras composições para cravo no Brasil. Pavan (2009:45) fez um intenso trabalho

de pesquisa sobre as composições para cravo feitas no Brasil durante o século XX.

Foram reunidas (122) cento e vinte duas obras para cravo escritas por (49) quarenta e

nove compositores brasileiros (ver anexo III). Dos compositores brasileiros, três são

naturalizados: Eduardo Escalante da Argentina, Ernst Mahle da Alemanha e Ernst

Widmer da Suíça. Este levantamento foi minuciosamente divido em categorias de

cravo solo, cravo com dois ou três instrumentos e cravo com quatro ou mais

instrumentos (ou orquestra). Das obras listadas, quatro delas não possuem data de

composição. As obras são: Divertimento de Câmera, de Carlos Agnes; Sonatina para

18
Stanislav Heller (1924 – 2000) era um cravista Tcheco, seu interesse pelo cravo partiu inicialmente por
Thomas Goff. Após ter sido aluno de Aimeé van der Wiele e Ralph Kirkpatrick, Heller se estabeleceu na
década de 50 como um cravista brilhante que trouxe para o instrumento padrões de primeira linha. Heller
possuía interesses particulares em música francesa para cravo e em repertório contemporâneo. De 1968 a
1989 foi professor de cravo e música de câmara histórica na Staatliche Hochshule em Freiburg, onde era
conhecido por sua doutrina inspirada e exigentes normas técnicas (LEDBETTER, 2012).
24

Violão e Cravo de Radamés Gnatalli (manuscrito); Sonata para Cravo de Amaral

Vieira (filho), que por estar inconclusa, não tem data de composição no catálogo do

compositor; Choro para uma Flauta de Cristal (flauta, fagote e cravo) de Brasílio

Itiberê Sobrinho (II) (também inconclusa). Devido à falta de informações, a primeira

obra datada nesta lista é Imitando Cravo ou Espineta de Francisco Mignone, e

Audiocomplemento para Sigfried Lenz de Ernst Widmer (flauta, oboé, quarteto de

cordas e cravo), ambas de 1951.

O Século XX está repleto de inovações composicionais, e em meio disso, a

música de concerto aprimorou suas vertentes. Ultimamente a presença de meios

eletrônicos como amplificadores e fita magnética em composições para cravo expandem

suas formas de expressões. Algumas dessas composições ainda utilizam elementos

composicionais como grafismos, aleatorismo, pontilhismo mesclados a uma escrita

característica dos séculos anteriores. Pavan (2009:59) afirma que “em todas as obras

percebe-se uma grande variedade de estilos em conformidade com as tendências

modernas, aliadas à variedade de instrumentações”. Calimério Soares apud Pavan

(2009:40) discorre sobre as tendências da música do século XX ao afirmar que:

[...] vivemos em uma época onde o ecletismo se tornou um elemento formal,


talvez, um elemento de unificação estética das mais diversas tendências de
linguagem e estilo. O mundo sonoro que nos cerca é, às vezes, caótico. Tentar
reunir e organizar esse caos sonoro dando a ele sentido estético é, sem dúvida,
a maior tarefa e responsabilidade do compositor de nossos dias.

1.4 A Escrita de Santoro para Cravo

Cláudio Santoro compôs apenas duas obras no qual o cravo é utilizado. Ambas

as obras, contudo, foram claramente compostas para cravo industrial. A primeira

composição de Santoro para cravo não se trata de uma peça solo, e sim de uma obra

eletroacústica mista, intitulada Mutationen I. A obra foi encomendada pela cravista


25

suíça Antoinette Vischer no final de 1968. Neste mesmo ano, a cravista também havia

encomendado uma peça para o compositor Gyorgy Ligeti, peça tal que se tornou

referência para cravo contemporâneo: Continuum. A segunda obra foi composta para

cravo solo em 1977, intitulada 6 Stücke für Cembalo, onde seis peças são apresentadas,

cada uma com uma textura cravística peculiar (ver capítulo 3). Nesta época, Santoro era

professor em Freiburg e morava em uma pequena cidade chamada Schriesheim. Nesta

universidade havia também no corpo docente o cravista Stanislav Heller, a quem

Santoro dedicou esta obra. Santoro organizava nesta pequena cidade uma série de

concertos para promover a cultura artística na região, e Heller já chegou a se apresentar

em algum destes eventos. Hoje a cadeira de Heller é ocupada por Robert Hill.

Mutationen I para cravo industrial e fita magnética, mescla elementos gráficos

com diagramações de notas previamente estabelecidas. A peça é dividida em 14 seções,

onde 10 dessas 14 seções são interpretadas de forma solística. Durante todo o decorrer

da obra o compositor dá indicações sobre como interpretá-las. A utilização de pedal se

faz presente em quase toda a obra. A peça inicia de forma pontilhística, mesclada com

grafismos, onde contrastes de sons graves e agudos, associados a silêncios súbitos, são

apresentados ao ouvinte. Porém, à medida que a peça se desenrola, a escrita cravística

aparece, juntamente com a parte da fita magnética, como se realmente houvesse

acontecido uma mutação de algo referente ao piano (há indicações de dinâmicas no

início) para o cravo. A próxima ilustração (Fig.1.4) demonstra no início de Mutationen I

as três primeiras seções:


26

FIGURA 1.4 Início de Mutationen I. SANTORO. Tonos Darmstadt, 1971 p.01 Seções 1-3

A escrita cravística da obra aparece nas duas últimas seções (13 e 14). Na seção

13, a abordagem de Santoro faz referência aos acordes arpejados que estão presentes

frequentemente na interpretação cravística (Fig. 1.5)

FIGURA 1.5. Seção de arpejos. SANTORO. Mutationen I. Tonos Darmstadt, 1971. p.2 Seção 13.

Esta escrita cravística é também utilizada por Santoro na terceira peça que

compõe 6 Stücke für Cembalo. (Fig. 1.6)

FIGURA 1.6. SANTORO. Prelúdio III. Savart, 1977. Sist. 01


27

Na última seção de Mutationen I, Santoro utiliza outro elemento característico

da escrita cravística. A diagramação de notas apresentada na Fig. 1.7 associadas com

ligaduras faz referência aos préludes non mesurés de diversos autores franceses datados

do século XVII. Este assunto será abordado de modo mais extenso no capítulo 3. (Fig.

1.8):

FIGURA 1.7. Notas diagramadas. SANTORO. Mutationen I. Tonos Darmstadt, 1971. p.02 Ind.14

FIGURA 1.8. Notação non mesuré. L. COUPERIN. Prélude (a l´ imitation de Mr. Froberger). Sist.18

Santoro também utiliza esta notação em algumas peças que compõem o grupo 6

Stücke, onde já mostra bastante familiaridade com a escrita característica da época. (Fig.

1.9):
28

FIGURA 1.9. Escrita non mesuré. SANTORO. Prelúdio I. Savart, 1977. Sist.01

De acordo com Pavan (2009:59). “existem composições que demonstram grande

conhecimento das possibilidades idiomáticas do cravo por parte dos compositores.

Entretanto, outras obras revelam desconhecimento do instrumento”. Eis aí que surge a

necessidade de conhecimento da escrita cravística.e suas particularidades, além da

utilização de seus recursos, articulações e afins. Kirkpatrick apud Lindorff (1982:57)

afirma que:

escrever para o cravo pode ser uma disciplina de primeira classe para o
compositor. Suas limitações [...] forçam a atenção do compositor para os
elementos fundamentais da expressão musical, para a declamação melódica
perfeita, pulso rítmico sustentado, ao perfeito entremeamento de frases
harmônicas. [...] É de se esperar que os compositores futuros, cada vez mais
familiarizados com o instrumento, irão contribuir para uma literatura rica e
nova.
29

CAPÍTULO 2 -

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS SISTEMAS COMPOSICIONAIS QUE

INSPIRARAM A OBRA 6 STÜCKE FÜR CEMBALO.

2.1 Introdução

Alguns anos antes do início da Primeira Guerra Mundial, a Europa assistia o

despontar de três grandes compositores: Alban Berg, Arnold Schoenberg e Anton von

Webern. Suas linguagens iriam revolucionar os aspectos estruturais na música do início

do século XX. Após considerarem o sistema tonal definitivamente superado, as

produções destes três compositores se basearam em negar qualquer pressuposto teórico

que remetesse ao sistema tonal. Esta negligência para com o sistema tonal irá se tornar

característica de movimentos modernistas, onde uma nova estrutura na música moderna

do século XX será enunciada. De acordo com Lívero (2003:04):


30

O sistema tonal é essencialmente diatônico, formado pelas tonalidades e o


relacionamento entre os acordes. Os momentos de tensão e relaxamento (eixo tônica-
dominante), e suas ramificações, são a base de obras para instrumento solo e
posteriormente para conjuntos de formações variadas, como entre outros, quartetos,
trios e também orquestra.

Schoenberg estaria convencido de que seus novos sons seriam orgânicos para os

ouvidos, mas para isso precisou estudar sobre como fazer um sistema que fugiria de

outro sistema que perdurava por mais de três séculos. A solução que justificaria o

caráter dissonante dessa harmonia e suas sucessões veio das próprias palavras de

Schoenberg (apud LÍVERO, 2003:10):

Eu encontrei a base para um novo procedimento na construção musical que parece


apropriada para repor estas diferenciações estruturais providas anteriormente pela
harmonia tonal. Eu chamei este procedimento de “Método de Composição com 12 notas
relacionadas exclusivamente entre si.”

Entre as décadas de vinte e trinta, havia certa dicotomia entre duas tendências

estilísticas que estavam em voga no cenário musical da Europa. Enquanto o trio

mencionado, que se tornou consagrado como a “Segunda Escola de Viena”, adota sua

produção como a alternativa mais lógica devido ao colapso do sistema tonal através do

atonalismo, dodecafonismo e serialismo, por outro lado, uma corrente não-serialista

definida por Bartók, Hindemith e Stravinsky representa a continuidade de uma

expressão de caráter mais conservador. De acordo com Brindle apud Mendes (2009:18):

Em termos gerais, os compositores foram atraídos pelas obras de Bartók, Stravinsky, ou


Hindemith, imitando um ou outro de seus estilos. [...] Ainda que contrastantes, as obras
destes três compositores não conflitam entre si, podendo ser consideradas a continuação
dos estilos dos anos vinte e trinta. [...] Mas, esta franca confrontação entre serialismo e
não-serialismo, rapidamente, se tornaria mais intrincada pelas divisões entre os
serialistas. Alguns, lutando por uma linguagem mais ascética e menos emocional do que
o expressionismo schoenberguiano [...] apoderaram-se das delgadas concepções
intelectuais de Webern como base para uma nova linguagem [...] outros, procurando
unificar o novo método composicional com a tradição, preferiram evitar Schoenberg,
em favor da forma berguiana de serialismo mais indulgente.
31

Ao rever as fases composicionais de Santoro, Lívero (2003:68) revela que o

período atribuído entre 1960 até 1989 compreenderia a fase de “retorno ao

serialismo”19. De acordo com Ventura (2008:08):

As obras escritas após 1960 retornam a um estilo orientado para a atonalidade.[...] Em


uma busca do que o compositor considera “forma e linguagem universais”,[...] este
momento é marcado pela preocupação com uma maior liberdade na organização dos
sons.[...] É bastante interessante observar como Santoro retoma de forma livre a
linguagem dodecafônica, após ter contato com serialismo integral, demonstrando
evolução na própria linguagem.

Esta afirmação pode ser constatada em uma carta escrita por Santoro a Ernesto

Xancó (apud Mendes, 2009:01) em 1971, onde o compositor alega:

Nestes anos fiz muitas transformações. Durante uns 10 anos escrevi música mais
nacional, mas logo a partir de 60 fui voltando ao serialismo até estar de novo em dia
com o mais moderno. Foi um desenvolvimento um pouco cômico, mas, autêntico.

Aparentemente, esta preocupação de Cláudio Santoro em buscar “forma e

linguagens universais”, como citado por Ventura, se manteve presente até o fim de sua

jornada composicional. Em uma entrevista ao Professor e compositor Raul do Valle em

Heidelberg, Alemanha, no ano de 197620, o compositor denota uma certa preocupação

sobre como parametrar dissonâncias e consonâncias na música atonal, sendo estes

parâmetros as características principais da música tonal:

Na minha opinião a obra de arte hoje não é acabada, não pode ser acabada, ela não pode
ter princípio e um fim. Ela tem que ter elementos de dinâmica, daí justamente um dos
grandes erros e problemas da música atonal: não conseguir ultrapassar uma das coisas
muito importantes que a música tonal fez, que é essa dinâmica das chamadas
dissonância e consonância. Essa dinâmica, do ponto de vista dialético, esse contraste
que dava o movimento na música, que estabelece justamente esse parâmetro da
dissonância e consonância, a cadência, enfim. E este elemento que é importantíssimo na
música tonal, não conseguiu ser substituído na música atonal.

19
Convém lembrar que as fases composicionais de Cláudio Santoro descritas por Lívero não são
unanimidade. Mendes (2009) classifica o período apreendido de 1960 até 1989 em três fases distintas:
“retorno ao serialismo” de 1960 até 1966, posteriormente seguido da fase “avant garde” compreendida
entre 1966 até 1977, e a fase de “maturidade” entre 1978 até 1989.
20
Material gravado em fita K7 e transcrita por Lívero (2003: 74-97).
32

Um apanhado histórico que expõe os principais aspectos da iniciação de Santoro

referentes ao sistema serial e dodecafônico ilustra suas descobertas de novas

perspectivas de organização musical. A visão dos primeiros momentos composicionais

de Santoro, como será apresentado posteriormente, pode, mesmo se tratando de uma

obra atonal, elucidar seus elementos a um cotejamento ilustrativo posterior.

2.2 Cláudio Santoro e o Serialismo.

Em 193921, um movimento de renovação no cenário musical brasileiro já

acontecia por intermédio do grupo Música Viva, inspirado em periódico homônimo que

se tratava na Europa da divulgação dos compositores do Sec. XX nos anos vinte e trinta.

Em 1937, o compositor H.J. Koellreutter22 transfere-se para o Brasil com estas

renovações estéticas ainda impressas em sua mente23, criando assim o grupo que

corresponderia a uma ponte que liga o que havia de mais moderno na Europa e a

realidade musical brasileira. Em sua primeira formação, o grupo não se integrava

somente de compositores, e sim de intelectuais que buscavam estudar e discutir as

estéticas musicais do século XX. Posteriormente, após o grupo já haver um

determinado número de personalidades do cenário musical carioca, o movimento

apresentaria em seus encontros uma diversificada gama de tendências: 1) “gamas

diversas do panorama musical internacional”, Hindemith, Prokofiev, Henze, Berg,

Schoenberg, Webern, etc. 2) “frente nacionalista” Villa-Lobos e Guarnieri; 3)”nova

escola de composição brasileira (ainda incipiente), Santoro e Koellreutter.” (MENDES,

2009:21).

21
Ano em que foi catalogada a primeira obra de Cláudio Santoro.
22
Nome associado à introdução da técnica dodecafônica no Brasil.
23
Apesar do título Música Viva ter partido de um periódico, Egg (2004:38) afirma que também se tratava
de um grupo na Suíça, dirigido pelo famoso regente Hermann Scherchen, defensor da música de
vanguarda, e também professor de Koellreutter.
33

Em “Uma estranha evolução”24 (apud LÍVERO, 2003:61), Santoro confirma que

“com Koellreutter conheci as formas de escrever uma série de 12 sons com suas 4

possibilidades. Nada havia escrito ou se havia no Brasil em plena guerra 1939/1940.”

Santoro possuía um gosto bastante “instintivo” pela técnica dos 12 sons, a ponto de

Koellreutter assumir que o desenvolvimento do compositor brasileiro por essa técnica

não ocorreu por ideologia estilística indicada por seu mestre, mas que está diretamente

conectada ao interesse do próprio Santoro pelo assunto: “Por volta de 1939, Koellreutter

ainda se expressava de maneira muito mais direta à via estética adotada por um

Hindemith do que aquela principiada por um Schoenberg” (KATER apud MENDES,

2009:23). Nas palavras de Santoro:

Estudei com Koellreutter mais técnica, estudei contraponto e muitas discussões


estéticas. Trabalhei diariamente com ele contraponto durante um ano e pouco, toda a
parte da polifonia eu fiz com ele, muito seriamente, intensivamente, diariamente. Sob o
ponto de vista da técnica da composição, aprendi muitas coisas com ele; a técnica que
ele usava era a de Hindemith, mas ele também estava começando a pesquisar sobre
serialismo; ele trouxe as ideias de Schoenberg e só me ensinou como faz uma série e
mais nada e daí em diante eu que trabalhei à minha maneira. (SANTORO apud
MENDES, 2009:24)

[...] O meu princípio era não dar uma estrita técnica, para restringir a liberdade creadora
(sic.) e sim usar de maneira livre a técnica, como elemento estrutural interno da obra
[...] As razões do emprego da dodecafonia, foi procurar estruturar minha linguagem
(espontaneamente atonal) n’um (sic.) sistema que pensava desarrolhar por mim mesmo.
(SANTORO apud MENDES, 2007:01)

De acordo com Kater apud Lívero (2003:28) Koellreutter havia sido discípulo de

Scherchen, cuja proposta era divulgar e melhor compreender a música nova, [...]

“cabendo a ele realizar as primeiras audições de obras fundamentais, propagar a música

de maneira pedagógica”. Koellreutter declara sobre o estímulo que Santoro o deu ao se

aprofundar na técnica dos doze sons:

24
Depoimento de Santoro em gravação transcrita.
34

[...] Lembro dos primeiros trabalhos que fez comigo: a 1ª Sinfonia para duas orquestras
de cordas e da Sonata para violino solo, e outra para piano e violino. [...] sei que ele se
afeiçoou à música dodecafônica, eu mesmo não fazia música dodecafônica naquela
época. Cláudio Santoro foi a força motriz que me levou a abraçar o dodecafonismo, o
contrário como todo mundo pensa. [...] Ele que me levou a aprofundar a técnica dos
doze sons para transmití-la aos outros. Era a técnica mais moderna e tinha que ser
desenvolvida, pois interessava aos jovens.

