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ANPOCS
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
em Ciências Sociais
52
Neste numero:
Globalização e Trabalho
Participação Política e Genêro
Movimentos Sociais
Mercado no Leste Europeu
Futebol e Teoria Social
ISSN 1516-8085
bib
Revista Brasiíeira de Informação Bibliográfica
em Ciências Sociais
BIB —Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (ISSN 1516-8085) é uma
publicação semestral da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
(ANPOCS) destinada a estimular o intercâmbio e a cooperação entre as instituições de ensino e
pesquisa em Ciências Sociais no país. A BIB é editada sob orientação de um editor, uma comissão
editorial e um conselho editorial composto de profissionais vinculados a várias instituições brasi
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ISSN 1516-8085
bib
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
em Ciências Sociais
Sumário
Clara Araújo, doutora em Sociologia pelo Instituto de Fiolosofia e Ciências Sociais(IFCS) da Universi
dade Federal do Rio de Janeiro, é professora do Departamento e do Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Suas pesquisas envolvem os temas
das relações de gênero, com um foco particular sobre o estudo da participação política e das relações de
trabalho, da cidadania e das políticas de identidade. É autora de vários artigos sobre participação políti
ca por gênero e sobre ações afirmativas.
Fabiano Toni, doutor pela Universidade da Flórida, é professor adjunto do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Celso F. Rocha de Barros é bolsista de doutorado pelo CNPq junto ao Departamento de Sociologia da
Universidade de Oxford. E mestre em Sociologia pela Unicamp e ex-bolsista do Programa de Formação
de Quadros Profissionais do Cebrap. Pesquisa o processo de transição pós-socialista no Leste Europeu.
Pode ser contactado em celso.barros@sociology.ox.ac.uk.
Luiz Henrique de Toledo, doutor em antropologia social pela USP, é professor adjunto no departamento
de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atualmente atua nas áreas da an
tropologia urbana e da antropologia do esporte. Já publicou os livros Torcidas Organizadas de Futebol
(Anpocs/Autores Associados, 1996), No País do Futebol (Jorge Zahar Editor, 2000) e Lógicas no Futebol
(Hucitec/Fapesp, 2002), além de artigos em revistas acadêmicas.
Edna Castro é pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal
do Pará (UFPA).
Globalização e Trabalho: Uma Resenha da Literatura
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BIB, São Paulo, n° 52, 2o semestre de 2001, pp. 5-44
conteúdo das trocas. Desde o pós-guerra e de corporações multinacionais tanto da in
principalmente a partir dos anos de 1970, o dústria quanto do setor financeiro.
comércio internacional foi sustentado sobre Em quarto, o crescente investimento
tudo pelos bens manufaturados, mas a partir externo realizado pelas grandes empresas mul
de meados da década de 1980, seu cresci tinacionais é considerado como um dos mais
mento deveu-se ao comércio de serviços importantes fatores que impulsionam a glo
financeiros e de telecomunicações. balização da atividade econômica (Wadding
Em segundo, a desregulamentação e in ton, 1999, p. 7). Ele é acompanhado de um
ternacionalização dos mercados financeiros crescente poderio e concentração da produ
que ocorreu de forma muito rápida a partir ção em corporações multinacionais gigantes,
do começo dos anos de 1980. A intensifica que constituem agentes centrais na difusão
ção dos fluxos financeiros, que operam hoje tanto das novas tecnologias de informação
em tempo real, superando distâncias e fron quanto das inovações gerenciais. As tentativas
teiras, foi impulsionada pelas medidas de destas corporações em realizar um único regi
liberalização dos mercados financeiros, até me de produção em todas as suas plantas no
então fortemente regulados no plano nacio plano internacional leva a uma maior integra
nal, e pelas inovações tecnológicas relativas ção da produção em escala global e à emer
ao tratamento e transmissão de informações. gência de novos paradigmas produtivos. A
Estas novas condições tornaram o capital globalização da produção foi também realiza
financeiro mais móvil e desenraizado, altera da por meio da extensão internacional d.as
ram as relações entre credores e investidores cadeias de fornecedores e de subcontratação,
e “levaram a uma maior autonomia entre os através de arranjos baseados no controle indi
rendimentos dos investimentos financeiros e reto (Waddington, 1999, p. 11).
especulativos e as taxas de lucro da produ Conseqüência importante da intensifi
ção nacional”. (Waddington, 1999, p. 6) A cação do comércio internacional e do cresci
volatividade adquirida por este capital, que mento do investimento externo direto é a
significa a busca da otimização dos seus ren mudança no caráter da divisão internacional
dimentos no curto prazo em escala mundial, do trabalho. Para muitos autores, a divisão
interfere no funcionamento das bolsas de do trabalho em um mundo globalizado dá-
valores, dos mercados de títulos públicos e se de modo desigual, com a concentração da
de divisas e, portanto, na condução das polí produção baseada em capital intensivo e alto
ticas econômicas pelos diferentes Estados valor agregado nos países da tríade (Europa,
nacionais. Nesta medida, o capital financei América do Norte e Japão/Ásia do Leste) e
ro internacional, como observa Boyer (2000, da produção baseada em trabalho intensivo e
p. 19), constitui “um contra-poder, aparen baixo valor agregado nos países em desenvol
temente anônimo mas potente/poderoso”. vimento. Esta distinção, identificada como
Em terceiro, a revolução tecnológica nos divisão Norte/Sul ou Primeiro e Terceiro
transportes, nas comunicações e no proces Mundos, foi modificada na última década
samento e transmissão de informações além com a industrialização de países menos de
de reduzir o tempo e as distâncias e permitir senvolvidos como os países do Leste asiático,
o estabelecimento de relações/conexões com a dispersão da produção das multina
supraterritoriais, transforma o que é produ cionais inclusive em áreas menos desenvolvi
zido e o modo de produzir. A tecnologia da das do globo e pelo fato de alguns dos países
informação tornou-se cada vez mais interna menos desenvolvidos conseguirem melhorar
cionalizada, pois sua difusão ocorreu muito seus ganhos decorrentes da produção e da
rapidamente, impulsionada pelas atividades exportação de produtos primários.
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Cada uma dessas mudanças tem conse defesa da inexorabilidade e imutabilidade do
qüências importantes para o trabalho e os processo de globalização, visto como uma
trabalhadores. No entanto, as diferenças na nova era na história da humanidade. Esta
definição do fenômeno da globalização im vertente vê a globalização como um fenôme
plicam modos distintos de identificação e no fundamentalmente econômico, que pro
qualificação de suas relações e conseqüências voca a desnacionalização das economias por
para o trabalho. As múltiplas interpretações, meio do estabelecimento de redes transna-
por contemplarem questões relativas ao cará cionais de produção, comércio e finanças.
ter, à extensão e à história da globalização, O termo foi empregado em 1983 por
fazem com que a relação entre esse conceito Levitt (1983 apud Boyer, 2000) para indicar
e as mudanças no mundo do trabalho seja a convergência dos mercados no plano mun
também concebida de diferentes maneiras. dial, e posteriormente estendido por Ohmae
Esta resenha está dividida em duas par (1990) para pensar o papel das empresas
tes: na primeira, identificaremos os principais multinacionais e a integração global da pro
enfoques no que diz respeito à definição de dução. Para este autor, a crescente facilidade
globalização (seu caráter e escala), suas causas com que corporações multinacionais se mo
e suas conseqüências; na segunda, discutire vem através das fronteiras nacionais e transfe
mos nossa compreensão de como deve ser tra rem capitai e produção para outros países, a
tada a relação entre globalização e trabalho. redução do custo e o aumento da velocidade
das comunicações internacionais, o desenvol
vimento de cadeias internacionais de forne
Os Hiperglobalistas cedores {global sourcing) e o fato de muitas
empresas passarem a empregar um quadro
O debate sobre a noção de globalização internacionalmente móvel de gerentes signi
tem se desenvolvido a partir de um conjunto fica que as companhias multinacionais tor-
de questões que podem ser assim resumidas: nam-se cada vez mais independentes de seus
a) definição: a natureza e as especificidades países de origem, ou seja, tornam-se stateless.
do fenômeno; b) medida: evidências e indi (“sem Estado”) (Ohmae, 1990). Isto implica
cadores empíricos relativos à presença e ex que a natureza da difusão de inovações atra
tensão do fenômeno; c) cronologia: dúvidas vés das fronteiras é moldada mais pelas forças
sobre a novidade do processo e sua periodiza do mercado global e da mudança tecnológica
ção; d) explicação: globalização como um do que pelas características específicas de
processo explicativo ou como aquilo que cada país (Edwards, 1998). O resultado é
deve ser explicado; e) julgamento normativo: uma crescente integração do mercado mun
os efeitos (positivos ou negativos) da globali dial e a convergência das práticas empresa
zação para nações, Estados, classes e grupos. riais e formas de organização da produção.
A partir destas questões é possível iden Nesta economia “sem fronteiras” ( borde-
tificar quatro posições neste debate: 1) os less), as empresas transnacionais, como agen
hiper-globalistas ou radicais, que surgem tes propulsores da globalização, procuram
numa primeira onda da literatura sobre redefinir em seu proveito as regras do jogo
globalização (Hay e Marsh, 2000); 2) os cé que eram antes impostas pelos Estados-na-
ticos ou regeicionistas; 3) os transformacio- ção. Os governos nacionais perdem de forma
nistas; e 4) os críticos. crescente a capacidade de controle sobre a
Os hiperglobalistas (Held et a i, 2000b) sua política econômica e de responder por
—ou radicais, como Giddens (1999) os de seus próprios recursos às demandas dos cida
nomina, podem ser identificados pela sua dãos. A autoridade e legitimidade dos Esta
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dos nacionais são ameaçadas e sua soberania cial se tornam cada vez mais difíceis de sus
é reduzida na medida em que instituições de tentar (Held et al., 2000b, p. 4).
governança nos planos local, regional e glo Os hiperglobalistas portanto, tanto na
bal adquirem papéis cada vez mais impor sua variante neoliberal quanto na variante
tantes. Além disso, esta vertente argumenta marxista, compartilham uma visão determi
que constrangimentos impostos pelos fluxos nista que busca nas “forças impessoais do
financeiros e pela competitividade no mer mercado” ou nas “mudanças estruturais do
cado global tornam insustentáveis as políti capitalismo” a explicação para o processo de
cas de proteção social dos Estados de bem- acelerada globalização, que vêem como ho-
estar e impõem a todos os governos nacio mogeinizador e inexorável.
nais a adoção de políticas econômicas de Assumindo uma posição globalista mais
corte neoliberal (Held et al., 2000b). moderada, a partir de um perspectiva neo-
No interior dessa vertente é possível marxista, Castells (1996) considera que o
identificar duas variantes, uma neoliberal e processo de globalização do final do século
outra de extração marxista, que divergem XX reflete mudanças profundas na dinâmica
principalmente no que diz respeito à avalia do capitalismo.2 Ele identifica o surgimento
ção das conseqüências da globalização. de um “capitalismo informacional e global”,
A posição neoliberal vê a emergência do e “uma sociedade de redes” (the network so-
mercado global e a competitividade global ciety), na qual as redes podem ser definidas
como elementos impulsionadores do pro como interações padronizadas e regulariza
gresso e festejam o triunfo das forças impes das entre agentes independentes, núcleos de
soais do mercado sobre o poder estatal. Sua atividades e/ou posições de poder. Como os
visão otimista os leva a ressaltar os benefícios hiperglobalistas ele entende a globalização
em termos de maior eficiência e bem-estar como uma nova realidade histórica marcada
que a emergência de uma economia global pela integração dos mercados financeiros e
propaga pelo mundo. Como a competitivi por uma grande mobilidade do capital im
dade global não produz necessariamente re pulsionada pelas novas tecnologias. A econo
sultados de soma zero, a globalização, na vi mia global é vista como “uma economia ca
são dos mais entusiastas, não produziria nem paz de operar como uma unidade em tempo
vencedores nem perdedores absolutos (Oh- real numa escala planetária” (Castells, 2000).
mae, 1990). Efeitos políticos positivos são
também vistos como uma conseqüência da
integração global na medida em que a “har A Literatura Crítica: Os Céticos
monização institucional das políticas comer
ciais, dos sistemas fiscais, das estruturas de Em resposta à visão mais otimista ex
propriedade” requerem o estabelecimento de pressa pelos hiperglobalistas surgiu uma lite
normas internacionais (Busch, 2000, p. 30). ratura crítica que recusava a idéia da presen
Para os marxistas a globalização significa ça de um processo acelerado, inexorável e
o triunfo da forma opressiva do capitalismo homogeinizador de globalização sustentado
global. Eles discordam da visão otimista ex por corporações transnacionais e por um
pressa pela variante neoliberal, argumentan mercado genuinamente global.
do que o capitalismo global cria áreas de ex Os céticos, como ficaram conhecidos,
clusão reforçando desigualdades tanto entre desenvolveram uma crítica rigorosa, que con
países quanto no seu interior. No entanto, tribuiu para decompor e desmistificar o con
concordam com aqueles quanto ao fato de ceito de globalização. Para Hay e Marsh
que as políticas tradicionais de proteção so (2000), esta “segunda onda” constituiu “uma
refutação devastadora” da tese neoliberal da cia da atividade econômica verificados a
globalização. Apesar de ser possível identifi partir de meados dos anos de 1970 não
car nesta vertente um número de autores de constituem uma novidade sem prece
distintas extrações teóricas, vamos nos basear, dentes, pois o nível de abertura e inter
para um resumo de suas principais teses, dependência da economia internacional
principalmente no trabalho mais representa era muito maior no período pré-Primei-
tivo deste esforço crítico, o de Paul Hirst e ra Guerra do que em qualquer outro
Grahame Thompson, e de forma marginal período. Assim, se comparados histori
também em um representante da escola regu- camente, os fluxos internacionais de
lacionista francesa, Boyer.3 capital, de comércio e de migrantes,
Os céticos recusam a visão de globaliza tanto em relação aos níveis do PIB
ção exposta pelos globalizadores mais extrema quanto em escala geográfica são, na eco
dos como um mito. Eles contrapõem a nomia internacional pós-1970, bem in
concepção de uma economia globalizada feriores aos verificados no período de
àquela de uma economia internacional, pensa 1890-1914.
das, ambas, como tipos ideais. Na economia b) Companhias verdadeiramente transna-
global, as economias nacionais são permeadas cionais são raras. A prática da maioria
e rearticuladas pelo sistema econômico inter das corporações multinacionais mostra
nacional, que se torna autonomizado e social que elas permanecem enraizadas nas
mente desenraizado, na medida em que cresce suas economias nacionais ou regionais
a interdependência econômica sistêmica entre de origem, tanto em termos de produ
os países e a produção e os mercados tornam- ção e de vendas (na medida em que 65
se genuinamente globais. a 70% do valor adicionado continua a
Em contraste, numa economia interna ser produzido nos seus países de ori
cional as entidades principais continuam gem) como de financiamento.4 Este é
sendo economias nacionais, mas estas um padrão de funcionamento muito
tornam-se crescentemente interconectadas distinto das corporações “sem Estado” e
por meio do comércio internacional e do marcadas por alta mobilidade ideadas
investimento externo. A forma de interde por Ohmae (stateless footloose compa-
pendência entre as economias nacionais nies). Além disso, as multinacionais tem
implica uma relativa separação das dimen estratégias distintas no que diz respeito
sões doméstica e internacional, tanto no que à expansão de suas atividades no exte
diz respeito à elaboração de políticas e à rior e à localização de suas bases de ino
regulação, quanto aos impactos de eventos vação tecnológica (P&D) e, argumen
econômicos, pois eventos internacionais são tam Hirst e Thompson (1999: 95), as
filtrados através de processos e políticas na evidências mostram que essas estraté
cionais (Hirst e Thompson, 1999, p. 8). gias são marcadas fortemente pelos
O estabelecimento destes tipos ideais sistemas produtivos e pelas regulamen
permite pensar a possibilidade da combina tações fiscais de seus países de origem.
ção dos dois na realidade. No entanto, para
c) No que diz respeito à questão da gover
esses autores esta hibridização não está ocor
nança, na medida em as multinacionais
rendo. Sua refutação da tese da globalização
permanecem atadas aos seus países ou
pode ser resumida nos seguintes argumentos:
regiões de origem e em que os sistemas
a) Os níveis de abertura dos mercados, de de negócios, de produção e de tecnolo
internacionalização e de interdependên gia permanecem nacionalmente enraiza-
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dos, instituições nacionais ou subnacio- que lidera o processo de inovação, uns
nais continuam sendo importantes na poucos que são seus seguidores e um
regulação e monitoramento das ativida grande número de excluídos, abando
des destas corporações. nados à sua própria sorte. O que se
d) As afirmações relativas à mobilidade do observa é a reconstituição de uma hie
capital são também exageradas quando rarquia de espaços produtivos e um
se leva em conta que o investimento ex aumento ainda maior das especializa
terno direto é altamente concentrado ções tecnológicas. “Globalização não
nas economias capitalistas avançadas, e significa, portanto, homogeinização
com exceção de alguns países em desen dos espaços mundiais, mas ao contrá
volvimento que recebem uma pequena rio, diferenciação e especialização” (Bo
parte deste investimento, os países do yer, 2000, p. 26).
Terceiro Mundo permanecem excluídos • O sistema financeiro conheceu uma in
tanto do investimento quanto do co ternacionalização sem precedentes, mas
mércio internacional. Como, além dis os sistemas nacionais continuaram a ter
so, tanto os fluxos de investimento diferenças significativas no que diz res
quanto os fluxos comerciais e financei peito à regulação dos mercados finan
ros permanecem concentrados nos paí ceiros. O mesmo pode ser dito de outras
ses da Tríade (Estados Unidos, Japão e variáveis relativas ao mercado de traba
Europa), o que ocorre é muito mais um lho como a formação profissional e a
processo de regionalização ou de triadi- contratualização das relações de traba
zação do que de globalização. lho. Assim, se a financeirização teve
e) Estes três blocos econômicos têm o po impacto importante sobre os objetivos e
der de exercer pressões regulatórias so condições das políticas econômicas
bre os mercados financeiros e outras nacionais, o estilo destas políticas conti
tendências econômicas. Apesar do al nuou fortemente impregnada de especi-
cance e dos objetivos da governança fidades nacionais.
econômica ser limitada pelos interesses e * Se os sistemas econômicos nacionais fo
doutrinas econômicas divergentes destes ram transformados e sua autonomia re
grandes poderes isto significa que os duzida pela maior mobilidade do capital
mercados globais estão sujeitos a alguma financeiro e do capital industrial, eles
forma de regulação e controle (Hirst e não desapareceram. Isto significa dizer
Thompson, 1999). que certas escolhas de políticas econômi
cas feitas no passado e no presente con
A estes argumentos, Boyer acrescenta as tam e implicam trajetórias diferentes. O
seguintes críticas: edifício institucional construído ao lon
go do tempo foi mais emendado e re
• Mundialização é um processo que rede composto pela mundialização do que
fine as relações entre centro e periferia, destruído.
de modo que países e regiões inteiras
permanecem excluídos do desenvolvi O Estado-nação não foi minado pela
mento econômico e tecnológico. No onda da competição global, e é um exagero
que diz respeito à inovação tecnológica, dizer que ele entrou em declínio, pois ele
o que se observa é um aumento das de continua a ser “um dos componentes essen
sigualdades entre um pequeno número ciais de um sistema internacional que multi
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plicou as fontes de interdependência sem, no são distintas, pois a presença marcante da
entanto, privar de substância as entidades tríade impõe novas regras do jogo que só
domésticas” (Boyer, 2000, p. 31). podem surgir mediante a negociação com
A partir dessas críticas, tanto Hirst e os Estados Unidos, a Europa e o Japão.
Thompson quanto Boyer concluem que o Ademais, os anos de 1990 foram marcados
termo globalização está sendo abusivamen por lógicas e níveis heterogêneos de regu
te empregado para designar o que é, na ver lação. Além das próprias firmas multina
dade, a continuidade de um processo de in cionais e das regras de direito privado, é
ternacionalização marcado pela intensifica possível distinguir os seguintes níveis de
ção da interdependência entre as economias construção de regras e instituições interna
nacionais. Como lembram os primeiros, cionais: arranjos setoriais estabelecidos por
numa economia internacional, as maiores firmas de um mesmo setor; uma série de
empresas - baseadas nacionalmente - e os acordos comerciais bilaterais exigem uma
maiores centros financeiros e de serviços convenção geral multilateral garantida por
são fortemente orientados para o exterior e uma organização internacional do tipo da
para o desempenho no mercado internacio O M C; zonas econômicas (América do
nal. A economia internacional consiste Norte, Europa, Sudeste asiático); regiona
num mercado mundial aberto baseado na lização ou gestão local dos bens coletivos
interação comercial entre nações e é regula (Boyer, 2000, pp. 41-44).
da tanto pelos Estados nacionais quanto
por agências supranacionais. A Abordagem Transformacionista
No entanto, se para Hirst e Thompson
este processo de internacionalização existe Endereçando suas críticas tanto ao hi-
desde 1870, tendo ressurgido e se amplia perglobalistas quanto aos céticos, os trans-
do continuamente, apesar de momentos formacionistas (assim nomeados por Held et
de recuo (como o da crise de 1930), para a í, 2000b, p. 7) consideram a globalização
Boyer seria um erro afirmar a identidade como um processo historicamente sem pre
da configuração internacional do final do cedentes e como uma força transformadora
século X X com a de outros períodos histó poderosa que está sacudindo sociedades,
ricos anteriores. Para este autor, portanto, economias e a ordem mundial (Giddens,
o processo de mundialização tem- um con 1996 apud Held et al., 2000b).
junto de novidades que o distinguem de Contra a posição dos céticos de que a
outros momentos de intensa internaciona globalização da economia no final do sécu
lização. Como aspectos distintivos deste lo XX não é especialmente diferente do pro
processo ele destaca: 1) o sistema financei cesso de internacionalização existente em
ro internacional não tem a mesma estabili períodos anteriores, principalmente se com
dade estrutural verificada sob o regime do parada com o período que antecedeu a Pri
padrão ouro; 2) o movimento de abertura meira Guerra Mundial, Giddens (1999, p.
das fronteiras que ocorreu de 1967 a 1996 10), por exemplo, vai afirmar que a “globa
não tem paralelo em períodos anteriores; lização, como nós a experimentamos, não é
3) o vigor do processo de industrialização apenas nova, mas revolucionária”. Outros
dos países do Leste asiático e o fato de os autores vão propor uma abordagem sócio-
países de velha industrialização verem sua histórica que evita tanto a presunção de que
participação na produção mundial decli globalização é um fenômeno totalmente
nar continuamente; 4) as condições de novo quanto a de que não há nada de novo
emergência das novas regras internacionais nos níveis atuais de interconexões econômi
11
cas, políticas e sociais globais (Held et a i, zação refere-se a processos espaço-tempo-
2000, p. 17; Scholte, 2000). Para eles, ape rais de mudanças que transformam a orga
sar de existirem importantes continuidades nização dos afazeres humanos na medida
entre as fases históricas anteriores da globa em que vinculam e expandem a atividade
lização e a fase atual, esta “constitui uma humana através de regiões e continentes.
forma histórica distintiva, a qual é um pro Este conceito implica 1) a extensão de ativi
duto de uma conjuntura única de forças so dades econômicas, sociais e políticas através
ciais, políticas, econômicas e tecnológicas de fronteiras (compressão do espaço), que
(H eld, McGrew, Goldblatt e Perraton, pode se dar por meio da ampiiação de redes
2000, p. 429). Estes autores criticam tam de atividades sociais e de poder e da possi
bém o uso de evidências quantitativas para bilidade de ação à distância; 2) a intensifica
comprovar ou negar a existência da globali ção de padrões de interações e fluxos que
zação, pois estão interessados em explicar as transcendem os limites das sociedades e dos
mudanças qualitativas por ela promovidas Estados nacionais; 3) o aumento da veloci
nas relações sociais e no exercício do poder dade das interações sociais, da difusão de
e que não podem ser apreendidas apenas idéias, bens, capital, informações e pessoas
por meio de dados estatísticos. (compressão do tempo), impulsionado pelo
Partindo de um enloque weberiano (in desenvolvimento tecnológico nos sistemas
dividualismo metodológico) e da crítica ao de transporte e de comunicações; 4) o im
determinismo econômico presente tanto nas pacto de eventos distantes sobre localidades
análises dos globalistas quanto dos céticos, os é majorado e o desenvolvimento dos even
transformacionistas entendem a globalização tos mais localizados podem ter conseqüên
como um conjunto de processos históricos cias globais importantes, o que significa
contingentes e marcados por contradições. que há um aprofundamento do envolvi
Para esta vertente, a compreensão desse pro mento entre o local e o global (Held, et a i,
cesso de mudanças exige a consideração da 2000b, p. 15).
transformação da espacialidade e da tempo Para os autores desta corrente, a globali
ralidade das relações e interconexões nas dis zação é um processo diferenciado que ocorre
tintas dimensões da atividade humana. em todas as dimensões centrais da atividade
Giddens (1990) define globalização social, ou seja, ela é ao mesmo tempo políti
como “distanciamento no tempo/espaço” e ca, tecnológica, cultural e econômica. As in
afirma que na era moderna o nível deste dis terconexões globais emergem como “teias e
tanciamento é mais alto do que em qual redes complexas de relações entre comunida
quer outra época, pois há uma crescente ex des, Estados, instituições internacionais,
pansão das relações entre o local e as formas organizações não governamentais e corpora
e eventos sociais distantes. A globalização ções multinacionais que fazem a ordem glo
refere-se a esta expansão bem como à inten bal” (Held et a i, 2000b, p. 27).
sificação no âmbito mundial das relações A influência do individualismo meto
sociais que vinculam localidades distantes, dológico, que é predominante nesta corren
de forma que acontecimentos locais são te, leva os transformacionistas a pensar a
influenciados por acontecimentos de regiões globalização como um conjunto de proces
distantes e vice-versa. sos que são moldados por fatores conjuntu
Held, McGrew, Goldblatt e Perraton, rais e que definem uma estrutura em evolu
assumindo uma posição muito semelhante ção que tanto impõe constrangimentos
à de Giddens, desenvolvem de forma mais quanto fortalece Estados, comunidades e
detalhada esta definição. Para eles, globali forças sociais. A globalização é, nesse senti
12
do, vista como um processo de “estrutura os principais atores na economia global. A
ção”, na medida em que é “um produto tan expansão da influência destas corporações
to de ações individuais quanto das intera traz no seu bojo uma expansão dos mercados
ções entre um sem-número de agências e financeiros e de commodities. Mas como a
instituições”. (Held et al., 2000b, p. 27). economia capitalista não é constituída ape
Os transformacionistas não defendem nas pelo mercado e envolve a transformação
um destino histórico determinado para a glo da força de trabalho que se insere em rela
balização nem avaliam os desenvolvimentos ções de classe, em mercadoria, esse processo
presentes com base em um tipo ideal, seja ele tem implicações para as desigualdades inscri
de um “mercado global perfeitamente inter- tas no processo de globalização (Giddens,
grado”, seja de uma sociedade global. Como 2000, pp. 94-95).
são processos contraditórios, marcados por No que diz respeito à influência de qual
tendências conflitantes e até opostas, seu re quer Estado individual na ordem política glo
sultado não é necessariamente um conjunto bal, Giddens vai mostrar que ela é fortemen
de mudanças atuando numa única e mesma te condicionada pelo nível de sua riqueza ma
direção. A trajetória futura da globalização é terial e de sua força militar. No entanto, os
vista, portanto, como incerta. Estados não se movem apenas por considera
No que diz respeito à explicação das ções econômicas mas como atores, que deri
causas da globalização ou de suas forças mo vam seu poder de sua capacidade soberana e
trizes, ao contrário de boa parte da literatura tem envolvimentos estratégicos ou alianças
que procura identificar um único imperati com outros Estados. Um aspecto da natureza
vo, como o imperativo expansionista do contraditória da globalização se expressa no
mercado ou do capitalismo ou ainda a mu fato de que a perda de autonomia de alguns
dança tecnológica, os transformacionistas Estados é freqüentemente acompanhada do
buscam construir uma explicação mais com aumento da autonomia de outros, como re
preensiva do fenômeno da globalização, sultado de alianças, guerras ou mudanças eco
como produto de uma combinação comple nômicas e políticas de diversos tipos.
xa de fatores que abarcam as mudanças eco Quanto à ordem militar internacional,
nômicas, tecnológicas, culturais e políticas. este autor chama atenção para a necessidade
Giddens distingue quatro dimensões ex de se analisar as conexões entre as alianças
plicativas da globalização: a economia capi entre Estados, a industrialização da guerra e
talista mundial, o sistema de Estados nacio o fluxo de armamentos e técnicas de organi
nais, a ordem militar mundial e o desenvol zação militar entre distintas regiões do glo
vimento industrial. As duas primeiras estão bo. A globalização do poder militar também
conectadas de vários modos pois, se de um diz respeito à guerra. E as duas guerras
lado as políticas econômicas domésticas e in mundiais do século XX mostraram o modo
ternacionais dos Estados envolvem muitas como conflitos inicialmente localizados po-
formas de regulação da atividade econômica, .dem se transformar em uma questão mun
de outro, as corporações transnacionais têm dial (p. 96).
grande poder econômico e capacidade de in A quarta dimensão diz respeito à expan
fluir sobre a elaboração de políticas tanto são da divisão internacional do trabalho im
nos seus países de origem quanto em outras pulsionada pelo desenvolvimento do indus
regiões nas quais estão envolvidas. Assim, se trialização. A expansão da interdependência
os Estados-nação são os principais atores na global ocorrida desde a Segunda Guerra
ordem política mundial, as corporações (em Mundial levou a mudanças na distribuição
presas industriais, financeiras e bancos) são da produção no mundo, com a desindustria-
13
lização de regiões/países desenvolvidos e uma da produção dos países da OECD para paí
industrialização recente de países do terceiro ses em desenvolvimento e mesmo países de
mundo. A acelerada interdependência tor baixa rénda na busca da redução dos custos
nou mais difícil para países capitalistas regu do trabalho. Na medida em que a competi
larem suas economias nacionais, sendo esta ção global se intensificou, foi crescente o
uma das razões do declínio das políticas de movimento das multinacionais de reduzir os
corte keynesiano. Uma das conseqüências do postos de trabalho nos seus países de origem
industriaiismo e' a difusão em todo o mundo e expandir o emprego nos países de mais bai
de novas tecnologias, principalmente das tec xos salários. A pressão para a redução de cus
nologias da comunicação. Estas tecnologias tos do trabalho levou, nos países de origem e
influenciaram todos as dimensões da globali em muitos dos países hospedeiros, a uma re
zação, inclusive a globalização cultural, as dução crescente dos benefícios sociais e a
pecto fundamental que está por trás de todas transferência do fardo na sustentação dos sis
as dimensões institucionais já mencionadas temas de previdência para os trabalhadores.
(Giddens, 2000, p. 97). Mas como as multinacionais têm papel
No que diz respeito aos impactos da glo central na inovação e difusão tecnológica e
balização, os transformacionistas rejeitam a necessitam ter acesso à tecnologia e trabalho
qualificado, a transferência da produção
idéia da convergência global ou da emergên
para outros países tem de levar em conta es
cia de uma única sociedade global, pois para
tes fatores. Se o uso de novas tecnologias
eles a globalização não tem como conseqüên
pode ser feito com o emprego de trabalhado
cia uma crescente homogeineidade ou har
res com baixos salários dos países em desen
monia. Ao contrário, ela está associada a no
volvimento, a relocalização da produção
vos padrões de estratificação, que tem tanto
pode ser vantajosa. Nesse sentido, “a globali
uma dimensão social quanto uma dimensão
zação da produção pode contribuir para am
espacial. A primeira refere-se à desigualdade,
pliar os diferenciais de salários entre traba
ou seja, aos efeitos desiguais do processo de
lhadores qualificados e não qualificados tan
globalização nas condições e chances de vida to no interior de um país e entre países”
de povos, classes, sexos e grupos étnicos. A (HeJd et aL, 2000b, p. 279).
segunda refere-se à hierarquia, ou seja, à assi Se ocorresse uma redução dos custos de
metria no acesso ao controle sobre as infra-es- transferência da produção seria possível es
truturas e redes globais. Este acesso desigual perar que os salários fossem cada vez mais
significa que alguns Estados e comunidades se determinados pela competição global e que
envolvem de forma crescente na ordem glo ocorresse, no médio prazo, uma forma não
bal, enquanto outros são excluídos. A globali absoluta de convergência dos salários no
zação, segundo os autores desta corrente, plano mundial. No entanto, levando-se em
altera (remodela) as configurações tradicio conta a resistência dos movimentos de traba
nais de poder entre países, superando a divi lhadores em diferentes países e sua capacida
são Norte/Sul ou entre Primeiro e Terceiro de de extrair concessões das empresas, é im
Mundo, na medida em que novos padrões de provável que esta convergência dos salários
inclusão e exclusão estão presentes em todas ocorra. Mas os autores aqui considerados
as sociedades e regiões do mundo (Held et observam também que nas condições da glo
a i, 2000b; Giddens, 1999). balização, o balanço de poder entre trabalha
Quanto ao trabalho e ao emprego, a ha dores e capital multinacional modificou-se
bilidade das corporações multinacionais de nitidamente em favor do último.
organizar produção transnacionalmente le Um outro argumento central desta cor
vou, em muitos setores, a uma transferência rente no que concerne aos impactos estrutu
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rais da globalização, refere-se ao fato de este da globalização ao percebê-la como um fe
processo reconfigurar as funções e o poder nômeno social multifacetado e diferenciado,
dos Estados nacionais. Embora reconhecen que se desenvolve nos distintos domínios da
do que os Estados nacionais continuem po vida social. Deste modo, eles procuram rom
derosos e podem ainda reclamar legalmente per com as visões que reduzem o fenômeno
autoridade soberana sobre o que ocorre den apenas à dimensão econômica ou a uma ló
tro de seus territórios, os transformacionistas gica linear simples ou a dados estatísticos.
observam que a autoridade estatal convive No entanto, os transformacionistas são críti
de forma crescente com instituições de go cos moderados das conseqüências ou impac
vernança internacional (da União Européia e tos da globalização. Giddens, como o-teóri
da OM C), que lhes são justapostas, e com os co da “Terceira Via”, critica a estratégia do
constrangimentos e obrigações impostos protecionismo como alternativa aos impac
pela legislação internacional. tos perversos da crescente competitividade
Para esta corrente, a globalização é asso global e em muitas de suas conclusões apro
ciada com a desterritorialização e com a xima-se da visão dos hiperglobalistas. Tam
retorialização das atividades econômicas e bém Held et al. (2000b, p. 279), apesar de
políticas, processos estes que correspondem afirmarem a incerteza da trajetória futura da
à emergência, no plano global, de “organiza globalização, aproximam-se da visão mais
ções econômicas e políticas não-territoriais otimista associada à versão neoliberal esposa
tais como multinacionais, movimentos so do por parte dos hiperglobalistas, ao consi
ciais transnacionais, agências reguladoras in derar a possibilidade de uma convergência
ternacionais etc.” (Held et a l 2000b, p. 9). dos preços e dos salários como resultado da
No plano político, isto tem como conse ação das corporações multinacionais e da
qüência o surgimento de um novo “regime competitividade no mercado global.
de soberania”, no qual o poder se torna mais
difuso entre agências públicas e privadas de
governança nos âmbitos local, nacional, re O Desenvolvimento de uma Análise Crí
gional e global. Isto não significa que o po tica Alternativa
der dos Estados nacionais foi reduzido pela
globalização, mas que seu papel e funções es Hay e Marsh, em sua introdução ao li
tão sendo modificados e reestruturados pela vro Demystifying Globalization, depois de
justaposição e intersecção com as distintas “surfarem” pelo que eles denominam a pri
instâncias de governança em um mundo meira e a segunda “ondas” da literatura so
cada vez mais interdependente. bre a globalização, identificadas respectiva
Este processo de reestruturação dos Es mente com a literatura empresarial acrítica e
tados nacionais está também relacionado com os textos produzidos pelos céticos,
com o impacto da globalização sobre a to apresentam os textos reunidos neste volume
mada de decisão e elaboração de políticas como uma contribuição para o desenvolvi
públicas, na medida em que torna algumas mento de uma “terceira onda” que se pro
opções de políticas mais custosas e depen põe a “desempacotar” e desmistificar o con
dendo da vulnerabilidade do país ou do go ceito de globalização.
verno às condições globais constrange ou fa No entanto, Hay e Marsh não conside
cilita suas escolhas políticas em maior ou ram a contribuição dos transformacionis
menor grau (Held et al., 2000b). tas. Como estes desenvolvem uma interpre
Os transformacionistas elaboraram as tação teórica mais abrangente e crítica às
sim uma interpretação mais compreensiva concepções tanto da primeira quanto da se
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gunda “ondas”, podem ser considerados de dominante na literatura, tomar a globaliza
como parte de uma “terceira onda” na lite ção como o que deve ser explicado. Isto signi
ratura sobre globalização. fica, para estes autores, recusar tanto as abor
Identifico em Hay e Marsh, em alguns dagens que privilegiam a estrutura quanto as
dos autores reunidos na coletânea por eles que privilegiam a ação dos sujeitos na deter
editada, bem como nos textos mais recentes minação dos resultados. A busca das causas da
de Jessop (1999), Scholte (2000) e MacLean globalização deve identificar os sujeitos envol
(2000) o desenvolvimento de uma interpre vidos e, ao mesmo tempo, dar atenção à es
tação distinta das anteriormente menciona truturação das tendências de globalização.
das pela sua densidade argumentativa e críti Para estes globalistas críticos, portanto, a
ca. Estes autores, ao mesmo tempo em que globalização deve ser compreendida como o
reconhecem a existência e a novidade do pro resultado contingente e tendencial de múlti
cesso de globalização, desenvolvem uma crí plos processos que são, ao mesmo tempo, so
tica aguda tanto dos seus fundamentos e con ciais, econômicos, políticos e culturais. Estes
seqüências, quanto dos postulados e implica processos, que interagem de forma específica
ções das concepções que dominam o debate e contingente e se desenvolvem de forma
acadêmico e político sobre o tema. Por essas desigual no espaço e no tempo, são comple
razões, na falta de um melhor adjetivo, vou xos, contraditórios e freqüentemente sofrem
chamá-los de “globalistas críticos” e penso resistências. Assim, a heterogeneidade e a es
que eles inauguram uma “quarta onda” nos pecificidade das tendências globalizantes é
estudos sobre a globalização. que são ressaltadas na medida em que, fre
Hay e Marsh partem da crítica à concep qüentemente, distintos processos que atuam
ção essencialista ou determinista que vê a glo em uma variedade de escalas espaciais e hori
balização como um processo sem sujeito, e zontes temporais interagem produzindo dife
reifica seus efeitos e conseqüências vistas rentes tendências à globalização em distintos
como homogêneas e universais. Atuando contextos (Hay e Marsh, 2000, p. 11).
como uma força onipresente e onipotente, in Colocada deste modo, a concepção dos
dependentemente das ações e intenções dos globalistas críticos tem vários pontos em co
sujeitos reais, a globalização, nesta concepção, mum com a dos transformacionistas: a visão
é vista como um fator causal e é associada à da globalização como produto de um con
lógica da necessidade e da inevitabilidade. junto de processos contingentes, como um
Estes autores propõem observar a globa processo de estruturação multifacetado, con
lização não como um processo, mas como traditório, cuja trajetória futura permanece
uma tendência, para a qual há contratendên- em aberto, o que supõe resistências e a pos
cias. O desafio posto para os que querem sibilidade de reversão.
contribuir para o desenvolvimento de uma No entanto, seguindo Wincott na sua
concepção crítica, mais integrada e desmisti- crítica aos que ele denomina os “teóricos da
ficadora da globalização, é “revelar a articu globalização complexa”,5 parece-me que os
lação dinâmica e contingente de processos transformacionistas caem, de certa forma, na
em certos contextos espaciais e em determi armadilha da reificação, na medida em que
nados momentos que produzem efeitos que tratam a globalização como se ela fosse uma
podem ser compreendidos como evidências “coisa” real, que poderia ter causas e conse
da globalização” (Hay e Marsh, 2000, p. 6). qüências. Armadilha da qual os “globalistas
Nesse sentido, esta nova concepção não críticos” procuram escapar quando conferem
deve perguntar o que a globalização deve ex à globalização um caráter tendencial que su
plicar, mas revertendo a direção da causalida põe a existência de contratendências.
16
Além disso, e talvez mais importante, os micas e na trajetória de desenvolvimento na
“globalistas críticos” distinguem sua inter região do Pacífico asiático. A autora destaca
pretação da dos transformacionistas pela ên o papel constitutivo do discurso ao mostrar
fase no discurso e na ideologia da globaliza que uma série de “novos orientalismos” con
ção. Tanto Hay e Marsh quanto Wincott dicionam e constrangem os recursos estraté
consideram que globalização só pode ser gicos dos Estados na região. Ela também
tomada como um fator causai que produz examina os contextos estruturais nos quais
“efeitos” quando ela for um discurso, uma formações discursivas específicas são contes
construção social. Assim, apesar de questio tadas e “como possibilidades narrativas estão
narem as visões que conferem papel causal, diferencialmente inscritas em formações dis
explicativo à globalização, é central na con cursivas específicas” (Sum, 2000, p. 106).
cepção destes autores considerar o papel po Um outro elemento que distingue esta
sitivo que as idéias sobre globalização podem vertente das anteriores diz respeito à ênfase
desempenhar na configuração (estruturação) colocada na interação entre as dinâmicas
dos contextos econômicos, sociais e políticos cultural e econômica. Sum, por exemplo,
nos quais vivemos. sugere a necessidade do desenvolvimento
Conscientes de que devem ser cautelo de uma “economia política cultural” (cultu
sos para que esta posição não leve ao privilé ral political economy) que dê conta da inte
gio do plano discursivo, estes autores preo ração complexa e dialética entre as dinâmi
cupam-se em buscar as relações entre as cas discursivas-culturais e os fatores econô
idéias sobre globalização, de um lado, e os micos institucionais. Isto significa que
processos que estas idéias pretendem descre “processos econômicos devem ser situados
ver, de outro. Clammer (2000), estudando o em contextos culturais e compreendidos
Japão, mostra que os efeitos que a globaliza em termos de especificidades culturais, na
ção têm em um contexto nacional específico medida em que o processo de mudança não
manifestam-se geralmente através das res reside em um momento (o econômico)
postas que produzem. Mas estas não são res nem no outro (o cultural), mas na interação
postas à globalização per se, mas a um enten dos dois” (Hay e Marsh, 2000, p. 13).
dimento específico ou a uma construção É possível, por fim, afirmar que o enfo
particular sobre a globalização. que distintivo dos “globalistas críticos” tem
Assim o próprio discurso sobre globali por base uma certa heterodoxia marxista -
zação pode servir para produzir os efeitos com exceção de Scholte —e, em alguns dos
que este mesmo discurso atribui à própria autores, uma clara influência gramsciana. Ao
globalização.6 Mas não é apenas desta pers conceber a globalização como uma tendên
pectiva que a questão do discurso é tratada cia para a qual existem contratendências, es
pelos autores desta vertente. Ngai-Ling Sum tes autores tomam a globalização como um
(2000) analisa a dialética complexa da regio- campo de luta e procuram identificar pro
nalização-globalização na região asiática do cessos com sujeitos. Ou, como afirmam Hay
Pacífico, mostrando como ela é mediada dis e Marsh (2000, p. 13), eles compartilham a
cursiva e institucionalmente. Baseando-se na preocupação de “trazer de volta o sujeito
idéia de “orientalismo” como a construção para a análise da globalização”. Isto significa
histórica e discursiva de um “outro” em rela no que diz respeito à relação entre estrutura
ção à auto-identificação do Ocidente, anali e ação, que a política, pensada como ação,
sa o papel dos discursos relativos à relação imaginação e intenção dos sujeitos, tem pa
“comércio-competitividade-desenvolvimen- pel positivo na criação das estruturas que
to” na mediação das relações sociais e econô vão, então, condicionar e limitar as possibi
17
lidades humanas (Piven, 1995 apud Hay e dência à globalização se reflete no crescente
Marsh, 2000). A globalização, nestes termos, alcance espacial das divisões de trabalho em
é vista como o resultado da interação entre diferentes campos e é possibilitada pelas no
grupos, classes, nações, como o produto da vas tecnologias - materiais e sociais - de
ação de sujeitos que fazem a história, mas transporte, comunicação e controle.7 Além
não nas circunstâncias que eles escolhem disso, Jessop considera que, do ponto de vis
(Hay e Marsh, 2000, p. 11). ta estratégico, a globalização envolve tam
Há, no entanto, entre os autores desta bém as tentativas dos atores de realizar, de
vertente nuanças, ou diferentes ênfases no modo continuado, a coordenação global de
que diz respeito à interpretação da globaliza atividades em distintas ordens institucionais
ção, suas causas, manifestações e contradi ou sistemas funcionais. Estas formas de
ções. Vou discutir aqui os trabalhos de três coordenação, que variam muito e não têm
autores que, do meu ponto de vista, são os eficácia garantida, podem incluir, por exem
mais representativos por procurarem desen plo, redes interpessoais, alianças estratégicas
volver uma análise crítica alternativa e mais estabelecidas por firmas transnacionais, a
compreensiva do fenômeno. constituição de “regimes internacionais”
Jessop (1999) e Scholte (2000) enten para o governo de campos de ação específi
dem globalização como uma tendência que cos e projetos para a governança global.
se desenvolve de forma desigual no tempo e Globalização é, para esses dois autores,
no espaço e que envolve um tipo distinto, um fenômeno ao mesmo tempo estrutural e
porque novo na história contemporânea, de estruturante. O “postulado da estruturação”
“compressão espaço-tempo”. Para Scholte significa, para Scholte, que o curso da histó
(2000, p. 48), isto significa que distâncias ria resulta das escolhas dos agentes e de dis
territoriais têm sido cobertas em intervalos posições estruturais que se constituem mu
de tempo cada vez menores. Nas transações tuamente. As forças estruturais estabelecem
e conexões globais, o “lugar” não é mais ter o leque de opções disponíveis para os atores
ritorialmente definido, as distâncias territo em um dado contexto histórico e encorajam
riais são cobertas em tempo zero e as frontei os atores a tomar determinadas decisões ou
ras territoriais não representam mais impedi iniciativas e não outras. Por sua vez, as estru
mentos. Globalização é então entendida turas dependem da acumulação das decisões
como supraterritorialidade, e “descreve cir dos atores para sua criação e perpetuação. A
cunstâncias nas quais o espaço territorial é tendência à globalização desenvolve-se, de
substancialmente transcendido”. acordo com esta concepção, quando as con
Para Jessop, no entanto, estruturalmen dições estruturais estão maduras e quando os
te, globalização envolve tanto time-space agentes tomaram as iniciativas para fazer
compression quanto time-space distantiation. com que as possibilidades para tal desenvol
Enquanto a primeira significa a intensifica vimento de fato se efetivassem.
ção da ocorrência de eventos em tempo real Para Jessop, que focaliza principalmente
e/ou a crescente velocidade de fluxos sobre a globalização econômica, ela deve ser inter
uma dada distância, a segunda, alonga (esti pretada tanto como um “contexto estrutu
ca) relações sociais no tempo e no espaço de ral” mais inclusivo, no qual processos que
modo que eles podem ser controlados/coor- ocorrem em outros níveis econômicos sub-
denados por períodos de tempo mais longos, globais podem ser identificados e inter-rela-
em distâncias maiores ou em múltiplas esca cionados, quanto como um “horizonte de
las de atividade. Neste último sentido, a ten ação” mais amplo para o qual “estratégias de
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acumulação e projetos econômicos podem tituem as condições necessárias tanto para
ser direcionados” (1998, p. 23). iniciar como para acelerar a expansão da su-
Como “contexto estrutural”, a globali-' praterritorialidade. As forças estruturais são,
zação não deve ser vista como um mecanis para ele, a expansão do racionalismo —como
mo causal, mas como um fenômeno emer estrutura dominante do conhecimento —e as
gente e em evolução que resulta de processos mudanças no desenvolvimento do capitalis
econômicos em diferentes escalas. Nesta me mo; enquanto, entre as iniciativas dos atores,
dida, sua natureza depende de processos que são considerados cruciais as inovações tecno
ocorrem em escalas subglobais (local, urba lógicas nas comunicações e no processamen
na, regional, através de fronteiras, nacional e to da informação e o desenvolvimento de
macroregional) que continuam significativas determinadas políticas regulatórias, princi
- mesmo que transformadas - como lugares palmente a adoção de políticas neoliberais
efetivos de atividades econômicas reais. (em especial a liberalização dos mercados),
Além disso, as escalas menores constituem, que influenciaram o tipo atual de globaliza
freqüentemente, lugares-chave de resistência ção (Scholte, 2000, p. 90). Adotando uma
e das contratendências à globalização 0es- perspectiva sistêmica, ele entende que ne
sop, 1999,-Dirlik, 1999).8 nhuma dessas forças tem primazia sobre as
Já horizonte de ação globalização signi
outras, pois cada uma delas, ao mesmo tem
fica “pensar globalmente mesmo quando
po, causa e é causada pelas outras.
agindo localmente, ou em escala urbana, re
Scholte toma a expansão do racionalis
gionalmente ou triadicamente”. Isto signifi
mo como uma das forças estruturais impul
ca a necessidade de se levar em consideração,
sionadoras da globalização, pois entende que
estrategicamente, as implicações espaciais e
a supraterritorialidade não poderia se realizar
em diferentes escalas dos processos globais
sem uma mentalidade que encorajasse o seu
(Jessop, 1999, p. 23).
