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INTRODUÇÃO
composta para cravo solo do compositor Cláudio Santoro, intitulada 6 Stücke für
atonais inspiradas em texturas cravísticas tradicionais dos séculos XVII e XVIII. Estas
peças foram compostas no ano de 1977, quando o compositor residia na Alemanha e era
determinada pela descoberta de um único conjunto de peças composto para cravo solo
por Cláudio Santoro, além da surpresa desta obra homenagear dois grandes
compositores para cravo durante os séculos XVII e XVIII: Louis e François Couperin.
porém, estes registros tratam apenas de adaptações da partitura original (no caso, piano)
obras2. Explorar a importância deste compositor para a música brasileira pode levantar
1
O Compact Disc intitulado “O Cravo Brasileiro” (1998) interpretado pela cravista Rosana Lanzelotte
possui gravação de três prelúdios para piano de Santoro tocados ao cravo.
2
Uma outra obra de Santoro trata de uma peça eletroacústica mista para cravo e fita magnética intitulada
Mutationen I.
2
objetivo: adaptar a obra 6 Stücke für Cembalo de Cláudio Santoro - composta para
cravo industrial - para o cravo historicamente copiado. Porém, a pesquisa sobre esta
obra para um instrumento que é utilizado com bastante freqüência, além de estudos de
determinados elementos composicionais que integram a obra 6 Stücke für Cembalo. Daí
posteriormente, propor uma análise interpretativa para esta obra. O objetivo principal
trata da exposição bibliográfica que possa gerar uma ampla compreensão desta obra
presentes nesta obra. Para tal exposição acontecer, foi necessário identificar e descrever
qual o procedimento estilístico que Santoro utilizou no ano de 1977 e quais processos
certo se o contato de Santoro com o instrumento foi bastante recorrente, porém, não se
pode alegar falta de conhecimento do o instrumento apenas pelo fato de ter composto
análise musical, além de depoimentos feitos pelo próprio compositor através de cartas
quatro aspectos que servem para o desdobramento da obra 6 Stücke für Cembalo,
3
qual a obra foi composta. Foi feita uma pesquisa através de material bibliográfico para
expor as diferenças existentes para o instrumento para qual a obra foi composta, e os
modelo neste processo. Foram feitos estudos comparativos de obras referentes aos
séculos XVII e XVIII com esta obra de Santoro. O quarto aspecto implica a sugestão
O primeiro capítulo engloba o tipo de instrumento para qual a obra foi composta.
Foi feita uma retrospectiva histórica do surgimento do cravo industrial e qual o papel
que ele representa nos dias atuais. O seu primeiro repertório para este instrumento
obras. Apesar de o instrumento ter sido construído no final do século XIX, com seus
termo “cravo moderno” para a representação deste, pois o retorno do cravo nas salas de
concerto aconteceu em duas etapas durante o século XX. Portanto, este termo
Lindorff (1982) utilizam o termo “cravo contemporâneo”, onde também fazem uma
3
Cravos historicamente copiados são instrumentos que possuem características idênticas ou similares aos
chamados instrumentos históricos. Instrumentos “históricos”, segundo Haynes apud Albuquerque
4
histórica que englobe o cravo industrial, ou repertório para o cravo no século XX,
(1992, 2003 e 2004) e Howard Schott (1974 e 1979) foram bastante recorrentes. Seus
livros e artigos retratam o retorno do cravo para as salas de concerto, a partir de seu
de Santoro para os sistemas que serviram de base para a realização destas peças nos faz
perceptível para o intérprete que se depara com esta obra que o conhecimento do trajeto
estudiosos da vida e obra de Santoro, como Iracele Lívero (2003) e Sérgio Nogueira
área. De acordo com Pavan (2009:23) “alguns poucos [estudos] foram encontrados, a
(2008:144), “são aqueles construídos no mesmo período da música composta para eles”. Ou seja, são os
instrumentos que foram construídos durante o século XVIII, ou anterior.
5
mesuré, moto perpetuo, canon à oitava, pièce croisée, e recitativo instrumental, além de
dicionário Houaiss (apud Senna, 2007:07) acrescenta que textura também representa
reconhecer até mesmo em uma única escuta quem o compôs. Este capítulo serve para
elucidar e desmembrar a escrita non mesuré e suas vertentes, especialmente para quem
instrumento para qual a obra foi composta, além de fazer possíveis cotejamentos com o
que temos em mãos. Apesar do ensino de cravo estar crescente nas instituições de
parte do cotidiano de outros países a não ser este. Para compor o referencial teórico,
foram utilizados artigos de Karin Ford (1997), Yves Rechsteiner (2001) e a tese de pós
doutorado de Chau-Yee Lo (2004) que explanam sobre as funções dos pedais que
qual o cravo industrial estava em voga. Já o quarto capítulo, apesar das sugestões
pois aspectos organológicos referentes aos instrumentos industriais são utilizados para
CAPÍTULO 1 -
Apesar de seus honráveis 400 anos de história, por volta de 1800 o cravo fora
Kirkman datado de 1800 (ou 1809 na contagem de Carl Engel na Inglaterra) 4. Porém,
espírito “antiquariano” do Século XIX sugeria que artefatos antigos deveriam ser
musicais- estes possuíam relevância justamente por serem antigos e inspiravam imagens
4
De acordo com Schott (2012) o ano de 1809 teria sido o ano que a firma Kirkman alegou ter fabricado
seu último cravo. O último exemplo data de 1800.
7
música ainda era ministrado nestes instrumentos, até mesmo na utilização de contínuo
pode até ter sido produzido uma vez a cada década por um restaurador entusiasmado.
acordo com Schott (1974:85), um deles seria Moscheles em 1837 e outro seria Palmer
em 1861 a 18675, além de Louis Diémer que incluía em seus recitais, seleções para o
Ressuscitar aqui seria uma palavra um tanto fora de contexto, pois em 1882
Tomasini restaura o mesmo modelo de Paskal Taskin de 1769 e empresta para as firmas
Erard e Pleyel para fins estudiosos. Estas firmas para qual o cravo foi emprestado não
estavam com interesse de restaurar ou modelar um cravo histórico, e sim, construir uma
espécie de “piano acoplado”, que seria um piano com mecanismo extra, que faria um
som pinçado, e não martelado. Grosso modo, ressuscitar não era a intenção principal, e
5
HIPKINS, A. J. (1900: 691) frisa apenas os anos 1862, 63 e 67.
6
Paskal Taskin, um nativo de Theux em Liège e um famoso construtor de cravos parisiense, possui o
crédito da reintrodução de couro como alternativa do bico de pena. Seu cravo ‘en peau de buffle’ feito em
1768 foi pronunciado superior ao pianoforte. (De la Borde, ‘Essai sur la Musique’, 1773) apud Hipkins
(ibid.)
8
complementa que além deste “desejo Romântico por objetos da antiguidade, [...] havia,
por outro lado, a busca por artistas contemporâneos – pintores, escultores e escritores,
assim como compositores – para novos efeitos, novas sonoridades.” Em 1889 os três
poucos anos após a “Exposition”, países como Inglaterra (1896), Alemanha (1899), e
seu início no ano de 1882, quando as empresas que se apresentaram na Feira de Paris
pediram emprestado o modelo Taskin para fins estudiosos. Apesar do lançamento dos
Steinberg (1963:189) afirma que “no início de 1888, tanto Pleyel, quanto Erard haviam
para as empresas, Schott (1974:86) afirma que os cravos apresentados ainda possuíam
metade do século XVIII por Shudi e Kirckman (sic.)”. Atualmente estes instrumentos
oitavas inteiras, dois manuais, três jogos de cordas sendo dois uníssonos (8 pés)8 e um
oitavado (4 pés). Schott (2012) alega que “nesta época, nenhum metal foi empregado,
7
Ibidem.
8
O termo pés (grafado com sinal de apóstrofo), foi emprestado do órgão e se refere ao tamanho do tubo.
No caso do cravo, ao tamanho da corda. A unidade de medida 1 pé = 0,3048 m. (PAVAN, 2009:34)
9
apesar do encordoamento e as pontes (ou pinos) para mantê-los serem mais grossas que
empresa Erard decidiu manter um dos registros9 de 8’ (8 pés) com plectro10 de pena,
porém, os outros registros eram de couro, assim como todos os registros do cravo da
empresa Pleyel. Ao invés de seis pedais utilizados por Pleyel, Erard a princípio projetou
9
O termo registro, (stop, jeux, register) foi emprestado da terminologia do órgão e se refere a um conjunto
específico de timbres.(PAVAN, 2009:34). Sua utilização no cravo histórico era realizado através de
mecanismos manuais (puxadores). “Para mudar uma registração, a mão teria que ser levantada do teclado,
interrompendo o som, e consequentemente prejudicaria o fluxo de uma linha melódica ou progressão
harmônica” (ALBUQUERQUE, 2008:82). Em cravos industriais, o mecanismo da maioria deles era
acionado por pedais.
10
Unha ou palheta acoplada em uma lingüeta, que quando acionada, atinge a corda, fazendo-a soar.
10
Como pode ser visto na ilustração, o cravo Pleyel de 1889 possui uma intenção
de decoração mais elaborada no estilo rococó que o cravo Erard, apesar de possuir de
também possuir uma decoração pródiga e ornamentada. Germann (2002:91) afirma que
decorações clássicas para cada tipo de instrumento em geral, mas usualmente as tem
foi profunda e teria alterado todo o curso da carreira de Dolmetsch. Durante o período
de 1890 ele continuou a apresentar concertos similares ao que tinha assistido, onde
11
gradualmente aumentou seu arsenal de instrumentos antigos. Neste ano ele adquiriu e
que envolviam instrumentos de teclados em geral. Sua sociedade com uma grande
empresas concorrentes. Desta forma, ele pode introduzir os cravos das empresas Erard e
Pleyel no circuito musical inglês, no início da década de 1890. Schott (2012) afirma que
“Na década de 1880 e 1890 Hipkins dava palestras demonstrativas nos cravos ingleses
sua empresa, e posteriormente nos novos cravos Erard e Pleyel.” Apesar da boa
cravos fabricados na França não pareceu ter agradado um crítico de artes da época. De
acordo com Steinberg (1963:189) “Bernard Shaw ouviu um dos novos cravos em
para seu início de documentação sobre como o cravo tem sido mal interpretado durante
Existe a menor razão para supor que se fôssemos fabricar cravos, faríamos
bons cravos? Ai de mim! A questão já está respondida. Sr. Hipkins não
somente tocou em uma linda espineta já mencionada, e em um cravo
comparativamente medíocre, mas também em um novo cravo fabricado por
uma empresa parisiense bastante eminente de fabricantes de pianoforte; e o
cravo não apenas revelou-se como uma aberração rosnando, com vícios de tom
12
território britânico, Schott (1974:87) afirma que “a principal iniciativa permaneceu com
esvaiu na Inglaterra durante os dez anos em que ele estava vivendo e trabalhando nos
EUA e França.”
que na Inglaterra. Felizmente a Corte da Prússia foi persuadida por Phillip Spitta11 a
formar uma coleção especial de instrumentos musicais históricos em 1888. Este projeto
período onde produtos advindos de antiguidades eram mais fáceis de serem atualizados,
associações fictícias dos negociantes. Um exemplo bastante citado era o de que toda
harpa francesa do final do século XVIII era vendida com a informação de ter pertencido
à Maria Antonieta. Em uma dessas incitações para adicionar instrumentos, Spitta foi
apresentado a um negociante bastante sagaz, que vendeu um cravo onde alegou ter
11
Phillip Spitta (1841-1894) era um historiador da música. Seus estudos sobre Bach se tornaram seu
principal interesse. Estes estudos duraram entre 1873-1880. Um fato curioso é que na época
confidencialmente se acreditava que, em comum com a era Vitoriana, instrumentos musicais estariam em
constantes aprimoramentos e que se Bach e Handel tivessem conhecido os gloriosos teclados de um
século depois (fortepianos), eles estariam mais que deliciados em ter suas composições interpretadas
neles, ao invés de uma caixa de arames melosa na qual eles foram condenados em suas vidas. Este tipo de
atitude estava firmemente arraigada, até mesmo se adensando em grandes trabalhos acadêmicos, como o
de Spitta. (SCHOTT, 1974:85)
13
pertencido ao próprio J. S. Bach, e que apesar do cravo não possuir assinaturas, este
cravo haveria sido construído pelo Johan Gottfried Silbermann (SCHOTT, 1974:88).