2.2.1 Hindemith e Brindle

Apesar de seu envolvimento com a técnica serial ser bastante exaltado, mesmo

que de forma “não ortodoxa”, podemos também atribuir uma grande influência do

legado teórico e estilístico de Hindemith nas obras de Santoro. Em sua apostila

intitulada Teoria dos 12 sons, Santoro conduzia seus alunos a praticar a formação de

melodias baseadas no sistema de Hindemith – o “livro verde”25, sendo o modo como se

referia à edição em inglês da obra de Hindemith – visando a preparação para o estudo da

técnica dodecafônica.

Hindemith em sua obra The Craft of Musical Composition, explana trechos de

seu sistema de composição, dedicando boa parte de seu livro à harmonia e à análise dos

intervalos musicais. Ao relacionar diretamente os intervalos com os sons da série

harmônica, Hindemith conclui que, depois da oitava, a quinta justa é o intervalo que

possui uma relação mais estável ou de maior valor com seu som resultante26. Os

intervalos seguintes se dão na seguinte ordem, de maior valor: quarta justa, terça maior,

sexta menor, terça menor, sexta maior, segunda maior, sétima menor, segunda menor,

sétima maior. O trítono se difere de todos, sendo somente analisado de acordo com o

contexto no qual se enquadra. Porém o espaçamento entre as notas muda

consideravelmente a dissonância ou consonância de um intervalo. A próxima ilustração

representa uma tabela identificando os intervalos de maior a menor valor com seu som

25
O livro em questão se aplica ao segundo volume do “ The Craft of Musical Composition”
26
Tradução de combination tones. “A freqüência do som resultante é sempre igual à diferença entre as
freqüências diretamente produzidas pelos sons do intervalo.” (NETO, 2010:129)
35

resultante. Hindemith ainda teve a preocupação de estruturá-la em forma de gráfico para

uma melhor visualização:

FIGURA 2.1 - Ordem decrescente de valores intervalares. HINDEMITH, The Craft of Musical
Composition, Vol. II 1941, p.37

Cabe lembrar que a figura de Hindemith que representa graficamente a ordem

decrescente dos intervalos, ilustra os intervalos através de dois grupos: “Grupo A”, e

“Grupo B”. No livro, Hindemith não explica a causa da separação, porém, como este

livro também trata de um livro de exercícios composicionais, Hindemith alega que o

“‘Grupo B’ segue, com uma escala intervalar de valores que até agora não fomos

capazes de usar; a fim de que, no entanto, devemos agora notá-las para trabalhos

futuros”.

Segundo Mendes (2009:31), à medida em que este processo serial se torna mais

intenso, surgem os gestos musicais mais relevantes desta nova expressão, onde seus

maiores destaques se dão no interesse da ampliação da tensão: a predominância de

intervalos melódicos fortes27, a ampliação drástica da tessitura, ritmos irregulares,

assimétricos e não repetitivos, os contrastes violentos de dinâmica, etc. Brindle

(1966:24), em seu livro sobre composição serial, propõe uma escala de valores

intervalares de forma inversamente proporcional à escala de Hindemith. Brindle ainda

alega que “os princípios de Hindemith no contexto tonal seriam excelentes, mas no
27
De acordo com Brindle estes intervalos corresponderiam a nona menor, sétima menor e maior e sexta
maior e menor. (BRINDLE, 1966: 24, ex.31)
36

campo atonal eles não possuem sequer a mínima validade.” Na próxima figura, segue a

ilustração que dá referência aos valores intervalares de Brindle:

FIGURA 2.2 – Ordem decrescente de valores intervalares. BRINDLE, Serial Composition. 1966,
p.24

Brindle (1966:24), ao se comparar com Hindemith, se posiciona ao afirmar que:

Ele [Hindemith] sublinha o intervalo de segunda maior como sendo o mais forte, e o
intervalo melódico mais bonito, e o refere como o carro chefe das ‘construtores de
melodias’ [...] Mas deve ser lembrado que as conclusões de Hindemith foram
elaboradas somente com referência à música tonal.

Brindle parece se equivocar nesta citação, pois ao reparar novamente a tabela

composta por Hindemith (Fig. 2.1), o intervalo de segunda maior é o mais forte do

Grupo B, porém, não o mais forte em termos absolutos. Cabe afirmar que no livro de

Hindemith (1942:40), o autor realmente trata os “passos diatônicos” ou “progressões

diatônicas” como um “componente integral das melodias”. Porém, sua relação com o

“Grupo B” é percebida apenas a partir da construção de melodia a duas vozes. Deve-se

lembrar também que esta afirmação retrata um determinado estágio de explicação e

exercícios, onde o próprio autor afirma que os intervalos do Grupo B ainda não foram

utilizados. Os exemplos citados por Hindemith sempre englobam uma nota pedal, como

será ilustrado no próximo exemplo, e as outras notas que se deslocam são tratadas como

notas de valores curtos28. Estas notas de valores curtos são representadas por melismas29

28
Ainda não se sabe se os valores curtos são referentes à valores rítmicos menores que o da nota pedal, ou
pela explicação posterior que a partir da primeira nota, seu valor sonoro é diminuído.
29
Hindemith trata este tipo de melisma como nota auxiliar (auxiliary-tone).
37

de segundas maiores ou menores. Hindemith alega que as notas apresentadas após a

primeira, geralmente possuem um valor menor que a nota principal, porque elas formam

um intervalo do Grupo B, ou um trítono, com a nota sustentada. O próximo exemplo

ilustra este determinado momento:

FIGURA 2.3 - Melodias em segundas. HINDEMITH, 1941. The Craft of Musical Composition, Vol.
II 1941, p. 41

Ao tentar compreender a obra “6 Stücke” a partir deste dois compositores, é

possível afirmar que Santoro, em seu Quinto Prelúdio, baseia sua composição quase que

exclusivamente nestes intervalos denominados por Brindle como “fortes”. Esta incisão

musical parametrada intervalarmente entre nonas menores e sétimas maiores se faz

característica da explicação de Brindle, que afirma que “alguns intervalos são mais

relevantes do ponto de vista melódico. “No contexto atonal os saltos intervalares mais

amplos tendem a apresentar maior apelo emotivo, sendo, portanto fatores melódicos

mais poderosos” (BRINDLE apud MENDES 2009:31). A próxima ilustração representa

os compassos iniciais do Quinto Prelúdio de Santoro, onde é perceptível a utilização de

intervalos “fortes” segundo Brindle:


38

FIGURA 2.4 - SANTORO. Prelúdio V. Savart, 1977. Sist. 01

Brindle (1966:23) ainda explica a razão para o grande poder emotivo nos

intervalos mais amplos:

Na música tonal [...] no sentido amplo, os compositores têm mostrado um apreço maior
para os semitons do que para as sétimas maiores e nonas menores. A razão é que na
música tonal, o poder dos intervalos é derivado tanto das associações harmônicas, ou de
uma qualidade emotiva particular concedida a cada nota por sua posição na escala
diatônica. [...] Contudo, na música atonal, os padrões escalares são completamente
ausentes e associações harmônicas muito atenuadas, o poder emotivo dos intervalos
provém a um estender consideravelmente menor dessas circunstâncias ‘exteriores’, e em
muito maior extensão de uma força latente dentro de cada intervalo. É este valor
emotivo no interior dos intervalos que nos preocupa na música atonal (apesar de ser
facilmente ofuscado por circunstâncias externas), e como nós já havíamos afirmado,
como característica geral, intervalos largos tendem a possuir maiores sugestões
emotivas do que os menores.

Apesar do Quinto Prelúdio de Santoro estar constituído basicamente de

intervalos de sétimas e nonas maiores e menores, o compositor finaliza a obra com

acordes de segunda menor. Brindle (1966: 25) afirma que:

Devemos estar cientes que os melhores resultados não irão necessariamente ser obtidos
pelo constante uso de intervalos emotivos ‘fortes’. [...] A melhor melodia é usualmente
um amálgama de intervalos fortes e fracos, cada qual colocado estrategicamente em seu
lugar apropriado.
39

FIGURA 2.5 – Transição de intervalos melódicos. SANTORO, 1977. Prelúdio V. Sist. Último.

Através da ilustração anterior, Santoro parece não seguir à risca a interpretação

intervalar de Brindle, pois apesar desta peça possuir uma indicação de crescendo no

final, é impossível afirmar quais seriam os intervalos que Santoro estaria pensando

como fortes ou fracos. Porém, em seu Primeiro Prelúdio, Santoro utiliza uma curta

sequência de sétimas maiores e menores através da indicação p (piano). Ao analisar as

duas tabelas de intervalos propostas por Brindle e Hindemith, surge uma hipótese que

Santoro ao indicar intervalos de sétimas em uma dinâmica limitada como piano, talvez

esteja interpretando o intervalo como fraco, assim como pensava Hindemith. A

ilustração seguinte mostra este trecho em questão (Fig. 2.6):

FIGURA 2.6 - Sétimas em dinâmica p. SANTORO, 1977: Prelúdio I. Sist. 5

A figura seguinte ilustra o final do Primeiro Prelúdio de Claúdio Santoro, onde o

compositor utiliza intervalos de sétima maior no baixo através do andamento Piu Lento,
40

finalizando assim com o acorde representado intervalarmente por quintas sobrepostas30,

seguidas de sétima maior.

FIGURA 2.7 - Quintas Sobrepostas seguidas de Sétima Maior. SANTORO, 1977. Prelúdio I. Sist.
Último.

Desta forma, pode-se observar a preocupação de Santoro em destacar contrastes

na música atonal, através da relação intervalar melódica, independente de uma doutrina

mais próxima de Hindemith, ou de Brindle. Apesar desta divergência em termos

melódicos ou harmônicos, há momentos de plena e total concordância entre os dois

escritores. Assim como Brindle, Hindemith (1941:04) ao decretar a primeira regra para

os exercícios de construção melódica, afirma que a “tessitura de qualquer voz [...] deve

abranger aproximadamente uma oitava.” Hindemith justifica da seguinte forma:

A palavra “aproximadamente” significa que esta faixa intervalar não deve ser mantida
tão conscientemente. Quando um intervalo maior parece urgente, a gama de oitavas
pode, excepcionalmente, se estender. Ao restringir a tessitura, evitamos o uso de
grandes curvas melódicas, que, como valioso instrumento de expressão em grande
estilo, tenderia a destruir a clareza simples para que os nossos exercícios são
direcionados. Este é mais satisfatório quando a menor quantidade de expressão é
apresentada. Além disso, a tessitura limitada assegura a possibilidade de cantar pelo
aluno.

Brindle (1966:23) ao alegar que a construção melódica se torna mais sugestiva

emocionalmente através de intervalos espaçados. Estes devem ser utilizados com

cautela, pois:

30
Réb-Láb-Mib.
41

[...] deve-se ter em mente que quando um intervalo é muito largo (diga-se mais que uma
décima) seu valor emotivo é dissipado. Isto é porque quando as notas são muito
afastadas, elas perdem sua associação com as outras, e conseqüentemente seu poder
latente interior é diminuído.

A preocupação que concerne o espaçamento intervalar da melodia não necessita

estar relacionada apenas com notas aleatórias, onde pode até mesmo se estender para

notas iguais, porém intervalarmente distanciados em mais de uma oitava. Segundo Neto

(2010:129), “o espaçamento entre as notas muda consideravelmente a dissonância ou

consonância de um intervalo, uma oitava dó2 - dó7 soa ligeiramente mais dissonante do

que uma segunda dó2-dó#7”. Hindemith (1942[I]:72) apesar de reconhecer o fenômeno,

não o estende em seu livro. Mas alega que:

Os intervalos no qual as notas estão separadas por distâncias tão grandes, parecem ser
transposições oitavadas de quintas, quartas, etc., apresentam disposições de sons
resultantes mais infelizes do que seus protótipos. [...] Até mesmo a oitava que está
acima e além de qualquer discussão de valores intervalares, perde boa parte de seu valor
quando aparece na forma 1:4 que, como sua estrutura de sons resultantes confirma, mal
se compara à quinta justa em termos de clareza. Na forma 1:8 [...] é ainda mais fraca, e
na forma 1:16 o intervalo se torna completamente dissonante.

Santoro em seu Sexto Prelúdio constrói uma melodia a duas vozes, porém, com

poucos momentos de caráter imitativo. Em alguns momentos deste prelúdio em que há

sustentação de notas em uma das vozes, a outra voz, coincidentemente, está sendo

representada pelos intervalos que correspondem ao Grupo B de Hindemith. Porém, a

representação intervalar destas notas se dão de forma espaçada em quase duas oitavas.

Estas notas sustentadas podem também ser representadas através de trinados, mordentes

ou trilos. Através da indicação de andamento Adagio Quasi Recitativo, a próxima figura

ilustra este momento:


42

FIGURA 2.8 - Sustentação em segundas. SANTORO, 1977. Prelúdio VI. Sist. 1 e 2.

Apesar de Claúdio Santoro ter sido instruído pelos métodos de Hindemith31, ele

não afirma ter sido ou não impactado pelo conceito de espaçamentos intervalares.

Porém, ao retornar a entrevista com o compositor Raul do Valle em Heidelberg, 197632,

Santoro justifica que em sua obra “Interações Assintóticas” ao finalizar a peça com um

cluster33, este soaria muito mais dissonante se houvesse um espaçamento das notas

utilizadas:

Não sei se você reparou naquela minha peça Interações Assintóticas, aqueles acordes
finais dissonantes? Não soam, soam quase que tonais, são clusters. Se você examinar as
notas que estão escritas, parecem uma barbaridade, elas deveriam soar como uma
dissonância incrível, e não acontece. Se tivesse alargado um pouco mais os sons, iriam
soar muito mais agressivos do que como eles são escritos. Eu a compus 7 anos atrás
(1969), e já naquela época eu achava isso, aliás antes disso.

31
Em um texto biográfico do próprio compositor escrito na década de 50, onde se encontra em seu acervo
na Universidade de Brasília, Santoro afirma (apud Mendes, 2009:09) que “com essa inquietude própria
dos 19 anos que conheci Koellreutter e este apoiando-me, começou a dar lições diárias, numa atividade
permanente, dando-me a conhecer os grandes mestre do formalismo, principalmente Hindemith que
muito contribuiu para minha formação técnica de compositor.”
32
apud LÍVERO (2003, 74-97)
33
Entende-se por cluster o termo utilizado na conexão de notas que constituem em um intervalo de
segundas maiores ou menores. Clusters orquestrais se tornaram comuns desde a metade da década de 50.
43

2.3 O Espaçamento em “6 Stücke für Cembalo”.

A entrevista ao compositor Raul do Valle anteriormente mencionada foi

concedida no ano anterior que Santoro compôs a obra 6 Stücke für Cembalo (Hommage

à Couperin), onde em um possível intuito de adquirir uma certa agressividade, o

compositor emprega em algumas peças na obra “6 Stücke” espaçamentos de acordes de

clusters. Ao unir as respectivas notas destes acordes, elas podem formar o que Brindle

(1966:182) denomina de “tonalidade obscurecida”, que se traduz em células musicais

que podem ser reduzidas em escalas tonais ou modais34, podendo em algumas vezes, se

utilizar do auxílio de uma única nota cromática. Esta obra está repleta de momentos nas

quais estas “tonalidades obscurecidas” aparecem.

As figuras seguintes demonstram os trechos do Terceiro Prelúdio, em que

Santoro, em duas ocasiões específicas utiliza o espaçamento de cluster. O compositor

utiliza em cada caso uma escala representada por uma “tonalidade obscurecida”. Neste

primeiro caso a escala em questão é do tipo hexatônica de tons inteiros35. De acordo

com Lívero (2003:07) “o principal aspecto inovador de Debussy foi a inclusão da escala

hexatônica”, complementado por Wisnik (1989:79) que afirma que uma escala

hexatônica “trata-se de uma escala hexacordal, que divide a escala em seis tons iguais

[...]. Ao contrário da diatônica, ela é uma escala que não comporta nenhuma

diferenciação interna, tudo nela se equivale”. Santoro provoca propositalmente sua

dissonância ao aplicar dinâmicas contrastantes, como ff com sfffz:

34
Entende-se por modo os subconjuntos funcionalizados em um sistema de relações diatônicas
francamente harmônico, tonal e contemporâneo, incluindo a definição de Persichetti apud Freitas (2008:
269) de modos sintéticos: são modos gerados artificialmente através da livre sucessão “de qualquer
número de segundas maiores, menores, aumentadas ou em qualquer ordem”. Estes modos inventados são
percebidos como originais, pois não possuem propriamente um passado eclesiástico, uma história (um
repertório e uma teoria de longa data) ou uma etnicidade (ou folcloridade) estereotipada (ou arquetípica).
Vários desses novos tipos modais foram introduzidos desde o século XIX e estão bastante estabelecidos,
por vezes foram batizados com o nome de músicos-inventores tidos como extraordinários.
35
A escala em questão inicia em Ré bemol e termina em Si. De acordo com Bark (2006:02), o uso de
escalas de tons inteiros traduz uma intertextualidade da técnica de composição pós-romântica francesa.
44

FIGURA 2.9 – SANTORO. Prelúdio III. Savart ,1977. Sist. Último.

Mendes (2009:26) colabora com a informação de que o gosto de Santoro pelos

compositores franceses tem marcado suas composições ainda em sua adolescência. O

próprio Santoro afirma em depoimento36: “quando comecei a compor, a primeira

influência que sofri foi de Debussy e Ravel; marcaram meus quinze aos dezessete

anos”. Talvez, seja a razão para utilização de uma escala hexatônica, em se tratando de

uma obra onde vários elementos de séculos passados estão sendo revisitados. Porém,

Mendes (2009:10) afirma que estratégias analíticas diferenciadas podem ser empregadas

na classificação do material modal, como, por exemplo, a representação das “coleções

diatônicas” na forma de segmentos de ciclos ao invés de escalas modais. Ao retornar a

atenção para a figura anterior, analisando com um pouco mais de cautela, pode-se

perceber que as notas inseridas neste acorde também formam um ciclo de trítonos37.

