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EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DA CIDADE


DE UBERABA/MG
Camila Aparecida Oliveira da
Costa94
Mariana Faria Scandar
95

RESUMO: O artigo comunica uma pesquisa em andamento que abordará reflexões


sobre a investigação da Lei nº 10.639/2003, alterada para 11.645/2011, que inclui a
obrigatoriedade de conteúdos de ensino e cultura afro-brasileira, africana e indígena na
educação básica. Como pesquisadora, mulher negra e professora da rede estadual tive a
percepção que a ausência de levantamentos prévios das práticas escolares sobre a
educação para as relações étnico-racias tem dificultado a implementação da Lei.

PALAVRAS-CHAVE: História e Cultura Afro-Brasileira; Relações Étnico-raciais;


Representatividade; Lei 10.639/2003.

INTRODUÇÃO
As reflexões apresentadas neste trabalho partem do meu lugar de estudante
do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia
e professora de sociologia da Rede Pública Estadual. Considero a antropologia um campo
fundamental para minha atuação como pesquisadora e educadora. De modo que concordo
com Clifford (p.18, 2002), a observação participante obriga seus praticantes a experimentar
tanto em termos físicos quanto intelectuais as vicissitudes da tradução. É a partir do meu
relato etnográfico que estou acompanhando de perto a reprodução das desigualdades
raciais no âmbito da educação no interior de uma escola pública da qual leciono aulas de
sociologia. É importante ressaltar que esta é uma primeira aproximação de uma pesquisa,
com caráter exploratório, no cumprimento de algumas fases de uma abordagem
qualitativa.
Como Florestan Fernandes96, ao término da graduação sentia uma profunda crise
moral. Neste tempo ainda me perguntava: O que é a sociologia? Antropologia? O que são

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Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Uberlândia. Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.
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Mariana Faria Scandar é professora do Conservatório Estadual de Música Renato Frateschi em
Uberaba- MG e possui mestrado em Educação Musical pela Universidade Federal de Uberlândia.

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as ciências sociais? Sei o suficiente para ser uma antropóloga? Enfim, era uma estudante
que ao final do curso de graduação apresentava muitas angústias.
Além disto, ao contrário de muitos estudantes, meu processo de formação não foi
contínuo, meus estudos foram interrompidos diversas vezes, ora por conta das condições
materiais, ora por problemas de saúde e no último ano do curso estava gestante.
Profissionalmente tinha uma curta experiência na educação, já havia lecionado aulas de
sociologia em outras escolas e esperava ansiosamente a publicação do meu nome no diário
oficial para, enfim, me tornar docente efetiva do quadro de professores do estado de
Minas Gerais. Eu tinha pressa, afinal, precisava me estruturar financeiramente para
garantir o sustento da minha filha. Neste tempo ocorreu uma greve importante na
Universidade e o término do curso foi mais uma vez adiado. Com o fim da greve,
finalmente apresentei minha monografia e conclui a graduação. Algum tempo depois
também alcancei a tão sonhada nomeação para professora de sociologia na rede pública
estadual.
A escola na qual comecei a lecionar tem uma estrutura boa, apesar de estar
localizada em um dos bairros mais pobres de Uberaba. Irei descrever algumas das
características desse local: em seu entorno existem casas populares, algumas se destacam
por suas estruturas precárias. No bairro da escola está localizado o Centro Socioeducativo
de Uberaba, que é a instituição responsável pelo atendimento ao menor infrator. Os
bairros próximos são denominados pela população como vilas e alguns se localizam nas
proximidades da rodovia.
O governo estadual vem realizando pesquisas tipo censo por meio do que
denomina itinerário avaliativo, documento que visa, através de questionários realizados
nas escolas estaduais, fazer um diagnóstico das características gerais do território e do
sujeito para pensar o ensino aprendizagem de acordo com o contexto social e econômico
de cada localidade. No último censo os dados encontrados revelaram uma distorção da
realidade importante de ser observada. De acordo com os números retratados o total de

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Entrevista de Florestan Fernandes concedida ao museu de imagem e do som em junho de 1981
disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732011000300004 acesso
em 02/12/2019.