Devido a essa informação, este suposto “cravo de Bach” tornou-se referência para
partir deste “cravo de Bach”, onde se tornaram cada vez mais elaborados e curiosos na
início de 1924 quando o musicólogo Georg Kinsky havia arriscado a ira do mundo
musical por mostrar conclusivamente que o instrumento nunca poderia ter pertencido a
Bach. Devido ao fato de Schott ter escrito um artigo em 1974, ele afirma que até os dias
Central. “Se tivesse sido um instrumento convencional, o dano causado por este tipo de
fraude teria durado, no máximo, um efeito temporário sobre as contas Reais Prussianas”
Heinrich Urban. Embora tivesse visto cravos que despertaram a sua curiosidade, os
condições de serem tocados. Somente quando se mudou para Paris em 1900 que seu
magníficos, agora eternamente mudos. Qual era a voz desses cravos de que os
músicos da época falam com tanto prazer? Para fazê-lo viver novamente, para
dá-lo sotaques jubilosos ou patéticos, para evocar a pureza polifônica, para
fazer os teclados acoplados ressoarem, para cantar com tons remanescentes as
cantilenas amorosas, tal era o meu sonho, um sonho múltiplo e vasto. (LO,
2004:13)
sobre a jovem artista. Ele alegava que “quem já ouviu a Sra. Wanda Landowska tocar o
Concerto Italiano no maravilhoso cravo Pleyel que enfeita sua sala de música,
dificilmente poderá imaginar que este Concerto também pode ser interpretado em um
1889. Por achar que o instrumento possuía algumas falhas, Landowska contatou o
para ela. O engenheiro chefe M. Lamy ficou responsável de esquematizar planos para o
empresa Pleyel “modelo Landowska” estava pronto. Kottick (2004) afirma que a
primeira vez que este cravo apareceu em público foi em 1923, porém o autor cita este
cravo como um modelo estruturado com ferro fundido. Este foi o único instrumento que
espinetas, virginais, alaúdes e violas. Dolmetsch aceitou e chefiou este departamento até
12
Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1952. Formou-se em Teologia e Filosofia. Era considerado um
dos melhores intérpretes de Bach e uma autoridade na construção de órgãos. Neste ano em questão
(1905), Schwaitzer iniciou o curso de medicina.
15
empresa. Campbell (2012) afirma que “alguns de seus melhores instrumentos datam
& Sons no início de 1907; Frances Pelton-Jones, que parece ter sido bastante conhecida
tanto por suas fantasias quanto sua maneira de tocar; Lotta Van Buren, que se
apresentou e restaurou uma variedade de instrumentos históricos; e John Challis, que foi
recital apresentado em um cravo Hubbard: “Se eu ouvir mais uma nota com plectra de
pena eu vou vomitar”. Porém, Palmer apud Bryant (1991:423) alega que na América,
provavelmente a indicação mais antiga que se tem sobre o “renascimento” do cravo foi
Yale.
século XVIII não era. Construtores e intérpretes estavam em acordo quase unânime
Eles achavam que sua campana de som era muito fraca, permitindo bastantes
movimentos, que levariam a instabilidade de afinação. Eles acreditavam que os
saltarelos estavam imperfeitamente acasalados à suas guias, assumindo assim
que com os modernos métodos industriais, poderiam encaixar uns aos outros
com uma tolerância de meros milésimos de polegada. Achavam os teclados não
satisfatórios, faltando buchas de feltro para garantirem a ação silenciosa, além
do peso suficiente nas extremidades da tecla para garantir o retorno. Saltarelos
eram considerados leves demais, sem a massa necessária para superar
16
Nestes cravos de 1929, seus plectros, ao invés de serem de penas de corvo, agora
eram de pedaços rígidos de couro, que eram necessários para a utilização de um jogo de
cordas mais resistentes, que necessita um jogo de teclas mais pesadas. Para tudo isso
acontecer, era necessário um tipo de madeira mais firme para agüentar o peso. Desta
forma o instrumento ficava cada vez mais parecido com um piano. A próxima figura
(Fig. 1.3) representa um cravo fabricado nos moldes exigidos por Wanda Landowska:
13
“Cabide” é um termo utilizado quando ao acionar um saltarelo, seu plectro não retorna para baixo da
corda após soltar a tecla. Assim, o plectro fica pendurado acima da corda, como um cabide.
17
Landowska e seu Pleyel era tão forte que as pessoas se convenceram de que
estavam ouvindo algo especial.
Alemanha. O tipo de construção pesada dos cravos da empresa Pleyel também foi
Neuperts de Bamberg, uma antiga fábrica de pianos que iniciou a construção de cravos
ao mesmo tempo.
cravo industrial se instalava no cenário musical europeu, pessoas como Frank Hubbard,
William Dowd e Hugh Gough vieram a perceber a superioridade inerente dos modelos
inspirados por eles. Essa data é afirmada por Kottick (2004), onde alega que “a
construção de cravos estava parada durante a Guerra, mas dentro de cinco anos depois
do fim das hostilidades surgiu uma nova geração de construtores, que tentaram imitar as
práticas de construção dos antigos mestres.” Pela primeira vez no século novo, os novos
cravos abordam os sons dos instrumentos antigos, e os resultados assustavam cada vez
mais. De acordo com Kottick (2004), a razão seria que “os cravos historicamente
copiados produziram mais volume, pareciam mais graciosos e eram mais fáceis de
afinar e manter, possuindo assim um som mais atraente e mais útil, e as suas disposições
foi feita a partir dos construtores de antigamente, que ao invés de trabalharem nesta fase
14
PAVAN (2009:32)
18
similar. De acordo com Rocha apud Pavan (2009:32) “alguns construtores menos
sobre a maneira como os cravos vinham sendo construídos. Vários cravos históricos
fábrica de instrumentos alemã dominara; mas três anos depois a revolução já havia
52) escreveu um artigo sobre o festival de Bruges do ano de 1974 (duas edições
posteriores ao de 1968), onde afirma que “fui imediatamente atingido pela mudança
a estrutura pesada, os plectros de couro com registros nos pedais [...] que dominaram o
mesmo, e em 1929 seu som fora aceito como “o som do cravo”. Pode se afirmar que há
momento reflexivo, Kottick (1992:51) realça que “se pianistas não houvessem tocado,
cópia histórica.”. Atualmente nós não somente distinguimos os cravos entre Italiano,
Antes de iniciar este tópico, é importante ressaltar que não é a intenção do autor
compositores que escreveram para o cravo industrial. A primeira composição para cravo
Francis Thomé (1850-1909) compôs Rigodon Op. 97 para Louis Diemér em 1892
Ravel no epigrama de Clement Marot (séc. XVI) D’ Anne jouant de l’espinette, foi a
Falla, ao compor El Retablo de Maese Pedro, em 1923. Algumas dissociações por parte
de Feruccio Busoni ocorreram, pois sua Sonatina pro clavicembalo datava de 1916.
Outras peças em forma de miniaturas produzidas por compositores ingleses para Sra.
Violet Gordon Woodhouse datam antes de 1923, como a obra Dance for Harpsichord
piano (como marcação de pedal harmônico). Schott (1973:79) diz que “compositores
deveriam entender que o alcance da dinâmica cravística pode ser melhor explorada ao
música do século XVIII, pois, talvez por uma ausência de tradição no que concerne à
música contemporânea para cravo, estas composições eram muitas vezes inspiradas em
moldes históricos. Outros aspectos poderiam recorrer para causar algumas desavenças,
pois segundo Steinberg (1963:189) a parte cravística da peça “El Retablo” (não se
tratava de uma obra solística) foi composta pela própria Wanda Landowska. Segundo
20
papel próprio, como um instrumento barroco, da mesma maneira que Mozart e Verdi
para a composição de dois concertos bastante representativos para qualquer cravista que
resolva se aventurar no repertório do século XX: O Concerto para cravo, flauta, oboé,
Steinberg (1963:189) fez uma lista em um artigo que possui mais de 150
compositores que haviam feito composições para cravo nos últimos cinquenta anos da
escrita de seu artigo. Vale lembrar que a lista destes compositores incluem obras tanto
compositores que não foram citados, talvez pela composição utilizar o instrumento
somente como uma coloratura nostálgica perceptível, e não para a obra inteira. Entre
15
Ibidem.
16
Steinberg (Ibidem.) afirma: Eu espero no futuro preparar um catálogo próprio do repertório para cravo
moderno (sic.). Aqui, por enquanto está uma lista de nomes para os curiosos: Abendroth, Ameller,
Angerer, Babbitt, Baird, Bartand, Batolozzi, Baur, Beck, Bem-Haim, Berger, Bernard,
Bialas,Blackewood, Blumer, Borris, Braithwaite, Brandstetter, Brogue, Burkhard, Busoni, Carter,
Casadeus, Castelnuevo-Tedesco, Cerha, Cohn, Coleman, Cortese, Cowell, Curandeau, Davies, Debruck,
Degen, Delannoy, Delius, Demuth, Dietrich, Distler, Donatoni, Driessler, Duhamel, Duke, Eder, Erb,
Escher, Falla, Fiorillo, Fortner, Françaix, Frazzi, Gener, Ghisi, Gingold, Grainger, Grunenwald, Haieff,
d´Harcourt, Harrison, Haubenstock-Ramati, Hauer, Henze, Herrmann, Hessenberg, Hoeller, Hovhannes,
Howe, Howells, Ibert, Ikonomow, Jacobi, Jones, Kaminsky, Kauffmann, Klebe, Knab, Von Knorr,
Kraehenbuehl, Krenek, Ladmirault, Laks, Lamb, Langlais, Leclère (Klingssor), Layton, Leibowitz, Leigh,
Lessard, Levy, Luening, Malcolm, Maler, Malipiero, Manuel, Des Marais, Martin, Martinu, Marx,
McBride, McDowell, McPhee, Mellers, Micheelsen, Mieg, Migot, Milhaud, de Monfred, Moser, Murrill,
Naginsky, North, Nussio, Oboussier, Von Oertzen, Orbôn, Orff, Parris, Passani, Peeters, Pepping,
Persichetti, Petrasssi, Pinkham, Piston, de Polignac, Porter, Poulenc, Powell, Raasted, Ránki, Read, F.
Reuter, S. Reuter, Rieti, Roesgen-Champion, Saguer, Schaefer, Schmitt, Schuller, Shapero, Smyth,
Sorabji, Soulage, Staalenberg, Stravinsky, Surinach, Tansman, Thomas, Thomson, Trimble, de
Vallombrosa, Vaughan Williams, Veretti, Wagner-Régeny, Von Waltershausen, Weber, Weisse e
Wigglesworth.
21
eles estão Maurice Ravel, e sua Fantasie Lyrique L´enfant et lês Sortiléges, de 1920-24,
Jules Massenet e seu drama musical Therése de 1905-06, Reybaldo Hahn e sua comédia
musical Mozart de 1925. Outros compositores como Richard Strauss, Paul Hindemith,
Hans Eisler, Fritz Geissler, Kurt Schwaens, Paul Dessau, Samuel Adler, Bordeaux,
Hans Martin Linde, Rudolf Kelterborn, Pierre Batholomée e Dieter Schnebel também
como Pierre Bartholomeé17, Hans Zeder, Anneli Arbo, Ted Poniee, Jukka Tiensu
diferentes, como cravo e piano. Eliot Carter escreveu para um modelo específico do
instrumento, contruído por John Challis, que possuía uma grande variedade timbrística.
acaso que o cravo - em conexão com composições atuais - seja utilizado como um meio
17
Bartholomeé sugeriu temperamentos diferentes para cada manual do cravo, além de dividir uma oitava
em 21 semitons iguais.
22
como uma referência histórica direta à época que se passou. De acordo com Elste
de muitas composições para cravo.” Nas composições modernas para cravo, podemos
aleatórias e até mesmo eletroacústicas – quanto obras que expressam esse tipo de
passado, no entanto, possui a aparência de diversas obras ou estilos, porém, deve ser
ainda considerado passado, um tipo especial: ele não pode representar a tradição, mas
serve de modelo ou inspiração. Elste ao escrever seu artigo em 1994 afirma que “desde
então, há cerca de 5000 composições que utilizam o cravo como meio de som, entre eles
1500 são composições solo”. Frances Bedford e Robert Conant publicaram um catálogo
de músicas para cravo no século XX, em 1974. Neste catálogo estavam listadas obras de
Apesar de não se ter conhecimento de quando o primeiro concerto para cravo foi
realizado no Brasil durante o século XX, de acordo com Augustin apud Albuquerque
(2008:145):
finalmente passa ser tocado em concertos, e na década de 60 começam a ser dadas aulas
dos instrumentos, ainda que de forma periódica, não regular”. Um exemplo bastante
lembrado foi a vinda do cravista tcheco Stanislav Heller18 ministrar um curso de cravo
no então Seminário de Música Pro-Arte, de São Paulo em 1961. “Este foi o primeiro
trouxe seu próprio instrumento, descrito pela cravista Regina Schlochauer apud
Albuquerque (ibidem.):
primeiras composições para cravo no Brasil. Pavan (2009:45) fez um intenso trabalho
de pesquisa sobre as composições para cravo feitas no Brasil durante o século XX.