Se forem analisadas algumas obras brasileiras que também possuem

espaçamento de cluster, pode-se afirmar com razão que Cláudio Santoro já deveria

conhecer esta técnica bem antes de 1969. Em 192138, Villa Lobos, ao compor a Prole do

36
Este depoimento foi retirado do “Arquivo Cláudio Santoro”, patrimônio sob os cuidados do setor de
musicologia do Departamento de Música da Universidade de Brasília. Mendes utilizou em sua tese de
doutorado.
37
Ré bemol –Sol, Mi bemol – Lá, Fá – Si.
38
“É comum em Villa Lobos, encontrarmos problemas quanto à veracidade das datas. Na partitura da
segunda Prole conta que ela foi composta em 1921. No entanto, o ciclo foi dedicado à pianista Aline van
Barentzen, que o compositor conheceu na Europa, ou seja, depois de 1921, e que só estreou a obra em
1927. Outras indagações – porque essa coleção não teria sido executada na Semana de Arte Moderna , já
45

Bebê nº2, já utilizava em sua primeira peça, “A Baratinha de Papel”, acordes espaçados.

Neste exemplo, a utilização de ciclo de trítonos39 também está presente, onde ao fazer

um cotejamento com a obra de Santoro, é perceptível a similaridade também no desenho

rítmico. A ilustração seguinte exemplifica o trecho que possui o espaçamento na

indicação aTempo:

FIGURA 2.10 - Espaçamento de Cluster. VILLA LOBOS. A Baratinha de Papel. Max Eschig, 1927
Comp. 67-69. Pág. 4.

Coincidentemente, estes dois últimos exemplos resultaram da utilização do

intervalo no qual tanto Hindemith quanto Brindle consideravam neutros - dependendo

do contexto no qual eles estavam inseridos.

A próxima figura representa o segundo caso do acorde de espaçamento de

cluster encontrado no Terceiro Prelúdio. A “tonalidade obscurecida” neste acorde se

trata de uma escala sintética40. Anteriormente prevista por Brindle, a escala utiliza o

auxílio de uma única nota cromática. Através da dinâmica p, o prelúdio encerra de

forma contrastante aos acordes citados anteriormente:

que alguns pianistas como, por exemplo, Guiomar Novaes e Antonieta Rudge poderiam tê-lo feito; e a
razão do compositor não ter a mostrado para Rubinstein (1887 – 1982), em 1922, quando esteve no
Brasil.” (GORNI, 2006:02)
39
Mi – Lá sustenido, Sol – Dó sustenido, Dó- Fá sustenido.
40
Réb-Mib-Mi-Fá-Sol-Láb-Sib.
46

FIGURA 2.11 - Escala Sintética Obscurecida. SANTORO, 1977. Prelúdio III. Sist.Último

Santoro, sempre inventivo e irrequieto resumiu em entrevista ao Raul do Valle

sua preferência para outras abordagens sonoras:

Na música atonal tentou-se estabelecer intensidades diferentes ou cores diferentes. Mas


isso não foi o suficiente. Na música pós-serial foram introduzidos novos conceitos de
som, não como um elemento isolado, mas como um elemento timbrístico. Então ele não
é resultado apenas de uma série harmônica ou de uma construção, de um complexo que
foi estabelecido até o fim do serialismo, mas de uma complexidade de junção de sons.
Não tem mais sentido a classificação desses sons separadamente, mas a classificação da
resultante desses conjuntos de sons.

2.3.1 Inovações

Enquanto Hindemith e Brindle buscam em termos quantitativos relacionar

intervalos de maiores e menores valores, Santoro, por sua vez, já adota uma postura de

fusão sonora41, buscando a alteração e eliminação dos sons, tornando-os em um só:

Cheguei a essa conclusão: Quando você usa um acorde baseado em terças ou em


quartas, você pode ser muito mais dissonante do que quando você usa um acorde ou um
conjunto de sons, onde os sons de combinação se alteram e se eliminam entre si.
Cheguei a essa conclusão. As ondas sonoras, as vibrações sonoras de um conjunto de
sons mais perto, como por exemplo, segundas menores, no fundo vão soar mais
consonantemente do que se você fizer um acorde. Soa mais consonante. Eu faço sempre
experiências com os alunos: fazemos um cluster e comparamos com um acorde depois.
O cluster soa muito mais consonante. Então mando cada um cantar – do, do#, re, re#,
mi e fa. Parece um absurdo, mas você pega cada um cantando, os sons de combinação
se eliminam e dão um outro timbre harmônico que parece um som só. Ele não passa a
ser mais um acorde, mas sim um som novo, muito mais consonante do que se você fizer
um acorde – do, mi b, sol b, si, re, mi – que não é um cluster é um acorde. Soa muito
mais dissonante, muito mais agressivo do que se você fizer este cluster, porque eu

41
Reformulando o conceito de Fusão Tonal desenvolvido pelo psicólogo alemão Carl Stumpf, onde
Torres apud Neto (2010:133) alega que Stumpf liga a sensação de consonância com a sensação de
ouvintes perceberem dois tons como uma entidade única.
47

cheguei à conclusão de uma eliminação acústica dos sons de combinação. (apud


LÍVERO, 2003:84)42

Ao deparar com este depoimento de Santoro, a ideia de buscar um cluster

através da inserção de notas seguidas, faz remeter à outra peça da “Prole do Bebê nº 2”

de Villa Lobos, desta vez, intitulada “O Lobosinho (sic.) de Vidro”. Esta peça se inicia

sem qualquer linha melódica, onde Oliveira (2008:56) complementa que “seguindo sem

variação rítmica, [...] vai acrescentando notas ao redor da nota Si, com a intenção de

adensar para um cluster de 8 notas na região mediana do teclado.” A próxima figura

(Fig. 2.12) representa o início da peça, onde pode notar o adensamento sonoro em

formação de cluster:

FIGURA 2.12 – Formação de Cluster. VILLA LOBOS. O Lobosinho de Vidro. Max Eschig, 1927
Comp. 01- 11. Pág 1.

42
Sons de combinação é o mesmo termo utilizado anteriormente a respeito de sons resultantes
(Combination Tones).
48

Apesar da formação do cluster se adensar aos poucos, ela é tensionada pela

alternância entre teclas brancas e pretas do piano, causando assim certa dissonância.

Esta obra em questão remete a outro momento da composição de Santoro, ainda no

Terceiro Prelúdio, onde é perceptível a presença da formação de um acorde citado pelo

compositor, porém, através de uma formação diluída por acciaccaturas43. De acordo

com Fagerlande (2011:162), acciacatura (sic.), “consiste em uma nota acessória

incluída um semitom abaixo da nota real, executadas ambas ao mesmo tempo. Esta nota

acessória é solta antes da outra [...]. Ainda que na construção se assemelhe a uma

apogiatura, seu efeito a aproxima mais do mordente”. No próximo exemplo é

perceptível a utilização de acciaccatura através de semitons na obra de Santoro, porém,

esta utilização dos semitons foi feita de modo ascendente, diferenciando dos

pensamentos teóricos do passado. Seletsky (2011) complementa que “durante o século

XIX, a acciaccatura veio significar notas individuais44, rápidas e graciosas, geralmente

em segundas maiores ou menores acima da nota principal”. A utilização das notas

cromáticas, porém justapostas em momentos diferentes, ajuda Santoro a criar uma

dissonância ao utilizar um novo contraste de dinâmica, como f súbito. Logo após a

união dos dois blocos de notas, a fusão sonora acontece (Fig. 2.13):

43
Acciaccatura se trata de um ornamento da metade do século XVIII. Ela é representada por um traço
diagonal para cima na haste da nota. Este tipo de notação é geralmente utilizado com uma pequena nota
de valor de semicolcheia (SELETSKY, 2011).
44
Antigamente a acciaccatura esteve envolvida tanto em contextos melódicos, quanto harmônicos. De
acordo com Donington (apud FAGERLANDE, 2011:163) a acciaccatura era representada como uma
nota extra dentro do acorde. O exemplo musical desta nota é do próprio Donington (apud
FAGERLANDE, 2011:163)
49

FIGURA 2.13 – SANTORO. Prelúdio III. Savart, 1977. Sist. 02

Há alguns outros padrões musicais similares encontrados no Quarto Prelúdio de

Santoro, onde após haver uma acciaccatura, acontece uma fusão sonora de elementos

musicais correspondentes a um ciclo de quintas45 e quartas aumentadas intercaladas

com quartas justas. As ilustrações seguintes (Fig. 2.14 e Fig. 2.15) remetem a estes

momentos no Quarto Prelúdio através da dinâmica f e andamento Andante:

FIGURA 2.14 - Fusão Sonora. SANTORO, 1977. Prelúdio IV. Comp. 1-4

45
Sol-Ré-Lá com Fá-Dó-Sol; Dó-Solb com Ré-Láb.
50

FIGURA 2.15 - Acciaccaturas em ciclos de quintas e quartas diversas. SANTORO, 1977. Prelúdio
IV. Comp. 18-24.

E há também acciaccatura que Santoro representa através da “tonalidade

obscurecida”. Em seu Terceiro Prelúdio, ao indicar em dinâmica f, o compositor espaça

uma escala Maior Harmônica46, finalizada com ligaduras em todas as notas. A próxima

ilustração representa esta indicação:

FIGURA2.16 - Acciaccatura em escala Maior Harmônica. SANTORO, 1977. Prelúdio III. Sist. 04

É importante ressaltar que este tipo de efeito que envolve uma possível fusão

sonora não acontece somente em tipos de passagens que determine uma figuração

rápida. Em exemplos no Primeiro e no Terceiro Prelúdio, é perceptível a representação

46
As notas referentes a escala são: Sib-Dó-Ré-Mib-Fá-Solb-Lá-Sib.
51

desta possível fusão sonora em trechos que uma figuração lenta é indicada. A próxima

figura ilustra o início do Primeiro Prelúdio, onde através da indicação Tempo Libero –

Cantabile, tanto o desenho das ligaduras, quanto a representação das notas em

semibreves, indicam que as notas devam soar continuamente, até todas as notas soarem

ao mesmo tempo:

FIGURA 2.17- Notação em semibreves. SANTORO, 1977 Prelúdio I. Sist. 01

Apesar do início deste Primeiro Prelúdio estar representado por uma indicação

de andamento livre, no final, seu andamento passa por duas indicações: Lento, e Piu

Lento. A figura seguinte (Fig. 2.18) ilustra esta situação, onde agora, além das ligaduras,

o conjunto de semibreves está grafado com um símbolo de fermata após todas as notas

soarem:
52

Figura 2.18 - Notação em Semibreves. SANTORO, 1977. Prelúdio I. Sist. 9 e 10.

Santoro explora estes elementos musicais de maneiras diversas, tanto de forma

direcionada harmonicamente, como acontece nos dois exemplos anteriores, ou então de

forma individualizada, como acontece no início do Terceiro Prelúdio. Santoro, além de

abordar o direcionamento harmônico de forma arpejada, também explora o “não

direcionamento” das notas, ao grafar com símbolos de fermatas cada nota isoladamente.

O Terceiro Prelúdio possui indicação de andamento Largo, sendo que nos primeiros

acordes, o compositor já instrui dois tipos de andamentos, para, talvez, dar um

direcionamento cada vez mais lento, finalizando com as fermatas em cada nota. As

indicações pelo compositor são: lento, e langsam47. A próxima figura (Fig. 2.19) ilustra

o início do Terceiro Prelúdio:

47
Do alemão: Lentamente.
53

FIGURA 2.19 - Isolamento das notas por fermatas. SANTORO, 1977. Prelúdio III. Sist. 01

Santoro apud Livero (2003:85) ao justificar seus experimentos, afirma que

geralmente “a teoria vem a se confirmar depois de uma experiência. Você cria um

determinado elemento e depois você dá uma explicação”. Apesar de Santoro ter dado

esta entrevista um ano antes de compor este conjunto de Prelúdios, não é necessária

uma explicação para entender que suas abordagens musicais para com sua obra são

manifestadas como “novas densidades, não timbres, mas densidades sonoras, que criam

outros critérios na utilização dos sons”.


54

CAPÍTULO 3 -

TEXTURAS CRAVÍSTICAS TRADICIONAIS PRESENTES EM SANTORO

Cláudio Santoro foi objeto de estudo de uma significativa relação de trabalhos

escritos. Sua grande relação de obras escritas e executadas demonstra assim suma

importância para a história da música contemporânea brasileira. A obra 6 Stücke für


48
Cembalo (Hommage à Couperin) é uma obra pouco visitada, talvez por trabalhar

abordagens não convencionais com os instrumentos que são freqüentemente utilizados

hoje em dia, como o cravo historicamente copiado49. Apesar de suas obras constituírem

um vasto repertório ao longo de quase cinco décadas de composição, Cláudio Santoro,

no ano de 1977, não realizou uma produção musical em grande escala como nos anos

anteriores. Durante este ano específico, apenas duas obras foram compostas.

Curiosamente, estas duas obras compostas foram igualmente inspiradas em modelos de

músicas referentes ao século XVIII ou anterior. Seu repertório composicional neste ano

se resume a 3 Madrigalen e 6 Stücke für Cembalo (Hommage à Couperin).

Estas abordagens que englobam estilos ou compositores referentes aos séculos

passados estiveram em pleno desenvolvimento durante a década em que Cláudio

48
SANTORO, Alessandro. No catálogo de obras do compositor (hospedado em seu site
http://www.claudiosantoro.art.br) o título desta peça aparece em português: Seis prelúdios para cravo,
sendo que a tradução em alemão significa: Seis peças para cravo.
49
A obra foi composta para Cravo Industrial, um instrumento que está em desuso nas salas de concerto há
aproximadamente quarenta anos (ver capítulo 1).
55

Santoro compôs o grupo “6 Stücke”. Serby apud Mendes (2010:217) faz um paralelo

dos acontecimentos musicais na Europa na década de setenta, juntamente com o

percurso estilístico do compositor Gyorgy Ligeti. Serby afirma que os compositores

europeus na década de setenta apelavam para valores mais permanentes que o da

“simples novidade”, diferente do questionamento ou experimentalismo das décadas

passadas:

As mudanças estilísticas verificadas na música de Gyorgy Ligeti desde 1960,


de certa forma, têm espelhado o mundo musical contemporâneo. Em suas obras
da década de sessenta Ligeti propõe a exploração da matéria sonora em uma
abordagem experimental e sistemática. [...] Nos anos setenta sua música mostra
uma abordagem mais eclética, particularmente na ópera Le Grand Macabre
(1974-77) em razão de sua pilhagem de estilos do passado – tal como alusões a
Monteverdi, Rossini e Verdi. [...] daí em diante, parece ocorrer um completo
rompimento com a abordagem das obras da década anterior [...] Este
abrandamento da vanguarda pode ser igualmente identificado na música de
seus contemporâneos, tais como, Berio, Xenakis, Maxwell Davies, e
Penderecki.

Tacuchian (1995:25) complementa esta afirmação ao alegar que esta postura

“representaria um avanço em relação às demais tendências, uma vez que os

compositores (...) caminhavam para frente em busca de novos caminhos”. Contudo,

apesar do depoimento de Serby apontar para tendências pós-modernistas, tanto Serby,

quanto o próprio Ligeti classificam a atitude pós-moderna como ilusória, “uma vez que

os materiais do passado reintroduzidos na música do compositor húngaro estariam

‘iluminados’ por uma abordagem nova e original, isenta da sentimentalidade e nostalgia

verificada nas obras de outros autores aos quais se costuma associar tal rótulo”

(MENDES, 2009:217-218)

Vivemos em uma época de pluralismos artísticos. Enquanto o modernismo e a


vanguarda experimental ainda se fazem presentes, os movimentos artísticos
“pós-modernos” tornaram-se mais prevalentes. Entretanto, “pré-moderno” seria
uma palavra mais correta nesta descrição, pois os artistas pertencentes a estes
movimentos estão interessados na restauração de elementos e formas
históricas. (LIGETI apud MENDES, 2010:218)
56

Ao abordar a obra 6 Stücke für Cembalo (Hommage à Couperin) de Cláudio

Santoro, a inspiração do compositor é identificada em estéticas comuns aos Séculos

XVII e XVIII em todas as seis peças. Texturas cravísticas como Prélude non Mesuré,

Moto Perpétuo, Pièce Croisée, Canon à oitava e Recitativo são claramente explicitadas

em suas composições. Uma tabela introdutória representativa dos conjuntos de peças e

suas texturas características se faz presente a seguir para uma melhor compreensão dos

detalhamentos que virão posteriormente:

Prelúdio I Prélude non mesuré tripartite/Moto Perpetuo


Prelúdio II Moto Perpetuo
Prelúdio III Prelude non mesuré
Prelúdio IV Prelude mesuré tripartite/ Canon à oitava em Moto Perpetuo
Prelúdio V Pièce Croisée em Moto Perpetuo
Prelúdio VI Recitativo Instrumental
Tabela 1 – Representação dos Prelúdios e suas respectivas texturas.

3.1 Prélude non Mesuré

A primeira peça que compõe o grupo “6 Stücke” é claramente inspirada nos

Prelúdios intitulados non mesuré50, cuja sua notação característica desenvolvida por

cravistas franceses do século XVII - com especial destaque para Louis Couperin (1626-

1661) - haveria surgido do alaúde (TAVARES-LADEIRA, 2006:02).

Tavares-Ladeira (2006:08) prossegue ao afirmar que os préludes non mesurés

foram originados para cravo em torno de 1650, data que se refere ao surgimento dos

prelúdios de Louis Couperin e também à existência de dois manuscritos antigos: o

manuscrito de Bauyn de ca. 1660 e o manuscrito Parville de 1670 (RUSSEL, 2004:20).

Antigamente estes prelúdios não eram escritos, devido à prática improvisatória que

freqüentemente era realizada pelo intérprete, cujo principal objetivo era testar a afinação
50
Do francês: Sem compasso
57

do instrumento. Posteriormente, estes prelúdios surgiram em manuscritos na medida em

que a expectativa pelo gênero foi intensificando. De acordo com François Couperin

(1717:33) “o prelúdio é uma composição livre, onde a imaginação liberta tudo o que é

apresentado à ela”.