A globalização, desta perspectiva, não é desenvolvimento. O racionalismo tem qua
vista como um único mecanismo causal, tro características principais: ele é secularista,
mas como uma tendência complexa e con antropocêntrico, tem caráter científico e ins
traditória que resulta de vários processos trumental. Quando se torna uma estrutura
causais. Tanto para Jessop quanto para social dominante, tende a subordinar outras
Scholte, essa tendência surge da inter-relação formas de conhecimento, que são despreza
de condições e impulsos estruturais e das ini das como “irracionais”.
ciativas dos agentes econômicos e políticos. O racionalismo, de acordo com este au
No entanto, estes dois autores adotam pers tor, estimulou o desenvolvimento da supra
pectivas teórico-metodológicas distintas na territorialidade de várias formas, mas princi
sua interpretação das causas da globalização. palmente por ter se constituído como uma
Jessop busca, a partir de uma perspectiva base “ideal” para as outras causas da globaliza
marxista, a explicação das contradições e do ção. Como já nos mostrou Weber, a passagem
movimento desigual de globalização nas de relações sociais orientadas pela tradição
contradições internas ao movimento de va para relações sociais orientadas pela racionali
lorização do capital e à estratégia político- dade acompanhou a passagem do mundo
econômica hegemônica, bem como nas lutas feudal para o mundo capitalista. O racionalis
e resistências à globalização. mo pode ser visto como o “verdadeiro espíri
Scholte, por sua vez, identifica de forma to do capitalismo”. Do mesmo modo, as no
precisa - e esta é uma das suas importantes vas tecnologias da informação desenvolve
contribuições —as forças estruturais e aque ram-se a partir do conhecimento científico e
las ligadas às iniciativas dos atores que cons de “uma vontade antropocêntrica e instru-
19
mentalista de controlar a natureza”. Além dis produção global, redes globais de distribui
so, modernas leis racionais e o desenvolvi ção e a infra-estrutura de comunicações ne
mento da organização burocrática formam cessárias para apoiá-las. Em segundo lugar, a
um o pano de fundo para as medidas regula- contabilidade global, por meio da qual as
tórias que incentivam a globalização. empresas podem alterar seus preços de modo
Para Scholte, o cientificismo e o instru- coordenado no âmbito mundial, de forma
mentalismo contidos no racionalismo incen que seus lucros gerais sejam maximizados.
tivam o movimento de globalização, pois “o Elas podem ainda buscar, em um espaço
pensamento científico é não territorial: as transnacional, lugares de baixa taxação para
verdades obtidas através de métodos objeti concentrar seus lucros ou o ciberespaço para
vos’ são válidas para qualquer um, em qual escapar das obrigações fiscais.
quer lugar e em qualquer tempo” (Scholte, Em terceiro, o global sourcing é visto
2000, p. 95). Ademais, a territorialidade, pelo autor como um meio de fortalecer a
principalmente as fronteiras dos Estados na acumulação, principalmente para as grandes
cionais, contradiz a lógica instrumentalista corporações transnacionais, na medida em
do moderno pensamento econômico, para o que elas podem estabelecer suas facilidades
qual a superação das distâncias e das frontei produtivas onde os custos são baixos e os re
ras são condição para o alcance de uma divi cursos considerados ótimos. Globalização,
são de trabalho mundial mais produtiva. deste modo, dá ao capital uma posição van
Assim, na concepção deste autor, de distin tajosa na medida em que ele adquire uma
tos modos, o pensamento racional tem in mobillidade supraterritorial da qual nem os
centivado o desenvolvimento da imaginação trabalhadores nem os Estados podem usu
global e as várias atividades supraterritoriais fruir. A possibilidade de relocalização do ca
que ela promove. pital através das fronteiras estatais alterou o
Apesar de recusar uma visão materialista poder de barganha em favor do grande capi
ou economicista que explica o desenvolvi tal. Além disso, a globalização permitiu aos
mento da globalização apenas pelas mudan capitalistas, principalmente os baseados no
ças no capitalismo, Scholte considera que a Norte, contrarrestar as estratégias socialistas
acumulação do excedente teve papel central e da economia estadista que, em busca de
na história da globalização. A busca constan uma redistribuição da riqueza mundial, de
te de aumento da acumulação do excedente senvolveram-se sobretudo em países do Sul
tende a submeter mais e mais setores da eco (Asia, África e América Latina) a partir de
nomia à lógica capitalista. Assim, além da meados do século XX.
agricultura, da indústria, do transporte e das Finalmente, em quarto lugar, o desen
finanças, educação, habitação, seguridade so volvimento das comunicações globais e dos
cial, saúde, entretenimento foram incluídos fluxos financeiros, além de fornecer possibi
no circuito de acumulação de capital. lidades adicionais de valorização do capital
O capitalismo impulsiona o desenvolvi através do aumento da produção primária e
mento da globalização de quatro modos. industrial, oferecem por si mesmos gfande
Primeiro, pressionadas pela lógica da acu potencial para acumulação.
mulação capitalista muitas empresas buscam Scholte recusa o determinismo tecnoló
mercados globais como meio de aumentar gico, mas reconhece que a globalização não
seu volume de produção e de vendas, alcan teria sido possível sem a “revolução” tecnoló
çar economias de escala e aumentar suas gica nos transportes, nas comunicações e no
margens de lucros. Empresas capitalistas ti processamento de informações. As inovações
veram grandes incentivos para desenvolver tecnológicas, por sua vez, dependeram das es
20
truturas racionais e capitalistas que criaram os mais fracos. No entanto, as forças estrutu
uma ordem social favorável ao seu desenvol rais impulsionadoras da globalização (racio-
vimento acelerado. Além disso, estas inova nalismo e capitalismo, bem como o desenvol
ções não teriam sido aplicadas em larga esca vimento de novas tecnologias) colocaram os
la sem um quadro regulatório que estabele governantes, mesmo nos Estados mais fortes,
cesse um nível substantivo de padronização sob grande pressão para promover o desenvol
técnica nos planos nacional e mundial. vimento da supraterritorialidade (Scholte,
A “revolução” tecnológica desempe 2000, p. 102). E mesmo governantes contrá
nhou papel central na criação dos espaços rios ao desenvolvimento da globalização su
transnacionais. Os avanços tecnológicos nas cumbiram, pelo menos parcialmente, a uma
telecomunicações e na informática constituí acomodação com esta tendência.
ram instrumentos essenciais para o desenvol A questão parece ser, portanto, que tipo
vimento das comunicações e das transações de políticas e instituições regulatórias os di
financeiras globais, bem como para a coor ferentes governos erigiram na tentativa de
denação global da produção e para o desen governar o movimento de globalização. Se os
volvimento de redes e movimentos sociais governantes não podem negar o crescimento
transnacionais. Estas inovações forneceram, de relações globais, eles, no entanto, têm di
portanto, parte importante da infra-estrutu- ferentes opções para lidar com a direção e a
ra para o movimento da globalização, na velocidade deste processo. Scholte (2000,
medida em que constituíram uma força pro pp. 103-105) identifica quatro principais
pulsora da supraterritorialidade. medidas regulatórias que, adotadas por dife
Scholte identifica nos mecanismos de re rentes governos, contribuem para promover
gulação uma área na qual as iniciativas dos o processo de globalização:
atores são cruciais para o desenvolvimento da
• A padronização técnica e de procedi
globalização. Muitos mecanismos regulató- mentos, que facilita as conexões supra-
rios emanaram dos Estados nacionais, mas territoriais na medida em que as partes
também de instituições regionais ou transna envolvidas seguem as mesmas regras e
cionais criadas pelos Estados. As relações su- rotinas (exemplo importante são as nor-
praterritoriais não se teriam desenvolvido se matizações em todas as áreas da tecnolo
políticas estatais não tivessem sustentado estes gia estabelecidas pela International Or
processos. Globalização e Estados nacionais ganization for Standardization —ISO).
são, portanto, para este autor, não só compa 9 A liberalização dos mercados que levou
tíveis como co-dependentes, mas a chave para ao fim do protecionismo e à eliminação
esta co-dependência são os mecanismos de re de restrições ao livre movimento de di
gulação e não o Estado. Contudo, afirmar nheiro, investimentos, bens e serviços —
que arranjos institucionais e legais encoraja- (mas não de trabalhadores) e teve como
dores são indispensáveis para a expansão das uma de suas conseqüências a criação de
relações globais não significa dizer que os zonas destinadas à produção para expor
policymakers têm escolhas livres, não cons tação (EPZ - export processing zones) que
trangidas. Assim como é verdade que certos impulsionou a globalização da produção.
governos tomam decisões para inibir o avan 0 As garantias de direito de propriedade
ço da globalização (por exemplo, restringindo para o capital supraterritorial, funda
fluxos financeiros, proibindo entrada de soft mental para o desenvolvimento das
wares para Internet), é também verdade que corporações globais.
Estados fortes têm maiores possibilidades de • A criação e legalização, por diferentes
influenciar os rumos da globalização do que Estados nacionais, de organizações
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transnacionais ou multilaterais que hoje Bob Jessop oferece uma contribuição
constituem as agências regionais e singular ao desenvolvimento de uma visão
transnacionais de governança, além da alternativa dos processos que levam à globa
permissão para atuação em vários terri lização. Ele acrescenta à contribuição de
tórios nacionais de associações e movi Scholte a idéia de que a globalização é acom
mentos sociais. panhada de uma “relativização da escala” e
uma crítica mais incisiva do conceito e do fe
Tendo apontado essas quatro causas nômeno que aponta para suas contradições e
primárias da globalização, que são vistas limites internos.
com as condições necessárias para o seu de De acordo com Jessop, o período do
senvolvimento, Scholte reconhece a exis fordismo atlântico foi marcado por uma
tência de outros fatores que contribuíram coincidência espaço-temporal e congruência
para a expansão das relações supraterrito- estrutural entre economias nacionais, Esta
riais, como forças secundárias: a constru dos nacionais e sociedades nacionais. Esta
ção de identidades e comunidades transna dominância da escala nacional, que foi to
cionais, que contribuiu para o desenvolvi mada como um dado da realidade e natura
mento de uma consciência global e levou lizada, dependia de fundações materiais e
distintos grupos a estabelecerem redes de ideológicas específicas, as quais não podiam
comunicação global e a formar associações ser tomadas como dadas. Mas como a dinâ
transnacionais com base nas identidades de mica contraditória da acumulação de capital
classe, gênero, etnia etc. e as lutas nela inscritas escapam das tentati
No entanto, há um conjunto de cir vas de fixá-las em estruturas institucionais
cunstâncias que operam contra o movimen espacial e temporalmente delimitadas, qual
to de globalização e que constituem contra- quer solução, como a que se configurou nos
tendências. Scholte menciona as políticas “trinta anos gloriosos” do pós-guerra, é ins
estatais que procuram limitar os fluxos tável e provisória. Assim, a predominância
globais, as identidades territoriais, as formas da escala nacional neste período de expansão
de conhecimento não racionais e a produ econômica foi minada de vários modos,
inclusive pelos processos, ocorrendo em dis
ção de subsistência que mantém parte da
tintas dimensões espaço-temporais, que con
população do mundo resistente às conexões
tribuem para a tendência de globalização.
transmundiais, assim como as revoltas con
Com a crise do fordismo e as mudan
tra o capitalismo e o racionalismo, que se
ças dela decorrentes, a naturalização da es
opõem à ampliação da supraterritorialidade.
cala nacional foi substituída por uma visão
A presença destas contratendências e de
que considera tanto a importância do “glo
forças sociais alternativas mostra que “globali bal” como escala “natural” de organização
zação não é inevitável” e nem se desenvolveu econômica, quanto diferentes escalas eco
de acordo com uma trajetória predetermina nômicas subnacionais. Estas últimas sur
da. Para este autor, portanto, apenas uma ex gem naturalizadas no discurso que descobre
plicação que considere o desenvolvimento da a importância do local, do urbano e das
supraterritorialidade como o produto históri economias regionais como aquelas que “es
co de um processo de estruturação no qual os tiveram sempre lá”.
atores tiveram iniciativas e escolhas que apesar Para o autor, no contexto das mudanças
de constrangidas, não deixaram de ser signifi do período pós-fordista, o que ocorre é
cativas, permite indicar os fatores ou medidas “uma proliferação de escalas espaciais (ter
que podem influenciar o grau e a direção da restres, territoriais ou telemáticas) e sua re
expansão da globalização. lativa dissociação em hierarquias complexas
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e emaranhadas”, que correspondem a uma vido à sua primazia nos Estados Unidos, à
mistura complicada de estratégias orienta importância dos ajustes neoliberais na
das para diferentes escalas, na medida em maioria dos países capitalistas avançados e
que diferentes forças econômicas e políticas nas economias pós-socialistas e, também,
buscam as melhores condições para sua in por ser ele sustentado por órgãos internacio
serção em uma ordem internacional em nais como O ECD e FMI. Contudo, uma
transformação (Jessop, 1999, p. 24). Assim, estratégia hegemônica pode se mostrar irra
em comparação com o período do pós-guer cional e, apesar da pretensão de universali
ra, o período pós-fordista é marcado pela dade, promover interesses particulares. E o
“relativização da escala”, pois apesar da esca caso das políticas neoliberais que tendem a
la nacional ter perdido a primazia, nenhuma ampliar as contradições inerentes à dinâmi
outra dimensão de organização econômica e ca de acumulação capitalista, ao reforçarem
política, - seja a global, a local, a urbana ou o momento abstrato formal do valor de
a triádica —tornou-se predominante. Dife troca do capital, às expensas do momento
rentes escalas espaciais de organização eco concreto substantivo do valor de uso. E nes
nômica desenvolvem-se e consolidam-se e te momento abstrato que o capital, na sua
novos horizontes de ação são imaginados forma de capital financeiro, pode se tomar
tendo como base novos modos de com mais facilmente desenraizado de lugares es
preender a competição. Assim, as distintas pecíficos e ter fluxo livre através do tempo e
dimensões espaciais são tomadas estrategi do espaço, mas nos seus momentos concre
camente como objetos de gerência econô tos, que se expressam na produção de mer
mica, regularização ou governança. cadorias, o capital só pode se materializar
Esta “relativização da escala” no momen em espaços territoriais específicos e frações
to atual envolve tanto oportunidades quanto temporais determinadas.
ameaças para os atores econômicos, sociais e Há, portanto, uma tensão entre a de
políticos, na medida em que ela “está associa manda neoliberal por uma aceleração dos
da com ações para explorar e para resistir aos fluxos de capital abstrato através de um espa
processos que produzem globalização” (Jes ço crescentemente desterritorializado e a ne
sop, 1999, p. 26). Assim como atores econô cessidade das formas concretas de capital de
micos podem estabelecer alianças para am se fixarem no tempo e em espaços territo
pliar seu alcance global ou se proteger da riais.5 Esta tensão cria novas formas de con
competição global, Estados em diferentes tradições e dilemas. O primeiro dilema de
níveis enfrentam as conseqüências da reestru corre da crescente interdependência entre os
turação global e se envolvem na gestão dos fatores econômicos e extra-econômicos na
processos que identificam como produzindo criação da competitividade estrutural que,
o que se entende por globalização. por sua vez, gera contradições na forma de
Na identificação do que ele chama as “iló organização temporal e espacial da acumula
gicas” da globalização, Jessop mostra que as ção. Assim, do ponto de vista temporal, há
contradições do capitalismo podem dificultar uma contradição central entre o cálculo eco
a completa realização da globalização e quais nômico de curto prazo, principalmente nos
quer tentativas de se mover na direção desta fluxos financeiros, e a dinâmica de longo
realização são inerentemente instáveis, como prazo da “verdadeira competição” entre capi
mostra a forma neoliberal de globalização. tais concretos, que está enraizada em recur
O neoliberalismo constitui, para este sos (materiais, tecnológicos, humanos, de
autor, a estratégia hegemônica para o desen organização etc.) que levam anos para serem
volvimento da globalização econômica, de criados, estabilizados e reproduzidos. Do
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ponto de vista espacial, a contradição se es quanto no político. No domínio econômico
tabelece entre a economia considerada um eles se referem aos conflitos entre o capital
espaço de fluxos e a economia um conjunto em geral e os capitais particulares, que se ex
de recursos econômicos e extra-econômicos pressam em lutas hegemônicas em torno de
enraizado social e territorialmente. estratégias de acumulação específicas. Politi
A segunda contradição fundamental no camente, estes problemas ocorrem no confli
regime de acumulação pós-fordista dá-se to entre as funções econômicas do Estado
entre a economia de informação e a socieda (em assegurar as condições para a acumula
de da informação: na primeira, a apropria ção do capital e para a reprodução da força de
ção privada do conhecimento torna-se a trabalho) e seu papel na manutenção da coe
base da monopolização dos lucros dele de são social em uma sociedade fracionada e
correntes e da competitividade nacional. Na pluralista. Estes problemas, em conjunto,
segunda, ao contrário, o acesso público ao criam outros problemas de meta-governance
conhecimento é visto como condição para
na medida em que muitas tentativas de regu
“o empoderamento pessoal e para a expan
lação econômica falham, ao mesmo tempo
são da esfera pública” (Jessop, 1999, p. 30).
em que os atores políticos têm de reconhecer
O ressurgimento dessas contradições
que a não intervenção é, em si mesma, uma
gera problemas para a ação coletiva e dilemas
para os atores econômicos e políticos. Um forma de intervenção com suas próprias limi
destes dilemas enfrentados pelos atores polí tações e possibilidades de fracasso.
ticos, no contexto da crise dos Estados de Existem, portanto, limites objetivos (in
bem-estar, foi a escolha entre a liberalização ternos) à globalização econômica devido à
dos mercados (principalmente do financei necessidade do capital tanto de relações so
ro), que levaria à dissociação entre os capitais ciais desenraizadas de seu velho ambiente so
financeiro e industrial, e a adoção de estraté cial quanto de reinseri-las (reenraizá-las) em
gias protecionistas ou mercantilistas, que po novas relações sociais.
deriam forçar uma cooperação maior entre Jessop conclui que a inabilidade da
estas frações do capital. Outro dilema rela forma neoliberal de globalização para re
cionado a este foi o do ataque ao salário conciliar os dois momentos da acumulação
social como custo de produção e a retração de capital no plano global e resolver suas
do Estado de bem-estar, de um lado, ou a contradições
defesa da política de pleno emprego, dos ser
viços públicos e das transferências de renda f...] gera uma busca contínua por uma “fixa
sem levar em consideração seu impacto so
ção espaço-temporal” e por um compromis
bre a competitividade internacional. O que
so institucionalizado em uma escala menos
havia de comum a estas soluções divergentes
e as tornava falsas soluções, era sua ênfase inclusiva, os quais podem prover a base para
unilateral em um dos momentos das contra uma inserção favorável na mutante hierar
dições estruturais do capitalismo. Sua oposi quia econômica global e para a coesão social
ção, por outro lado, significava o compro dentro de um espaço econômico, social e po
misso unilateral de revigorar a organização lítico relevante” (Jessop, 1999: 37).
econômica e política nacional ou apoiar de
modo incondicional o movimento global ir Neste contexto, apesar do desafio colo
restrito do capital abstrato. cado pela globalização aos Estados nacionais,
Os problemas relacionados à ação coleti estes permanecem como atores centrais que
va que decorrem das contradições já aponta procuram de modos diferentes e muitas ve
das ocorrem tanto no domínio econômico zes conflitantes, organizar o desenvolvimen-
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to dos movimentos de globalização-regiona- ção é vista como uma “coisa”, um processo,
lização e enfrentar suas conseqüências e im como algo que se realiza empiricamente e
pactos na esfera nacional. deve ser explicado.
Essa metateoria, mesclada às análises
que compõem a ortodoxia das Relações In
As Raízes Filosóficas da Globalização e ternacionais, manifesta-se por meio de um
a Crítica Teórico-metodológica conjunto de categorias dicotômicas, como
teoria e prática, objetividade e subjetividade,
MacLean (2000) no seu denso e semi ação e estrutura, o político e o econômico, o
nal artigo “Philosophical Roots of Globali doméstico e o internacional, tempo e espa
zation and Philosophical Routes to Globali ço, que são vistas como separadas e externas
zation”, parte da crítica das raízes filosóficas umas às outras (MacLean, 2000, p. 42).
do que ele considera a ortodoxia da discipli O autor identifica, portanto, nas con
na Relações Internacionais, seu mainstream, cepções dominantes na disciplina Relações
e que constitui parte da sua autoridade dis- Internacionais um conjunto consistente de
ciplinadora. O autor centra sua análise críti assunções, que ele relaciona com relações
ca principalmente na desconstrução do rea reais de poder e hegemonia no mundo. Estas
lismo clássico e do neo-realismo, vistos assunções são compartilhadas não apenas
como constituindo a ortodoxia dominante pelos que são parte da ortodoxia, mas tam
na disciplina e como representações explíci bém pelos que pretendem questioná-la a
tas das suas “raízes filosóficas” (MacLean, partir de uma posição heterodoxa. MacLean
2000, p. 33). Seu argumento é o de que esta mostra como autores que se pretendem crí
ortodoxia interpreta mal ou não reconhece ticos da visão ortodoxa, seja por defenderem
(mirsrecognize) a globalização devido a dois uma análise interdisciplinar ou uma posição
elementos centrais de suas raízes filosóficas. heterodoxa na interpretação da globalização,
Primeiro, a predominância de uma filosofia compartilham com ela uma definição que é
específica, derivada da teoria política clássi ahistórica e abstrata na forma, e na medida
ca, que caracteriza os fenômenos relevantes em que traduzem globalização pelas suas
nas relações internacionais como políticos e manifestações empíricas, sem conseguir de
toma o Estado como principal ator nas rela monstrar o que é “global” na globalização,
ções internacionais e como unidade central reafirmam os principais motivos e dicoto
de análise. Ao entender globalização funda mias do discurso empiricista dominante.10
mentalmente como um fenômeno político, Quanto à interdisciplinaridade, na me
o realismo e o neo-realismo reduzem a com dida em que para MacLean, a análise da glo
plexidade do mundo moderno no período balização não é central nem capaz de provo
recente, tratando outros elementos impor car mudanças nas distintas disciplinas nas
tantes da práticas sociais contemporâneas quais ela surgiu, corre-se o risco de desenvol
como práticas marginais a serem submetidas vimento de um “gueto acadêmico interdisci
ao controle político. plinar da globalização”. Isto pode ocorrer a
Segundo, a predominância de uma filo não ser que “globalização seja teorizada de
sofia genérica, obscurecida e profundamen tal forma a confrontar a ortodoxia dentro de
te embebida na disciplina, identificada na cada disciplina e aquele elemento profundo
epistemologia empiricista. Com base nesta que constitui em cada uma a aliança episte-
epistemologia, a análise da globalização mológica transdisciplinar silenciosa mas efe
mantém-se no nível das aparências, das cau tiva dos empiricismos” (MacLean, 2000, p.
sas e conseqüências observáveis. Globaliza 46). Por estas razões, o autor defende a ne
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cessidade da mudança de uma análise inter- Descarta-se assim a possibilidade de
disciplinar para uma análise antidisciplinar pensá-la como um “discurso complexo
da globalização. que determina e medeia as diversas rela
A tese central deste autor é a de que o ções possíveis entre estas dimensões”. A
desenvolvimento de uma análise convin noção de determinação aqui quer dizer
cente da globalização deve partir de uma um conjunto de condições que limita
crítica da relação que cada disciplina esta os tipos de políticas, objetivos e proje
belece com o conceito de globalização pois tos dos agentes que podem ser concebi
“parte do que globalização significa reside dos e a maneira como podem ser reali
nas teorizações existentes sobre ela” (Ma- zados. Esta noção de determinação não
cLean, 2000, p. 42). Partindo de uma teo- implica a existência de evidências de
ria-metodológica crítica, esta posição cor uma homogeneização da prática social.
responde à idéia de que tornar um conceito Ela significa sim que há um crescente
concreto não envolve a avaliação de dife silêncio homogeneizador: “uma homo
rentes teorias sobre ele, mas uma avaliação
geneidade do não pensado, do não dis
do relacionamento entre as teorias existen
putado, do não escolhido e do não pra
tes e o objeto de investigação como relação
ticado” (MacLean, 2000, p. 58).
causal. Deste ponto de vista, uma revisão
0 A globalização é geralmente identificada
crítica da literatura não é uma tarefa pré-
como o produto da ação de atores especí
teórica que antecede o momento da pesqui
ficos: Estados, empresas, organismos in
sa propriamente dita, mas uma parte essen
ternacionais. Conceitua-se o termo de
cial da pesquisa desde o seu início.
forma abstrata a partir do individualismo
Para este autor, conceitualizar globaliza
metodológico, privilegiando agência em
ção, então, não significa apenas descrever
relação à estrutura.
como distintos agentes (governantes, diplo
* Predomina a tendência de igualar glo
matas, empresários, cidadãos etc.) pensam e
balização a internacionalização ou a in
praticam a globalização mas conceitualizar a
terdependência e de concebê-la em ter
relação mediada e complexa entre as inter
mos geográficos-territoriais, o que sig
pretações acadêmicas e aquelas práticas.
nifica dizer que ela ocupa uma posição
Dito de outro modo, isto significa que “a
teorização acadêmica explícita é constitutiva no tempo e em um espaço tridimensio
nal. Esta visão se sustenta em uma con
do objeto que ela busca aompreender” e su
põe um rompimento com a separação entre cepção que pensa tempo e espaço de
teoria e prática (MacLean, 2000, p. 56). forma absoluta, ou seja, como indepen
dentes um do outro e dos objetos que
A incompreensão do fenômeno da glo
neles se localizam.
balização pela ortodoxia das Relações Inter
• Como decorrência do empirismo inscri
nacionais deve-se, na visão critica de Ma
to nesta ortodoxia, a globalização só tem
cLean, aos seguintes postulados e assunções:
significado se puder ser traduzida em re
s A globalização é vista como uma “coisa” lações e práticas observáveis. Em decor
ou um processo, como algo empírico a ser rência, a possibilidade de que ela seja
explicado. Não se considera que ela, por uma realidade não observável, mas com
si mesma, possa ter poder explicativo. poder causal, é excluída, não pensada."
• As definições de globalização são unidi
mensionais. Ela é vista como um fenô Tomando esta crítica das raízes filosóficas
meno político, econômico ou cultural. da disciplina Relações Internacionais e da sua
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concepção de globalização com ponto de par Em terceiro, a globalização constitui-se
tida, MacLean expõe um conjunto de elemen por meio de uma solução específica da rela
tos abstratos que constituem no seu entendi ção ação/estrutura no interior de práticas so
mento as bases para o desenvolvimento de ciais concretas. Isto significa que, para que a
uma análise crítica alternativa da globalização. globalização tenha se desenvolvido na forma
Em primeiro lugar, parte do significado específica em que se desenvolveu, inicial
de globalização está inscrito nas suas formas mente certas práticas subjetivas e formas de
de teorização. Esta questão envolve as rela conhecimento se transformaram em estrutu
ções teoria-prática, sujeito-objeto. Para a pes ras normativas globais - sendo global aqui
quisa concreta isto significa que a questão entendido não como universal, mas como
inicial não é o que pode explicar a globaliza poderes causais não territoriais —as quais se
ção, mas quais são as condições históricas apresentavam para os agentes como condi
subjetivas, teóricas ou meta-teóricas para que ções objetivas ou naturais da vida social. Es
a globalização surgisse no tempo e na forma tas transformações incluem práticas sociais
específica na qual ela surgiu. Em outros ter como: “a assumida eficiência superior da
mos, “a suposta constituição da ‘globalização’ liberalização dos mercados, da não socializa
em outros elementos diversos —Estados, em ção da saúde, da guerra sobre a paz, da pro
presas, sociedades - são primeiro abstraídos priedade privada sobre a propriedade coleti
no pensamento e depois combinados para va, da ciência sobre a tradição etc.” . E este
produzir uma especificação concreta formal tipo de transformação simultânea teórica e
de ‘globalização’, que será diferente daquela prática que concede à globalização qualidade
assumida no início” (MacLean, 2000, p. 60). hegemônica e “permite a reconciliação da
Em segundo, ver a globalização como hegemonia americana com a hegemonia em
um fenômeno histórico não quer dizer que geral” (MacLean, 2000, p. 61).
sçu surgimento possa ser estabelecido em MacLean propõe como solução para a
termos cronológicos, com uma data especí questão da relação entre ação e estrutura, a
fica, que seja o ponto de partida para a distinção entre dois momentos estruturais re
construção de uma periodização.12 Histori- lacionados: o primeiro, que ele chama de Es
cizar a globalização significa perguntar que trutura I, refere-se às instituições, normas e
tipo de condições necessárias e contingen convenções por meio e nas quais ações sociais
tes foram necessárias para a sua emergência. são realizadas em qualquer contexto históri
Deste ponto de vista, a globalização surge co. O segundo momento, ou Estrutura II,
como estrutura quando outras formas de diz respeito aos elementos metateóricos en
organização político-econômicas (como so volvidos nas ações/práticas da Estrutura I,
cialismo, por exemplo) deixam de se cons que são tomados como dados, naturalizados,
tituir como alternativas para a organização e não podem ser diretamente observáveis,
da economia política em termos mundiais, mas apenas identificados a partir das suas
apesar de poderem manter histórias locais. conseqüências (inclui gênero, propriedade
Globalização constitui, portanto, “uma for privada, tempo/espaço e racionalidade). Es
ma de economia política que estabelece tes são elementos puramente metateóricos,
tanto uma história estrutural quanto uma mas sem eles qualquer explicação de fenôme
história local”, e nesse sentido, constitui nos observáveis seria impossível.
uma configuração a partir da qual outras Em quarto lugar, globalização não pode
formas de integração e de organização polí ser localizada em um tempo ou espaço parti
tico-econômicas são descritas e avaliadas culares: ela não é uma coisa e não pode ser
(MacLean, 2000, p. 60). pensada como ocupando um espaço tridi-
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mensional. Seu reconhecimento exige que se II, acima mencionada) que passa a ser vista
considere sua história estrutural - pensada como apropriada não apenas para o domí
como os elementos metateóricos acima nio privado, mas também para ser aplicada
mencionados — e sua não territorialidade. no domínio público, aos bens e serviços po
Ou seja, a globalização é um fenômeno que líticos, sociais, legais e culturais. A política
contém n dimensões e apesar de engendrar é transformada assim “da participação na
formas históricas de ação específicas, não elaboração de políticos para o consumo de
pode ser reduzida às suas manifestações em políticas, da potencial ruptura com o poder
píricas. Isto significa que é possível afirmar a como desigualdade e privilégio sistêmico
universalidade da globalização não como para o individualismo do auto-empodera-
algo que pode ser identificado em todo lu mento” '4 (MacLean, 2000, p. 63). De acor
gar, mas como uma configuração dominan do ainda com este autor, a mudança inscri
te na qual as possibilidades de ação são arti ta na globalização representa uma margina-
culadas e avaliadas (MacLean, 2000, p. 62). lização crescente das probabilidades norma
Em quinto e último, a globalização pro tivas no mundo, principalmente daquelas
duz novas formas de governança não-territo- relativas a projetos potencialmente emanci-
riais e não-soberanas, ao mesmo tempo em patórios porque orientados para o aumento
que mantém o Estado soberano. Este, no en da igualdade de acesso a bens e a decisões
tanto, tem sua forma histórica original mo políticas, ou pelo menos para o atendimen
dificada: deixa de ser o lugar territorialmen to das necessidades humanas básicas.
te definido e legítimo, assumindo a forma de Apesar de não ter desenvolvido sua
um governo local e regional “subsidiário” . abordagem com todos os seus desdobramen
Isto implica que, para a compreensão da glo tos concretos, MacLean apresenta um con
balização, é mais relevante uma concepção junto de indicações do que ele define como
genérica da organização pública e privada os elementos abstratos centrais constitutivos
que rompa com concepção ortodoxa da se da globalização. Estas indicações têm em co
paração entre Estados e organização interna mum com a concepção de outros globalistas
cional. A questão que se coloca então é como críticos, uma visão da globalização como
e por que o mundo se tornou organizado de multidimensional, não redutível a um espa
tal forma e não de outra. ço tridimensional (portanto, aterritorial) e
Isto implica, para MacLean, que globa como um fenômeno histórico, mas que esse
lização é uma estrutura que esvaziou o con autor entende como não cronológico. Um
teúdo tradicional do pensamento político e outro ponto em comum diz respeito ao
da prática política ocidental. Numa primei modo específico de compreender a relação
ra aproximação, é possível dizer que se de ação/estrutura. MacLean acrescenta ao “pos
senvolveu uma forma de política técnica- tulado da estruturação”, como proposto por
racional, baseada em um conhecimento Scholte e por Hay e Marsh, uma discussão
econômico de especialistas,13o que não quer das “distinções” da estrutura (Gramsci,
dizer que com a globalização a política foi 1980, p. 12) que amplia a compreensão da
substituída pela economia, mas sim que ela história da constituição da globalização
foi reinventada. como fenômeno estrutural e estruturante.
Constitui um elemento central da glo Além disso, há uma aproximação entre
balização a reconstrução das práticas em os autores desta corrente no que diz respeito
presariais e gerenciais, inclusive da ética a dois outros elementos: 1) a idéia de que os
empresarial, como uma estrutura normati Estados nacionais continuam tendo um pa
va dominante (que corresponde à Estrutura pel importante, apesar de terem sua forma
28
modificada, ao mesmo tempo em que a glo ver a perda de poder dos trabalhadores como
balização engendra formas de governança uma conseqüência inevitável da uniformiza
supra e subnacionais e não territoriais. A este' ção e da convergência no plano mundial do
entendimento MacLean acrescenta que a padrão tecnológico, das formas de organiza
globalização modificou o conteúdo do pen ção da produção e dos níveis salariais. A va
samento político e da prática política oci riante neoliberal, que também vê a globaliza
dentais; 2) o papel positivo que o discurso e ção como um processo irresistível, prevê que
a ideologia da globalização desempenham na os trabalhadores terão sua influência muito
estruturação dos contextos econômicos, so
diminuída na medida em que se desenvolve
ciais, e políticos contemporâneos. Partindo
no plano global um novo padrão produtivo
da crítica das “raízes filosóficas da globaliza
orientado pela eficiência, e movido pelos re
ção”, MacLean acrescenta que há uma rela
querimentos de curto prazo do capital finan
ção causal entre as formas de teorizar a glo
balização nas diferentes disciplinas e o seu ceiro. Por outro lado, argumentam que a glo
significado e forma de desenvolvimento no balização das novas formas de organização da
mundo contemporâneo. produção poderão ter como resultado uma
Este conjunto de indicações, no meu en maior participação e autonomia dos traba
tender, compõem com as contribuições de lhadores e em decorrência seu empowerment.
Scholte, Jessop e Hay e Marsh, os elementos Esta visão salienta o papel das empresas
centrais de uma abordagem crítica alternati transnacionais, corporações “sem Estado”, na
va da globalização. É a partir delas que a difusão tanto de novas tecnologias quanto de
relação entre globalização e trabalho pode ser novas práticas de gestão do trabalho no pla
repensada, superando a visão das mudanças no global. Estas corporações transnacionais,
no universo do trabalho como conseqüências na sua crescente mobilidade, facilitada pela
inelutáveis da dinâmica de globalização e re redução de custos de produção e rapidez das
colocando o trabalho no centro do debate so comunicações, buscam se localizar opde o
bre globalização como sujeito cujas ações (e trabalho é mais barato, cooperativo e adequa
concepções nelas contidas) são cruciais para a damente qualificado. Para alguns, a atuação
conformação do modo específico como a destas empresas é vista como um modo efi
globalização vem se desenvolvendo ou, prin ciente de difusão de novas tecnologias e no
cipalmente, para a conformação das contra- vas práticas de emprego e organização do tra
tendências e resistências a ela. balho, na medida em que o contexto de im
plementação destas práticas é o mesmo nas
subsidiárias da corporação, pois os objetivos,
Globalização e Trabalho ou Bringing as estruturas e a cultura de gerenciamento são
Labour Back in similares em diferentes partes da organização
(Edwards, 1998). A expansão destas corpora
O que a globalização significa para os ções transnacionais é uma das forças centrais
trabalhadores? Esta questão, colocada por na promoção da convergência entre as práti
Waddington (1999) como ponto de partida, cas e organização empresarial nos diferentes
permite-nos avaliar a contribuição de alguns países (Ohmae, 1990).
autores para a discussão das implicações da Discutindo a difusão de práticas de em
globalização para trabalhadores, suas organi prego através da atuação das corporações
zações e ação coletiva. multinacionais Edwards (1998) mostra que
As interpretações mais deterministas, há dois contra-argumentos críticos a esta po
como aquelas dos hiperglobalistas, tendem a sição: em primeiro lugar, observa-se uma
29
contínua diferenciação entre os sistemas pro ses são, na visão de Edwards (1998), marca
dutivos nacionais, pois na medida em que há das pela natureza dos modos dominantes de
variação na natureza das leis e das institui produção e organização do trabalho e suas
ções, principalmente nas formas de regula respectivas práticas de emprego. Os efeitos de
ção do emprego, e diferenças culturais entre dominância estão associados com países cu
os países, estes fatores se combinam dando jos setores industriais tiveram ótima perfor
origem a formas nacionalmente distintas de mance nas últimas décadas (Japão, Alema
organização das corporações transnacionais. nha, Estados Unidos) e a difusão reflete a in
Um segundo contra-argumento reco fluência destes modelos bem-sucedidos.
nhece a difusão internacional de certas práti No entanto, a literatura mostra que as
cas gerenciais, e busca explicá-la pela domi pectos legais, institucionais e culturais limi
nância de determinados sistemas produtivos tam a possibilidade de as corporações multi
nacionais (como o japonês). Este “efeito do nacionais difundirem práticas através das
minante” surge da hierarquia das economias fronteiras nacionais. A natureza das institui
no sistema capitalista, quanto à sua eficiência ções do mercado de trabalho, incluindo o
e sucesso, e leva à noção de bestpractice. Com sistema de relações industriais, também limi
a crise do fordismo, emergiram pelo menos tam as possibilidades de difusão. A participa
dois regimes distintos de organização do tra ção em negociação coletiva pode constranger
balho: o europeu continental e o japonês. O o leque de escolhas das empresas em relação
primeiro foi influenciado principalmente a elementos como a determinação de salá
pelo desenvolvimento da Alemanha e carac- rios. Na Europa, por exemplo, as empresas
terizou-se pela mudança na qualidade da multinacionais têm mais dificuldade em evi
produção baseada na aplicação de novas tec tar o reconhecimento dos sindicatos e po
nologias. Este modelo ficou conhecido como dem ver a negociação coletiva setorial conlo
especialização flexível a partir do trabalho de uma limitação à introdução de uma maior
Piore e Sabei (1984). O segundo, conhecido flexibilidade no nível da empresa.
como o modelo japonês da lean production, Diferenças culturais entre países tam
tem como seu elemento central o foco nas re bém podem limitar a difusão, pois determi
lações sociais na produção e baseia-se na apli nadas práticas que são facilmente aceitas em
cação do just-in-time e do total quality con- um determinado país não são aceitas em ou
trol. Estes métodos requerem o comprometi tros. Há, no entanto, maior possibilidade de
mento do trabalhador para a redução de per difusão de práticas de emprego em países
das e defeitos e se valem de um conjunto de que mantêm um quadro legal permissivo e
práticas de envolvimento tais como a rotação um mercado de trabalho pouco regulado do
de função, os círculos de qualidade, os times que nas economias mais reguladas (Edwards,
ou grupos de trabalho. 1998, p. 9).
Além destes dois, há ainda uma certa in A contribuição de Edwards é impor
fluência nas multinacionais americanas do sis tante porque ele chama atenção para a difu
tema conhecido como Human Resources Ma são de “modelos” dominantes de organiza
nagement. Este baseia-se nos programas deno ção do trabalho ao mesmo tempo em que
minados quality ofworking life, que buscam o mostra o papel dos regimes regulatórios e
envolvimento dos trabalhadores nas decisões das diferenças culturais na explicação da
relacionadas com a produção (IBM e Kodak variação observada nas práticas das multi
são exemplos da aplicação deste modelo). nacionais em distintos países, o que desmis-
As pressões para a difusão de práticas de tifica a idéia da convergência na forma de
organização da produção para diferentes paí organização da produção como resultado
30
da orientação global de corporações multi Para Jones, a combinação das condições
nacionais. No entanto, na concepção deste locais de cada economia e das políticas ado
autor assim como na dos globalistas e neo- tadas pelos seus governos constitui fator de
liberais, o papel dos trabalhadores como su cisivo na alteração dos padrões de igualda
jeitos implicados nestes processos de mu de/desigualdade, bem como na variação das
danças nas práticas de emprego fica obscu experiências observadas tanto entre os países
recido ou não é considerado. africanos como entre os países capitalistas
Barry Jones, que assume uma visão da avançados (por exemplo, crescimento da de
globalização ora próxima da dos céticos sigualdade no Reino Unido, tendência mo
(pela não distinção entre globalização e in desta à diminuição das desigualdades nos Es
ternacionalização), ora dos transformacio- tados Unidos e Japão).
nistas (por pensar a globalização como sen No que diz respeito ao trabalho, o mo
do determinada por uma multiplicidade de vimento de globalização tem como um de
fatores e como um desenvolvimento não seus paradoxos nas últimas décadas o cresci
inevitável e sujeita a reversão), toma as cor mento do sentimento de insegurança entre
porações transnacionais (industriais ou fi os trabalhadores, nos países capitalistas avan
nanceiras) como os principais atores nos de çados, em uma situação de crescimento do
senvolvimentos que levam à globalização. salário real e de uma certa sustentação da se
Para este autor, são as deliberações e esco gurança no emprego, principalmente entre
lhas destes atores que constituem a substân trabalhadores do sexo masculino. A percep
cia da internacionalização. ção de insegurança crescente é atribuída, por
No que diz respeito ao trabalho, jones este autor, às crescentes pressões para maior
(2000) discute os impactos ambíguos da produtividade entre os trabalhadores empre
globalização em relação ao aumento da de gados por tempo indeterminado, juntamen
sigualdade, à subordinação dos trabalhado te com o crescimento do trabalho subcontra
res e aos constrangimentos impostos às eco tado e do emprego em tempo parcial, prin
nomias nacionais. cipalmente para as mulheres. Além disso, a
A rápida industrialização dos países do defesa da necessidade de uma maior flexibi
leste e sul asiático, o crescimento do investi lização dos mercados de trabalho, nas duas
mento externo direto em países do chamado últimas décadas, reforçaram estas ansiedades
Terceiro Mundo e o crescimento da econo na medida em que eram vistas como respos
mia mundial nas últimas décadas do século tas (e de fato eram) às pressões advindas do
XX, que acompanharam o movimento de movimento crescente de globalização.
globalização, não foram capazes de reduzir as Esta atmosfera de apreensão e inseguran
desigualdades tanto no interior quanto entre ça, alimentada por estas doutrinas da flexibili
as sociedades capitalistas. Jones observa que zação do mercado de trabalho, encorajou no
a distribuição de renda em muitas das eco vos movimentos de resistência à globalização,
nomias capitalistas não se alterou desde os por meio “da atividade local e transnacional
anos de 1970. Ocorreu apenas uma ligeira dos sindicatos, da formação de grupos para se
melhora, nos tigres asiáticos, dos 20% da opor aos desenvolvimentos indesejáveis, e da
população que se encontram nos níveis mais emergência de uma literatura acadêmica cor
baixos de renda. Constituem, portanto, duas respondente” (Jones, 2000, p. 89).
faces contraditórias da globalização, a histó Ainda segundo este autor, as pressões
ria do desenvolvimento econômico dos “ti sofridas pelos trabalhadores empregados ou
gres” asiáticos e a crescente marginalização a procura de emprego são o resultado tanto
de uma grande parte dos países africanos. da mudança tecnológica e das políticas dos
31
governos locais quanto da crescente globali sários. Os governos, diante destas limita
zação ou internacionalização. De fato, o mo ções à sua capacidade de taxar muitas das
vimento de globalização gera um conjunto companhias mais lucrativas “defrontam-se
de pressões inter-relacionadas derivadas da com a escolha dolorosa entre cortar os ser
mobilidade do capital e da relocalização de viços oferecidos às suas populações, aumen
setores da produção em economias onde tar a carga tributária dos membros ordiná
predomina o baixo custo do trabalho, da ne rios e menos móveis de suas comunidades
cessidade da adoção de tecnologias poupa- ou engajar-se no financiamento do déficit
doras de máo-de-obra para enfrentar cres do erário público” (Jones, 2000, p. 96).
cente competição nos mercados domésticos Este conjunto de constrangimentos im
e de exportação, bem como das referências postos aos Estados nacionais persuadiu a
freqüentes aos imperativos de uma econo muitos deles que a única alternativa seria
mia mundial em processo de globalização melhorar a capacidade de suas economias
por políticos e empresários que buscam, des em responder aos, e tirar as vantagens possí
se modo, legitimar suas práticas e decisões veis dos, requerimentos de uma economia
políticas (Jones, 2000, p. 90). m u n d ia l g lo b a liz a d a . P o r e ssa r a z ã o , a c o m
O avanço da globalização impõe um binação de gestão da demanda e política in
conjunto de constrangimentos aos Estados dustrial foi substituída, em muitos países,
nacionais no que se refere ao manejamento por políticas voltadas para garantir a estabi
da política econômica, com implicações lidade monetária, flexibilizar o mercado de
para o conjunto da população e para os tra trabalho, melhorar as qualificações da mão-
balhadores em particular. Limitações pro de-obra e as condições do lado da oferta. A
gressivas à política comercial são impostas necessidade de adaptar suas políticas econô
por acordos multilaterais negociados sob o micas e industriais de modo a eliminar res
GATT e a OM C. A possibilidade de uma trições à atuação do capital e atrair novos in
política industrial foi também dificultada vestimentos impôs a muitos governos a re
pelo custo de um apoio efetivo dos gover dução do poder dos sindicatos, por meio de
nos a indústrias emergentes em um contex mudanças nas instituições e legislação que
to de acelerada mudança tecnológica e in regem as relações de trabalho (como aconte
dustrial e de dominância da filosofia do ceu sob o governo Thatcher no Reino Uni
laissez-faire (Jones, 2000, p. 90). Além dis do). Dentre as medidas que podem contri
so, a crescente mobilidade do capital, prin buir para a criação de um ambiente domés
cipalmente do capital financeiro, impõe aos tico atrativo ao capital externo, são significa
governos nacionais constrangimentos à li tivas as medidas destinadas a melhorar as ha
vre manipulação das taxas de juros e à sua bilidades e atitudes da força de trabalho,
capacidade de aumentar impostos destina como mostram a crescente preocupação de
dos a financiar serviços públicos. Na área governos de distintos países (avançados e em
fiscal observa-se uma crescente diferença desenvolvimento) com a qualidade da edu
entre os impostos pagos pelos indivíduos cação e com a promoção de programas de
e pelas corporações multinacionais. A cres treinamento. Em suma, “ambientes atrati
cente mobilidade destas corporações permi vos, economias estáveis, forças de trabalho
te que elas identifiquem regiões com menor capazes e dóceis constituem parte do ‘paco
carga tributária para novos investimentos te’ que os Estados e seus governos sentem-se
ou transferência de suas atividades, o que constrangidos a oferecer se querem atrair e
restringe a possibilidade de os governos co reter novas indústrias em um mundo globa
brarem destas empresas os impostos neces lizado” (Jones, 2000, p. 98).
32
Ao dar destaque ao papel das corpora tividade do trabalho limitam as possibilidades
ções multinacionais, como as principais for de transferência das operações para países
ças do processo de internacionalização/globa onde predominam baixos salários, estes auto
lização, Jones examina as mudanças na capa res mostram que a globalização da produção
cidade regulatória dos Estados nacionais e no contribui para ampliar as diferenças salariais
universo do trabalho como conseqüências entre trabalhadores qualificados e não qualifi
deste processo. Mas se a atuação dos Estados cados tanto no interior quanto entre países. E
e governos, a partir dos constrangimentos a na medida em que tendem a diminuir os cus
eles impostos pelo movimento de internacio tos de relocalização, é possível esperar que os
nalização tem repercussões na dinâmica futu salários serão cada vez mais determinados pela
ra deste processo, o trabalho aparece nesta competitividade global.
concepção como sofrendo, quase que de for No entanto, Held et al. (2000b) reco
ma passiva, os impactos, em geral negativos, nhecem que os trabalhadores organizados
da globalização. Apesar de considerar que es podem, em alguns países, obter concessões
ses impactos negativos encorajam movimen significativas, por isto também as diferenças
tos de resistência à globalização, Jones não salariais não serão eliminadas e é improvável
considera de fato os trabalhadores como ato que ocorra uma convergência dos salários no
res cujas ações e escolhas têm repercussões no plano mundial.
modo assimétrico como este processo se de Tanto Held et al. (2000), como os ou
senvolve e nas suas conseqüências distintas tros autores citados nesta seção, tomam os
para diferentes países e regiões do globo. trabalhadores como atores secundários, que
De modo similar, Held et al. (2000b) sofrem as conseqüências, em geral negativas,
também consideram as mudanças no trabalho da globalização e não como uma força que
apenas ao discutir os impactos da globalização na sua relação/interação com as empresas
da produção e da crescente mobilidade das transnacionais e com os governos nacionais
corporações multinacionais. Para estes autores, (ou instituições de governança supranacio
a globalização aumentou o poder das multina nais) tomam iniciativas e fazem escolhas que
cionais em relação ao poder dos trabalhadores. podem encorajar ou limitar a tendência à
A atuação destas corporações é geralmente globalização bem como influenciar modo es
percebida como danosa para o trabalho, pois pecífico como ela se desenvolve em contex
elas pressionam para o rebaixamento dos salá tos nacionais, regionais ou locais específicos.
rios e das condições de trabalho, e quando E a partir dos elementos teóricos sugeri
transferem produção e tecnologia para outros dos pelos autores que propõem uma análise
países em busca de baixos salários, provocam a crítica alternativa, principalmente através da
perda de postos de trabalho qualificados e au sua visão de como resolver a relação ação/es
mento do desemprego nos países centrais. trutura, que, parece-me, seja possível desen
Além disso, como os custos do trabalho não volver uma análise da globalização que colo
incluem apenas salários mas, entre outros, a que o trabalho como um dos seus elementos
provisão do seguro social, a pressão para redu centrais e os trabalhadores e suas organiza
ção dos custos significou em muitos países, ções como sujeitos envolvidos (inseridos)
uma redução do pagamento de contribuições nos processos que levam à globalização, cu
previdenciárias pelos empregadores e sua jas ações podem constituir elementos expli
transferência para os trabalhadores. Apesar de cativos - tem poder causal - sobre a modo
considerar que as multinacionais não podem como a globalização se desenvolve e tem
relocalizar a produção de acordo com a sua conseqüências específicas em lugares e con
vontade, pois as diferenças de níveis de produ textos distintos.
33
Trabalho, Regimes Produtivos e Regi de trabalhadores do sexo masculino, em
mes de Regulação pregados por tempo indeterminado e em
tempo completo em grandes plantas indus
O artigo de Jeremy Waddington “Situa- triais e a crescente proporção de empregos
ting Labour within the Globalization Deba subcontratados, temporários e em tempo
te” constitui uma contribuição importante parcial, exercidos crescentemente por mu
nesta direção, pois ele desenvolve uma pro lheres em pequenos estabelecimentos, re
posta de análise que procura colocar o traba querendo que os sindicatos desenvolvam
lho no centro do debate sobre globalização. novas estratégias de recrutamento e repre
Waddington parte do reconhecimento sentação; e o fato de os novos regimes pro
de que as amplas mudanças na organização dutivos buscarem promover o envolvimen
da produção, na reestruturação dos merca to e o compromisso dos trabalhadores com
dos mundiais e nas políticas de gestão eco os objetivos das empresas, colocando em
nômica que se verificaram nas últimas déca xeque o seu comprometimento com os sin
das, contribuíram para uma crescente inter dicatos. Como observa Waddington (1999,
nacionalização da atividade econômica. p. 2), se as organizações operárias não forem
Como resultado destes desenvolvimentos, capazes de desenvolver estratégias alternati
que enfatizaram a competitividade interna vas, essas mudanças nos regimes regulató
cional como o motor do processo de rees rios e nos regimes produtivos podem levar à
truturação, os trabalhadores e suas organiza perda de influência política e econômica
ções defrontaram-se com mudanças nos re dos trabalhadores, como evidencia a queda
gimes regulatórios dos Estados-nação e com na taxa de sindicalização em muitos países.
novas formas de organização da produção. Para este autor, contribui para o desen
A ação dos trabalhadores organizados foi volvimento assimétrico da globalização “o
vista como fator de queda da produtividade intrincado entrelaçamento dos efeitos dos
e de redução da taxa de lucros, levando ao distintos regimes regulatórios e regimes
fim do período de boom do pós-guerra. Em produtivos” (Waddington, 1999, p. 14).
conseqüência, as instituições e as políticas Seu argumento central é o de que, devido
características deste período foram questio a este entrelaçamento, não ocorre uma
nadas e a crescente aceitação do receituário simples reprodução das formas de organi
neoliberal levou à adoção de políticas de zação da produção adotada pelas multina
desregulamentação com vistas a liberar os cionais nas suas matrizes em todas as suas
mercados da rigidez imposta pelo trabalha filiais em outros países. Estas formas se di
dores organizados. ferenciam na medida em que as gerências
Além disso, as mudanças no regime têm de levar em consideração os requeri
produtivo - que foi caracterizada pela lite mentos que surgem de distintos regimes
ratura como uma mudança do fordismo ou regulatórios. Ademais, a interação entre re
da produção em massa, para alguma forma gimes regulatórios e produtivos tem forte
de “pós-fordismo” - , colocaram um con influência nas formas de organização e
junto de novas questões e desafios que os ação dos trabalhadores. Contudo, na medi
trabalhadores e suas organizações tiveram da em que o trabalho organizado contesta
de enfrentar. Entre eles cabe mencionar: a a natureza dos regimes regulatórios e pro
alteração da composição da força de traba dutivos, é possível afirmar que as organiza
lho, com a redução significativa do empre ções e atividade dos trabalhadores consti
go industrial e o crescimento do emprego tuem um fator explicativo das variações na
no setor de serviços; a queda na proporção dinâmica da globalização.