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alunos frequentes na escola era de 915 em 2019. Em relação ao sexo 52% eram homens,
47% mulheres e 1% não respondeu.
Até aqui os dados correspondem ao que posso testemunhar no meu dia-a-dia de
professora nesta instituição, mas os dados que irei apontar a seguir retratam uma
disparidade em relação ao que tenho observado. No âmbito da questão racial 54% dos
alunos dessa escola se classificaram como sendo brancos, 36% pardos, 6% negros e 4% não
informou. Quanto à questão socioeconômica a maior parte dos alunos se considerou como
sendo de classe alta. Evidentemente os alunos desta escola não são na maioria brancos
nem tampouco pertencentes às classes de alto nível econômico. As dúvidas que ficam são:
por qual motivo os alunos não assumem sua própria condição? Ou por que responderam o
questionário desta forma?
Neste contexto, eu, também educadora deste local, me questiono se a educação
que estamos oferecendo está sendo suficiente para emancipar os alunos a tal ponto que
eles se reconheçam como pertencentes a uma comunidade, a uma cultura, na sua
identidade étnica e social.
Minha trajetória como educadora desta escola se iniciou em 2016 num contexto
de turbulências econômicas, políticas e sociais já muito agravado no Brasil. Estávamos às
vésperas do golpe contra a Dilma Rousseff. Eu, desde jovem, me colocava nos movimentos
sociais, sindicatos, e me posicionava no campo político da esquerda e era declaradamente
contrária ao golpe que seria instituído. Nessa conjuntura, a escola Santa Terezinha não
constituía uma instituição que aceitava meus posicionamentos políticos. Desde o início a
minha carreira nesta escola foi marcada por dificuldades e coerção das minhas ideias, sem
contar que a institucionalização da sociologia como disciplina obrigatória era recente, de
2008. Por isso, nós professores de sociologia do ensino básico ainda não tínhamos contato
com profissionais de referência anteriores para podermos nos espelhar. Outro ponto
importante é que desde a institucionalização como disciplina obrigatória no ensino médio a
sociologia sofre processos tensos e complexos no Brasil. Inclusive, recentemente, a
reforma do ensino médio possibilitou que os governantes retirassem a obrigatoriedade da
disciplina do currículo básico.
Há de se ressaltar, também e em tempo, que a sociedade brasileira, em todas as
suas camadas sociais ainda regurgita discursos estereotipados - muitos deles “pesados” do
ponto de vista moral – introjetados nas próprias relações societárias, curiosamente

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reproduzidos pelos próprios negros97. A pergunta que fica é: qual a contribuição da escola
para o desmonte de tal herança? Até que ponto a escola se utiliza de materiais que
debatem a questão racial e realiza programas, projetos sociais, artísticos, literários,
cinematográficos, rodas de conversa, entre outros recursos, no espaço da educação
escolar, nos livros didáticos, nos currículos etc.?

LEI 10.639
O tráfico negreiro foi uma das maiores calamidades da história da
humanidade. Durante séculos os europeus sequestraram e arrancaram das suas raízes
culturais milhões de homens e mulheres de diversas partes do continente africano
trazendo para o Brasil uma diversidade de culturas distintas vindas de muitas regiões, tais
como, Golfo de Benim, Litoral da Angola, Litoral de Moçambique (MUNANGA, 2006, p.
19).
No intuito de resgatar a contribuição dos negros nas áreas sociais, artísticas,
econômica, política e na história do Brasil, foi criada Lei n° 10.639/2003, posteriormente
alterada para 11.645/2008. A legislação que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei 9.394/96) obrigou as escolas a incluir nos currículos o ensino da
história e culturas afro-brasileira e africana no ensino fundamental e médio nas escolas
públicas, como observado no excerto abaixo (BRASIL, 2003):
art. 26 – A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.
§ 1ª – O Conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo
incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil,
a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinentes à História do Brasil.