A característica mais marcante do Prélude non Mesuré é ausência de indicações

ortodoxas de rítmos e métrica (MORONEY, 2012), onde a apresentação de uma

seqüência de semibreves pode representar acordes, passagens ou ornamentos

(TAVARES-LADEIRA, ibidem). Porém, outros elementos rítmicos podem ser

expressados pelo compositor, com o intuito de facilitar o entendimento para o

intérprete. A figura seguinte representa como eram notados os prelúdios non mesuré de

Louis Couperin através da notação em semibreves:

FIGURA 3.1 - Notação em Semibreves. COUPERIN. Prelude la mineur. Due West, 2009. p. 28. Sist.

Ao reparar na notação dos préludes non mesurés de outros compositores não

sendo Louis Couperin, percebemos que esta se apresenta de duas maneiras: A notação

em semibreves, que foi usada por Louis Couperin, D´Anglebert, Léroux, e

posteriormente por Dandrieu, e a notação mista ou semi mesuré, usada por praticamente

todos os outros compositores que se dedicaram a este gênero (TAVARES-LADEIRA,

2006:24). A ilustração seguinte revela como são representadas as notações mistas ou

semi mesurés:
58

FIGURA 3.2 - Notação mista. LA GUERRE. Suíte in D minor. Due West, 2007. p.01. Sist. 1

O principal motivo da notação mista se resume na melhor compreensão da

intenção do compositor, onde ao utilizar diferentes valores melódicos e rítmicos além

das semibreves, se propõe até mesmo na utilização de figuras pontuadas.

Ao reparar na composição de Santoro, pode-se atribuir a quase total utilização

das notas pretas51 para passagens melódicas e ornamentos, e notas brancas para

desenvolvimento harmônico em seus prelúdios de caráter non mesuré:

FIGURA 3.3 - Notação Mista. SANTORO Prelúdio I. Savart, 1977. p.01, Sist. 02

FIGURA 3.4 - Notação Mista. SANTORO. Prelúdio I. Savart , 1977. p.01. Sist. 04

51
MORONEY (1976:150). Aplica o termo “notas pretas” para semínimas, colcheias, semi colcheias,
pois estas podem ser ligadas para indicar grupos melódicos que são mais assimilados pelo intérprete.
Notas brancas estariam correspondidas por semibreves e mínimas, onde estão mais associadas a
composição harmônica.
59

Um fato interessante a ser destacado é a quase inexistência de indicações

interpretativas sobre estes prelúdios do Século XVII em fontes de época. Durante este

período, a demanda da música impressa para teclado estava crescente.52 Porém, mesmo

com esta ascenção, os compositores preferiram deixar suas obras non mesurés de forma

manuscrita. Desta forma, o próprio desenho das ligaduras poderiam auxiliar

visualmente na interpretação, podendo assim os intrumentistas compreenderem melhor

sua música, uma vez que os intérpretes não possuíam ajuda verbal ao se deparar com

uma edição impressa:

Nicolas Lebègue (1631-1702) foi o primeiro a aderir, e ele expressamente


comentava em seu curto prefácio sobre a ‘grand difficulté’ em relação a
notação destes prelúdios de maneira inteligente, sem destruir a natureza
musical específica destes ‘métodos de preludiar’. (MORONEY, 1976:143)

Tentei definir os prelúdios com toda a facilidade possível, tanto para


conformidade quanto para o toque [ação] do cravo, da qual a maneira de tocar
é preferivelmente para separar [fazer arpejos] e para voltar a atacar os acordes,
do que mantê-los juntos, como seria no órgão. Se por acaso alguma dificuldade
ou obscuridade ocorre em tudo isso, peço-vos, senhores inteligentes,
gentilmente, para complementar as faltas [para corrigir os erros], considerando
a grande dificuldade inerentes a renderização destes métodos de preludiar
inteligíveis para todos. (LEBÈGUE apud RUSSEL, 2004:34)

De acordo com Tavares-Ladeira (2006:26), as instruções de Lebégue seriam

para firmar uma preocupação, não referente aos Prelúdios non mesurés em si, mas à sua

nova notação, a notação mista ou semi mesuré. Ao fazer o cotejamento com a obra de

Cláudio Santoro, é reparável que em 6 Stücke für Cembalo, o compositor aparentemente

se preocupou com as notações em relação à performance, pois ao publicar pela Editora

Savart, a obra foi mantida na forma de manuscrito. Esta atitude possibilita também

auxílio na interpretação do instrumentista. A próxima ilustração demonstra a partitura

em manuscrito (Fig. 3.5):

52
O aumento da demanda de música para teclado impressa parte de 1670 (MORONEY, 1976:143)
60

FIGURA 3.5 – Notação Manuscrita. SANTORO. Prelúdio I. Savart , 1977. p. 01, Sist. 1

Apesar da estranheza inerente ao se deparar com esta linguagem musical, os

prelúdios non mesuré eram bastante conhecidos durante o Séc. XVII, sendo utilizado

até mesmo com finalidades didáticas. Segundo Gustafson (2005:133), “a primeira peça

para cravo de uma criança era tipicamente um prelúdio non mesuré de três sistemas, que

basicamente se resume a três ou quatro acordes.”

Nos prelúdios non mesurés, além da notação de semibreves ou qualquer outro

elemento rítmico, outro aspecto de extrema importância é o uso das ligaduras, pois

serão elas que irão indicar as funções que as figuras métricas possuirão. Moroney apud

Tavares-Ladeira considera que as ligaduras são um importante elemento para a

compreensão das peças non mesurés, e associa a função das ligaduras em três usos

distintos:
61

1) Ligaduras na notação em semibreves são usadas para indicar as notas que

devem ser sustentadas. Em geral, as notas contidas nesta ligadura formam um

acorde, e não uma linha melódica.

FIGURA 3.6 - Sustentação de Notas formando acordes. COUPERIN. Prelude Ut Majeur. Due
West, 2009. p. 33, Sist. 01.

2) Ligaduras indicam que uma série de notas permanecem unidas, mesmo tendo

uma significância ornamental, e possivelmente sendo nada mais que um trilo

muito bem disfarçado, ou possuindo uma significância melódica.

FIGURA 3.7 - Notação de Trilo. COUPERIN. Prelude ré mineur. Due West, 2009. p.02, Sist.4

3) Ligaduras também podem isolar notas daquilo que as precede e daquilo que as

segue (MORONEY apud TAVARES-LADEIRA, 2006:46).

Apesar dos prelúdios non mesurés não possuírem barra de compasso, um

aspecto importante que se pode reparar acontece na aplicação de algumas linhas retas

nos prelúdios de Louis Couperin. Como estas linhas retas acontecem em momentos

diferentes e apresentando formas diferenciadas, Tilney apud Tavares-Ladeira (2006:51)


62

e Moroney (1976:150) classificam em três tipos as linhas retas nos prelúdios de Louis

Couperin:

1) A primeira é notada como uma linha reta, bem semelhante a uma barra de

compasso, e pela indicação que aparenta, a nota posterior a esta barra se trata

de uma nota importante, havendo assim a necessidade de uma acentuação.

FIGURA 3.8 - Notação de linha reta. COUPERIN. Prelude sol mineur. Due West, 2009. p.13, Sist. 9

Moroney (ibidem.) complementa: “Há linhas verticais ocasionais, mas somente

para indicar o fim de um substancioso parágrafo musical”.

Na obra de Santoro também se pode encontrar linhas de escrita semelhante.

Porém, o que assemelha a uma barra de compasso, para Santoro é representado apenas

por um traço entre as duas claves. Curiosamente, em edições modernas que abrangem

polifonias vocais, tanto medievais quanto renascentistas, utilizam traços idênticos feitos

por Santoro. A finalidade deste “meio traço” serve para permitir aos intérpretes

modernos de obterem a conveniência das barras de compasso, sem interferir na música,

que originalmente era escrita sem as barras de compassos. Este traço é chamado de

Mensurstrich. Desta forma, esta relação destes “meios traços” possui a mesma função

que foi dada pelos compositores do Século XVII. A próxima ilustração representa estas

notações de mensurstriche (plural):


63

FIGURA 3.9 - Notação de linhas retas. SANTORO. Prelúdio I. Savart , 1977. p.02, Sist.9

2) Linhas retas colocadas embaixo ou em cima de uma determinada nota

parecem indicar que a mesma é um tempo que exige um apoio maior:

FIGURA 3.10 - Notação de linha reta. COUPERIN. Prelude Ut Majeur. Due West, 2009. p.38, Sist.

04

3) Uma linha reta colocada entre uma nota da mão direita e outra da mão

esquerda, indicando que as notas devam ser tocadas ao mesmo tempo:

FIGURA 3.11 - Notação de linha reta. COUPERIN. Prelude Ut Majeur. Due West, 2009. p.36 Sist.

04
64

Cláudio Santoro também aplicou uma notação similar para indicar notas a serem

executadas simultâneamente. Porém esta indicação está escrita de forma pontilhada, e

não como uma linha reta como foi exemplificada acima:

FIGURA 3.12 - Notação de linhas pontilhadas. SANTORO. Prelúdio III. Savart, 1977. p.05, Sist

03.

Como já explicado anteriormente, a importância dos prelúdios está na maneira

de interpretação de caráter improvisado, sendo assim a maneira de se abordar uma peça

de estilo livre. Estas peças ritmicamente livres já existiam antes do Século XVII

(TAVARES-LADEIRA, 2006:10). Porém, a escrita era representada de forma métrica,

mesmo em alguns casos não obedecendo um padrão regular na divisão. Segundo

Moroney (1976:145), “apesar da notação métrica, alguns prelúdios são especificamente

marcados como non mesuré”.

Ledbetter apud Russel (2004:23) e Moroney (1976:145), citam dois exemplos de

peças que possuem notação métrica. Porém, do ponto de vista interpretativo, pertence

ao estilo improvisado. Segundo Moroney (1976:145), “estilisticamente, a maioria dos

prelúdios non mesurés caem em duas categorias principais, toccatas e tombeaux.”

David Ledbetter (...) cita o estilo toccata de Johann Froberger como a primeira
influência nos prelúdios non mesuré de Louis Couperin. Ele também cita a
influência do professor de Froberger, Girolamo Frescobaldi. Davitt Moroney
concorda com Ledbetter sobre a influência das toccatas de Froberger.”
(RUSSEL, 2004:23)
65

Ao partir desta ideia, Prevost apud Tavares-Ladeira (2006:15) comenta sobre os

traços identitários que unem as toccatas italianas ao prelúdio non mesuré, e explica a

possível inspiração em Frescobaldi na obra de Louis Couperin:

Suas toccatas já tinham mais de quarto de século quando Couperin chegou a


Paris e provavelmente já deviam circular nos meios musicais da capital. Por
outro lado, Froberger, durante sua permanência na França, deve ter ajudado na
difusão da obra de seu mestre.

O início de um determinado prelúdio de Louis Couperin, na verdade é uma

citação da toccata em lá menor do livro de 1649 de Froberger. A inspiração de Couperin

em Froberger é perceptível através da utilização passagens e melodias similares (Fig.

3.13 e Fig. 3.14). Apesar da toccata de Froberger começar com um simples acorde, não

quer dizer que este deva ser representado como tal. Frescobaldi apud Tagliavini

(1983:300) afirma que “o início das Toccatas deve ser tocado lento e arpejado”. O

acorde no início da toccata, além de possuir a função de mostrar a tonalidade na qual a

peça será executada, deverá ser feito de forma arpejada para explorar melhor a

harmonia:

FIGURA 3.13 - FROBERGER. Toccata Prima, 1649,Akademische Druck, 1959. p. 01.Comp. 01-02
66

FIGURA 3.14.COUPERIN: Prelude (a l´imitation de Mr. Froberger). Due West 2009 p.21, Sist.01

Segundo Tavares-Ladeira (2006:65), “talvez, ao escrever estes arpejos, Louis

Couperin tivesse desejado demonstrar a maneira como Froberger executava suas

toccatas, à maneira de Frescobaldi ou simplesmente pretendesse homenagear o músico

que tanto admirava e que o tanto influenciou.”

Apesar de encontrar similaridades com as toccatas em questões que abordam o

stylus phantasticus53, esta semelhança não se faz tão perceptível à primeira vista. É

importante ainda comentar sobre os prelúdios com mudança de movimento, ou

considerados tripartite. Suas semelhanças com as toccatas são justificadas por causa de

suas seções mesurés, onde nas obras de Louis Couperin é intitulada de changement de

mouvement. Enquanto numa toccata se pode observar várias partes ou seções, no

prelúdio non mesuré tripartite, como diz o nome, só encontramos três partes

(TAVARES-LADEIRA, 2006:63). Como forma de contrastar, as duas extremidades

sucedem de forma ritmicamente livres, enquanto na parte central ocorre uma mudança

significativa de andamento. Louis Couperin compôs quatro prelúdios desta maneira,

53
Stylus phantasticus de acordo com KIRCHER apud HUNG (2011:23) é especialmente adequado para
instrumentos. É o método mais livre e irrestrito de compor, não está ligado a nada, nem a qualquer
palavra ou tema melódico, foi instituído para mostrar gênio e para ensinar a forma escondida de harmonia
e as composições engenhosas de frases harmônicas e fugas.
67

sendo talvez “o único compositor francês a escrever estes prelúdios tripartites.”

(MORONEY, 1976:145-146)

A próxima ilustração segue o exemplo de Louis Couperin ao abordar a transição

da escrita non mesuré para a escrita métrica, e o retorno da escrita métrica para a escrita

non mesuré:

FIGURA 3.15 - Changement de Mouvement. COUPERIN. Prelude Fa Majeur. Due West,2009.

p.41 Sist. 07-08

FIGURA 3.16 - Retorno à escrita non mesuré. COUPERIN. Prelude Fa Majeur. Due West, 2009.

p.41, comp. 08-10

Cláudio Santoro em sua obra 6 Stücke für Cembalo aborda em duas ocasiões os

prelúdios de escrita non mesuré, correspondentes ao Primeiro e ao Terceiro prelúdio.

Porém, apenas em seu Primeiro Prelúdio, Cláudio Santoro desenvolve a escrita em


68

forma tripartite, havendo duas partes em escrita non mesuré, e uma parte central escrita

de forma métrica:

FIGURA 3.17 - Mudança de andamento. SANTORO. Prelúdio I. Savart,1977. p.01, Sist. 04

FIGURA 3.18 - Retorno à escrita non mesuré. SANTORO. Prelúdio I. Savart, 1977 p.02 comp. 07-

09

O fim da composição non mesuré pode ser datado de 1717, associado ao

sobrinho de Louis Couperin, François (RUSSEL, 2004:27). Este, ao compor o L´Art de


69

Toucher le Clavecin com alguns prelúdios de forma métrica, alega que enquanto eles

devem soar como um improviso, ele os fez métricos para facilitar o ensino e o

aprendizado:

Apesar de estes Prelúdios estarem escritos em tempo métrico, há, no entanto,


um estilo, ditado pelo costume, que deve ser observado. Deixe-me explicar.
Um Prelúdio é uma composição livre, onde a imaginação liberta tudo o que é
apresentado a ela. Mas como é bastante raro encontrar gênios capazes de
produzir ao impulso do momento, aqueles que recorrem a estes Prelúdios não
improvisados devem tocá-los em um estilo fácil e gratuito, sem se concentrar
demais na precisão do movimento, a não ser que eu tenha expressamente
indicado pela palavra Mesuré. Assim, pode-se aventurar dizer que em muitas
coisas, Música (em comparação com a Poesia) tem sua prosa, e seu verso. Uma
das razões a qual eu tenha escrito estes Prelúdios em tempo métrico foi para
facilitar, como será o caso, tanto para ensiná-los ou aprendê-los. (COUPERIN,
1717: 33)

A ilustração seguinte mostra um prelúdio de François Couperin escrito de forma

métrica, porém, sua maneira de interpretá-lo deverá ser feita de forma livre:

FIGURA 3.19 - Notação Métrica. F. COUPERIN. L´Art de Toucher le Clavecin, Paris 1717 p.52

comp. 01-04

Assim como em François Couperin, se pode encontrar no Quarto Prelúdio de

Cláudio Santoro, a presença de uma notação métrica, porém, inserida no contexto de um

prelúdio non mesuré tripartite. Este prelúdio tem escrita de compasso binário, mas não

impõe uma métrica rígida, sendo contrastada por uma significativa mudança de

andamento, retornando posteriormente à ideia inicial:


70

FIGURA 3.20 - Notação métrica e mudança de andamento. SANTORO. Prelúdio IV. Savart, 1977

p. 06 comp. 01-07

FIGURA 3.21-Notação métrica e retorno à escrita inicial. SANTORO. Prelúdio IV. Savart, 1977

p. 06 comp. 14 - 21

Um elemento bastante indicativo da notação métrica, porém em estilo livre,

contextualizado tanto em François Couperin quanto em Santoro, pode ser observado no


71

próprio desenho das ligaduras. Assim a barra de compasso se torna um componente

irrelevante no quesito que concerne à interpretação. Este tipo de escrita faz perceber - ao

aprimorar o estudo sobre os prelúdios non mesuré - a excelente capacidade de

compreensão estilística e instrumental de Cláudio Santoro.

3.2 Moto Perpetuo

De acordo com Timoulth (2011), moto perpetuo, na linguagem musical54, é

geralmente associado a uma peça na qual uma rápida figuração é persistentemente

mantida. Moto, em italiano, significa ‘movimento’, e perpetuo significa perpétuo,

permanente, eterno. Ao pesquisar sobre perpetuum mobile - tradução do mesmo termo

para o latim-, a indicação é semelhante, porém implica em notas de valores iguais55, não

havendo a necessidade de serem em semicolcheias, ou notações de valores rítmicos

menores. Apesar de o moto perpetuo não necessariamente se fazer representar em uma

peça inteira, nem tampouco uma figuração que exija uma rapidez digital56, esta

terminologia pode ser caracterizada por um fluxo constante de notas.

De acordo com Temperley (2011):

Alguns títulos genéricos parecem designados para definir a atitude do compositor ou do


intérprete para com a música, geralmente uma atitude casual (album-leaf, bagatela,
divertimento, étude, improviso, intermezzo, peça lírica, moment musical, morceau,
perpetuum mobile ou moto perpetuo, scherzo).