Foram reunidas (122) cento e vinte duas obras para cravo escritas por (49) quarenta e
nove compositores brasileiros (ver anexo III). Dos compositores brasileiros, três são
cravo solo, cravo com dois ou três instrumentos e cravo com quatro ou mais
instrumentos (ou orquestra). Das obras listadas, quatro delas não possuem data de
18
Stanislav Heller (1924 – 2000) era um cravista Tcheco, seu interesse pelo cravo partiu inicialmente por
Thomas Goff. Após ter sido aluno de Aimeé van der Wiele e Ralph Kirkpatrick, Heller se estabeleceu na
década de 50 como um cravista brilhante que trouxe para o instrumento padrões de primeira linha. Heller
possuía interesses particulares em música francesa para cravo e em repertório contemporâneo. De 1968 a
1989 foi professor de cravo e música de câmara histórica na Staatliche Hochshule em Freiburg, onde era
conhecido por sua doutrina inspirada e exigentes normas técnicas (LEDBETTER, 2012).
24
Vieira (filho), que por estar inconclusa, não tem data de composição no catálogo do
compositor; Choro para uma Flauta de Cristal (flauta, fagote e cravo) de Brasílio
característica dos séculos anteriores. Pavan (2009:59) afirma que “em todas as obras
Cláudio Santoro compôs apenas duas obras no qual o cravo é utilizado. Ambas
composição de Santoro para cravo não se trata de uma peça solo, e sim de uma obra
suíça Antoinette Vischer no final de 1968. Neste mesmo ano, a cravista também havia
encomendado uma peça para o compositor Gyorgy Ligeti, peça tal que se tornou
referência para cravo contemporâneo: Continuum. A segunda obra foi composta para
cravo solo em 1977, intitulada 6 Stücke für Cembalo, onde seis peças são apresentadas,
cada uma com uma textura cravística peculiar (ver capítulo 3). Nesta época, Santoro era
Santoro dedicou esta obra. Santoro organizava nesta pequena cidade uma série de
em algum destes eventos. Hoje a cadeira de Heller é ocupada por Robert Hill.
onde 10 dessas 14 seções são interpretadas de forma solística. Durante todo o decorrer
faz presente em quase toda a obra. A peça inicia de forma pontilhística, mesclada com
grafismos, onde contrastes de sons graves e agudos, associados a silêncios súbitos, são
FIGURA 1.4 Início de Mutationen I. SANTORO. Tonos Darmstadt, 1971 p.01 Seções 1-3
A escrita cravística da obra aparece nas duas últimas seções (13 e 14). Na seção
13, a abordagem de Santoro faz referência aos acordes arpejados que estão presentes
FIGURA 1.5. Seção de arpejos. SANTORO. Mutationen I. Tonos Darmstadt, 1971. p.2 Seção 13.
Esta escrita cravística é também utilizada por Santoro na terceira peça que
ligaduras faz referência aos préludes non mesurés de diversos autores franceses datados
do século XVII. Este assunto será abordado de modo mais extenso no capítulo 3. (Fig.
1.8):
FIGURA 1.7. Notas diagramadas. SANTORO. Mutationen I. Tonos Darmstadt, 1971. p.02 Ind.14
FIGURA 1.8. Notação non mesuré. L. COUPERIN. Prélude (a l´ imitation de Mr. Froberger). Sist.18
Santoro também utiliza esta notação em algumas peças que compõem o grupo 6
Stücke, onde já mostra bastante familiaridade com a escrita característica da época. (Fig.
1.9):
28
FIGURA 1.9. Escrita non mesuré. SANTORO. Prelúdio I. Savart, 1977. Sist.01
afirma que:
escrever para o cravo pode ser uma disciplina de primeira classe para o
compositor. Suas limitações [...] forçam a atenção do compositor para os
elementos fundamentais da expressão musical, para a declamação melódica
perfeita, pulso rítmico sustentado, ao perfeito entremeamento de frases
harmônicas. [...] É de se esperar que os compositores futuros, cada vez mais
familiarizados com o instrumento, irão contribuir para uma literatura rica e
nova.
29
CAPÍTULO 2 -
2.1 Introdução
despontar de três grandes compositores: Alban Berg, Arnold Schoenberg e Anton von
que remetesse ao sistema tonal. Esta negligência para com o sistema tonal irá se tornar
Schoenberg estaria convencido de que seus novos sons seriam orgânicos para os
ouvidos, mas para isso precisou estudar sobre como fazer um sistema que fugiria de
outro sistema que perdurava por mais de três séculos. A solução que justificaria o
caráter dissonante dessa harmonia e suas sucessões veio das próprias palavras de
Entre as décadas de vinte e trinta, havia certa dicotomia entre duas tendências
mencionado, que se tornou consagrado como a “Segunda Escola de Viena”, adota sua
produção como a alternativa mais lógica devido ao colapso do sistema tonal através do
expressão de caráter mais conservador. De acordo com Brindle apud Mendes (2009:18):
Esta afirmação pode ser constatada em uma carta escrita por Santoro a Ernesto
Nestes anos fiz muitas transformações. Durante uns 10 anos escrevi música mais
nacional, mas logo a partir de 60 fui voltando ao serialismo até estar de novo em dia
com o mais moderno. Foi um desenvolvimento um pouco cômico, mas, autêntico.
linguagens universais”, como citado por Ventura, se manteve presente até o fim de sua
Na minha opinião a obra de arte hoje não é acabada, não pode ser acabada, ela não pode
ter princípio e um fim. Ela tem que ter elementos de dinâmica, daí justamente um dos
grandes erros e problemas da música atonal: não conseguir ultrapassar uma das coisas
muito importantes que a música tonal fez, que é essa dinâmica das chamadas
dissonância e consonância. Essa dinâmica, do ponto de vista dialético, esse contraste
que dava o movimento na música, que estabelece justamente esse parâmetro da
dissonância e consonância, a cadência, enfim. E este elemento que é importantíssimo na
música tonal, não conseguiu ser substituído na música atonal.
19
Convém lembrar que as fases composicionais de Cláudio Santoro descritas por Lívero não são
unanimidade. Mendes (2009) classifica o período apreendido de 1960 até 1989 em três fases distintas:
“retorno ao serialismo” de 1960 até 1966, posteriormente seguido da fase “avant garde” compreendida
entre 1966 até 1977, e a fase de “maturidade” entre 1978 até 1989.
20
Material gravado em fita K7 e transcrita por Lívero (2003: 74-97).
32
acontecia por intermédio do grupo Música Viva, inspirado em periódico homônimo que
se tratava na Europa da divulgação dos compositores do Sec. XX nos anos vinte e trinta.
renovações estéticas ainda impressas em sua mente23, criando assim o grupo que
corresponderia a uma ponte que liga o que havia de mais moderno na Europa e a
2009:21).
21
Ano em que foi catalogada a primeira obra de Cláudio Santoro.
22
Nome associado à introdução da técnica dodecafônica no Brasil.
23
Apesar do título Música Viva ter partido de um periódico, Egg (2004:38) afirma que também se tratava
de um grupo na Suíça, dirigido pelo famoso regente Hermann Scherchen, defensor da música de
vanguarda, e também professor de Koellreutter.
33
“com Koellreutter conheci as formas de escrever uma série de 12 sons com suas 4
Santoro possuía um gosto bastante “instintivo” pela técnica dos 12 sons, a ponto de
não ocorreu por ideologia estilística indicada por seu mestre, mas que está diretamente
conectada ao interesse do próprio Santoro pelo assunto: “Por volta de 1939, Koellreutter
ainda se expressava de maneira muito mais direta à via estética adotada por um
[...] O meu princípio era não dar uma estrita técnica, para restringir a liberdade creadora
(sic.) e sim usar de maneira livre a técnica, como elemento estrutural interno da obra
[...] As razões do emprego da dodecafonia, foi procurar estruturar minha linguagem
(espontaneamente atonal) n’um (sic.) sistema que pensava desarrolhar por mim mesmo.
(SANTORO apud MENDES, 2007:01)
De acordo com Kater apud Lívero (2003:28) Koellreutter havia sido discípulo de
Scherchen, cuja proposta era divulgar e melhor compreender a música nova, [...]
24
Depoimento de Santoro em gravação transcrita.
34
[...] Lembro dos primeiros trabalhos que fez comigo: a 1ª Sinfonia para duas orquestras
de cordas e da Sonata para violino solo, e outra para piano e violino. [...] sei que ele se
afeiçoou à música dodecafônica, eu mesmo não fazia música dodecafônica naquela
época. Cláudio Santoro foi a força motriz que me levou a abraçar o dodecafonismo, o
contrário como todo mundo pensa. [...] Ele que me levou a aprofundar a técnica dos
doze sons para transmití-la aos outros. Era a técnica mais moderna e tinha que ser
desenvolvida, pois interessava aos jovens.
Apesar de seu envolvimento com a técnica serial ser bastante exaltado, mesmo
que de forma “não ortodoxa”, podemos também atribuir uma grande influência do
intitulada Teoria dos 12 sons, Santoro conduzia seus alunos a praticar a formação de
técnica dodecafônica.
seu sistema de composição, dedicando boa parte de seu livro à harmonia e à análise dos
harmônica, Hindemith conclui que, depois da oitava, a quinta justa é o intervalo que
possui uma relação mais estável ou de maior valor com seu som resultante26. Os
intervalos seguintes se dão na seguinte ordem, de maior valor: quarta justa, terça maior,
sexta menor, terça menor, sexta maior, segunda maior, sétima menor, segunda menor,
sétima maior. O trítono se difere de todos, sendo somente analisado de acordo com o
representa uma tabela identificando os intervalos de maior a menor valor com seu som
25
O livro em questão se aplica ao segundo volume do “ The Craft of Musical Composition”
26
Tradução de combination tones. “A freqüência do som resultante é sempre igual à diferença entre as
freqüências diretamente produzidas pelos sons do intervalo.” (NETO, 2010:129)
35
FIGURA 2.1 - Ordem decrescente de valores intervalares. HINDEMITH, The Craft of Musical
Composition, Vol. II 1941, p.37
decrescente dos intervalos, ilustra os intervalos através de dois grupos: “Grupo A”, e
“Grupo B”. No livro, Hindemith não explica a causa da separação, porém, como este
“‘Grupo B’ segue, com uma escala intervalar de valores que até agora não fomos
capazes de usar; a fim de que, no entanto, devemos agora notá-las para trabalhos
futuros”.
Segundo Mendes (2009:31), à medida em que este processo serial se torna mais
intenso, surgem os gestos musicais mais relevantes desta nova expressão, onde seus
(1966:24), em seu livro sobre composição serial, propõe uma escala de valores
alega que “os princípios de Hindemith no contexto tonal seriam excelentes, mas no
27
De acordo com Brindle estes intervalos corresponderiam a nona menor, sétima menor e maior e sexta
maior e menor. (BRINDLE, 1966: 24, ex.31)
36
campo atonal eles não possuem sequer a mínima validade.” Na próxima figura, segue a
FIGURA 2.2 – Ordem decrescente de valores intervalares. BRINDLE, Serial Composition. 1966,
p.24
Ele [Hindemith] sublinha o intervalo de segunda maior como sendo o mais forte, e o
intervalo melódico mais bonito, e o refere como o carro chefe das ‘construtores de
melodias’ [...] Mas deve ser lembrado que as conclusões de Hindemith foram
elaboradas somente com referência à música tonal.
composta por Hindemith (Fig. 2.1), o intervalo de segunda maior é o mais forte do
Grupo B, porém, não o mais forte em termos absolutos. Cabe afirmar que no livro de
diatônicas” como um “componente integral das melodias”. Porém, sua relação com o
exercícios, onde o próprio autor afirma que os intervalos do Grupo B ainda não foram
utilizados. Os exemplos citados por Hindemith sempre englobam uma nota pedal, como
será ilustrado no próximo exemplo, e as outras notas que se deslocam são tratadas como
notas de valores curtos28. Estas notas de valores curtos são representadas por melismas29
28
Ainda não se sabe se os valores curtos são referentes à valores rítmicos menores que o da nota pedal, ou
pela explicação posterior que a partir da primeira nota, seu valor sonoro é diminuído.
29
Hindemith trata este tipo de melisma como nota auxiliar (auxiliary-tone).
37
primeira, geralmente possuem um valor menor que a nota principal, porque elas formam
FIGURA 2.3 - Melodias em segundas. HINDEMITH, 1941. The Craft of Musical Composition, Vol.