34
Discutindo os regimes de regulação, combinação destes fatores com a mudança
Waddington mostra que a tese da conver tecnológica e os mercados (enfatizados pelos
gência, que influenciou estudiosos da globa globalistas) que pode explicar “a emergência e
lização, afirma que os regimes regulatórios a resiliência dos diferentes regimes regulató
tendem a uma crescente semelhança, como rios” (Waddington, 1999, p. 17).
conseqüência das mudanças tecnológicas e Um debate importante no que se refere
nos mercados. Ressaltando as atividades das aos regimes de regulação diz respeito às van
multinacionais e sua crescente mobilidade, tagens competitivas dos regimes neoliberais
os globalistas definem que a convergência em comparação com as “economias sociais
ocorre na medida em que Estados nacionais de mercado”, nas suas diferentes variantes
competem para atrair capital e as multina européias. Nos anos de 1980, o desempenho
cionais procuram os regimes regulatórios econômico sofrível dos Estados Unidos e do
apropriados a uma melhor combinação de Reino Unido deu origem a muitas críticas à
capital e trabalho. Como decorrência, há sua orientação de curto prazo, ao funciona
uma tendência à desregulação que ameaça a mento dos seus mercados financeiros, à ex
posição dos trabalhadores. tensão da desregulamentação, ao aumento
Waddington baseia-se nos neo-institu- das desigualdades salariais e persistências de
cionalistas, que criticam a tese da convergên alto índice de desemprego. A percepção des
cia enfatizando a diversidade dos regimes de tes críticos era a de uma superioridade das
regulação, sua persistência e a influência da economias sociais de mercado.
ação individual e coletiva no desenvolvimen No entanto, na década de 1990 com a
to político. Esta posição que recusa a deter crise e recessão que atingiram tanto a Alema
minação da tecnologia e do mercado sobre nha quanto o Japão, elevando os níveis de de
as mudanças políticas, tem uma dupla impli semprego, reduzindo o crescimento da produ
cação para o trabalho. Primeiro, os trabalha tividade e o bom desempenho das economias
dores não são apenas objetos passivos de neoliberais (Estados Unidos e Reino Unido),
forças externas, mas podem contestar e in esta percepção se alterou. O resultado disso, de
fluenciar o desenvolvimento dos regimes de acordo com Waddington, foi a crescente pres
regulação. Segundo, apesar de os trabalhado são, principalmente da parte dos empresários,
res terem de enfrentar desafios similares em para a reforma, no sentido neoliberal, das eco
diferentes partes do mundo - colocados pela nomias sociais de mercado.
globalização ou pela descentralização das ne Além disso, o fato de que parte dos pode
gociações coletivas por exemplo - a diversi res dos Estados-nacionais estava sendo trans
dade dos regimes de regulação exige que os ferido para agências de governança regionais
trabalhadores estabeleçam estratégias ade (como a Comunidade Européia) ou globais
quadas a cada tipo de regime. (OMC etc.) - que iriam pressionar os gover
Na discussão da natureza dos regimes de nos envolvidos para a realização de uma des
regulação e sua relação com o processo de glo regulamentação que favorecesse a atração de
balização, os neo-institucionalistas reconhe capital - era visto também como uma amea
cem como fatores influentes o papel dos Esta ça às economias sociais de mercado.
dos na gestão da economia, o papel de comu Como resultado desta mudança de ava
nidades informais e redes que influenciam os liação há uma aproximação entre as teses
padrões de regulação, e as atividades dos sin dos globalistas e dos neo-institucionalistas:
dicatos na negociação de acordos entre grupos enquanto aqueles previam o surgimento de
detentores de interesses opostos. Para eles é a um único espaço econômico global, estes
35
previam que o neoliberalismo surgia como modo variado como se deu a difusão deste
um regime de regulação dominante, apesar modelo produtivo. Em primeiro lugar, a di
de marcado por variações nacionais. As versidade que o modelo assumiu em distin
conseqüências para o trabalho decorrentes tos setores ou plantas deve-se aos variados
de cada uma destas posições é, no entanto, graus em que os métodos e técnicas a ele as
muito distinta. Para os globalistas, a situa sociados foram adotados e também “às in-
ção do trabalho é determinada pela tecno ter-relações entre as práticas, a tradição e o
logia, pelos mercados e pela ação das corpo desempenho de cada empresa” (Wadding
rações multinacionais. Para os neo-institu- ton, 1999, p. 21). Em segundo, a adoção de
cionalistas, a questão para os trabalhadores determinadas técnicas da produção enxuta
é resistir às políticas neoliberais desregula- constitui uma etapa de um processo de de
doras, buscar uma nova regulação e uma senvolvimento contínuo, por meio do qual
maior influência nas instituições suprana as empresas procuram se adaptar a mudan
cionais de governança. ças nas condições específicas das economias
Na discussão dos desenvolvimentos re nacional ou do mercado global.
centes nos regimes produtivos, Waddington É parte destas análises a visão de que, ao
adotar novos métodos de organização da
(1999, p. 19) identifica três temas centrais:
produção., os empregadores têm de conside
1) a uniformização ou universalização dos
rar um conjunto de diferentes preocupa
novos regimes produtivos, que, podemos
ções/interesses das empresas, nem sempre
acrescentar, acompanham o movimento de
compatíveis com a produção enxuta, e além
globalização da produção; 2) até que ponto
disso, podem ser influenciados nas suas deci
os novos regimes produtivos constituem
sões e estratégias por decisões e políticas go
uma ruptura com o regime de produção de
vernamentais. Isto significa que os regimes
massa; 3) o impacto dos novos regimes pro de regulação têm influência sobre o conteú
dutivos na capacidade de os trabalhadores do e a extensão da mudança dos regimes
contestarem a sua forma e desenvolvimento. produtivos. Um terceiro fator diz respeito à
A questão da uniformização e universa influência da resistência ou aceitação dos tra
lização dos regimes produtivos aparece nos balhadores sobre a forma assumida pela nova
textos-dos hiperglobalistas como uma decor organização da produção. Há vários estudos
rência da crescente mobilidade das multina mostrando que nos locais onde os trabalha
cionais. Alguns autores identificam na lean dores são bem organizados, foi possível obter
production (toyotismo ou modelo japonês, concessões na implantação da produção en
para outros), o paradigma produtivo domi xuta que alteraram o formato do que estava
nante, ou the best tvay, que tenderia a se di inicialmente planejado.
fundir universalmente na medida em que a O tema da ruptura da lean production
redução de custos e desperdícios, a qualida em relação à produção de massa provocou
de e a melhoria contínua se tornassem essen um intenso debate. Estudos de distintas
ciais como fatores de competitividade no perspectivas questionaram a visão mais ex
mercado mundial (Womack et al., 1990). trema que considera o novo modelo produ
A literatura crítica a esta visão tem tivo japonês como uma quebra radical com
mostrado que a difusão do modelo japonês, os princípios da produção de massa (Wo
apesar de significativa em alguns setores da mack et al., 1990). Entre estas críticas cabe
produção, não ocorreu do modo uniforme destacar o questionamento à superioridade
e generalizado como previsto e apontam dos ganhos de produtividade e eficiência as
pelo menos três fatores explicativos para o sociados à produção enxuta. Alguns autores
36
mostram que, dentre as empresas automobi críticas que enfatizam como elementos as
lísticas japonesas, apenas o desempenho da sociados ao modelo da lean produetion: a
Toyota foi superior ao das suas concorrentes intensificação do trabalho, jornadas de tra
americanas ou européias e salientam a desi balho longas e flexíveis, com freqüentes
gual difusão deste modelo produtivo na in horas extras e importantes riscos para a se
dústria japonesa. gurança e a saúde dos trabalhadores (ver,
Outros questionam a idéia de que os por exemplo, Milkman, 1997; Tomaney,
métodos introduzidos pelos japoneses re 1994). Além disso, estas práticas são mui
presentam uma ruptura com o fordismo, tas vezes acompanhadas pela resistência
mostrando que o próprio fordismo não (ou recusa) da gerência à sindicalização da
pode ser pensado como um regime produ força de trabalho e/ou por negociações ou
tivo unitorme, pois comportava muitas va compromissos que impedem o desenvolvi
riações internas. Pesquisas realizadas em fi mento de uma organização coerente e au
liais americanas de empresas japonesas do tônoma no local de trabalho. Em muitos
ramo eletro-eletrônico, por exemplo, mos países, estas práticas foram sustentadas
tram como seus métodos produtivos apro pela descentralização das negociações cole
ximam-se muito mais da produção em mas tivas que dificulta a articulação sindical de
sa e como estas empresas se apóiam em bai trabalhadores de distintas plantas ou locais
xos salários e trabalhadores imigrantes e de trabalho.
não sindicalizados. No entanto, como mostram estudos re
Esta concepção levou alguns autores a centes, onde a organização no local de traba
sugerir que o desenvolvimento da produção lho é forte, é possível tanto encontrar o in
enxuta desenvolveu mais do que rompeu com centivo desta organização à adoção pela ge
os elementos centrais da produção de massa, rência de estratégias visando a melhorar a
considerando apenas o sistema de melhorias competitividade da empresa local ou interna
contínuas como uma clara distinção com os cionalmente com preservação de postos de
princípios do fordismo. Ademais, ressaltam trabalho, ou a resistência á introdução de no
que características específicas do regime de vos métodos produtivos porque eles fortale
regulação japonês permitiram a introdução cem e ampliam o controle da gerência. As
de um regime produtivo no qual a intensifi sim, como observa Waddington, a mudança
cação do trabalho foi levado a um grau difi nos regimes produtivos, bem como os outros
cilmente atingido em um regime em que a movimentos que levam à globalização, abrem
organização dos trabalhadores no local de tra um conjunto de novas oportunidades que
balho fosse independente e capaz de obter podem ser exploradas pelos trabalhadores
mais concessões. tanto para resistir às estratégias e decisões das
Esta última observação nos leva ao ter empresas quanto para construir a organiza
ceiro tema da contestação e da resistência ção sindical (ver também Murray et al.,
operária que se relaciona com a experiência 1999). No entanto, não há uma equação
da introdução de novos métodos produti simples capaz de determinar a reação dos tra
vos - da produção enxuta em particular - balhadores. Onde há fortes pressões compe
nos locais de trabalho. A polarização em titivas e a possibilidade de fechamento de
torno deste tema fica por conta, de um postos de trabalho, por exemplo, os trabalha
lado, da visão positiva que acentua a quali dores podem tanto ficar motivados para re
ficação, participação e envolvimento como sistir com o objetivo de proteger seus empre
as principais conseqüências da produção gos ou podem ter sua posição enfraquecida
enxuta para os trabalhadores, e das visões pela perda do poder de barganha.
37
À Guisa de Conclusão: A ação dos Tra dução enxuta - e é possível generalizar para
balhadores, o Local e o Global qualquer regime produtivo - no local de
trabalho é uma questão chave para os traba
Para concluir é possível afirmar que a lhadores, isto significa que, para colocarmos
contribuição de Waddington à discussão da o trabalho no centro do debate sobre a glo
relação entre globalização e trabalho está no balização, temos de enfrentar a questão do
fato de ele conceber os trabalhadores como local e do global. Neste ponto, concorda
atores cujas escolhas e ações (sejam elas de mos com Dirlik que, citando Latour, diz
conformismo, negociação ou resistência) in que a questão do local não pode ser elimina
fluenciam na forma como a globalização se da sem que haja uma igual eliminação do
desenvolve, mas também na proposta de global, o que restaura uma simetria entre o
que a análise da globalização deve conside local e o global. Esta indistinção entre o lo
rar as inter-relações complexas entre os regi cal e o global é ainda mais pertinente na
mes de regulação, os regimes produtivos e as atualidade, pois constitui uma característica
organizações e ações dos trabalhadores. Isto do capitalismo global. Com exceção do ca
significa pensar tanto em até que ponto e de
pital financeiro, que se move crescentemen
que modo a globalização, impulsionada pe
te nos ciberespaços, grande parte das opera
las mudanças nos regimes produtivos e nos
ções do capital global está localizada em lu
modos de regulação, implica a mudança de
gares. O que são as commodity chains, da
condições e a capacidade dos trabalhadores
produção flexível senão redes de produção,
contestarem e resistirem a este processo.
que se realizam em lugares concretos? E
Mas significa igualmente pensar que a ação
mesmo o poder de tomada de decisão das
dos trabalhadores, localizadas ou articuladas
corporações multinacionais está localizado
nos níveis nacional, regional e global, tem
influência sobre a dinâmica e o conteúdo em algum lugar —“razão pela qual é impor
das mudanças nos regimes produtivos e nos tante a cautela contra a mistificação da
regimes de regulação e, portanto, podem re transnacionalidade” (Dirlik, 1999, p. 45).
forçar a tendência à globalização ou sobre Além disso, para Dirlik (1999', p. 43) a no
suas contratendências. ção de lugar, como metáfora, sugere um en
A esta proposta alternativa de análise raizamento que vem de baixo “e uma fron
cabe acrescentar duas observações: primei teira flexível e porosa em torno dele, sem
ro, a consideração das estratégias e ações excluir o extralocal e todos os níveis até o
dos trabalhadores como elementos essen global”. Deste ponto de vista, o lugar de tra
ciais à compreensão da dinâmica da globa balho (workplace) pode ser pensado como
lização torna imprescindível levar em con nuclear tanto na vivência concreta dos tra
sideração suas concepções, suas próprias balhadores do movimento e dos impactos
teorizações sobre a globalização (como da globalização quanto na resistência a ela,
propõe MacLean). Como observam Fren- sem que isto signifique o isolamento e sem
kel e Royal (1999), nos estudos das mu que isto exclua a vivência simultânea, a arti
danças concretas nos regimes de produção, culação e as formas de organização nas ou
que devem focalizar a dinâmica das rela tras escalas extralocais.
ções nos locais de trabalho, a percepção A questão da relativização da escala
dos trabalhadores sobre estas mudanças é proposta por Jessop também ajuda a pensar
central para a análise. esta superposição/indistinção do local e do
Segundo, se tomarmos a consideração global. A idéia da relativização da escala,
de Waddington de que a experiência da pro como um elemento constitutivo da globali
38
zação permite também compreender a im trabalhadores, a política do e no lugar de
portância do lugar de trabalho (como o lo trabalho não exclui a ação nos níveis supe
cal onde as relações sociais de produção se riores, mas a questão é se estas ações emer
realizam concretamente) mas também da gem de “baixo para cima” ou “de cima para
sua articulação com outros níveis de ação, baixo”. Seguindo mais uma vez Dirlik, po
nacional, regional e global (aqui entendido demos dizer, para finalizar, que o lugar de
como supraterritorial) se os trabalhadores trabalho pode ser o ponto de partida lógico
pretendem explorar as oportunidades colo para a reorganização do trabalho, não na
cadas para a sua ação e reação no sentido de sua fragmentação, “mas nas suas alianças
desafiar a hegemonia do atual desenvolvi- translocais, que são essenciais tanto para
mentismo global e assegurar um desenvol sua sobrevivência quanto para a criação de
vimento que seja consoante com o bem es uma economia e de uma vida social e polí
tar da humanidade. Do ponto de vista dos tica mais democráticas” (1999, p. 55).
Notas
4. Como mostra Boyer (2000), as multinacionais continuam a financiar seu capital essen
cialmente nos mercados financeiros locais.
5. Esta vertente, segundo Wincott (2000, p. 174), repudia “a noção que devemos ter a
expectativa de que a globalzaçao tome a forma, ou cause, uma convergência (política,
econômica ou social) ou uma homogenização geral” .
6. Por exemplo, como mostram Hay e Marsh * a crença de que medidas expansionistas
podem precipitar uma fuga afobada de capital pode ser suficiente para assegurar um per
sistente bias deflacionário. Este pode não manter relação com processos econômicos reais.
Contudo, um tal bias, por sua vez, pode servir para fortalecer a impressão de que a rein-
flação é impossível e de que não há alternativa à economia neoliberal em um contexto de
39
elevada mobilidade do capital, pois sua própria existência pode ser provavelmente toma
da como indicação desse tipo de lógica”. (Hay e Marsh, 2000, p. 9; ver também Wincott,
2000).
7. Para este autor, diferentes habilidades de esticar e/ou comprimir o tempo e o espaço con
tribuem para conformar o poder e a capacidade de resistência na ordem global emergen
te. Por exemplo, “o poder das formas hipermóveis do capital financeiro depende da
capacidade única que têm essas formas de comprimir seu próprio tempo de tomada de
decisão [...] enquanto continuam a estender e a consolidar seu alcance global ” (Jessop,
1999, p. 22).
8. Dirlik observa que a consciência do “lugar” adquiriu nova visibilidade na medida em que
a globalização, no seu movimento contraditório, tornou os lugares mais visíveis. Como a
globalização colocou os lugares face a face com as operações do capital, os “lugares ofere
cem não apenas uma vantagem para uma crítica fundamental do globalismo, mas tam
bém locações para novos tipos de atividades políticas radicais que reafirmam as priorida
des da vida cotidiana contra o desenvolvimentismo abstrato da modernidade capitalista”
(Dirlik, 1999, p. 40).
9. Jessop mostra que mesmo quando estas duas formas de capital estão separadas, como fra
ções diferentes do capital, uma fixação espaço-temporal é necessária para permitir ao ca
pital desenraizado fluir mais facilmente, já que o capital abstrato não pode ser valorizado
sem uma valorização contínua de alguns capitais particulares.
10. MacLean critica, entre outros, os trabalhos de Hirst e Thompson (1996) e Scholte
(1997). Ele mostra, por exemplo, que conceber globalização como crescimento das inter-
conexões entre as partes do sistema mundial não acrescenta nada à compreensão da glo
balização como um fenômeno qualitativamente distinto. Esta conceitualização apenas
afirma o óbvio, na medida em que a “interconexão entre as partes” não é nada mais do
que descrever algo como um sistema (MacLean, 2000, p. 50).
11. MacLean critica também o pós-modernismo, por ele reforçar a incompreensão da globali
zação na medida em que constitui uma reafirmação da tradição contra a globalização; uma
reafirmação da identidade, da escolha, do individualismo possessivo burguês. Além disso,
o pós-modernismo focaliza elementos unidimensionais da globalização como fragmenta
ção, identidade individual, agentes, localidades, turbulência, feminidade e microcircuitos
do poder, desconsiderando, deste modo, seus opostos, mas que são aspectos igualmente es
senciais, tais como: unificação e integração, a identidade coletiva, as estruturas, o global, a
calma, as relações de gênero e a hegemonia. Assim, apesar de o pós-modernismo ver sua
concepção de globalização como uma resistência e um projeto alternativo real ao seu cará
ter discriminatório e antidemocrático, para MacLean, se a globalização é uma condição da
“modernidade tardia”, como Giddens a define, o pós-modernismo, como postura analíti
ca, é uma conseqüência da globalização e, ao mesmo tempo, um elemento causal na sua
reprodução social.
12. Diz o autor: “Isto só poderia ser estabelecido se o tempo fosse absoluto e as visões sociais
fossem capazes de serem fixadas em um pedaço dele” (MacLean, 2000, p. 60).
13. No original “an economistic expert-knowledge based form of rational technical politics”.
14. No original “to the individualism of self-empowerment”.
40
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Resumo
Nesta resenha abordo a discussão sobre a noção de globalização e sua relação com a questão
do trabalho no mundo contemporâneo. O texto inclui principalmente autores ingleses, repre
sentativos dos principais enfoques teóricos que abordam a definição de globalização, suas
causas e consequências e dá destaque às visões críticas sobre a concepção dominante. Além
disto, procuro mostrar que os distintos modos de conceber o fenômeno da globalização impli
cam em diferentes maneiras de compreender a sua relação com as mudanças no mundo do
trabalho. Procuro, ao final, apresentar minha concepção de como, a partir de uma concepção
crítica, pode ser tratada a relação entre globalização e trabalho.
43
Abstract
In this review I study the debate on globalization and its relation with labour in the contem
porary world. Mainly including British authors that represent the most important theoretical
approches on this subject, it stresses critical views about the dominant notion of globalization.
Besides, I show that different conceptions of globalization imply in different ways of under
standing the very relationship between globalization and recent changes on labour. Finally, I
suggest how to deal with this relationship from a critical point ot view.
Résumé
44
Participação Política a Gênero: Algumas Tendências Analíticas Recentes*
Clara Araújo
Este artigo é uma versão ampliada do segundo capítulo de minha tese de doutorado defendida em
1999 e foi apresentado no XXV Encontro Anual da Anpocs, em 2001. Agradeço a Faperj o apoio para
pesquisa que viabilizou a atualização bibliográfica do mesmo.
45
BIB, São Paulo, n° 52, 2o semestre de 2001, pp. 45-77
cularmente identificadas e destacadas, com como representativas de uma “visão tradi
base em trabalhos ilustrativos de esforços cional” sobre a mulher na política. Nesse
nesse sentido: o resgate de uma dimensão período, teria predominado nas ciências so
institucional na análise sobre a participação ciais a interpretação que considerava as mu
política feminina; e a incorporação de pers lheres menos envolvidas e interessadas do
pectivas mais interdisciplinares aos estudos que os homens na participação política,1 e
envolvendo o tema “gênero e política”. Para essa participação remetia, basicamente, à
isto, é privilegiada a análise de alguns traba eleição para cargos legislativos; participação
lhos emblemáticos dessas tendências. Por partidária, em grupos de interesse e em
fim, sem pretender desenvolver um balanço campanhas eleitorais. Mesmo em relação a
exaustivo, este trabalho discute a situação essas dimensões, mais institucionais, as cau
desses estudos no Brasil, indicando alguns sas para a suposta não-participação não esta
desafios atuais. vam muito claras, e tampouco ocupavam
lugar de destaque nessas abordagens, muito
embora permeasse a hipótese da “apatia fe
minina” como elemento explanatório. Na
Refazendo Percursos: Os Contextos e as
década de 1970, com a emergência do de
Interpretações sobre a Mulher na Política
nominado “feminismo radical” como movi
mento e como pensamento crítico, ocorre
O marco dos estudos sobre participação uma alteração substancial nos estudos da
política das mulheres nas ciências sociais área. Investiu-se contra as análises que enfa
tem sido identificado no trabalho de Mau tizavam a pseudo-apatia feminina, tratando-
rice Duverger (1955) intitulado La partici se de ampliar o conceito de participação a
pation des femmes à la vie politique, no qual fim de demonstrar que as mulheres não par
o autor analisa de forma minuciosa a parti ticipavam menos do que os homens, mas o
cipação política da mulher no processo elei faziam de forma diferenciada. Buscava-se
toral e indica importantes pistas para pen conferir um sentido positivo às diferenças
sar os fatores envolvidos na decisão do voto nas formas de participação das mulheres, ar
das mulheres. Mais recentemente, sociólo gumentando-se que a participação se dava
gos e cientistas políticos comprometidos em esferas que não as tradicionalmente de
com uma perspectiva feminista têm feito finidas como políticas. Cuidou-se, então, de
uma leitura crítica da produção predomi dar visibilidade às distintas arenas nas quais
nante, desde então, na sociologia e ciência essa ação política se realizava pela expansão
política. Procuram demonstrar que muitas do objeto de estudo e pesquisa.
interpretações são passíveis de controvérsia, Com efeito, a partir desse período, des-
em particular as análises que tratam da di locou-se o foco da análise, antes centrado na
mensão e da natureza das diferenças de gê política eleitoral e/ou na esfera institucional,
nero na participação política. Nesse sentido, em direção a um universo mais amplo de ati
vários autores têm estabelecido referências, vidades políticas. As associações comunitá
analíticas e cronológicas, para agrupar as rias, as organizações voluntárias, os grupos
principais interpretações no âmbito da ciên de protesto, ou seja, uma gama de organiza
cia e sociologia política sobre a participação ções coletivas genericamente agrupadas
política das mulheres (Lovenduski, 1993, como movimentos sociais passam a consti
1996; Norris, 1994; Tremblay, 2000). De tuir o locus privilegiado de análise e resgate
acordo com os dois primeiros autores, as dé da atuação política das mulheres. A amplia
cadas de 1950 e 1960 são identificadas ção do universo da “política” como prática
46
coletiva e a consolidação das abordagens Norris (1996) vai identificar já em mea
com enfoques centrados nas percepções e dos da década de 1980 o surgimento do que
nas práticas sociais das mulheres como sujei define como uma terceira fase, caracterizada
tos políticos em arenas não-institucionais por uma “perspectiva revisionista”. Tal pers
passaram a ser o objeto privilegiado pelos es pectiva estaria preocupada em resgatar os es
tudos feministas, conforme indicam diversos tudos sobre envolvimento institucional das
trabalhos (Bookman e Morgen, 1988; Brito, mulheres e, ao mesmo tempo, rever as inter
1991; Ackelsberg, 1996). pretações predominantes. Segundo Norris,
Do ponto de vista social, esse processo essa perspectiva aceita que as mulheres pos
desenvolve-se concomitante a uma alteração sam ter sido menos envolvidas em atividades
mais geral ocorrida nas últimas décadas do políticas de massa durante e até a década de
século XX, nas práticas coletivas, que alarga 1950, mas sugere que a extensão do gap, as
ram o espectro das atividades agrupadas na sim como as referências usadas para reforçar
categoria de “participação política”, e para a tais evidências têm sido superestimadas. Os
qual os movimentos e o pensamento feminis estudos procuraram demonstrar que havia
ta tiveram contribuição relevante. A partici uma redução nas diferenças quantitativas en
pação política passa a significar também a tre a participação política de homens e mu
horizontalidade das práticas democráticas em lheres, e as razões para isto residiriam nas
todas as dimensões da vida social, assim tendências às mudanças no estilo de vida das
como a idéia de engajamento em processos mulheres nas áreas da educação, do empre
coletivos (Bobbio, 1988). E a ação coletiva go, da família, entre outras. Assim, se antes,
das mulheres, suas diversas experiências em nos estudos sobre comportamento eleitoral e
engajamento político institucional, as mu
movimentos e organizações não-institucio-
lheres eram identificadas como mais conser
nais constituíram rica base empírica nesse
vadoras, as pesquisas recentes tendem a
sentido. O movimento feminista incluiu na
constatar uma postura mais à esquerda do
sua agenda o lema “O pessoalépolítico” , o que
que os homens. O recente trabalho de Ingle-
ampliou a noção de político em direção a no
hart e Norris (2000) sobre comportamento
vas esferas coletivas e públicas, não-institu
político, envolvendo sociedades pós-indus-
cionais, assim como a uma dimensão até en
triais, identifica essa tendência. Destaca o
tão considerada fora da arena política e não
que seria uma inversão do sentido do gender
questionada pela ciência política, a dimensão
gap, sugerindo ainda não se tratar de algo
da vida privada. Com isso, os então chama circunstancial, mas estrutural, de longa du
dos womeris studies passam a discutir o signi ração, relacionado com o processo de mo
ficado da dicotomia público/privado e seus dernização política e econômica por que pas
impactos sobre a vida das mulheres, forne saram essas sociedades. Esses autores obser
cendo duas importantes contribuições: a am vam, entretanto, que nas sociedades ditas em
pliação do conceito de participação e a incor desenvolvimento, tende a prevalecer o gender
poração de outras dimensões da vida como gap tradicional no campo institucional.
parte integrante do político. Conforme desta A ampliação dos estudos sobre partici
cou Brito (1991), não se tratava apenas de pação institucional foi identificada e desdo
tentar romper a dicotomia público versus pri brada por Tremblay (2000, p. 339) em três
vado para pensar o político, mas também de diferentes estágios: o primeiro destaca as ca
afirmar a condição de sujeitos políticos para racterísticas sociodemográficas das mulheres
as mulheres, dando visibilidade à diversidade políticas em comparação com os homens;
de suas formas de participação. em seguida, viriam as análises envolvendo as
47
atitudes e as opiniões das mulheres em rela tros trabalhos indicam como muitas suposi
ção a diversas questões, assim como em rela ções foram assumidas a priori como dados
ção ao seu comportamento político; e por científicos, quando de fato, constituíam ca
fim, o período mais recente dá ênfase ao exa tegorias enviesadas e preconceituosas. Con
me dos impactos que as mulheres podem ge tudo, importa assinalar que essa tendência
rar sobre a cena política. não foi monopólio dos estudos sobre mulhe
De outra parte, esse processo exprimiu res. As tentativas de compreender as relações
também uma revisão crítica acerca do trata das mulheres com os espaços políticos foram
mento até então conferido à participação fortemente influenciadas pelos trabalhos so
política das mulheres na ciência política bre comportamento político na perspectiva
(Goot e Reid, 1984; Avelar, 1989; Blach- indicada acima, cuja matriz estava situada na
man, apud Brito, 1991; Ackelsberg, 1996; sociologia americana e no predomínio que
Sapiro, [1995] 1998; Bourque e Grossholtz, exerceu no contexto internacional das ciên
1998). Esses e outros autores questionaram a cias sociais há poucas décadas (Ackelsberg,
objetividade da ciência política no tratamen 1996). Os estudos posteriores sobre o com
to de certas questões. Mostraram como mui portamento político buscam romper com a
to estudos eram baseados em estereótipos e perspectiva determinista, incorporando di
preconceitos, tomando como pressuposto a mensões simbólicas e conferindo certo nível
existência de um desinteresse político por de autonomia aos autores. O “viés de gêne
parte das mulheres; ou ainda carregados de ro” também tem sido identificado em rela
críticas e preconceitos, assumidos como se ção à teoria política moderna, no que tange
fossem análises objetivas. Como exemplo des à construção de concepções que vieram
se “viés” destacam, entre outros aspectos, o orientar as normas de conduta e ação políti
da construção de categorias políticas que de ca na vida pública. Trabalhos como os de Pa-
finem a participação a partir de determina teman (1993, 1994, 1998), Okin (1991),
das “qualidades” masculinas em detrimento Phillips (1992, 1995), Riot-Sarcey (1994)
às femininas, vistas como incapazes de ser Bonacchi e Groppi (1994) entre outros,
transformadas em capital político. Assim, as mostraram como o conceito e as bases da ci
características femininas seriam identificadas dadania na moderna teoria democrática fo
como apolíticas, ao passo que características ram pautados por uma perspectiva andro-
políticas seriam sinônimo de comportamen cêntrica, que estava longe de ser neutra, tan
to masculino. Destacam ainda que suposi to quanto ao gênero como quanto a outras
ções como, por exemplo, a idéia de que as clivagens sociais. Os valores que se apresen
mulheres tenderiam a personalizar a política, taram inicialmente em nome do universalis
ou que se interessariam mais por atributos mo foram, de fato, referenciados num tipo
pessoais do que por conteúdos e propostas, físico - homem branco - e social - proprie
foram, por muito tempo, assumidas como tário —particular e politicamente dominan
dados. Esses autores mostraram também a te, legitimados por tratados e obras da maior
subestimação de estudos que tentavam de parte dos grandes pensadores políticos da
monstrar alterações positivas no comporta modernidade, os quais se preocupavam em
mento político das mulheres, tais como justificar e achar um lugar “adequado” às “li
aqueles que sugeriam haver poucas diferen mitações naturais e inerentes” à mulher.
ças substanciais nas respostas de homens e O segundo desdobramento desse pro
mulheres sobre política, ou ainda aqueles cesso de revisão, que embora não abarque
que contestavam a idéia de que as mulheres apenas a ciência política, a questiona parti
seriam conservadoras. Em suma, esses e ou cularmente, voltou-se para a sua dimensão
48
metodológica - para o leque de objetos de como variáveis analíticas. Estudos baseados
investigação empírica identificados anterior em etnografias, histórias de vida, observação
mente. Em consonância com reorientações participante ganharam espaço 'na agenda de
metodológicas voltadas para dar visibilidade pesquisa sobre a própria política, criando
e certo grau de intencionalidade aos atores mediações que propiciavam um trânsito en
em suas ações e relações sociais, pode-se di tre enfoques metodológicos diversos no inte
zer que a ampliação dos estudos sobre a par rior das ciências sociais, tendo em vista cap
ticipação política de mulheres deu-se em três tar a diversidade e a complexidade dos proces
direções, não necessariamente excludentes: sos envolvendo a participação política e social
no emprego de abordagens qualitativas, na das mulheres. A ênfase conferida às percep
mudança de orientação em direção às análi ções e às experiências das mulheres em suas
ses centradas nos processos de organização e práticas coletivas permitiu expandir o olhar
inclusão política e no maior espaço para a acerca do papel da cultura, dos valores e das
análise dos significados que as mulheres ideologias na construção das posições e das
como atores coletivos atribuem a essa parti trajetórias políticas dos atores, além de evi
cipação. Esse deslocamento forneceu novas denciar a diversidade das formas de engaja
pistas para se compreender como, nos pro mento político. Esses estudos, ao realçarem
cessos sociais, as trajetórias políticas encon- os limites das escolhas individuais das mu
tram-se significativamente imbricadas com a lheres, terminaram por oferecer pistas im
condição de gênero. A primazia até então portantes para o debate acerca da autonomia
conferida aos métodos quantitativos foi do ator e da problemática resumida na d/ade
questionada e parcialmente recusada. Obser ação versus estrutura. A partir da análise de
vou-se que os estudos sobre comportamento como as possibilidades e as opções das mu
político, por exemplo, baseados predomi lheres tendem a ser limitadas por um con
nantemente em procedimentos quantitati junto de fatores e relações sociais e familia
vos, como os surveys em torno de questões res, ampliou-se a compreensão sobre os pro
como “padrões de voto”, identificação parti cessos mais amplos que influenciam o envol
dária, comparecimento às urnas e medidas vimento político. Tal envolvimento tenderia,
comparativas de “interesse”’, permaneciam portanto, a não se basear apenas em escolhas
insuficientes para fornecer uma compreen pessoais racionais, sendo decorrentes, tam
são mais completa da participação política bém, dos processos sociais e institucionais
das mulheres. Isto porque tais procedimen nos quais os indivíduos encontram-se envol
tos dariam pequena importância aos signifi vidos (Christy, 1994; Norris, 1993, 1996;
cados atribuídos pelos atores, nesse caso, Reynolds, 1999; Viegas e Farias, 1999). Re
pelas mulheres, às suas ações e comporta lações entre dependência econômica e/ou fa
mentos (Ackelsberg, 1996). Além disso, os miliar das mulheres e suas escolhas eleitorais,
estudos sobre participação política feminina por exemplo, vieram, assim, fornecer novos
foram marcados por interpretações “negati elementos para enriquecer o debate sobre as
vistas”, predominando a ênfase sobre sua au possibilidades e os limites da escolha racio
sência numérica como expressão da exclu nal dos atores.2 Aqui, cabe destacar particu
são, sem se considerar, ao mesmo tempo, as larmente as contribuições de Bourdieu
trajetórias que conduziram a tal ausência (1993, 1999), com suas reflexões sobre a di
(Avelar, 1989). mensão simbólica, a construção social das
Com efeito, tratou-se de priorizar méto vocações e a relação entre disposições e posi
dos mais qualitativos, incorporando as per ções dos atores, aplicadas à análise sobre a re
cepções e as representações sociais dos atores produção da dominação masculina e, no
49
campo empírico, sobre a ausência/presença dológico chamam atenção para o fato de que
das mulheres em espaços da esfera pública e a (necessária) absorção de instrumentais de
do campo político. outras disciplinas foi acompanhada de um
posicionamento refratário ao uso de méto
dos clássicos como os métodos quantitati
Novas Tensões e Repetidas Dicotomias vos, por exemplo. Desse modo, a crítica ao
predomínio de análises sobre instituições e a
Se o saldo desse processo pode ser visto métodos quantitativos, que objetivou rom
como positivo em vários aspectos, ele apon per com o estreitamento analítico que privi
ta ainda para a permanência de algumas ten legiava estruturas e subestimava agentes e
sões aqui discutidas. Bourque e Grossholtz, contextos, parece ter gerado, em contrapar
([1984] 1998), por exemplo, já tinham su tida, o abandono de temas e dimensões ana
gerido que o aumento das pesquisas com líticas que constituiriam objetos clássicos da
perspectiva feminista no âmbito das ciências sociologia e da ciência política. A escassez de
políticas não vinha implicando, necessaria pesquisas sobre “gênero e participação políti
ca” , relacionadas com sistema político e ins
mente, em maior integração desses estudos
tituições governamentais, seria uma expres
nas fronteiras clássicas da disciplina. Em ba
são dessa diluição (Sapiro, 1998; Waylen,
lanço mais recente, Sapiro ([1995] 1998)
2000). Sapiro sugere que as feministas aca
volta a constatar esse mesmo cenário, obser
dêmicas tenderam a considerar pouco rele
vando que esses estudos tenderam a manter
vante o tratamento de questões relacionadas
a sua condição marginal em relação aos te
com arranjos institucionais e materiais, tais
mas predominantes da disciplina. Situação
como os “partidos” ou “governo”, dimensões
semelhante também foi identificada recente
que efetivamente compõem a vida política
mente por Heilborn e Sorj (1999) e Gregori
contemporânea, aí incluindo a vida das mu
(1999) para o caso brasileiro. Pode-se dizer lheres. Em conseqüência, resistiram a parti
que a constatação de certa resistência à in cipar do debate teórico mais geral sobre
corporação desse campo no núcleo duro da política e se voltaram muito pouco para
disciplina é praticamente um consenso. questões envolvendo a natureza do poder, da
Contudo, quando se trata de identificar as autoridade e da ação humana e, no campo
razões para isto, essa resistência não é pensa metodológico, para análises em perspectiva
da apenas sob a ótica da tradição dos estudos comparada. Embora faça questão de ressaltar
políticos. Em outras palavras, algumas análi as contribuições dos “estudos feministas” às
ses apontam, também, para uma resistência ciências sociais, que possibilitaram maior in-
dos chamados “estudos de gênero”, em in terdisciplinaridade e o efetivo “desenvolvi
corporar temas inscritos no interior dessas mento de uma vitalidade crítica” sobre os
fronteiras clássicas das ciências sociais (Sapi métodos, Sapiro lembra que as disciplinas
ro, [1995] 1998; Oakley apud Ross, 2000; são definidas por certos objetos, normas e
Sawer, 2000; Waylen, 2000). procedimentos que lhes conferem algum ní
Com o algumas dessas reflexões têm ca vel de especificidade ou, do contrário, suge
racterística de balanço crítico, vale a pena re, não existiriam como tal. Quanto a isto, a
resgatar, de forma sucinta, suas principais autora registra como problemáticas certas
observações. No plano mais teórico, as aná “importações analíticas” de teorias e méto
lises apontam para certa diluição no entendi dos, válidos, segundo ela, para áreas das hu
mento sobre o que constituiria o objeto da manidades, mas nem sempre apropriadas
análise política, bem como para o abandono para algumas áreas das ciências sociais, parti
da dimensão institucional; no âmbito meto cularmente, para a ciência política. Nesse
50
sentido, ela destaca que o debate sobre os lu Com efeito, a resistência aos métodos
gares e os deslocamentos entre dimensões quantitativos, que facilitavam a realização de
materiais e dimensões subjetivas, por exem pesquisas mais abrangentes e lóngitudinais,
plo, necessitaria considerar as distinções ne parece ter reforçado a tendência a certo aban
cessárias de serem feitas entre as característi dono de análises comparativas e macropolíti-
cas da área das humanidades - definidas cas sobre gênero e poder político. Isto pôde
como “texto-centradas” e onde a linguagem ser identificado, sobretudo, em torno de te
tem lugar destacado —e as características das mas como “governo”, “representação políti
ciências sociais, já que estas podem compor ca” e associativismo, que constituem uma
tar análises de e sobre textos escritos, mas agenda de pesquisa estratégica para se com
também sobre objetos/temas nos quais os preender as vias institucionais por onde se re
textos entram como recursos auxiliares. Seria produzem as assimetrias de poder nas rela
o caso, por exemplo, de análises que envol ções de gênero.
vem “públicos”, sejam cidadãos, sejam “faze
dores de políticas”, onde os textos constitui
riam apenas um meio para “viabilizar con
Novos Cenários e o Retorno ao Plano
versações sobre como resolver problemas que
Institucional
têm que ser entendidos em sua dimensão
material [...] tais como pobreza, guerra re
O cenário sociopolítico que começou a
cessão, educação” (Sapiro, 1998, p. 79).
se delinear a partir de meados da década de
Ainda em relação aos métodos, tem sido
1980 e culminou com a derrocada da União
destacado o lugar residual conferido aos mé
Soviética no início da década de 1990 pare
todos quantitativos. Ao mesmo tempo em
ce ter influenciado decisivamente na reorien-
que tais métodos foram transformados em
tação da agenda política. As alterações que
objeto de desconfiança como recursos váli
ocorreram no contexto político e ideológico
dos para essas análises, as abordagens quali
internacional conduziram a uma redefinição
tativas tornaram-se quase um imperativo,
de prioridades conferidas aos diversos espa
conforme sugerem Sapiro (1998) e Oakley
ços políticos e propiciaram um outro olhar
{apud Ross, 2000). Neste caso, os estudos de
sobre a democracia representativa e suas ins
gênero parecem ter ficado prisioneiros da
tituições. As instituições políticas tradicio
mesma armadilha dicotômica que criticaram
nais - parlamentos e partidos - retomam um
anteriormente. A observação de Oakley em
lugar destacado como locus da ação política.
relação aos métodos de pesquisa nos estudos
O feminismo como movimento social tende
feministas é ilustrativa dessa tensão:
a redefinir sua orientação, até então centrada
nas formas autônomas de participação. Nes
Algumas pessoas na área de saúde pública
te caso, assim como no de outros grupos out
vem se empenhando na construção de laços
siders, essa “reacomodação” faz-se acompa
coletivos de resistência a testes [de controle
nhada de críticas ao caráter conservador de
aleatório]. Algo semelhante ocorreu com
tais instituições, de demandas por novas prá
certas cientistas sociais feministas que costu
ticas e por sua democratização, de forma a
mavam dizer que só se deveria usar métodos
possibilitar a inclusão e o reconhecimento da
qualitativos. Quem não os utilizasse, não se diversidade de sujeitos políticos existentes. A
ria uma autêntica cientista social feminista. referência política no conceito de empower
Se você por ventura se apoiasse em números, ment? que enfatiza a necessidade de as m u
tinha de se desculpar por isso (Ann Oakley, lheres influírem no âmbito dos processos de
apud Ross 2000, p. 320). cisórios, conduz, também, a uma reavaliação
51
acerca da importância dos centros decisórios de participação política, há uma crescente
de poder institucional. Na Europa, particu preocupação com o cenário da participação
larmente, os partidos políticos adquirem institucional das mulheres nas esferas deci
nova importância para o feminismo, com as sórias, tendo em vista o significado que essa
mulheres procurando tornar-se ativas inte participação volta a adquirir.
grantes dessas organizações (Lovenduski, O exame da literatura mais recente indi
1993, p. 1). Na América Latina, esse perío ca que a década de 1990 foi marcada por
do coincide com as lutas por redemocratiza- uma preocupação dos estudos enquadrados
ção e atuação do movimento feminista, na rubrica “mulher e poder” em resgatar te
principalmente junto aos partidos de esquer máticas clássicas da sociologia política e da
da, orientadas, sobretudo, por esse contexto. ciência política. Indica também que na se
A esse deslocam ento, corresponde, gunda metade da década o retorno a temas
também, uma flexão nos programas de estu vinculados à política institucional foi mais
dos de gênero, com o tema do poder voltan acentuado, e marcado por novos esforços
do a ser abordado em sua vertente mais ins analíticos, teóricos e metodológicos, envol
titucional. Contudo, como foi discutido an vendo uma perspectiva mais interdisciplinar.
teriormente,4 trata-se de outro enfoque, sob Esse retorno, por sua vez, parece estar orien
outra ótica que não a predominante até a tado por um eixo articulador centrado no
década de 1960. A ampliação do universo debate sobre gênero e representação política,
da “política” como prática coletiva, e a con conforme pode ser observado em vários tra
solidação das abordagens com enfoques balhos (Varikas, 1996; Bachhi, 1996; Rule,
centrados nas percepções e práticas sociais 1997; Bryson, 1999; Viegas e Farias, 1999,
das mulheres como sujeitos políticos em 2001; Waylen, 2000), sobretudo entre aque
arenas não-institucionais apontaram, tam les com característica de coletânea ou de ba
bém, para outra leitura sobre a própria esfe lanço sobre o que tem sido produzido na
ra política institucional. As diferenças entre área em período mais recente (Norris e Lo
os índices de participação de homens e m u venduski, 1993, 1996; Riot-Sarcey, 1995;
lheres nas arenas de representação política Bachhi, 1996, Phillips, 1998; Tremblay,
puderam ser percebidas sob um outro ângu 2000, Vargas, 2000; IPU, 1997, 2000; Wo-
lo. Com o foi visto, até então, predominava mens Rights, 1997; Skjeie, 2000). O contex
uma leitura simplificada sobre essa partici to político que tem estimulado esses estudos é
pação. Quando estes estudos apresentavam marcado pela generalização das políticas de
as disparidades existentes entre homens e ação afirmativa e de cotas - forma privilegia
mulheres na rubrica “participação” , por da de estratégia política feminista com vistas à
exemplo, eram entendidos como expressão ampliação do acesso às arenas decisórias. Este
da apatia feminina ou de sua exterioridade tema passa a se constituir em um dos objetos
em relação à política. Esses mesmos indica privilegiados de investigação e análise na lite
dores passam a ser compreendidos sob um ratura internacional (Appleton e Mazur,
outro ângulo, qual seja, o da expressão da 1993; Darcy et a l, 1994; Bachhi, 1996,
exclusão política das mulheres e da perma Bonder e Nari, 1995; Butler e Kavanagh,
nência de dimensões estruturais e simbóli 1997; D ’Albora e Levine, 1996; Fraser,
cas que mantém as desigualdades de gênero. 1995; Phillips, 1995, 1998; Rule, 1997; Va
Em outros termos, o gap passa a ser tratado rikas, 1996; Haug, 1995; Hutn, 2001; Hutn
como problema da democracia e resultante e Jones, 2002; Jones, 1998; Mateus, 1999;
de condições socioculturais e econômicas. Lovenduski, 1993; Polanco, 1999; Squires,
Assim, preservada a noção mais abrangente 1996; IPU, 1997, 2000; Short, 1996; Way-
52
len, 2000; Viegas e Farias, 1999, 2001; Ainda em torno do mesmo tema, Okin
Inhetveen, 1999; Vargas, 2000; Skjeie c (1995) é uma outra referência importante
Silm, 2000; Sawer, 2000). quando se trata de analisar as aporias dessa
Grosso modo, partindo da problemática construção. A autora, numa perspectiva fe
da representação, é possível agrupar essa pro minista mais próxima ao liberalismo, vai
dução em dois principais blocos, embora também contribuir para mostrar como a
eles não necessariamente se apresentem sepa construção da esfera pública e a dicotomia
rados nos trabalhos analisados. O primeiro público versus privado implicou a negação
concentra trabalhos de cunho mais teóricos da cidadania às mulheres.5
voltados para discutir os temas da cidadania, Já o debate mais contemporâneo sobre a
do “reconhecimento” e da natureza da repre natureza da representação política e o pro
sentação política. O segundo, de característi blema do “reconhecimento” e das identida
cas mais empíricas, assinala um retorno a te des coletivas, tema que vem sendo muito
mas institucionais clássicos, como partidos, privilegiado nos últimos anos, vai se apoiar
eleições, governo, entre outros. Embora o em contribuições relevantes de estudiosas fe
foco central deste artigo esteja voltado para o ministas, algumas das quais merecem desta
exame do segundo bloco, é importante regis que particular. Os trabalhos de íris Young
trar, ainda que de forma resumida, algumas (1990, 1998, 2000) identificam, na nature
contribuições relevantes da produção femi za da democracia representativa vigente, o
nista no campo da teoria política. Tal produ ponto de limitação que possibilita a consti
ção caracteriza-se por sua natureza crítica, tuição das identidades e a organização dos
por tentar desconstruir e dialogar com os grupos formados a partir de sua condição de
principais cânones da teoria política e, ao inclusão/exclusão social, entre eles o das mu
mesmo tempo, pelo esforço em analisar, em lheres. Sua proposta mantém-se no campo
termos substantivos e não apenas descritivos, da chamada democracia representativa, mas
o problema da representação. Destaca-se par remete à constituição de um outro modelo
ticularmente a contribuição para uma análi de representação, centrado no reconheci
se crítica da cidadania, em suas dimensões mento simbólico e na obrigatória inclusão
política e social (Vargas, 2000; Tremblay, dos grupos excluídos, numa forma de multi-
2000). Nessa perspectiva, o problema do culturalismo que, porém, guarda certas par
acesso à representação passa, necessariamen ticularidades em relação a concepções como
te, por uma crítica ao modelo vigente de de as de Kylmilca (1995), por exemplo, mais
mocracia representativa, não se resumindo, comprometidas com uma perspectiva libe
portanto, a um problema de estratégia, re ral. Anne Phillips (1992, 1995, 1998), tem
cursos ou comportamento social. sido outra autora em cujos trabalhos se pode
São ilustrativos dessas abordagens em identificar uma preocupação com as caracte
relação à construção da cidadania, trabalhos rísticas e o sentido da ação política contem
como os de Pateman (1993, 1998), que porânea e sua relação com a representação,
procuram discutir a constituição da moder procurando inserir as novas estratégias femi
na teoria democrática liberal, submetendo a nistas por inclusão, como ações afirmativas e
uma instigante crítica a idéia de contrato cotas nesse debate. Identificando as limita
como liberdade. Em sentido contrário, essa ções da democracia representativa em res
autora enfoca o contrato social em seu as ponder e incluir demandas e atores consti
pecto patriarcal, no qual a sujeição das m u tuídos a partir do amplo leque de identida
lheres surge como elemento relevante para a des coletivas contem porâneas, Phillips
constituição da própria ordem moderna. defende a tese de que há um deslocamento
53
no eixo que orientava o sentido da represen jeto de reflexão e debate (Phillips, 1998;
tação, antes centrado no que denomina de Scott, 2001, Squires, 1996; Badinter,
“política de idéias”, nas quais os sujeitos que 1999;), ou mesmo como novo paradigma de
corporificam a representação não importam representação (W omens Rights, 1997;
tanto quanto as idéias que eles irão represen Suplicy, 1996).
tar, em direção ao que denomina de “políti Duas características merecem ser desta
ca de presença” na qual a presença física dos cadas na produção sucintamente exposta a
sujeitos passa a ser vista como decisiva para a cima. Um a consiste no diálogo interdiscipli-
defesa dos interesses identitários. a autora nar que se estabelece entre áreas como a filo
imputa esse deslocamento aos limites de sofia, a sociologia e a ciência política; e a ou
uma representação centrada unicamente nas tra diz respeito à inclusão da perspectiva e
idéias, mas identifica uma tensão e um risco das contribuições feministas como referência
“essencialista” no deslocamento do sentido importante no âmbito da teoria social. Nes
desta política. O desafio consistiria, então, ses trabalhos, as mulheres, as relações de gê
em evitar novas dicotomias e preservar um nero e seus impactos sobre a organização so
equilíbrio entre “idéias” e “presença” . O cres cial estão presentes todo o tempo, não como
cimento das políticas de cotas, segundo Phil objeto específico, mas como parte constituti
lips, teria de ser compreendido a partir dessa va das relações e dos conflitos coletivos con
perspectiva. H á que se registrar ainda os tra temporâneos, os quais, em muitos momen
balhos de Fraser (1995, 1997), centrados na tos, emergem como casos emblemáticos para
análise da constituição dos atores coletivos e pensar/exemplificar aporias e desafios postos
nos deslocamentos de temas clássicos da à teoria social.
agenda política desses atores, relacionados Este breve registro tratou de exemplificar
com a dimensão material e a “redistribuição”, as novas contribuições analíticas que emer
em direção a demandas culturais, por “reco gem no âmbito teórico sobre o sentido e a
nhecimento”; e também no debate sobre as natureza da política na sociedade contempo
potencialidades e as tensões geradas pelo rânea. O tópico seguinte tratará da análise de
multiculturalismo como base para a organi
processos e instituições sociais, abordando
zação política contemporânea. Também nes
trajetórias sociais, participação política e in
te caso há um deslocamento com destaque
serção em esferas institucionais da política, a
para as referências identitárias culturais, no
partir de alguns trabalhos específicos que
qual as políticas de ação afirmativa serão in
podem ser considerados emblemáticos desse
seridas. No debate em torno do entendi
esforço intelectual de contemplar múltiplas
mento do conceito de representação e das
dimensões analíticas.
formas e modelos de democracia, o conceito
de paridade entre os sexos emerge como for
ma de pensar o princípio da representação, e
não apenas o seu equilíbrio quantitativo. A O Gênero na Participação Política Institu
discussão remete, sobretudo, ao caso francês cional: Novos Enfoques Metodológicos
(Varikas, 1996)/ em razão da proposta e
posterior aprovação, pela Assembléia Nacio A literatura da última década sobre par
nal da França, deste conceito como um prin ticipação política vem apontando para a ten
cípio constitucional de representação. Mas dência crescente de estudos interdisciplina-
esse parece ser um tema bastante incorpora res como forma de responder às dimensões
do na literatura que discute a representação envolvidas em processos sociais, inclusive
a partir da perspectiva de gênero, como ob processos políticos, dada a diversidade de
54
identidades e estruturas nas quais os sujeitos bases subjetivas que reproduzem os valores e
sociais podem estar envolvidos. A partir de atributos sociais que configuram as assime
perspectivas distintas, há em comum a essas trias e desigualdades de gênero. Entretanto,
abordagens a tentativa de articular dimen isto não parece ser suficiente. Sem uma aná
sões subjetivas, coletivas e individuais, com lise mais abrangente, não é possível perceber
outras “estruturais” e/ou institucionais. Com como a junção entre estas práticas, as carac
efeito, busca-se contemplar a multicausali- terísticas históricas e certos contornos insti
dade envolvida na compreensão de como o tucionais tendem a produzir padrões mais
gênero recorta os processos políticos concre ou menos favoráveis às mulheres, neste caso,
tos, media e é mediado por outras variáveis
no campo da política.
políticas. E se isto implica incorporar dimen
sões simbólicas e trajetórias individuais, tais
Em suma, o que se pode observar é a
enfoques preservam, ao mesmo tempo, o pa
tentativa de unir aspectos mais gerais, uma
pel dos arranjos institucionais na construção
perspectiva macro de análise, envolvendo
dos espaços políticos de homens e mulheres.
sistema institucional e traços culturais, com
Essas abordagens concebem a formação de
aspectos contextuais, incluindo, também, a
padrões organizacionais e disposições simbó
análise das práticas e das percepções dos
licas passíveis de institucionalização e compa
atores envolvidos nos processos concretos.
ração, sem desprezar, no entanto, as contin
Nessa perspectiva, há também a ampliação
gências contextuais. São trabalhos emblemá
dos estudos em perspectiva comparada, vi
ticos desse esforço, no sentido de enfrentar o
sando a identificar quais os aspectos co
desafio de integrar, simultaneamente, as ca
muns que podem ser considerados padrões
racterísticas mais estruturantes dos sistemas
e quais as distinções que os contextos pro
políticos e institucionais e os contextos polí
duzem nesses processos.
ticos e culturais, às particularidades que
marcam os processos sociais e as relações
concretas nas quais os atores estão envolvi Alguns Exemplos de Enfoques Metodológi
dos e em torno das quais constroem sua cos Multidimensionais
subjetividade (Chapman, 1993). Conforme
foi observado em trabalho anterior (Araú
jo ,1999), Os três trabalhos destacados para servir
de referência à análise deste item partem de
alguns pontos em comum.7 O primeiro é a
[...] tal articulação permite visualizar a repre
disposição de incorporar uma perspectiva ex
sentação política não como um processo à
plicativa e não apenas descritiva para o pro
parte, mas como expressão de algo mais am
blema. O segundo enfatiza que as análises so
plo que não se esgota nos limites das institui
bre gênero e participação política necessitam
ções nas quais ela se exerce. As características
integrar aspectos macros, relacionados às ins
das relações sociais de gênero, os estereótipos tituições políticas e à dimensão cultural, assim
que justificam os lugares ocupados pelas m u como as percepções e trajetórias sociais dos
lheres nos espaços públicos e privados, suas sujeitos envolvidos nos processos examinados.
atribuições familiares, têm impactos sobre os O terceiro, decorrente dos anteriores, diz res
resultados da representação política e consti peito ao fato de que um dos objetivos centrais
tuem variáveis importantes a serem observa desses trabalhos é a formulação de novos qua
das. Adotando-se um enfoque metodológico dros de referência analítica, aplicando-os a es
centrado nas percepções do ator e em suas tudos empíricos comparativos (Chapman,
práticas, é possível desvendar e entender as 1993; Norris, 1993) ou a análises sobre pro-
55
cessos específicos (Viegas e Faria, 1999). Im nero, assimétricas e marcadas pela domina
porta assinalar também que, embora esses tra ção masculina, emergem como portadoras
balhos procurem pensar a inserção política de um background comum, identificado a
institucional como algo que envolve distintas partir de certos padrões que, características
dimensões e momentos, isto é feito tendo em quase universais, são mediados por contex
vista discutir o acesso à representação política. tos específicos. Tais padrões são diversifica
dos de acordo com contextos histórico e cul
Contextos históricos, padrões sociais e tural e com as clivagens sociais, produzindo
percepções dos atores contornos específicos no que diz respeito à
presença da mulher na política institucional.