Ao partir da ideia de atitude casual, Rosen (1972:72) afirma que “o perpetuum

mobile Barroco [...] é um procedimento normal [...], pode servir a qualquer peça em que

54
Este termo também pode ser aplicado à Física.
55
"perpetuum mobile." In The Oxford Companion to Music, editado por Alison Latham. Oxford Music
Online. Disponível em http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/opr/t114/e5104. Último
acesso em 16/02/2012.
56
Posteriormente Timoulth (op. cit.) afirma em seu artigo que a qualidade do movimento perpétuo (não
necessariamente rápido) tem, sobretudo, sempre sido um recurso capaz de dar resultados valiosos. O moto
perpetuo de muitos movimentos barrocos é devido a incansável persistência de um “baixo cantante”
(walking bass).
72

os elementos temáticos se sucedam de modo uniforme (quase todas as Allemande por

exemplo).”

Podemos encontrar exemplos de moto perpetuo em diversas obras do Século

XVIII, onde se torna evidente a inspiração de Cláudio Santoro ao compor o Segundo e o

Quinto Prelúdio. Porém, apenas um exemplo de cada composição será demonstrado nos

próximas ilustrações.

Na figura seguinte (Fig. 3.22), podemos perceber que a movimentação das notas

acontece de forma quase paralela, de modo a sincronizar movimentos ascendentes e

descendentes.

FIGURA 3.22 - Moto Perpetuo. F. COUPERIN. Les Tricoteuses. Paris, 1730. p. 30 comp. 01-05

Cláudio Santoro compôs na segunda parte de seu Segundo Prelúdio um moto

perpetuo cuja movimentação das notas é realizada quase que de forma espelhada. Pois

ao contrário de Couperin, Santoro mesclou o paralelismo dos movimentos ascendentes e

descendentes combinando com movimentos contrários (Fig.3.23):

FIGURA 3.23 - Moto Perpetuo. SANTORO. Prelúdio II. Savart, 1977 p. 03 comp. 18-21
73

Este tipo de “movimentação espelhada” é estruturada de forma bem mais

evidente no Quinto Prelúdio de Santoro. Neste prelúdio, o moto perpetuo foi escrito de

maneira a abranger notas iguais ou enarmônicas, porém em movimentos contrários. A

próxima figura (Fig. 3.24) ilustra esta referência:

FIGURA 3.24 - Moto Perpetuo. SANTORO. Prelúdio V. Savart, 1977 p. 08, Sist. 01

De maneira um tanto excêntrica, a notação deste prelúdio é composta

basicamente de notas que fazem um desenho harmônico similar, que remete a uma

sonata em estilo moto perpetuo de Domenico Scarlatti em Ré Maior, L.461 (Fig. 3.25):

FIGURA 3.25 -Moto Perpetuo. SCARLATTI. Sonata L. 461. Comp. 21-24

Ao analisar o contexto do conceito de moto perpetuo, outros prelúdios de

Cláudio Santoro já citados anteriormente também revelam esta estética. Desta forma,

podemos concluir que a parte central dos prelúdios que possuem a estética non mesuré
74

tripartite, independente de haver compasso ou não, foi escrita em forma de moto

perpetuo. É perceptível esta escrita em estilo moto perpetuo na parte central do Primeiro

Prelúdio de Cláudio Santoro, como mostra a próxima figura (Fig. 3.26):

FIGURA 3.26 - Moto Perpetuo. SANTORO. Prelúdio I. Savart, 1977 p. 02 comp. 01 - 06

Também é perceptível a utilização do moto perpetuo na parte central do Quarto

Prelúdio de Cláudio Santoro (Fig. 3.27):

FIGURA 3.27 - Moto Perpetuo. SANTORO. Prelúdio IV. Savart, 1977 p. 06 comp. 01- 07

Curiosamente, os exemplos apresentados que caracterizam uma peça em estilo

moto perpetuo estão associadas a andamentos vivos. Através da união dos prelúdios non
75

mesuré com moto perpetuo, se pode perceber que Santoro, mesmo ao utilizar uma

técnica composicional que aborde mais de uma textura, pode ser designado como um

compositor que consegue mostrar suas características composicionais em quaisquer

moldes tradicionais.

3.3 Canon à Oitava

Conhecida como uma das mais estritas formas de imitação contrapontística, a

palavra canon vem do grego kanōn, e significa ‘regra’ ou ‘preceito’ (SCHOLES, et. al.

2012), onde uma cadeia melódica dá as ‘regras’ para outra cadeia, ou para todas as

outras cadeias, nas quais, em um intervalo de tempo deverá imitá-la nota por nota. Esta

palavra foi utilizada pela primeira vez durante o Século XV (ibidem), mas só foi possuir

o significado que é usado atualmente durante o Século XVI, quase três séculos após que

já haviam escrito as primeiras obras canônicas (no sentido moderno) (MANN, 2012).

Apesar das várias terminologias para distinguir os tipos de cânones57, laconicamente

podemos definir o canon como uma voz líder –ou antecedente – que entra com a

melodia, e a voz imitativa como companheira – ou conseqüente -, e passa assim por

diversas variações, tanto de tessituras, quanto rítmicas.

Aparentemente, até o fim do Século XIV os cânones eram realizados de forma

uníssona, ou com intervalo de oitava - que era utilizado esporadicamente como forma de

variação dos cânones uníssonos (Ibidem). Na obra “A Arte da Fuga” de Johann

Sebastian Bach, entre quatorze contrapontos e quatro cânones, podemos observar nestes

cânones que o compositor desenvolveu um canon à oitava, sendo apresentado na

ilustração seguinte:

57
Canon à Oitava, Canon à Quinta – ou qualquer outro intervalo. Assim como Canon por aumentação.
Canon por diminuição e também Canon por inversão.
76

FIGURA 3.28 - Canon à Oitava. J. S. BACH. A Arte da Fuga. n.d.c. 1750, Leipzig. p. 51 comp. 01-
12

A composição canônica não necessita estar associada a uma obra inteira, pois,

além da composição canônica real, existe uma grande quantidade de composições com

um efeito semelhante, mas que são muito livres para vir sob esta designação, sendo

consideradas meras imitações canônicas58.

Santoro escreve em seu Quarto Prelúdio um canon à oitava, porém este canon

não se faz representar na obra inteira, pois ele faz parte da sessão intermediária de um

prelúdio tripartite, sendo iniciado de forma acéfala após o terceiro compasso. A figura

3.29 representa esta indicação:

FIGURA 3.29 - Canon à oitava. SANTORO. Prelúdio IV. Savart, 1977 p. 06 comp. 01-07

58
Ver nas referências bibliográficas o verbete “canon”. (Sem autoria)
77

Ao analisar os aspectos que já foram discorridos neste capítulo, é possível

afirmar que este prelúdio é inspirado de forma sucinta três em características: notação

métrica em estilo livre, moto perpetuo, e canon à oitava.

3.4 Piéce Croisée

De acordo com Cluton (2011), este tipo de música envolve linhas musicais

separadas que se cruzam no mesmo intervalo, muitas vezes empregando a mesma nota,

tanto simultaneamente quanto em sucessão imediata. Este tipo de peça exige que

determinados cravos possuam dois manuais com registros de uníssono independentes59,

para que as duas mãos possam tocar ao mesmo tempo, cruzando livremente, uma em

cada manual. Os primeiros instrumentos de dois manuais com registros de uníssono

independentes aparentemente foram fabricados na França na década de 1640

(RIPIN,2012). Nas obras resgatadas de Louis Couperin podemos encontrar duas peças

croisées datadas de c. 1661 (Ibidem), demonstrando que os cravistas franceses da época

devem ter tido acesso a instrumentos nos quais dois teclados estavam na mesma altura,

e o registro dos dois manuais podia ser operado independentemente (ROWLAND,

2001:50). A figura 3.30 demonstra uma ilustração referente a uma obra de Louis

Couperin onde representa uma seção croisée:

59
Há instrumentos que possuem somente um manual com dois tipos de registros, porém, em peças que
possuem rápida mudança de figuração como em um echo – figuração que alterna entre forte e piano -, ou
mesmo em uma pièce croiseé, haverá a necessidade de um instrumento com dois manuais.
78

FIGURA 3.30 - Pièce Croiseé . COUPERIN. Courante en Ut Major. Pièces de Clavecin from the
Bauyn Manuscript (ca. 1658) Due West, 2009 p. 02 Comp. 01-07

Apesar de encontrarmos determinadas obras do Século XVII que já utilizam o

instrumento com este tipo de mecânica independente, o termo pièce croisée somente foi

utilizado pela primeira vez por François Couperin, em seu Terceiro livro de Peças para

Cravo, em 1722. No prefácio deste livro, Couperin cita que deu o nome a este tipo de

obra:

Podem ser encontradas no Terceiro Livro as peças que eu nomeei Piéces-


Croisées (sic.), onde ao lembrar no Segundo [livro], página 62, há pelo menos
uma peça desta espécie, que com o título de Les bagatelles, é precisamente o
que chamo de Piéce-croisée (sic.), e aquelas [peças] que possuem o mesmo
título deverão ser reproduzidas em dois teclados, cujo um deles será empurrado
ou puxado. (COUPERIN, 1717:Prefácio)

Ao analisar a obra referente ao Segundo Livro (Les Bagatelles), Couperin não

utiliza o termo Pièce Croisée, mas dá instruções sobre como registrar o instrumento

para apresentar este tipo de obra: “Para tocar esta peça, você deve puxar um dos

teclados do cravo, retirar a pequena oitava, colocar a mão direita no teclado de cima, e

colocar a esquerda no teclado de baixo” (COUPERIN, 1717:62). Podemos considerar

neste caso a pequena oitava como o registro chamado de 4 pés (4’), onde ao tocar as
79

notas em sua altura normal, elas soam ao mesmo tempo uma oitava acima, portanto ao

retirar a “pequena oitava”, Couperin aparentemente quis dizer para desacoplar o

instrumento.

Nas próximas ilustrações estão representados dois exemplos referentes ao pièce

croisée. O primeiro exemplo (Fig. 3.31) ilustra a explicação de Couperin sobra a

mudança de registro do instrumento.

FIGURA 3.31 - Piéce Croisée. F. COUPERIN. Les Bagatelles. Paris, 1717 p. 62 comp. 01-03

A outra ilustração é referente a uma peça em que foi utilizado pela primeira vez

o termo pièce croisée por Couperin (1717:22). Na obra, há uma indicação de “olhar o

prefácio para saber como tocar as piéces croisées (sic.):

FIGURA 3.32 - Pièce Croisée F. COUPERIN. Le Dodô ou L´amour au Berceau. Paris, 1717 p. 22
comp. 01-06

Em Santoro (Quinto Prelúdio), o estilo croiseé é evidenciado através das

indicações das mãos, onde o compositor indica em cada clave a representação de um

determinado teclado. Na figura 3.33 é possível perceber as indicações do compositor


80

para a mão direita - 1º Teclado (1º Klaviatur), e para a mão esquerda - 2º Teclado (2º

Klav.).

FIGURA 3.33 - Pièce Croisée. SANTORO. Prelúdio V. Savart, 1977. p.08 Sist. 01

Santoro uniu neste prelúdio a estética moto perpetuo com pièce croisée, assim

como na obra de François Couperin, Les Bagatelles. Porém, Santoro resolveu não

deixar a estética croisée se representar por toda a peça, indicando no final do Quinto

Prelúdio a expressão “normal” para as duas mãos voltarem a dividir o mesmo teclado

(Fig. 3.34):

FIGURA 3.34 - Transição do Pièce Croisée para apenas um teclado. SANTORO. Prelúdio V.
Savart, 1977 p. 08 Sist. Último

3.5 Recitativo Instrumental

A palavra Recitativo, de acordo com Westrup (2011), indica um tipo de escrita

vocal, normalmente para uma só voz, com a intenção de dublar um discurso dramático
81

na música. De acordo com Temperley (2011), “o Recitativo foi inventado na Itália [...]

como uma forma da música ser mais subordinada ao texto”, complementado por Randel

(2003:707) onde aponta que as “inflexões naturais, ritmos, e sintaxes do discurso são

imitadas e enfatizadas”. Tais ajustes caracterizam o Recitativo através da total falta de

tessituras exageradamente agudas ou intensidades extremas, assim como repetições de

palavras. De acordo com Monson (2012), a palavra Recitativo é uma derivação do verbo

Recitar, e em 1528 este verbo já era usado para performance vocal, onde em Il libro del

cortegiano de Baldassare Castiglione ocorria a frase “cantare alla viola per recitare”.

Por se tratar de uma récita, emprega-se bastante a forma livre e expressada. De acordo

com Temperley (op. Cit.), “o baixo contínuo ou figurato era uma das formas de

acompanhar as expressões espontâneas do cantor na falta de um pulso constante”.

Devido ao fato do termo Recitativo estar intrinsecamente associado à música

dramática, este termo era comumente usado em óperas, cantatas e oratórios. Na medida

em que o estilo recitativo partia da Itália para Alemanha, França e Inglaterra, este foi

valorizado não somente pela sua capacidade expressiva, mas também por ser uma

novidade absoluta (RANDEL, 2003:707).

Na Fig. 3.35 segue um exemplo de Recitativo acompanhado por um instrumento

contínuo, também conhecido como Recitativo Simples. Apesar da notação métrica, a

mudança é constante nos valores de compasso, que se alterna entre ternário, ora

quaternário, ora binário:


82

FIGURA 3.35 - Recitativo Acompanhado por Contínuo. LULLY. Thésée. Prólogo: “Contre um
Heros...” Paris, 1668

Diversos compositores, durante o Século XVIII, começaram a usar em suas

obras instrumentais passagens parecidas com recitativos, para ocasionar um efeito

expressivo ou dramático, às vezes, produzindo um efeito de instrumento inarticulado,

tentando falar (ibidem). Esta linguagem, também conhecida como Recitativo

Instrumental é utilizado por compositores para assemelhar também com a liberdade

métrica do Recitativo Vocal. A próxima ilustração demonstra um Recitativo

Instrumental, indicado propositalmente pelo próprio compositor para atribuir uma

interpretação expressiva e livre:

FIGURA 3.36 - Recitativo Instrumental. J. S BACH. Fantasia Cromática e Fuga BWV 903
Breitkopf & Härtel, 1890 p. 03 comp. 46- 54
83

Na obra de Santoro, em seu Sexto Prelúdio, a composição possui características

que se assemelham a um Recitativo Instrumental, onde a própria palavra Recitativo está

representada na indicação de andamento (Fig. 3.37):

FIGURA 3.37 - Recitativo Instrumental. SANTORO. Prelúdio VI. Savart ,1977 p. 09 Comp. 01-05

Apesar da notação métrica, as ligaduras que ultrapassam as linhas de compasso

indicam a interpretação da peça em estilo livre. Apesar da falta de indicação de

compasso, não há impedimento que os compassos alternem, ora binário, ora ternário,

não identificado ao certo se o primeiro compasso se trata de uma anacruse, ou, talvez,

um compasso unário60.

Em 1976, Cláudio Santoro vivenciou suas últimas experiências eletroacústicas.

No entanto, estéticas que apontavam um determinado amálgama musical já apareciam

neste ano ao compor uma Balada para piano solo dedicada a Nelson Freire,

“materializando precocemente o início da busca de Santoro por uma forma de expressão

60
De acordo com Paul Hindemith, o compasso de Um tempo (unário) é contestado por alguns teóricos,
todavia ele é bastante usado por compositores modernos (Bartók, Stravinsky, Widmer e outros).
84

capaz de aglutinar o conjunto de todas as experiências composicionais vivenciadas nas

décadas anteriores” (MENDES, 2009:229). Mendes (ibidem) ainda afirma que a fase

estilística61 que corresponderia à maturidade musical de Santoro aconteceria em 1978,

ao compor uma Ave Maria para coro à Capella. As obras correspondentes ao ano de

1977 “ainda apresentam-se plenamente estruturadas de acordo com a prática

vanguardista”. Esta prática vanguardista obtém notoriedade devido à associação

irreverente de Santoro ao mesclar signos velhos e novos, causando a surpresa de

Tacuchian apud Simões (2005:63) que quis imediatamente entender que orientação

estética Santoro seguia. Santoro respondeu: “Não tenho nenhuma orientação estética,

sou um artista sem compromisso.”

61
Mendes percorre as fases estilísticas em sua tese, e direciona as etapas composicionais de Cláudio
Santoro em seis: “Serialismo Dodecafônico (1939- 1946)”, “Transição (1946-1948)”, “Nacionalismo
(1949-1960)”, “Retorno ao Serialismo (1961-1966)”, “Avant-Garde (1966-1977)”, “Maturidade (1978-
1989)”.
85

CAPÍTULO 4 -

COMO INTERPRETAR A OBRA EM UM CRAVO DE MODELO HISTÓRICO

Introdução.

O cravo historicamente copiado atualmente corresponde à grande maioria dos

instrumentos manufaturados e tocados no mundo. Porém, ultimamente, talvez em

decorrência da quantidade de compositores contemporâneos para cravo, o interesse na

interpretação de repertório contemporâneo em cravos industriais tem aumentado. Na

França, por exemplo, o incentivo para a preservação e divulgação do repertório atual em

cravos industriais é bastante exaltado. No Conservatoire National Supérieur de Musique

et Danse de Paris existe até uma cadeira especializada em música contemporânea para

cravo, onde as interpretações das obras são realizadas em cravos industriais. Outro

aspecto que engloba a divulgação do instrumento ocorrerá em 2012, onde a associação

Clavecin em France promoverá uma journeé intitulada “Cravos de ontem e hoje através
62
de Saint-Leu” . Esta journeé será realizada no conservatório de duas cidades63, onde

haverá conferências, concertos e oficinas que discutem a transição do cravo industrial

para os historicamente copiados, principalmente dos cravos da empresa Pleyel, uma vez

que Wanda Landowska lecionou no conservatório de Saint-Leu-la-Foret. Outro aspecto

62
Clavecins d’hier et d’aujourd’hui en passant par Saint-Leu.
63
Saint-Maur-des-Fosses e Saint-Leu-la-Foret.
86

que também será discutido são as escritas contemporâneas para cravo, além de

apresentações feitas em cravos industriais.