II 1941, p. 41
possível afirmar que Santoro, em seu Quinto Prelúdio, baseia sua composição quase que
exclusivamente nestes intervalos denominados por Brindle como “fortes”. Esta incisão
característica da explicação de Brindle, que afirma que “alguns intervalos são mais
relevantes do ponto de vista melódico. “No contexto atonal os saltos intervalares mais
amplos tendem a apresentar maior apelo emotivo, sendo, portanto fatores melódicos
Brindle (1966:23) ainda explica a razão para o grande poder emotivo nos
Na música tonal [...] no sentido amplo, os compositores têm mostrado um apreço maior
para os semitons do que para as sétimas maiores e nonas menores. A razão é que na
música tonal, o poder dos intervalos é derivado tanto das associações harmônicas, ou de
uma qualidade emotiva particular concedida a cada nota por sua posição na escala
diatônica. [...] Contudo, na música atonal, os padrões escalares são completamente
ausentes e associações harmônicas muito atenuadas, o poder emotivo dos intervalos
provém a um estender consideravelmente menor dessas circunstâncias ‘exteriores’, e em
muito maior extensão de uma força latente dentro de cada intervalo. É este valor
emotivo no interior dos intervalos que nos preocupa na música atonal (apesar de ser
facilmente ofuscado por circunstâncias externas), e como nós já havíamos afirmado,
como característica geral, intervalos largos tendem a possuir maiores sugestões
emotivas do que os menores.
Devemos estar cientes que os melhores resultados não irão necessariamente ser obtidos
pelo constante uso de intervalos emotivos ‘fortes’. [...] A melhor melodia é usualmente
um amálgama de intervalos fortes e fracos, cada qual colocado estrategicamente em seu
lugar apropriado.
39
FIGURA 2.5 – Transição de intervalos melódicos. SANTORO, 1977. Prelúdio V. Sist. Último.
intervalar de Brindle, pois apesar desta peça possuir uma indicação de crescendo no
final, é impossível afirmar quais seriam os intervalos que Santoro estaria pensando
como fortes ou fracos. Porém, em seu Primeiro Prelúdio, Santoro utiliza uma curta
duas tabelas de intervalos propostas por Brindle e Hindemith, surge uma hipótese que
Santoro ao indicar intervalos de sétimas em uma dinâmica limitada como piano, talvez
compositor utiliza intervalos de sétima maior no baixo através do andamento Piu Lento,
40
FIGURA 2.7 - Quintas Sobrepostas seguidas de Sétima Maior. SANTORO, 1977. Prelúdio I. Sist.
Último.
escritores. Assim como Brindle, Hindemith (1941:04) ao decretar a primeira regra para
os exercícios de construção melódica, afirma que a “tessitura de qualquer voz [...] deve
A palavra “aproximadamente” significa que esta faixa intervalar não deve ser mantida
tão conscientemente. Quando um intervalo maior parece urgente, a gama de oitavas
pode, excepcionalmente, se estender. Ao restringir a tessitura, evitamos o uso de
grandes curvas melódicas, que, como valioso instrumento de expressão em grande
estilo, tenderia a destruir a clareza simples para que os nossos exercícios são
direcionados. Este é mais satisfatório quando a menor quantidade de expressão é
apresentada. Além disso, a tessitura limitada assegura a possibilidade de cantar pelo
aluno.
cautela, pois:
30
Réb-Láb-Mib.
41
[...] deve-se ter em mente que quando um intervalo é muito largo (diga-se mais que uma
décima) seu valor emotivo é dissipado. Isto é porque quando as notas são muito
afastadas, elas perdem sua associação com as outras, e conseqüentemente seu poder
latente interior é diminuído.
estar relacionada apenas com notas aleatórias, onde pode até mesmo se estender para
notas iguais, porém intervalarmente distanciados em mais de uma oitava. Segundo Neto
consonância de um intervalo, uma oitava dó2 - dó7 soa ligeiramente mais dissonante do
Os intervalos no qual as notas estão separadas por distâncias tão grandes, parecem ser
transposições oitavadas de quintas, quartas, etc., apresentam disposições de sons
resultantes mais infelizes do que seus protótipos. [...] Até mesmo a oitava que está
acima e além de qualquer discussão de valores intervalares, perde boa parte de seu valor
quando aparece na forma 1:4 que, como sua estrutura de sons resultantes confirma, mal
se compara à quinta justa em termos de clareza. Na forma 1:8 [...] é ainda mais fraca, e
na forma 1:16 o intervalo se torna completamente dissonante.
Santoro em seu Sexto Prelúdio constrói uma melodia a duas vozes, porém, com
sustentação de notas em uma das vozes, a outra voz, coincidentemente, está sendo
representação intervalar destas notas se dão de forma espaçada em quase duas oitavas.
Estas notas sustentadas podem também ser representadas através de trinados, mordentes
Apesar de Claúdio Santoro ter sido instruído pelos métodos de Hindemith31, ele
não afirma ter sido ou não impactado pelo conceito de espaçamentos intervalares.
Santoro justifica que em sua obra “Interações Assintóticas” ao finalizar a peça com um
cluster33, este soaria muito mais dissonante se houvesse um espaçamento das notas
utilizadas:
Não sei se você reparou naquela minha peça Interações Assintóticas, aqueles acordes
finais dissonantes? Não soam, soam quase que tonais, são clusters. Se você examinar as
notas que estão escritas, parecem uma barbaridade, elas deveriam soar como uma
dissonância incrível, e não acontece. Se tivesse alargado um pouco mais os sons, iriam
soar muito mais agressivos do que como eles são escritos. Eu a compus 7 anos atrás
(1969), e já naquela época eu achava isso, aliás antes disso.
31
Em um texto biográfico do próprio compositor escrito na década de 50, onde se encontra em seu acervo
na Universidade de Brasília, Santoro afirma (apud Mendes, 2009:09) que “com essa inquietude própria
dos 19 anos que conheci Koellreutter e este apoiando-me, começou a dar lições diárias, numa atividade
permanente, dando-me a conhecer os grandes mestre do formalismo, principalmente Hindemith que
muito contribuiu para minha formação técnica de compositor.”
32
apud LÍVERO (2003, 74-97)
33
Entende-se por cluster o termo utilizado na conexão de notas que constituem em um intervalo de
segundas maiores ou menores. Clusters orquestrais se tornaram comuns desde a metade da década de 50.
43
concedida no ano anterior que Santoro compôs a obra 6 Stücke für Cembalo (Hommage
clusters. Ao unir as respectivas notas destes acordes, elas podem formar o que Brindle
que podem ser reduzidas em escalas tonais ou modais34, podendo em algumas vezes, se
utilizar do auxílio de uma única nota cromática. Esta obra está repleta de momentos nas
utiliza em cada caso uma escala representada por uma “tonalidade obscurecida”. Neste
com Lívero (2003:07) “o principal aspecto inovador de Debussy foi a inclusão da escala
hexatônica”, complementado por Wisnik (1989:79) que afirma que uma escala
hexatônica “trata-se de uma escala hexacordal, que divide a escala em seis tons iguais
[...]. Ao contrário da diatônica, ela é uma escala que não comporta nenhuma
34
Entende-se por modo os subconjuntos funcionalizados em um sistema de relações diatônicas
francamente harmônico, tonal e contemporâneo, incluindo a definição de Persichetti apud Freitas (2008:
269) de modos sintéticos: são modos gerados artificialmente através da livre sucessão “de qualquer
número de segundas maiores, menores, aumentadas ou em qualquer ordem”. Estes modos inventados são
percebidos como originais, pois não possuem propriamente um passado eclesiástico, uma história (um
repertório e uma teoria de longa data) ou uma etnicidade (ou folcloridade) estereotipada (ou arquetípica).
Vários desses novos tipos modais foram introduzidos desde o século XIX e estão bastante estabelecidos,
por vezes foram batizados com o nome de músicos-inventores tidos como extraordinários.
35
A escala em questão inicia em Ré bemol e termina em Si. De acordo com Bark (2006:02), o uso de
escalas de tons inteiros traduz uma intertextualidade da técnica de composição pós-romântica francesa.
44
influência que sofri foi de Debussy e Ravel; marcaram meus quinze aos dezessete
anos”. Talvez, seja a razão para utilização de uma escala hexatônica, em se tratando de
uma obra onde vários elementos de séculos passados estão sendo revisitados. Porém,
Mendes (2009:10) afirma que estratégias analíticas diferenciadas podem ser empregadas
atenção para a figura anterior, analisando com um pouco mais de cautela, pode-se
perceber que as notas inseridas neste acorde também formam um ciclo de trítonos37.
espaçamento de cluster, pode-se afirmar com razão que Cláudio Santoro já deveria
conhecer esta técnica bem antes de 1969. Em 192138, Villa Lobos, ao compor a Prole do
36
Este depoimento foi retirado do “Arquivo Cláudio Santoro”, patrimônio sob os cuidados do setor de
musicologia do Departamento de Música da Universidade de Brasília. Mendes utilizou em sua tese de
doutorado.
37
Ré bemol –Sol, Mi bemol – Lá, Fá – Si.
38
“É comum em Villa Lobos, encontrarmos problemas quanto à veracidade das datas. Na partitura da
segunda Prole conta que ela foi composta em 1921. No entanto, o ciclo foi dedicado à pianista Aline van
Barentzen, que o compositor conheceu na Europa, ou seja, depois de 1921, e que só estreou a obra em
1927. Outras indagações – porque essa coleção não teria sido executada na Semana de Arte Moderna , já
45
Bebê nº2, já utilizava em sua primeira peça, “A Baratinha de Papel”, acordes espaçados.
Neste exemplo, a utilização de ciclo de trítonos39 também está presente, onde ao fazer
indicação aTempo:
FIGURA 2.10 - Espaçamento de Cluster. VILLA LOBOS. A Baratinha de Papel. Max Eschig, 1927
Comp. 67-69. Pág. 4.
trata de uma escala sintética40. Anteriormente prevista por Brindle, a escala utiliza o
que alguns pianistas como, por exemplo, Guiomar Novaes e Antonieta Rudge poderiam tê-lo feito; e a
razão do compositor não ter a mostrado para Rubinstein (1887 – 1982), em 1922, quando esteve no
Brasil.” (GORNI, 2006:02)
39
Mi – Lá sustenido, Sol – Dó sustenido, Dó- Fá sustenido.
40
Réb-Mib-Mi-Fá-Sol-Láb-Sib.
46
FIGURA 2.11 - Escala Sintética Obscurecida. SANTORO, 1977. Prelúdio III. Sist.Último
2.3.1 Inovações
intervalos de maiores e menores valores, Santoro, por sua vez, já adota uma postura de
41
Reformulando o conceito de Fusão Tonal desenvolvido pelo psicólogo alemão Carl Stumpf, onde
Torres apud Neto (2010:133) alega que Stumpf liga a sensação de consonância com a sensação de
ouvintes perceberem dois tons como uma entidade única.
47
através da inserção de notas seguidas, faz remeter à outra peça da “Prole do Bebê nº 2”
de Villa Lobos, desta vez, intitulada “O Lobosinho (sic.) de Vidro”. Esta peça se inicia
sem qualquer linha melódica, onde Oliveira (2008:56) complementa que “seguindo sem
variação rítmica, [...] vai acrescentando notas ao redor da nota Si, com a intenção de
(Fig. 2.12) representa o início da peça, onde pode notar o adensamento sonoro em
formação de cluster:
FIGURA 2.12 – Formação de Cluster. VILLA LOBOS. O Lobosinho de Vidro. Max Eschig, 1927
Comp. 01- 11. Pág 1.
42
Sons de combinação é o mesmo termo utilizado anteriormente a respeito de sons resultantes
(Combination Tones).
48
alternância entre teclas brancas e pretas do piano, causando assim certa dissonância.
incluída um semitom abaixo da nota real, executadas ambas ao mesmo tempo. Esta nota
acessória é solta antes da outra [...]. Ainda que na construção se assemelhe a uma
esta utilização dos semitons foi feita de modo ascendente, diferenciando dos
união dos dois blocos de notas, a fusão sonora acontece (Fig. 2.13):
43
Acciaccatura se trata de um ornamento da metade do século XVIII. Ela é representada por um traço
diagonal para cima na haste da nota. Este tipo de notação é geralmente utilizado com uma pequena nota
de valor de semicolcheia (SELETSKY, 2011).
44
Antigamente a acciaccatura esteve envolvida tanto em contextos melódicos, quanto harmônicos. De
acordo com Donington (apud FAGERLANDE, 2011:163) a acciaccatura era representada como uma
nota extra dentro do acorde. O exemplo musical desta nota é do próprio Donington (apud
FAGERLANDE, 2011:163)
49
Santoro, onde após haver uma acciaccatura, acontece uma fusão sonora de elementos
com quartas justas. As ilustrações seguintes (Fig. 2.14 e Fig. 2.15) remetem a estes
FIGURA 2.14 - Fusão Sonora. SANTORO, 1977. Prelúdio IV. Comp. 1-4
45
Sol-Ré-Lá com Fá-Dó-Sol; Dó-Solb com Ré-Láb.
50
FIGURA 2.15 - Acciaccaturas em ciclos de quintas e quartas diversas. SANTORO, 1977. Prelúdio
IV. Comp. 18-24.
uma escala Maior Harmônica46, finalizada com ligaduras em todas as notas. A próxima
FIGURA2.16 - Acciaccatura em escala Maior Harmônica. SANTORO, 1977. Prelúdio III. Sist. 04
É importante ressaltar que este tipo de efeito que envolve uma possível fusão
sonora não acontece somente em tipos de passagens que determine uma figuração
46
As notas referentes a escala são: Sib-Dó-Ré-Mib-Fá-Solb-Lá-Sib.