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É muito comum ainda ouvirmos expressões chulas como essas: “Preto quando não “faz” na
entrada, “faz” na saída”, “Isso é serviço de preto”, “A coisa aqui tá preta”, “Mulata”, “Você está denegrindo
minha imagem”, “Inveja branca”, “Negro de traços finos”, “Não sou tuas negas”, ou dizeres menos pesados e
aparentemente “inocentes”, mas de uma sutileza que denota um “preconceito consentido”, tais como:
“Fulano não toma café porque já é preto”, “Fulano é boa gente: um negro de alma branca“. Além de outras
expressões que remetem a palavra negro a algo pejorativo, ilegal ou maléfico: “Magia negra”, “lista negra” e
“ovelha negra”.

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§ 2ª – Os Conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão


ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
(...)
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra”.

É necessário lembrar que os conteúdos não devem se concentrar no


processo escravista, mas, sobretudo na história e cultura afro-brasileira como constituintes
e formadoras da sociedade brasileira. Além disto, a Lei dispõe sobre a necessidade de os
alunos apreenderem os pensamentos e as ideias de importantes intelectuais negros bem
como a influência da cultura africana na música, culinária, dança, literatura, artes,
artesanato, cultos e outras expressões de sua presença. Aos professores é solicitada a
missão de reparo histórico de contribuir para se desmistificar o preconceito que ainda
existe, por exemplo, em relação às religiões de matrizes africanas.
As atribuições da escola apontadas na referida Lei como avanço de política
pública recente, mesmo com uma idade de quase 18 anos, resultam de uma trajetória
histórica, num cenário de luta pelo reconhecimento da identidade do negro. Entretanto,
estudos empíricos sobre as práticas escolares revelaram que a biografia e a cultura dos
afrodescendentes ainda são desconhecidas nos currículos, e que a escola não cumpre
efetivamente com a determinação da Lei.
Não é difícil nos dias atuais ainda encontrarmos livros com imagens e textos que
reproduzem estereótipos que associam os negros a trabalhos socialmente desvalorizados e
em situações de submissão. As situações de incentivo e reforço às desigualdades contra os
negros nas escolas cria um ambiente de discriminação que os leva ao sofrimento e a
evasão. Fanon (2008, p. 47) discorre sobre a representação dos negros em periódicos
ilustrados e no cinema que pode ser comparado à situação do currículo elegido na escola.
Segundo o autor os conteúdos divulgados nesses meios de comunicação não
representavam o negro, isso porque o universo do branco, os símbolos e as figuras são
construídas a partir de referências dele com sua família, de heróis nacionais, príncipes e
princesas e as mesmas associações não são feitas para os negros:
As histórias de Tarzan, dos exploradores de doze anos, de Mickey e
todos os jornais ilustrados tendem a um verdadeiro desafogo da agressividade
coletiva. São jornais escritos pelos brancos e destinados às crianças brancas. Ora,
o drama está justamente aí. Nas Antilhas e outras colônias os mesmo periódicos
ilustrados são consumidos pelos jovens nativos. E o Lobo, o Diabo, o Gênio do
mal, o Mal, o Selvagem são sempre representados por um preto ou um índio. E

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como sempre há identificação com o vencedor, o menino negro torna-se (em


suas fantasias) o explorador, aventureiro, missionário que corre o risco de ser
comido pelos pretos malvados tanto como o menino branco (FANON, 2008 p.130
e 131).