Devido a inúmeros recursos existentes no cravo industrial, a escrita para este

instrumento pode levantar alguns questionamentos, que englobam desde aspectos

organológicos do próprio instrumento – como extensão maior do teclado e utilização de

pedais-, quanto questões de cunho interpretativo, no que diz respeito a indicações de

dinâmica pelo próprio compositor. Albuquerque (2008:79) complementa:

Uma dificuldade enfrentada atualmente é que muitas peças escritas na primeira


metade do século XX destinavam-se aos cravos modernos (sic), com
indicações específicas para seus registros e pedais. No entanto, a maioria delas
pode ser adaptada ao cravo histórico, desde que as dinâmicas e coloridos sejam
derivados destas indicações, da forma mais próxima possível das intenções do
compositor. Para isso, deve-se empregar a mudança ágil dos registros e
alternância entre manuais.

Kroll (2004:99) alega que as obras que não puderem ser adaptadas, tenderão a

desaparecer. Kottick (1994:51), por outro lado, já profetiza com o retorno do cravo

industrial:

Os cravos industriais foram construídos por um período de quase setenta e


cinco anos e há uma considerável literatura da música do século XX escrita
expressamente para eles. Museus os estão colecionando como objetos
premiados (ou pelo menos com a expectativa de que eles irão se tornar), e
(posso ousar em dizer?) o dia ainda pode chegar quando construtores farão
cópias deles.

Uma vez que o cravo industrial se encontra escasso no Brasil, adequações foram

feitas para não haver necessidade de manter esta obra em um arquivo. Várias dessas

indicações feitas por Santoro em 6 Stücke für Cembalo podem ser adaptadas para o

cravo historicamente copiado.

4.1 – Dinâmicas

A palavra “dinâmica” possui origem grega, dynamos, que significa força, onde

na música é aplicada através da intensidade de volume para caracterizar uma expressão


87

ou sonoridade. Desde a Grécia Antiga, no século I, ocorriam sutis mudanças de

dinâmica na música. De acordo com os registros de Plutarco de Queroneia (46 – 126

d.C), a utilização de dinâmicas nos hinos homofônicos serviria para demonstrar nuances

de volume ao ilustrar o significado da palavra, ou imitar a entonação do discurso64.

Rocha-Júnior (2010: 71) alega que os assuntos sobre música eram tão difundidos quanto

a gramática, pois ambas as disciplinas estariam ligadas ao estudo da voz humana. De

acordo com Massin (1997: 101):

Desde o século II a. C., Aristófano de Bizâncio havia concebido um sistema de


notação para a língua grega em que o acento agudo indicava a elevação da voz,
o acento grave sugeria o seu abaixamento, o acento circunflexo sinalizava uma
elevação suave e um ponto marcava a queda, seguida de interrupção da voz, no
fim da frase.

Entre os séculos V e XV, de acordo com Thiemel (2011), os músicos ainda não

utilizavam a palavra “dinâmica” propriamente dita, pois a palavra estaria implícita nos

conceitos de strutctura e processus. Posteriormente, teóricos atribuíram a palavra

“dinâmica” a figuras musicais retóricas associadas com a Teoria dos Afetos, pois,

devido ao grande excesso de ornamentação nas peças, “o aspecto ‘decorativo’ acabava,

algumas vezes, por importar mais que a própria obra, arriscando prejudicar a
65
inteligibilidade do texto musical.” Este tipo de pronunciamento data do início do

século XVII, onde os adeptos da Camerata Florentina, entre eles Galilei, Peri, Caccini,

entre outros, foram levados a reduzir os ornamentos a efeitos (affetti) mais expressivos e

mais concisos que a passaggi. “Este interesse pela expressividade fará com que tais

compositores introduzam efeitos como a esclamazione (o decrescendo e crescendo de

uma nota) e o rubato (literalmente, “roubado”) [...].”66 O compositor Michael Praetorius

64
Nuance, em grego se escreve khroai, que é uma derivação de khroa, que significa “matiz”, “coloração”.
Porém, Plutarco se inspira ao falar de nuances baseado em Aristóxeno e seu pequeno tratado de nuances
no livro Harmonica. (ROCHA-JÚNIOR, 2010:119)
65
MASSIN, Jean. Op. Cit. p.109
66
Ibidem.
88

(?1571- 1621), em seu livro Syntagma Musicum (1619)67 relata em um capítulo

destinado a termos técnicos, a utilização de “ graus de variações em aumentos e

diminuições de dinâmica”, complementado por Thiemel (2011) que Praetorius

descreveu ‘pian e forte’ como métodos utilizados para “expressar os afetos e mover os

sentimentos humanos.”

Durante o período do século XVIII ocorreram em diversas obras, tanto

orquestrais quanto em instrumento solo, o que no século XX era conceituado como


68
“dinâmica de terraço” . De acordo com Elste apud Caldwell (2011) o nome estaria

associado à linguagem neo-barroca, para designar mudança brusca de dinâmica através

de efeitos de eco, ou em composições que alternam entre um tutti orquestral e um

número reduzido de instrumentos, como em um concerto grosso. Desta forma, não se

utiliza gradações de crescendo ou diminuendo. Até mesmo em peças que posicionam o

cravo como instrumento solo é possível a identificação da utilização da dinâmica de

terraço. De acordo com Ribeiro (2009:40), “no barroco, a dinâmica de terraço [...] era

um procedimento comum, tanto devido às características intrínsecas da linguagem,

quanto às limitações técnicas de alguns instrumentos, em particular os de teclado”.

Os próximos exemplos revelam de forma mais esclarecedora a utilização da

dinâmica de terraço em três momentos distintos: O primeiro exemplo (Fig. 4.1) possui

um caráter imitativo de um concerto grosso, onde a dinâmica denominada forte está

associada a um número maior de notas, que corresponde a um tutti orquestral. A

dinâmica piano está associada à parte que acompanha a melodia da obra, que está

indicada pela dinâmica forte. Rosenblum (1988:68) afirma que a “dinâmica de terraço

pode utilizar o contraste de forte e piano para realçar um contraste existente de material

67
Volume III. Traduzido e editado por Jeferry Kite-Powel Nova York: Oxford University Press. 2004
p.91
68
Do inglês: Terraced dynamic.
89

formal, ou seções, ou de registros, texturas, ou caráter”. Kirkpatrick (apud Lindorff,

1982:44) complementa:

O movimento das obras cravísticas podem produzir grande variedade de som, e


a inter-relação rítmica entre as seções diferentes é de enorme importância na
inflexão de músicas polifônicas. Compositores talentosos e praticantes de baixo
contínuo no século XVIII administravam a progressão de suas partes para
indicar o fluxo da expressividade musical. Pelo adensamento ou languidez das
texturas, pela aglomeração ou repetição das notas, por adicionar ou subtrair
vozes, por duplicações e insinuações, eles administravam para expressar as
preparações e resoluções de dissonâncias e para reforçar as harmonias
fundamentais. Pelos mesmos propósitos, eles eram aptos a fornecerem acentos,
pausas, intensificações e relaxamentos da frase rítmica. A inflexão de uma
melodia foi controlada não só pela sua própria estrutura inerente, mas muito
facilitada pela conduta das partes, simultâneas ou acompanhadas.

FIGURA 4.1 – J. S. BACH. Concerto Italiano. BWV 971. 1º Movimento. 1ª Edição. Nuremberg:
Cristoph Weigel (1735) comp. 26-32.

Rosenblum69 complementa que “as próprias dinâmicas podem simplesmente

criar contrastes por mudança de intensidade tonal, como em um efeito de eco”. De

acordo com Dourado (2004: 117), eco “na música, diz-se da repetição em uníssono ou

oitava (superior ou inferior) de uma célula, ou frase, literalmente ou utilizando

contrastes de timbres ou dinâmicas.” O segundo exemplo (Fig. 4.2) ilustra a dinâmica

de terraço aplicada em células musicais que possuem similaridades:

FIGURA 4.2 – J. S. BACH. Ouverture Francesa BWV 831. “Echo”. 1ª Edição. Nuremberg:
Cristoph Weigel (1735) comp. 26-31.

69
Ibidem.
90

O terceiro exemplo (Fig. 4.3) associa a dinâmica de terraço ao desenvolvimento

musical que acontece durante a exposição da obra. Geralmente, este desenvolvimento

musical é revelado quando o material temático harmônico e rítmico exposto

anteriormente recebe nova elaboração. De acordo com Rosenblum70 “no contexto da

dinâmica de terraço, a mudança não foi explorada para a cor, mas para melhorar as

frases articuladas e seções, portanto, a imposição de mudança gradual71 pode muito bem

alterar a percepção do ouvinte na música”:

FIGURA 4.3 – J. S. BACH. Ouverture Francesa BWV 831. “Ouverture”. 1ª Edição. Nuremberg:
Cristoph Weigel (1735) comp. 47-49

As utilizações das dinâmicas denominadas terraço estão também presentes na

obra de Santoro, tanto de forma indicada pelo compositor, ou de forma sugerida pelo

autor desta dissertação, para uma melhor compreensão das peças. Os detalhamentos de

dinâmicas serão exemplificados em todos os prelúdios, de forma ordinal.

4.1.1 Primeiro Prelúdio

Antes de iniciar qualquer peça, é importante observar o desenrolar da obra,

principalmente para saber com qual registro é melhor para iniciar. O Primeiro Prelúdio

de Cláudio Santoro é dividido em três partes: Uma parte lenta, uma parte rápida e outra

parte lenta. Somente na primeira parte encontram-se indicações de dinâmica. Nesta

70
Ibidem.
71
A mudança graduada (ou transicional), que se refere à mudança gradual de sonoridade entre forte e
piano e vice-versa, já era utilizada de forma espontânea em vários estilos musicais, embora sem indicação
nas partituras, antes mesmo do período barroco. (RIBEIRO, Ibidem.)
91

primeira parte é visível uma pequena indicação de decrescendo logo antes de entrar em

uma dinâmica piano. Após este pequeno trecho que possui a indicação de dinâmica, a

segunda parte se inicia de forma impetuosa e acelerada, como ilustrada no próximo

exemplo (Vivo):

FIGURA 4.4 - Dinâmicas. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 5-6 comp.1-6.

A indicação de arpejo ascendente representado na partitura já faz a função

crescente do som, aonde através de sua sustentação o som irá se esvair. O arpejo

amortece o impacto de força que este acorde teria se fosse interpretado de forma não

arpejada. É considerável afirmar que a indicação de decrescendo neste momento

específico pode ser representada no cravo por um ralentando durante a finalização do

trilo. Pode-se perceber que se não há outra indicação de dinâmica além de piano,

subentende-se que a peça poderá iniciar com o registro de 8’ (tanto com o teclado sem

estar acoplado, quanto com o teclado acoplado). Portanto, é importante comentar que a

segunda parte deste prelúdio é desenvolvida por um movimento de caráter agitado. Em

um artigo escrito por Ralph Kirkpatrick apud Lindorff (1982:32), o autor discorre sobre
92

a composição contemporânea para cravo. Kirpatrick em um de seus apontamentos

afirma que “um forte pode ser produzido por uma aglomeração de notas, tanto

simultaneamente ou em uma rápida sucessão, como contrastado com o piano, ou

algumas notas separadas.”

Sugere-se então uma mudança timbrística para deixar este trecho mais brilhante,

como acoplar o primeiro (I) teclado, permitindo assim, descartar a possibilidade de

iniciar a peça com o acoplamento de teclados. Para esta dinâmica de terraço acontecer

sem quebrar o fluxo da execução, recomenda-se acoplar o teclado inferior logo após

terminar o trecho com o trilo, pois, a própria indicação de Mensurstrich propõe certa

respiração entre as partes trilo e piano. Assim, pode-se representar a dinâmica piano

com o segundo (II) teclado, possibilitando a execução da segunda parte já acoplada

anteriormente. Segue abaixo uma ilustração com a sequência das indicações e

recomendações. A mudança para a segunda parte está representada de forma horizontal

para uma melhor compreensão visual:

FIGURA 4.5 - Registros. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 05.

Após o término da segunda parte, a obra retorna para uma parte lenta

novamente. Nesta terceira parte, Santoro deixa a critério do intérprete escolher o timbre

para a finalização do Primeiro Prelúdio ao escrever “mudar o timbre” na partitura. Este

tipo de liberdade para o intérprete é abordado por Santoro em sua entrevista em

Heidelberg em 1976 (apud Lívero, 2003:89-92), onde o compositor afirma que este tipo

de sinergia resulta em uma melhor expressividade na interpretação:


93

Eu sempre fui assim, eu nunca fui um compositor que escreveu um negócio


para ser tocado exatamente como que devia ser. Sempre deixei o intérprete
recriar a obra e dar alguma coisa dele. Sempre achei isso. E vou dizer porque
(sic.), porque eu fui as duas coisas, intérprete e compositor. [...] O que é a
interpretação se não é uma parte aleatória do intérprete dentro da música. [...]
Quero dizer que isso é uma coisa que sempre esteve ligado à música. Por isso
que eu acho que quando começou a teorização da música, provocado em
grande parte pelos teóricos e musicólogos (quero dizer, o sujeito que não pode
fazer música), a música perdeu uma grande parte da sua razão, e impediu em o
seu desenvolvimento expressivo. [...] Então é por isso que uso o Aleatório –
como um elemento de facilitar, e que meu pensamento musical tenha melhor
resultado na interpretação, na realização.

O exemplo seguinte representa a terceira parte do Primeiro Prelúdio, onde ao

aproveitar a disposição do teclado já estar acoplado, sugere-se que a mudança de timbre

seja para o registro de alaúde, diferenciando assim de todos os registros já aplicados

anteriormente:

FIGURA 4.6 - Mudança de timbre. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977. Últimos Sistemas.

Ao reparar na partitura, nota-se que a figura de arpejo ascendente reaparece

representada desta vez por uma fermata, posteriormente seguida de um Mensurstrich. A

sugestão seria de aproveitar que o teclado já está acoplado e representar o próximo

acorde no primeiro (I) teclado. A intenção seria de fortalecer o acorde que possui o
94

número maior de notas, retornando ao registro de alaúde (II) no último acorde. O

próximo exemplo (Fig. 4.7) esquematiza esta abordagem:

FIGURA 4.7 - Registros. SANTORO. Prelúdio I. Savart, 1977. Sist. 5

Sugere-se fazer o acorde no primeiro (I) teclado também como um arpejo

ascendente para não deixar soar bruto. Entre o penúltimo e o último acorde há

indicações de ligaduras para manter a sonoridade entre um som e outro. Pode-se fazer

esta indicação de duas maneiras: como se pode perceber, não há indicação de ligaduras

nas notas que constituem o baixo. Uma sugestão seria retirar a mão esquerda enquanto a

mão direita ainda mantém pressionadas as teclas, e fazer o último acorde com a mão

esquerda. Outra possibilidade - se quiser manter a sonoridade também da mão esquerda

– seria, ao tocar o último acorde, manter sustentado o Láb3 e o Réb4.

4.1.2 Segundo Prelúdio

O Segundo Prelúdio também está dividido em três partes, sendo uma das partes

realizada por repetição indicada por D. C e daí All Fine. As indicações de andamento

das duas partes são: Vivacci e Prestíssimo, como ilustrados na próxima figura (Fig. 4.8):
95

FIGURA 4.8 - Andamentos. SANTORO. Segundo Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-3 e 15-22.

Por se tratar de movimentos de caráter agitado, o acoplamento de teclados

possui serventia para deixar a obra brilhante. Assim sendo, não há a necessidade de

mudança de registro no decorrer da obra. A única indicação de dinâmica está

representada no final da segunda parte através de uma indicação de diminuendo

( ) associada com um ritenuto (rit), como ilustrado na próxima figura:

FIGURA 4.9 – Dinâmica. SANTORO. Segundo Prelúdio. Savart, 1977. comp. 31-34.
96

O trecho em questão possui um caráter imitativo do compasso anterior, porém

realizado uma oitava abaixo. A aplicação da dinâmica de terraço é sugerida para realizar

este trecho final em piano, onde se pode caracterizar este trecho a um efeito de eco. A

próxima ilustração representa essa sugestão:

FIGURA 4.10 – Dinâmica de Terraço. SANTORO. Segundo Prelúdio. Savart, 1977. comp. 31-34.

A utilização do mesmo registro para iniciar as três partes pode ser

complementada por Ribeiro (2009:42) alegando que “o andamento da peça é

fundamental para a determinação de suas dinâmicas. Um movimento mais lento implica

em níveis sonoros mais extremados e contrastantes, assim como andamentos rápidos

tendem a dispensar acréscimos de flexibilidade de dinâmica.” Esta explicação se torna

mais plausível ao compararmos o Segundo Prelúdio - que se representa com andamento

vivo - com o Terceiro – que se representa com andamento lento.

4.1.3 Terceiro Prelúdio

O Terceiro Prelúdio possui o maior número de indicações de dinâmicas. É

possível perceber dinâmicas graduais que vão do piano ao fortíssimo associado a

indicações de sforzatto. A utilização de diversas dinâmicas remete o pensamento sobre

qual registro iniciar a peça. A obra se inicia com diversos arpejos ascendentes e
97

diferentes variações de andamentos. Estes arpejos ascendentes associados a indicações

de andamentos lentos como Largo, lento e langsam72 dão a entender que o registro

inicial deve ser brando. Posteriormente a este trecho, há também de se notar a marcação

f súbito logo no início do segundo sistema, seguido de dinâmica piano, como

representado na figura seguinte:

FIGURA 4.11 - Dinâmica de Terraço. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 01-02

Como a indicação de dinâmica mais sutil é piano e a mais intensa é fortíssimo,

recomenda-se iniciar a peça com o teclado já acoplado, porém através do segundo (II)

teclado, para assim evitar um eventual acoplamento no momento em que surge a

indicação de f súbito. A próxima figura ilustra a sugestão:

72
Do alemão: Lentamente
98

FIGURA 4.12 - Dinâmica de Terraço. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 02

Após esta sessão finalizada com a fermata, outra sessão surge, onde são

perceptíveis as dinâmicas gradativas em piano, forte, fortíssimo e finalizando a obra em

piano. Até o final da obra, o teclado continua acoplado para facilitar o trâmite entre as

dinâmicas (Fig. 4.13):

FIGURA 4.13 - Dinâmica Gradual. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977. Últimos Sistemas.