51
desta possível fusão sonora em trechos que uma figuração lenta é indicada. A próxima
figura ilustra o início do Primeiro Prelúdio, onde através da indicação Tempo Libero –
semibreves, indicam que as notas devam soar continuamente, até todas as notas soarem
ao mesmo tempo:
Apesar do início deste Primeiro Prelúdio estar representado por uma indicação
de andamento livre, no final, seu andamento passa por duas indicações: Lento, e Piu
Lento. A figura seguinte (Fig. 2.18) ilustra esta situação, onde agora, além das ligaduras,
o conjunto de semibreves está grafado com um símbolo de fermata após todas as notas
soarem:
52
direcionamento” das notas, ao grafar com símbolos de fermatas cada nota isoladamente.
O Terceiro Prelúdio possui indicação de andamento Largo, sendo que nos primeiros
direcionamento cada vez mais lento, finalizando com as fermatas em cada nota. As
indicações pelo compositor são: lento, e langsam47. A próxima figura (Fig. 2.19) ilustra
47
Do alemão: Lentamente.
53
FIGURA 2.19 - Isolamento das notas por fermatas. SANTORO, 1977. Prelúdio III. Sist. 01
determinado elemento e depois você dá uma explicação”. Apesar de Santoro ter dado
esta entrevista um ano antes de compor este conjunto de Prelúdios, não é necessária
uma explicação para entender que suas abordagens musicais para com sua obra são
manifestadas como “novas densidades, não timbres, mas densidades sonoras, que criam
CAPÍTULO 3 -
escritos. Sua grande relação de obras escritas e executadas demonstra assim suma
hoje em dia, como o cravo historicamente copiado49. Apesar de suas obras constituírem
no ano de 1977, não realizou uma produção musical em grande escala como nos anos
anteriores. Durante este ano específico, apenas duas obras foram compostas.
músicas referentes ao século XVIII ou anterior. Seu repertório composicional neste ano
48
SANTORO, Alessandro. No catálogo de obras do compositor (hospedado em seu site
http://www.claudiosantoro.art.br) o título desta peça aparece em português: Seis prelúdios para cravo,
sendo que a tradução em alemão significa: Seis peças para cravo.
49
A obra foi composta para Cravo Industrial, um instrumento que está em desuso nas salas de concerto há
aproximadamente quarenta anos (ver capítulo 1).
55
Santoro compôs o grupo “6 Stücke”. Serby apud Mendes (2010:217) faz um paralelo
passadas:
quanto o próprio Ligeti classificam a atitude pós-moderna como ilusória, “uma vez que
verificada nas obras de outros autores aos quais se costuma associar tal rótulo”
(MENDES, 2009:217-218)
XVII e XVIII em todas as seis peças. Texturas cravísticas como Prélude non Mesuré,
Moto Perpétuo, Pièce Croisée, Canon à oitava e Recitativo são claramente explicitadas
suas texturas características se faz presente a seguir para uma melhor compreensão dos
Prelúdios intitulados non mesuré50, cuja sua notação característica desenvolvida por
cravistas franceses do século XVII - com especial destaque para Louis Couperin (1626-
foram originados para cravo em torno de 1650, data que se refere ao surgimento dos
Antigamente estes prelúdios não eram escritos, devido à prática improvisatória que
freqüentemente era realizada pelo intérprete, cujo principal objetivo era testar a afinação
50
Do francês: Sem compasso
57
que a expectativa pelo gênero foi intensificando. De acordo com François Couperin
(1717:33) “o prelúdio é uma composição livre, onde a imaginação liberta tudo o que é
apresentado à ela”.
intérprete. A figura seguinte representa como eram notados os prelúdios non mesuré de
FIGURA 3.1 - Notação em Semibreves. COUPERIN. Prelude la mineur. Due West, 2009. p. 28. Sist.
sendo Louis Couperin, percebemos que esta se apresenta de duas maneiras: A notação
posteriormente por Dandrieu, e a notação mista ou semi mesuré, usada por praticamente
semi mesurés:
58
FIGURA 3.2 - Notação mista. LA GUERRE. Suíte in D minor. Due West, 2007. p.01. Sist. 1
das notas pretas51 para passagens melódicas e ornamentos, e notas brancas para
FIGURA 3.3 - Notação Mista. SANTORO Prelúdio I. Savart, 1977. p.01, Sist. 02
FIGURA 3.4 - Notação Mista. SANTORO. Prelúdio I. Savart , 1977. p.01. Sist. 04
51
MORONEY (1976:150). Aplica o termo “notas pretas” para semínimas, colcheias, semi colcheias,
pois estas podem ser ligadas para indicar grupos melódicos que são mais assimilados pelo intérprete.
Notas brancas estariam correspondidas por semibreves e mínimas, onde estão mais associadas a
composição harmônica.
59
interpretativas sobre estes prelúdios do Século XVII em fontes de época. Durante este
período, a demanda da música impressa para teclado estava crescente.52 Porém, mesmo
com esta ascenção, os compositores preferiram deixar suas obras non mesurés de forma
sua música, uma vez que os intérpretes não possuíam ajuda verbal ao se deparar com
para firmar uma preocupação, não referente aos Prelúdios non mesurés em si, mas à sua
nova notação, a notação mista ou semi mesuré. Ao fazer o cotejamento com a obra de
Savart, a obra foi mantida na forma de manuscrito. Esta atitude possibilita também
52
O aumento da demanda de música para teclado impressa parte de 1670 (MORONEY, 1976:143)
60
FIGURA 3.5 – Notação Manuscrita. SANTORO. Prelúdio I. Savart , 1977. p. 01, Sist. 1
prelúdios non mesuré eram bastante conhecidos durante o Séc. XVII, sendo utilizado
até mesmo com finalidades didáticas. Segundo Gustafson (2005:133), “a primeira peça
para cravo de uma criança era tipicamente um prelúdio non mesuré de três sistemas, que
elemento rítmico, outro aspecto de extrema importância é o uso das ligaduras, pois
serão elas que irão indicar as funções que as figuras métricas possuirão. Moroney apud
compreensão das peças non mesurés, e associa a função das ligaduras em três usos
distintos:
61
FIGURA 3.6 - Sustentação de Notas formando acordes. COUPERIN. Prelude Ut Majeur. Due
West, 2009. p. 33, Sist. 01.
2) Ligaduras indicam que uma série de notas permanecem unidas, mesmo tendo
FIGURA 3.7 - Notação de Trilo. COUPERIN. Prelude ré mineur. Due West, 2009. p.02, Sist.4
3) Ligaduras também podem isolar notas daquilo que as precede e daquilo que as
aspecto importante que se pode reparar acontece na aplicação de algumas linhas retas
nos prelúdios de Louis Couperin. Como estas linhas retas acontecem em momentos
e Moroney (1976:150) classificam em três tipos as linhas retas nos prelúdios de Louis
Couperin:
1) A primeira é notada como uma linha reta, bem semelhante a uma barra de
compasso, e pela indicação que aparenta, a nota posterior a esta barra se trata
FIGURA 3.8 - Notação de linha reta. COUPERIN. Prelude sol mineur. Due West, 2009. p.13, Sist. 9
Porém, o que assemelha a uma barra de compasso, para Santoro é representado apenas
por um traço entre as duas claves. Curiosamente, em edições modernas que abrangem
polifonias vocais, tanto medievais quanto renascentistas, utilizam traços idênticos feitos
por Santoro. A finalidade deste “meio traço” serve para permitir aos intérpretes
que originalmente era escrita sem as barras de compassos. Este traço é chamado de
Mensurstrich. Desta forma, esta relação destes “meios traços” possui a mesma função
que foi dada pelos compositores do Século XVII. A próxima ilustração representa estas
FIGURA 3.9 - Notação de linhas retas. SANTORO. Prelúdio I. Savart , 1977. p.02, Sist.9
FIGURA 3.10 - Notação de linha reta. COUPERIN. Prelude Ut Majeur. Due West, 2009. p.38, Sist.
04
3) Uma linha reta colocada entre uma nota da mão direita e outra da mão
FIGURA 3.11 - Notação de linha reta. COUPERIN. Prelude Ut Majeur. Due West, 2009. p.36 Sist.
04
64
Cláudio Santoro também aplicou uma notação similar para indicar notas a serem
FIGURA 3.12 - Notação de linhas pontilhadas. SANTORO. Prelúdio III. Savart, 1977. p.05, Sist
03.
de estilo livre. Estas peças ritmicamente livres já existiam antes do Século XVII
peças que possuem notação métrica. Porém, do ponto de vista interpretativo, pertence
David Ledbetter (...) cita o estilo toccata de Johann Froberger como a primeira
influência nos prelúdios non mesuré de Louis Couperin. Ele também cita a
influência do professor de Froberger, Girolamo Frescobaldi. Davitt Moroney
concorda com Ledbetter sobre a influência das toccatas de Froberger.”
(RUSSEL, 2004:23)
65
traços identitários que unem as toccatas italianas ao prelúdio non mesuré, e explica a
3.13 e Fig. 3.14). Apesar da toccata de Froberger começar com um simples acorde, não
quer dizer que este deva ser representado como tal. Frescobaldi apud Tagliavini
(1983:300) afirma que “o início das Toccatas deve ser tocado lento e arpejado”. O
peça será executada, deverá ser feito de forma arpejada para explorar melhor a
harmonia:
FIGURA 3.13 - FROBERGER. Toccata Prima, 1649,Akademische Druck, 1959. p. 01.Comp. 01-02
66
FIGURA 3.14.COUPERIN: Prelude (a l´imitation de Mr. Froberger). Due West 2009 p.21, Sist.01
stylus phantasticus53, esta semelhança não se faz tão perceptível à primeira vista. É
considerados tripartite. Suas semelhanças com as toccatas são justificadas por causa de
suas seções mesurés, onde nas obras de Louis Couperin é intitulada de changement de
prelúdio non mesuré tripartite, como diz o nome, só encontramos três partes
sucedem de forma ritmicamente livres, enquanto na parte central ocorre uma mudança
53
Stylus phantasticus de acordo com KIRCHER apud HUNG (2011:23) é especialmente adequado para
instrumentos. É o método mais livre e irrestrito de compor, não está ligado a nada, nem a qualquer
palavra ou tema melódico, foi instituído para mostrar gênio e para ensinar a forma escondida de harmonia
e as composições engenhosas de frases harmônicas e fugas.
67
(MORONEY, 1976:145-146)
da escrita non mesuré para a escrita métrica, e o retorno da escrita métrica para a escrita
non mesuré:
FIGURA 3.16 - Retorno à escrita non mesuré. COUPERIN. Prelude Fa Majeur. Due West, 2009.
Cláudio Santoro em sua obra 6 Stücke für Cembalo aborda em duas ocasiões os
forma tripartite, havendo duas partes em escrita non mesuré, e uma parte central escrita
de forma métrica:
FIGURA 3.18 - Retorno à escrita non mesuré. SANTORO. Prelúdio I. Savart, 1977 p.02 comp. 07-
09
Toucher le Clavecin com alguns prelúdios de forma métrica, alega que enquanto eles
devem soar como um improviso, ele os fez métricos para facilitar o ensino e o
aprendizado:
métrica, porém, sua maneira de interpretá-lo deverá ser feita de forma livre:
FIGURA 3.19 - Notação Métrica. F. COUPERIN. L´Art de Toucher le Clavecin, Paris 1717 p.52
comp. 01-04
prelúdio non mesuré tripartite. Este prelúdio tem escrita de compasso binário, mas não
impõe uma métrica rígida, sendo contrastada por uma significativa mudança de
FIGURA 3.20 - Notação métrica e mudança de andamento. SANTORO. Prelúdio IV. Savart, 1977
p. 06 comp. 01-07
FIGURA 3.21-Notação métrica e retorno à escrita inicial. SANTORO. Prelúdio IV. Savart, 1977
p. 06 comp. 14 - 21
irrelevante no quesito que concerne à interpretação. Este tipo de escrita faz perceber - ao
para o latim-, a indicação é semelhante, porém implica em notas de valores iguais55, não
peça inteira, nem tampouco uma figuração que exija uma rapidez digital56, esta
mobile Barroco [...] é um procedimento normal [...], pode servir a qualquer peça em que
54
Este termo também pode ser aplicado à Física.
55
"perpetuum mobile." In The Oxford Companion to Music, editado por Alison Latham. Oxford Music
Online. Disponível em http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/opr/t114/e5104. Último
acesso em 16/02/2012.
56
Posteriormente Timoulth (op. cit.) afirma em seu artigo que a qualidade do movimento perpétuo (não
necessariamente rápido) tem, sobretudo, sempre sido um recurso capaz de dar resultados valiosos. O moto
perpetuo de muitos movimentos barrocos é devido a incansável persistência de um “baixo cantante”
(walking bass).