É importante ressaltar que, para Fanon, o negro não se inferioriza, pelo


contrário, o negro é inferiorizado. Como vimos acima, o ambiente colonial não enxerga a
criança negra. Além disto, quando o branco apossa da condição de ser humano, a brancura
torna-se para o negro o único caminho para a humanidade. Assim, o preto, em todos os
momentos, combate a própria imagem (FANON, 2008). Por esse motivo, o negro fica
diante de dois dilemas: o primeiro como resposta à pressão externa, o preto procura
organizar seu esquema corporal, linguístico e simbólico sob os parâmetros da brancura.
Depois, o negro passa a ver a si próprio com olhar fornecido por seu algoz e, concordando,
por isso, com todas as prerrogativas que lhe conferem o status de animal, assumindo a
culpa por ser o “fardo do homem branco” (FAUSTINO, 2015, p. 71).
Estudos empíricos realizados no Brasil sobre as práticas escolares revelam que a
biografia e a cultura dos afrodescendentes são desconhecidas nos currículos, e que os
livros didáticos, por exemplo, ao se referirem aos negros os tratam com inferioridade em
relação aos brancos. Esta representação negativa acaba por desenvolver, nos alunos
negros, um sentimento de inabilidade e receios quanto à sua capacidade intelectual.
O preconceito internalizado e/ou “acomodado” na cabeça dos professores também
é produto da leitura de livros e materiais pedagógicos permeados de conteúdos
depreciativos em relação aos povos e culturas não oriundos do mundo ocidental. Estes
conteúdos foram amplamente divulgados e se tornaram veículos de expansão de
estereótipos:
[...] os sujeitos dessas culturas são representados, em grande parte, nos
meios de comunicação e materiais pedagógicos sob a forma estereotipada e
caricatural, despossuídos de humanidade e cidadania. No livro didático a
humanidade e cidadania, na maioria das vezes, são representados pelo homem
branco e de classe média. A mulher, o negro, os povos indígenas, entre outros,
são descritos pela cor da pele ou pelo gênero, para registrar sua existência. [...] a
invisibilidade e recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem como
a inferiorização dos seus tributos adscritivos, através de estereótipos, conduz
esse povo na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de auto-rejeição,
resultando em rejeição e negação dos seus valores culturais em preferência pela
estética e valores de grupos sociais valorizados nas representações (SILVA, 2005,
p. 21 e 22).

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Da parte dos professores, por exemplo, não se nota um esforço incisivo para
combater o preconceito racial sofrido pelos seus alunos, - e a escola assim o expressa -
mesmo diante de situações explícitas de discriminação:
Na maioria dos casos, praticam a política de avestruz ou sentem pena
dos “coitadinhos”, em vez de uma atitude responsável que consistiria, por um
lado, que a diversidade não constitui um fator de superioridade ou inferioridade
entre grupos humanos, mas sim ao contrário, um fator de complementaridade e
enriquecimento da humanidade em geral; e por outro lado ajudar o aluno
discriminado para que ele possa assumir com orgulho e dignidade os atributos da
sua diferença, sobretudo quando esta foi negativamente introjetada em
detrimento de sua própria natureza humana. (MUNANGA, 2005, p.15).

A representação dos negro em papéis subalternos, comprova que os negros ainda


enfrentam diversos problemas por pertencer a um grupo racialmente discriminado por
conta do seu passado escravo. Os papéis desempenhados pelos negros, retratados nos
livro e matérias didáticos, ainda são os mesmos desempenhados na sociedade colonial
como “herança acomodada” no interior da sociedade atual. “Estereótipos inventados para
justificar a exclusão dos negros no processo produtivo pós-escravidão e ainda na
atualidade” (SILVA,2005, p.26).
Diante dessas constatações, que demonstram o peso do racismo estrutural, é
crucial debater sobre a importância da Lei 10.639/2003, mostrar como é prejudicial quando
a escola e o sistema escolar não consideram o que a Lei determina e cobrar que de fato ela
seja implementada na escola.