No trabalho Politics, Feminism and the Ao mesmo tempo, a autora destaca que, sob
Reformation o f Gender, Chapman (1993) determinadas características políticas e insti
Chapman propõe-se a analisar o ingresso na tucionais, seja possível observar elementos
política institucional, o que define como re recorrentes ou tipos de variação que foge às
crutamento político, considerando-o o pro referências contextuais e culturais de deter
cesso que envolve mobilização, seleção e minados espaços políticos.
acesso à elite política. O objetivo da autora é Chapman faz certas restrições aos estu
compreender como os critérios de gênero in dos preocupados em romper com o pressu
terferem nesse processo e definem os dife posto da apatia política das mulheres, pois
rentes espaços para homens e mulheres. A considera que as explicações predominantes
assimetria de gênero no recrutamento políti têm sido conduzidas por três vertentes seg
co constituiria em um padrão geral, varian mentadas, as quais, isoladamente, não con
do em extensão, mas mantendo aspectos re seguem dar conta dessa complexa problemá
correntes que conferem propriedades co tica. A primeira vertente centra-se no “siste
muns aos sistemas políticos. Esse padrão, ma eleitoral”, tentando mostrar a relação di
por sua vez, é marcado por duas característi reta entre sistema de representação propor
cas básicas. A primeira concerne a atores en cional e maior participação das mulheres nas
volvidos em algum tipo de disputa. Neste instâncias políticas de representação. Segun
caso, Chapm an sugere que nas disputas po do Chapman, embora constitua parte essen
líticas por cargos eletivos, comparando-se cial do processo, essa abordagem, isolada
com o pequeno número de mulheres, há um mente, não esgota o problema de explicar as
número muito maior de homens disputando assimetrias e as variações existentes. A segun
tais cargos. A segunda diz respeito à hierar da diz respeito à “participação política” . Nes
quia dos cargos. Quanto mais alta ela for, te caso, procura-se explicar a participação
menor a proporção de mulheres presentes. pelo status socioeconômico, onde a educação
Chapman faz questão de salientar que, em é considerada uma variável dependente. Se
bora essas situações ainda prevaleçam, as gundo a autora, diversos estudos indicam os
mulheres estão tentando modificá-la; no en limites desse tipo de análise, pois a existência
tanto, afirma a autora, pela natureza do sis de instituições redistributivas podem tam
tema político, definido como caracteristica bém aumentar o gendergap, e, em muitos ca
mente masculino, o que quer que esteja as sos, quanto mais institucionalizadas e com
sociado ao sucesso no mundo da política, as plexas forem essas instituições, maior será o
mulheres estarão em situação de desvanta descompasso entre a participação das mulhe
gem ( idem, p. 12). res e dos homens. Por fim, a terceira interpre
O recrutamento político é, então, anali tação focaliza o “nível de compromisso do
sado num cenário em que as relações de gê partido político com o feminismo”. Chap-
56
man conclui que, embora os partidos assu recursos coletivos e/ou individuais podem
mam compromissos e que o movimento so ter impactos diferenciados sobre as candida
cial de mulheres pressione nesse sentido, isto turas em geral, e, sobretudo, como o gênero
não tem alterado substancialmente o quadro incide sobre as possibilidades ou a formação
geral da representação ( idem, p. 10).8 desses recursos.
Chapman, em contrapartida, apresenta N o período contemporâneo, tais recur
uma nova matriz analítica que abrange as sos tenderiam a ser decisivos para o acesso à
disciplinas de história, antropologia e ciência elite. Importa assinalar que a definição de
política, cujo pressuposto é: se, de um lado, “recursos coletivos” não se restringe à di
há uma variação no grau em que as socieda mensão financeira - sua origem advém das
des reconhecem as diferenças de gênero, de novas formas de organização e poder coleti
outro, algumas características são pratica vo, como, por exemplo, os grupos de pres
mente universais, ou seja, estão presentes em são, as instituições classistas e os próprios
quase todas as sociedades ao longo do tempo partidos políticos, que apresentam uma
e do espaço - as mulheres são prioritaria maior centralidade na organização política
mente responsáveis pelo cuidado da casa e contemporânea. Status e recursos seriam,
das crianças; e os homens estão vinculados a portanto, conceitos-chave para entender a
um conjunto de valores sociais dominantes, relação das mulheres com os processos polí
prioritariamente masculinos. ticos institucionais. Com o elas constituíram
O desafio reside, então, na capacidade o úliimo grupo social a conseguir o direito
de compreensão do sistema em que as mu ao voto, só ingressaram na arena política
lheres estão tentando penetrar - qual a base quando os contornos institucionais e nor
socioeconômica predominante no recruta mativos desse processo já se encontravam
mento político e como isto as afeta em ter definidos pelos atores masculinos e não dis
mos subjetivos e socioeconômicos {idem, p. punham dos mesmos recursos socioeconô
25). Entender o processo requer a adoção de micos. A autora, portanto, destaca que a
uma abordagem que permita identificar as análise acerca do status socioeconômico e da
características gerais das relações de gênero, capacidade de dispor de recursos passa a ser
quais suas implicações políticas mais amplas, decisiva em qualquer abordagem que pre
e como isto se relaciona com as implicações tenda entender essa situação. Aqui, como se
universais dos grupos sociais sem status polí observa, além da preocupação em articular
tico. Nesse sentido, a autora ressalta também dimensões subjetivas e dimensões estrutu
a importância de analisar as trajetórias polí rais, encontra-se presente o aspecto da in
ticas, as percepções pessoais e os processos clusão das condições econômicas na catego
institucionais nos quais os atores estão en ria dos recursos coletivos, ao mesmo tempo
volvidos, o que permitiria identificar os vín em que a noção de recursos é ampliada para
culos entre as experiências dos indivíduos e incluir outros aspectos.
as características dos grupos aos quais per
tencem {idem, p. 94).
Trajetórias políticas, dimensões simbólicas
Enfocando especificamente os proces
e institucionais da vida social
sos que envolvem disputas eleitorais por re
presentação, Chapm an desenvolve o concei
to de colective resources, o qual ajuda a anali O artigo de Viegas e Farias (1999), inti
sar não só os fatores que motivam ou ini tulado “Participação Política Feminina”,
bem a decisão dos atores para disputar um propõe-se a enfocar o acesso aos espaços de
cargo representativo, mas também como os cisórios da política a partir de seus condicio-
57
nantes anteriores, simbólicos e culturais, são certas competências específicas — cons
procurando compreender quais os “percur truídas e/ou adquiridas com base em expe
sos, constrangimentos e incentivos” (p. 55) riência de participação em associações de
que ocorrem na trajetória social das mulhe caráter público, através dos meios de com u
res, interferem na sua participação política e, nicação e, sobretudo, através da participa
posteriormente, condicionam o seu ingresso ção em partidos ou em outras instituições
nas instâncias decisórias. Embora esteja cir políticas - que irão propiciar um conjunto
cunscrito à realidade portuguesa, esse traba de “competências” apropriadas para sua in
lho apóia-se em uma abordagem teórica serção no campo político.
mais geral que permite extrapolações para Em outros termos, na constituição do
além desse contexto. A partir de certas cate que Bourdieu define como habitus político,
gorias tomadas de Bourdieu, tais como habi- torna-se imprescindível o capital cultural ne
cessário para a familiaridade com o campo, o
tus, campo e construção social de competências,
qual advém, principalmente, dos lugares nos
assim como de sua análise sobre a dimensão
quais a presença das mulheres costuma ser
simbólica da vida social, os autores pro
menor. Compreender esta ausência significa
põem-se a elaborar um “modelo” interpreta-
não descartar o quanto influi no processo a
tivo capaz de identificar os condicionantes
menor disponibilidade de tempo por parte
sociopolíticos e suas interconexões na rela
das mulheres, devido à permanência das atri
ção das mulheres com a esfera política.
buições familiares. Além disso, há a dimen
Conforme salientam, os processos “so-
são simbólica, configurada “pela dominância
cioculturais de aquisição de saberes e expe
de representações sociais sobre o mundo
riências, assimiláveis a competências políti
masculino e feminino, inscritas nas consciên
cas, [...] são decisivos no acesso dos agentes
cias e disposições dos homens, e também, das
aos lugares e posições do campo estritamen
mulheres, que as tendem a afastar de certas
te político, bem como nas possibilidades de
áreas ou posições sociais” (p. 57). Tais repre
atuação” (idem , p. 56). Segundo os autores,
sentações constroem “características” relacio
embora decisivos para as mulheres, esses
nadas aos comportamentos masculino e fe
percursos necessitam, também, ser conside
minino, identificadas como mais (masculi
rados simultaneamente a outros fatores ins
nas) ou menos (femininas) apropriadas para
titucionais, tais como sistemas políticos de
o exercício político. O s autores destacam
representação, características da democracia
ainda a importância de se considerar o capi
representativa, entre outros, os quais termi
tal social, definido como “recursos de lide
nam influenciando, também, as disposições
rança ou de representação de grupos ou or
para a participação coletiva e para a inserção
ganizações sociais” (p. 60), os quais, poten
institucional. Assim, o “político” como di
cialmente, podem ser canalizados para a
m ensão sim bólico-política, relaciona-se
aquisição de apoio político. Tal capital, se
com o domínio sobre idéias, concepções e
informações políticas. Sua aquisição requer gundo os autores, é adquirido a partir da in
certas competências básicas, que são forne serção dos agentes em posições de lideranças,
cidas, inicialmente, pela escola como insti nas associações e nas organizações da socie
tuição pública, área na qual a mulher já se dade civil assim como nos partidos políticos.
encontra bastante presente. Tais competên Essa inserção, por sua vez, não depende ape
cias são enriquecidas, posteriormente, pelas nas da intenção dos atores, já que há condi
vivências profissionais em outras áreas, aon cionantes anteriores que interferem na pró
de também as mulheres vêm ocupando um pria formação dessas disposições.
espaço razoável, embora ainda bem menor, D e acordo com os autores, em muitos
quando comparado à educação. Contudo, desses lugares as mulheres estiveram ausen
58
tes por um longo tempo, por imposições le sões subjetivas individuais, experiências coleti
gais e, posteriormente, em decorrência de vas e dinâmicas organizacionais ou institucio
suas condições de inserção. A organização nais que se dá, sucessiva ou simultaneamente,
sindical, por exemplo, é condicionada pela na relação das mulheres com o campo políti
presença no mercado de trabalho e esta, por co; e a ligação constante entre participação
sua vez, define como são ocupados esses es coletiva ou associativa e participação/represen-
paços; a inserção em associações de classe é taçâo em espaços institucionais, formando um
condicionada pela formação profissional. campo político ao mesmo tempo diversificado
Em bora alterações nesse campo tenham e integrado.
implicado em uma maior inserção associa
tiva feminina, o fato é que tais alterações Um modelo de síntese, as várias dimensões
não apagam os efeitos da “dominação sim envolvidas no acesso á elite política
bólica” de forma imediata. D o mesmo
modo, a permanência de suas atribuições fa Com o terceira referência encontra-se o
miliares implica em uma menor disponibili artigo de Norris (1993), que também discu
dade de tempo para a “disposição associati te o acesso à representação. A partir de aná
va” . Ou seja, não se pode discutir índices de lises comparadas acerca da situação e dos fa
participação desconhecendo a permanência tores envolvidos no acesso das mulheres à re
dessas práticas. Por fim, a análise tenta esta presentação política em diversos países, N or
belecer uma relação entre esse processo e as ris desenvolve uma proposta de modelo para
condições socioeconôm icas mais gerais, a análise da participação feminina nos pro
particularmente as características sociais cessos eleitorais que envolvem representação
das políticas públicas. Essas condições arti parlamentar. Nesse modelo, três níveis analí
culam-se, então, com as características do ticos são apresentados de forma integrada.
sistema político para possibilitar maior ou Conforme a autora, trata-se de um modelo
menor chance de ingresso das mulheres. que “ [...] procura estruturar o nosso enten
São, pois, os significados simbólicos e as dimento sobre o processo, identificar fatores
práticas institucionalizadas que vão confor que influenciam o recrutamento nos dife
mar as disposições e construir as “compe rentes sistemas e, assim, estimular caminhos
tências” que facilitam ou dificultam o in para outras pesquisas” (p. 311). O s três ní
gresso dos atores em geral. Em síntese, a ar veis englobam a dimensão mais ampla do
ticulação dos efeitos desses campos permite sistema político, a dinâmica partidária inter
a construção de um modelo analítico que na e o nível específico dos fatores que in
destaca as trajetórias sociais, com níveis de fluenciam as decisões particulares dos atores,
inserção e de dificuldades de acesso à esfera no caso, das mulheres, para concorrerem a
política, incluídas as associações cívico-po- um determinado cargo.
líticas e os partidos políticos, os quais, por O primeiro nível refere-se aos elementos
sua vez, conduzem ao ingresso nos órgãos que formam a estrutura mais geral do sistema
de representação e de decisão política. político de qualquer país — sistema eleitoral,
Conquanto o apoio na concepção de “do cultura política, sistema partidário e tipo de
minação masculina” de Bourdieu traga alguns competição legislativa. O segundo, envolve os
problemas para a análise em razão da caracte fatores que consubstanciaram o contexto no in
rística pouco relacional e pouco reflexiva que terior de qualquer partido político —em parti
esse conceito encerra, o que se pretendeu des cular, ideologia e organização partidária. Por
tacar aqui foram: a articulação entre dimen fim, os fatores que influenciam mais direta-
59
mente a definição individual dos candidatos paração dos sistemas eleitorais indique cer
no processo de seleção - em especial, recursos, tos padrões e tipos de sistemas em que as es
motivações dos candidatos e atitudes dos “sele tratégias feministas têm mais eficácia, traba
cionadores” , permeados pelas regras particula lhar essa variável isolada de seu contexto
res de cada partido em relação às candidaturas cultural e político implica em uma simplifi
(idem,p. 311). Para uma melhor compreensão cação da análise.
da proposta de Norris, que configura um mo A terceira variável refere-se à competição
delo mais estruturado, vale explicitar o signi legislativa, isto é, o número de concorrentes
ficado de cada um dos conceitos que com a candidatos e o de candidatos. Para Norris,
põem os diferentes níveis analíticos. a análise sobre as condições das mulheres para
O nível mais abrangente, isto é, o siste competir em cenários onde um conjunto de
ma político como um todo, é importante fatores interfere e constrange essa competição
porque permite estabelecer comparações en remete ao problema de como os segmentos
tre países e entre sistemas distintos, no senti que estão incluídos na categoria dos out-groups
do de entender como suas variáveis influen conseguem alterar os padrões de acesso ou
ciam na representação política das mulheres. criar mecanismos de ingresso nas esferas de re
E nessa esfera que são fixadas as “regras do presentação. Aqui são incluídas estratégias
jogo” político e na qual se encontram as qua individuais e coletivas de intervenção no
tro dimensões indicadas pela autora. processo. Entretanto, de acordo com Norris,
A cultura política é definida como “ [...] embora se possa sugerir que a competição le
os valores e atitudes dominantes em relação gislativa desempenhe um papel importante
ao papel da mulher na sociedade e na vida po na compreensão do recrutamento e, por isso,
lítica” (idem, p. 312). A autora sugere que se possa integrá-la a um plano mais abran
aonde ainda prevalece uma atitude mais tradi gente de análise, não há evidências consis
cional em relação às mulheres, elas mesmas tentes a esse respeito.
hesitariam em ingressar na carreira política, os A quarta e última variável desse nível
selecionadores tenderiam a resistir em indicá- sistêmico de análise é a dimensão institucio
las como candidatas e os partidos se oporiam nal do sistema partidário. Nas democracias
às políticas efetivas de igualdade de gênero, ao representativas, é através dos partidos que se
passo que nas culturas mais igualitárias, os ob viabilizam as candidaturas e a representação
jetivos relacionados com a igualdade de gêne política. A autora chama atenção, contudo,
ro tenderiam a ser compartilhados por quase ao fato de que privilegiar os partidos como
todos os partidos do espectro político.5 sistema institucional não implica considerá-
O sistema eleitoral é o segundo com po los estruturas rígidas e necessariamente bali
nente desse nível, um aspecto considerado zadas apenas por regras formais. Para ela, os
importante, pois permite entender em que partidos políticos “estão em constante fluxo,
medida a adoção de um ou de outro sistema mas o sistema partidário inclui fatores relati
afeta o acesso das mulheres à representação. vamente permanentes que se repetem ao
O s sistemas eleitorais variam de país para longo de seguidas eleições” {idem, p. 317).
país, mas essa variação é limitada - há siste Nesse sentido, para se compreender o papel
mas mais adotados por um grande número do partido político na competição partidá
de países. Três fatores parecem afetar a repre ria, há que se considerar sua força dentro do
sentação das mulheres, por ordem de priori espaço de representação; sua posição no in
dade: o tipo de lista eleitoral, a magnitude terior do espectro ideológico, e a emergência
do distrito e o grau de proporcionalidade. e o crescimento de novos partidos de acordo
Norris afirma contudo que, embora a com com suas características ideológicas.
60
O segundo nível de análise proposto é sociais: a origem social dos ativistas, suas
o do contexto partidário específico, isto é, trajetórias socioeconômicas, o processo de
suas características e práticas organizacionais recrutamento propriamente dito,'as relações
—formais e informais — e a ideologia parti entre candidatos e partido e o resultado da
dária. Nesse caso, sugere a autora, convém indicação dos candidatos. A fim de melhor
sair dos limites dos fatores mais sistêmicos compreender a relação entre os pretenden
para tentar entender como as práticas, as tes potenciais e as necessidades ou objetivos
regras partidárias e a ideologia de cada par dos dirigentes partidários, dois conceitos
tido afetam as mulheres particularmente. básicos são formulados. O de supply-sidefac
N o que tange ao aspecto ideológico, trata- tors, relativo àqueles fatores que envolvem as
se de entender se e como as demandas das motivações e os recursos capazes de influen
mulheres são incorporadas pelos partidos ciar o indivíduo a se tornar candidato e até
políticos, objetivando explicar a razão de mesmo ser vitorioso; e o de demand-sidefac
determinados partidos favorecerem ou acei tors, que define o quadro de necessidades
tarem certas estratégias propostas pelas mu eleitorais do partido. Já os atores individuais
lheres, ao contrário de outros. Norris apóia- baseiam-se na análise dos “recursos” dispo
se em estudos comparativos entre partidos níveis e em suas “motivações” para tomar a
de diferentes países para sugerir, por exem decisão de se candidatar.
plo, a existência de uma clivagem ideológi Convém notar que a perspectiva teóri-
ca entre direita e esquerda, o que definiria co-metodológica que a autora se apóia para
tipos e graus diferenciados de com promis analisar os “recursos” e as “motivações” é dis
sos políticos com as demandas das mulhe tinta das duas anteriores, aproximando-se
res, como, por exemplo, a adoção ou não de dos enfoques baseados nas teorias da “esco
políticas de ação afirmativas e de discrimi lha racional”. Assim, os indivíduos apóiam-
nação positiva (idem , p. 320). se em cálculos de custos e benefícios com
Além da ideologia, no contexto parti base em situações e estruturas de oportuni
dário, há que se observar a organização par dades específicas {idem, p. 328). Por outro
tidária. O s dois aspectos, combinados, po lado, o conceito de “recurso”, tal como em
dem favorecer em maior ou menor grau a Chapman, ganha uma conotação mais am
participação e a influência que as mulheres pla do que a estritamente financeira, englo
possam vir a ter sobre a definição do uni bando outros elementos, como os capitais
verso de concorrentes, incluindo aqueles políticos potenciais. Segundo a autora, as
que são preferencialmente elegíveis pelos condições de elegibilidade são determinadas
partidos. Norris lembra que a comparação por “recursos” como “tempo”, “dinheiro”,
sobre os tipos de processos em diferentes “redes de apoio” , “experiência política” e
países e partidos oferece indícios de que a “conhecimento acumulado” . Já as “motiva
natureza da organização partidária, suas ções” envolvem as ambições que os atores
práticas e formas de decisão política tam possam ter no sentido de vir a disputar ou
bém constituem importantes componentes ocupar cargos, originadas por desejos de ter
para pensar as possibilidades e a eficácia de “poder”, status, e/ou de representar um gru
im plem entação de políticas afirmativas po de interesse; de desenvolver um serviço
e/ou de discriminação positiva, como as co público; obter ganhos materiais, lealdade
tas, por exemplo. partidária; ou ainda por objetivos ideológi
Já o terceiro nível de análise saí por cos, entre outros.
completo das fronteiras dos sistemas institu Em ambos os casos, a análise de como o
cionais, envolvendo a dinâmica das relações gênero perpassa as trajetórias - familiar, social
61
e política — irá fornecer importantes pistas Alguns Com entários sobre a Produção
para a compreensão da disponibilidade de re Brasileira
cursos e das possibilidades de motivação polí
tica, necessárias às etapas posteriores do pro Os traços gerais que marcaram os estu
cesso de recrutamento. Por outro lado, há a dos sobre mulher e/ou gênero e participação
demanda partidária, isto é, as necessidades política, e que foram objeto de crítica de es
dos partidos, em que estão envolvidas as tudiosas feministas, também são identifica
prioridades políticas e sua adequação aos re dos nas ciências sociais no Brasil, particular
quisitos e critérios estabelecidos pelos diri mente na ciência política. Em relação à tra
gentes que controlam o processo de decisão jetória de institucionalização desses estudos
eleitoral para definir os potenciais concor no país, Heilborn e Sorj destacam o fato de
rentes. Com o eles percebem o papel do re que, ao contrário do que ocorreu nos Esta
presentante parlamentar e o que definem dos Unidos, “ [...] as feministas da academia
como experiência política ou requisitos para não desenvolvem estratégias de enfretamen-
competir são questões balizadas por percep to com as organizações científicas e com os
ções e valores individuais, referências ideoló departamentos aos quais estavam vinculadas
gicas e cálculos estratégicos, trata-se então de e concentram seus esforços, quase que exclu
procurar avaliar se e como os fatores de gêne sivamente, na área da pesquisa social” (1999,
ro perpassam esse processo. p. 186). Essa estratégia não possibilitou a
Com o foi assinalado anteriormente, os formação de “unidades próprias de ensino” ,
três trabalhos partem de perspectivas analíti ou de espaços alternativos, como assinalam
cas distintas quanto à natureza da subjetivi as autoras. As acadêmicas brasileiras optaram
dade dos atores e das possibilidades, de ação. por “integrar-se à dinâmica da comunidade
De igual modo, as instituições que irão ocu científica nacional mediante a obtenção do
par lugares privilegiados na formação de va reconhecimento do valor científico de suas
lores ou padrões variam de análise para aná preocupações intelectuais pelos profissionais
lise. Assim, a participação política por gêne das Ciências Sociais” (idem, p. 187). Isso pa
rece ter resultado no reconhecimento insti
ro passa, necessariamente, por uma análise
tucional desse campo no interior da acade
multicausal que articula as distintas dimen
mia. Contudo, certas resistências continuam
sões da vida social, incorporando aspectos
sendo identificadas, e tanto este como outros
que, por muito tempo, foram ignorados pe
balanços reconhecem que se trata de um
los estudos políticos e preservando dimen
campo ainda marcadamente ocupado por
sões inerentes a esse campo. A escolha desses
mulheres. Assim como foi assinalado no iní
trabalhos para ilustrar essas tendências não
cio deste artigo, no Brasil, é também na
significa uma adesão ao conjunto de suas for ciência política que as autoras constatam
mulações. O que se pretendeu destacar foi o uma maior fragilidade desse processo de ins
fato de que, por caminhos diversos, esses tra titucionalização.10 Com o razões para isso,
balhos procuram articular estruturas, atores, Pinto (apud Heilborn e Sorj, 1999, p. 193)
subjetividade — coletivas e individuais - e assinala problemas de ordem empírica, rela
processos sociais mais amplos. Nesse senti cionados à ausência de estímulo por pesqui
do, tanto podem ser considerados expressões sas sobre esse tema, decorrente do fraco in
de ruptura com as abordagens identificadas gresso das mulheres no que se define como
no início deste texto, quanto de resgate de arena política; e, problemas de interpreta
dimensões mais estruturais, ou institucio ções teóricas, relacionados à compreensão
nais, como referenciais para análise. conceituai da idéia de participação e de esfe
62
ra pública. Em trabalho recente, Pinto ação coletiva com fins políticos, fossem elas
(2001, p. 101) volta a registrar a dificuldade feministas ou não. Nessa perspectiva, foram
de incorporar a variável gênero em estudos passíveis de crítica tanto a produção clássica
vinculados ao núcleo clássico da ciência po da ciência política (Avelar, 1989; Brito,1991)
lítica brasileira, bem como dificuldades teó quanto estudos realizados por feministas em
ricas, relacionadas à “noção de participação torno da participação institucional, pois, con
da qual esses estudos partem” . Ademais, forme sugeriu Brito (1991), os mesmos ten
mesmo com a posterior incorporação ou diam a privilegiar a ausência das mulheres do
substituição do tema “mulher” pela chamada campo político institucional, reforçando, ain
“problemática de gênero”, que propicia aná da que de forma não-intencional, a ideologia
lises mais relacionais e comparativas sobre a da apatia feminina, que obliterava suas outras
inserção de homens e mulheres na política, formas de participação política. Em contra
essa área de pesquisa permanece predomi partida, tratava-se de desconstruir o mito da
nantemente ocupada por mulheres. Assim, o apatia feminina resgatando a conexão entre
registro dos estudos e das pesquisas nesse as lutas sociais, a política, o comportamento
campo, que aqui está sendo designado como eleitoral das mulheres, ou, ainda, demons
“género e política”, no Brasil, ainda remete trando a rica atuação e contribuição feminis
fundamentalmente à produção de acadêmi ta na luta por democracia política.
cas ou de ativistas que procuram desenvolver A análise dessa literatura revela que o
uma reflexão em torno do tema. percurso crítico no Brasil também se de
Os trabalhos sobre mulher e política no frontou com tensões semelhantes àquelas
Brasil ganharam destaque a partir do início identificadas em relação às abordagens femi
dos anos de 1980, refletindo, de certo modo, nistas já discutidas. Em outras palavras, não
o clima de redemocratização que se iniciava se tratava apenas de resistência daqueles que
no país e que marcou aquela década. Traba trabalhavam com os temas clássicos da polí
lhos como os de Alves (1980), Moraes tica em incluir outros temas ou algumas va
(1985), Toscano (1982, 1985), C osta riáveis - problema que parece permanecer
(1986), Pimentel (1987), entre outros, pro até o momento —, mas também de uma di
curavam registrar e compreender a evolução ficuldade das estudiosas feministas em tra
da luta por direitos políticos das mulheres e balhar com esse “núcleo duro” e incorporar
os fatores intervenientes nesse processo. O os temas clássicos como objeto relevante
quadro da inserção e o acesso à representação para compreender a inserção institucional
parlamentar e à política institucional tam por gênero. Aqui, a ampliação da esfera do
bém constituíram objeto de atenção (Tabak, “político” parece ter sido acompanhada, tam
1981, 1987, 1989; Blay, 1983, 1989, 1990; bém, pela dificuldade em sentido oposto, isto
Avelar, 1989), assim como a constituição das é, em considerar e incorporar o campo mais
mulheres como sujeitos políticos e sua atua tradicional da política." A partir da segunda
ção coletiva (Souza-Lobo, 1987; Pinto, metade da década de 1980, e até meados da
1987; Goldberg, 1989; Cardoso, 1987). década de 1990, período em que há um sig
Condizente com os deslocamentos teó- nificativo crescimento dos “estudos femi
rico-metodológicos identificados anterior nistas”, as pesquisas envolvendo a participa
mente, parte dessa produção orientou-se por ção política da mulher em sua dimensão
uma perspectiva analítica que procurava re mais institucional registram um crescimen
definir o conceito de participação política no to tímido. E se, por um lado, o clima polí
sentido de torná-lo mais abrangente e confe tico da época favorecia a emergência de
rir visibilidade à diversidade de formas de movimentos sociais de mulheres ou de ou
63
tros movimentos nos quais elas participa as tendências das pesquisas nessa área per
vam como sujeitos coletivos, propiciando mitiu constatar uma diversidade de temas
um vasto campo de investigação, é fato de investigação, porém, ainda com predo
também que esse período foi marcado pela minância em pesquisas históricas que pro
retomada de temas da democracia relacio curam resgatar a trajetória individual de de
nados à sua dimensão institucional, parti terminadas mulheres em momentos especí
cularmente o tema da representação. O ficos, especialmente na luta pelo sufrágio
crescimento inicialmente registrado da pre universal. A seguir, constavam os estudos de
sença de mulheres no parlam ento12 trans- casos sobre experiências coletivas localizadas
form ou-se praticam ente em estagnação e não institucionais; e, em menor escala,
num momento posterior, mas isto não pa pesquisas sobre os processos eleitorais e as
rece ter sido suficiente para estimular estu experiências iniciadas com as ações afirmati
dos a respeito, ou mesmo a inclusão desse vas e as cotas, estas últimas versando tanto
como um problema nas pesquisas mais sobre seus impactos quantitativos quanto
abrangentes sobre o sistema político. simbólicos. O exame mais abrangente dos
A década de 1990 foi marcada pela am trabalhos publicados nos últimos anos reve
pliação do debate sobre a participação em la, contudo, um aumento de pesquisas que
instâncias de poder.13 A partir da segunda elegem dimensões distintas da representação
metade dessa década, sobretudo, discutiram- política. Com o já foi assinalado, também
se os caminhos alternativos e as formas tra no Brasil esse processo vem sendo estimula
dicionais de acesso ao poder no Brasil, por do por novas estratégias de acesso ao poder,
meio dos quais as mulheres se afirmam que, no nosso caso, se corporificam nas ini
como sujeitos políticos e ingressam na dis ciativas sindicais e na aprovação, a partir de
puta eleitoral (Blay, 1990; Pinto, 1994a; 1996, de leis federais estabelecendo cotas
Pinto et a i, 2000). Nessa literatura mais re para a disputa legislativa. O acompanha
cente, tem sido destacado, também, o tipo mento desses processos e a análise de seus im
de capital político predominante na viabili pactos tem sido objeto de pesquisas para tra
zação das candidaturas, particularmente o balhos que analisam os efeitos quantitativos e
traço familiar desse capital no que se refere qualitativos dessas políticas, propiciando lei
aos partidos mais conservadores, confor- turas distintas e gerando debates que podem
mando-se quase um padrão de ingresso na vir a produzir novos desdobramentos teóri
política. Procura-se, de igual modo, dar visi cos e metodológicos para os estudos sobre gê
bilidade aos discursos e às redes de relações nero e política no Brasil (Godinho, 1996,
que as mulheres estabelecem para disputar a 1998; Araújo, 1998, 1999, 2001; Miguel,
política (Barreira, 1998; Lemenhe, 1998; 1999, 2000; Suplicy, 1996; Souza, 2000;
Costa, 1998), bem como aos processos espe Grossi e Miguel, 2001).15
cíficos nos quais as mulheres estabelecem es
tratégias coletivas de intervenção na política
(Godinho, 1996, 1998; Borba, 1998). Des Observações Finais
taquem-se ainda trabalhos que visam a ofe
recer um panorama mais geral acerca do es O conceito de participação é hoje mui
tágio atual de participação da mulher na po to mais abrangente e permite um olhar sobre
lítica (Avelar, 1996; Prá, 1996; Prá e Baque- formas de inserção e tipos de ação coletiva
ro, 1997; Blay, 2001). das mulheres, até há pouco invisíveis ou des
Em encontro recente,14 um levanta considerados. Todavia, não há como deixar
mento informal com o propósito de mapear de registrar o fato de que as brasileiras conti
64
nuam apresentando índices baixos de parti ços políticos não-intitucionais, os quais en
cipação nas arenas clássicas da democracia volvem a participação nos movimentos co
representativa.16 munitários urbanos, bastante estudados, or
O balanço dos temas discutidos na lite ganizações religiosas, assim como em novos
ratura recente indica a relevância que esse movimentos, como o do sem-terra. Os espa
tipo de participação adquiriu. Indica, tam ços e as contribuições das mulheres nesses
bém, que a suposição da “apatia feminina” movimentos merecem atenção especial.17
em relação à política, que permeou a litera Além disso, constata-se um grande número
tura por muitas décadas, encontra-se bas de pesquisas voltadas para destacar as expe
tante enfraquecida como explicação válida riências individuais, por meio dos estudos de
para as assimetrias existentes, tornando-se caso sobre mulheres na política, sobretudo
mais uma manifestação de preconceito do via resgate histórico, como forma de conferir
que um elemento de interpretação. A preo visibilidade a essas atuações. Um terceiro as
cupação em destacar formas de participação pecto a destacar refere-se à limitada produ
política não-institucionais, afirmando a pre ção de análises que estabeleçam conexões e
sença política das mulheres nos múltiplos forneçam uma compreensão mais ampla
espaços, assim como os processos nem sem acerca dos fatores contextuais e mais gerais
pre visíveis, constitui um tipo de contribui que interferem no acesso das mulheres às
ção bastante significativa, sobretudo em um instâncias decisórias. Quanto a isso, são par
país marcado por longos períodos de exce ticularmente raros os trabalhos que conside
ção, onde se agravam ainda mais as possibi ram o sistema político ou os aspectos partidá
lidades de visibilidade política para os seto rios. Embora os estudos sobre sistema eleito
res e grupos excluídos. De igual modo, a ri ral e partidário tenham alguma tradição no
queza dos movimentos comunitários na país, pode-se dizer que a intercessão com a
América Latina em geral e também no Brasil problemática de gênero ainda está por ser fei
é revelada, sobretudo, por meio da participa ta. Assim, não é precipitado sugerir que as re
ção ativa das mulheres. Contudo, o cenário sistências identificadas tendem a se reprodu
da participação das mulheres nas instâncias zir na produção local, refletindo-se na escas
que compõem a representação - expresso em sez de trabalhos que privilegiam as dimensões
termos quantitativos nos baixos índices de institucionais e, sobretudo, incorporam as
presença no executivo e no legislativo —ain perspectivas comparadas.
da está por ser mais bem analisado e com Os estudos de caso e de processos rela
preendido, a partir de análises que incorpo cionados com a experiência de atuação po
rem dimensões subjetivas e estruturais, carac lítica coletiva têm contribuído para recons
terísticas das relações de gênero no Brasil, ar truir as trajetórias que conduzem mulheres
ticuladas às características mais amplas do sis de sua condição de atores individuais a ato
tema político brasileiro. res coletivos. Nesse sentido, ampliam e dão
Em se tratando do problema do acesso visibilidade à participação não institucional,
ao poder, particularmente ao tema da repre favorecendo também o entendimento de
sentação política, o balanço geral a respeito como as relações de gênero produzem restri
dessa produção, embora não exaustivo, per ções concretas a esse processo e de como as
mite finalizar este artigo com algumas obser mulheres constroem estratégias que rom
vações sobre as suas potencialidades e os seus pem com tais restrições. Tais estudos estão,
limites. De início cabe destacar a produção contudo, por seus próprios objetivos, limi
substancial voltada para conferir visibilidade tados para fornecer pistas mais consistentes
à participação coletiva das mulheres em espa acerca da forma pela qual o gênero recorta
65
certas dimensões políticas e influencia a in terísticas do sistema partidário e/ou eleitoral
serção das mulheres nas estruturas de po e a cultura política. Tais aspectos são conside
der. O s enfoques mais históricos, que resga rados, por vários estudos (Rule, 1997; Jones,
tam a luta ou a presença de mulheres em 1998; Polanco, 1999; Araújo, 1999; Hutn,
determinados processos, constituem um 2001; Skjeie e Silm, 2000), importantes para
outro tipo de produção. Esses estudos são o êxito dessas experiências. O registro do
importantes porque resgatam atuações di processo e de seu significado simbólico —
luídas nos registros oficiais e desvendam, ao para candidatas e dirigentes — tende a ser o
mesmo tempo, os obstáculos e os precon elemento mais destacado, inclusive quando
ceitos que se intercalam nessas trajetórias. se trata de analisar as razões da baixa perfor
Contudo, embora ajudem a identificar as mance no interior dos partidos e nos resulta
rotas percorridas para o ingresso nessas ins dos quantitativos eleitorais. Talvez esse tema,
tâncias, não dão conta das confluências que por estar diretamente relacionado à dimen
determinam os padrões atuais. H á uma bi são institucional da política, expresse de ma
bliografia em franco desenvolvimento que neira mais clara a permanência das tensões
trata do “estado da arte” da participação aqui discutidas e o tratamento dicotômico
política, isto é, da situação atual — índices existente quando se trata de considerar signi
de participação, lugares ocupados, entre ficados e percepções, por um lado, e estrutu
outros aspectos - predominando, porém, ras, por outro.15 A respeito do processo em
uma característica descritiva. D e outro curso até o momento, os resultados das cotas
lado, salvo algumas exceções, como, por têm ficado aquém do esperado, e isto tam
exemplo, os trabalhos de Pinto (1994b, bém tem efeitos sobre a subjetividade das
2000) e Miguel (2000),18 é perceptível a es mulheres, o que aponta para a necessidade de
cassez de análises que desenvolvam refle articular as várias dimensões em questão.
xões mais teóricas sobre o tema “gênero, Essa situação, bastante assimétrica, ocor
participação e representação” . Observa-se, re também nos espaços executivos, inclusive
ainda, a ausência de estudos empíricos que naqueles onde não está envolvida a represen
trabalhem com uma perspectiva comparada tação, como os internos à administração. Nes
mais ampla, sobretudo entre países. Em al se cenário, o aprofundamento em torno das
guns casos, como, por exemplo, o trabalho investigações sobre dimensões institucionais
de Avelar (1996), tais dimensões são apon e processos políticos numa perspectiva de gê
tadas, porém, não são discutidas de forma nero pode vir a produzir uma análise crítica
mais aprofundada. consistente sobre a (in) capacidade de absor
Em se tratando dos estudos voltados ção das mulheres e de outros agentes histori
para as políticas de ação afirmativa e cotas, camente excluídos das instâncias de poder
relacionados com a esfera da representação político. Ao olharmos as duas últimas déca
legislativa, ainda é cedo para identificar as das, podemos identificar um saldo bastante
tendências mais consolidadas, uma vez que as positivo na trajetória dos estudos de gênero
pesquisas ainda se encontram em andamen no país, mas há ainda um vasto e estratégico
to. Mas não é de todo precipitado sugerir que campo a ser explorado. Retomando a obser
há uma certa dificuldade, ou mesmo resistên vação de Sapiro ([1995] 1998), quer queira
cia, em analisar as políticas de cotas em sua mos ou não, essas instituições existem e, por
relação com as dimensões institucionais do tanto, contam na manutenção ou na altera
sistema político, em aspectos como as carac ção dos espaços ocupados pelas mulheres.
66
Notas
1. Aqui a participação política é entendida como algo mais amplo do que a participação ins
titucional, envolvendo a “atividade cidadã que visa a influenciar governos” (Norris,
1994a, p. 26).
2. Cabe exemplificar alguns estudos antropológicos recentes, realizados no Brasil, como os
de Heredia (1996) e de Kuschnir (1999) por exemplo, que acrescentam novas evidências
sobre o complicado imbricamento entre escolhas políticas e hierarquias familiares, sobre
tudo em relação às escolhas das mulheres.
3. No Brasil, esse termo tem sido livremente traduzido como “empoderamento”. Esse con
ceito remete a um processo “ [...] que visa a consolidar, manter ou mudar a natureza e a
repartição do poder num contexto cultural particular” ( Le Doaré, 1994, p. 72). Para aná
lises sobre participação política na perspectiva do empowerment, ver, entre outros, Book-
man e Morgen (1988).
4. Refiro-me à síntese feita por Norris quanto aos tipos de análises que caracterizaram cada
um dos períodos por ela identificados.
5. Sobre isto, ver também Dietz (1996).
6. Ver, por exemplo, número especial do Le Monde, 284, fev. 2000, com artigos de várias
autoras.
7. Por razões de espaço não estão sendo considerados aqui outros trabalhos nesse sentido,
como por exemplo, os de Lovenduski e Norris (1995), Darcy et ctl. (1994) e Bachhi
(1996), entre outros.
8. Não se pode deixar de registrar que a autora está escrevendo ainda no início da década de
1990, e que desde então algumas alterações podem ser observadas. Isto, por sua vez, não
tira a atualidade de suas contribuições.
9. O destaque conferido à dimensão da cultura e, particularmente à cultura política na com
preensão dos fatores que interferem no recrutamento político por gênero tem sido feito
por vários trabalhos mais recentes, como os de Reynolds (1999), Inhetveen (1999), Skjeie
e Silm (2000), entre outros. •
10. Segundo as autoras, o levantamento realizado sobre o número de teses defendidas no Rio
de Janeiro nas três áreas das ciências sociais indica um número inexpressivo de trabalhos
na área de ciência política.
11. Pode ser ilustrativa dessa tensão a resenha publicada no BIB, 18 (1984), intitulada “M u
lher & política: um debate sobre a literatura recente” , de autoria de Mariza Corrêa. De
fato, tratava-se de uma resenha bem estruturada sobre o tratamento do terna da família,
relacionando-o com a agenda feminista da época. Nela está presente a preocupação em
trabalhar com um conceito mais amplo de “política”. Mas, embora em sentido amplo o
termo pudesse ser aplicado, o fato é que há poucas referências a temas relacionados com
a política em sua dimensão institucional ou mesmo como ação social coletiva.
12. Ver Avelar (1996), Araújo (1999).
13. Ê também digna de registro a produção que procurou cobrir a experiência das mulheres
no movimento sindical desde a década de 1980, incluindo as experiências mais recentes
de cotas (Araújo, 1991; Cappelin, 1994; Castro, 1995; Godinho, 1996).
67
14. Refiro-me ao III Encontro “Enfoques Feministas e as Tradições Disciplinares nas Ciên
cias e na Academia”, realizado em setembro de 2001, G T “Gênero e Política” , no qual fo
ram inscritos 25 trabalhos. Por ser um evento voltado especificamente para ós estudos de
gênero e ser mais acessível a jovens pesquisadores, esse encontro facilita um mapeamento
sobre os temas que estão estimulando pesquisas.
15. Entre 1996 e 2001 a revista Estudos Feministas promoveu dois seminários e publicou dois
dossiês sobre o assunto. Houve também seminários promovidos em universidades.
16. Num ranking elaborado pela União Inter-Parlamentar sobre presença feminina no parla
mento, atualizado em fevereiro de 2002, envolvendo 134 países, o Brasil ocupou o 9 4 °.
lugar. Em relação a países da América Latina, só ficou à frente de Honduras, Haiti e Pa
raguai.
17. Alguns desses trabalhos foram apresentados no X Congresso da SBS, envolvendo vários
assentamentos rurais.
18. Num a fase anterior pode ser destacada a obra já mencionada de Avelar (1979), que bus
ca desenvolver uma perspectiva mais analítica para pensar um problema empírico de pes
quisa.
19. Com o bem foi notado por Giddens (1989), trata-se de uma falsa dicotomia, pois ambas
as dimensões compõem a ação social e formam as práticas e os padrões institucionalizados.
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Resumo
Este artigo analisa a trajetória da incorporação dos temas “mulher” e “gênero” aos estudos so
bre participação e representação política, indicando tensões e tendências recentes na agenda
de pesquisa e nos enfoques teóricos e metodológicos. Procurando examinar as contribuições
dos chamados “estudos feministas” ao debate desses temas, o artigo destaca alguns trabalhos
que ilustram as contribuições recentes, marcadas por tentativas de articular distintas dimen
sões analíticas e retomar enfoques de temas mais institucionais. Finalmente, desenvolve um
breve balanço relativo à produção brasileira, traçando paralelos com as tendências identifica
das na primeira parte do trabalho.
Résumé
Cet article analyse la trajectoire de l’incorporation des thèmes “femme” et “genre” aux études
sur la représentation politique, en indiquant les tensions et les tendances récentes en termes de
programme de recherche, de points de vues théoriques et méthodologiques. L’article se propose
d’examiner les contributions des “Études Féministes” aux débats sur ces sujets, tout en mettant
en valeur quelques travaux qui illustrent ces contributions récentes, marquées par des essais
d’articulation des différentes dimensions analytiques et de reprendre des points de vue des
sujets plus institutionnels. Enfin, il essaie de développer une brève analyse sur la production
brésilienne, la comparant avec les tendances identifiées dans la première partie de cet article.
Abstract
This article analyses how the themes “woman” and “gender” have been incorporated to the
studies o f participation and political representation, pinpointing tensions and recent trends, in
terms o f research schedule as well as theoretical and methodological approach. Aiming at exam
ining the contributions o f the so-called “Feminist Studies” to the debate of such themes, the
article also highlights some papers that have exemplified these recent contributions, pro
nounced by attempts to articulate specific analytical dimensions and regain approaches in
somehow more institutionalized themes. At last, the article develops a brief balance o f Brazilian
production, drawing parallels to the trends that were identified in the first part o f the article.
77
Novos Rumos e Possibilidades para os Estudos dos Movimentos Sociais*
Fabiano Toni
Este trabalho é uma adaptação do primeiro capítulo de m inha tese de doutorado, defendida na Uni
versidade da Flórida, em 1999, cujo título é State-Society Relations on the Agricultural Frontier: the Strug
gle for Credit in the Transamazônica Region. Agradeço ao C N P q pela bolsa que possibilitou meus estu
dos de doutorado. O trabalho de campo foi realizado com apoio financeiro da National Air and Space
Administration, Fundação Tinker, Fundação Ford e do Programa de Desenvolvimento e Conservação
Tropical da Universidade da Flórida.
79
B IB , São Paulo, n ° 52, 2 o semestre de 2001, pp. 79-104
afeta, de maneira muito positiva, os estudos 4. As tensões, o estresse, a frustração e o
dos movimentos sociais na América Latina, descontentamento resultantes levam os
como veremos adiante. indivíduos a se engajar nós modos de
A análise é dividida da seguinte forma: ação coletiva não-institucional.
primeiramente, discutem-se os chamados 5. A ação coletiva não-institucional segue
modelos clássicos de movimentos sociais, ciclos que podem se mover da ação es
que predominaram nos Estados Unidos até pontânea de massas para a formação de
o surgimento de modelos alternativos nos movimentos sociais.
anos de 1970. Em seguida, são discutidas as 6. O surgimento dos movimentos sociais
duas variantes do enfoque norte-americano nesses ciclos ocorrem por meio de m o
que substitui as teorias clássicas: mobilização dos rudimentares de com unicação,
de recursos e processo político. Na seqüên como contágio, rumores, difusão e rea
cia, é apresentado o enfoque europeu que ções circulares.
predominou nestes anos: os novos movimen
tos sociais ou paradigma da identidade.' Em síntese, o enfoque clássico conside
Depois de apresentadas as diferentes ra os movimentos sociais um comportamen
abordagens, é feita uma discussão sobre a con
to anormal que surge em resposta a mudan
vergência teórica dos mesmos e, finalmente,
ças sociais estruturais e às tensões que delas
com base nessa discussão, são apontados al
derivam. Com o resultado, uma epidemia de
guns fatores que merecem maior atenção em
irracionalidade tem início e as pessoas come
futuros trabalhos sobre movimentos sociais.