72
exemplo).”
Quinto Prelúdio. Porém, apenas um exemplo de cada composição será demonstrado nos
próximas ilustrações.
Na figura seguinte (Fig. 3.22), podemos perceber que a movimentação das notas
descendentes.
FIGURA 3.22 - Moto Perpetuo. F. COUPERIN. Les Tricoteuses. Paris, 1730. p. 30 comp. 01-05
perpetuo cuja movimentação das notas é realizada quase que de forma espelhada. Pois
FIGURA 3.23 - Moto Perpetuo. SANTORO. Prelúdio II. Savart, 1977 p. 03 comp. 18-21
73
evidente no Quinto Prelúdio de Santoro. Neste prelúdio, o moto perpetuo foi escrito de
FIGURA 3.24 - Moto Perpetuo. SANTORO. Prelúdio V. Savart, 1977 p. 08, Sist. 01
basicamente de notas que fazem um desenho harmônico similar, que remete a uma
sonata em estilo moto perpetuo de Domenico Scarlatti em Ré Maior, L.461 (Fig. 3.25):
Cláudio Santoro já citados anteriormente também revelam esta estética. Desta forma,
podemos concluir que a parte central dos prelúdios que possuem a estética non mesuré
74
perpetuo. É perceptível esta escrita em estilo moto perpetuo na parte central do Primeiro
FIGURA 3.27 - Moto Perpetuo. SANTORO. Prelúdio IV. Savart, 1977 p. 06 comp. 01- 07
moto perpetuo estão associadas a andamentos vivos. Através da união dos prelúdios non
75
mesuré com moto perpetuo, se pode perceber que Santoro, mesmo ao utilizar uma
técnica composicional que aborde mais de uma textura, pode ser designado como um
moldes tradicionais.
palavra canon vem do grego kanōn, e significa ‘regra’ ou ‘preceito’ (SCHOLES, et. al.
2012), onde uma cadeia melódica dá as ‘regras’ para outra cadeia, ou para todas as
outras cadeias, nas quais, em um intervalo de tempo deverá imitá-la nota por nota. Esta
palavra foi utilizada pela primeira vez durante o Século XV (ibidem), mas só foi possuir
o significado que é usado atualmente durante o Século XVI, quase três séculos após que
já haviam escrito as primeiras obras canônicas (no sentido moderno) (MANN, 2012).
podemos definir o canon como uma voz líder –ou antecedente – que entra com a
uníssona, ou com intervalo de oitava - que era utilizado esporadicamente como forma de
Sebastian Bach, entre quatorze contrapontos e quatro cânones, podemos observar nestes
ilustração seguinte:
57
Canon à Oitava, Canon à Quinta – ou qualquer outro intervalo. Assim como Canon por aumentação.
Canon por diminuição e também Canon por inversão.
76
FIGURA 3.28 - Canon à Oitava. J. S. BACH. A Arte da Fuga. n.d.c. 1750, Leipzig. p. 51 comp. 01-
12
A composição canônica não necessita estar associada a uma obra inteira, pois,
além da composição canônica real, existe uma grande quantidade de composições com
um efeito semelhante, mas que são muito livres para vir sob esta designação, sendo
Santoro escreve em seu Quarto Prelúdio um canon à oitava, porém este canon
não se faz representar na obra inteira, pois ele faz parte da sessão intermediária de um
prelúdio tripartite, sendo iniciado de forma acéfala após o terceiro compasso. A figura
FIGURA 3.29 - Canon à oitava. SANTORO. Prelúdio IV. Savart, 1977 p. 06 comp. 01-07
58
Ver nas referências bibliográficas o verbete “canon”. (Sem autoria)
77
afirmar que este prelúdio é inspirado de forma sucinta três em características: notação
De acordo com Cluton (2011), este tipo de música envolve linhas musicais
separadas que se cruzam no mesmo intervalo, muitas vezes empregando a mesma nota,
tanto simultaneamente quanto em sucessão imediata. Este tipo de peça exige que
para que as duas mãos possam tocar ao mesmo tempo, cruzando livremente, uma em
(RIPIN,2012). Nas obras resgatadas de Louis Couperin podemos encontrar duas peças
devem ter tido acesso a instrumentos nos quais dois teclados estavam na mesma altura,
2001:50). A figura 3.30 demonstra uma ilustração referente a uma obra de Louis
59
Há instrumentos que possuem somente um manual com dois tipos de registros, porém, em peças que
possuem rápida mudança de figuração como em um echo – figuração que alterna entre forte e piano -, ou
mesmo em uma pièce croiseé, haverá a necessidade de um instrumento com dois manuais.
78
FIGURA 3.30 - Pièce Croiseé . COUPERIN. Courante en Ut Major. Pièces de Clavecin from the
Bauyn Manuscript (ca. 1658) Due West, 2009 p. 02 Comp. 01-07
instrumento com este tipo de mecânica independente, o termo pièce croisée somente foi
utilizado pela primeira vez por François Couperin, em seu Terceiro livro de Peças para
Cravo, em 1722. No prefácio deste livro, Couperin cita que deu o nome a este tipo de
obra:
utiliza o termo Pièce Croisée, mas dá instruções sobre como registrar o instrumento
para apresentar este tipo de obra: “Para tocar esta peça, você deve puxar um dos
teclados do cravo, retirar a pequena oitava, colocar a mão direita no teclado de cima, e
neste caso a pequena oitava como o registro chamado de 4 pés (4’), onde ao tocar as
79
notas em sua altura normal, elas soam ao mesmo tempo uma oitava acima, portanto ao
instrumento.
FIGURA 3.31 - Piéce Croisée. F. COUPERIN. Les Bagatelles. Paris, 1717 p. 62 comp. 01-03
A outra ilustração é referente a uma peça em que foi utilizado pela primeira vez
o termo pièce croisée por Couperin (1717:22). Na obra, há uma indicação de “olhar o
FIGURA 3.32 - Pièce Croisée F. COUPERIN. Le Dodô ou L´amour au Berceau. Paris, 1717 p. 22
comp. 01-06
para a mão direita - 1º Teclado (1º Klaviatur), e para a mão esquerda - 2º Teclado (2º
Klav.).
FIGURA 3.33 - Pièce Croisée. SANTORO. Prelúdio V. Savart, 1977. p.08 Sist. 01
Santoro uniu neste prelúdio a estética moto perpetuo com pièce croisée, assim
como na obra de François Couperin, Les Bagatelles. Porém, Santoro resolveu não
deixar a estética croisée se representar por toda a peça, indicando no final do Quinto
Prelúdio a expressão “normal” para as duas mãos voltarem a dividir o mesmo teclado
(Fig. 3.34):
FIGURA 3.34 - Transição do Pièce Croisée para apenas um teclado. SANTORO. Prelúdio V.
Savart, 1977 p. 08 Sist. Último
vocal, normalmente para uma só voz, com a intenção de dublar um discurso dramático
81
na música. De acordo com Temperley (2011), “o Recitativo foi inventado na Itália [...]
como uma forma da música ser mais subordinada ao texto”, complementado por Randel
(2003:707) onde aponta que as “inflexões naturais, ritmos, e sintaxes do discurso são
palavras. De acordo com Monson (2012), a palavra Recitativo é uma derivação do verbo
Recitar, e em 1528 este verbo já era usado para performance vocal, onde em Il libro del
cortegiano de Baldassare Castiglione ocorria a frase “cantare alla viola per recitare”.
Por se tratar de uma récita, emprega-se bastante a forma livre e expressada. De acordo
com Temperley (op. Cit.), “o baixo contínuo ou figurato era uma das formas de
dramática, este termo era comumente usado em óperas, cantatas e oratórios. Na medida
em que o estilo recitativo partia da Itália para Alemanha, França e Inglaterra, este foi
valorizado não somente pela sua capacidade expressiva, mas também por ser uma
mudança é constante nos valores de compasso, que se alterna entre ternário, ora
FIGURA 3.35 - Recitativo Acompanhado por Contínuo. LULLY. Thésée. Prólogo: “Contre um
Heros...” Paris, 1668
FIGURA 3.36 - Recitativo Instrumental. J. S BACH. Fantasia Cromática e Fuga BWV 903
Breitkopf & Härtel, 1890 p. 03 comp. 46- 54
83
FIGURA 3.37 - Recitativo Instrumental. SANTORO. Prelúdio VI. Savart ,1977 p. 09 Comp. 01-05
compasso, não há impedimento que os compassos alternem, ora binário, ora ternário,
não identificado ao certo se o primeiro compasso se trata de uma anacruse, ou, talvez,
um compasso unário60.
neste ano ao compor uma Balada para piano solo dedicada a Nelson Freire,
60
De acordo com Paul Hindemith, o compasso de Um tempo (unário) é contestado por alguns teóricos,
todavia ele é bastante usado por compositores modernos (Bartók, Stravinsky, Widmer e outros).
84
décadas anteriores” (MENDES, 2009:229). Mendes (ibidem) ainda afirma que a fase
ao compor uma Ave Maria para coro à Capella. As obras correspondentes ao ano de
Tacuchian apud Simões (2005:63) que quis imediatamente entender que orientação
estética Santoro seguia. Santoro respondeu: “Não tenho nenhuma orientação estética,
61
Mendes percorre as fases estilísticas em sua tese, e direciona as etapas composicionais de Cláudio
Santoro em seis: “Serialismo Dodecafônico (1939- 1946)”, “Transição (1946-1948)”, “Nacionalismo
(1949-1960)”, “Retorno ao Serialismo (1961-1966)”, “Avant-Garde (1966-1977)”, “Maturidade (1978-
1989)”.
85
CAPÍTULO 4 -
Introdução.
et Danse de Paris existe até uma cadeira especializada em música contemporânea para
cravo, onde as interpretações das obras são realizadas em cravos industriais. Outro
Clavecin em France promoverá uma journeé intitulada “Cravos de ontem e hoje através
62
de Saint-Leu” . Esta journeé será realizada no conservatório de duas cidades63, onde
para os historicamente copiados, principalmente dos cravos da empresa Pleyel, uma vez
62
Clavecins d’hier et d’aujourd’hui en passant par Saint-Leu.
63
Saint-Maur-des-Fosses e Saint-Leu-la-Foret.
86
que também será discutido são as escritas contemporâneas para cravo, além de
Kroll (2004:99) alega que as obras que não puderem ser adaptadas, tenderão a
desaparecer. Kottick (1994:51), por outro lado, já profetiza com o retorno do cravo
industrial:
Uma vez que o cravo industrial se encontra escasso no Brasil, adequações foram
feitas para não haver necessidade de manter esta obra em um arquivo. Várias dessas
indicações feitas por Santoro em 6 Stücke für Cembalo podem ser adaptadas para o
4.1 – Dinâmicas
A palavra “dinâmica” possui origem grega, dynamos, que significa força, onde
d.C), a utilização de dinâmicas nos hinos homofônicos serviria para demonstrar nuances
Rocha-Júnior (2010: 71) alega que os assuntos sobre música eram tão difundidos quanto
Entre os séculos V e XV, de acordo com Thiemel (2011), os músicos ainda não
utilizavam a palavra “dinâmica” propriamente dita, pois a palavra estaria implícita nos
“dinâmica” a figuras musicais retóricas associadas com a Teoria dos Afetos, pois,
algumas vezes, por importar mais que a própria obra, arriscando prejudicar a
65
inteligibilidade do texto musical.” Este tipo de pronunciamento data do início do
século XVII, onde os adeptos da Camerata Florentina, entre eles Galilei, Peri, Caccini,
entre outros, foram levados a reduzir os ornamentos a efeitos (affetti) mais expressivos e
mais concisos que a passaggi. “Este interesse pela expressividade fará com que tais
64
Nuance, em grego se escreve khroai, que é uma derivação de khroa, que significa “matiz”, “coloração”.
Porém, Plutarco se inspira ao falar de nuances baseado em Aristóxeno e seu pequeno tratado de nuances
no livro Harmonica. (ROCHA-JÚNIOR, 2010:119)
65
MASSIN, Jean. Op. Cit. p.109
66
Ibidem.
88
descreveu ‘pian e forte’ como métodos utilizados para “expressar os afetos e mover os
sentimentos humanos.”
terraço. De acordo com Ribeiro (2009:40), “no barroco, a dinâmica de terraço [...] era
dinâmica de terraço em três momentos distintos: O primeiro exemplo (Fig. 4.1) possui
dinâmica piano está associada à parte que acompanha a melodia da obra, que está
indicada pela dinâmica forte. Rosenblum (1988:68) afirma que a “dinâmica de terraço
pode utilizar o contraste de forte e piano para realçar um contraste existente de material
67
Volume III. Traduzido e editado por Jeferry Kite-Powel Nova York: Oxford University Press. 2004
p.91
68
Do inglês: Terraced dynamic.