Há uma indicação de decrescendo pouco antes da sessão em fortíssimo. Durante

este trecho, por ainda se tratar da dinâmica forte, sugere-se fazer um pequeno

ralentando para representar o final desta sessão. A indicação fortíssimo pode ser
99

interpretada com os acordes feitos de forma plaqué73, sem necessidade de arpejá-los. O

arpejo aparecerá no último acorde em dinâmica piano, realizada no segundo (II) teclado.

A próxima figura (Fig. 4.14) representa as sugestões:

FIGURA 4.14 - Dinâmicas. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977. Últimos Sistemas.

4.1.4 Quarto Prelúdio

O Quarto Prelúdio é constituído de três partes, sendo somente as duas primeiras

a possuírem indicação de andamento: Andante e Presto. A terceira parte possui

elementos imitativos da primeira, onde se subentende que retorna ao andamento inicial.

A primeira parte já inicia com a indicação de dinâmica forte, porém, não há dinâmica

quando entra a segunda parte. O acoplamento dos teclados se faz necessário para iniciar

a peça. Uma vez se tratando da dinâmica indicada, a peça se inicia no primeiro (I)

teclado. A figura seguinte faz referência ao contexto citado:

73
Termo musical advindo do francês: Não arpejado.
100

FIGURA 4.15 - Dinâmicas. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-7

Devido ao fato da segunda parte possuir um andamento que indique um registro

mais encorpado, não se recomenda a mudança de registro para a interpretação, uma vez

que a peça já inicia com a dinâmica forte. Apesar do fato de somente a primeira e

terceira parte possuírem indicação de dinâmica, provavelmente o compositor as indicou

para guiar o intérprete a não pensar que estas partes deveriam ser feitas com um registro

brando. A próxima figura representa o início da terceira parte:

FIGURA 4.16 - Dinâmicas. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-7

Durante os três últimos compassos, o compositor finaliza a obra com a dinâmica

piano, onde o aproveitamento do acoplamento do teclado serve para passar do primeiro

(I) teclado para o segundo (II), como mostrado na próxima figura (4.17):
101

FIGURA 4.17 - Dinâmicas. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 25-28

4.1.5 Quinto Prelúdio

O Quinto prelúdio é uma peça de andamento Vivo, porém, a utilização do

acoplamento dos teclados não pode ser realizada por se tratar de uma piece croiseé. A

indicação dos teclados para a realização da obra é feita já no início, onde a mão direita

se faz representada pelo primeiro (I) teclado, e a mão esquerda pelo segundo (II)

teclado. A próxima figura representa esta indicação:

FIGURA 4.18 - Disposição dos Teclados. SANTORO. Quinto Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 01.

A utilização das mãos no primeiro (I) e segundo (II) teclado simultaneamente

são feitas até o último sistema, onde o compositor indica que o registro deve voltar ao

Normal, ou seja, as duas mãos tocando no primeiro (I) teclado como mostrado na

próxima figura (4.19):


102

FIGURA 4.19 Mudança de Teclados. SANTORO. Quinto Prelúdio. Savart, 1977. Último Sistema.

Esta peça possui somente uma indicação de dinâmica, no último sistema, através

da representação de um sinal de crescendo ( ) nas últimas notas da obra. Devido ao

fato desta indicação do compositor ser representada em um movimento ascendente,

sugere-se então tocar este trecho de forma a acelerar na medida em que o final se

aproxima.

4.1.6 Sexto Prelúdio

O Sexto Prelúdio, por se tratar de um Adágio Quasi Recitativo, a impressão que

se tem é que se deve iniciar a peça com um registro brando. Porém, Cláudio Santoro

indica no início a dinâmica forte, e não faz qualquer alteração até o final da peça. A

próxima figura ilustra o início:


103

FIGURA 4.20 Dinâmica. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-5

A utilização do acoplamento dos teclados também se faz necessária para a

realização desta obra. Todavia, em um determinado momento da obra, a mão direita se

fará representada no segundo (II) teclado. Esta é uma indicação interpretativa do autor

desta dissertação devido a uma mudança súbita no caráter melódico. Durante o discorrer

da obra, pode-se encontrar diversas células musicais representadas por este padrão

rítmico: . Esta célula rítmica alterna entre mão direita e esquerda. Após um trecho

com diversas repetições de variantes desta célula na mão esquerda, sugere-se

representar o ressurgimento da mesma na mão direita através do segundo (II) teclado. A

mão esquerda continuará representada no primeiro (I) teclado em células musicais de

caráter mais estático que a mão direita, como ilustrado na próxima figura:
104

FIGURA 4.21 Dinâmica. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 10-13

O retorno da mão direita ao primeiro (I) teclado será feito posteriormente, onde

o trecho estático na mão esquerda findará e surgirá um trecho de caráter imitativo entre

as duas mãos. A obra finaliza com as duas mãos no primeiro (I) teclado, dois compassos

depois. A próxima figura ilustra esta sugestão:

FIGURA 4.22 Dinâmica. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-5
105

De acordo com Rosenblum (1988:63), “a falta de indicações de dinâmica em

algumas composições e sua escassez em outras, coloca a responsabilidade sobre o

intérprete para sua execução.” Esta obra é passível de várias interpretações e

adaptações. Determinar regras para este tipo de execução se torna praticamente

impossível, devido aos inúmeros fatores que envolvem este conjunto de obras. Bom

senso e musicalidade ainda parecem ser as principais concepções.

4.2 Pedais

As indicações de pedais por Cláudio Santoro marcam a maioria dos prelúdios,

onde sua utilização se dá de forma específica para designar “mudança de timbre” ou

“oitava abaixo”. Um embasamento histórico do cravo de pedal se torna necessário para

uma melhor compreensão do texto musical.

O termo “cravo de pedal” possui uma ambigüidade já no próprio nome, pois

pode indicar um mecanismo que possa fornecer uma mudança súbita de registro, ou

uma pedaleira74, como havia em órgãos ou clavicórdios. A finalidade da pedaleira está

em tocar notas mais graves que as notas utilizadas nos teclados, fazendo soar uma

oitava abaixo. Este tipo de instrumento deriva do século XV, onde o registro mais

antigo ocorreu em Krakau em 1497, descrito como clavicimbali cum pedali. A

utilização deste instrumento serviria para treino do uso dos pedais no órgão, uma vez

que fatores impeditivos, como falta de colaboradores para bombearem os foles do

órgão, além da falta de calefação nas igrejas durante o inverno não permitiam os

músicos ensaiarem nas igrejas.

74
A invenção da Pedaleira é frequentemente atribuída a Bernhard, um organista germânico ativo em
Veneza c. 1470, com base em um trecho citado por Sabellicus (d. 1506). Bernhard prendeu laços de corda
nas teclas do órgão para que pudessem ser tocados com os pés, uma prática que provavelmente data de
Louis van Valbecke de Brabant (d.1318). (FORD, 1997:162)
106

Tanto Rechsteiner (2001)75, quanto Ford (1997: 172)76 afirmam que não existem

mais cravos com a pedaleira original. Porém, ao estudarem os modelos germânicos e

italianos encontrados, perceberam que alguns destes não possuíam uma independência

sonora entre cravo e pedaleira, podendo assim comprometer quando duas notas fossem

tocadas ao mesmo tempo. De acordo com Ripin et. al. (2012), apesar de que nenhuma

pedaleira original tenha resistido ao tempo, “um determinado número de cravos e

virginais italianos mostram clara evidência na forma dos acoplamentos do lado inferior

das teclas do baixo e buracos no fundo do tampo, nos quais em certo tempo eles eram

equipados com oito a dezoito pedais conectados às teclas mais graves por cordas.”

Ultimamente, construtores modernos ao realizarem um cravo de pedal, focam

em um segundo modelo, onde se constroem outro instrumento, e este é colocado abaixo

do cravo com teclados. Desta forma, a utilização dos pedais se torna uma ação

totalmente independente da utilização dos teclados. Jackob Adlung (1758: 556) em seu

“Guia para a erudição musical” afirma que:

pode-se também adicionar um pedal para tais instrumentos, ou o que é melhor fazer um
instrumento de pedal especial e posicionar o cravo por cima. Deve ser feita também de
modo que a tensão das cordas não curve o tampo, pois é assim que o instrumento
mantém a afinação.

Este tipo de cravo com pedaleira independente estaria mais bem representado em

modelos franceses, onde eram descritos como clavecin de pédale. O primeiro registro

refere-se a um cravo de um manual com clavecin de pédale encontrado no inventário de

instrumentos no ateliê de Jean Denis, em 1672. De acordo com Hubbard (1974: 111) “o

autêntico cravo de pedal era um instrumento separado, posicionado próximo ao chão,

abaixo de um cravo convencional”. Apesar de o instrumento possuir conhecimento

75
Há também um artigo também chamado “Le Clavecin Pédalier” encontrado no sítio Clavecin em
France. Disponível em: http://www.clavecin-en-france.org/spip.php?article23. Último acesso em
16/02/2012
76
Op. Citada
107

maior na França, a próxima ilustração retrata um clavecin de pédale de modelo

germânico, construído por Keith Hill & Phillip Tyre, em 1985:

Figura 4.23 Clavecin de Pédale. Keith Hill & Phillip Tyre. 1985

Após 1700, porém, um determinado tipo de cravo possuía um registro que

poderia se tocar notas que soam mais graves que as das teclas, porém, sem a

necessidade de um cravo com pedaleira. Este tipo de registro, denominado 16 pés (16’),

era bastante necessário nas plataformas de concertos modernos, utilizando-o para

proporcionar uma maior profundidade e sonoridade. Apesar de sua fama nos concertos

modernos, este tipo de dispositivo seria exclusivamente dos cravos germânicos do

século XVIII77, devido à hegemonia na época da música para órgão, e sua associação

77
De acordo com Hubbard (1976:183), apenas duas exceções saíram da Alemanha naquela época: “A
primeira é um cravo, tarde demais para se possuir demasiada importância histórica, por Joachim Swann
em Paris, 1786. Apesar de ele ter trabalhado em Paris, Swann era tão germânico a ponto de flexionar seu
nome para Swanen na placa deste cravo. [...] A segunda exceção é uma combinação de piano forte e cravo
por Joseph Merlin, Londres, 1780. Porém, de acordo com Restle (1995:31-32) ao fazer uma pesquisa
sobre cravos que possuíam mecanismos de 16’, foi encontrado, além deste citados por Hubbard, mais três
modelos que não são germânicos, e que curiosamente são datados antes de 1700. A referência deste tipo
de cravo mais antiga é de John Haward, contruído em Londres entre 1622 e 1653, que se encontra
atualmente em propriedade privada na Inglaterra. Sobre a segunda referência, Restle somente conheceu
através de fontes literárias, supondo até que o instrumento não tenha sobrevivido. Foi construído por
108

com o instrumento. Tal notoriedade deste registro também se deu devido a um rumor

envolvendo um instrumento que poderia, ou não, ter pertencido à família de J.S Bach.

De acordo com Elste (2012), este suposto cravo de Bach com registro de 16’ “foi

considerado, entre 1900 e 1960 como o cravo ideal, desta forma ele foi copiado e

imitado de todas as formas”. Estas formas de imitações são utilizadas tanto para cravos

industriais, quanto modelos historicamente copiados.

Durante a feira de Paris de 1889, a indústria Pleyel lançou um modelo de cravo

com seis pedais de mudança de registro, este mesmo cravo se encontra no Berlin

Staatliches Institut für Musikforschung. De acordo com Rowland (2001:07) “os

instrumentos da Pleyel possuem uma estrutura interna muito mais pesada que seus

‘modelos’ e a adição de pedais de registros pela Pleyel é outra característica

completamente moderna”. De acordo com Lo (2004:14) “instrumentos similares

contemporâneos podem ter cinco ou até nove pedais”. A próxima figura (Fig. 4.24)

ilustra o cravo Pleyel construído em 1889, onde se podem perceber os pedais na parte

inferior ao cravo:

Girolamo Zenti em Roma no ano de 1658, e foi encontrado no inventário da família Médici em 1700. A
terceira referência é um cravo de um construtor anônimo italiano, datado de 1700. Atualmente este cravo
se encontra em Munique, no Deutsches Museum. Restle ainda complementa que “esta lista certamente
poderia expandir ainda mais. Sem dúvida, é fato de que cravos com registros de 16’, especialmente em
cravos ingleses, italianos e alemães dos séculos XVII e XVIII não eram incomuns. Assim a tese de Frank
Hubbard deve ser invalidado, pois afirma que os originais 16’ ocorrem apenas na Alemanha no século
XVIII, e ainda tinha uma variante particularmente incomum das disposições normais de cravo por lá.
109

Figura 4.24 Cravo Pleyel de 1889.

Uma das principais divulgadoras do cravo industrial no início do século XX,

Wanda Landowska, possuía um determinado modelo fabricado pela Pleyel chamado de

“cravo Landowska”. Este modelo possuía sete pedais e um curioso mecanismo. Dos

sete pedais que constituíam o cravo, três deles eram acionados de modo inverso, ou seja,

o pedal somente era acionado quando fosse suspenso. Os outros três pedais eram

acionados da maneira familiar, como representado na próxima figura (Fig. 4.25):

Figura 4.25 Pedais de um cravo Pleyel de 1937.

De acordo com Dyson (1975: 240), um caderno com anotações meticulosas

pertencido a uma ex aluna de Landowska arquivavam lições diárias que eram ensinadas
110

em Saint-Leu-la-Foret entre os anos 1929-1930. Uma dessas anotações se tratava do

mapeamento dos pedais de um cravo Pleyel, como mostrado na próxima ilustração:

Figura 4.26 Mapeamento dos pedais de um cravo Pleyel por Lilye Karger (Posteriormente Sra.
Rosenberg)

Os três pedais que possuem mecanismos de acionamentos inversos são os

representados pelos números 4, 5 e 6. As disposições dos pedais, em ordem crescente,

da esquerda para direita são:

Pedal 1 Registro de 16’

Pedal 2 Registro de 4’

Pedal 3 Registro de 8’

Pedal 4 Registro de Alaúde

Pedal 5 Acoplamento de teclados

Pedal 6 Registro de 8’ (piano)78

Pedal 7 Registro de 8’ superior

Tabela 2 – Disposições dos pedais de um cravo Pleyel

78
De acordo com Dyson (1975: 242), neste curioso registro de 8’ extra (piano), o efeito é ocasionado por
um conjunto separado de saltarelos acopladas em um ponto diferente do registro de 8’ superior normal.
Ou seja, dois saltarelos para apenas uma corda. Este tipo de registro também é chamado de nasale.
111

Com a finalidade de aprimorarem os instrumentos, ou a própria sonoridade,

alguns construtores remodelavam cravos já existentes. Um desses inovadores, John

Challis (1907-1974), construiu um cravo nos moldes do “cravo Landowska” e

adicionou ‘meias posições’, ou ‘meio engate’ de pedais, tanto no manual superior,

quanto inferior. Este tipo de mecanismo servia para “ativar ainda mais a diferenciação

dos níveis de dinâmica. Por exemplo, a meia posição do registro de oito pés seria

aproximadamente metade do volume do registro de oito pés completo.” (LO, 2004, p.

16). Anteriormente a este período, já houve também mecanismos para controlar as

dinâmicas acionados por pedais, chamados de swellpedals. “Alguns cravos ingleses no

final do século XVIII tinham dois pedais (swellpedals) que controlavam venezianas de

madeira que se abriam sobre as cordas, como a função de aumentar, ou diminuir o

volume”. (PAVAN, 2009, 29). Este tipo de controle sonoro acionado por pedais lembra

um mecanismo similar utilizado em órgãos, onde uma veneziana de madeira libera ou

abafa o som saindo dos tubos do órgão. As duas próximas ilustrações representam este

tipo de cravo com swellpedal (Fig. 4.28 e Fig. 4.29):

Figura 4.27 Cravo Kirkman, 1798 Figura 4.28 Mecanismo lateral controlador dos pedais.

Cláudio Santoro em sua primeira composição para cravo e fita magnética,

intitulada Mutationen I, instrui o intérprete durante a obra a acionar os pedais através de


112

números. Estes números de pedais vão do número um ao número cinco. Desta forma

não se pode sugerir que Cláudio Santoro haveria composto a obra para o cravo Pleyel.

A próxima figura (Fig. 4.30) ilustra algumas das indicações de pedais por Santoro em

Mutationen I:

Figura 4.29 Indicações de Pedais. SANTORO. Mutationen I. Tonos Darmstadt, 1971

Em 6 Stücke für Cembalo a abordagem de Santoro para com os pedais se dá de

forma nominal, não havendo assim, confusão caso os cravos possuam diferenças nas

ordens dos registros. Dos seis prelúdios que compõem a obra, pelo menos três possuem

indicações de pedais. Porém, a utilização de alguns pedais em determinados prelúdios se

torna nula ou inválida ao transpor o âmbito interpretativo para um cravo de modelo

histórico.

4.2.1 Primeiro Prelúdio

O Primeiro Prelúdio não possui indicações formais de pedal. Porém, ao se tratar

do contexto que a obra em questão foi composta para um instrumento cuja mudança

súbita de registro se faz através de pedais, é considerável afirmar que qualquer

indicação de mudança timbrística subentende que a utilização de pedais se faz


113

necessária. A próxima figura (Fig. 4.31) mostra a indicação do compositor para “mudar

o timbre”:

Figura 4.30 Indicação de mudança de timbre. SANTORO Primeiro Prelúdio. Savart, 1977.

A utilização dos registros manuais para a mudança de timbre se faz válida, uma

vez que não há a necessidade de mudança súbita neste trecho, pois esta indicação se dá

no início da terceira parte do Primeiro Prelúdio.