çam a recorrer a modos “não-aceitáveis” de
participação (ação não-institucional) — a
mobilização social é um destes modos. Sob a
Teorias C lássicas dos M ovim entos
égide das teorias clássicas, existem cinco mo
Sociais
delos principais que buscam explicar a ação
coletiva: sociedade de massas, comportamento
O enfoque clássico, que dominou este
campo de estudos até os anos de 1970, se coletivo, inconsistência de status, privação rela
guiu a tradição social-psicológica da escola tiva, e a curva-J (McAdam,1982).
de Chicago. De acordo com os seguidores A teoria do comportamento coletivo
dessa tradição, tensões sociais causam mu explica os movimentos sociais em termos de
danças psicológicas e induzem o ser humano respostas às ambigüidades normativas que
ao comportamento anormal. Seguindo essa as mudanças sociais causam. O escopo des
linha de raciocínio, surgiram diversas varian tas mudanças pode ser a industrialização, a
tes das teorias clássicas, e todas compartilha urbanização, o rápido crescimento do de
vam as seguintes premissas: semprego, as mudanças tecnológicas, a m i
gração entre outras. Este é o mais geral dos
1. A ação política ou é convencional-insti- enfoques. Seus seguidores (Smelser, 1962;
tucional ou coletiva e não-institucional. Gusfield, 1970) não consideram nenhum
2. A açáo coletiva não-institucional não é tipo particular de mudança social a causa
guiada pelas estruturas sociais existentes fundamental dos movimentos, eles discu
e surge para lidar com situações indefi tem mudanças de modo geral. Tais m udan
nidas ou não-estruturadas. ças têm o poder de romper a ordem norma
3. Estas situações ocorrem durante perío tiva de uma dada sociedade e o rompimen
dos de mudança estrutural na socieda to desta ordem aumenta a ansiedade e a hos
de e quando órgãos de controle social tilidade, induzindo, assim, as pessoas a par
entram em colapso. ticipar dos movimentos sociais. Um a análi
80
se mais profunda desta corrente é feita por que as sociedades mudam devido à indus
McAdam (1982). trialização e à urbanização, as pessoas bus
De acordo com os proponentes da teo cam novas formas de participação para man
ria da sociedade de massas, como Kornhau- ter os vínculos necessários que formam a co
ser (1959), a principal causa das tensões es munidade. Essas mudanças demandam ins
truturais é a ausência de uma estrutura de tituições políticas novas, mais fortes e com
grupos intermediários por meio da qual as plexas, que se desenvolvem mais lentamente
pessoas possam se integrar à vida social e do que a participação política. A crescente
política. Essa falta de estrutura intermediá mobilização mina as bases das instituições
ria isola os indivíduos, que passam a se sen antigas e anacrônicas e acaba por gerar con
tir alienados e ansiosos. Nessas situações, a frontos abertos (Huntington, 1968).
violência e o com portam ento irracional A teoria da curva-J é uma variação da
tornam-se válvulas de escape. Este modelo teoria da privação relativa que procura conci
segue a idéia de anomia de Durkheim, de liar a visão de Marx e de Tocqueville sobre as
acordo com a qual a modernização elimina revoluções. De acordo com Marx, as revolu
a solidariedade com unitária e compele os ções explodem no momento em que a misé
homens a procurar novos papéis e identi ria do proletariado aumenta em relação à si
dades, juntando-se a novas coletividades tuação econômica da burguesia. Já Tocque
(ver Tarrow, 1998). ville considerava que as revoluções são pro
Os proponentes da teoria da inconsis duto da liberalização de regimes opressivos.
tência de status (Broom, 1959; Gerschwen- Baseado nestas duas idéias, J. Davies (1969)
der, 1964) defendem a idéia de que uma dis construiu um modelo de acordo com o qual
crepância entre a posição de uma pessoa em as revoluções se tornam mais prováveis quan
uma série de dimensões de status (educação, do um período prolongado de crescimento
renda, ocupação) produz graus de dissonân econômico e social é seguido por um curto
cia cognitiva, incomodando o indivíduo e período de reversão. Durante a prosperidade,
levando-o a participar de atos de ação coleti as pessoas desenvolvem expectativas crescen
va (McAdam, 1982). tes de poder suprir suas necessidades e, no
De modo similar, as teorias da privação período de crise, um estado mental de ansie
relativa explicam a ação coletiva em termos dade e frustração que as leva a se manifestar.3
de expectativas frustradas de indivíduos ou Todas as versões das teorias clássicas têm
grupos que não estão satisfeitos com suas alguns pontos em comum. Em primeiro lu
condições materiais ou status em relação a gar, destacam a natureza reativa da ação cole
outros. Nas palavras de Ted Gurr, “o poten tiva. Mudanças estruturais causam tensões
cial psicológico-social para a violência cole que dão início à insurreição social quando
tiva é uma difusa disposição à ação agressi atingem um nível crítico. Em segundo, ape
va, uma variável primária cujo determinan sar de tratarem da ação coletiva, esses enfo
te imediato em uma coletividade é a inten ques se concentram nos efeitos psicológicos
sidade e a amplitude da privação relativa” das tensões sociais sobre os indivíduos, cujas
(1970, p. 321).2 ações são a causa próxima do aparecimento
Em seu famoso Political Order in Chan- de movimentos. Finalmente, é característica
ging Societies, Samuel Huntington defende comum de todas essas abordagens a necessi
um argumento similar ao de Durkheim. De dade de se resolver os distúrbios psicológicos,
acordo com ele, sociedades que passam por mais do que atingir algum objetivo político.
uma rápida modernização são susceptíveis a A onda de movimentos sociais que se
uma quebra da ordem política. À medida difundiu nos Estados Unidos e na Europa
81
Ocidental durante os anos de 1960 ajudou a tudo, como a sociedade está em mudança
desacreditar as teorias clássicas. Por um lado, constante, é difícil prever o surgimento de
como aponta Cohen (1985), o desenvolvi movimentos sociais tendo como base mu
mento de movimentos bem organizados em danças estruturais. As mudanças e as tensões
sistemas democráticos e pluralistas não tem sociais podem até ser uma condição necessá
nada de irracional ou marginal. A maioria ria para o surgimento de movimentos so
dos grupos que se engajaram na política de ciais, mas não são condições suficientes.
confronto aberto durante essa década tinha Outro tipo de crítica aos enfoques clás
objetivos muito claros, bem como estratégias sicos diz respeito à sua ênfase no desconten
para alcançá-los. Os atores engajados nesses tamento individual como a causa próxima
conflitos não lembravam em nada indiví dos movimentos sociais. De acordo com seus
duos isolados, alienados e anômicos descri defensores, os participantes dos movimentos
tos pelos autores das teorias clássicas. diferem das pessoas comuns devido a seu per
Em relação à privação, é difícil relacionar fil psicológico anormal. Segundo McAdam
os grupos mobilizados durante este período (1982), esta caracterização pode servir para
com sentimentos de estresse psicológico devi desacreditar os insurgentes, mas tem pouco,
do à privação relativa, especialmente quando se é que tem algum, poder explanatório. De
se considera que inúmeros destes grupos ti qualquer modo, as teorias clássicas não con
nham bandeiras de luta ligadas a temas como seguem explicar como massas de indivíduos
raça e gênero, e não só a classe social. Mesmo afligidos por torm entos psicológicos se
entre os grupos econômica e socialmente unem e se engajam em diversas modalidades
mais frágeis, é difícil identificar exemplos de de ação coletiva. Com o McAdam destaca,
acentuado estresse psicológico. O trabalho de “há evidência significativa que seriamente
Jenkins e Perrow (1977) é exemplar nesse desafia a hipótese de má interação. Especial
sentido. Após estudar levantes de trabalhado mente significativos são os vários estudos
res rurais nos Estados Unidos, eles afirmaram que demonstraram que os participantes de
não haver razão alguma para acreditar que o movimentos sociais são melhor integrados a
descontentamento deles era maior nos anos suas comunidades que os não participantes”
de 1960 do que na década anterior, quando (1982, p. 13). Ainda mais importante é o
não houve greves ou levantes de qualquer fato de que os proponentes das teorias clássi
tipo. Pelo contrário, nos anos de 1960, os sa cas nunca produziram evidências para apoiar
lários médios dos trabalhadores que se insur a alegação de que as tensões sociais são a cau
giram estava em seu máximo histórico e o go sa dos movimentos. Se mudanças sociais
verno havia lhes estendido ao menos alguns causam estresse psicológico que, por sua vez,
benefícios sociais. Mais significativo era o causa mobilização, eles deveriam ter compa
fato de que diferenças culturais e lingüísticas rado o nível de estresse entre participantes e
eram menos pronunciadas nesta época, uma não participantes. Do mesmo modo, uma
vez que esses trabalhadores de origem mexi análise do nível de estresse no decorrer do
cana estavam finalmente se assentando e con tempo seria crucial para provar tal afirmação;
solidando suas comunidades. contudo, o que os estudiosos mostraram fo
Dificuldades são constantes na vida dos ram instantâneos de situações específicas du
grupos subordinados. Ainda assim, a realida rante a erupção de movimentos sociais.
de nos mostra que revoltas, revoluções, pro U m a das falhas mais lamentáveis das
testos e confrontos não acontecem o tempo teorias clássicas é que ela nega a existência
todo. É fácil relacionar mudanças sociais a de um a ligação direta entre problemas so
distúrbios depois que eles ocorreram. C on ciais e ação política. A caracterização dos
82
participantes de movimentos como indiví tudo, as interpretações clássicas dos movi
duos psicologicamente doentes ignora seu mentos sociais como anomalias operando
engajamento político evidente. A raiz des dentro de um sistema político -justo não
sa negação, sugere McAdam (1982), está convenciam muitos estudiosos da política.
na aceitação acrítica das teorias pluralistas Pelo contrário, alguns começaram a ver a
do Estado por parte desses estudiosos. A teoria pluralista em si como uma anomalia.
lógica é simples: se o sistema político (nor- Muitas críticas surgiram neste período. A
te-americano) é realmente aberto e dem o idéia de que diferentes grupos de interesse
crático, aqueles que optam por não utilizar têm poder semelhante e iguais oportunida
os canais institucionalizados da política não des de sucesso quando competindo em um
se comportam de maneira racional. “Se, sistema pluralista começou a ser atacada.
contudo, o indivíduo rejeita o modelo plu Estava claro para os críticos que alguns gru
ralista cm favor de uma visão elitista ou pos são mais fortes e organizados e que, por
marxista do poder na América, a distinção isso, são mais eficazes do que outros. Essas
diferenças podem refletir a capacidade polí
entre política racional e movimentos so
ciais desaparece” (1982, p. 19). tica e organizacional de cada grupo. Mais
importante, contudo, é que elas refletem os
As críticas às teorias clássicas expostas
desequilíbrios na distribuição de recursos
acima são o melhor ponto de partida para
entre os grupos competidores. Com o disse
entender o novo paradigma criado nos Esta
McAdam: “Pode até haver uma arena políti
dos Unidos nos anos de 1970: a teoria da
ca na América, só que não é o movimenta
mobilização de recursos. Com o veremos, este
do clube descrito pelos pluralistas, mas sim
paradigma evolui de um enfoque estreito so
um clube restrito, reservado somente para
bre a disponibilidade de recursos para um
os ricos e poderosos. Somente aqueles com
mais amplo que, além dos recursos, conside
capital político suficiente devem pedir para
ra os efeitos das oportunidades políticas so entrar” (1982).
bre a ação coletiva. Alguns autores tratam es Quando os cidadãos operam em um sis
ses dois enfoques (mobilização de recursos e tema que não é completamente aberto e livre
oportunidades políticas) como sinônimos de vieses, recorrer à mobilização e ao con
(Cohen, 1985); outros os classificam como fronto não parece ser algo irracional em sen
correntes diferentes (Mayer, 1991). A litera tido algum. Para enfrentar o desafio de com
tura mostra que ambos surgiram a partir de petir contra poderosos grupos de interesse,
uma mesma raiz intelectual. Apesar disso, os grupos e as classes mais fracos têm de criar
para maior clareza, eles são apresentados se novas estratégias que lhes dê alguma alavan
paradamente neste trabalho. cagem política.
Apesar de M cCarthy e Zald (1973) ha
verem sido os primeiros autores a usar o ter
Mobilização de Recursos mo “mobilização de recursos”, m uitos ou
tros utilizaram um conceito similar, apesar
A teoria pluralista e sua concepção limi da significativa diferença entre seus traba
tada do Estado começaram a cair em descré lhos. Cohen (1985), confrontando este pa
dito nos Estados Unidos no final dos anos radigma com as teorias clássicas, identificou
de 1960. N ão por coincidência, durante oito tendências:
este mesmo período, os movimentos sociais
proliferaram no país. Reiterando, os teóri 1. Movimentos sociais precisam ser com
cos pluralistas consideravam o sistema ame preendidos em termos de um modelo
ricano aberto às demandas populares. C on conflituoso de ação coletiva.
83
2. Não há diferença fundamental entre ação dos em seu controle de recursos discricioná
coletiva institucional e não-institucional. rios. É somente quando estes recursos po
3. Ambos implicam conflito de interesse dem ser obtidos de simpatizantes conscien
construído dentro das relações de poder tes que as organizações de movimentos so
institucionalizado. ciais viáveis (SM O s)4 podem ocupar o cam
4. A ação coletiva envolve a busca racional po para moldar e representar as preferências
de interesses coletivos. destas coletividades” (1977, p. 1226). Re
5. Metas e desentendimentos são produtos cursos discricionários, explicam, são tempo e
permanentes das relações de poder e não dinheiro. Por simpatizantes conscientes, os
podem explicar a formação de movi autores querem dizer indivíduos e grupos
mentos. que são parte do movimento social mas não
6. A ação coletiva depende de mudanças nos se beneficiam diretamente de suas conquis
recursos, organização e oportunidades. tas. Em outras palavras, os movimentos so
7. Sucesso é evidenciado pelo reconheci ciais necessitam do apoio de uma elite exter
mento de um grupo como ator político na para decolar. O trabalho de Jenkins e Per-
ou pela obtenção de benefícios materiais. row (1977) sobre a insurgência dos trabalha
8. Mobilização envolve organizações for dores rurais é um bom exemplo da aplicação
mais, burocráticas, com propósitos es da teoria da mobilização de recursos. Esses
pecíficos e de grande escala. autores concluíram que os trabalhadores con
seguiram contrabalançar o viés elitista dos
McAdam (1982) resume a teoria da formuladores de políticas ao se aliar com al
mobilização de recursos de m odo simples: é guns setores da própria elite: “os patrocinado
o estudo da relação entre descontentamen res servem como protetores, assegurando que
to constante no tempo e o aumento de re a elite política se mantenha neutra quanto áo
cursos que permite aos grupos se mobilizar desafio” (p. 266).
(a interação entre os fatores 5 e 6, acima). Esse enfoque foi uma reação direta aos
M ais uma vez, a relação entre essa teoria e modelos clássicos, que consideravam os
o neopluralismo, ou teoria das elites, é m ui movimentos sociais a manifestação agrega
to clara. A teoria das elites descreve a socie da de indivíduos irracionais. E importante
dade como caracterizada por uma acentua lembrar também que, nos anos de 1970, a
da disparidade de poder entre as elites e as escola da escolha racional ganhava força
massas. O efeito desse desequilíbrio é a ex nas ciências sociais norte-americanas e, as
clusão da maioria dos segmentos da socie sim, não é nenhuma surpresa o fato de que
dade de qualquer papel significativo no os teóricos da mobilização de recursos te
exercício do poder político. Com o conse nham incorporado a racionalidade estraté
qüência, os defensores da mobilização de gica a seus modelos.
recursos desviam o foco de seus estudos das Com o conseqüência dessa incorpora
massas para as elites, isto é, dos que têm ção, a primeira tarefa que os teóricos da m o
poucos recursos para os que têm muitos bilização de recursos enfrentaram foi expli
(McAdam, 1982). car como os movimentos sociais superam o
Em um trabalho teórico que resume os dilema da ação coletiva (Tarrow, 1994,
principais elementos da teoria de mobiliza 1998; Foweraker, 1995). De acordo com
ção de recursos, M Carthy e Zald (1977) des Mancur Olson, o indivíduo racional que age
tacam a importância das elites para os movi em interesse próprio não se alia a grandes
mentos sociais. D e acordo com eles, “os m o grupos que produzem bens públicos. Ao
vimentos sociais tendem a ser muito limita contrário, ele calcula que outros indivíduos
cumprirão tal tarefa e que, assim, ele colherá pel na alteração da percepção dos custos e
os benefícios da ação desses grupos de qual dos benefícios da participação. Ainda nesse
quer maneira: sentido, os autores afirmam que uma gra
dual profissionalização dos movimentos so
Do mesmo modo como não seria racional ciais pode ajudar a atenuar o problema da
para um produtor em particular restringir ação coletiva.
sua produção para que houvesse um maior Com o os teóricos pioneiros da mobili
preço para o produto de seu setor, também zação de recursos trabalharam dentro do
não seria racional para ele sacrificar seu tem marco teórico da escolha racional, eles elimi
po e dinheiro apoiando uma organização de naram de suas análises a possibilidade de as
lobby para obter assistência governamental pessoas agirem de acordo com seus credos e
ao setor. Em nenhum dos casos seria do in ideologias em vez de agirem guiados por
um a racionalidade instrumental. Com o
teresse do produtor individual assumir, ele
lembra Hirschman (1982), a participação
mesmo, qualquer dos custos. Uma organiza
em movimentos sociais e outras formas de
ção de lobby ou, de fato, um sindicato ou
ação coletiva pode ser uma recompensa por
qualquer outra organização, trabalhando
si só, independentemente de incentivos cole
pelo interesse de um grupo grande de firmas
tivos e sanções sociais.
ou trabalhadores em algum setor, não conse
Sem dúvida, a mais importante carac
guiria nenhum apoio de um indivíduo racio
terística deste enfoque é que ele rejeitou a
nal atuando em interesse próprio naquele se estigmatização dos movimentos sociais ex
tor (1965, p. 11). plícita nas teorias clássicas. Em vez de indi
víduos psicologicamente perturbados, os
Para Olson (1965), a única maneira de estudiosos passaram a entender os partici
superar o problema da “carona” é pela ofer pantes de movimentos sociais como indiví
ta de benefícios seletivos para os potenciais duos racionais que se aliam aos movimen
membros ou, inversamente, pela imposição tos para fazer demandas políticas objetivas
de sanções sobre aqueles que não coope e não para aliviar suas tensões ao se juntar a
ram. M cCarthy e Zald (1977) reconhecem massas incontroláveis.
este problema e visualizam um a solução em Outro avanço substancial desta cor
termos organizacionais. Eles argumentam rente foi o reconhecimento de que os m o
que a tarefa primordial para as organizações vimentos sociais precisam ter algum grau
de movimentos sociais é agregar recursos e de organização. O s teóricos da mobilização
transformá-los em ação: “a tarefa de m obi de recursos criaram várias categorias analí
lização de recursos é primariamente aquela ticas que ajudam a entender o processo de
de converter simpatizantes em membros e mobilização, com o, por exemplo, organi
manter o envolvimento dos mesmos” (p. zações e setores de movimentos sociais.
1221). Em outras palavras, o desafio é fazer Além disso, eles discutiram a maneira pela
com que as pessoas contribuam para o m o qual as organizações interagem entre si e
vimento com tempo e dinheiro. De fato, com o ambiente. Isto é relevante não só
eles concordam com a idéia de Olson de porque revela importantes aspectos organi
que incentivos seletivos podem afetar a de zacionais dos movimentos sociais, mas tam
cisão das pessoas quanto a se juntar ou não bém porque ajuda a esclarecer o dilema da
a um movimento social. Usando a lingua ação coletiva. Olson (1965) enfatizou que
gem da escolha racional, eles explicam que o problem a do “caronista” é uma caracte
incentivos seletivos têm um importante pa rística típica dos grandes grupos. Estudio-
85
sos da mobilização de recursos fizeram uma Processo Político
importante contribuição ao mostrar que os
movimentos sociais não são necessariamente Com o resposta aos problemas da teoria
grandes organizações, mas, normalmente, da mobilização de recursos tradicional, um
redes de pequenas organizações e grupos so novo enfoque, hoje conhecido como m ode
lidários trabalhando conjuntamente para lo do processo político, surgiu no início dos
atingir objetivos comuns. anos de 1980. Este modelo se preocupa
A interação entre os movimentos sociais mais com as interações estratégicas entre os
e o ambiente onde estão inseridos (aliados e movimentos sociais e o ambiente onde ope
oponentes), de acordo com McAdam (1982), ram e enfatiza o contexto político e social,
é importante porque leva em conta o efeito de em vez da lógica utilitarista de atores indivi
grupos externos sobre eles. Em suas próprias duais e da participação da elite. Apesar des
palavras: “De acordo com os mais recentes ses avanços, alguns estudiosos dos movi
teóricos da mobilização de recursos, estas mentos sociais, como Cohen (1985), conti
oportunidades e custos são, em grande medi nuam a classificar esta corrente como parte
da, estruturadas por grupos externos ao movi da teoria da mobilização de recursos.5
mento. Assim, estes grupos recebem muito Particularmente importante para os es
mais consideração nesta perspectiva do que tudiosos do processo político é a razão pela
nos modelos clássicos” (p. 23). qual os movimentos sociais surgem. O s teó
A teoria da mobilização de recursos como ricos da mobilização de recursos negligen
descrita acima contribuiu sobremaneira para ciaram esta questão fundamental para se
os estudos dos movimentos sociais. Apesar dis concentrar essencialmente no m odo de m o
so, esta corrente tem um forte viés favorável às bilização dos movimentos.
interpretações pluralistas do Estado. Por um De certa forma, os defensores desse
lado, os teóricos clássicos consideravam os novo paradigma voltaram a prestar atenção
movimentos sociais explosões irracionais de em um fator cuja importância tinha sido
ação coletiva. Os defensores da mobilização de apontada pelos teóricos clássicos, que são as
recursos, por outro lado, trataram a mobiliza mudanças estruturais na sociedade. Obvia
ção social como simples tentativa por parte de mente, o modelo do processo político descar
grupos organizados de quebrar as barreiras à ta o psicologismo presente nas teorias clássi
participação em um sistema marcado por uma cas, mas reconhece que mudanças na socie
política elitista. De acordo com McAdam: dade podem causar mudanças nos interesses
e oportunidades para que os grupos subordi
nados possam se mobilizar, bem como na
O que é necessário são várias teorias especi
maneira pela quai tais grupos defendem seus
ficamente construídas para categorias parti
interesses. Os trabalhos de Charles Tilly fo
culares de ação. A teoria da mobilização de
ram fundamentais para o desenvolvimento
recursos é uma destas teorias: defensável
dessa abordagem.
quando aplicada a certas classes de ação co
Em From Mobilization to Revolution,
letiva, inadequada como explicação geral da
Tilly (1978) enfatiza a maneira pela qual a
insurgência. O s limites da aplicabilidade do difusão do capitalismo e o estabelecimento
modelo surgem da falha de seus proponentes dos Estados-nação mudaram os modos de
em diferenciar adequadamente os esforços controle social e, conseqüentemente, de re
de m udança organizados, daqueles gerados sistência. Apesar de ele não propor nenhum
por grupos excluídos e por membros estabe modelo linear e determinista de evolução da
lecidos da política (1982, p. 24). mobilização social, indica algumas tendên-
86
cias gerais nas mudanças dos modos de resis mais ou permanentes, do ambiente político
tência. Tilly classifica a ação coletiva em três que fornecem incentivos para a ação coleti
categorias principais, de acordo com as rei va ao afetar as expectativas de fracasso ou
vindicações dos grupos mobilizados: compe sucesso” (pp. 76-77).
titiva, reativa e proativa. Reivindicações com Tarrow identifica cinco dimensões prin
petitivas são aquelas que envolvem grupos cipais das oportunidades políticas: (1) libera
que disputam os mesmos recursos. A ação co lização do sistema político, o que significa
letiva reativa envolve grupos que tentam oportunidades crescentes para participação;
manter ou reconquistar reivindicações já es (2) evidências de realinhamentos políticos
tabelecidas quando um ator externo os desa dentro do sistema; (3) aparecimento de alia
fia. Poi outro lado, a ação coletiva ptoativa dos fortes-, (4) divisões entte as elites-, e (5)
é aquela que reclama reivindicações até en declínio na capacidade do Estado de repri
tão inéditas. mir dissensões.
Apesar de Tilly alertar o leitor contra Quando os desafiantes aproveitam as
uma possível interpretação destes três m o oportunidades políticas para se mobilizar,
delos como estágios em um processo evolu expandem essas oportunidades para outros
cionário, ele sugere que, de fato, há uma grupos ou movimentos sociais ao lhes dar
m udança a longo prazo de modos com peti um exemplo a ser seguido e ao expor as fra
tivos e reativos para modos proativos (Co- quezas daqueles que eles desafiam. Quando
hen, 1985). A medida que os Estados-na- outros grupos seguem o exemplo, a simples
ção surgiram e o capitalismo se espalhou mobilização pode se tornar um ciclo de pro
pelo mundo, os modos e alvos tradicionais testos mais longo, no qual grupos menos
de protesto mudaram, e novos desafios e mobilizados e com menos recursos também
oportunidades surgiram. N a linguagem dos recorrem a uma política de confronto. Nor
defensores do modelo do processo político, malmente, esses ciclos são geograficamente
essas mudanças ofereceram oportunidades amplos, até mesmo atravessam fronteiras,
políticas para as pessoas se organizarem e se como aconteceu nos Estados Unidos e na
mobilizarem. Europa nos anos de 1960.
O portunidades políticas, entretanto, Em muitos casos, mudanças sociais e,
não surgem somente quando grandes mu particularmente, tecnológicas ajudaram não
danças estruturais ocorrem, como no caso só a instigar a mobilização como também a
do surgimento dos Estados-nação. Elas tam providenciar novas formas de comunicação e
bém estão presentes em eventos menos espe coordenação (Tarrow, 1994, 1996, 1998). N a
taculares com os quais os Estados se defron visão de Tarrow, particularmente, o escopo
tam periodicamente. Com o Tarrow (1994) dessas mudanças foi a popularização da im
observa, “não somente quando as reformas prensa no século XVIII. Ao lado das novas
estão pendentes, mas quando o acesso insti formas de associação cívica que se tornaram
tucional se abre, quando alinhamentos se populares no mesmo período, a imprensa re
transformam, quando conflitos emergem na presentou uma oportunidade sem preceden
elite e quando aliados se tornam disponí tes para as pessoas e os grupos se aliarem e se
veis, os desafiantes encontrarão oportunida organizarem. Nesse sentido, a conexão com
des favoráveis” (p. 81). Em uma definição o paradigma da mobilização de recursos é
mais recente e refinada, Tarrow (1998) ex clara: novas tecnologias e novas formas de
plica que quando usa o conceito de oportu associação são recursos que se tornaram dis
nidade política ele quer dizer “dimensões poníveis a grupos e indivíduos descontentes.
consistentes, mas não necessariamente for A novidade deste enfoque, contudo, é que
87
tais recursos antecedem a mobilização. Eles adiante, veremos que os grupos sociais podem
funcionam como catalisadores do descon construir novos descontentamentos mudan
tentamento individual e não como uma ala do a maneira pela qual as pessoas interpretam
vanca para aumentar o poder de algum gru aquelas já existentes.
po específico. Outra im portante diferença entre os
As oportunidades políticas fornecem ex enfoques de mobilização de recursos e de
plicações convincentes para as ondas de mo oportunidades políticas se refere ao papel
bilização e revolução e, também, para casos das elites na mobilização. Enquanto os se
isolados de mobilização, mas é necessário ter guidores da mobilização de recursos consi
cuidado ao se usar esta teoria. Pode ser mui deram o apoio das elites um componente
to fácil para o pesquisador identificar mu chave da mobilização, os que trabalham se
danças nas estruturas de oportunidade por gundo o enfoque das oportunidades políti
trás de um determinado movimento social e cas vêem as elites como inimigos e não
usá-las para explicar o caso a posteriori. Em aliados dos grupos insurgentes. De acordo
outras palavras, a oportunidade política as com McAdam:
sume o risco de não explicar nada devido a
seu poder de explicar tudo. As mudanças po O s proponentes do modelo da mobilização
dem facilitar a mobilização, sem, contudo, de recursos caracterizam setores da elite
ser sua causa próxima. como sendo amistosos, às vezes patrocinado
O risco de explicar tudo está justamen
res agressivos da insurgência social. Em con
te na premissa de que o descontentamento é
traste, o modelo do processo político é ba
uma constante na sociedade. Os teóricos da
seado na noção que a ação política de mem
mobilização de recursos acreditam que tal
bros estabelecidos do sistema político reflete
descontentamento causa mobilização quan
um conservadorismo persistente. Eles traba
do os grupos descontentes acumulam recur
lham contra a admissão no sistema de gru
sos suficientes ou quando janelas de oportu
pos cujos interesses contrariem significativa
nidade se abrem. Contudo, Buechler (1993)
mostra que novos tipos de descontentamen mente seus próprios interesses (1982, p. 38).
to reformularam e renovaram os movimen
tos femininos contemporâneos nos Estados Não surpreende, portanto, que M cA
Unidos. Mulheres que sofreram discrimina dam considere elementos da teoria marxista
ção no contexto de outros movimentos so mais compatíveis com o modelo do proces
ciais lideraram a formação do movimento so político do que a teoria pluralista. Para os
de liberação das mulheres (uma facção do marxistas, a disparidade de poder entre as
movimento feminista). O autor argumenta elites e as classes subordinadas é enorme,
que o descontentamento pode ser tão im mas não insuperável. Eles consideram a
portante quanto o acesso a recursos e opor transformação subjetiva da consciência um
tunidades na explicação dos movimentos processo crucial na geração de insurgência,
sociais. De fato, novos descontentamentos uma idéia que McAdam entende como par
podem ter o mesmo efeito que novas opor te do modelo do processo político, ao me
tunidades para gerar mobilização, apesar de nos do modelo que ele propõe.6 Com o este
constituírem categorias analíticas distintas. novo modelo apresenta também alguns as
O surgimento de novas insatisfações não pectos do paradigma dos novos movimentos
necessariamente envolve m udanças nas sociais, é preciso discuti-lo antes de apro
alianças, divisões entre as elites e oportuni fundar a análise do avanço das teorias dos
dades crescentes de participação. Mais movimentos sociais.
88
Identidade movimentos sociais, afirma que os conflitos
contemporâneos se desenvolveram em áreas
O grande afloramento de movimentos onde os investimentos simbólicos e as pres
sociais durante os anos de 1960 e 1970 não sões por conformação são mais fortes. Em ter
ocorreu somente nos Estados Unidos. A Eu mos gramscianos, os novos movimentos so
ropa também experimentou um fenômeno ciais engajam-se em uma guerra de posições
similar que não escapou à atenção dos cien no âmbito da sociedade civil, e não em uma
tistas sociais locais. Com o já foi dito, as teo confrontação direta ao Estado.7 Nas palavras
rias dos movimentos sociais nos Estados Uni de Melucci, “movimentos contemporâneos
dos foram moldadas por avanços epistemoló- operam como sinais, no sentido de que eles
gicos e teóricos nas ciências sociais como um traduzem suas ações em desafios simbólicos
todo durante a década de 1970. N a Europa, aos códigos dominantes” (1989, p. 12).
ocorreu algo similar. Mas enquanto os norte- As associações e os grupos por meio dos
quais os indivíduos se organizam não são
americanos construíram suas teorias sobre,
simplesmente os meios para se conseguir
ou respondendo ao pluralismo e à racionali
uma mobilização em larga escala e seus con
dade econômica, na Europa, as maiores in
seqüentes ganhos políticos; ao contrário, or
fluências foram o marxismo e o estruturalis-
ganizar-se em novos grupos é um fim em si
mo. (Cohen, 1985; Escobar e Alvarez, 1992;
mesmo. O estabelecimento de uma identida
Tarrow, 1994, 1998; Foweraker, 1995).
de grupai significa a legitimação do grupo na
Um interessante e muito óbvio desvio
sociedade como um todo. A democratização,
do marxismo coloca-se no âmago dos enfo
de acordo com esta perspectiva, está além do
ques europeus dos movimentos sociais (aos
âmbito do Estado; ela tem de atingir o Esta
quais Cohen se relere como paradigmas do, o mercado e a sociedade (Cohen, 1985).
orientados pela identidade). Os cientistas so Esta nova forma de organização social,
ciais reconhecem que esses movimentos não de acordo com o pensador social francês
surgiram a partir de divisões e conflitos de Alain Touraine (1985), é exclusiva das m o
classe. O ambientalismo, o feminismo, os di dernas sociedades pós-industriais ou pro
reitos civis, os direitos dos homossexuais e ou gramadas (p. 781). Trata-se do resultado de
tros interesses foram, pela primeira vez na his um complexo conjunto de ações que a so
tória, o centro da mobilização social. Devido ciedade desempenha sobre si mesma. Em
a esta mudança na natureza das reclamações, outras palavras, a sociedade estabelece no
alguns autores chamaram a estes movimen vas regras e significados culturais que fazem
tos de novos movimentos sociais. com que grupos se mobilizem para contro
Uma outra distinção entre o paradigma lar estes novos símbolos e significados cul
da identidade e o enfoque marxista tradicio- turais, ou para produzir outros. Esta “refle
na l é a rejeição do Estudo como locus central xividade” dos atores e as novas arenas de
de luta para os grupos mobilizados. “Eles [no luta, mais do que os novos repertórios de
vos movimentos sociais] miravam os domí enfrentamento, são os fatores que fazem
nios da sociedade civilem vez da economia ou com que os movimentos sociais sejam real
do Estado, levantando questões relacionadas à mente novos. Além disso, a reflexividade
democratização das estruturas da vida cotidia emerge das arenas abertas pela sociedade
na e se concentrando nas formas de comuni pós-industrial (Touraine, 1985).
cação e na identidade coletiva” (Cohen, 1985, Neste ponto, Melucci e Touraine diver
p. 667). Alberto Melucci (1989), um emi gem. Melluci (1989) argumenta que tanto
nente pesquisador do paradigma dos novos os críticos quanto os defensores dos novos
89
movimentos sociais compartilham uma mes como bem nota Foweraker, a identidade é
ma limitação epistemológica: eles tendem a um conceito problemático. Indivíduos têm
considerar o fenômeno dos movimentos so de se juntar para formar identidades coleti
ciais um objeto empírico único. Ao fazer vas, mas quando e por que eles se juntam é
isso, os defensores tentam salientar suas novi uma questão crucial a que o paradigma dos
dades, enquanto os críticos identificam con- novos movimentos sociais não dedicou aten
tinuidades históricas com os velhos movi ção suficiente.8
mentos. Melucci argumenta que a novidade
dos novos movimentos é exatamente o que
ambos os lados do debate não vêem: “dife Movimentos Sociais na América Latina
rentes relações e significados destes movi
mentos” (p. 43). As ciências sociais na América Latina
Esse debate teve pelo menos uma conse também foram afetadas pelo renovado inte
qüência positiva, qual seja, enfatizou o plura resse aos movimentos sociais nos meios acadê
lismo e a diversidade dos movimentos sociais micos europeu e norte-americano das últimas
no que diz respeito a seus objetivos, mem três décadas. O s estudos dos novos movimen
bros, alvos e significados, o que implica, da tos sociais tiveram um impacto significativo,
parte do pesquisador, diversificar as ferra inicialmente de um modo ingênuo, o que
mentas metodológicas. Os estudiosos da m o produziu, muitas vezes, uma visão romanti
bilização de recursos, de acordo com Meluc zada dos movimentos.9 A maioria dos estu
ci (1989), não conseguem reconhecer a ne diosos rejeitou a ênfase sobre os recursos e as
cessidade de diversidade epistemológica e estratégias que caracterizaram o enfoque da
metodológica. Eles se concentram nos aspec mobilização de recursos. Por outro lado, mui
tos “visíveis” da mobilização social e da ação tos deram a devida atenção às oportunidades
coletiva e, ao fazer isso, cometem o erro de políticas, particularmente às crises de Estado
“reducionismo político” —limitação da aná que facilitaram o surgimento de movimentos
lise, segundo Melucci, aos aspectos dos m o sociais por toda a região. A idéia de identida
vimentos sociais que são claramente políti de implícita nos estudos dos novos movimen
cos, como protestar para entrar em confron tos sociais, e desenvolvida por estrangeiros
to com as autoridades constituídas. Ao con que trabalhavam na região, foi particularmen
centrar seus estudos nos aspectos visíveis dos te bem recebida pelos pesquisadores latino-
movimentos, os teóricos da mobilização de americanos.
recursos consideram irrelevantes ou invisíveis Eles não importaram de maneira acrítica
todos os movimentos que não almejam o sis o conceito de reflexibilidade das sociedades
tema político diretamente, de acordo com pós-industriais de Alain Touraine. De acordo
Mayer (1991, p. 175). com Escobar (1992) e Calderón et al.
Mesmo que os novos movimentos so (1992), os latino-americanos adaptaram e re
ciais não sejam tão novos assim, essa aborda formularam essa concepção, seguindo a tra
gem contribuiu sobremaneira ao estudo dos dição de sincretismo que já produzira teorias
movimentos sociais ao salientar a importân sólidas, como a teoria da dependência e algu
cia da identidade, fator negligenciado em ou mas variantes da teoria da modernização.
tros enfoques. Seu maior problema, contu N a América Latina, foi exatamente a
do, é ter menosprezado a luta política, parti crise do Estado que desencadeou a nova fase
cularmente a luta contra ou dentro do Esta de protestos sociais (Calderón et a l 1992;
do, fundamental na maioria dos movimen Escobar, 1992; Escobar e Alvarez, 1992). O
tos sociais, novos ou velhos. Além disso, fracasso do Estado desenvolvimentista e
90
populista no Cone Sul e do Estado oligár- normal pouco provável. Entretanto, obser
quico na América Central, bem como o va Foweraker (1995), é significativo que,
abalo geral dos mecanismos de representa apesar dessas características sociais e políti
ção foram fatores importantes desta crise. cas - verdadeiras, na visão do autor a
Ao contrário do “pós-industrialismo” da so maioria dos movimentos sociais na Améri
ciedade européia, Escobar argumenta que a ca Latina se dá de maneira pacífica e busca
América Latina estava experim entando mudanças democráticas por meio de cálcu
uma crise “orgânica” de identidade, e, sob los estratégicos (p. 26). Em sua opinião, os
tais circunstâncias, em vez de vivenciar e fi pesquisadores latino-americanos não deve
nalizar o que poderíamos chamar de traves riam descartar completamente o enfoque da
sia da época da modernidade,, pulou o pe mobilização de recursos.
ríodo como um todo: Outra crítica refere-se aos aspectos epis-
temológicos deste enfoque. O s estudiosos la
A polarização social, a heterogeneidade e a tino-americanos rejeitaram os aspectos qua
exclusão alcançaram proporções sem prece se teleológicos da visão subentendida no m o
dentes na era do desenvolvimento. A ero delo da racionalidade econômica. Teóricos
são da m odernidade é evidente na vida co do feminismo criticaram duramente tal mo
tidiana, no com portam ento concreto das delo, no sentido de que ele ignora classe, gê
pessoas, na crise econôm ica e no desencan- nero e especificidades raciais, que tornam o
tam ento com os projetos m odernos de conceito de ator racional inútil. Para esses
construção dos Estados-nação, da política críticos, o ator egoísta e racional é o homem
e do desenvolvimento. O que pesa no ba branco da classe média das sociedades indus
lanço final não é só política, progresso e triais avançadas e não tem nada a contribuir
democracia, mas tam bém todo um projeto
para a pesquisa fora deste contexto (Fowera
civilizacional baseado na razão m oderna
ker, 1995). A crítica da racionalidade econô
mica e das teorias de longo alcance são fortes
(Escobar, 1992, p. 68).
no interior dos círculos acadêmicos pós-mo-
dernos. Nas palavras de Escobar:
N os estudos dos movimentos sociais na
América Latina, contudo, é muito clara a
rejeição das versões mais grosseiras do enfo Insights pós-modernos e pós-estruturais de
que da mobilização de recursos. Primeira vários tipos informam movimentos sociais
mente, essa rejeição se baseia nos aspectos em várias partes do mundo, especialmente
empíricos e metodológicos de tal aborda na Europa Ocidental e na América Latina.
gem, particularmente na inadequação da M ais claramente na América Latina que em
teoria pluralista do Estado no contexto lati qualquer outro lugar, o movimento em dire
no-americano. Para alguns críticos, o m ode ção a um a teoria dos movimentos sociais de
lo da mobilização de recursos é um manual longo alcance é rejeitada (1992, p. 62).
para a inclusão de movimentos de grupos
de classe média no sistema político norte- D e modo geral, os cientistas sociais da
americano, um processo marcado por bar América Latina rejeitaram o paradigma
ganhas e alianças e, sobretudo, por ter uma norte-americano devido às suas especifici
característica pacífica. A disparidade de po dades. Alguns criticaram-no por sua falha
der e de renda, bem como o caráter repres em reconhecer as diferenças na natureza
sivo e não democrático da maioria dos regi dos Estados e, conseqüentemente, da luta
mes latino-americanos tornam a política política lá e cá. Paradoxalmente, eles aco-
91
lheram um enfoque que virtualmente igno Novas Tendências nos Estudos dos
ra a importância do Estado como um ad Movimentos Sociais: em Direção a uma
versário, como uma arena ou como um ár Síntese
bitro da política:
E m uma revisão da literatura recente so
M as não podem os negligenciar o fato que bre os movimentos sociais na América Lati
os m ovim entos sociais de vinte e cinco na, Roberts (1997) critica o lado ideológico,
anos atrás tinham orientação política/esta bem como o otimismo dos trabalhos duran
tal forte e que, em contraste, m uitos dos te os anos de 1970 e 1980:
atores de hoje buscam sua própria identi
dade cultural e espaços para sua expressão Para uma geração de académicos de esquerda
social, política ou de outro tipo (Calderon e de ativistas políticos desiludidos pela re
et a i, 1992, p. 23). pressão a partidos de vanguarda, pela derrota
dos movimentos de guerrilha e pela fraqueza
Ao reconhecer que as transições para a e vicissitudes do trabalho organizado, os no
democracia e uma crise geral de representa vos movimentos sociais foram um a benção:
ção contribuíram para o surgimento de m o um a nova forma de subjetividade popular
vimentos sociais na região, estudiosos latino- que visava a uma ordem sociopolítica radical
americanos recentemente aceitaram alguns mente igualitária e participativa e, assim, res
insights do enfoque da mobilização de recur taurava a fé na marcha progressiva da história
sos, particularmente a idéia das oportunida
(1997, p. 138).
des políticas, como veremos na próxima se
ção. De qualquer modo, o foco principal da
A realidade, de acordo com Roberts,
pesquisa latino-americana durante os anos
logo desfez as expectativas implícitas nessa
de 1980 e início da década de 1990 foi a so
visão romântica dos movimentos populares.
ciedade e não o Estado. Em outras palavras,
Pesquisadores responderam à dissonância
a pesquisa na região escolheu o lado “invisí
entre fatos e expectativas adotando um “tom
vel” dos movimentos sociais em detrimento
mais sóbrio.” N a visão do autor, a melhor li
da mais “visível” luta política.
teratura recente sobre o tema já não está so
O fato de que pesquisadores de diver
sas escolas das ciências sociais foram capa mente louvando o surgimento de movimen
zes de identificar e conceituar fatores dife tos de base ou a abertura de novos espaços
rentes que afetam os movimentos sociais é para a expressão social. Esta literatura está
uma contribuição expressiva ao entendi “fazendo um sério esforço para entender
mento da ação coletiva. Contudo, a recusa como os movimentos sociais se engajam nas
em aceitar as contribuições de outros enfo arenas formais da política institucionalizada
ques certamente retardou o desenvolvimen e tentam influenciar políticas públicas” (Ro
to desta área de estudos, embora se possa berts, 1997, p. 139).
entender a existência de paradigmas com Um aspecto importante da política la
petitivos no período que se estendeu entre tino-americana que afeta m uito o surgi
os anos de 1980 e início da década seguin mento e o desaparecimento dos movimen
te. Felizmente, uma nova geração de traba tos sociais é a própria abertura dos sistemas
lhos sobre o tema tem usado os enfoques políticos e a conseqüente democratização
existentes de m odo complementar e não que a maioria dos países da região experi
competitivo. A próxima seção é uma dis mentou recentemente. Obviamente, o m o
cussão dessa tentativa de conciliação. delo do processo político oferece algumas
92
contribuições muito úteis para a análise da A ascensão do movimento trabalhista “clas-
relação entre a transição de regime e a m o sista,” a injeção da “idéia crítica” da história
bilização social. Um exemplo deste novo e da sociedade peruana no currículo das es
enfoque no estudo de movimentos sociais colas públicas, a chegada às favelas de legiões
na América Latina é a pesquisa de Oxhorn de organizadores externos com novas mensa
sobre as organizações de favelas 1 10 Cliile. gens sobre a raiz da pobreza e das possibili
Enquanto enfatiza a importância de se man dades de m udança - todos esses resultados
ter uma identidade popular coletiva dentro diretos ou indiretos das políticas do governo
do setor popular, ele também investiga militar transformaram a visão de m undo de
como esse setor traduz tal identidade em amplos segmentos urbanos (1995, p. 116).
termos de ação. A idéia de oportunidade
política é central em sua tese de que “sob O foco central no estudo de Stokes foi o
certas circunstâncias a retomada de ativida papel da cultura popular no surgimento dos
des organizacionais de base não só é possí movimentos sociais, mas ela não limitou seu
vel em um regime autoritário, como é um trabalho a vagos conceitos de identidade. Em
produto da experiência autoritária em si vez disso, discutiu como diferentes culturas
“ (Oxhorn, 1995, p. 6). Ao reprimir modos políticas levaram os grupos a adotar diferen
tradicionais de participação, o Estado auto tes estratégias de organização, mobilização e
ritário pode oferecer novas oportunidades confronto (ou à decisão de simplesmente não
para a reorganização da sociedade ao longo se mobilizar). Tais estratégias basearam-se em
de novas linhas, como, por exemplo, movi aspectos normativos que indicavam a cada
mentos urbanos de base territorial. ator que tipo de ação política é correta e que
Oxhorn também explora os modos e as tipo é inapropriada.
estratégias de organização e mobilização dos Outro estudo que enfatizou a importân
movimentos sociais. Ele reconhece a impor cia da cultura foi realizado por Alvarez et al.
tância das “organizações guarda-chuva” na (1998), os quais afirmaram que os cientistas
proteção de organizações de base contra a re sociais negligenciavam as ligações entre cul
pressão estatal durante o período autoritário. tura e política. Existe, de acordo com os au
No caso do Chile, e na América Latina em ge tores, uma necessidade de se ir além da tex-
ral, a Igreja Católica pode oferecer esta prote tualidade e das formas de representação para
ção devido a dois fatores principais. Em pri entender o que os movimentos sociais real
meiro lugar, os movimentos de base conside mente significam:
ram a Igreja um aliado confiável; em segundo,
a Igreja tem sido relativamente imune ao apa A cultura é política porque os significados
rato estatal, devido a seu apoio popular e a va são agentes constitutivos de um processo
lores cristãos implícitos (ao menos retorica- que, implícita ou explicitamente, buscam
mente) na ideologia estatal da maioria dos redefinir o poder social. Isto é, quando os
países latino-americanos. movimentos empregam concepções alterna
Outro importante estudo que segue a tivas de mulher, natureza, raça, democracia
mesma linha é a análise que Stokes (1995) ou cidadania que abalam os significados
fez da relação entre o Estado e os movimen culturais dominantes, eles praticam a políti
tos sociais no Peru. A autora identificou o ca cultural (1998, p. 7).
surgimento do Estado corporativista como
um fator que possibilitou a formação de no E importante enfatizar o fato de que na
vas identidades entre os mais pobres. América Latina, hoje, todos os movimentos
93
sociais praticam a política cultural. Seria ten so considerar até que ponto estes discursos
tador, contudo, restringir esse conceito alternativos, demandas e práticas permea
àqueles movimentos que são mais claramen ram a sociedade por meio das ramificações
te culturais. Alvarez et al. (1998) argumen destas redes.
tam que, nos anos de 1980, esta dicotomia A dimensão cultural do poder tem suas
resultou em uma divisão inútil entre os “no raízes nas idéias do célebre pensador italiano
vos’^ o “velhos” movimentos sociais. O s no Antonio Gramsci, que criticou o materialis
vos seriam os movimentos indígena, ecológi mo reducionista dos marxistas europeus. A
co, das mulheres, dos homossexuais e dos di esquerda latino-americana cometeu o mesmo
reitos humanos. Os velhos, dos camponeses, erro ao interpretar o Estado como um ente
dos trabalhadores, de vizinhança e todos que pode ser capturado e controlado. Esta
aqueles que envolviam as formas mais tradi perspectiva ignora o papel das idéias e da cul
cionais de disputa. Estes autores rejeitaram tura na produção e reprodução de relações de
não só tal diferenciação, mas também o an siguais de poder. Recentemente, a esquerda
tagonismo entre identidade e estratégia que latino-americana incorporou uma perspectiva
uma vez existiu nesta área de estudos: gramsciana que, de acordo com Dagnino:
Em suas contínuas lutas contra os projetos Enfatiza a confluência de três tendências di
dominantes de construção da nação, desen ferentes: uma renovada crítica do marxismo
volvimento e repressão, os atores populares se tradicional, uma ênfase na construção da de
mobilizam coletivamente com base em inte mocracia, que é relacionada ao fortalecimen
resses e significados muito diferentes. Em to to da sociedade civil e, no interstício destes
dos os movimentos, então, identidades cole dois, um novo enfoque da relação entre cul
tivas e estratégias estão inevitavelmente atre tura e política (1998, pp. 39-40).
ladas à cultura. (Alvarez et al., 1998, p. 6).
