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CONTEMPORÂNEO
Alessandro de Melo
Departamento de Pedagogia – Universidade Estadual do Centro-Oeste
Carina Alves da Silva Darcoleto
Doutora em Educação Escolar – Universidade Estadual Paulista-Araraquara
Resumo
Este texto pretende levantar algumas contribuições de Marx para a compreensão e crítica da relação
entre formação humana e educação. Partindo deste pressuposto, objetiva-se verificar, na obra O
Capital, o movimento histórico de desqualificação dos trabalhadores no desenvolvimento das forças
produtivas no capitalismo, nas suas fases da cooperação, manufatura e maquinaria e grande
indústria; buscando nessa base os elementos para discutir a flexibilidade como categoria formativa
dos trabalhadores.
Introdução
O caminho para a formação do trabalhador coletivo teve seu início na primeira forma
capitalista de produção, a Cooperação, a que Marx acentua como sendo a primeira fase da produção
capitalista (MARX, 1998, p. 375). Nesta fase inicial a produção ainda não se distinguia do processo
artesanal, a não ser pelo importante fato de que agora os artesãos, destituídos da propriedade dos
meios de produção, passaram a vender a sua força de trabalho a um capitalista, que os organiza
numa oficina, utilizando basicamente os mesmos métodos de produção. Nas palavras de Marx
(1998, p.375):
Cria-se na cooperação uma força nova, de caráter coletivo, e que consegue revolucionar o
modo de produção em relação ao artesanato. Uma mudança substancial quanto a este aspecto dá-se
pelo rompimento com o valor da mercadoria, que no artesanato era calculado pelo tempo de
trabalho do artesão individualmente. Nas oficinas organizadas pelo capitalista, passa a valer o
tempo de trabalho médio como valor da mercadoria, ou seja, não é mais a destreza individual o
parâmetro para conferir valor à mercadoria, mas sim a destreza média.
Esta modificação coloca para a concorrência capitalista o grande paradigma, ou seja, se
existe na sociedade um tempo médio de produção de determinada mercadoria, os capitalistas
individualmente devem se colocar na concorrência conforme este tempo médio. Segundo Marx
(1998, p. 377):
Marx quis com isso dizer que no capitalismo não é dada a possibilidade da livre escolha do
capitalista sobre o modo como deseja produzir. Para que possa se constituir como concorrente e,
logo, reproduzir-se como tal, cada capitalista precisa necessariamente produzir conforme a média
do trabalho social, determinado pelo desenvolvimento das forças produtivas do período histórico
em que se encontra produzindo e concorrendo. Esta condição é paradigmática porque, na verdade,
revela o movimento real do capitalismo em todo o seu processo de desenvolvimento.
Voltando ao texto de Marx, ressalta-se que, juntamente com estas modificações dadas em
termos estruturais quanto à produção capitalista na cooperação, a figura do trabalhador coletivo é
igualmente gestada. Esse movimento histórico é muito bem captado pelo autor quando este diz que
na cooperação “[...] desfaz-se o trabalhador dos limites de sua individualidade e desenvolve a
capacidade de sua espécie” (MARX, 1998, p. 382).
Nesta passagem está exposta a contradição central do trabalho no capitalismo, ou seja, de
um lado encontra-se um elemento de sua positividade, que é a possibilidade dada ao trabalho
coletivo de poder libertar o homem das amarras naturais, pela possibilidade de produzir condições
materiais de vida em larga escala, e, ao mesmo tempo, o elemento de sua negatividade, ou seja, a
própria materialidade do regime capitalista em que esta potencialidade ocorre, que não tem por
objetivo a coletivização dos produtos do trabalho humano, mas que objetiva a acumulação de
capitais e a reprodução do sistema que a possibilita. Todo o restante do sistema é subordinado a este
objetivo.
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Desse modo, como aponta Kuenzer (1985, p. 48), desde o princípio a relação entre capital e
trabalho se verificou pela heterogestão, ou, nas palavras de Marx (1998, p. 385), “[...] uma vontade
alheia que subordina a um objetivo próprio a ação dos assalariados”. Desde a cooperação, portanto,
a motivação e a conexão dos trabalhos na produção de mercadorias são externas aos trabalhadores,
pertencem ao capital, que ainda ganha gratuitamente a força coletiva gerada no processo de
produção, pois o pagamento é dado apenas aos trabalhadores isolados. Nas palavras de Marx (1998,
p. 382):
Daí que, até mesmo na forma de pagamento da força de trabalho, o capital acaba ganhando
pela gestão coletiva do trabalho unificado na grande oficina. Ademais, este traço é apenas reforçado
pelo desenvolvimento tecnológico, que gera a multiplicação geométrica da capacidade coletiva de
produzir, o que não é refletido no pagamento, aumentando sobremaneira a exploração da mais-
valia-relativa.