O CENÁRIO DA PESQUISA EM ANDAMENTO


Partindo da tomada de consciência da importância da referida Lei, esta pesquisa se
realiza na cidade de Uberaba na Escola Estadual Santa Terezinha. A metodologia de
pesquisa aplicada é a observação participante e obedece a lógica da organização e
funcionalidade do local escolhido para o trabalho. Se trata, portanto, de uma pesquisa com
caráter exploratório e abordagem qualitativa. Para tanto, neste princípio da pesquisa a
coleta de dados tem acontecido no meu dia-a-dia de professora por meio da observação
em eventos escolares, conversas informais, materiais disponibilizados aos alunos pela
escola, entre outros aspectos que podem estar relacionados com a questão racial no
cotidiano escolar. Para isso o que tenho feito é um trabalho de observação constante em
todos os momentos que tenho contato com a escola e uma análise crítica ininterrupta para

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que apresente várias facetas da realidade escolar que podem ser analisadas do ponto de
vista da antropologia, mais especificamente por meio da etnografia.
Constantemente faço uso do meu diário de campo. No momento em que me
deparo com uma situação ou fala que me faça pensar sobre as relações étnico-raciais, logo
faço uma descrição do acontecimento. Como estas situações acontecem no momento em
que estou trabalhando, algumas das vezes não é possível parar para relatar de forma densa
os acontecimentos, entretanto, com a modernidade o celular é um instrumento muito
eficaz para que eu possa fazer pequenos lembretes e posteriormente descrever a situação
com mais detalhes no meu diário de campo. Com isso tenho gravado áudios, tirado fotos,
escrito lembretes e quando posso escrevo diretamente no caderno de campo.
As observações contidas nesta pesquisa vem sendo realizadas desde fevereiro de
2019 e se estenderão até dezembro de 2020. Todos os dados coletados serão analisados
posteriormente. Por enquanto a análise que faço é superficial mas já desperta muitas
indagações. Colocarei neste relato algumas das situações vivenciadas que me trouxeram
reflexões até aqui.
As culturas negadas, estabelecidas historicamente, permanecem revigorando as
desigualdades raciais, posicionando os afro-brasileiros em desvantagem com relação ao
acesso a bens simbólicos e culturais. A política assimilacionista presente nas relações do
Estado com a comunidade negra e a perspectiva eurocêntrica consolidam esse espaço
escolar majoritariamente como sendo um espaço do branco. Pensando nisso, nas
observações realizadas até então, destacamos diversas referências de imagens de
adolescentes, crianças e profissionais, todos brancos, no mural da escola durante todo ano.
Eis alguns do mais significativos:

Figura 1- Mural do dia das crianças e professores

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Fonte: Fotografia de Camila Oliveira

Esta imagem foi feita no mês de outubro em que se comemora o dia das crianças e
dos professores. No mural deseja-se feliz dia das crianças e dos professores, mas a
representação é apenas para as crianças brancas. É necessário fazermos uma leitura do
que encontramos no campo. A imagem apresentada não está muito distante da realidade.
Sabemos o quanto a invisibilidade da população negra é grande, seja nos livros didáticos,
nas revistas, novelas e até mesmo no mural da escola. Concebe-se a ilusão da não
existência da população negra, mesmo nas regiões onde ele constitui-se maioria.

Figura 2- Trabalho sobre inclusão exposto nas paredes da escola

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Fonte: Fotografia de Camila Oliveira

A figura 2 retrata algo parecido com o que vimos no exemplo anterior. A


pretensão da escola com esse mural era pregar o respeito às pessoas com deficiência.
Percebe-se que os dizeres dos cartazes predicam o amor, a união e o respeito às
diferenças, entretanto, a ironia contida nisso é que as representações nas figuras expostas
só incluem crianças brancas.

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Figura 3 - Convite para participar da intervenção pedagógica no sábado letivo

Fonte: Fotografia de Camila Oliveira

Este convite foi amplamente divulgado na escola na tentativa de estimular os pais e


alunos a participarem das atividades de intervenção pedagógica proposta pela Secretaria
da Educação de Minas Gerais. O intuito é elevar a qualidade dos processos educativos.
Normalmente este evento acontece aos sábados, o que dificulta a participação da
comunidade escolar. Embora seja considerado dia letivo é necessária muita criatividade e
estratégias pedagógicas para chamar a atenção dos pais e alunos e garantir a sua presença,
fato que muitas vezes não acontece. Esse baixo comparecimento da comunidade escolar
nos leva a questionar se as atividades propostas realmente representaram os interesses
desses alunos. Por mais que a leitura e a troca de livros sejam atividades importantes que
devam ser estimuladas no ambiente escolar, percebemos que o simples fato de realizarem
esse tipo de evento não promove esse interesse no aluno, o que torna o evento uma
maquiagem que não condiz com a realidade.
As propostas das atividades dos sábados letivos são interdisciplinares e podem ser
desenvolvidas por professores de qualquer componente curricular. Neste dia tivemos