Com o no enfoque gramsciano, Estado
O s autores também reconhecem a im e sociedade não são peças separadas, mas
portância das redes de movimentos sociais um continuum ; mudanças políticas têm de
que, na visão deles, conectam de maneira abranger a ambos. Esta relação orgânica é a
informal e muitas vezes caótica uma pleto chave para entender a idéia de política cul
ra de organizações de movimentos sociais, tural e como ela se relaciona com os movi
indivíduos, igrejas, O N G s, simpatizantes, mentos sociais. Os movimentos têm sido
m embros de partidos e até mesmo funcio capazes de ultrapassar as concepções lim ita
nários do Estado. Essas redes ajudam os das da política e da democracia ao alvejar a
m ovimentos a alcançar seus objetivos par sociedade em geral, em vez de meramente
ticularmente ao utilizar seus “discursos e “as instituições políticas como são tradicio
demandas” dentro e contra a cultura e as nalmente concebidas” (Dagnino, 1998, p.
instituições dom inantes” (Alvarez et al., 47). Em um a sociedade hierárquica cujos
1998, p. 16) - um argumento m uito pró membros são classificados de acordo com
ximo à idéia de Mellucci de que “os m ovi gênero, raça, classe e orientação sexual, os
m entos sociais operam como sím bolos, no movimentos sociais têm de pressionar por
sentido em que eles traduzem suas ações mudanças das atitudes bem como das prá
em desafios sim bólicos aos códigos dom i ticas políticas. A luta para mudar os direitos
nantes” (1989, p. 12). Q uando se examina dos cidadãos segue passo a passo a luta para
o sucesso dos movimentos sociais, é preci garantir seus direitos a ter direitos ante a so-
94
ciedade. Em outras palavras, o fim do auto organizações e ação, encontram-se os signifi
ritarismo estatal será completo e real somen cados compartilhados e as definições que as
te quando e se o autoritarismo social for eli pessoas trazem. Elas necessitam aú menos
minado (Dagnino, 1998). sentir se estão incomodadas com relação a
Essas mudanças recentes na orientação algum aspecto de suas vidas e confiantes
intelectual dos estudos dos movimentos so que, agindo coletivamente, conseguirão cor
ciais na América Latina produziram alguns rigir o problema. N a falta de um destes fato
insights que deveriam ser seriamente consi res, é altamente improvável que as pessoas se
derados por qualquer estudioso da área. Ao mobilizem, mesmo quando possam fazê-lo
contrário dos estudos anteriores, essa pers (McAdam et al., 1996, p. 5).
pectiva não elimina o foco principal de ou
tras correntes, mas, ainda assim, continua a O atraso entre o surgimento da idéia de
privilegiar as disputas sobre significados e identidade como um fator importante no es
símbolos em detrimento dos confrontos di tudo dos movimentos sociais e sua adoção
retos na arena política. pelos seguidores da mobilização de recursos
Se os teóricos que trabalhavam dentro e do processo político tem duas razões. Pri
da tradição da identidade refinaram seus meiro, como McAdam et al. (1996) enfati
conceitos e incorporaram algumas idéias de zam, a imprecisão conceituai do termo iden
outros paradigmas, é legítimo perguntar tidade espantou muitos estudiosos. Estudos
como os defensores dos outros paradigmas recentes, eles argumentaram, “igualaram o
lidaram com os conceitos criados por aque conceito [culturalframing\ com toda e qual
les. Em sua introdução a uma recente cole quer dimensão cultural dos movimentos so
tânea de textos sobre movimentos sociais, ciais” (1996, p. 6). Os primeiros trabalhos
McAdam (1982) louva o crescente reconhe sobre identidade na América Latina, como já
cimento de três importantes fatores que afe dito, certamente contribuíram para agravar
tam a ação coletiva: a estrutura das oportu este problema. Segundo, a cultura, tradicio
nidades e das dificuldades; as formas de or nalmente, tem sido vista como uma caracte
ganização disponíveis para os insurgentes; e rística estrutural de comunidades e socieda
os processos coletivos de interpretação, atri des, o que não se encaixa bem no modelo
buição e construção social que fazem a me mais dinâmico do processo político. Esta vi
diação entre oportunidade e ação. Vale no são foi substituída pela “concepção de cultu
tar que McAdam et al. (1996) não adotaram ra e fi-aming como estrategicamente pro
o termo identidade, mas fram ing ,10 apesar de duzidas”, o que a tornou muito mais atrati
ambos possuírem significado similar. O im va para os estudiosos do processo político
portante é a posição central do processo de (Zald, 1996, p. 261). Esta nova visão surgiu
framing no modelo de McAdam. De acordo de diversos ramos das ciências sociais, parti
com ele, fram ing é uma condição sitie qua cularmente da antropologia cultural, da psi
non para a mobilização: cologia social e da análise de discurso. Surgiu
também como um desenvolvimento dentro
Se a combinação de oportunidades políticas do campo de estudos dos movimentos so
e estruturas de mobilização dá aos grupos ciais, particularmente a análise da cultura
um certo potencial estrutural de ação, elas como parte do repertório de ação de um m o
permanecem, na ausência de outros fatores, vimento (Zald, 1996).
insuficientes para explicar a ação coletiva. Teóricos latino-americanos enfatizaram
Fazendo a mediação entre oportunidades, a importância da política cultural na criação
95
de uma contra-hegemonia em sistemas de será, sempre que possível, avaliar o grau de
sociedade e Estados autoritários. Pesquisado compatibilidade entre as implicações empí
res oriundos das tradições do processo polí ricas de cada uma destas perspectivas e os da
tico e da mobilização de recursos ressaltam dos (1982, p. 3).
um tema relacionado com este, mas distinto:
grupos competidores. Para eles, os movi Nenhum dos enfoques apresentados
mentos sociais contestam não só as autorida pode ser considerado superior do ponto de
des e a sociedade em geral, como também vista empírico ou teórico que os outros.
outros grupos, que competem em eventos de Contudo, a literatura fornece algumas dicas
mobilização, mostrando suas forças, para ver sobre como guiar a pesquisa empírica sobre
quem consegue atrair mais apoio e recursos. movimentos sociais. Existem diferenças sig
Mais importante, contudo, é a competição nificativas entre os “novos” movimentos e
em torno de significados, visando a estabele aqueles tradicionais. Os seguidores do para
cer sua legitimidade e mostrar a justiça de digma da identidade argumentam, convin
suas causas para a sociedade e para o Estado centemente, que algumas formas de movi
(Zald, 1996). mento visam à sociedade e lutam na arena
A partir do final da década de 1980, a li dos símbolos e significados, enquanto outras
teratura norte-americana e, até certo ponto, a lutam nas arenas mais tradicionais da políti
literatura européia cada vez mais combinaram ca. Ainda assim, a classificação dos movi
os estudos de oportunidades políticas com as mentos sociais de acordo com as categorias
análises das estratégias organizacionais, com “novo/velho” , analiticamente, não é nem
resultados muito satisfatórios (McAdam et al., muito acurada nem tampouco útil. Pelo
1996;Tarrow, 1994, 1998). Recentemente, a contrário, parece mais produtivo pensar nos
idéia de identidade e de política cultural co movimentos sociais como um contínuo en
meçou a se difundir entre os seguidores des tre aqueles orientados puramente para o lado
da sociedade e aqueles orientados puramen
tes dois enfoques. O oposto também é verda
te para o Estado (dois pólos que na prática
deiro: defensores da identidade e da política
não existem). Não há também razão para
cultural cada vez mais aceitam os insights de
acreditar que algum movimento não pode
outros paradigmas. Esta tendência é muito
ou de fato não luta para mudar de maneira
positiva para os estudos dos movimentos so
simultânea os significados subjetivos e a rea
ciais. Apesar disso, as análises empíricas estão
lidade política mais objetiva. Devemos con
ainda começando, e o desenvolvimento deste
siderar ainda que os movimentos sociais po
campo demandará muitos estudos de caso e
dem mudar sua própria natureza e até mes
análises comparativas que integrem cultura,
mo prosseguir trocando seu locus prioritário
estratégias e oportunidades. As palavras de
de ação do Estado para a sociedade e vice-
McAdam são um bom ponto de partida para
versa. A própria a natureza de um dado m o
futuros estudos dos movimentos sociais:
vimento social é, portanto, uma questão em
pírica que demanda pesquisa.
Em última análise, contudo, a utilidade ana
lítica destes três modelos [clássico, mobiliza
ção de recursos e processo político] serão de Surgimento e Evolução dos Movim en
terminados, não por seus abstratos méritos tos: Considerações Finais
teóricos, mas com base em quão bem cada
modelo explica alguns movimentos sociais Rucht (1996) afirma que fatores externos
em particular. Então, meu objetivo final afetam profundamente não só o surgimento
96
como também a própria organização dos mo em que enfatiza quatro parâmetros de desen
vimentos sociais. Para este autor, nos estudos volvimento organizacional: (1) crescimento e
dos movimentos sociais, tanto a mobilização declínio organizacional —as mudanças na di
quanto a organização são varáveis dependen mensão do setor de movimentos sociais e a va
tes, enquanto as oportunidades políticas cons riação de recursos dentro de uma dada organi
tituem uma variável independente. Ademais, zação (SM O); (2) estruturação interna - como
ele defende o uso das estruturas como variável uma conseqüência imediata do fluxo de recur
independente, por serem mais estáveis e com sos, uma SM O pode passar por um processo
paráveis do que as oportunidades. de formalização, profissionalização, diferencia
As estruturas têm três aspectos contex ção interna e integração; (3) estruturação exter
tuais: cultural, social e político. O contexto na - diz respeito à integração da SM O com
cultural refere-se a atitudes, valores, compor seus representados, aliados e autoridades; e (4)
tamento de indivíduos que podem ou não orientação prática e repertório de ação —à medi
apoiar o movimento (ou, usando as palavras da que uma SM O evolui, ela tende a mudar
de Rucht, as pessoas serem consoantes ou seus objetivos. Muitas vezes, a própria manu
tenção da organização torna-se seu objetivo
dissonantes com o movimento). O contexto
central, o que implica uma acomodação con
social é a inserção do movimento em seu
servadora do movimento.
ambiente social. O ambiente pode facilitar
As variações destes parâmetros podem le
ou restringir a formação de identidades cole
var uma SM O a quatro trajetórias de evolução:
tivas, o estabelecimento de redes de apoio e
até mesmo a socialização dos colaboradores
1. Institucionalização: uma SM O institu
do movimento. Finalmente, o contexto polí
cionaliza-se quando ocorre uma estabili
tico afeta profundamente a probabilidade de
zação no seu fluxo de recursos, no desen
surgimento e a natureza das oportunidades
volvimento de sua estrutura interna, em
políticas. As principais variáveis deste con
suas relações com atores externos, em
texto, que podem facilitar a formação de seus objetivos e seu repertório de ações.
identidades coletivas, são: (1) o acesso à par Quando atinge este ponto, a SM O pas
ticipação, incluindo os canais de influência sa a ter uma estrutura semelhante a um
de decisões políticas; (2) a capacidade de im partido ou grupo de interesse.
plementação de políticas das autoridades-, (3) a 2. Comercialização: transformação de uma
estrutura de alianças; e (4) a estrutura de SM O em uma organização de serviços.
conflitos, que é a constelação de adversários. Isto pode ocorrer propositalmente, ou
A estas variáveis, Tarrow (1998) acrescenta como conseqüência de uma ênfase cres
uma outra, a capacidade repressiva do Estado. cente no uso de incentivos seletivos para
Os pesquisadores deveriam prestar aten manter e aumentar o número de mem
ção na maneira pela qual os aspectos estrutu bros do movimento.
rais, sob circunstâncias normais, facilitam ou 3. Involução: mudança em direção a uma
dificultam o surgimento de movimentos so ênfase exclusiva na concessão de incen
ciais, como argumenta Rucht (1996). Uma tivos sociais, com o auxílio mútuo e so
vez que o contexto estrutural afeta a estrutu lidariedade. Neste caso, a SM O trans
ra organizacional dos movimentos sociais, as forma-se em algo que lembra um clube,
cinco variáveis determinam o tipo de movi um grupo de ajuda ou uma associação
mento que provavelmente surgirá sob certas voluntária.
circunstâncias. 4. Finalmente, a SM O pode revigorar a mo
Kriesi (1996) propõe um modelo para bilização para atingir seus objetivos, pas
analisar a evolução dos movimentos sociais, sando por um processo de radicalização.
97
Às quatro trajetórias sugeridas por Krie- do de acordo com os objetivos do movi
si, pode-se adicionar a cooptação, que é o es mento e com as expectativas de seus parti
tabelecimento ou o reforço de relações pa- cipantes. A evolução de um movimento so
trão-cliente, situação bastante comum em cial pode estar diretamente ligada aos resul
movimentos sociais na América Latina. Sto- tados que ele obtém. Com o lembra Hirs-
kes (1995) salienta a importância dessa tra chman (1982), o sentimento de frustração
jetória em seu estudo sobre movimentos so pode levar os indivíduos a abandonar seus
ciais no Peru. Ela define clientelismo como: esforços de ação coletiva e redirecionar suas
energias a interesses privados. Em contra
[Uma] relação diádica entre dois atores desi partida, a satisfação das expectativas pode
guais na qual o superior troca bens e serviços desmobilizar os membros de um movimen
por outros bens de valor (apoio político, tra to, levando-o a seu termo ou a uma trajetó
balho) dos quais o ator inferior dispõe. Ape ria de comercialização ou involução, como
sar de a troca ser benéfica pata ambas as par descritas anteriormente.
tes, de m odo limitado, ela não aumenta o A literatura sobre movimentos sociais
poder do ator inferior. Clientelismo é, por evoluiu de uma posição teórica em que o Es
tanto, um a estratégia dos grupos dominan tado era uma variável de pouca importância
tes para manter sua posição de superioridade para um reconhecimento crescente de seus
(1995, p. 112). efeitos sobre o surgimento, a continuidade e as
conquistas dos movimentos. Não obstante,
ainda há poucos estudos empíricos sobre a re
Essis rehçóes podem se desenvolver en
tre líderes de movimentos sociais e suas ba lação direta entre Estado e movimentos sociais.
ses, líderes e autoridades governamentais e Tal lacuna está presente tanto na sociologia
líderes e atores que fazem a mediação entre quanto na ciência política. Teóricos do Estado,
os grupos de base e o Estado. Funcionários por um lado, “têm se concentrado principal
do Estado também podem querer este tipo mente nos atores que detém e usam o poder,
de relação como uma maneira de sabotar os em vez de estudar os que os desafiam. Os estu
movimentos em benefício próprio. diosos do movimentos sociais têm se concen
E importante salientar que a evolução trado principalmente naqueles que contestam
dos movimentos sociais não segue uma tra o poder em vez de suas relações com os pode
jetória linear ou unidirecional, já que pode rosos” (jenkins, 1995, p. 15). A América Lati
mudar de uma trajetória para outra de na, e particularmente o Brasil, são uma rica
acordo com o contexto social, econômico, fonte de material empírico sobre o Estado e os
político e cultural onde o movimento se in movimentos sociais. O uso e o refinamento
sere. E importante, em qualquer caso, ava dos referenciais teóricos mais recentes poderá
liar o sucesso ou fracasso dos movimentos contribuir de maneira decisiva para preencher
sociais analisados. O sucesso deve ser m edi essa lacuna na literatura.
Notas
1. Para uma análise detalhada das teorias dos movimentos sociais, o leitor deve recorrer tam
bém ao trabalho de Maria da Glória Gohn, 1997.
98
2. Todas as traduções neste texto são de minha autoria.
3. Para uma discussão mais profunda desta teoria, ver Miller et al., 1977.
4. Organizações de Movimentos Sociais (Social Movements Organizations - SM O s) sáo or
ganizações que mobilizam seus membros para a ação coletiva guiada por metas políticas,
isto é, para obter algum bem coletivo. Juntas, todas as SM O s de um dado movimento
formam a Infra-estrutura do Movimento Social (Social Movement Infrastructure - SM I).
Os SM Is de todos os movimentos sociais em uma sociedade formam o Setor de Movi
mentos Sociais (SocialMovement Sector —SM S) (Kriesi, 1996, pp. 153-154). McCarthy
e Zald (1977) propõem uma categorização similar; contudo, eles se referem a todas as or
ganizações no interior de um movimento, como a Indústria dos Movimentos Sociais (So
cial Movement Industry —SM I), em vez de infra-estrutura.
5. Alguns críticos deste enfoque se referem a esta divisão como uma cisão deste paradigma,
mais do que seu desenvolvimento. Com o resultado dessa cisão, duas perspectivas se
opõem. Mobilização de Recursos 1 “concebe o setor de movimentos sociais como estan
do em livre competição com outros setores da sociedade em um mercado aberto de gru
pos e idéias” . E mobilização de recursos 2 “está mais preocupada com a estrutura das
oportunidades políticas e com o grau de organização dentro dos grupos sociais em esta
do de privação” (a este respeito, ver Mayer, 1991).
6. Se as elites são aliadas ou inimigas potenciais dos movimentos sociais depende da própria
definição de elites. N a América Latina, é notável o papel que setores da Igreja Católica
têm desempenhado na formação e apoio a grupos sociais, particularmente entre as cama
das mais necessitadas da sociedade.
7. Nas sociedades industriais avançadas, a sociedade é forte e sustenta o Estado. Neste caso,
uma “guerra de movimento” para conquistar o Estado é inútil. A tarefa para os revolucio
nários é tomar o controle da sociedade civil em uma guerra de posição (Gruppi, 1978).
8. Apesar de Albert Hirschman não ter se engajado diretamente nesse debate, ele considera
a ação coletiva um meio de se obter satisfação pessoal e de aliviar as frustrações do con-
sumismo e do racionalismo individualista, características comuns da sociedade moderna
(Hirschman, 1982).
9. Para um aprofundamento dessa crítica, ver Roberts, 1997.
10. Uma tradução adequada para o termo framing, neste contexto, parece ser “interpretação”.
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Resumo
A partir da década de 1960, houve uma grande renovação do interesse acadêmico nos movi
mentos sociais. Apesar de suas raízes empíricas comuns, as escolas que surgiram nos Estados
Unidos e na Europa diferiram completamente e, infelizmente, por mais de uma década, hou
ve muito pouco intercâmbio intelectual entre elas. No final dos anos de 1980, pesquisadores
latino-americanos engajaram-se na pesquisa sobre movimentos sociais, mas não conseguiram
preencher a lacuna entre os paradigmas então existentes. Pelo contrário, a maioria dos pesqui
sadores adotou conceitos provenientes da literatura européia e negligenciou os pontos fortes
dos modelos norte-americanos. A literatura mais recente produzida na América Latina, Euro
pa e Estados Unidos, contudo, aponta para uma crescente integração desses enfoques, o que
aparentemente tem fortalecido esta área de estudos. A pesquisa sobre movimentos sociais na
América Latina pode ajudar a preencher as lacunas ainda existentes na literatura, particular
mente a falta de estudos sobre a interação entre Estado e sociedade.
Abstract
Since the late 1960s, there has been a renewed academic interest in the studies of social mo
vements. Despite their common empirical roots, the schools that emerged in Europe and the
United States were completely different, and, unfortunately, for more than a decade there was
little cross fertilization between these schools. In the late 1980s, Latin American scholars en
gaged in social movement research, but were unable to bridge the gap between the existing
paradigms. Rather they adopted some concepts of the European literature and neglected the
strengths of the American models of social movements. The recent literature in Latin Ameri
ca, Europe, and in the United States, however, points to an integration of these approaches,
which apparently has been reinvigorating this field of studies. Research on Latin America may
help bridge the gaps that still remain in the literature, particularly those concerning the rela
tionship between the state and social movements.
103
Résumé
A partir des années soixante, nous assistons à un grand renouveau de l’intérêt académique
pour les mouvements sociaux. Malgré leurs racines empiriques communes, les écoles qui sont
apparues aux Etats-Unis et en Europe ont complètement différé et, malheureusement, pen
dant plus d’une décennie, il y eut très peu d’échanges intellectuels entre elles. A la fin des
années quatre-vingts, des chercheurs latino-américains se sont engagés dans la recherche sur
les mouvements sociaux, mais n’ont pas réussi à combler la lacune entre les paradigmes qui
existaient alors. Au contraire, la plupart des chercheurs adopta des concepts issus de la lit
térature européenne et négligea les points forts des modèles américains. La littérature plus
récente produite en Amérique latine, en Europe et aux États-Unis tend, néanmoins, vers une
intégration croissante de ces points de vue, ce qui, apparemment, renforce les études dans ce
domaine. La recherche sur les mouvements sociaux en Amérique latine peut aider à combler
les lacunes qui existent toujours dans la littérature, particulièrement le manque d’études sur
l’intégration entre l’Ëtat et la société.
104
A T ra n s iç ã o p a ra o M e rc a d o no L e s te E u ro p e u :
U m B a la n ç o do D e b a te s o b re a M u d a n ç a d o P ia n o a o M e rc a d o
105
BIB, São Paulo, n° 52, 2° semestre de 2001, pp. 105-132
pecam por 1) limitar-se ao estudo das va logia crítica? Esta questão não é fácil, e
riantes do capitalismo, sem pensar na possi não pode ser respondida no espaço des
bilidade de sua superação, o que tiraria da te artigo.
sociologia seu potencial crítico; 2) deixar de 3. Realmente há um déficit de produção
lado o estudo das classes subalternas, con sobre a classe operária no Leste dos anos
centrando-se na análise das elites; e 3) con- 90,3 mas isso não invalida os estudos
centrar-se na análise das origens, e não na existentes sobre as “elites”; a menos, é
análise da lógica sistêmica do capitalismo, claro, que Burawoy esteja sugerindo que
que tem como uma de suas características a classe operária no Leste seja um pode
justamente seu potencial para elim inar as roso agente de mudança social, o que,
origens (w ipe out origins, 2001, p. 1114). como replicaram Eyal, Szelényi, e
A estas objeções, extremamente perti Townsley (2001), não é o caso, ao me
nentes, respondemos: nos por enquanto.
1. Talvez seja verdade que o capitalismo li Enfim, em que pesem nossas considera
vre-se de suas origens na medida em que ções acima, vale a pena esperar para ver o
se desenvolve, mas, quando se opera na quanto renderá teoricamente a proposta de
análise de médio prazo (que é o que se Burawoy.de uma “teoria pós-socialista” (nos
propõem os autores criticados por Bura- moldes da “teoria pós-colonial” já existen
woy), esses resquícios e saídas laterais po te”).4 Mas, por enquanto, nos limitaremos a
dem ser muito importantes, idéia com a tentar descobrir algumas linhas de causalida
qual só se pode discordar abandonando, de histórica nos processos em curso.
por exemplo, qualquer teoria do impe Apresentamos inicialmente um resumo
rialismo ou da dependência, bem como da teoria da “recessão transformacional” de
ignorando problemas geopolíticos im Kornai, que serviu como ponto de referência
portantes, como o crescimento das eco para boa parte da bibliografia sobre a transi
nomias asiáticas. ção “pós-socialista”. A partir da constatação
2. Como bem notou Kennedy (2001), in de que a recessão transformacional ocorreu
telectuais ocidentais podem tomar o so em todos os países em transição, passamos
cialismo como um “outro” contra o qual então à análise dos fatores socioeconômicos
se julga criticamente a realidade capita que parecem ter determinado as diferentes
lista que se estuda, mas no Leste o socia trajetórias nacionais durante a recessão, para
lismo é uma memória, não uma utopia. fora dela, ou no mergulho em crises cada vez
Não vale aqui a objeção, plausível no ní mais agudas. Inicialmente, apresentamos as
vel em que normalmente é formulada, duas posições conhecidas como “gradualista”
de que o “socialismo real” não foi o “ver e “B ig B a n g , que tiveram importante papel
dadeiro socialismo”, pois, mesmo se isso no debate político sobre a transição. A se
for verdade, a memória do socialismo in guir, mostramos que essa oposição descreve
clui entre seus traços a idéia mesma de apenas parcialmente os processos concretos
julgar a realidade contra o modelo de em curso. Com base nos trabalhos de David
uma utopia, e o peso desta escolha no Stark e no conceito de “propriedade recom
caso do Leste ainda precisa ser mais bem binante”, bem como na bibliografia sobre os
estudado pelo marxismo. Enfim, Ken casos considerados paradigmáticos da H un
nedy está certo em levantar a “questão gria (gradualista) e República T ch eca (Big
de pesadelo”: e se o foco no socialismo Bang), mostramos que as diferentes estraté
se constituir em obstáculo para a socio gias interagiram com dinâmicas vindas do
106
período socialista, produzindo configurações nomia de mercado: já que não havia quem
por vezes inesperadas. Além disso, com base pudesse formular um plano econômico, en
na literatura sobre o caso Russo, mostramos tão o sistema de planejamento seria substi
que processos políticos, em especial as con tuído pela liberalização dos preços. Isto é,
dições da alternância 110 poder, tiveram in embora não fosse possível mudar a composi
fluência decisiva sobre a constituição das for ção do estrato tecnocrático, era, no entanto,
mas institucionais emergentes. Enfim, argu possível esvaziar seus espaços de poder.
mentamos que os encadeamentos históricos Seja como for, ao final da primeira meta
de longo prazo podem ter sido decisivos nas de da década de 1990, todos os países do Les
diferentes trajetórias. te Europeu já haviam embarcado, com mais
ou menos entusiasmo, na via da transição
pós-socialista. As conseqüências para a econo
A Transição Pós-socialista: O Conceito mia da região foram drásticas. Uma economia
de Recessão Transformacional que havia sido organizada por critérios não
mercantis, ou apenas parcialmente mercantis,
Com a crise final das economias plani não estava capacitada para operar em um am
ficadas, impôs-se a tarefa de conduzir a biente de mercado desregulado de uma hora
transição a um a economia de mercado. As para outra. Pensemos nos casos em que a lo
circunstâncias que favoreceram a adoção calização das empresas obedecia a critérios
deste rumo tinham origens variadas, entre não-mercantis, por exemplo, a necessidade de
as quais, naturalmente, a necessidade de eli ocupar certos territórios militarmente estraté
m inar os desequilíbrios herdados da econo gicos. Uma vez removidos os incentivos esta
m ia de penúria, bem como a grande crise tais, estas empresas estavam condenadas a de
econômica que se precipitou sobre os países saparecer, visto que os custos de transporte
que haviam embarcado nas reformas mar tornavam seus preços não competitivos.
ket-oriented. antes de 1989, e que se depara Mas o principal problema parece ter
vam com desequilíbrios muitas vezes mais sido a passagem de uma economia “cons
graves do que os enfrentados pelas econo trangida por recursos no estilo Kornai” para
mias não-reformadas. uma economia “constrangida por demanda
M as não podemos desprezar o papel de no estilo Keynes”. A expressão refere-se aos
sempenhado por fatores políticos. Onde clássicos trabalhos do economista húngaro
movimentos de oposição declarada ao regi János Kornai sobre as economias socialistas.
me do partido único ascenderam ao poder, Visto que estas teses tiveram im portância
colocava-se também a tarefa de elim inar as fundamental no debate sobre as sociedades
bases de poder dos membros da nomenklatu do Leste antes e depois da transição, vale a
ra, o que significava, naturalmente, quebrar pena revê-las em resumo.
o antigo sistema de administração econômi A tese de Kornai (1995, 1997) parte da
ca estatal. Segundo Sachs (1994), esse fator constatação de que a empresa socialista típi
foi muito importante na escolha da estraté ca tinha “constrangimento orçamentário
gia do Solidariedade Polonês, o qual, quan suave”, isto é, podia contar com ajuda do
do alcançou o governo na Polônia, enfren centro planificador caso incorresse em pre
tou um sério problema político: os comunis juízo. Isso se devia, por um lado, ao fato de
tas contavam com sua presença no aparelho que o sistema de preços controlados tornava
estatal para perpetuar sua influência na ad a lucratividade efetiva um índice ruim de
ministração. A estratégia seguida pelo Soli eficiência; por outro, à ação de redes corpo
dariedade foi uma virada em direção à eco rativas dentro de cada ramo da economia,
107
que procuravam garantir junto ao centro os nela uma grande queda na produção está nor
recursos necessários à sua operação. Não de malmente associada a taxas de inflação maio
pendendo dos lucros aferidos para sobrevi res (Gomulka, 1998, p. 19). Mais revelador
ver, tais empresas não lim itavam sua oferta à ainda é o fato, notado por Gomulka (p. 29),
quantidade que podia ser vendida; no dizer de que países que adotaram políticas econô
de Kornai, não eram constrangidas pela de micas as mais diversas (por exemplo, políticas
manda,, mas sim constrangidas pelos recursos de austeridade fiscal ou de permissividade fis
—investiam tanto quanto pudessem com os cal) tiveram quedas semelhantes da produção,
recursos de que dispunham. Sua demanda muito embora tenham se movido com maior
por insumos, portanto, tendia ao infinito. ou menor desenvoltura para fora delas.
Assim, quando cada empresa pressiona ao Depois de quase dez anos de transição,
máximo seus fornecedores por mais recur os resultados obtidos variaram imensamente
sos, sem ter maior estímulo para atender a entre os vários países envolvidos. Se todas as
seus próprios clientes, uma situação de eco economias tiveram uma redução acentuada
nomia de penúria se configura: a demanda de seu crescimento até o meio da década de
que não pode ser controlada por aumentos 1990, algumas tiveram uma rápida recupera
de preço se transforma na tristemente fami ção nos anos subseqüentes, enquanto outras
liar figura da fila. se recuperaram mais lentamente ou mesmo
Dada a insensibilidade para preços e o regrediram. Se a recessão transformacional
apetite para investimento, muitas empresas parece mesmo ser inevitável no- começo da
socialistas eram bem maiores do que se justi transição, seus efeitos e sua duração parecem
ficaria, caso seus consumidores tivessem que ter variado bastante de acordo com a estraté
decidir com base em preços liberalizados. A gia de transição adotada por cada país.
partir da mudança no ambiente em que a em Assim, terminada a década, há clara
presa devia operar, a retração econômica era mente um grupo de “vencedores” e um gru
inevitável. Segue-se uma queda brusca da pro po de “perdedores”. Entre os primeiros, a
dução, o crescimento do desemprego, e uma Hungria, a República Tcheca (a despeito da
drástica redução da arrecadação fiscal. Ao crise de 19976), a Eslováquia, a Eslovênia e,
conjunto destes fenômenos, Kornai (1995, principalmente, a Polônia, cujo PIB é hoje
1997) chamou “recessão transformacional”. 20% maior do que era em 1989. Entre os se
Resumindo, os fatores que tendem a le gundos, destacam-se as antigas repúblicas
var a uma recessão transformacional, Go- soviéticas,7 entre as quais naturalmente a
mulka (1998, p. 15) cita: (1) o realinhamen- Rússia (a despeito da recente recuperação8)
to de preços; (2) a queda da demanda resul e, sem dúvida, o maior desastre entre os paí
tante da passagem a um mercado de com ses da região, a Moldávia, atualmente com
pradores;5 (3) a redução dos gastos militares; apenas 31% do PIB que tinha em f 989.
e (4) o colapso do Comecon. Aqui nos con N aturalmente, não se pode medir o
centraremos apenas nos itens (1) e (2), visto “sucesso econômico” exclusivamente pela
que os outros fatores estiveram presentes de variação do PIB. Entretanto, alguns dados
maneira bastante desigual nos diferentes paí sugerem que o popular tra d e-ojf entre cres
ses, o que não impediu que todos sofressem cimento e progresso social se aplica imper
com a recessão transformacional. feitamente no caso dos países que sofrem re
Notemos que a recessão transformacio cessão transformacional. Não é totalmente
nal não é igual a uma recessão normal carac claro que países que tenham sido mais tím i
terística do capitalismo. Entre os fatores que a dos nas reformas tenham poupado sua po
distinguem estão, por exemplo, o fato de que pulação de maiores sacrifícios: por exemplo,
108
o ranking dos países em que mais subiu a ex te acelerada, enquanto outros afundaram
pectativa de vida entre 1987 e 1997 é seme ainda mais em uma crise que assumiu di
lhante ao dos países com maior crescimen mensões catastróficas?
to. Os cinco mais bem colocados foram (do Exploraremos no restante deste trabalho
melhor para o pior) República Tcheca, Eslo- o aspecto que até agora, não sem motivo,
vênia, Eslováquia, Polônia e Hungria; os cin vem ocupando o centro do debate sobre a
co piores (do pior para o melhor), Ucrânia, transição: a mudança do regime de proprie
R ú ssia,B u lgária, Albânia e Romênia ( The dade. Naturalmente, não pretendemos suge
Economist, 6 de Novembro de 1999, p. 23). rir que este seja o único fator relevante, como
De maneira análoga, a comparação de Goet- nossas conclusões deixarão claro. Além do
ting (1998) entre as políticas sociais em qua mais, não gostaríamos de dar a impressão de
tro países em transição (República Tcheca, que o único aspecto importante da questão é
Hungria, Eslováquia e Bulgária) mostrou o crescimento do PIB, ou a eficiência de mer
que a República Tcheca10 parece ter im ple cado: mas entendemos que a recessão trans-
mentado as políticas sociais mais bem-suce formacional reflete os mecanismos mais pro
didas, ao passo que a Bulgária teria tido o fundos da mudança de regime, de cujo suces
pior desempenho entre os quatro. so dependem as perspectivas de longo prazo
A relação entre crescimento e desempre da região (por exemplo, a perspectiva de ade
go parece ser mais complexa, pois, embora são à Comunidade Européia).1’
haja mesmo indícios de que fa st reformers te
nham maior desemprego do que slow refor
mers (como indicaria, por exemplo, a com Fatores de Divergência das Trajetórias
paração entre a Polônia e a Rússia até 1995; na Transição: “Gradualistas” e “Radicais
ver Jackman, 1998, p. 125), a República de Mercado”
Tcheca, um dos mais rápidos reformadores,
ostentava em 1995 um a taxa de desemprego Voltemos pois à questão: como se expli
de apenas 3% , o que, como notou Jackman, ca a divergência entre os diferentes países em
parece indicar que a política de emprego pode transição a partir da segunda metade da dé
ter sido o fator decisivo em todos estes casos. cada de 1990?
Enfim, o estudo de Elster (et al., 1998) A explicação “oficial”, comum entre os
procurou medir o grau de “consolidação” funcionários de organismos internacionais,
das novas sociedades, comparando-as através ou entre publicações como The Economist , é
de quatro critérios: perform ance econômica, que os países que foram mais radicais na
consolidação institucional, estabilidade polí adoção dos mecanismos de mercado foram
tica e seguridade social. Foram comparados os mais bem-sucedidos. De fato, a Polônia,
quatro países (República Tcheca, Hungria, antes de seus colegas do Leste, adotou um
Eslováquia e Bulgária), e, ao final do traba regime de preços liberalizados e abriu sua
lho, os autores elaboraram um ranking da economia para o comércio exterior. Por ou
perform ance dos quatro, tendo sido obtido o tro lado, países que têm sido tímidos no pro
seguinte resultado, do mais consolidado para cesso de reforma, como a Romênia, têm ob
o menos consolidado: República Tcheca, tido resultados medíocres.
Hungria, Eslováquia e Bulgária (p. 305). O problema começa quando incluímos
Como explicar essas diferenças? Isto é, em nosso critério de avaliação do “radicalis
que fatores fizeram com que, lá pelo meio da mo” dos reformadores a porcentagem da
década de 1990, alguns países ingressassem economia privatizada, o que, há de se convir,
em um processo de recuperação relativamen parece plausível. Neste caso, os dados forne
109
cem um quadro bem mais complexo. Se é no endividam ento e na injeção de dinheiro
verdade que a Polônia optou por uma rápida no setor estatal.13
liberalização de preços, também é verdade Seja como for, a simples oposição entre
que foi parcimoniosa na privatização. Por privatizar ou reformar com mais ou menos
outro lado, a Hungria adotou uma estratégia rapidez não explica o diferente desempenho
reconhecidamente gradualista, cuja origem dos países em transição. Portanto, deve ha
remete à adoção do Novo Mecanismo Eco ver mecanismos mais sutis por trás de resulta
nômico em 1968. Em contraste, a Rússia dos econômicos tão díspares.
optou por uma rápida privatização. Os casos Uma outra explicação, que ganhou im
da China (e talvez do Vietnã) são particular pulso após a crise russa de 1998, é a chama
mente importantes, dado que, mantido o re da crítica gradualista, entre cujos proponen
gime de partido único, a estrutura institu tes ocidentais mais célebres encontra-se J.
cional básica (a “principal linha de causalida Stiglitz. Com base na crise russa e no sucesso
de”) do sistema socialista clássico deveria chinês, os proponentes desta tese argumen
prevalecer, segundo Kornai. M ais im portan tam que, antes de embarcar na privatização
te, como veremos no próximo tópico, nem em grande escala, é necessário introduzir me
sempre iniciativas do tipo Big Bang resulta didas que endureçam o constrangimento or
ram em uma expansão sem restrições da pro çamentário das empresas estatais. Somente
priedade privada e do com portam ento através do processo de aprendizagem social
orientado pelo mercado. que derivaria desta situação, os diversos agen
Há ainda o caso, bem menos estudado, tes poderiam se mostrar aptos a viver segun
da Eslováquia. A Eslováquia teve, no perío do as regras de mercado. Ao mesmo tempo,
do considerado, um crescimento melhor do o processo de aprendizagem favoreceria uma
que a m aioria dos países em transição, sen seleção dos mais aptos para desempenhar a
do superada apenas pela Polônia. Entretan função de capitalista.
to, o governo de V ladim ir M erciar (1994- Notemos que, realmente, entre os países
1998) foi freqüentemente associado a ten que obtiveram melhores resultados na últi
dências nacional-populistas e a um a postu m a década, a regra parece ter sido a seqüên
ra anti-ocidente e anti-reform ista.12 A falta cia “endurecimento do constrangimento or
de m aterial acessível para a análise do caso çamentário” - ^ - “privatização”. Em especial,
eslovaco nos impede de inseri-lo em nossa este foi o caso na C hina,14não foi na Rússia
discussão, mas, como advertência contra o e, notemos bem, foi na Polônia.15
excessivo entusiasmo pelo exemplo eslova Entretanto, esse resultado levanta ques
co, devemos ter em mente dois fatores: (1) tões teóricas complexas: de fato, décadas de
que a separação entre a República Tcheca e experiência de reformas de mercado em paí
a Eslováquia foi efetivada quando a transi ses como Hungria e Iugoslávia, bem como
ção já estava em curso, de m aneira que é debates teóricos célebres da teoria econômi
possível que alguns dos bons resultados da ca, pareciam demonstrar o que Kornai cha
experiência eslovaca sejam atribuíveis a po mava de “afinidades eletivas” entre mecanis
líticas seguidas no curto período tcheco-es- mos de coordenação (como o mercado) e
lovaco (de 1989 a novembro de 1992, pe formas de propriedade (como a propriedade
ríodo do B ig Bang tcheco) da transição; (2) privada). Isto é, teoricamente, a oposição en
além disso, o governo pró-relorm a de Ivan tre disciplina financeira e privatização não
M iklos, empossado em 1998, tem sustenta deveria sequer se colocar.16
do que o crescimento obtido sob M erciar O fato de que a privatização teve efeitos
era insustentável, baseado essencialmente tão díspares em diferentes países mostra, en
110
tretanto, que há mais problemas envolvidos O processo de transformação do regime
na construção das instituições e dos valores de propriedade no Leste tem várias dim en
de mercado do que simplesmente a transfe sões. Embora o processo de privatização
rência de títulos de propriedade. Em que ocupe grande parte do debate teórico sobre
pese a im portância das leis de propriedade o assunto, não se pode deixar de chamar
na m edida em que possibilitam chamar a atenção para a imensa importância que tive
intervenção estatal para resolver conflitos, ram as empresas novas, que já nasceram pri
elas operam em meio a configurações sociais vadas, ou com um estatuto que ao menos
complexas, que se contrapõem muitas vezes não permite defini-las como estatais. Na Po
ao Estado e tornam o recurso à lei inócuo lônia, os resultados da pesquisa de E-lstrin
ou mesmo contraproducente. Entre o nível (1998) mostram que, no ano de 1993, tanto
da eficiência microeconômica e as grandes a produção quanto o emprego cresceram
políticas institucionais, há, no capitalismo mais rápido nas empresas privadas surgidas
moderno, toda um a “terra de ninguém , ou depois do início da transição; na China,
um a terra de todo m iindo”,17 onde estraté onde ainda não se procedeu a privatização
gias e regras se cruzam até quase já não se das empresas estatais, o crescimento econô
mico dos últimos anos foi em imensa m edi
poder distingui-las. Como veremos, um dos
da ocasionado pelas chamadas town-and-vil-
maiores problemas da transição é fazer com
lage enterprises (TVEs), cujo estatuto jurídi
que essa zona instável da vida social moder
co é bastante complexo, com uma relativa
na seja uma fonte de dinamismo, mas não
indefinição dos direitos dos agentes privados
de desintegração.
e do poder político local.
Para dar conta destes problemas, é neces
Mas não é à toa que a questão da priva
sário que nos retiremos do terreno em que o
tização mobiliza tanta energia. Como já vi
debate é normalmente travado. Em vez de mos, a privatização no Leste teve causas polí
nos atermos às diferentes políticas {policies) ticas pelo menos tão importantes quanto
adotadas pelos governos, ou, o que parece econômicas. Essa questão é ponto de passa
ainda mais abstrato, recomendadas por dife gem obrigatório para qualquer tentativa de
rentes conselheiros internacionais, procurare modificação da estrutura social herdada do
mos, no próximo item, nos ater à maneira período comunista: quando se discutiu as
pela qual estas políticas produziram resulta formas de privatização, discutiu-se ao mesmo
dos bastante diferentes dos esperados pelos tempo que tipo de acordo seria possível com
seus formuladores. a antiga elite dominante; que tipo de garan
tias seria possível oferecer à população traba
lhadora durante a recessão transformacional;
Estruturas de Propriedade Emergentes que atitude tomar diante dos espaços de mer
cado que já existiam nos interstícios do regi
Neste tópico adotamos uma perspectiva me comunista. Como veremos, a maneira
diferente da do anterior, onde nos detivemos pela qual a propriedade estatal foi reorganiza
sobre um debate bastante centrado nas dife da nos novos regimes efetivamente teve con
rentes escolhas de política {policy) governa seqüências cruciais para o desenvolvimento
mental. Aqui nos debruçaremos sobre al de cada país. O que não quer dizer que esta
guns trabalhos que se ativeram à análise dos reorganização tenha se dado exatamente como
processos sociais desenvolvidos paralelamen esperavam seus implementadores.
te, e mesmo em oposição, às intenções dos Formas mais comuns de privatização,
diferentes governos pós-comunistas. como a venda pela maior oferta, estavam
111
vedadas aos formuladores de política do ça à estratégia de adiar a privatização. Entre
Leste. Isso im plicaria transferir o controle tanto, como bem notou o mesmo autor, há
da economia para os únicos atores que, du todo um capital social, um know-how acu
rante o regime comunista, puderam acum u mulado durante a experiência dentro da es
lar recursos financeiros de vulto: os mem trutura econômica, que deve ser preservado
bros da nomenklatura e os operadores do durante a transição, e que poderia ser des
mercado negro. Visto que nenhum dos dois perdiçado em uma privatização (não-espon-
oferecia grandes perspectivas como adm i tânea) desastradamente apressada.
nistradores eficientes, cumpridores de con Um exemplo de como este acúmulo de
tratos e pagadores de impostos, foi preciso informação pode ser importante é a capaci
pensar uma alternativa. dade de saber que empresas têm real poten
Grande parte da discussão girou, então, cial de crescimento. No caso das privatiza
em torno do processo conhecido como “priva ções, é evidente que nem sempre quem se dis
tização espontânea”. As reformas iniciadas, põe a pagar mais pela empresa é o mais apto
ainda no período socialista, pela Hungria e a administrá-la: é possível que tenha pago
pela Iugoslávia, provocaram situações de dese mais justamente por desconhecer o valor real
quilíbrio decorrentes da convivência inamisto- da empresa. É notável que a privatização
sa de mecanismos de mercado e de regulação húngara, exemplo paradigmático da postura
burocrática. Um componente fundamental gradualista, tenha sido descrita por Boenker
deste processo foi a progressiva autonomiza (1998) como “a criação de ‘proprietários de
ção dos dirigentes de empresa. A partir do mo verdade”’ (p. 179). Por outro lado, o caso da
mento em que a desintegração do modelo era privatização tcheca suscitou dúvidas a respei
evidente, esse processo sofreu uma aceleração to de quem realmente exerceria a gerência
fenomenal: a partir do final dos anos de 1980, das empresas cujas ações foram distribuídas
os insiders (administradores de empresa e, em ao público (Stiglitz, 1999).
menor grau, os trabalhadores) engajaram-se Portanto, as alternativas extremas de (a)
na gestão das empresas como se fossem suas. suprim ir qualquer movimento de reorgani
Isso talvez não fosse um problema maior em zação espontaneamente surgido dentro das
si, e, mesmo, poderia ser visto como uma pos empresas a serem privatizadas; e (b) deixar
sível solução para o processo de privatização. que a aquisição do controle das empresas pe
Entretanto, dois fatores levaram a uma los insiders seguisse seu curso livremente
deterioração aguda da situação. O primeiro apresentavam riscos seríssimos.
foi o fato de que, dado que muitas destas em De qualquer maneira, o debate sobre a
presas tinham constrangimento orçamentário “privatização espontânea” deixa claro que
suave, a autonomização serviu fundamental David Stark estava certo quando disse que
mente para dar margem a uma subida desgo os agentes do pós-comunismo construíam a
vernada de salários, por um lado, e para a ven nova sociedade “com as ruínas”, e não “so
da do patrimônio da empresa por parte dos bre as ruínas” do comunismo. Segundo o
administradores, muitas vezes para recém- trabalho de Stark, o regime de propriedade
fundadas empresas de sua propriedade que ti estabelecido nas diferentes sociedades do
nham apenas uma sala com uma secretária. Leste é, passados já alguns anos de transi
Não há dúvida de que a apropriação das ção, bastante diferente do que tinham em
empresas pelos insiders foi em grande m edi mente os diversos políticos envolvidos no
da uma oportunidade de assalto ao patrimô processo de privatização. Este sistema pode
nio público: o próprio Stiglitz (1996) reco ser caracterizado como “propriedade recom-
nhecia este processo como a principal amea binante”, pois nele (1) as diversas empresas
112
procuram diversificar seu portfolio tornan mente de indivíduos privados ainda era bas
do-se donas umas das outras; e (2) além de tante rara; e (3) a propriedade interempresas
procurarem diversificar seus investimentos, crescia (Stark, 1996b).
o que pode ser razoável também em uma A forma específica de propriedade inte
economia de mercado desenvolvida, as em rempresas na Hungria tem raízes na própria
presas procuram diversificar os critérios pe história de gradualismo das reformas húnga
los quais são avaliadas; como empresas efi ras, ao longo da qual os administradores de
cientes no mercado, como executantes de empresa já haviam recebido grande autono
tarefas socialmente úteis, como geradoras de mia. Como notaram Szelény, Szelény e Ko-
emprego etc., com vistas a desfrutar de be vách (1995), a nomenklatura da H ungria
nefícios oferecidos pelo Estado, que persis destaca-se entre todas as outras da região pot
tem, apesar do empenho dos idealizadores ter sido capaz de recrutar os quadros técnicos
da privatização, posto que, (3) nas redes que para seu interior. Isso foi um dos fatores que
assim se formam, as fronteiras entre pro tornaram possíveis as reformas, mas também
priedade privada e propriedade pública foi um fator de progressiva desestabilização
também se tornam difusas. do regime, pois, na medida em que acumu
A propriedade recombinante emerge a lavam poder e recursos, estes administrado
partir das circunstâncias específicas em que res passaram a articular “molecularmente” a
se processa a passagem à sociedade de m er constituição de seus direitos de fa cto em di
cado: em uma circunstância em que havia reitos de ju r e .18
escassez de compradores qualificados, em Esta participação intensa no processo de
um contexto em que empresas procuravam transformação do regime socialista garantiu
adquirir proprietários (e não o contrário), as aos administradores de empresa húngaros
empresas pós-socialistas compraram umas uma longevidade maior que a do regime. Se
às outras. Formaram-se assim redes de pro gundo os mesmos autores (p. 713), entre os
priedade que ligavam empresas, bancos e membros da elite econômica húngara em
fundos públicos de privatização em uma 1993, 31% já estavam em postos de coman
corda de segurança que condicionava a sor do na economia socialista, e outros 50% par
te de cada empresa à sorte de toda um a sé ticipavam do nível médio da administração.
rie de outros agentes. Notemos, entretanto, que esta longevidade
O primeiro efeito da incorporação ana não foi garantida a todos os membros da an
lítica das redes interempresas na análise do tiga administração econômica: 47,6% deles
processo de transição é o abandono da opo foram “forçados” a se aposentar.
sição, recorrente na literatura, entre “terapia E importante perceber os efeitos da estra
de choque” e gradualismo, ao menos como é tégia de transição húngara sobre os direitos de
normalmente formulada. A seguir apresen propriedade na indústria. O processo de cor-
tamos os resultados de Stark sobre a Hungria porativização , durante o qual as empresas es
e a República Tcheca, países normalmente tatais foram transformadas em sociedades por
apontados como exemplos paradigmáticos ações, teve o efeito de limitar o processo de
de gradualismo e de terapia de choque. autonomização das empresas, processo este
Atentemos para o caso da Hungria. Se que havia sido um dos responsáveis pela
gundo Stark, a análise das 200 maiores em transformação do regime comunista. Stark
presas húngaras entre 1994 e 1996 mostrou atribui a este processo diversos traços de uma
que (1) o Estado, através de suas agências “re-nacionalização” (Stark, 1996a, p. 1001):
econômicas, permanecia o maior proprietá para poder prosseguir com a privatização, o
rio da Hungria; (2) a propriedade exclusiva Estado precisava resgatar aos insiders das em
113
presas direitos de propriedade perdidos du duos tchecos, segundo M ertlík (1996), prová
rante as últimas décadas do socialismo. veis representantes de estrangeiros, ou de ban
Isto é, o acúmulo de experiências em cos estrangeiros. Os outros são propriedade
um regime descentralizado, que constituía, dos Cinco Grandes (Ceská sporiteina, a.s., Ko-
sem dúvida, a grande vantagem da Hungria m ercní banka, a.s., Ceskilovesnká obchodní
pós-socialista, precisou ser contrabalançado banka, a.s., Investni a postvoní banka, a.s. e
por um novo fortalecimento do Estado, des Agrobanka, a.s.) bancos tchecos controlados,
ta vez nas mãos da antiga oposição, para im ainda segundo Mertlík, pelo FNP (Fundo
pedir que os administradores de empresa do Nacional de Privatização), um órgão público
antigo regime assumissem controle da totali para o qual o controle das empresas estatais a
dade do aparelho estatal. As mesmas práticas serem privatizadas era transferido antes do
que, progressivamente, corroeram as bases processo de privatização.20
do sistema planificado, também constituíam Ainda segundo M ertlík, a administração
um legado de desobediência às regras e de das empresas continuou fundamentalmente
corrupção que não eram compatíveis com organizada pelas direções de empresa, que,
uma economia de mercado madura. Em ou entretanto, agora precisavam se adequar ao
tros termos, se a H ungria ainda pode ser regime de mercado. Ao final do período es
chamada de gtadualista, devemos ter em tudado por M ertlík, progredia a tendência
mente o quão foi decisiva a ruptura com o de venda da propriedade dos FIPs para “pro
processo de evolução gradual, ocorrido no prietários reais”, indivíduos estrangeiros ou
início da privatização. tchecos. Como vimos, portanto, devemos
Vejamos agora o exemplo tcheco. Na concordar com Stark quando diz que “neste
Tchecoslováquia, como na Polônia e na Rús capitalismo financeiro tcheco, a privatização
sia (na primeira onda de privatizações, em por vouchers não cortou os vínculos entre o
1993)) o método adotado para a privatização Estado e as instituições econômicas, ela os
foi a privatização por vouchers (cheques de reorganizou”. (Stark, 1996b, p. 15).
privatização), distribuídos gratuitam ente ou Notemos que, com base no que foi dito,
por preços razoáveis à população, no que fi fica mais difícil demarcar quais países adota
cou conhecido como programa de “capitalis ram estratégias de rápida conversão à econo
mo popular”. mia de mercado e quais foram mais gradua-
No caso da Tchecoslováquia, cada cida listas. Isso é especialmente claro no caso
dão recebeu vouchers de mil pontos. Em maio tcheco, pois, a despeito da estratégia do Big
de 1992, 1.400 empresas já haviam sido colo Bang, o regime de propriedade resultante
cadas à venda. Segundo Berend (1998: p. 55), ainda apresenta traços fortes de propriedade
cerca de 8,5 milhões de cidadãos tomaram estatal e de relações verticais entre as empre
parte no processo, que resultou na venda de sas. O processo concreto de reorganização da
56% das ações em oferta.19 Imediatamente, propriedade no Leste seguiu caminhos bem
formou-se um mercado para os vouchers , que diferentes do que tanto gradualistas quanto
foram rapidamente transferidos a fundos de terapeutas de choque previam e/ou deseja
investimento. De especial importância foram vam. As análises de Stark (1996a e 1996b),
os Fundos de Privatização de Investimento bem como a grande pesquisa comparativa
(FPIs), empresas formadas por bancos, segu conduzida por Széleny e Széleny (1995), pa
radores, firmas de consultoria e agentes priva recem sugerir que o background histórico de
dos. Alguns desses fundos, entre os quais se cada país, em especial sua história durante o
destacam o Harvard Capital and Consulting ; o período socialista, foi o fator crucial na de
YSE e o CS Funds, são propriedade de indiví terminação dos diferentes rumos tomados a
114
partir do processo de transição. Até aqui, A mudança de regime de propriedade
percebemos estas linhas de causalidade his na recessão transformacional, portanto, deve
tórica sob dois aspectos intim amente rela ser adaptada à situação muitó peculiar da
cionados: por um lado, o caráter mais ou transição. Tentativas de estabelecer, nas so
menos reformado de cada sistema planifica ciedades em transição, regras de propriedade
do nas vésperas da transição, por outro, a adequadas somente a mercados plenamente
maior ou menor autonomia dos gerentes. desenvolvidos, como foi o caso da lei de fa
Tanto a Hungria quanto a República lências da Hungria, apenas desarticulam po
Tcheca são casos bem-sucedidos de transição tencialidades produtivas, bem como desor
ao mercado, se entendermos isso em um sen ganizam o que Stiglitz chamou de “capital
tido estrito: não se trata de dizer que ambos organizacional”, disponível em uma dada so
os países progridem sem problemas. Mas ciedade: as normas e as instituições que re
deve-se notar que muitos dos problemas en gulam as dimensões da vida econômica em
frentados por estas economias atualmente que o mercado não seria eficaz, um “contra
(por exemplo, o desemprego) são problemas to social implícito”, que proporciona o qua
típicos de economias de mercado.2' Da mes dro referencial para a operação de mercado.
ma forma, as principais tarefas que se im Da mesma forma, perde-se um grande
põem a estes países já são tarefas relativas à acúmulo de informação sobre o sistema eco
(sempre difícil) domesticação do mercado, nômico: é fácil perceber que, nas redes, se ti
com a constituição de redes de proteção so nha informação a respeito de fornecedores
cial, o aperfeiçoamento do sistema político confiáveis, do funcionamento da deficiente
etc. Enfim, resta a questão de saber qual será rede de distribuição das economias socialis
sua inserção no sistema capitalista interna tas, da inserção de cada empresa e de cada
cional: a Europa Central se integrará harmo gerente na rede, do nível de eficiência de
niosamente na Europa, ou se juntará aos paí cada empresa (informação que podia ser
ses do terceiro mundo (como na metáfora de ocultada do centro planificador, mas não dos
Pzeworski [1994], o Leste se tornando Sul)? consumidores) etc.
Entretanto, como poderíamos explicar As formas de propriedade recombinan-
a adequação do regime de propriedade re- te parecem ter sido uma forma de preservar
combinante para a transição pós-socialista? este indispensável acúmulo de informação.