A fase seguinte à cooperação, a Manufatura, que Marx denomina de “a forma clássica da
cooperação”, perdurou entre os séculos XIV e XVIII. A manufatura tem como formato o processo
produtivo parcelizado, ou seja, os trabalhadores de ofícios diversos, reunidos numa mesma oficina,
fazem cada qual uma certa parcela do produto final. Até aí não há uma ruptura com o sistema da
cooperação simples, ao contrário, é mesmo sua continuação mais desenvolvida. O que Marx
observa como característico desta fase é que nela se inicia a especialização das atividades, ou seja,
aquele artesão que antes dominava toda a extensão de seu ofício, quando colocado a trabalhar numa
atividade específica, perde, com o tempo, a capacidade que tinha de domínio de todo o ofício
anterior. Marx dá um clássico exemplo deste processo:
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Não caberia aqui, pela falta de espaço para isso, uma discussão dos Manuscritos de 1844, mas vale deixar como
indicação esta importante leitura que esclarece meridianamente a questão da alienação do homem no trabalho sob o
capitalismo, em especial o duplo processo de alienação, ou seja, a alienação em relação ao produto do trabalho e
alienação em relação com o próprio ato de produção, o que gera, por conseqüência, a alienação do indivíduo em relação
ao gênero humano (MARX, 2004).
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Segundo o autor de O Capital, não é somente no interior da produção que a manufatura
causa impactos significativos, mas também no sistema de produção como um todo, e na sociedade
em geral, ao vincular seu desenvolvimento com uma certa divisão territorial e, logo, uma nova
especialização espacial da produção, ligada à oferta de matérias-primas, de recursos naturais
disponíveis etc.
A formação do trabalhador para a manufatura, portanto, não é feita apenas para a divisão
interna da produção, na oficina, mas também pela divisão territorial. Em determinadas regiões passa
a ser demandado certo tipo de trabalhador, diferente de outras demandas regionais, cuja base
produtiva é diferenciada. Marx, assim, afirma que existe uma similaridade entre a divisão técnica do
trabalho e a divisão social do trabalho.
Essa oficina, produto da divisão manufatureira do trabalho, produziu, por sua vez,
máquinas. Estas eliminaram o ofício manual como princípio regulador da produção
social. Assim, não há mais necessidade técnica de fixar o trabalhador a uma
operação parcial, por toda a vida. E caíram as barreiras que aquele princípio
opunha ao domínio do capital. (MARX, 1998, p.424)
O advento da maquinaria, estudada por Marx no Capítulo XIII de O Capital, objetiva tão
somente a maior exploração da mais-valia relativa, o que é mais um passo no desenvolvimento das
formas de produção capitalistas, que não são mais que novas formas que o capital encontra para se
apropriar desta mais-valia. Este movimento constante na história do capitalismo, portanto, não se
pode deixar de lado quando o objeto de estudo são as formas mais contemporâneas de extração da
mais-valia relativa, através da forma flexível de produção, baseada na microeletrônica.
Voltando à questão da maquinaria, esta revoluciona outro aspecto do trabalho, ou seja, nesta
etapa o centro da produção deixa de ser o trabalhador e converge para a máquina que, por sua vez,
tem outro princípio de funcionamento, conforme explica Marx (1998, p. 429):
Quando o homem passa a atuar apenas como força motriz numa máquina-
ferramenta, em vez de atuar com a ferramenta sobre o objeto de trabalho, podem
tomar seu lugar o vento, a água, o vapor etc., e torna-se acidental o emprego da
força muscular humana como força motriz. (MARX, 1998, p.431).
entre outros.
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Com a invenção da máquina a vapor, o capital consegue estabilidade na geração de energia e
independência para ampliar as áreas de implantação das indústrias, dando origem ao processo de
universalização das indústrias para todo o planeta. Outro resultado deste processo foi a
concentração das indústrias nas cidades.
A máquina mecanizada supera a máquina-ferramenta, incorporando várias destas no seu
mecanismo, dando outra conotação e realidade à produção. Neste caso importa apontar o fim da
subjetividade no processo de divisão do trabalho, em que, como na manufatura, o processo era
ajustado ao trabalhador, dada a sua necessária boa relação com a ferramenta. Diz Marx:
Dessa forma, o novo modo de produzir na maquinaria contempla como princípio norteador a
velocidade e os mecanismos típicos da máquina, aos quais os trabalhadores devem se adaptar para
que possam produzir. Ao fazer isso, a produção dá mais um salto na exploração da mais-valia
relativa, pois o ritmo de produção da máquina faz aumentar geometricamente a produção de cada
trabalhador individual durante a sua jornada de trabalho.
Marx ainda avalia outras conseqüências da maquinaria sobre os trabalhadores, como é o
caso do uso do trabalho infantil e das mulheres, possibilitado pelo fato de que a máquina prescinde
da força física. Outros mecanismos utilizados contra o trabalhador, e que aqui somente serão
citados, são o prolongamento da jornada de trabalho, a intensificação do trabalho, o aumento da
velocidade das máquinas e a ampliação do número de máquinas por trabalhador.
Voltando a uma questão somente apontada anteriormente, este caminho aqui percorrido do
desenvolvimento das forças produtivas, da cooperação para a manufatura e, posteriormente, para a
maquinaria, constitui-se, de fato, na materialização do processo de alienação do trabalhador no
âmbito do trabalho na sociedade do capital. Significa dizer, portanto, que este processo descrito na
sua obra máxima, O Capital, passou por um longo processo de maturação, desde 1844, quando
formulou as teses fundamentais sobre a alienação, e, posteriormente, com o incremento analítico da
divisão do trabalho como causa da alienação, em A ideologia alemã (MARX, 1984).
Sem dúvida que percorrer este caminho teórico e metodológico marxiano é de grande valia
para compreender sua força como referência para as pesquisas e reflexões sobre a
contemporaneidade.
Referências
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