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projetos de quase todas as disciplinas, no entanto, nenhuma retratava a história e cultura


afro-brasileira. A ausência de um planejamento que inclua atividades relativas às temáticas
da Lei são ausentes. Constatamos, portanto, que a cultura negra permanece silenciada na
escola; um silêncio que corresponde à inexistência e não simplesmente ao ato de calar-se,
omitir ou abafar, mas como uma maneira de não ver, de relegar. Segundo (CARNEIRO,
2011, p.17) um dos fatores que corroboram para a invisibilidade da questão racial nas
políticas públicas, e neste caso na escola, é o “mito da democracia racial *...+ ao
desracializar a sociedade por meio da apologética da miscigenação que se presta
historicamente a ocultar as desigualdades raciais” (p.17).
Na Escola Estadual Santa Terezinha, mesmo sendo frequentada por maioria negra, a
cultura negra é eventualmente representada. Aparece apenas no dia da consciência negra,
abolição da escravidão e, raras vezes, por atividades que retratam o folclore brasileiro.
No exemplo logo abaixo as crianças do 6° ano fundamental estão
elaborando um trabalho. Todas as crianças são negras, mas percebam que o cartaz
pregado na parede do lado direito da entrada traz o desenho de duas crianças brancas. O
cartaz tem um espaço para colocar os nomes dos “ajudantes do dia” que são uma espécie
de monitores da professora em sala de aula. Sabemos que esta tarefa é um estímulo para
dar voz e espaço para as crianças atuarem em suas salas de aula. Mas qual a razão de
representar estes estudantes apenas a partir da referência branca?

Figura 4- Crianças da escola elaborando uma apresentação

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Fonte- Fotografia Camila Oliveira

Por último abordaremos imagens de um evento que ocorreu na escola na


última semana de novembro. No projeto aclamado pela comunidade escolar, que o
considerou o melhor projeto apresentado na “Semana da Educação para a Vida”, os alunos
que apresentaram foram os jovens abaixo de 18 anos que cometeram infrações e estavam
internados no Centro Socieducativo de Uberaba (CSEUR). A Escola Estadual Santa Terezinha
possui salas anexas neste local funcionando como uma espécie de segunda unidade, e por
isso, consideramos esses alunos como pertencentes a comunidade escolar. Em algumas
ocasiões os alunos do centro socioeducativo se deslocam para escola e apresentam
trabalhos e/ou participam de projetos. Não temos dados sobre a autodeclaração deles com
relação a raça, mas vendo eles pessoalmente podemos assegurar que são em sua maioria
pertencentes à raça negra.
No ano de 2018 o CSEUR foi interditado pela justiça por condições precárias de
atendimento. Dos oitenta e sete internos restaram menos de trinta. Segundo relatos do
ministério público as condições que viviam os adolescentes eram subumanas, foram
encontrados uma série de irregularidades, dos banheiros aos alojamentos (colchões em
péssima condições de uso, baixa iluminação, muita sujeira e até mesmo animais
peçonhentos).