M ais especificamente: não seria necessário Podemos facilmente compreender a impor
um sistema de propriedade pessoal para in tância deste fato através do estudo de Elstrin
centivar a aceitação do risco, única possibi (1998) sobre a Polônia, em que as diferentes
lidade de assegurar a inovação econômica? formas de propriedade (estatal, privada con
Segundo Stark, em uma situação em que os trolada por outsiders, privada controlada pe
riscos são incalculavelmente grandes, dada a los gerentes, privada controlada pelos traba
instabilidade das regras do jogo, as redes po lhadores, e empresas privadas recém-cria-
dem se constituir em uma alternativa plau das) são comparadas em sua capacidade de
sível para a única forma de administração de alcançar a eficiência. Para sua surpresa, Els
risco possível. Dada a extraordinária impre- trin percebeu que os outsiders eram menos
visibilidade de uma transição desta m agni eficientes do que seria de se esperar, ao pas
tude, o investimento racional pode se tornar so que a propriedade dos gerentes ou dos
quase impossível. Neste contexto, a dissemi trabalhadores teve um desempenho bem
nação do risco ( risk-spreading ) pode garantir melhor do que previam seus modelos. Uma
um mínimo de segurança para a formulação explicação, segundo Elstrin, reside no fato
de estratégias. de que gerentes e trabalhadores seriam favo
115
recidos pela legislação que regula a liquida quisadas, apenas 17% reagiram passivamente
ção das empresas estatais. Entretanto, há à mudança; cerca de 40% teve reações clara
um outro fator que pode ter sido im portan mente ativas. A média dos diferentes setores
te: trabalhadores e gerentes possuíam infor da economia foi 3,0 para a Polônia, 3,5 para
mações que os outsiders não possuíam, o que a Hungria, e 3,6 para a Tchecoslováquia.
lhes possibilitou escolher as melhores em Nada disso implica, está claro, que a
presas. Lembremos que este tipo de infor reestruturação das empresas do Leste tenha
mação, no início da transição, não podia ser sido profunda, nem que elas agora sejam
obtido apenas analisando a situação finan competitivas internacionalmente. Entretan
ceira das empresas, dado que estas não rece to, é certo que os incentivos para a reestru
biam recursos do centro em função de sua turação já estão presentes ein algum grau, o
eficiência mercantil. que já é da maior importância.
Tendo reconhecido, portanto, a impor Que conclusões podemos tirar, então, a
tância dos processos de constituição de pro respeito da relação entre as diferentes estraté
priedade recombinante, não podemos deixar gias de privatização e perform ance na transi
de chamar atenção para o fato de que estes ção? Concluímos ser preciso conciliar a pre
movimentos não gerariam bons resultados se servação do acúmulo de informação sobre a
não fosse pelo fato de que a mudança no re economia, resguardado pelas redes interem-
gime de propriedade, bem como sua inserção presas, com um esforço de endurecer o cons
no quadro geral das reformas de mercado, ter trangimento orçamentário das mesmas. Mes
tido efeitos importantes. M ertlík notou bem mo que se verifique, o que a pesquisa de
que, apesar de seu estudo ter concluído que M ertlík parece indicar, que a propriedade re
boa parte da propriedade na República Tche- combinante foi apenas um estágio interme
ca permaneceu de alguma forma ligada ao diário a ser substituído por formas mais “or
Estado, a privatização efetivamente levou as todoxas” de privatização, ao menos ela terá
firmas recém-privatizadas a se lançarem com desempenhado o papel de garantir uma
mais ênfase na busca da eficiência (M ertlík, transição mais suave.
1996, p. 116) Uma outra maneira de expressar essa
Essa afirmação é confirmada pelos resul idéia é dizer que um arranjo de propriedade
tados obtidos por Elstrin (1998). Ele relacio adequado à transição deve ao mesmo tempo
nou a reação de empresas tchecas, polonesas garantir a competição e o acúmulo de infor
e húngaras à transformação da economia en mação não transmitida pelo preço. Na pers
tre 1990 e 1992, no início, portanto, do pro pectiva de Stiglitz (1996), por exemplo, a
cesso de transição. Atribuiu valor 1 a uma grande vantagem do mercado é garantir a
reação puramente passiva: acúmulo de débi competição que, mesmo longe de se parecer
tos, estoques etc.; valor 3 a reações concen com a “competição perfeita”, fornece estímu
tradas na racionalização do processo produti los à inovação e à eficiência. Por outro lado,
vo: demissão do excesso de mão-de-obra, e em oposição ao que sustentam os teóricos
mudanças na composição do produto, ado da competição perfeita, não é porque òs pre
ção de insumos mais baratos etc.; e valor 5 a ços fornecem toda a informação necessária à
reações claramente ativas: estratégia de ven atividade econômica que é possível a descen
das, mudança nos sistemas de informação, tralização da propriedade, mas o contrário:
maior atenção à qualidade dos produtos etc. pelo fato de os preços não fornecerem toda a
Os resultados obtidos mostraram que a rees informação necessária à administração, a des
truturação das empresas foi maior do que até centralização torna-se necessária: só por meio
então se pensava. De todas as empresas pes da descentralização, o poder de decisão é atri-
116
buído a quem dispõe do conhecimento local rentes dos mínimos recursos necessários à re
necessário à administração eficiente. volta bem-sucedida, e o mesmo Estado que
Assim, embora as redes interempresa te já não sabe gerir talvez já não saiba vender.
nham servido de repositório deste conheci
mento localizado, elas só se mostram eficien
tes para os propósitos da transição quando A Posição da Política: O Caso Russo
há suficiente competição, o que é mais fácil
de ser obtido quando o vínculo com o Esta Pelo que foi dito até aqui, pode parecer
do foi suficientemente enfraquecido. Pois, que as configurações institucionais, ou os
embora possa haver competição entre em mecanismos de mercado, poderiam ser sufi
presas estatais e não estatais, o Estado, ao cientes para garantir uma transição dolorosa,
contrário das empresas, tem o poder de proi mas bem-sucedida. Isso seria um erro (ao
bir a competição, o que pode ser uma tenta menos no que se refere ao “bem-sucedida”),
ção difícil de resistir. pois subestima a importância da atividade
Talvez se possa mesmo contar com a par política na configuração dos novos padrões
ticipação do Estado no esforço de manuten sociais. Atentaremos, agora, para um caso
ção da distância entre as redes de propriedade paradigmático de fracasso no processo de
recombinante e o erário público: a partir do transição: a Rússia. Como veremos, o caso
momento em que o Estado não pode mais vi russo mostra como os impasses da esfera po
ver dos lucros de suas empresas, precisa mon lítica podem ser decisivos para o estabeleci
tar um sistema fiscal. Naturalmente, um Esta mento de círculos viciosos que podem ter
do consolidado tem interesse em arrecadar conseqüências de longo prazo.
impostos, o que pode se tornar um estímulo Comecemos do mesmo ponto de que te
para a busca de lucratividade, uma vez que as mos partido até agora: também na URSS, nas
empresas terão de arcar com esses impostos. fases finais do regime socialista, um processo
Esse argumento, entretanto, supõe que de autonomização das empresas desenvolveu-
o mesmo Estado que se mostrou incompe se de maneira descontrolada, resultando em
tente para gerir a empresa seja competente um verdadeiro saque ao Estado, como apon
para privatizá-la. Ora, algumas das qualida tou a pesquisa de Solnick (1998) sobre o co
des que se espera de um bom “privatizador” lapso soviético. Após o início das reformas, os
são as mesmas que se espera de um bom ges administradores de empresa usaram o capital
tor: por exemplo, a capacidade de se manter político e econômico adquirido no período
im une a pressões corporativas e à corrupção, para repelir qualquer esforço de impor-lhes
a competência técnica para saber quais as es disciplina financeira. Segundo Hanley, Yersho-
tratégias possíveis para o futuro (das quais va e Anderson (1995, p. 639), os administra
dependem as projeções de lucro, fundamen dores organizaram-se partidariamente como a
tais para a determinação do preço de venda) “União Cívica” e contavam com grandes alia
etc. No fundo, esse impasse é análogo a ou dos no parlamento russo. Graças a essa in
tros bastante comuns na vida social, e que fluência, conseguiram em 1991 que o Banco
derivam do fato de que nem sempre a neces Central lhes fornecesse o dinheiro para cobrir
sidade é a mãe da invenção: muitas vezes, uma nova onda de empréstimos interempresas,
empresas que precisam inovar urgentemente o que resultou na triplicação da oferta de moe
são as que (por não terem inovado anterior da, no aumento da inflação e em uma derrota
mente) dispõem de menos recursos para política para o governo “reformista” do Premiê
aplicar em inovação. Da mesma forma, clas Chernomydin que, em 1993, anunciou a vol
ses sociais depauperadas muitas vezes são ca ta dos subsídios para as estatais russas.
117
Essa incapacidade dos reformadores de ma direção, mas um fato político forçou
se contrapor aos interesses das indústrias es uma mudança de rumo: as eleições presi
tatais é um primeiro fato que marcou decisi denciais de 1996. Como no resto do'Leste,
vamente a trajetória russa na recessão trans- os efeitos negativos das reformas causaram
formacional: pois o que se seguiu foi um uma baixa espetacular da popularidade do
quadro do tipo “pior de dois mundos”: a governo reformista de Iéltsin. Entretanto,
convivência d.e alta inflação e penúrias (bati ao contrário dos outros países em transição,
zada de shortageflation). onde os comunistas, já convertidos (em ter
Ao mesmo tempo, cresceu despropor mos gerais) ao reformismo, foram simples
cionalmente, dentro do setor de serviços, o mente reconduzidos ao poder, na Rússia um
fenômeno que Sapir chamou de “rendas de verdadeiro pânico instaurou-se entre o go
intermediação”, isto é, empresas, muitas ve verno reformista e os “novos russos”, em es
zes de caráter mafioso, passaram a se encarre pecial os novos banqueiros; o crescimento
gar da comercialização da produção de dife eleitoral do candidato comunista, Zyuga-
rentes indústrias, que não possuíam redes de nov, parecia irreversível.22
distribuição adequadas (o que era de acordo A vitória eleitoral de Iéltsin foi conse
com a lógica da economia de penúria e do guida com a distribuição de favores aos no
mercado de vendedores). Essas empresas de vos banqueiros russos, que, entre outras coi
intermediação foram a base para toda uma sas, assumiram o controle dos canais de tele
geração de novos ricos. Isto teria sido apenas visão. Mas esse enraizamento da oligarquia
um inconveniente a mais no processo de no centro mesmo do poder teria conseqüên
transição, e, ademais, a corrupção nas áreas cias muito mais graves.
cinzentas da transição era inevitável. Entre De fato, a Rússia realmente passa a di
tanto, a situação se agravou quando esta nova vergir drasticamente do caminho seguido por
classe de “rentistas de intermediação” passou outros países do Leste quando da segunda
a aparecer como uma alternativa de sustenta onda de privatizações, realizadas sob o siste
ção do governo contra as redes corporativas ma loans fo r shares (empréstimos em troca de
das empresas estatais. ações), entre 1996 e 1997. Segundo o esque
Notemos aqui que os dois fatos estão re ma, os bancos recém-fundados emprestavam
lacionados: o fracasso em endurecer o cons dinheiro ao Estado em troca de ações das em
trangimento orçamentário das empresas es presas nacionalizadas, que se tornariam sua
tatais desacelera a conversão ao mercado de propriedade se o Estado não pudesse pagar
compradores e preserva o espaço onde são suas dívidas. A efetivação desta proposta foi
produzidas as rendas de intermediação. realizada de maneira unanimemente reco
Vejamos agora como se desenrolou o pro nhecida como fraudulenta, merecendo o epí
cesso de privatização na Rússia. A Rússia co teto de “negócio do século”.23
meça o processo de transição mais tarde que O principal resultado desta forma de pri
seus pares da Europa Central, com a subida de vatização, e de outros esquemas similares, foi
Boris Iéltsin ao poder e o fim da URSS. Ini a constituição de grupos industriais-financei-
cialmente, a Rússia segue o receituário da ros, cujos membros são conhecidos (ao que
Europa Central. Uma primeira onda de pri parece, também entre si!) como os “oligar-
vatizações, através do sistema de vouchers, foi cas”.24 Pode-se ver o quanto a forma de priva
realizada em 1993,e deixou de fora os mais tização russa foi danosa ao estabelecimento de
importantes segmentos da indústria pesada. uma economia de mercado funcional quando
Não se pode saber o que teria aconteci atentamos para os graves desequilíbrios causa
do se a Rússia tivesse continuado nesta mes dos pelo funcionamento de tais grupos, e para
118
seu papel fundamental na cadeia de eventos cidadão com u m até às vésperas da crise de
que levou à grande crise de agosto de 1998. agosto), os oligarcas pagavam suas dívidas.
Para uma análise detalhada, remetemos o lei Evidentemente, trata-se de uma transferên
tor a Sapir (1998). Aqui nos concentraremos cia de dólares por intermédio do déficit pú
apenas em mostrar como a crise russa rem ete blico para os oligarcas russos.
não apenas à forma pela qual se realizou a pri Há ainda um fato a ser levado cm co n
vatização, mas também ao próprio processo ta: o Estado só era obrigado a tomar dinhei
de recessão transformacional. ro emprestado a juros tão altos dada a crise
Notemos, ainda, que a mesm a lógica que fiscal em que se enredou cada vez mais du
levou à formação dos grupos industriais fi rante os últimos anos, decorrente do fato
nanceiros inspirou também a constituição de singelo de que o Estado russo tornou-se in
algumas unidades políticas da federação russa capaz de recolher impostos. Isso natural
em atores econômicos de natureza semelhan mente tem causas mais profundas, decorren
te. Assim, por exemplo, a rica prefeitura de tes das dificuldades de se adaptar à cobrança
Moscou propôs ao governo converter a dívida de impostos em uma economia de mercado.
da União com o município em direitos sobre Mas o fato não se explica apenas por isso,
indústrias do complexo industrial militar, no dado que, em outros países do Leste, o fenô
melhor estilo loans fo r shares. meno, embora presente, não foi tão grave
Os problemas acentuam-se quando estes (Sapir, 1998). Na verdade, a dura realidade é
atores, que obtiveram seu patrimônio através que os oligarcas, apesar de concentrarem em
de diversos tipos de clientelismo político, se suas mãos uma quantidade imensa de recur
vêem diante do fato de que simplesmente não sos, não pagavam impostos, em grande parte
possuem os recursos (em capital financeiro e or devido às relações bastante próximas existen
ganizacional) necessários para administrá-los. tes entre os grupos industriais financeiros e o
Lembremos que essa administração desafiaria poder político (o primeiro-ministro Cher-
mesmo um capitalista experimentado, dada a nomydin, que hoje é presidente da Gazprom,
própria definição de recessão transformacio exploradora das imensas reservas de gás natu
nal: ele precisa transformar em máquinas de ral russas, declarou ao fisco uma renda men
gerar lucro organizações concebidas com ou sal de apenas 800 dólares, como disse Sapir,
tros propósitos. O custo da reestruturação, “sem rir”).
como mostra o exemplo da Alemanha Orien Em agosto de 1998, como cedo ou tar
tal, é simplesmente gigantesco. Ora, se o go de aconteceria, o Estado deixou de pagar o
verno da Alemanha Ocidental teve tanta di que devia aos portadores dos títulos GKO.
ficuldade em fazê-lo, o que não dizer dos oli- M uito antes disso, já havia deixado de pagar
garcas russos? E o “capitalismo sem capital”, ao funcionalismo, e a seus fornecedores, por
como diz Sapir. vários meses (o que tampouco aumentara
A saída encontrada pelos oligarcas russos sua autoridade moral para cobrar impostos).
foi apelar para o departamento “financeiro” No mesmo mês, decretou uma moratória
de seus negócios. Através de seus bancos, co unilateral, causando uma crise de propor
locaram em prática algumas estratégias (ver ções m undiais, cujos efeitos são bem conhe
Sapir, 1998, p. 92), entre as quais se destaca, cidos pelo leitor brasileiro.
sem dúvida, a de contrair empréstimos em A crise russa, cujo breve esboço apenas
dólar, convertê-los em rublos e comprar títu enuncia alguns traços mais gerais, é uma ma
los do governo russo (os famosos GKOs), nifestação da conjunção da recessão transfor
que pagavam juros exorbitantes. Com o re macional com os efeitos de uma estrutura de
sultado desta aplicação (que era vedada ao propriedade em que (1) os proprietários fo
119
ram escolhidos exclusivamente em função de vel saída, defendida por alguns analistas,
sua proximidade política com o governo “re pode ser a descentralização administrativa: o
formista” de Iéltsin, não dispondo da infor caso de sucesso da República (ainda perten
mação ou dos recursos necessários à boa ad cente à Rússia) do Tartarostão vem desper
ministração; (2) além disso, todos os meca tando interesse.25 Entretanto, aqui também o
nismos de isolamento dos setores público e decisivo pode ser o fator político, pois a des
privado foram capturados por esta nova clas centralização administrativa suscita riscos se
se de proprietários que não apenas detinha o melhantes aos que levaram ao conflito na
controle da política econômica, mas tam Chechênia.
bém sonegava impostos sem sofrer retalia O governo Putin modificou parcial
ções, quando não era ela mesma responsável mente esta situação: muitos dos oligarcas
pelo recolhimento destes impostos. perderam suas posições, e pelo menos dois
O resultado foi um verdadeiro impasse: deles (Berezovsky e Gusinsky) estão no exí
longe de favorecer o desenvolvimento de um lio. O processo de descentralização adm inis
mercado operante, a existência desses “pro trativa (“espontânea”) foi sustado. E cedo
prietários privados” entrava as possibilidades para dizer, contudo, o que advirá dessas me
de crescimento econômico futuro: por exem didas. E difícil saber, visto que a m ídia está
plo, sua posição privilegiada na obtenção de sob controle dos oligarcas, se o principal
crédito certamente dificulta a vida de um pe efeito dos ataques de Putin será a transparên
queno empresário que acaba de abrir seu ne cia econômica ou o autoritarismo político.
gócio e que gostaria de obter um emprésti Isso já é um problema im portante em si,
mo. Isso para não falar de seu acesso privile mas, mesmo quem eventualm ente não se
giado à máfia. impressione com a possibilidade de uma
Como bem notou Woodruff (2000), o crise da democracia deve ter em mente que,
caso russo mostra como é pobre a visão de diante dos níveis absolutamente alarmantes
que a sociedade de mercado se mantém ape da corrupção na Rússia, é impossível pensar
nas pelo exercício do auto-interesse e pela que qualquer forma de transparência possa
existência de regras formais para o jogo do ser imposta, sem um a sociedade civil orga
mercado. Embora não se possa negar o valor nizada, a juizes que ganham 200 dólares em
de modelos inspirados em teoria dos jogos, Moscou e 100 dólares nas províncias,26
enfatiza a necessidade de enraizamento das
práticas do jogo em normas sociais efetivas,
que garantam que a moeda valha o que está Origens Históricas dos Diferentes Níveis
escrito em sua face, ou que a posse de ações da de Autonomia Governamental
IBM realmente possibilite receber dividendos
ou votar no conselho de acionistas; isto é, há A comparação entre os países escolhidos
uma dimensão jurídica na transação mercan sugere que os mais bem-sucedidos foram
til, referente à capacidade de chamar o Estado aqueles nos quais (1) não se destruiu o capital
para garantir a efetividade de mecanismos organizacional das diferentes empresas, que se
abstratos como a moeda e o mercado. Essa di reorganizou na forma das redes de proprieda
mensão jurídica não se constitui apenas pelo de recombinante (Stark, 1996a); (2) emergi
livre jogo dos interesses, mas por disputas po ram forças políticas suficientemente indepen
líticas e conflitos entre visões de mundo. dentes dos interesses ligados à privatização es
Não sabemos que caminho seguirá a pontânea. Naturalmente, dada a natureza
Rússia depois da crise, quando muitos destes mesma desse tipo de comparação, só pode
grupos sofreram um sério abalo. Uma possí mos dizer que, em uma primeira aproxima
120
ção, esses fatores parecem aumentar a proba Resta, para esses países, enfrentar os
bilidade de sucesso. Mas é perfeitamente pos problemas específicos da vida sob o capitalis
sível pensar em outros fatores que podem ter mo. O que, se pensarmos bem, é o ponto
determinado a trajetória de cada país durante máximo que se poderia esperar da transição
a transição. pós-socialista.
Por exemplo, a partir dessas análises, pa Ao contrário da H ungria (onde havia
rece ser possível relacionar o desempenho de uma grande experiência de reformas) e da
cada um dos três países a seu histórico de re República Tcheca (onde não havia nenhu
formas no período socialista, e, em especial, ma), a Rússia experimentou durante a Peres-
aos resultados das lutas sociais ocorridas troika um a combinação entre privatização
imediatamente antes ou imediatamente de espontânea (como na Hungria) e vínculos
pois do processo de transição. interempresas predominantemente verticais
Pensemos, inicialm ente, nos diferentes (como na República Tcheca). Isso ofereceu
contextos socioeconômicos: a aparente sus- condições ideais para que a descentralização
tentabilidade do crescimento húngaro pare permitisse que os grupos que se autonomiza
ce sugerir que a autonomização da política é vam levassem um pedaço do Estado com eles
mais fácil quando os vínculos entre as em (ver Solnik, 1998).
presas são predominantemente horizontais, Esses diferentes padrões de transição de
o que era o caso na H ungria em conseqüên vem ser explicados por fatores que fogem da
cia dos quase vinte anos de reformas pró- esfera econômica, mesmo quando a conside
mercado (Stark, 1996b). No entanto, foi de ramos, como até agora temos feito, de ma
cidido se esta herança seria uma vantagem neira a incluir os aspectos institucionais en
ou um obstáculo quando o governo se mos volvidos no funcionamento de mercado. Por
trou capaz de conter a onda de privatização exemplo, é claro que não podemos ignorar o
espontânea no começo da transição. fato de que, na Europa Central, houve uma
Por outro lado, a crise cambial tcheca de clara ruptura política no começo da transi
1997, que autores como Begg (1998) atri ção, com a subida ao poder de antigos gru
buem à estrutura de propriedade descrita aci pos dissidentes ou novas dissidências dentro
ma por M ertlík, mostrou que é especialmen dos partidos socialistas. Iéltsin, por outro
te difícil manter a transparência do sistema lado, até muito pouco tempo antes de se
quando bancos e empresas estão próximas converter em “leninista de mercado”, estava
demais do erário público. Como mostrou profundamente imerso nas redes corporati
Stark (1996b), esta configuração emergiu vas do sistema soviético. Nesse contexto, a
devido à predominância de vínculos econô ruptura mais acentuada da política tcheca
micos verticais no sistema não-reformado com relação ao passado comunista pode ter
tcheco. A herança de um regime comunista sido um fator compensador do estado “pou
não reformado, contudo, pode ter sido par co reformado” de sua economia no fim do
cialmente compensada pela situação finan regime socialista. De maneira análoga, é pos
ceira bem mais equilibrada da República sível que apenas a mudança de poder na
Tcheca no começo da década, em oposição à Hungria tenha possibilitado a contenção da
H ungria, por exemplo, onde a privatização privatização espontânea.
espontânea já se desenvolvia livremente no Além disso, não podemos entender esses
começo da transição. Embora, desde a crise, processos sem levar em conta os fatores geo-
a República Tcheca atravesse um momento políticos envolvidos: o fato de o esquema
difícil, ainda não se pode comparar sua si loans fo r shares ter sido adotado na Rússia
tuação com a da Rússia. por medo da vitória comunista, ao passo que
121
na Europa Central a alternância política en munismo (quando era ideologicamente aber
tre reformistas e antigos comunistas tenha rante) e no livre-mercado (quando é ineficien
sido bem mais tranqüila, provavelmente se te) mostra o quanto certos padrões históricos
deve, ao menos em parte, à repercussão m ui podem permanecer importantes durante lon
to mais grave do risco de retorno ao antigo gos períodos, tendo conseqüências significati
sistema em uma potência nuclear como a vas, por exemplo, para a situação do mercado
Rússia. Ao mesmo tempo, se o fim do comu de trabalho (se evita ou acelera o êxodo rural,
nismo foi uma vitória do nacionalismo cen- por exemplo), ou mesmo para a diplomacia
tro-europeu (e cm especial báltico), também (na medida em que o protecionismo rural é
foi uma derrota grave para o nacionalismo até hoje um fator de entrave para a integração
russo, o que pode ter influenciado decisiva capitalista regional e global).
mente o padrão de reconstituição do campo Acreditamos, portanto, que as diferenças
ex-comunista em moldes nacionalistas mais de perform ance apontadas se explicam por di
ou menos hostis à transição. lemas estruturais emergentes em conseqüên
A questão geopolítica, enfim, coloca al cia de lutas políticas durante períodos de tran
guns dos problemas tratados acima sob novo sição social acelerada, onde mesmo as lutas
foco. Se as populações do Leste nos sur mais imediatas podem influir sobre o proces
preendem pelo empenho com que se enga so de institucionalização, que Thévenot (apud
jam na vida - pouco propensa a inspirar uto Stark e Grabher, 1997) definiu como o “in
pias - dentro do capitalismo, isso não se ex vestimento em formas”. Permanece em aber
plica apenas pela sombra sempre presente do to (como sempre) o problema da possibilida
passado totalitário, mas também, como bem de de se reorganizar politicamente estas he
notou Kennedy (2001, p. 1147), no horror ranças históricas de longo prazo no que Preuss
provocado pelas guerras do pós-comunismo. (1998, p. 296) chamou de encadeamento re
O efeito produzido pelos episódios nos Bal verso {backward linkage), onde a política deci
cãs, no Cáucaso ou na Chechênia pareceu, de a escolha de instituições que neutralizam
por exemplo, tornar a perspectiva de integra ou acentuam os efeitos do legado histórico.
ção à União Européia, com desemprego de Neste texto, apresentamos três aspectos dessa
10%, bem mais promissora. Isto é, não é só herança, organizados em torno dos problemas
a escassez de utopia que caracteriza o proces da reforma de mercado, da autonomia geren
so, mas também o excedente de distopia. cial e da alternância política.
Kennedy nota bem que a questão nor Portanto, uma opção que não parece es
malmente é tratada como se as guerras fos pecialmente promissora é a perpetuação au
sem fruto do nacionalismo, não do passado toritária de grupos (mesmo que “reformis
comunista, como se o “fenômeno Tito”, por tas”) no poder; o caso da Rússia é o exemplo
exemplo, pudesse ser pensado sem levar em mais claro disso. Há no caso russo muitas
conta ambos os fatores. Ora, pensar assim é peculiaridades, entre as quais, naturalmente,
ignorar a complexa relação que se constituiu o fato de que um arsenal como o russo não
entre comunismo (e mesmo, anti-comunis- pode cair nas mãos de qualquer aventureiro
mo) e nacionalismo não apenas no Leste, mas populista. Por outro lado, é surpreendente a
em todo o mundo. incapacidade do Partido Com unista em se
Enfim, processos históricos de longa du apresentar convincentemente como alterna
ração estão certamente em curso. Um exem tiva razoável. Mesmo a revista conservadora
plo muito claro é a questão da agricultura. A inglesa The Economist percebeu que uma das
extraordinária persistência da pequena pro grandes tragédias do caso russo é que, em
priedade camponesa na Polônia durante o co oposição aos países da Europa Central, lá
122
não surgiu um partido social-democrata em taríamos em desacordo com a redação da
que se possa acreditar ( The Economist, 6-12 Economist), mas também na dinâmica mes
de novembro de 1999). Lembremos mais ma do processo de reformas ém direção a
uma vez que esta opinião não se baseia ape uma sociedade aberta que, como iembrou
nas em considerações político-ideológicas Darhendorff (1991), foi desde o início o ob
(em se tratando das quais provavelmente es- jetivo dos dissidentes do Leste.
Notas
1. Além dos autores discutidos aqui e citados em nossa bibliografia, o leitor interessado pode
acompanhar o desenrolar de algumas dessas pesquisas através dos sites de algumas das
principais instituições que monitoram a transição: Centre d’Etudes des Modes d’indus
trialisation http://www.ehess.fr/centres/cemi; William D avidson Institute
(www.wdi.bus.umich.edu); Banco M undial (www.worldbank.org); Banco Europeu para
a Reconstrução e o Desenvolvimento (http://www.ebrd.com); Banco da Finlândia
(http://www.bof.fi/env/rhinden.htm); Collegium Budapest (www.colbud.hu); CentralEu-
ropean Uiversity (w w w .ceu.hu); Task Force on Economies in Transition
(http://www.nap.edu/readingroom/books/transform); e East European Constitutional Re
view (www.law.nyu.edu/eecr). Recomenda-se cautela na leitura do material produzido pe
las instituições mais comprometidas com posições políticas (em geral, pró-reforma acele
rada) atuantes na transição, mas mesmo estes trazem informações valiosas. No Brasil,
contamos com a iniciativa heróica do Grupo de Estudo dos Países Socialistas em Transi
ção (GEPSeT), ligado ao IEA da USP.
2. Burawoy dirige-se aos trabalhos de Stark e Bruszt (1998) e Eyal, Szelény e Townsley (1998).
3. Ver, entretanto, o trabalho de Clarke, Fairbrother, Burawoy e Krotov (1993).
4. Cabe notar, entretanto, que mesmo dentro de seus propósitos, Burawoy pode estar “jo
gando a criança junto com a água da bacia” quando critica a sociologia da transição no
Leste. Não nos parece compreensível que estudos sobre a propriedade, ou sobre como ad
ministradores de empresa socialistas se tornaram empresários capitalistas, não interessem
a um analista marxista. Certamente interessariam a Marx.
5. Notemos que esta idéia está em perfeita consonância com os conceitos apresentados no
item anterior, como fica claro na explicação de Gomulka: “Sob o regime anterior, de pre
ços rigidamente controlados, a renda real e a demanda agregada real foram mantidas ar
tificialmente altas. A produção era então constrangida por recursos, não pela demanda.
Mesmo bens não-desejados podiam eventualmente ser vendidos, no caso de penúria de
bens desejados (a chamada substituição forçada). Dadas estas condições iniciais, uma rá
pida liberalização de preços resulta, por um tempo, em uma subida de preços mais rápi
da do que a subida das rendas nominais, de maneira que o poder de compra cai” (Go
mulka, 1998, p. 23).
6. Sobre a crise tcheca, ver Begg (1998).
7. Deve-se destacar, entretanto, as exceções da Bielorússia, e, principalmente, do Uzbequis
tão, sem dúvida um dos casos mais interessantes entre os países em transição, cujo apa-
123
rente sucesso (econômico) só agora começa a ser mais bem analisado. Sobre o caso Uzbe-
que, ver Zettelmeyer (1998).
8. De acordo com The Economist de 21 de julho de 2001, a Rússia teve crescimento de 8%
em 2001, em parte devido à alta do petróleo, em parte devido a uma desvalorização cam
bial. Segundo a mesma revista, ainda não se sabe se o governo de Putin conseguirá man
ter níveis de crescimento razoáveis no médio prazo (a estimativa da mesma revista para
este ano ainda é boa, 4%).
9. Notemos que a situação na Rússia tem todas as características de um colapso hum anitá
rio: segundo dados da revista The Economist de 6 de Novembro de 1999 (p. 22), a expec
tativa de vida (para indivíduos do sexo masculino) na Rússia em 1997 era de apenas 58
anos, comparável à de muitos países africanos.
10. E interessante notar que, apesar da fama de “Tatcherista” do prim eiro ministro Vaclav
Klaus, as políticas sociais tchecas são caracterizadas, segundo G oetting, por “um forte
componente social-dem ocrata que tem ajudado a m anter a paz social até agora” (p.
244). Segundo Stark e Bruszt (1998), “Vaclav Klaus foi um político brilhante, com
uma capacidade única de descartar cinicam ente sua proclam ada ideologia liberal em fa
vor de um a política social-democrata disfarçada”. Remetemos o leitor ao texto de Stark
e Bruszt para uma análise da complexa articulação política entre liberais e social-demo-
cratas no caso tcheco.
11. Concordamos, portanto, com Csaba (1996), quando afirma: “Tudo considerado, a mu
dança institucional ou o componente sistêmico continua sendo o único principal fa tor do cres
cim ento de longo prazo da Europa Central e O riental” (p. 32).
12. A opinião mais corrente presente na literatura sobre a liderança política eslovaca pode ser
exemplificada pela seguinte enumeração, por Preuss (1998, p. 290), de suas característi
cas: “(...) em primeiro lugar, uma coalizão governamental que compreende os partidos de
extrema esquerda e de extrema direita do país; em segundo lugar, a maior força política,
o HZDS (Movimento por uma Eslováquia Democrática), é, mesmo cinco anos após a re
volução de veludo, mais um movimento que um partido, muito embora firmemente dis
ciplinado por um líder autoritário, abrangendo tendências tão diversas e contraditórias
quanto o comunismo e o anti-comunismo, o nacionalismo e a adesão à idéia de partici
par da comunidade européia, idéias livre-cambistas e intervencionistas, liberalismo pró-
liberal e Eslavofilia”.
13. Em entrevista ao periódico do Banco M undial Transition, M iklos afirma: “Tão alto cres
cimento econômico [5% em 1998 - CRB] é claramente instável. O governo de V ladim ir
Merciar investiu pesadamente no setor estatal, desenvolvendo um a política fiscal expan-
sionista. O imenso déficit fiscal teve de ser financiado através de empréstimos governa
mentais. O déficit orçamentário do ano passado alcançou quase 20 bilhões de coroas
(algo como 500 milhões de dólares), enquanto a dívida do governo, excluída a dos gover
nos locais e dos fundos públicos, totalizava 156 bilhões de coroas (4,3 bilhões de dóla
res), 20% do PIB” (M iklos, 1999, p. 30).
14. Não se pode ter certeza ainda sobre a inclusão da C hina entre os “países em transição”,
uma vez que o governo chinês ainda é oficialmente comprometido com o socialismo, ape
sar da liberalização, do esforço para entrar na O M C etc.; sem dúvida, um dos problemas
sociológicos mais interessantes da atualidade é saber o quanto é possível para a C hina li
beralizar sem fazer ruir seu sistema político. Naturalmente, dúvidas um pouco mais anti-
124
gas, como perguntar que direito tem um governo que reprime a participação popular de
se chamar “socialista”, convivem com as novas.
15. A bem da verdade, deve-se amenizar (mas talvez não retirar) a acusação de “bolchevismo
de mercado” lançada contra Jeffrey Sachs lembrando o seguinte trecho: “Críticos desta
abordagem econômica perguntaram muitas vezes: ‘Por que não privatizar primeiro?’. Se
o problema real é a falta de direitos de propriedade, por que não empreender a privatiza
ção rapidamente, antes de tomar qualquer outra medida? A resposta é muito simples. No
mundo artificial dos manuais de economia, a privatização certamente deveria vir primei
ro (na verdade, no mundo do m anual, desde o início a indústria não teria sido naciona
lizada!). No.mundo real, entretanto, a Polônia estava enfrentando uma hiperinflação im i
nente e um colapso da economia. Deixe-me sublinhar que era importante incentivar o
novo setor privado tanto quanto era importante privatizar o setor estatal existente. A po
lítica do B igB ang tornou possível para o setor privado crescer rapidamente durante 1990
e 1991, mesmo antes de ter começado a privatização da indústria” (Sachs, 1994, p. 56).
16. O problema é bem colocado na seguinte formulação de Stiglitz: “A teoria neoclássica ar
gumenta que, para uma economia de mercado funcionar bem (para ser eficiente segundo
Pareto), deve haver tanto competição quanto propriedade privada (os “irmãos siameses” da
criação eficiente de riqueza). Ambos são requeridos, e claramente, se alguém pudesse ter
uma varinha mágica e instituir magicamente ambos instantaneamente, presumivelmente
o faria. A questão, entretanto, se refere a escolhas: se não podemos ter ambos, devemos
prosseguir com a privatização sozinha?” (Stiglitz, 1999, p. 5).
17. Utilizamos aqui, propositadamente, a expressão utilizada por Schumpeter para descrever
a zona de fronteira entre a Economia e a Sociologia, que “convenientemente poderia ser
chamada de sociologia econômica” {apud Himmelstrand, 1987, p. ix).
18. Segundo as fontes citadas, no que se refere à situação dos administradores de empresa no
final do período socialista, “a nova tecnocracia alçada ao poder não acreditava (e não se
exigia que acreditasse) no socialismo. [...] Liderados pelos administradores das grandes
empresas, a nova tecnocracia introduziu a idéia de reforma da propriedade na agenda do
M SZPM no começo da década de 1980. O que apresentaram ao M SZPM neste ponto
não foi um programa completamente desenvolvido de privatização, mas um a simples so
lução para o “vácuo de propriedade” que infestava todas as sociedades socialistas. E claro
que, com esta manobra, a tecnocracia começou a mover a economia húngara em direção
ao capitalismo e os administradores das grandes empresas passaram a renegociar seus di
reitos de propriedade” (Széleny, Széleny e Kovách, 1995, p. 703).
19. Como observou um boletim do Banco M undial, “Quase de um dia para o outro” - assi
nalava o boletim do Banco M undial - “a Tchecoslováquia pôde vangloriar-se de ter o
maior setor privado da Europa Oriental, e uma das mais altas taxas de posse individual
de ações do mundo” (a p u d Bérend, 1998, p. 55).
20. Tendo em vista este circuito , M ertlík fez o seguinte diagnóstico: “Podemos concluir, por
tanto, que os tchecos têm agora literalmente, como resultado de mais de cinco anos de
privatização, um excelente exemplo de propriedade recombinante de David Stark, ou, tal
vez, um capitalismo financeiro nacional (ou um socialismo, se houver quem goste) que lem
bra aquele da Alemanha, mas com um papel desempenhado pelo governo nacional como
125
investidor central que controla indiretamente (via FNP e sua rede de capital acionário) a
espinha dorsal de quase toda a economia. E o que resta das atividades de privatização dos
últimos anos; se quisermos saber quem controla uma típica empresa privatizada tcheca,
encontraremos principalmente uma complicada cadeia de ações, em cuja extremidade se
encontra o FNP” (M ertlík, 1996, p. 111).
21. Kornai é claro ao afirmar que países como a Hungria, a República Tcheca, e a Polônia
não são mais economias de penúria: um estudo das causas que levaram a interrupções na
produção na H ungria mostra que a penúria de insumos decaiu drasticamente, ao mesmo
tempo em que cresceram as dificuldades financeiras (Kornai, 1997, p. 5).
22. O testemunho a seguir dá uma idéia do clim a político entre os oligarcas russos pouco an
tes da eleição: “O financista George Soros disse a todos que os comunistas iam ganhar.
De acordo com Chrystia Freeland, um a jornalista que está terminando um livro sobre os
novos capitalistas russos, Soros voltou-se para os banqueiros e disse: ‘Rapazes, seu tempo
se esgotou’. Os banqueiros ficaram horrorizados. Eles tinham o hábito de mandar seu di
nheiro ao exterior, mas não queriam ir junto” (Lloyd, 1999b, p. 26).
23. Mesmo os observadores ocidentais que apoiavam Iéltsin incondicionalm ente, hoje reco
nhecem o caráter fraudulento do sistema de loans fo r shares : “Um funcionário do Banco
M undial chama-o de tragédia’. David Lipton - que trabalhou na Subsecretaria de tesou
ro do governo Bill Clinton - , escolhendo suas palavras com óbvio cuidado, diz que esse
esquema foi um absurdo compromisso político para perm itir que alguns dos nossos ra
pazes ganhassem um bocado de dinheiro. ‘Isso alimentou os instintos de dilapidação dos
oligarcas. Como o esquema estava ligado à campanha de contribuição dos oligarcas, ele
os consolidou no Estado. M as precisamos nos colocar no lugar dos implementadores de
políticas. Chubais estava lutando por uma segunda fase de privatização como a prim ei
ra. Ele precisava fazer um acordo [...]. Ele percebeu que aquilo era insensato, mas m an
teve o argumento de que seria aquilo ou não haveria privatização’, disse Lipton” (Lloyd,
1999c, p. 17).
24. Vejamos como Sapir descreve a formação de um desses grupos: “O banco Onexim foi
criado em 1993 por uma aliança entre grupos de hidrocarbúricos (Sugurtneftgaz e Sidan-
co ) e um organismo público, o Comitê Estatal de aduanas. Sob a direção de V. Potanine,
conheceu uma expansão bem rápida, apresentando um crescimento de seu portfólio de
4,6 vezes entre dezembro de 1994 e novembro de 1996. [...] O Onexim adotou uma po
lítica sistemática de diversificação, apoiado nos laços privilegiados entre seu presidente, V.
Potanine, e Anatole Choubais (então primeiro ministro russo —CB). E notório que o
Onexim seja o principal contribuinte da campanha de Boris Iéltsin em 1996 [...]. Em tro
ca, lembremos que este banco obteve um quase-monopólio da gestão das finanças gover
namentais, em substituição a um Tesouro Público inexistente. [...] via MFK, o Onexim
controla dois grandes grupos petrolíferos [...]. Através de operações loans fo r shares, ad
quiriu controle, com participação ocidental em certos casos, da Norislk Nickel, Novoli-
petsk, KuznetskMetal, no que tange à metalurgia ferrosa e não ferrosa. O grupo está pre
sente nas telecomunicações, com Rostelcom e Svyazinvest. Além disso, [...] controlava,
antes da crise (de agosto de 1998 - CRB) diversos órgãos de m ídia impressa, como Se-
godnja, Riiski Telegraft Isvestzia” (Sapir, 1998, p. 82).
25. Ver a este respeito The Economist, 6 de novembro de 1999, p. 22, ou Sapir (1998), onde
se encontra a seguinte descrição da estratégia do Tartarostão: “[...] as autoridades do Tar-
126
tarostão desenvolveram uma rede de empresas mistas, com forte componente público, as-
sociando-as a outra regiões” (p. 85). Parece haver, neste caso, uma semelhança com as re
des de propriedade recombinante. Notemos ainda que tais esforços de descentralização
administrativa foram sugeridos por analistas como Unger (1999): “A atividade econômi
ca se basearia amplamente em complexos regionais - nos níveis republicano e sub-repu-
blicano —, com um caráter misto de política e economia.” (p. 83). E provável que o inte
resse pelas soluções regionalizadas seja provocado, ao menos em parte, pelo sucesso das
town and village enterprises chinesas.
26. Ver a este respeito The Economist, 21 de julho de 2001.
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Resumo
A Transição para o M ercado no Leste Europeu: Um Balanço do Debate sobre a M udança do Plano
no M ercado
Neste artigo discutimos a literatura sobre a transição pós-socialista no Leste Europeu na déca
da de 90. Nossa ênfase recai sobre o processo de transição de uma economia planificada a uma
economia de mercado. As abordagens que polarizaram o debate na região - gradualistas ver
sus terapeutas de choque - são apresentadas. Mostramos, enfim, com base na literatura sócio-
econômica sobre o assunto, que os resultados da transição são muito mais complexos que as
intenções de quaisquer entre os atores envolvidos. Em especial, a literatura mostra que as
reformas pró-mercado no período socialista, e o radicalismo das políticas de liberalização
recente tiveram efeitos muito mais variados do que se poderia esperar.
131
Résumé
La Transition vers le M arché de l ’Est Européen : Un Bilan du Débat sur les Mutations du Plan
vers le M arché
Dans cet article, nous abordons la littérature à propos de la transition post-socialiste dans l’Est
européen dans les années 90. Nous nous centrons sur le processus de transition d’une
économie planifiée vers une économie de marché. Nous présentons les approches qui ont
polarisé ce débat dans la région, c’est-à-dire, celles des partisans de l’intégration graduelle con
tre ceux d’une thérapie de choc. Finalement, en nous fondant sur la littérature socio-
économique à ce sujet, nous démontrons que les résultats de la transition sont bien plus com
plexes que les intentions de n’importe quel acteur impliqué. La littérature démontre, partic
ulièrement, que les réformes en faveur du marché dans la période socialiste et le radicalisme
des politiques de libéralisation récente ont eu des effets bien plus variés que ce que l’on pou
vait prévoir.
Abstract
The Transition towards Market economy in the European East: A Balance o f the Debate about
Switching from Pre-Planned to Market Economies
In this article we discuss the literature about the post-socialist transition in the European East
in the nineties. We put emphasis on the transitional process from a pre-planned to a market
economy. The approaches that polarize the debate in the region - gradualists versus shock
therapists —are presented. It is shown, finally, based on socio-economical literature on the
subject that the results of such transition are w ay more complex than the intentions of any of
the players involved. In particular, the literature shows that the pro-market reforms in the
socialist period and the radicalism seen on the recent liberalization reforms have brought forth
a lot more diverse effects than expected.
Key words: Post-socialist transition; eastern Europe; socialism; privatization; companies’ net
works.
132
F u te b o l e T e o ria S o c ia l: A s p e c to s da P ro d u ç ã o C ie n tífic a B ra s ile ira
( 1982 - 2002 )*
Sou grato às leituras prévias dos professores José G uilherm e C antor M agnani (U SP) e M aurício
M urad (U E R J).
133
B IB , São Paulo, n ° 52, 2 ° semestre de 2001, pp. 133-165
Primeiro, tomou conhecimento de um rar, ainda que paulatinamente, o tema ao
artigo sobre natação, depois, passou a ver seu conjunto de objetos “redescobertos” pelas
próprio corpo como um meio de acesso a um análises no período aludido.2
conhecimento universalizado: “ele [indiví No esforço de reinterpretar uma série de
duo de quem se lembra somente das iniciais] perspectivas teóricas clássicas orientadas para
me mostrou o interesse histórico e etnográfi compreender o fenômeno urbano, tais como
co da questão. Foi um ponto de partida, um o interacionismo simbólico, a ecologia cul
quadro de observação. Em seguida —eu mes tural, os estudos de comunidade e os traba
mo tinha dado por isso —assisti à transfor lhos mais etnográficos sobre as cidades das
mação das técnicas de natação ainda duran primeiras décadas do século XX,3 parte dos
te o desenrolar de nossa geração” (Mauss, estudos de antropologia no Brasil recuperou
1974 [I 9 5 O], p. 212). O corpo, por fim, con para este contexto alguns temas que pediam
sistindo uma totalidade concreta, reivindica uma reflexão mais sistematizada e um diálo
um estudo —e porque não dizer interdisci- go mais criativo com as interpretações então
plinar - igualmente completo do homem, em voga. Daí a crescente produção de traba
sentencia Mauss nos artigos destinados a fa lhos objetivando a análise de fenômenos tais
zer um balanço comparativo entre as ciên como a criminalidade e a violência, as formas
cias vizinhas à antropologia, notadamente a de sociabilidade das camadas médias, o des
psicologia e a sociologia. vio e a estigmatização, as minorias, os movi
Assim, ao menos como possibilidade pro mentos sociais, étnicos e migratórios, as prá
gramática ou hipótese de trabalho, estavam ticas de lazer das camadas populares, a socia
dados os caminhos que muitos posteriormen bilidade juvenil, as formas de religiosidade
te seguiram para a compreensão dos esportes no contexto urbano, a doença e a medicina
como tema de reflexão sistemática. popular, entre outros temas.
O panorama atual das investigações so Sem querer recuperar aqui esse movi
bre o campo esportivo no Brasil, cujo predo mento metodológico etnográfico que abriu
mínio do futebol como objeto ou referência espaço para profícuas investigações do meio
temática comparativa é significativo, revela urbano e que pode ser observado de modo
um esforço interdisciplinar que vem consoli extensivo em inúmeros autores (Da Matta,
dando as ciências sociais como uma das searas 1979; Oliven, 1980; Velho, 1981; Durham,
acadêmicas produtora das reflexões de maior 1982; Arantes, 1982; Montes, 1983; Mag-
fôlego ou alcance analítico sobre este fenôme nani, 1984 [1998]; Montero, 1984; Caldei
no.1 Nesse contexto, o futebol, em específico, ra, 1984; Zaluar, 1985; Cardoso, 1986, en
adquiriu importância 110 processo de investi tre muitos outros), também pode-se obser
gação das poderosas representações coletivas var que a partir desses estudos a visão de que
que suportam os mecanismos sociais e simbó os fenômenos esportivos seriam analisados
licos da formação da sociedade brasileira. sob uma perspectiva marcadamente urbana
Esta incursão das ciências sociais na consolidou-se, uma vez que são originários
análise do fenômeno esportivo, alçado a ob do processo de modernização por que passa
jeto de análise para a compreensão da socie ram as sociedades ocidentais na virada do sé
dade brasileira, teve como pano de fundo o culo XIX para o XX.
boom das pesquisas sobre o meio urbano des Dessa forma, seguindo este conjunto
de meados dos anos de 1970 e início da dé eclético de inspirações teóricas e analíticas
cada de 1980, sobretudo em alguns centros puderam as ciências sociais dar uma atenção
de excelência acadêmica. E a antropologia mais sistemática ao tema no domínio dos es
foi uma das primeiras disciplinas a incorpo tudos empíricos e conceituais.
134
A Conjuntura Acadêmica Na coleção Revista de Antropologia , por
exemplo, publicada pelo departamento de
Já há algum tempo que as dissertações e Antropologia da USP, não há um trabalho
as teses que tratam da dimensão esportiva sequer aludindo à temática. Esta mesma ob
não fazem mais a ressalva de que o assunto servação vale para Horizontes Antropológicos,
carece de bibliografia consistente. Esta res da Universidade Federal do Rio Grande do
salva, convertida muitas vezes em falta de Sul. Na revista Novos Estudos, do Cebrap, en
cuidado ou despreparo na revisão bibliográ contramos Da M atta, com o texto “Futebol:
fica, foi pega de surpresa na últim a década Ópio do Povo x Drama de Justiça Social”, de
com um boom de trabalhos sobre os esportes 1982 e “Opiniões de um Homem Comum:
no Brasil e a consolidação no meio acadêmi Entrevista de Tostão a Nuno Ramos”, de
co de áreas que deram um tratamento menos 1993. Na RBCS (Revista Brasileira de Ciên
esporádico ao tema. cias SociaislAnpocs) temos a ocorrência de
O próprio futebol passou a ser tema de dois artigos sobre futebol (Leite Lopes e Ma-
curso na grade curricular de ensino de gra resca, 1992; Gil, 1994) e uma resenha
duação na Universidade do Estado do Rio (Damo, 1996) sobre Toledo (1996); em
de Janeiro a partir de 1994. Antes, em maio Mana: Estudos d e Antropologia Social, publi
de 1990, foi fundado o Núcleo de Sociolo cação do Museu Nacional/RJ, há um ensaio
gia do Futebol, no departamento de Ciên bibliográfico dos trabalhos de Norbert Elias
cias Sociais, que procura veicular trabalhos e sobre esporte (Leite Lopes, 1995), uma rese
contribuições através de um periódico.4 Já nha (Guedes, 2000) do livro de Archetti
no Museu Nacional/RJ consta do fold er de (1999) e um artigo sobre o universo do boxe
ingresso no programa de pós-graduação em americano (Wacquant, 2000). Na Revista
antropologia social a área “antropologia do Dados pude observar um artigo registrado,
esporte”.5 Em universidades como a PUC- de M achado (2000).
