Você está na página 1de 2

Qual é a relação entre Teologia e Epistemologia?

Na história da teologia cristã, a filosofia tem sido vista algumas vezes como um
complemento natural à reflexão teológica, enquanto, em outras ocasiões, os praticantes das duas
disciplinas têm se considerado como inimigos mortais.
A filosofia toma como dados as entregas de nossas faculdades mentais naturais: o que
vemos, ouvimos, sabor, toque e cheiro. Esses dados podem ser aceitos com base na confiabilidade
de nossas faculdades naturais em relação ao mundo natural.
A teologia, por outro lado, toma como ponto de partida as revelações divinas contidas na
Bíblia. Esses dados podem ser aceitos com base na autoridade divina, de uma forma análoga à
forma como aceitamos, por exemplo, as alegações feitas por um professor de física sobre os fatos
básicos da física, área na qual tenho formação acadêmica.
Nessa forma de ver as duas disciplinas, se, pelo menos, uma das premissas de um argumento
é derivada da revelação, o argumento cai no domínio da teologia; caso contrário, ele cai no domínio
da filosofia. Desde que Deus criou o mundo acessível à filosofia e revelou os textos acessíveis aos
teólogos, as reivindicações que se renderam por alguém não podem entrar em conflito com as
reivindicações cedidas por outro, a menos que o filósofo ou teólogo tenha cometido algum erro
prévio.
Alguns pensadores cristãos primitivos como Tertuliano tinham a visão de que qualquer
intrusão da razão filosófica secular na reflexão teológica estava fora de ordem. Assim, mesmo que
certas alegações teológicas parecessem voar diante dos padrões de raciocínio defendidos pelos
filósofos, o crente religioso não deve vacilar.
Outros pensadores cristãos primitivos, como Santo Agostinho, argumentaram que a reflexão
filosófica complementava a teologia, mas apenas quando essas reflexões filosóficas estavam
firmemente fundamentadas em um compromisso intelectual anterior com a verdade subjacente do
Fé cristã. Assim, a legitimidade da filosofia foi derivada da legitimidade dos compromissos de fé
subjacentes.
Já na Alta Idade Média, as opiniões de Agostinho foram amplamente defendidas. Foi durante
esse tempo, porém, que São Tomás de Aquino ofereceu mais um modelo para a relação entre
filosofia e teologia. De acordo com o modelo Tomista, filosofia e teologia são empreendimentos
distintos, diferindo principalmente em seus pontos de partida intelectuais.
Diante disso, o Tomismo está bastante em casa com racionalismo, antecipando a versão de
Descartes. A epistemologia não está muito distante do modelo bíblico, mas os pré-compromissos
teológicos são justificados por meio de inconsistências metodológicas.
Assim sendo, a palavra Epistemologia ou teoria do conhecimento, do grego “episteme”, que
infere a ciência, conhecimento; e “logos”, que permeia a ideia de discurso, é um ramo da filosofia
que trata dos problemas filosóficos relacionados com a crença e o conhecimento. É o estudo
científico do conhecimento, sua natureza e suas limitações. Ela tenta responder perguntas sobre a
origem do conhecimento humano, e considera especialmente como podemos saber com certeza. As
respostas epistemológicas são blocos básicos e necessários de construção de qualquer filosofia,
visão de mundo ou sistema de crenças.
De fato, dos quatro principais componentes da filosofia e da visão de mundo: epistemologia,
metafísica, ética e pensamento sociopolítico. Nenhum pode ser adequadamente abordado até
respondermos à questão de como podemos saber.
Em relação à metafísica, por exemplo, não podemos fazer afirmações legítimas sobre o
caráter de Deus ou a existência da alma humana até abordarmos pela primeira vez como tais
afirmações podem ser verificadas ou falsificadas.
Além disso, a menos que tenhamos um meio de validar prescrições éticas como dignas ou
indignos, não temos nenhum mandado para escolher uma prescrição em vez de outra –
especialmente quando encontramos bens aparentemente concorrentes ou conflitantes. E se não
temos mecanismo para autenticação, então como podemos chegar a uma definição do que é bom em
primeiro lugar?
Finalmente, no pensamento sociopolítico, com que base podemos escolher um sistema de
governo em vez de outro, ou como podemos determinar se uma lei é louvável? Sem respostas
epistemológicas corretas, não há base para nossa compreensão ou escolha uma coisa em vez de
outra. Em suma, epistemologia é realmente sobre autoridade, verificabilidade, verdade e certeza.
Para que se constitua como ciência e como reflexão critica, a teologia necessita de um
método capaz dedar-lhe consistência epistemológica. Apesar dos diferentes modelos históricos de
produção teológica, jamais a teologia prescindiu de dois elementos fundamentais em sua
constituição metodológica: primeiramente, pela “fé pelo ouvir”, que pressupõe que o ser humano
seja uma ouvinte da Palavra das Sagradas Escrituras, capaz de experimentar a revelação em função
de seu potencial também transcendental que o possibilita encontrar-se com Deus. Por isso, a fé é
aqui escutada na revelação da própria Palavra de Deus que está testemunhada na Escritura e tem sua
continuidade formal na Tradição Cristã e nas diferentes manifestações históricas de Deus.
Finalmente, pela “fé pelo intelecto”, que corresponde à articulação entre fé e razão.
Se estamos empregando metodologia não bíblica para explicar a realidade, então nossas
conclusões geralmente serão incongruentes com os dados bíblicos. Se é assim, então por que demos
tão pouca atenção a essas questões fundamentais? Uma coisa é dizer que a Bíblia é nossa
autoridade; é outra para realmente fazer teologia, filosofia e visão de mundo – para fazer a vida –
dessa forma.
Portanto, quando qualquer aspecto de nossa teologia é fundamentado em qualquer
autoridade que não seja a própria Bíblia, é altamente improvável, se não impossível, que cheguemos
a conclusões puramente bíblicas. Quando tomamos emprestado de outras visões de mundo para
fundamentar nossa teologia, então não devemos nos surpreender com as inconsistências
sistemáticas que surgem. Por outro lado, se respondermos corretamente às perguntas
epistemológicas diante da teologia bíblica, podemos basear nossos passos subsequentes na
autoridade adequada.

Referências:

BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998.


JAPIASSU, H. Introdução ao Pensamento Epistemológico. 5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alvez,
1988.
McGRATH, A. E. Fundamentos do Diálogo Entre a Ciência e Religião. São Paulo: Loyola, 2005.
NACCRATO, M. Dois modelos epistemológicos: platonismo agostiniano e aristotelismo tomista.
vol. 28: Síntese. Belo Horizonte, 2001.

Você também pode gostar