89
1982:44) complementa:
FIGURA 4.1 – J. S. BACH. Concerto Italiano. BWV 971. 1º Movimento. 1ª Edição. Nuremberg:
Cristoph Weigel (1735) comp. 26-32.
acordo com Dourado (2004: 117), eco “na música, diz-se da repetição em uníssono ou
FIGURA 4.2 – J. S. BACH. Ouverture Francesa BWV 831. “Echo”. 1ª Edição. Nuremberg:
Cristoph Weigel (1735) comp. 26-31.
69
Ibidem.
90
dinâmica de terraço, a mudança não foi explorada para a cor, mas para melhorar as
frases articuladas e seções, portanto, a imposição de mudança gradual71 pode muito bem
FIGURA 4.3 – J. S. BACH. Ouverture Francesa BWV 831. “Ouverture”. 1ª Edição. Nuremberg:
Cristoph Weigel (1735) comp. 47-49
obra de Santoro, tanto de forma indicada pelo compositor, ou de forma sugerida pelo
autor desta dissertação, para uma melhor compreensão das peças. Os detalhamentos de
principalmente para saber com qual registro é melhor para iniciar. O Primeiro Prelúdio
de Cláudio Santoro é dividido em três partes: Uma parte lenta, uma parte rápida e outra
70
Ibidem.
71
A mudança graduada (ou transicional), que se refere à mudança gradual de sonoridade entre forte e
piano e vice-versa, já era utilizada de forma espontânea em vários estilos musicais, embora sem indicação
nas partituras, antes mesmo do período barroco. (RIBEIRO, Ibidem.)
91
primeira parte é visível uma pequena indicação de decrescendo logo antes de entrar em
uma dinâmica piano. Após este pequeno trecho que possui a indicação de dinâmica, a
exemplo (Vivo):
FIGURA 4.4 - Dinâmicas. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 5-6 comp.1-6.
crescente do som, aonde através de sua sustentação o som irá se esvair. O arpejo
amortece o impacto de força que este acorde teria se fosse interpretado de forma não
trilo. Pode-se perceber que se não há outra indicação de dinâmica além de piano,
subentende-se que a peça poderá iniciar com o registro de 8’ (tanto com o teclado sem
estar acoplado, quanto com o teclado acoplado). Portanto, é importante comentar que a
um artigo escrito por Ralph Kirkpatrick apud Lindorff (1982:32), o autor discorre sobre
92
afirma que “um forte pode ser produzido por uma aglomeração de notas, tanto
Sugere-se então uma mudança timbrística para deixar este trecho mais brilhante,
iniciar a peça com o acoplamento de teclados. Para esta dinâmica de terraço acontecer
sem quebrar o fluxo da execução, recomenda-se acoplar o teclado inferior logo após
terminar o trecho com o trilo, pois, a própria indicação de Mensurstrich propõe certa
respiração entre as partes trilo e piano. Assim, pode-se representar a dinâmica piano
FIGURA 4.5 - Registros. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 05.
Após o término da segunda parte, a obra retorna para uma parte lenta
novamente. Nesta terceira parte, Santoro deixa a critério do intérprete escolher o timbre
Heidelberg em 1976 (apud Lívero, 2003:89-92), onde o compositor afirma que este tipo
anteriormente:
FIGURA 4.6 - Mudança de timbre. SANTORO. Primeiro Prelúdio. Savart, 1977. Últimos Sistemas.
acorde no primeiro (I) teclado. A intenção seria de fortalecer o acorde que possui o
94
ascendente para não deixar soar bruto. Entre o penúltimo e o último acorde há
indicações de ligaduras para manter a sonoridade entre um som e outro. Pode-se fazer
esta indicação de duas maneiras: como se pode perceber, não há indicação de ligaduras
nas notas que constituem o baixo. Uma sugestão seria retirar a mão esquerda enquanto a
mão direita ainda mantém pressionadas as teclas, e fazer o último acorde com a mão
O Segundo Prelúdio também está dividido em três partes, sendo uma das partes
realizada por repetição indicada por D. C e daí All Fine. As indicações de andamento
das duas partes são: Vivacci e Prestíssimo, como ilustrados na próxima figura (Fig. 4.8):
95
FIGURA 4.8 - Andamentos. SANTORO. Segundo Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-3 e 15-22.
possui serventia para deixar a obra brilhante. Assim sendo, não há a necessidade de
FIGURA 4.9 – Dinâmica. SANTORO. Segundo Prelúdio. Savart, 1977. comp. 31-34.
96
realizado uma oitava abaixo. A aplicação da dinâmica de terraço é sugerida para realizar
este trecho final em piano, onde se pode caracterizar este trecho a um efeito de eco. A
FIGURA 4.10 – Dinâmica de Terraço. SANTORO. Segundo Prelúdio. Savart, 1977. comp. 31-34.
qual registro iniciar a peça. A obra se inicia com diversos arpejos ascendentes e
97
de andamentos lentos como Largo, lento e langsam72 dão a entender que o registro
inicial deve ser brando. Posteriormente a este trecho, há também de se notar a marcação
FIGURA 4.11 - Dinâmica de Terraço. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 01-02
recomenda-se iniciar a peça com o teclado já acoplado, porém através do segundo (II)
72
Do alemão: Lentamente
98
FIGURA 4.12 - Dinâmica de Terraço. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 02
Após esta sessão finalizada com a fermata, outra sessão surge, onde são
piano. Até o final da obra, o teclado continua acoplado para facilitar o trâmite entre as
FIGURA 4.13 - Dinâmica Gradual. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977. Últimos Sistemas.
este trecho, por ainda se tratar da dinâmica forte, sugere-se fazer um pequeno
ralentando para representar o final desta sessão. A indicação fortíssimo pode ser
99
arpejo aparecerá no último acorde em dinâmica piano, realizada no segundo (II) teclado.
FIGURA 4.14 - Dinâmicas. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977. Últimos Sistemas.
A primeira parte já inicia com a indicação de dinâmica forte, porém, não há dinâmica
quando entra a segunda parte. O acoplamento dos teclados se faz necessário para iniciar
a peça. Uma vez se tratando da dinâmica indicada, a peça se inicia no primeiro (I)
73
Termo musical advindo do francês: Não arpejado.
100
FIGURA 4.15 - Dinâmicas. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-7
mais encorpado, não se recomenda a mudança de registro para a interpretação, uma vez
que a peça já inicia com a dinâmica forte. Apesar do fato de somente a primeira e
para guiar o intérprete a não pensar que estas partes deveriam ser feitas com um registro
FIGURA 4.16 - Dinâmicas. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-7
(I) teclado para o segundo (II), como mostrado na próxima figura (4.17):
101
FIGURA 4.17 - Dinâmicas. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 25-28
acoplamento dos teclados não pode ser realizada por se tratar de uma piece croiseé. A
indicação dos teclados para a realização da obra é feita já no início, onde a mão direita
se faz representada pelo primeiro (I) teclado, e a mão esquerda pelo segundo (II)
FIGURA 4.18 - Disposição dos Teclados. SANTORO. Quinto Prelúdio. Savart, 1977. Sist. 01.
são feitas até o último sistema, onde o compositor indica que o registro deve voltar ao
Normal, ou seja, as duas mãos tocando no primeiro (I) teclado como mostrado na
FIGURA 4.19 Mudança de Teclados. SANTORO. Quinto Prelúdio. Savart, 1977. Último Sistema.
Esta peça possui somente uma indicação de dinâmica, no último sistema, através
sugere-se então tocar este trecho de forma a acelerar na medida em que o final se
aproxima.
se tem é que se deve iniciar a peça com um registro brando. Porém, Cláudio Santoro
indica no início a dinâmica forte, e não faz qualquer alteração até o final da peça. A
FIGURA 4.20 Dinâmica. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-5
fará representada no segundo (II) teclado. Esta é uma indicação interpretativa do autor
desta dissertação devido a uma mudança súbita no caráter melódico. Durante o discorrer
da obra, pode-se encontrar diversas células musicais representadas por este padrão
rítmico: . Esta célula rítmica alterna entre mão direita e esquerda. Após um trecho
caráter mais estático que a mão direita, como ilustrado na próxima figura:
104
FIGURA 4.21 Dinâmica. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 10-13
O retorno da mão direita ao primeiro (I) teclado será feito posteriormente, onde
o trecho estático na mão esquerda findará e surgirá um trecho de caráter imitativo entre
as duas mãos. A obra finaliza com as duas mãos no primeiro (I) teclado, dois compassos
FIGURA 4.22 Dinâmica. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977. comp. 1-5
105
impossível, devido aos inúmeros fatores que envolvem este conjunto de obras. Bom
4.2 Pedais
pode indicar um mecanismo que possa fornecer uma mudança súbita de registro, ou
em tocar notas mais graves que as notas utilizadas nos teclados, fazendo soar uma
oitava abaixo. Este tipo de instrumento deriva do século XV, onde o registro mais
utilização deste instrumento serviria para treino do uso dos pedais no órgão, uma vez
órgão, além da falta de calefação nas igrejas durante o inverno não permitiam os
74
A invenção da Pedaleira é frequentemente atribuída a Bernhard, um organista germânico ativo em
Veneza c. 1470, com base em um trecho citado por Sabellicus (d. 1506). Bernhard prendeu laços de corda
nas teclas do órgão para que pudessem ser tocados com os pés, uma prática que provavelmente data de
Louis van Valbecke de Brabant (d.1318). (FORD, 1997:162)
106
Tanto Rechsteiner (2001)75, quanto Ford (1997: 172)76 afirmam que não existem
italianos encontrados, perceberam que alguns destes não possuíam uma independência
sonora entre cravo e pedaleira, podendo assim comprometer quando duas notas fossem
tocadas ao mesmo tempo. De acordo com Ripin et. al. (2012), apesar de que nenhuma
virginais italianos mostram clara evidência na forma dos acoplamentos do lado inferior
das teclas do baixo e buracos no fundo do tampo, nos quais em certo tempo eles eram
equipados com oito a dezoito pedais conectados às teclas mais graves por cordas.”
do cravo com teclados. Desta forma, a utilização dos pedais se torna uma ação
totalmente independente da utilização dos teclados. Jackob Adlung (1758: 556) em seu
pode-se também adicionar um pedal para tais instrumentos, ou o que é melhor fazer um
instrumento de pedal especial e posicionar o cravo por cima. Deve ser feita também de
modo que a tensão das cordas não curve o tampo, pois é assim que o instrumento
mantém a afinação.
Este tipo de cravo com pedaleira independente estaria mais bem representado em
modelos franceses, onde eram descritos como clavecin de pédale. O primeiro registro
instrumentos no ateliê de Jean Denis, em 1672. De acordo com Hubbard (1974: 111) “o
75
Há também um artigo também chamado “Le Clavecin Pédalier” encontrado no sítio Clavecin em
France. Disponível em: http://www.clavecin-en-france.org/spip.php?article23. Último acesso em
16/02/2012
76
Op. Citada
107
Figura 4.23 Clavecin de Pédale. Keith Hill & Phillip Tyre. 1985
poderia se tocar notas que soam mais graves que as das teclas, porém, sem a
necessidade de um cravo com pedaleira. Este tipo de registro, denominado 16 pés (16’),
proporcionar uma maior profundidade e sonoridade. Apesar de sua fama nos concertos
século XVIII77, devido à hegemonia na época da música para órgão, e sua associação
77
De acordo com Hubbard (1976:183), apenas duas exceções saíram da Alemanha naquela época: “A
primeira é um cravo, tarde demais para se possuir demasiada importância histórica, por Joachim Swann
em Paris, 1786. Apesar de ele ter trabalhado em Paris, Swann era tão germânico a ponto de flexionar seu
nome para Swanen na placa deste cravo. [...] A segunda exceção é uma combinação de piano forte e cravo
por Joseph Merlin, Londres, 1780. Porém, de acordo com Restle (1995:31-32) ao fazer uma pesquisa
sobre cravos que possuíam mecanismos de 16’, foi encontrado, além deste citados por Hubbard, mais três
modelos que não são germânicos, e que curiosamente são datados antes de 1700. A referência deste tipo
de cravo mais antiga é de John Haward, contruído em Londres entre 1622 e 1653, que se encontra
atualmente em propriedade privada na Inglaterra. Sobre a segunda referência, Restle somente conheceu
através de fontes literárias, supondo até que o instrumento não tenha sobrevivido. Foi construído por
108
com o instrumento. Tal notoriedade deste registro também se deu devido a um rumor
envolvendo um instrumento que poderia, ou não, ter pertencido à família de J.S Bach.