4.2.2 Segundo Prelúdio

O Segundo Prelúdio possui apenas uma indicação de pedal, que se dá logo no

início. Através do direcionamento das notas dadas logo no primeiro compasso, é

permitido dizer que a marcação de pedal indicada pelo compositor se trata de um

pequeno trecho de caráter imitativo. A indicação deste trecho está representada apenas

pelo número oito (8), onde se podem levantar alguns questionamentos em relação à

registração. Este número 8 em questão pode representar um registro de 8’. Por se tratar

de um pequeno trecho imitativo, talvez fosse a intenção do compositor em representar

este trecho em um registro diferente. Este número em questão também pode estar
114

representando um “pedal de oitava abaixo”, que está relacionado com o registro de 16’

(Fig. 4.32):

Figura 4.31 Indicação de pedal. SANTORO Segundo Prelúdio. Savart, 1977.

Esta indicação pode também não tratar sequer de um registro de pedal. O

compositor pode simplesmente ter colocado uma linha de 8ª abaixo, porém, sem o

detalhe do traço pontilhado. A utilização desta última colocação parece mais plausível,

porém, não poderia ser descartada a possibilidade de utilização de pedal neste item.

4.2.3 Terceiro Prelúdio

O Terceiro Prelúdio possui somente uma indicação de pedal, onde desta vez o

compositor deixa bastante explícito qual tipo de pedal se trata. No caso o “pedal de

8ª”79. A próxima ilustração (Fig. 4.33) representa este trecho:

79
Santoro nesta peça, ao invés de numerar os pedais como em Mutationen I, o compositor preferiu
nomeá-los. Quando aparece a indicação de “pedal de 8ª”, o compositor refere-se ao registro de 16’, que
soa uma oitava abaixo.
115

Figura 4.32 - Indicação de pedal de oitava. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977.

A indicação Mit Ped 8ª 80 permite a interpretação de maneira como se realmente

houvesse uma linha de 8ª abaixo. Este trecho em questão não necessita realmente de

uma densidade sonora que o “pedal de 8ª” proveria, pois relevâncias como o staccato e

a dinâmica piano contestam este tipo de abordagem.

4.2.4 Quarto Prelúdio

O Quarto Prelúdio também possui somente uma indicação de pedal, que se dá no

início da segunda parte, onde inicia o canon à oitava. Ao reparar o trecho que o “pedal

de oitava” está assinalado na próxima figura, alguns questionamentos que englobam a

extensão do pedal podem surgir:

80
Do alemão: Com Pedal de 8ª
116

Figura 4.33 - Indicação de pedal. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977

Um dos questionamentos está relacionado com a possível continuidade do pedal

para os outros compassos. Este tipo de traço não possui um encerramento como nas

outras indicações mostradas anteriormente. Por se tratar de um canon, o contra-canto

precisa possuir características semelhantes. Ao interpretar somente o trecho assinalado

uma oitava abaixo, ocorre a quebra do fluxo melódico.

Porém, para a interpretação deste trecho completo realizado uma oitava abaixo,

precisaria da utilização dos dois manuais ao mesmo tempo. A associação dos dois

manuais com a dinâmica forte impossibilita a interpretação deste trecho completo uma

oitava abaixo, além de descaracterizar o aspecto composicional do canon à oitava. A

sugestão aqui seria de ignorar esta indicação.

4.2.5 Quinto Prelúdio


117

O Quinto Prelúdio possui as devidas indicações de pedal antes mesmo de a peça

iniciar. De modo diferente dos anteriores, o compositor propõe para cada manual um

tipo de pedal diferente, como mostrado na próxima figura:

Figura 4.34 - Indicações de pedais. SANTORO. Quinto Prelúdio. Savart, 1977.

Um fato curioso está em Santoro fazer suas indicações em duas línguas, ora em

língua germânica, ora em língua portuguesa. Neste Prelúdio em questão, ele utilizou as

duas línguas ao mesmo tempo, orientando em alemão no primeiro teclado81, e em

português no segundo teclado82. Outro fato curioso está no fato da peça não possuir

ritornello, e Santoro orientar o intérprete para tocar na segunda vez com pedal de 8ª

abaixo 83.

Devido ao fato de a peça acabar de forma súbita, repeti-la fará perder o aspecto

jocoso. Talvez seja o motivo do compositor indicar o pedal de oitava na segunda vez,

como forma de manter a peça renovada. A indicação de Ped. Sêco (sic.) no segundo

teclado se mantém por quase toda a peça, sem novas indicações para uma possível

repetição.

Como a peça utiliza os dois manuais de forma independente, a repetição feita

uma oitava abaixo pode até ser realizada, porém, a recomendação está em ignorar estas

indicações. Além de a peça não possuir ritornello, a utilização de um pedal seco em

81
Do alemão: 1º Klaviatur
82
Do alemão: 2º Klav. (abreviação de Klaviatur)
83
Do alemão: No 2 mal mit 8ª
118

uma pauta onde todas as notas estão em staccato praticamente anula a indicação, pois a

sonoridade já contrasta com as ligaduras do primeiro teclado.

O que se pode perceber em relação aos pedais, é que o compositor teve a

preocupação de utilizá-los em pequenos trechos, onde pode totalmente ser adaptado por

um instrumento onde não há pedais. Os trechos que envolvem pedais por períodos mais

extensos, podem ser ignorados, devido a motivos que envolvem aspectos organológicos

do instrumento de modelo histórico.

4.3 Notas Excedentes

Cláudio Santoro ao compor este conjunto de peças, utilizou em seu Primeiro

Prelúdio algumas notas que não fazem parte da extensão regular de números de teclas

de um cravo. Usualmente, um cravo possui uma extensão que corresponde a 61 teclas,

ou cinco oitavas – geralmente, inicia em FF e estende-se até f³. De acordo com Kottick

(2003:251), “requisitos musicais ditaram que estes instrumentos precisariam de uma

extensão maior - a princípio, GG – e³, então FF – e³, e finalmente FF – f³”. Porém, os

cravos históricos podiam variar suas extensões de acordo com cada país em que era

construído – para mais, ou para menos. Por exemplo: De acordo com Henri van der

Meer (1997:141), a maioria dos cravos preservados em Portugal e Espanha após a

metade do século XVIII possuía uma extensão maior de teclas que de outros países.

Alguns cravos, além desta extensão dada como usual (FF- f³), podiam estender até

quatro teclas a mais84.

Santoro faz uso de duas notas que são atípicas nos modelos de cravos históricos

que são produzidos atualmente. Não é a primeira vez que o compositor faz uso de notas

que estão além do limite do instrumento. Em Mutationen I Santoro utiliza em um

84
O cravo pertencente a Manuel Antunes, em Portugal (1789), possuía uma extensão FF – a³. Há relatos
de um cravo de Jacques Joachim Swanen de 1786 que possuía extensão EE – a³. (KOTTICK, 2003: 243)
119

pequeno trecho a nota gb³, onde em uma possível adaptação para o cravo historicamente

copiado, a solução seria uma simples afinação da nota f³ para meio tom acima. A

próxima figura representa esta ilustração:

Figura 4.35 - Extensão em Mutationen I. SANTORO. Mutationen I. Tonos Darmstadt, 1971

Porém, ao retornar a atenção ao Primeiro Prelúdio, é permitido afirmar que, ao

se tratar das extensões de notas, uma mera afinação não é o suficiente, pois o

compositor utiliza de 1 a 2 tons acima da nota limite, sendo elas: g³ e a³. A utilização

das notas g³ e a³ é representada na próxima figura. A ilustração será feita de forma

horizontal para melhor visualização:

Figura 4.36 - Extensão de notas. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977

Mesmo se focar a atenção para o cravo industrial - na tentativa de buscar

referências sobre as extensões das notas do instrumento - é importante afirmar que os

três instrumentos lançados na Feira de Paris, em 1889, possuíam a mesma extensão

padrão: FF – f³. A solução aqui seria somente a de diminuir uma oitava das notas

excedentes.

Mesmo ao observar todas as seis peças que constituem a obra, fica evidente que

Cláudio Santoro não a compôs pensando em um cravo de extensão FF – a³. Este tipo de
120

pensamento pode ser confirmado ao analisar qual seria a nota de tessitura mais grave.

No Quarto Prelúdio encontra-se uma nota EE, onde em todas as seis peças, esta nota é

tocada somente uma vez, como mostrada na próxima figura:

Figura 4.37 - Extensão de nota. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977.

Para propor alteração da afinação do instrumento, será necessário confirmar que

a nota FF não será utilizada de nenhuma forma. Para isso, se faz necessário procurar a

segunda nota de tessitura mais grave, que coincidentemente se trata da última nota do

Sexto Prelúdio: Um FF#. A próxima figura retrata este momento:

Figura 4.38 - Nota mais grave. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977

Ao analisar os rascunhos de Santoro sobre este prelúdio, este trecho

representado na figura anterior passou por alguns processos criativos. Em um desses

processos, Santoro flerta com a possibilidade de transformar este FF# em apenas F,

como representado na próxima ilustração:


121

Figura 4.39 - Rascunho. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977

Após análise, pode-se perceber que a nota FF# não interfere em uma possível

afinação da nota FF em meio tom abaixo. Porém, é preciso reparar se esta nota não será

afetada no caso de um recital com várias obras de diversos compositores. A sugestão

aqui seria de tocar essa nota EE uma oitava acima.

A utilização das notas mais extremas do instrumento na obra de Santoro parece

fazer parte de suas ideologias composicionais e estéticas, pois estes espaçamentos em

dois momentos específicos fazem parte de representações espelhadas de notas. Em outro

momento o compositor possui a preocupação de evitar procedimentos que caracterizam

o sistema tonal, como ocorre na próxima figura (Fig. 4.39). Neste Primeiro Prelúdio

ocorre o impedimento da nota f#² resolver em g². Para isso, o compositor utilizou o

espaçamento para a nota g³:

FIGURA 4.40 – Espaçamento. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 04

O Primeiro Prelúdio é praticamente composto por notas em movimentos

ascendentes. Em alguns momentos, o compositor quebra esta regra ao utilizar


122

movimentos espelhados. Em um destes movimentos espelhados, a nota a³ foi utilizada

na forma harmônica 1:8 com outra nota lá. Ao relembrar Hindemith (1942) (ver página

40), o teórico afirma que:

Até mesmo a oitava que está acima e além de qualquer discussão de valores
intervalares, perde boa parte de seu valor quando aparece na forma 1:4 que,
como sua estrutura de sons resultantes confirma, mal se compara à quinta justa
em termos de clareza. Na forma 1:8 [...] é ainda mais fraca, e na forma 1:16 o
intervalo se torna completamente dissonante.

Esta nota estendida faz parte de um conjunto de notas que se alteram

harmonicamente entre nonas e segundas. Caso estas notas sejam tratadas como

dissonâncias, a nota a³ em sobreposição ao seu homônimo também é representada por

uma dissonância. (Fig. 4.41):

FIGURA 4.41 – Movimento Espelhado. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977.

Em outra situação, Santoro utiliza a extensão da nota EE em uma movimentação

espelhada no Quarto Prelúdio através de notas que representam um ciclo de quintas.

Possivelmente, a utilização desta nota estendida foi utilizada para não quebrar a maneira

espelhada que Santoro organizou (Fig. 4.42).


123

FIGURA 4.42 – Movimento Espelhado. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977. Comp. 25-27.

As considerações aqui tomadas são reflexões que abordam aspectos

organológicos de um instrumento industrial. Em uma troca de informações com

Alessandro Santoro85, uma possibilidade plausível seria o próprio Stanislav Heller ter

indicado a extensão que a peça deveria conter. Sem saber ao certo se em na Escola de

Freiburg havia um instrumento com tal extensão, Heller pode ter feito um concerto em

um instrumento com esta extensão, ou então, ter em sua posse um instrumento com tais

características.

85
Alessandro Santoro é cravista e filho de Cláudio Santoro.
124

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho foi iniciado com referências históricas do surgimento e declínio

dos cravos industriais na França, além de seu surgimento em outros países da Europa

Central, Alemanha e Estados Unidos. Seus primeiros repertórios para cravo industrial

pareciam ainda não possuir uma linguagem característica do instrumento, onde os

compositores perceptivelmente pareciam compor uma obra para piano no cravo. Em

algumas obras havia inclusive marcações de pedal harmônico, exatamente iguais as

obras para piano. Outros compositores pensam que a escrita cravística se resume apenas

em arpejo de acordes e mudanças de registros a toda hora. Outro pensamento que se

torna inválido.

O que se pôde concluir foi que compreender as diferenças entre cravos

industriais e cópias históricas fez refletir sobre as escolhas que Santoro teve ao abordar

o instrumento, pois apesar do instrumento industrial possuir um aparato referente à fácil

mudança de registros, a abordagem do compositor abrangeu mais a pesquisa na

linguagem cravística, independente dos instrumentos possuírem pedais ou não, serem

industriais, ou cópias históricas. O compositor fez uma excelente escolha ao se inspirar

nos preludes non mesurés, pois esta textura é característica de pouquíssimos

instrumentos, e foi uma linguagem que apesar de não ter durado muito tempo ainda faz
125

parte do repertório de todos os cravistas. Este tipo de escrita pode causar estranheza até

hoje para quem não é familiarizado com ela. Com relação À inserção contemporânea do

cravo no Brasil, A pesquisa de Beatriz Pavan (2009) também foi de extrema

importância para promover a diminuição da distância existente entre o intérprete

instrumentista e a composição brasileira para cravo no século XX, sobretudo por seu

catqalogo de obras. A explicação para o hiato entre obras do século XX e os

instrumentistas, neste caso, pode, ou não, ter partido da própria formação dos alunos de

música. A prática de repertório contemporâneo para cravo se faz presente em

instituições no Brasil, porém, seu foco reside nas principais obras de compositores

estrangeiros do século XX.

Em referência ao segundo capítulo, na tese de Sergio Nogueira Mendes (2009),

talvez por se tratar de uma pesquisa mais recente, seus materiais coletados revelam uma

maior abrangência, se comparado ao estudo de Livero (2003), no que concernem estes

percursos estilísticos de Santoro. Mendes é um dos curadores do Acervo Cláudio

Santoro disponibilizado no departamento de Musicologia da Universidade de Brasília,

onde em sua tese teve acesso a um grande número de correspondências que Santoro

havia trocado ao longo de sua vida. Nestas correspondências puderam-se descobrir

quais os caminhos percorridos por Santoro e as fontes que foram pesquisadas. Apesar

de o próprio Santoro ter reconhecido a importância de Hindemith em seu processo

composicional, o livro de Brindle serve para complementação e contestação da obra de

Hindemith. Porém, devido a alternâncias de possibilidades aplicadas na melodia atonal

por Santoro, não se pode afirmar com clareza se a preferência do compositor de 6

Stücke für Cembalo tendia mais para Hindemith, ou para Brindle.

Ao que tudo indica, de acordo com a bibliografia pesquisada, tais análises

comparativas ainda não haviam sido feitas em nenhum estudo. Uma possibilidade para
126

tal seria de que as correspondências enviadas por Santoro somente foram acessadas

durante o período em que Mendes estaria discursando sua tese de doutorado. Daí as

descobertas da importância de Hindemith em sua formação. Porém, devido a esta tese

de Mendes possuir uma abrangência enorme de assuntos tratados, provavelmente não

houve a possibilidade para o pesquisador de analisar alguma obra de Santoro e

comparar o que teria vindo de Hindemith e o que teria sido complementado por Brindle,

como foi feito nesta dissertação. Porém, a utilização de escalas obscuras foi ilustrada em

alguns trechos de obras de Santoro por Mendes em sua tese de doutorado. Mendes deu

continuidade a este trabalho posteriormente, e apresentou a utilização destas escalas

como uma nova proposta para análise do repertório musical brasileiro em simpósios e

conferências86. O motivo da escolha de cotejamento com a obra de Villa Lobos foi

devida a referência que mais encaixaria com os pensamentos de Santoro, além de

semelhanças em alguns aspectos experimentais associados com elementos

característicos de escalas hexatônicas, entre outras escalas modais. O procedimento

utilizado, tido por Santoro como uma busca sua de uma originalidade acústica e

musical, já havia sido utilizado por Villa Lobos há mais de 50 anos antes da

composição da obra do primeiro.

Em referência ao terceiro capítulo, ao buscar uma melhor compreensão nos

elementos que envolvem a música para cravo, pôde ser percebida a intensa pesquisa

referente às texturas selecionadas por parte de Santoro para compor 6 Stücke für

Cembalo. A princípio, como a obra se inicia já com um prelude non mesuré, foi

pensado que a homenagem teria sido somente para Louis Couperin. Posteriormente,

após pesquisas, foi concluído que a homenagem trata também de seu sobrinho,

François.

86
Mendes se apresentou com este tema no II Simpósio Internacional de Musicologia da UFRJ no dia 16
de Agosto de 2011.
127

Em relação ao quarto capítulo, pode-se afirmar que é a parte da dissertação mais

conectada com a área referente às práticas interpretativas, pois ao descobrir quais seriam

as sonoridades análogas ao instrumento de cópia histórica, as sugestões indicadas

parecem ser as mais pertinentes a uma performance.

A utilização do aprofundamento do instrumento serve para uma melhor

compreensão na adaptação, pois este capítulo também trata de aspectos organológicos

do instrumento industrial. Sendo desta maneira, esta pequena parte que trata de aspectos

organológicos desempenha um papel bastante complementar com o primeiro capítulo. A

adaptação se dá muito bem, pois as sonoridades que Santoro utilizou para compor a

obra são praticamente análogas entre um instrumento e outro. A representação nominal

dos pedais indicadas por Santoro facilitou a interpretação e a busca da sonoridade.

Ao analisar a trajetória composicional feita por Cláudio Santoro nesta

dissertação, através de utilizações de células características do impressionismo francês

no qual se sentia inspirado ainda em sua adolescência, além de elementos

composicionais provenientes das primeiras aulas que teve com Koellreutter, é possível

afirmar que Santoro não fez somente uma homenagem aos compositores da família

Couperin, e sim, uma homenagem ao seu passado também.


128

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WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

Outras Referências:

http://www.vonnagel.com/en/lyon_18_century.html
141

ANEXO I

PARTITURA DE 6 STÜCKE FÜR CEMBALO


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145
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148
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152

ANEXO II

PARTITURA DE MUTATIONEN I
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154
155
156

ANEXO III

ORDEM CRONOLÓGICA DO CATÁLOGO DE OBRAS

COMPOSTAS PARA CRAVO NO SÉCULO XX ATÉ 2009.


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158

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