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Com relação a saúde dos internos o magistrado argumenta que foram


identificadas dermatoses, decorrentes da ausência de insumos básicos de limpeza e higiene
como sabão em pó, detergentes, falta de substituição de toalhas, dentre outras. Nas
palavras do juiz, “na área externa dos prédios, há materiais em desuso, gerando focos de
insalubridade, a quadra de futebol está coberta por mato, as valas dos esgotos próximas
aos vestiários, banheiros e salas de aula encontravam-se abertas, o telhado da área coberta
apresenta-se danificado, as paredes e revestimentos de toda a instituição estão sujas e
com a presença de mofo e as fiações dos chuveiros nos banheiros coletivos estão expostas”
(MPMG, 2019)
Com base neste relato é possível perceber a situação crítica, precária e triste
que esses jovens vivenciam em seu dia a dia nesta instituição. Imediatamente
relacionamos as condições de vida destas crianças e adolescentes com as condições
vivenciadas também pelos detentos brasileiros.
Apesar disso, ao proporem um trabalho artístico para esses jovens uma forte
distorção foi encontrada. Em detrimento de todo o sofrimento que eles passam e das
heranças históricas que carregam com o advento da escravidão no Brasil e de todas os
fatos que são consequentes disso, a temática elegida para estamparem nos quadros que
produziram foi o Holocausto. Não negamos a importância desse fato histórico, entretanto,
diante de tudo que vivenciam, retratar a dor do europeu é algo distante da realidade
desses alunos. Soa como uma comoção pelo que é externo a eles enquanto o que eles
vivem passa despercebido.

Figura 5- Atividade Holocausto

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Fonte: Fotografia Camila Oliveira

Figura 6- Atividade Holocausto

Fonte: Fotografia Camila Oliveira

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Figura 7- Atividade Holocausto

Fonte: Fotografia Camila Oliveira

Figura 8- Atividade Holocausto

Fonte: Fotografia Camila Oliveira

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Figura 9 - Atividade Holocausto

Fonte: Foto Camila Oliveira

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola tem um papel social muito importante na vida dos alunos, neste sentido é
dever da escola manifestar-se em favor dos negros, educar a população para reconhecer
que estes participantes da cultura nacional devem auferir seu devido reconhecimento e
respeito. Para que existam alterações efetivas se julga necessário uma mudança nos modos
de pensar, nos discursos e nos modos de agir das pessoas, promovendo uma
conscientização e sensibilização à causa. E se essa sensibilização está, de certa forma,
distante dos docentes, gestores e alunos, então, a mesma deve ocorrer a partir do estudo
sistemático da produção étnico racial de forma individual e coletiva.
Os grupos de estudos afro-brasileiros, núcleos, coletivos e movimentos sociais
negros também são importantes para assessorar os professores a promoverem diferentes
práticas cotidianas, experiências e processos culturais, sem o estigma da desigualdade,
alocando todos os afro-descentes como parte do processo histórico, da tradição, da cultura
e do conhecimento.
Consideramos que a discussão, o diálogo, e convivência entre estes diversos setores
e segmentos sociais citados, entre outros, são importantes para a superação do racismo e

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também para uma educação que visa garantir o conhecimento e respeito das relações
étnico-raciais.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Ministério da Educação.
Brasília. Conselho Nacional de Educação, 2004.

CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.

CLIFFORD, James. A experiência etnográfica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

FAUSTINO, D M.“Por que Fanon, por que agora?”: Frantz Fanon e os fanonismos no Brasil -
São Carlos : UFSCAR, 2015. 260 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Carlos,
2015.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Centro Socieducativo de Uberaba é


interditado e socieducandos terão que ser transferidos. MPMG, 2018. Disponível em:
<https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/centro-socioeducativo-de-uberaba-e-
interditado-e-socioeducandos-terao-que-ser-transferidos.htm> Acesso em 29 de novembro
de 2019.

MUNANGA, Kabengele e GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. – São Paulo:
Global, 2006. (coleção para entender).

MUNANGA, Kabengele. Apresentação. p. 15-20. In: MUNANGA, Kabengele (org.)


Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação Continuada, alfabetização
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SILVA, Ana Célia da. A desconstrução da discriminação no livro didático. p. 21-38. In:
MUNANGA, Kabengele (org.) Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da
Educação Continuada, alfabetização e diversidade, 2005.

SIMAVE: Itinerários avaliativos de Minas Gerais. Caed digital, 2019. Disponível em


<https://itinerariosmg.caeddigital.net/#!/pagina-inicial>. Acesso em: 25 de novembro de 2019.

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