De acordo com Elste (2012), este suposto cravo de Bach com registro de 16’ “foi
considerado, entre 1900 e 1960 como o cravo ideal, desta forma ele foi copiado e
imitado de todas as formas”. Estas formas de imitações são utilizadas tanto para cravos
com seis pedais de mudança de registro, este mesmo cravo se encontra no Berlin
instrumentos da Pleyel possuem uma estrutura interna muito mais pesada que seus
contemporâneos podem ter cinco ou até nove pedais”. A próxima figura (Fig. 4.24)
ilustra o cravo Pleyel construído em 1889, onde se podem perceber os pedais na parte
inferior ao cravo:
Girolamo Zenti em Roma no ano de 1658, e foi encontrado no inventário da família Médici em 1700. A
terceira referência é um cravo de um construtor anônimo italiano, datado de 1700. Atualmente este cravo
se encontra em Munique, no Deutsches Museum. Restle ainda complementa que “esta lista certamente
poderia expandir ainda mais. Sem dúvida, é fato de que cravos com registros de 16’, especialmente em
cravos ingleses, italianos e alemães dos séculos XVII e XVIII não eram incomuns. Assim a tese de Frank
Hubbard deve ser invalidado, pois afirma que os originais 16’ ocorrem apenas na Alemanha no século
XVIII, e ainda tinha uma variante particularmente incomum das disposições normais de cravo por lá.
109
“cravo Landowska”. Este modelo possuía sete pedais e um curioso mecanismo. Dos
sete pedais que constituíam o cravo, três deles eram acionados de modo inverso, ou seja,
o pedal somente era acionado quando fosse suspenso. Os outros três pedais eram
pertencido a uma ex aluna de Landowska arquivavam lições diárias que eram ensinadas
110
Figura 4.26 Mapeamento dos pedais de um cravo Pleyel por Lilye Karger (Posteriormente Sra.
Rosenberg)
Pedal 2 Registro de 4’
Pedal 3 Registro de 8’
78
De acordo com Dyson (1975: 242), neste curioso registro de 8’ extra (piano), o efeito é ocasionado por
um conjunto separado de saltarelos acopladas em um ponto diferente do registro de 8’ superior normal.
Ou seja, dois saltarelos para apenas uma corda. Este tipo de registro também é chamado de nasale.
111
quanto inferior. Este tipo de mecanismo servia para “ativar ainda mais a diferenciação
dos níveis de dinâmica. Por exemplo, a meia posição do registro de oito pés seria
final do século XVIII tinham dois pedais (swellpedals) que controlavam venezianas de
volume”. (PAVAN, 2009, 29). Este tipo de controle sonoro acionado por pedais lembra
abafa o som saindo dos tubos do órgão. As duas próximas ilustrações representam este
Figura 4.27 Cravo Kirkman, 1798 Figura 4.28 Mecanismo lateral controlador dos pedais.
números. Estes números de pedais vão do número um ao número cinco. Desta forma
não se pode sugerir que Cláudio Santoro haveria composto a obra para o cravo Pleyel.
A próxima figura (Fig. 4.30) ilustra algumas das indicações de pedais por Santoro em
Mutationen I:
forma nominal, não havendo assim, confusão caso os cravos possuam diferenças nas
ordens dos registros. Dos seis prelúdios que compõem a obra, pelo menos três possuem
histórico.
do contexto que a obra em questão foi composta para um instrumento cuja mudança
necessária. A próxima figura (Fig. 4.31) mostra a indicação do compositor para “mudar
o timbre”:
Figura 4.30 Indicação de mudança de timbre. SANTORO Primeiro Prelúdio. Savart, 1977.
A utilização dos registros manuais para a mudança de timbre se faz válida, uma
vez que não há a necessidade de mudança súbita neste trecho, pois esta indicação se dá
pequeno trecho de caráter imitativo. A indicação deste trecho está representada apenas
pelo número oito (8), onde se podem levantar alguns questionamentos em relação à
registração. Este número 8 em questão pode representar um registro de 8’. Por se tratar
este trecho em um registro diferente. Este número em questão também pode estar
114
representando um “pedal de oitava abaixo”, que está relacionado com o registro de 16’
(Fig. 4.32):
compositor pode simplesmente ter colocado uma linha de 8ª abaixo, porém, sem o
detalhe do traço pontilhado. A utilização desta última colocação parece mais plausível,
porém, não poderia ser descartada a possibilidade de utilização de pedal neste item.
O Terceiro Prelúdio possui somente uma indicação de pedal, onde desta vez o
compositor deixa bastante explícito qual tipo de pedal se trata. No caso o “pedal de
79
Santoro nesta peça, ao invés de numerar os pedais como em Mutationen I, o compositor preferiu
nomeá-los. Quando aparece a indicação de “pedal de 8ª”, o compositor refere-se ao registro de 16’, que
soa uma oitava abaixo.
115
Figura 4.32 - Indicação de pedal de oitava. SANTORO. Terceiro Prelúdio. Savart, 1977.
houvesse uma linha de 8ª abaixo. Este trecho em questão não necessita realmente de
uma densidade sonora que o “pedal de 8ª” proveria, pois relevâncias como o staccato e
início da segunda parte, onde inicia o canon à oitava. Ao reparar o trecho que o “pedal
80
Do alemão: Com Pedal de 8ª
116
para os outros compassos. Este tipo de traço não possui um encerramento como nas
Porém, para a interpretação deste trecho completo realizado uma oitava abaixo,
precisaria da utilização dos dois manuais ao mesmo tempo. A associação dos dois
manuais com a dinâmica forte impossibilita a interpretação deste trecho completo uma
iniciar. De modo diferente dos anteriores, o compositor propõe para cada manual um
Um fato curioso está em Santoro fazer suas indicações em duas línguas, ora em
língua germânica, ora em língua portuguesa. Neste Prelúdio em questão, ele utilizou as
português no segundo teclado82. Outro fato curioso está no fato da peça não possuir
ritornello, e Santoro orientar o intérprete para tocar na segunda vez com pedal de 8ª
abaixo 83.
Devido ao fato de a peça acabar de forma súbita, repeti-la fará perder o aspecto
jocoso. Talvez seja o motivo do compositor indicar o pedal de oitava na segunda vez,
como forma de manter a peça renovada. A indicação de Ped. Sêco (sic.) no segundo
teclado se mantém por quase toda a peça, sem novas indicações para uma possível
repetição.
uma oitava abaixo pode até ser realizada, porém, a recomendação está em ignorar estas
81
Do alemão: 1º Klaviatur
82
Do alemão: 2º Klav. (abreviação de Klaviatur)
83
Do alemão: No 2 mal mit 8ª
118
uma pauta onde todas as notas estão em staccato praticamente anula a indicação, pois a
preocupação de utilizá-los em pequenos trechos, onde pode totalmente ser adaptado por
um instrumento onde não há pedais. Os trechos que envolvem pedais por períodos mais
extensos, podem ser ignorados, devido a motivos que envolvem aspectos organológicos
Prelúdio algumas notas que não fazem parte da extensão regular de números de teclas
ou cinco oitavas – geralmente, inicia em FF e estende-se até f³. De acordo com Kottick
cravos históricos podiam variar suas extensões de acordo com cada país em que era
construído – para mais, ou para menos. Por exemplo: De acordo com Henri van der
metade do século XVIII possuía uma extensão maior de teclas que de outros países.
Alguns cravos, além desta extensão dada como usual (FF- f³), podiam estender até
Santoro faz uso de duas notas que são atípicas nos modelos de cravos históricos
que são produzidos atualmente. Não é a primeira vez que o compositor faz uso de notas
84
O cravo pertencente a Manuel Antunes, em Portugal (1789), possuía uma extensão FF – a³. Há relatos
de um cravo de Jacques Joachim Swanen de 1786 que possuía extensão EE – a³. (KOTTICK, 2003: 243)
119
pequeno trecho a nota gb³, onde em uma possível adaptação para o cravo historicamente
copiado, a solução seria uma simples afinação da nota f³ para meio tom acima. A
se tratar das extensões de notas, uma mera afinação não é o suficiente, pois o
compositor utiliza de 1 a 2 tons acima da nota limite, sendo elas: g³ e a³. A utilização
padrão: FF – f³. A solução aqui seria somente a de diminuir uma oitava das notas
excedentes.
Mesmo ao observar todas as seis peças que constituem a obra, fica evidente que
Cláudio Santoro não a compôs pensando em um cravo de extensão FF – a³. Este tipo de
120
pensamento pode ser confirmado ao analisar qual seria a nota de tessitura mais grave.
No Quarto Prelúdio encontra-se uma nota EE, onde em todas as seis peças, esta nota é
a nota FF não será utilizada de nenhuma forma. Para isso, se faz necessário procurar a
segunda nota de tessitura mais grave, que coincidentemente se trata da última nota do
Figura 4.38 - Nota mais grave. SANTORO. Sexto Prelúdio. Savart, 1977
Após análise, pode-se perceber que a nota FF# não interfere em uma possível
afinação da nota FF em meio tom abaixo. Porém, é preciso reparar se esta nota não será
o sistema tonal, como ocorre na próxima figura (Fig. 4.39). Neste Primeiro Prelúdio
ocorre o impedimento da nota f#² resolver em g². Para isso, o compositor utilizou o
na forma harmônica 1:8 com outra nota lá. Ao relembrar Hindemith (1942) (ver página
Até mesmo a oitava que está acima e além de qualquer discussão de valores
intervalares, perde boa parte de seu valor quando aparece na forma 1:4 que,
como sua estrutura de sons resultantes confirma, mal se compara à quinta justa
em termos de clareza. Na forma 1:8 [...] é ainda mais fraca, e na forma 1:16 o
intervalo se torna completamente dissonante.
harmonicamente entre nonas e segundas. Caso estas notas sejam tratadas como
Possivelmente, a utilização desta nota estendida foi utilizada para não quebrar a maneira
FIGURA 4.42 – Movimento Espelhado. SANTORO. Quarto Prelúdio. Savart, 1977. Comp. 25-27.
Alessandro Santoro85, uma possibilidade plausível seria o próprio Stanislav Heller ter
indicado a extensão que a peça deveria conter. Sem saber ao certo se em na Escola de
Freiburg havia um instrumento com tal extensão, Heller pode ter feito um concerto em
um instrumento com esta extensão, ou então, ter em sua posse um instrumento com tais
características.
85
Alessandro Santoro é cravista e filho de Cláudio Santoro.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
dos cravos industriais na França, além de seu surgimento em outros países da Europa
Central, Alemanha e Estados Unidos. Seus primeiros repertórios para cravo industrial
obras para piano. Outros compositores pensam que a escrita cravística se resume apenas
torna inválido.
industriais e cópias históricas fez refletir sobre as escolhas que Santoro teve ao abordar
instrumentos, e foi uma linguagem que apesar de não ter durado muito tempo ainda faz
125
parte do repertório de todos os cravistas. Este tipo de escrita pode causar estranheza até
hoje para quem não é familiarizado com ela. Com relação À inserção contemporânea do
instrumentista e a composição brasileira para cravo no século XX, sobretudo por seu
instrumentistas, neste caso, pode, ou não, ter partido da própria formação dos alunos de
instituições no Brasil, porém, seu foco reside nas principais obras de compositores
talvez por se tratar de uma pesquisa mais recente, seus materiais coletados revelam uma
onde em sua tese teve acesso a um grande número de correspondências que Santoro
quais os caminhos percorridos por Santoro e as fontes que foram pesquisadas. Apesar
comparativas ainda não haviam sido feitas em nenhum estudo. Uma possibilidade para
126
tal seria de que as correspondências enviadas por Santoro somente foram acessadas
durante o período em que Mendes estaria discursando sua tese de doutorado. Daí as
comparar o que teria vindo de Hindemith e o que teria sido complementado por Brindle,
como foi feito nesta dissertação. Porém, a utilização de escalas obscuras foi ilustrada em
alguns trechos de obras de Santoro por Mendes em sua tese de doutorado. Mendes deu
como uma nova proposta para análise do repertório musical brasileiro em simpósios e
utilizado, tido por Santoro como uma busca sua de uma originalidade acústica e
musical, já havia sido utilizado por Villa Lobos há mais de 50 anos antes da
elementos que envolvem a música para cravo, pôde ser percebida a intensa pesquisa
referente às texturas selecionadas por parte de Santoro para compor 6 Stücke für
Cembalo. A princípio, como a obra se inicia já com um prelude non mesuré, foi
pensado que a homenagem teria sido somente para Louis Couperin. Posteriormente,
após pesquisas, foi concluído que a homenagem trata também de seu sobrinho,
François.
86
Mendes se apresentou com este tema no II Simpósio Internacional de Musicologia da UFRJ no dia 16
de Agosto de 2011.
127
conectada com a área referente às práticas interpretativas, pois ao descobrir quais seriam
do instrumento industrial. Sendo desta maneira, esta pequena parte que trata de aspectos
adaptação se dá muito bem, pois as sonoridades que Santoro utilizou para compor a
composicionais provenientes das primeiras aulas que teve com Koellreutter, é possível
afirmar que Santoro não fez somente uma homenagem aos compositores da família
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141
ANEXO I
ANEXO II
PARTITURA DE MUTATIONEN I
153
154
155
156
ANEXO III