SP também se desenvolvem pesquisas urba Com o apoio de uma conjuntura institu
nas voltadas para as práticas esportivas em cional, digamos, favorável, passamos agora ao
núcleos cujo trabalho coletivo e cooperativo recorte empírico, temático e aos exercícios
têm dado bons resultados do ponto de vista conceituais propostos nesses trabalhos, pois é
da ampliação do corpus etnográfico/’ nesse âmbito que podemos avaliar seus rendi
Na IV RAM (Reunião de Antropologia mentos. A guisa de exemplificação, comenta
do M ercosul)7 pudemos verificar uma gran remos alguns dos temas que vêm ou podem
de variedade de trabalhos - não somente de ser abordados, e a interface que eles estabele
inspiração antropológica - sobre práticas es cem com outras subáreas - não somente na
portivas em outros centros de produção aca antropologia urbana —, e que parecem bastan
dêm ica.8 Esses trabalhos, por sua vez, vêm te reveladores do crescente interesse pelo tema.
consolidando nas reuniões da ABA (Associa N um a visão de conjunto verificamos, de
ção Brasileira de Antropologia) um diálogo início, um dinamismo e embricamento de
mais permanente entre pesquisadores brasi dimensões sociais que apontam para deter
leiros e mesmo estrangeiros. minados processos de “esportificação” de prá
Já em algumas revistas acadêmicas de re ticas bastante específicas e que, aparentemen
conhecida visibilidade no campo científico te, estariam distanciadas do ethos esportivo.
podemos observar um número irrisório de Atualmente, os esportes, como objeto
trabalhos que têm como tema os esportes. de pesquisa, figuram com outras temáticas
Isso, de certa forma, reflete um campo ainda mais consolidadas, tais como “esporte e for
em formação e afirmação institucional. mas de religiosidade”,5 “esportes e a constru
135
ção das relações de gênero”,10 “esporte e cor- de um número expressivo de jogadores por
poralidade”," “esporte e sociedades indíge um a ética mais voltada para certos valores
nas”, além das mais reconhecidas “esporte e que propugnam a prosperidade. Escolhas
processos identitários,12 “futebol e relações que, de m odo geral, encaminham-se para um
raciais”,13 “esportes, práticas sociais e sociabi ascetismo e disciplina para o trabalho e que
lidade urbana”.14 se somam às novas solicitações simbólicas,
E interessante notar, por exemplo, no tecnológicas e mercadológicas do futebol
domínio das novas formas de religiosidade profissional. Essa dimensão religiosa opera
que vêm se propagando no meio urbano nas como mais um fator de mudança na autoper-
últimas décadas e que congregam o movi cepção dos próprios jogadores ante suas car
mento mais geral conhecido por neo-pente-
reiras profissionais (Toledo, 2002, p. 149).
costalismo, que existem certas manifesta
ções religiosas mais voltadas para um públi
Já no âmbito dos “etno-esportes”,16 pode
co esportivo.
mos verificar algumas pesquisas em andamen
É o caso notório da “igreja dos surfis
to que apontam para uma profícua revisão e
tas”, movimento engendrado no interior da
crítica de determinados conceitos e recortes
igreja Renascer em Cristo, que procura atrair
analíticos, que se cristalizaram na literatura
fiéis oriundos dos segmentos juvenis, parti
acadêmicõ-esportiva. A ampliação do recorte
cularmente aqueles que encenam estilos de
empírico impõe que se problematize a relação
vida mais voltados para as práticas esporti
vas, como skatistas e surfistas. No intuito de quase que imediata estabelecida entre esportes
levar a palavra de Deus e ampliar o proseli e sociedades urbano-ocidentais, uma vez que
tismo entre os setores jovens num crescente se trata agora de outras aproximações: coleti
e dinâmico “mercado de consumidores reli vos indígenas e esportes.
giosos”,15 houve um processo que levou a Kaingang, Kadiwéu e Xavante estão sen
uma subdivisão dentro da própria igreja. do estudados à luz das interações que estabe
M ais do que uma simples conversão, obser lecem com a “sociedade brasileira”, tendo no
vamos um processo de gênese entre um de futebol um conetivo material e simbólico na
terminado corpus doutrinário e um ethos “es- construção processual das relações de conta
portificado” específico. Ainda desconhece to. “Jogos abertos”, “olimpíada indígena”,
mos pesquisas que estejam observando de “atletas índios” são alguns dos indícios co
modo mais sistemático este processo singu nhecidos e publicamente veiculados na m í
lar de conversão religiosa. dia, investigados por vários pesquisadores.17
Outros trabalhos, ainda nesta direção, ar Estes exemplos, que poderiam ser m ul
ticulam aspectos igualmente relevantes para tiplicados, apontam para recortes empíricos
se pensar de maneira mais ampla a direção mais originais e oferecem uma constante crí
que vem tomando o domínio das formas de tica às terminologias e aos co n ceito s estabe
religiosidade no Brasil. É o caso, por exemplo, lecidos que demarcam o campo e os traba
do Movimento Atletas de Cristo. Tal como já lhos sobre o fenômeno esportivo. Estabele
aludi em trabalho anterior, e outros pesquisa cer um programa de estudos para se pensar
dores tem procurado analisar o fenômeno, o os critérios conceituais que organizam este
processo de modernização do futebol é ten- multifacetado fenômeno, precariamente de
sionado também pelo domínio religioso: nominado “esportivo”, exige um domínio
[...] Outros domínios ainda estão presentes e bibliográfico e conceituai, além de tempo
se conformam às novas aspirações simbólicas disponível, impossível de ser levado a bom
na formação de atletas, tais como as escolhas termo esporadicamente. Situação que parece
136
se inverter no momento presente dado o uma gama de práticas sociais tangíveis obser
acúmulo e a maior constância de trabalhos vadas entre grupos sociais que praticam de
em centros de pesquisa espalhados pelo país. terminadas atividades físicas reguladas, mas
Se assumirmos, no entanto, sem proble- que, não necessariamente, se esgotam numa
rnatizar, como linha de pesquisa e prática definição como a de esporte, ao menos não
metodológica e teórica, a nomenclatura “an com o mesmo valor simbólico e material que
tropologia do esporte”, e tomando o fato es encontramos em alguns níveis da nossa pró
portivo na sua definição macrosociológia, pria organização social e mesmo em alguns
corremos o risco de uma simplificação dos domínios acadêmicos.18
fenômenos investigados que, muitas vezes, Uma “antropologia das práticas esporti
110 discurso e na prática dos “nativos”, exce vas” deve estar atenta a estes dinamismos e
dem a economia da designação “esportivos”. não confinar sua investigação aos eventos es
Os esportes, se definidos unicamente portivos, do mesmo modo que uma antro
como práticas corporais “modernas”, por pologia urbana não deve ficar restrita a expli
tanto competitivas e tidas por muitos como car o fenômeno urbano, a própria cidade
“instrumentais” de um ethos “ocidentalizan- como variável independente. Antes de qual
te” de sociabilidade, acabam não dando con quer coisa, trata-se do contínuo exercício et
ta dessa gama de práticas e representações nográfico, e que um “campo esportificado”
que interagem “com” e “a partir” dos espor de múltiplas práticas sociais inaugura uma
tes. E que, por sua vez, apontam para varia via das mais interessantes para se pensar o
dos aspectos que não necessariamente con universo simbólico de tais arranjos entre
vergem para um modelo conceituai hegemô grupos e dimensões sociais variadas.
nico, tal como indicam os exemplos acima.
Ao construir mediações conceituais
para se pensar dicotomias tão consolidadas Futebol e Teoria Social
(tradicional e moderno; jogo e esporte; lú
dico e competitivo) a antropologia oferece Noutros séculos e noutras culturas, observam-se
alternativas investigativas relevantes como ritos, jogos, festas que servem de natural exutó-
possibilidade do exercício com parativo. rio aos impulsos da afetividade e graças aos
M étodo que se apresenta como opção para quais os homens podem imaginar, ao menos
se cotejar não somente as configurações so por algum tempo, que assinaram um pacto com
ciais marcadamente distintas - daí as difi o mundo e reencontraram a si mesmos. Opera-
culdades e desafios da antropologia urbana
se desse modo uma purgação, aplacando-se tais
em adequar no contexto das sociedades
picos de febre sem que estes tenham que recor
complexas os métodos que foram forjados
rer, para se exteriorizar, seja a uma via explo
num a “alteridade radical” (Velho, 1981;
siva, seja a um disfarce utilitário ou racional, e
Peirano, 1999) - , mas também para colocar
por isso mesmo funesto para qualquer possibili
em perspectiva e em relação as várias linhas
de pesquisa e subáreas dentro da própria dade de justa ação prática ou reflexiva. Mas
disciplina.Talvez “antropologia das práticas em nossos dias e em nossas civilizações não é
esportivas” seja uma expressão um pouco mais possível encontrar escape confessável para
mais matizada e pode, dessa forma, definir tais impidsos subterrâneos senão de modo espo
uma linha de pesquisa menos reducionista rádico e fragmentário, ao sabor do acaso ou sob
do que “antropologia do esporte”. a forma edulcorada de criações artísticas que
Não se trata aqui de uma simples dispu cessaram de deitar raízes profundas no entu
ta terminológica, mas incorporar à análise siasmo coletivo. L e ir is, 2001 [1 9 3 8 ]'9
137
A relação dinâmica entre as dimensões que evidencia intensamente noções como
lúdica e competitiva, existente no domínio êxtase, risco, tensão, habilidade, evasão da
das discussões sobre o fenômeno esportivo, vida cotidiana, expresso num conjunto de
suscita inúmeros debates em torno da origem práticas definidas como desinteressadas e
e do processo intrínseco que fez dos esportes concebidas como não-sérias, circunscritas a
um objeto constante de mobilização cultural regras, tempos e espaços determinados, e
e de tantos investimentos materiais e simbó que suscitam estados excepcionais de sus
licos, sobretudo nas sociedades ocidentais pensão da coletividade.23
contemporâneas. O empenho, da parte de H uizinga, no entanto, oscila, ao con
muitos, em analisá-lo sob um crivo científi ceituar o fenômeno do jogo entre a pers
co, derivou da hipótese que enuncia uma es pectiva de concebê-lo como atividade não-
treita correlação entre os esportes e o movi séria, no sentido de contrapô-lo às outras
mento histórico de formação dessas socieda esferas da vida, que progressivamente racio
des. Movimento este concebido de diversos nalizaram a dimensão lúdica (no direito, na
pontos de vista, mas que, de modo geral, política, no trabalho), e como atividade sé
toma, como pressuposto da discussão, os ria, fundamento da sociabilidade hum ana,
processos de transformação dos jogos em es qual a experiência do sagrado: “[...] a iden
portes, bem como as dicotomias correlatas, tificação pJatônica entre jo g o e o sagrado
expressas nas disjunções entre divertimento não desqualifica este últim o, reduzindo-o
e seriedade, espectadores e jogadores, ou ain ao jogo, mas, pelo contrário, equivale a
da entre amadores e profissionais. exaltar o prim eiro, elevando-o às mais altas
Alguns estudos contribuíram para bali regiões do espírito [...]” (H uizinga, [1938]
zar a discussão em torno da suposta dicoto 1993, p. 23).
mia entre jogos e esportes. Uma primeira Caillois, de outra parte, preocupou-se
aproximação está na constatação histórica de em construir uma tipologia24 dos jogos, in
que estes últimos são fenômenos qualitativa fluenciando um outro conjunto de traba
mente distintos dos jogos anteriores ao sécu lhos. Este autor acena para a possibilidade de
lo XIX, presentes tanto no universo das cor compreender as manifestações lúdicas levan
tes quanto no universo popular.20 Somente do-se em conta várias das suas dimensões,
após a disseminação do ethos burguês e in em particular o gosto pela competição, que
dustrial nas sociedades européias, cujo leit- em Huizinga, ao contrário, aparece como
motiv é a competição, é que foram elaboradas elemento definidor apenas das atividades
novas modalidades de sociabilidade e diverti desportivas racionalizadas das sociedades in
mento adequadas ao ritmo imposto pelo dustriais. O fragmento que segue é revelador
crescente estilo de vida moderno, verificado da tentativa deste empreendimento:
tanto entre as elites quanto entre as classes
trabalhadoras,21 e o futebol é um exemplo pa [...] O gosto pela competição, a busca da
radigmático desse processo.22 E é a partir des sorte, o prazer da simulação e a atração pelo
han Huizinga, em 1938, e posteriormente tores dos jogos, mas a sua ação embrenha-se
Roger Caillois, em 1950 e 1958, irão centrar completamente na vida das sociedades [...]
suas análises. os princípios dos jogos, tenazes e difundidos
De modo geral, ambos concordam com motores da atividade humana, que parecem
a conceitualização de jogo, caracterizado ser constantes e universais, devem marcar os
como manifestação lúdica por exceiência, tipos de sociedade. E até presumo que pos
138
sam servir, por sua vez, para a sua classifica Existe uma literatura sobre os esportes
ção, ainda que as normas sociais tendam a que se aproxima dessas perspectivas: futebol
privilegiar exclusivamente um deles em de como ópio do povo, futebol como hobby, pro
trimento do outro [...]. O simples fato de se duto alienante da indústria cultural, ou ain
poder identificar no jogo um importante e da vetor de desagregação social no contexto
antigo elemento do mecanismo social revela das sociedades de massa, o que im plica a ex
um a extraordinária convivência e surpreen pansão do fenômeno da violência entre tor
dentes possibilidades de intercâmbio entre cidas e torcedores.
os dois domínios [...] o que revelam os jogos Apenas para exemplificar, poderíamos
não é diferente do que revela uma cultura citar alguns estudos comprometidos com es
[...] (Caillois, [1958] 1990, pp. 87, 105). tas abordagens: inspirados por um viés mar
xista estão Luigi Volpicelli (1967), Industria-
Posteriormente, todas estas considera lismo y Esporte; Gerard Vinnai (1986), El
ções, apontadas como sendo características Fútbol como Ideologia ; Juan José Sebrelli
das atividades lúdicas, exemplificadas por (1981), Fútbol y Masas-, Roberto Ramos
Huizinga e Caillois nos mais variados jogos e (1984), Futebol: Ideologia do Poder: Renato
divertimentos humanos, motivaram o apare Pompeu (1986), Futebol, Dramatização da
cimento de interpretações as mais variadas no Luta d e Classes-, Dante Panzeri (1967), Fút
que se refere aos significados dos esportes nas bol, D inâmica de lo Impensado: evocando as
sociedades modernas. Inspirados, em parte, críticas ao fenômeno da indústria cultural ,
nas reflexões de Huizinga, que analisou as Adair Caetano Peruzzolo (1991), A Espeta-
competições esportivas modernas como ativi adarização do Esporte: O Jogo de Linguagem
dades contaminadas por outras esferas da vida dos Meios de Massa-, Janet Clever (1983), A
social, inúmeros trabalhos apontaram, com Loucura do Futebol-, C. Lasch (1983), A Cul-
igual ênfase, para um crescente processo de tura do Narcisismo; Carlos A. M . Pimenta
desencantamento que parte dos jogos sofre (1997), Torcidas Organizadas de Futebol:
ram com o advento das sociedades burguesas,
Violência e Auto-afirmação, entre outros.
industrializadas e assentadas num a ética indi As considerações de Lasch sintetizam
vidualista competitiva. parte desses argumentos:
Esta perspectiva, de modo geral, pode
[...] a história da cultura, como mostrou
ser observada em vários autores de diversas
Huizinga em seu clássico estudo sobre os jo
inspirações teóricas que, traçando percursos
distintos, propugnaram a tese do desencan gos, bomo hudens, parece, sob uma perspec
tamento dos jogos com o advento do fenôme tiva, consistir na erradicação gradual do ele
no esportivo. Visão compartilhada por inú mento lúdico de todas as formas de cultura
meros daqueles que se utilizaram das noções - religião, do direito, da guerra e, sobretudo,
de um marxismo vulgar, que estabelece a do trabalho produtivo. A racionalização des
tese dos esportes como ópio do povo,25 por sas atividades deixa pouco espaço para o es
aqueles que enfatizaram algumas das noções pírito de invenção arbitrária ou para a dispo
tributárias de uma releitura de autores iden sição de deixar que as coisas aconteçam ao
tificados com a Escola de Frankfurt, notada- acaso. O risco, a ousadia e a incerteza - com
mente Adorno e Marcuse,26ou mesmo pre ponentes importantes do jogo - não têm es
sente nos estudos que fizeram um mau uso paço na indústria ou em atividades infiltra
dos trabalhos germinais de Caillois e H ui das por padrões industriais [...] (Lasch,
zinga sobre os jogos. 1983, p. 135).
139
É necessário salientar, entretanto, que a culadas não somente à constituição de um
incerteza, aspecto mencionado pela maioria campo profissional e midiático, o que evi
dos autores em questão como um dos elemen dentemente ocorreu, mas, concomitante-
tos intrínsecos aos jogos, longe de ser uma di mente, aos modos como esta prática esporti
mensão banida do fenômeno esportivo, como va foi sendo apropriada nas variadas formas
supõe Lasch, está presente de maneira deter de praticá-lo e vivenciá-lo, como na várzea,
minante na constituição da dinâmica do fute por exemplo, futebol amador que por muito
bol, matizando as distintas práticas e significa tempo guardou uma estreita relação com a
dos presentes no ethos torcedor, na conduta prática profissional.28
daqueles que jogam e demais partícipes do Não se constata, aqui, como sustentaria
universo esportivo. Bourdieu, uma extrema cisão entre aqueles que
Este diagnóstico, que aponta para um praticam e os que somente assistem, embora,
crescente desencantamento do jogo, tam certamente, seja inegável que esta segmentação
bém está presente nas considerações mais tó entre amadores e profissionais circunscreva
picas que Pierre Bourdieu faz sobre os espor motivações distintas no que se refere à inserção
tes. Aclimatando para este contexto sua no institucional, comprometimentos, expectativas
ção de campo, conclui: e sentidos atribuídos ao jogo.
Além disso, ao enfocar a dimensão da
violência, Bourdieu parte do pressuposto de
[...] a evolução da prática profissional depende
que ela se manifesta de modo mais recorrente
cada vez mais da lógica interna do campo de
a partir do advento da profissionalização do
profissionais, sendo os não-profissionais rele
esporte, que supõe uma maior racionalização,
gados à categoria de público cada vez menos
seriedade e competitividade, daí a busca pelos
capaz da compreensão dada pela prática. [...]
resultados a qualquer preço. As considerações
O que acarreta efeitos, por intermédio da san
de Bourdieu, portanto, levam, implicitamen
ção (financeira ou outra) dada pelo público, te, a supor que o aumento da violência está
no próprio funcionamento do campo de pro vinculado e decorre da passagem das práticas
fissionais, como a busca de vitória a qualquer amadoras, tidas por desinteressadas, lúdicas e
preço e, com ela, entre outras coisas, o aumen desprovidas de recompensas imediatas, para
to da violência [...] (Bourdieu, 1990, p. 218). as profissionais. Considerações desmentidas
categoricamente por outras abordagens (Elias
Levando-se em consideração o processo e Dunning, 1992), que vislumbram na pró
generalizado de atomização do universo es pria prática amadora os fundamentos que de
portivo em catnpos concorrentes, a saber, en finirão e conformarão a competitividade do
tre profissionais, o conjunto de torcedores e, regime profissional.
acrescentaria, os especialistas em torno dos Alguns autores, ainda, utilizam-se dos
esportes,27 as constatações desse autor, ao mesmos argumentos, embora em análises di
que parece, são privadas de uma análise mais ferentes, mostrando que os jogos perderam
circunstanciada, ou empírica, da relação en paulatinamente o seu frescor, sua esponta
tre estes setores, certamente mais dinâmica neidade e gratuidade genuínas, transforma
do que a estratificação ou a segmentação dos dos pelos imperativos da competição, do lu
atores em campos estanques. cro e, posteriormente, pelo advento da socie
Nota-se que, em alguns contextos espe dade de massa e da indústria cultural, que os
cíficos, como no Brasil, a crescente populari circunscreveram a formas passivas e alienan-
zação do futebol e a sua transformação em es tes de espetáculos.2'1 Como explicita o excer
porte de massa estiveram estreitamente vin to que segue:
[...] o jogo, exercício voluntário, decisão pes cente da vida pública nas sociedades ociden
soal, descomprometido, gratuito, apropria tais. Assim, a constituição das configurações
do pela Indústria Cultural, torna-se uma es esportivas esteve sempre imbricada ao pro
pécie de retórica do jogo, quer dizer, o jogo cesso de civilização e parlamentarização da
enquanto espetáculo para os outros, que é o vida pública, ou seja, na criação das m edia
jogo jogado pelos outros para mim [visto ções institucionais reguladoras, por um lado,
por mim] (Peruzzolo, 1991, p. 20). e autocontrole individual na resolução dos
conflitos, por outro, em qualquer instância
Outros intelectuais, como Norbert Elias, da vida social, seja no âmbito da política,
também contribuíram para o enriquecimento seja no âmbito dos costumes, dos jogos e dos
do debate em tomo da dicotomia esporte e divertimentos.
jogo, mais especificamente a partir dos desdo Ainda segundo esta abordagem, o fute
bramentos da perspectiva teórica filiada à sua bol, um dos fenômenos esportivos que me
sociologia, tendo em Eric Dunning, um cola lhor expressa esse processo, talvez pela sua
borador e continuador da perspectiva configu- grande inserção nos vários estratos sociais,
racional, sistematizada pelo sociólogo alemão, concorreu para disciplinar o nível generaliza
aplicada ao fenômeno esportivo. E importan do de violência dos costumes e divertimen
te levar em conta as considerações desses au tos na esfera pública dessas sociedades oci
tores, pois elaboraram uma instigante revisão dentais em transição para a modernidade,
crítica de algumas das análises já aludidas. saídas da ética do jogo.
A ênfase dada por este outro modelo é Nota-se, nesse modelo, não um a mera
histórica (a busca da sociogênese dos fenôme substituição orquestrada de um a ética do
nos), e aborda a formação do processo de es- jogo por um espírito competitivo capitalis
portifica.ção’" de modo interdependente ao ta, como um processo de desencantamento
denominado processo civilizador. Nesse senti verificado em perspectivas já mencionadas,
do, não há um a cadeia de determinação cau mas transformações graduais que não eli
sal para os processos sociais ou, se há, é defi m inaram ou substituíram deliberadam ente
nida por aquilo que outros autores identifica os jogos, apontando para configurações
ram como uma “determinação esparramada” novas, concretizadas em fenômenos até en
(M iceli, 1999, p. 119) entre as várias dimen tão inexistentes, os esportes. O condiciona
sões sociais. Elias procura, com o uso da ex mento coletivo e individual às regras im
pressão cadeias de interdependência,31 mostrar pessoais, cada vez mais universalizadas, for
que os esportes não são meros subprodutos maram, em suma, o apanágio das socieda
desses processos mais globais, mas, ao contrá des individualistas ocidentais, confirmadas
rio, fazem parte deles de modo inter-relacio- também nas configurações lúdicas de nova
nado, havendo um profundo entrelaçamento ordem, as esportivas.
entre configurações sociais, políticas e econô A transformação da prática amadora
micas com o advento dos esportes. para a profissional e, posteriormente, a in
Diversa de outras análises, a perspectiva corporação cada vez maior de novos atores
de Elias permite que se relacionem os fenô sociais no futebol profissional, demandas de
menos jogo e esporte não de modo dicotô um processo atualmente em curso nomeado
mico, funcional, mas, antes, como um conti- de maneira valorativa pelo termo moderniza
nuum, cujas propriedades definidoras tanto ção?1 necessariamente não implicaram um
do fenômeno jo go quanto do fenômeno es maior acréscimo de seriedade em detrimen
porte são balizadas por um amplo processo to da fruição dos aspectos lúdicos, sobretudo
identificado como a parlamentarização cres do ponto de vista do torcedor.
141
Observa-se, contudo, que esse processo, um conjunto mais sistematizado de estudos
viabilizado num discurso que remete à com em torno de um modelo singular, voltado
petência profissional e à necessidade da con para o fenômeno esportivo, particularmente
solidação do denominado “futebol-empre- sobre a modalidade futebol.
sa”, apresenta novos contornos à relação en E importante destacar duas coletâneas de
tre esporte e jogo. textos datadas de 1982. Na primeira, intitula
Retomando um últim o ponto desta da Futebol e Cultura — Coletânea de Estudos,
análise, ainda que Elias rompa com uma aparecem historiadores brasileiros e brasilia-
concepção positivista de cisão radical entre nistas enfocando o futebol do ponto de vista
esporte e jogo, acaba por universalizar o pro de sua história social e política. Estas análises
cesso de constituição dessa categoria sócio- remetem para uma periodização menos ingê
histórica denominada indivíduo em detri nua dos fatos esportivos, ou seja, contextuali-
mento de outras dimensões ou instâncias, zados com alguns fenômenos históricos.
tais como a plasticidade evocada na noção de A segunda, de cunho antropológico, de
pessoa?1 Elias não leva em conta que seu pro nominada Universo do Futebol, reúne antro
cesso civilizador está preso de maneira obses pólogos com experiências de pesquisas vin
siva à existência e onipresença de uma ética culadas ao programa de pós-graduação do
individualista que, segundo o próprio autor, Museu Nacional do Rio de Janeiro. A temá
é geradora do processo m ultiplicador de tica central que perpassa todos os textos, em
controle social e de um autocontrole eleva que pesem suas significativas nuanças, con
do, concebido com uma certa positividade. siste em uma análise cultural d o futebol,
Embora não sonegue aos esportes al cujo interesse, em primeiro lugar, é rebater e
guns dos elementos lúdicos presentes em criticar a noção do futebol como ópio e fator
contextos históricos anteriores, tais como a de alienação do povo e, em segundo lugar,
tensão, o prazer, o divertimento, a incerteza inaugurar uma antropologia voltada para os
e, a destacar, o fenômeno da violência, aliás, fenômenos esportivos.36
negligenciado em muitas das análises dos Este modelo analítico, mais distante dos
modelos dicotômicos mencionados mais aci maniqueísmos de algumas análises já men
m a,34 Elias reduz todos esses fatores ao auto cionadas, igualmente intentou conceituar as
controle estabelecido pela dimensão indivi categorias esporte e jo go sob um ponto de vis
dualista. A percepção desse autopoliciamen- ta teórico. Trata-se de trabalhos que analisa
to imposto pelos constrangimentos sociais ram - e alguns autores permanecem mais ou
de uma ética burguesa, supostamente civili menos fiéis à perspectiva —a conjunção en
zada no que se refere ao adestramento e à pa tre esporte tjo g o pelo viés do ritual, mais es
cificação dos costumes, inclusive os “esporti pecificamente, utilizando-se da noção de
vos”, não consistiu uma via de mão única drama (Da M atta (1979, 1982, 1994); se
nas sociedades ocidentais, o que pode ser ve guindo Flores (1982); Vogel, (1982); Gil,
rificado em contextos etnográficos específi (1994); Toledo (1996); Machado, (2000),
cos (Archetti, 1999; Toledo, 2002, por entre outros).
exemplo). Crítica que não escapou ao histo Tal concepção foi reelaborada a partir
riador Peter Burke, ao afirmar que “[...] o dos estudos feitos por Turner (1974), Geertz
processo civilizador [proposto por Elias] foi, (1989[ 1973]), além da contribuição de
para dizer o mínimo, um processo com obs Leach (1972), que propôs uma ampliação
táculos [...] (Burke, 1997, p. 83).35 do conceito de ritual como um processo co
No Brasil, é somente a partir dos anos municativo. Tal processo sempre remete a
de 1980 que se verifica o aparecimento de algo que extravasa o próprio ritual, portanto,
142
fenômeno que se espalha também em outras terminado: “[...] essa experiência de união e
esferas da vida social. O drama, neste caso, de totalização do país em algo concreto é
seria o ingrediente básico do processo de ri- uma poderosa dramatização que o futebol
tualização, onde o esporte consistiria um permite realizar e que por certo transcende
evento privilegiado por meio do qual a socie os seus usos e abusos pelos governantes
dade se deixaria ler ou perceber; um fenôme [,..]”(Da M atta, 1982).
no de onde se contaria uma história dela Sem dúvida que o “modelo damattiano”
mesma para si própria, como enfatizou Da possibilitou que a antropologia brasileira co
M atta ao citar Clifford Geertz (Geertz apud meçasse a marcar sua posição ante os fenôme
Da M atta, 1982, p. 52). nos urbanos e esportivos sem, contudo, abrir
Para além dos aspectos intrínsecos à prá mão dos métodos por ela acumulados ao lon
tica esportiva, evidenciados em algumas de go da experiência etnográfica com outras cul
suas características mais básicas, como o sen turas. Pensar os esportes pela antropologia, ao
tido da competição , a perform ance que busca o nosso ver, trata-se de mais um desdobramen
rendimento máximo, o status, a recompensa na to do método, ampliando a paisagem etno
forma de bens monetários (trabalho remune gráfica e as possibilidades comparativas entre
rado), enfim, o esporte , encarnado aqui no fu “antropologias simétricas” (Latour, 1999).
tebol, analisado como um Arama, na sua di Nesse sentido, parece sugestiva a adver
mensão simbólica, “[...] chama a atenção tência de que “até bem recentemente, a an
para relações, valores, ideologias que, de ou tropologia estava muito marcada por aqueles
tro modo, não poderiam estar devidamente conceitos básicos produzidos em seu contex
isolados dos m otivos que form am o conjun to clássico [...] então os an tropólogos das so
to da vida diária. [...] O futebol permite ex ciedades complexas buscavam o mana aqui,
pressar uma série de problemas nacionais, al o totemismo acolá... Tudo bem, mas acho que
ternando percepção e elaboração intelectual dá para ir mais longe, e estamos efetivamen
com emoções e sentimentos concretamente te indo mais longe: estamos começando de
sentidos e vividos [...]” (Da M atta, 1982b, fato a fazer antropologia simétrica, que é an-
pp. 21, 40), ora evidenciando e revelando al tropologizar o centro, e não apenas a perife
guns aspectos, ora dissimulando outros. ria da nossa cultura” (Viveiros de Castro,
Seguramente, o futebol reúne muitos 1999, p. 128). Acreditamos que o futebol es
dos níveis, temas e dimensões das sociedades teja nesse centro cultural e epistemológico
contemporâneas: cosmopolitismo de sua prá reivindicado pelo autor.
tica, embate dos interesses políticos, modelos Embora vindos de uma formação etno
de organização social, comprometimento lógica, os primeiros trabalhos sobre futebol
com os interesses econômicos, problemática orientados por Roberto Da Matta, sobretudo
da discriminação racial, expansão do fenô os do próprio autor, tenderam a minimizar
meno da violência urbana.37 E no Brasil, em essa experiência etnográfica, marcando uma
particular, ele recorre e se entrelaça a muitos perspectiva mais sociológica e até mesmo en-
dos níveis da experiência brasileira, expres saística sobre o tema, revelando uma certa ur
são de uma cultura nacional: identidades, gência em abordar temas tão marginalizados
hierarquias, desigualdades, práticas divinató nas ciências sociais brasileiras até então,
rias, crenças. como o próprio carnaval, outro tema signifi
E através da experiência do futebol, se cativo no constructo analítico do autor.
gundo essa vertente, que entidades abstratas, Mas é justamente na especificidade an
tais como a noção de país ou povo, são expe tropológica que hoje podemos observar, pas
rimentadas como algo visível, concreto e de sados vinte anos da publicação de Universo
143
do Futebol, de maneira ainda mais clara, as ção como um importante símbolo nacional a
contribuições dessa vertente explicativa (a partir da noção de drama., instrumento con
dialética entre esporte e sociedade) e da pró ceituai de mediação entre a sociedade é o fu
pria disciplina no sentido de problematizar tebol, garantindo um grande vigor teórico a
determinadas dicotomias que tentaram dar este modelo explicativo.38
conta desses fenômenos urbanos (não so O esforço etnográfico de trabalhos mais
mente os esportivos), e que se cristalizaram recentes (Guedes, 1998; Pimenta, 2001; To
no discurso científico de maneira perigosa e ledo, 2002, entre outros3’), obviamente de
reificada, tais como, por exemplo, tradicio vedores em menor ou maior grau de todas
nal versus moderno. E, no que diz respeito estas discussões anteriores, concentra-se no
aos fenômenos esportivos, os seus correlatos enfoque da relação futebol e sociedade brasi
“jogo e esporte”, “lúdico e competitivo”, leira a partir da dinâm ica existente no con
“cooperativo e agonístico”. junto heterogêneo de atores que integram o
Este empenho, é bem verdade, já pôde universo esportivo, portanto, numa perspec
ser verificado na aproximação singular que o tiva mais êmica, enunciando dimensões ma
próprio círculo de antropólogos em torno do teriais e simbólicas em confronto.
“modelo damattiano” realizou ao relacionar Sob este aspecto, salienta-se uma dife
conceitualmente o fenômeno esportivo, o fu renciação entre aqueles que o vivenciam
tebol em específico, ao domínio dos “rituais”. como um drama daqueles que o concebem
Mas este insight, em que pese todo o seu ren como um campo de disputas por práticas e
dimento e esforço em articular um ciclo de experiências profissionais, poder, visibilidade
rituais explicativos do caráter brasileiro, pare e legitimidade institucional. Dimensões nem
ceu aprisionar-se a um certo hermetismo e sempre coincidentes, mas que se diluem, se
pouco dialogar com os rituais como proces tomadas de um único ponto de vista, como a
sos mais dinâmicos de construções sociais. sociedade brasileira na relação com o futebol.
Desse modo, é preciso acautelar-se ante as Portanto, poderíamos afirmar que já não
simetrias sedutoras que o modelo propõe e ve se trata tanto de ler o Brasil pelo futebol, como
rificar mais de perto as novas demandas sim se ele fosse uma auto-representação a-históri-
bólicas que se agregam ao próprio modelo. ca, num sentido estrutural, mas ler também o
Não obstante, ao que nos parece, o futebol, futebol pela sociedade brasileira, nas suas múl
tão canonizado por muitos intelectuais que se tiplas dimensões, identificadas nos atores que,
debruçaram para explicá-lo, assim como o por sua vez, investem, nem sempre de manei
próprio carnaval e ainda outros “ritos nacio ra consensual, na promoção e na consolidação
nais”, parecem ainda melhor servir de exem de nossa auto-imagem, representada na englo-
plos dessa dinâmica histórico-estrutural. bante expressão “futebol brasileiro”.
Aproximando-se de M arshal Sahlins O que o drama pode suscitar é a celebra
(1990), diríamos que, se o futebol está orga ção e o confronto instantâneos entre algu
nizado e organiza uma dada estrutura simbó mas dessas concepções em disputa, o que
lica no interior da sociedade brasileira, é pre pode contribuir, sem dúvida, para uma refle
ciso atentar para os riscos impostos pelos inú xão sobre a nossa auto-representação e o pa
meros eventos que precipitam das ações de pel sui generis reservado ao futebol na com
novos agentes sociais que fazem “usos” dele, preensão daquilo que.é definido como iden
modificando esta mesm a moldura estrutural. tidade nacional, co m o o co rre nos m om en tos
Em suma, tal vertente analítica focou o de vitória ou derrota.40 Ainda que as partidas
futebol, particularmente o profissional, na consistam em momentos privilegiados na
perspectiva de apreendê-lo na sua consolida compreensão do evento futebol, onde se
144
põem em evidência as dramatizações da socie crática da igualdade e da justiça social, dadas
dade, como preconiza esta últim a proposta as regras impessoais, a alternância da vitória
analítica, não é possível compreender a atua e da derrota etc. Como se o futebol pudesse
ção e a importância desse diálogo estabeleci estabelecer, num a sociedade fortem ente
do entre profissionais, especialistas e torcedores marcada pela hierarquia, um princípio de
somente através da temporalidade e da espa igualdade, ainda que momentâneo, caracte
cial idade rituais. rística subjacente aos rituais esportivos.
Assim, abandonando as considerações Não negamos, obviamente, este forte
mais matizadas a respeito da polissemia e da apelo gregário e o sentimento identitário que
ambigüidade dos elementos constitutivos dos a maioria de nós experimenta quando al
jogos,41 estas perspectivas e modelos enuncia guém joga; contudo, esta experiência parece
dos, de modo geral, ou acabaram por promo mais uma recriação ou confirmação cosmoló-
ver uma cisão radical entre os dois fenôme gica de um universo comunitário, impensado
nos, jogo e esporte, vinculados apenas por ein outras situações sociais no Brasil, do que,
um processo histórico inevitável, ou reduzi unicamente, uma celebração dos ideais mar-
ram ambos a uma mesma perspectiva indivi cadamente individualistas, base ideológica de
dualista universalizante. sustentação do credo democrático.
Entretanto, é necessário, primeiro, rela- É possível que, digamos, tais excessos,
tivizar esse processo de consolidação do fe observados nos usos do modelo, se devam
nômeno esportivo em detrimento dos jogos mais pela necessidade, à época, de se contra
problematizando a noção corrente de que a por às vertentes explicativas reducionistas
transformação dos jogos em esportes foi de então vigentes do que propriamente uma
corrência de um movimento histórico contí mera simplificação teórica. Há que se consi
nuo e linear. Segundo, relativizar uma certa derar ainda que o modelo do futebol como
tomada de posição valorativa atribuída a am drama atentou para o fenômeno em plena
bos os fenômenos, esporte ou jogo, que transição democrática, entre 1979 e 1984, e
transparece nas análises da maioria desses que, naquele instante, era muito premente
autores, que ora denunciam os aspectos de uma análise mais rigorosa dos usos e da “re-
gradantes do esporte, como afirma Lasch descoberta” que a própria sociedade fazia dos
(1983), ora destacam, com um certo otimis símbolos nacionais.
mo, o inevitável processo que culm inou na O futebol aparece nesse contexto, assim
pacificação de uma das dimensões dos jogos, como outras manifestações populares, como
a que diz respeito à violência, com o adven um poderoso veículo e acesso à participação
to dos esportes, tomados como jogos parla- política, como foi constatado nos comícios
mentarizados ou democráticos, no sentido pelas Diretas Já, cuja presença de jogadores e
da internalização e universalização das regras especialistas notórios (Sócrates, Osmar San
de um processo mais geral das sociedades tos, entre outros) foi singular de um momen
ocidentais, como transparece em Elias e até to importante na história política do país.
mesmo nos usos e nas apropriações do mo Portanto, esta vinculação, pouco mediatiza-
delo damattiano. da, entre futebol e democracia, é menos pro
Nesse sentido, o modelo proposto por duto do modelo do que da conjuntura em
Da M atta, de certo modo, mas sobretudo al que foi gestado e de seus usos posteriores. To
gumas das análises que fizeram uso dele, exa davia, constata-se a força desse argumento,
geram, a nosso juízo, quando tentam estabe no que concerne ao aspecto civilizatório (su
lecer uma relação direta entre os esportes, o postamente democrático) do futebol, em tra
futebol em especial, e a experiência demo balhos mais recentes.
145
A expressiva ritualidade alcançada pelo to, a partir de um a análise contrastiva com
futebol em países como o Brasil somente sua dimensão cotidiana.
pode ser compreendida por intermédio tam E dentro de uma perspectiva socioan-
bém de sua igualmente expressiva rotiniza- tropológica, portanto, que se registra a im
ção e presença na vida do dia-a-dia, inclusi portância dada à dimensão cotidiana do fu
ve como linguagem metafórica articulada a tebol pois, tal como “jogado” é igualmente
outras esferas da vida social. Problematizan- “vivido”, reproduzido e “reinventado” nas
do a relação entre mito e história Jonathan coberturas esportivas diaristas, nos treinos,
H ill sugere que: “[...] mito e história não ca nos bares, na vida cotidiana enfim, sensibili
racterizam tipos distintos de agrupamentos zando e orientando ações, quer de dirigen
sociais, mas são, na verdade, duas formas tes, jogadores, repórteres, quer de torcedo
possíveis de consciência que operam univer res, nos vários níveis de comprometimento
salmente em qualquer sociedade” (H ill apud entre estes atores.
Montero, 1996, p. 17). M ais do que uma “instituição brasilei
Estabelecendo um paralelo com esta ar ra”, o que evocaria uma certa perspectiva de
gumentação, poderíamos afirmar que o fu natureza mais funcionalista, ou um processo
tebol é, entre os esportes, aquele que adqui ritual singular, o futebol pode ser concebido,
riu historicamente uma centralidade como em alguma medida, como a própria socieda
um dos possíveis articuladores dessas duas de em movimento, em ato,43 reconstituída
“formas de consciência” numa sociedade nas ações e nos fatos banais evocados a par
como a brasileira. tir de um assunto partilhado e excepcional
Embora o futebol se consubstancie em mente retotalizador dos fatos da sociedade,
eventos que se sucedam através de escores,
domínio do discurso de senso comum, reite-
placares, títulos, campeonatos, calendários,
rativo e cognoscível.
estatísticas (aspecto caro para outros esportes
Sob este aspecto, o cotidiano, e o senso
tal como o basquete), apresenta-se também
comum que dele se nutre “não é apenas ins
como um feixe de acontecimentos que se
trumento das repetições e dos processos que
atualiza de maneira sobreposta e justaposta à
imobilizam a vida de cada um e de todos
memória coletiva, traindo, de certo modo,
[...]. É que no pequeno mundo de todos os
sua historicidade e as estatísticas, transfigu
dias está também o tempo e o lugar da eficá
rando fatos em sagas, eventos em aconteci
cia das vontades individuais, daquilo que faz
mentos excepcionais, nem sempre articula
dos numa narrativa linear, ainda que, obvia a força da sociedade civil, dos movimentos
mente, uma certa experiência cronológica sociais” (M artins, 1998, p. 2 ).44
balize as discussões em torno dele. Poderíamos, ainda, reforçando tais argu
Ainda que os desempenhos de profissio mentações, circunscrever o fato futebol como
nais e especialistas estejam entrelaçados aos um fenômeno amplamente revestido desta
processos globais de institucionalização, dimensão do senso comum, utilizando as ar
profissionalização e mudanças, o que apon gumentações emprestadas de Cliffort Geertz,
ta para as transformações históricas das ati que, aproximando a esfera do senso comum
vidades esportivas e das sociedades que as à noção de “sistema cultural”, define:
suportam, nos termos definidos por Nor-
bert Elias, a consciência do jogo e sua sin- [...] a religião baseia seus argumentos na reve
cronicidade como dimensões possíveis do lação, a ciência na metodologia, a ideologia
m ito42 também estão presentes, contudo só na paixão moral; os argumentos do senso co
podem ser aclaradas, no meu entendim en mum, porém, não se baseiam em coisa algu
146
ma, a não ser na vida como um todo. O mun tro do universo tão m ultifacetado que é o
do é sua autoridade (Geertz, 1998, p. 114). futebol, a m ultiplicidade de versões que se
repetem num a estrutura narrativa permea
Mostrando a articulação e a permanên da pelas experiências diretam ente vividas
cia do discurso do senso comum, as especu entre os atores e, ao mesmo tempo, “elásti
lações de Geertz seguem aproximando-o em cas” nas suas expressões, o que, à prim eira
estatuto ontológico ao discurso mítico: vista, transpareceria como caótica e refratá-
ria às análises.
[...] o bom senso [operador simbólico das Esta dinâm ica, por um lado, no nível da
ações no senso comum] é uma interpretação dimensão empírica, está presente nas rotinas
da realidade imediata, uma espécie de poli dos clubes, na preparação dos atletas, no
mento desta realidade, como o mito, a pin conteúdo das matérias jornalísticas, nos pro
tura, a epistemologia, ou outras coisas seme gramas esportivos televisivos. E, mais ainda,
lhantes, então, como essas outras áreas, será presente na fala dos torcedores pelas ruas,
também construído historicamente, e, por bares e tantas outras situações até inusitadas
tanto, sujeito a padrões de juízo [...]. Em e aparentemente fugazes, por onde se discu
suma, é um sistema cultural, embora nem tem os desígnios e destinos de uma coletivi
sempre muito integrado, que se baseia nos dade, amplificada nas várias falas e práticas
mesmos argumentos em que se baseiam ou em confronto.
tros sistemas culturais semelhantes: aqueles Por outro lado, no plano teórico, apre
que os possuem têm total convicção de seu senta-se como um campo de análise que não
valor e de sua validade. Neste caso, como em está confinado somente ao domínio das esco
tantos outros, as coisas têm o significado que lhas metodológicas observadas nos modelos
lhes queremos dar (Geertz, 1998, p. 116). teóricos aludidos acima e que, dessa maneira,
reivindica continuamente outras escolhas
Por meio desses detalhes concretosK é conceituais e recortes analíticos, dada sua na
que se tem a possibilidade de articular, den tureza processual.
Notas
1. Numa perspectiva interdisciplinar, ver Daólio, 1995; 1997; Luccas, 1998; Ferreira Neto,
Goellner & Bracht, 1995; e Carvalho & Rubio, 2001.
2. Para se compreender o contexto de visibilidade tanto dos “novos” objetos redescobertos
pelos cientistas sociais nos anos de 1970 a partir de outras linhas teóricas, quanto a pró
pria visibilidade e institucionalização da antropologia no mesmo período consultar, por
exemplo, Durham (1982) ou M agnani (1996b).
3. Para uma visão sucinta sobre a Escola de Chicago e seus desdobramentos e distinções teó
ricas consultar, por exemplo, a conferência de Howard Becker publicada em M ana, cita
da na bibliografia.
4. O periódico Pesquisa de Campo. Revista do Núcleo de Sociologia do Futebol/UERJ.
147
5. Sub-área em formação na UFSCar, sob minha responsabilidade.
6. Mais especificamente o Núcleo de Estudos do Cotidiano e de Cídtura Urbana, coordenado
pela profa. Márcia Regina da Costa.
7. Curitiba, de 11 a 14 de novembro de 2001, UFPR. Trabalhos e discussões que se prolon
garam na 23” Reunião Brasileira de Antropologia (16 a 19 de junho de 2002).
8. Por exemplo, UNISINOS, UFRGS, UFRN, Universidade do Porto, Universidad Nacional
de M ar dei Plata, entre outras.
9. Consultar, por exemplo, o trabalho de Jungblut,1994. Um outro pesquisador da PUC-SP,
Francisco Nunes, vem trabalhando com esta temática no mestrado, utilizando procedimentos
etnográficos para estabelecer, entre outras coisas, o nexo interpretativo entre o referido espor
te e esta dimensão religiosa a partir do “movimento” aludido.
10. Ver, por exemplo, Souza (1996), mas também outros trabalhos, tais como Archetti (1999)
que, tratando da prática do futebol argentino, procura desvendar o universo simbólico da
masculinidade crioula a partir de manifestações simbólicas matriciais, tais como o futebol,
o jogo de pólo e o tango. Trabalho que sugere a ampliação do esforço comparativo em re
lação aos impactos da introdução do futebol pelos ingleses, tal como ocorreu no Brasil, e a
construção de identidades e sensibilidades mais locais.
11. M urad (1994); Guedes (1998); e Toledo (2000; 2002).
12. Guedes (1977); Moura (1998); Antunes (1999); e Pereira (1997).
13- Alguns trabalhos discutiram a popularidade do futebol a partir desta complexa problemá
tica. Um ensaio pioneiro foi o de Anatol Rosenfeld, Negro, M acumba e Futebol. O Negro
no Futebol Brasileiro, do jornalista M ário Filho, prefaciado por Gilberto Freire, é outro
trabalho importantíssimo para aqueles que tratam da questão da identidade brasileira a
partir das relações raciais. Nas ciências sociais, alguns estudos abordam e discutem o fu
tebol a partir desse enfoque étnico, inclusive o impacto da obra de M ário Filho. Cf. Gor-
don, 1995; 1996; M urad, 1994. O texto de Leite Lopes, “Successes and Contraditions in
‘M ultiracial’ Brazilian Footbail” (1997), embora sucinto, compara algumas trajetórias de
jogadores de origem negra matizando a idéia corrente sobre ascensão social via futebol.
M ais do que propriamente os determinismos da raça, seria preciso contextualizar a popu
laridade desses jogadores a partir também das maiores ou menores dificuldades de inser
ção neste futebol profissional jogado em alto nível. Estratégias vividas de maneiras dife
renciadas, determinadas por conjunturas específicas, que dizem respeito aos ethos das clas
ses populares, que impeliram uns ao sucesso e outros ao fracasso. Os trabalhos de Marcos
de Souza (1996) e Pereira (1997) também vão abordar a temática da identidade nacional
via relações raciais. Em Soares (1997; 1999), pode-se encontrar uma crítica a alguns dos
trabalhos citados acima, que tomaram o germinal O Negro no Futebol Brasileiro como fon
te histórica privilegiada de consulta para se pensar uma história étnica do futebol. Exis
tem, por sua vez, duas respostas a Soares realizadas por Helal & Gordon (1999) e Murad
(1999). Não-poderia reproduzi-las, sob pena de estender, para além da conta, esta nota.
Os termos dessa contenda foram publicados em Estudos Históricos, 13 (23/24), 1999.
Certamente, outras fontes estão à disposição daqueles que pretendem realizar pesquisas
sobre a temática. O Núcleo de Sociologia do Futebol dispõe de farto material documen
tal para consulta (M urad, 1999).
14. Toledo (1996); M urad (1996b); Araújo (1996); Santos (2001), entre outros.
148
15. Utilizo a expressão “mercado de consumidores religiosos” respaldado nas análises de alguns es
pecialistas, sobretudo sociólogos, que tratam do fenómeno religioso na chave weberiana sobre
o processo de racionalização do mundo. A propósito consultar Pierucci (1997).
16. Estamos, certamente, ainda à espera de uma melhor definição. Segundo o antropólogo
Brito Vianna (2001), que desenvolveu dissertação de mestrado no PPGAS-USP, relacio
nando o futebol às práticas rituais das corridas com toras entre alguns grupos xavantes,
desde 1925 a expressão “etnologia do esporte” é empregada. Seu trabalho mostra, entre
muitos outros aspectos, as dificuldades conceituais em precisar a dinâm ica e o hibridis
mo entre práticas rituais e esportivas.
17. Entre kadiwéus do M ato Grosso do Sul, o trabalho de M arina Vinha; entre kaingangs de
Palmas, no Paraná, José Ronaldo Fassheber; e Fernando Vianna entre grupos xavantes, da
comunidade de Sangradouro, M ato Grosso.
18. Uma concisa análise sobre o conceito de esporte, muito em voga nas escolas de Educação
Física, e que é direcionada para o aspecto da prática voltada para o alto rendimento, pode
ser consultada no texto de M auro Betti, Esporte, Educação e Sociabilização: Algumas Refle
xões à Luz da Sociologia do Esporte.
19. O poeta e escritor M ichel Leiris foi aluno de Mareei Mauss.
20. Apesar de um certo consenso na literatura acadêmica no que se refere às origens recentes
dos esportes modernos, observa-se que a maioria das enciclopédias populares sobre o fu
tebol, que circulam em forma de fascículos, livros, e, atualmente, em vídeos comerciali
zados em bancas de jornais e revistas, tratam do futebol como se este tivesse uma origem
remotíssima, quase mítica, presente, ao mesmo tempo, em inúmeras culturas. Perspecti
va que confere e instila no imaginário do torcedor a noção de que o futebol consiste num
evento de dimensões a-temporais, ubíquo, jogado pelas civilizações antigas que, de algum
modo, inventaram e dominaram os rudimentos de sua prática.
21. Para verificar a popularização dos esportes entre os diversos estratos sociais e étnicos em
alguns centros urbanos brasileiros (São Paulo e Rio de Janeiro), particularm ente o fu
tebol, ver Caldas, 1990; Araújo, 1996; e, sobretudo, Pereira, 1997. Em Jesus (2001),
encontra-se uma análise do processo de popularização em outro contexto, no Rio
Grande do Sul.
22. Para uma abordagem mais sucinta sobre alguns jogos populares, anteriores ao século XIX,
consultar, por exemplo, Peter Burke, 1981. Para uma sistematização mais detalhada sobre
o processo de conversão de alguns jogos populares em esportes, ver Elias (1992) e Elias &
D unning (1992), respectivamente os capítulos “Ensaio sobre o Desporto e Violência” e “O
Futebol Popular na Grã-Bretanha Medieval e nos Inícios dos Tempos Modernos.
23. Sobre este aspecto, é interessante notar que a caracterização dos jogos como manifesta
ções de suspensão da coletividade pode ser aproximada a Durkheim em Formas Elemen
tares da Vida Religiosa. Neste estudo, o autor aponta para uma teoria da perform ance quan
do relaciona os rituais religiosos e as festas laicas. E interessante observar que tanto Hui-
zinga quanto Caillois não dialogam, explicitamente, com esta perspectiva durkheimiana
da perform ance.
24. O autor irá distinguir quatro formas básicas de manifestação: agôn, ambição de triunfar
unicamente graças ao mérito numa competição regulamentada; alea, que evoca a demissão
149
da vontade a favor de uma espera ansiosa e passiva do curso da sorte ; mim icry , o gosto de
revestir uma personalidade diferente ( representação ) e, por fim, ilinx, a busca da vertigem.
Estes princípios podem, segundo o autor, conviver em uma mesma modalidade de jogo.
25. Não pretendemos demonstrar as argumentações inspiradas nas teses marxistas muito di
fundidas nos anos de 1960 e 1970, pois, acreditamos, já foram suficientemente aborda
das em vários trabalhos, muitos dos quais citados aqui. Observe-se, porém, que tais in
terpretações estão assentadas em um a concepção reducionista da noção de cultura, onde
observa-se o binômio estrutura/superestrutura em uma relação de determinação causal,
ou seja, a cultura e o domínio do simbólico (superestrutura) determinados pelas condi
ções materiais de existência.
26. A destacar os trabalhos Tiempo Libre e A Ideologia da Sociedade Industrial, de autoria de
Adorno e Marcuse, respectivamente.
27. Denominamos aqui de especialistas a crônica especializada, conhecida também por “es
portiva”. Para uma melhor compreensão desse arranjo entre profissionais, especialistas e
torcedores, justapostos num modelo etnográfico, ver Toledo (2002).
28. A literatura sobre futebol carece de estudos mais sistematizados sobre a importância da
várzea como “um celeiro de craques”, utilizando uma expressão popular que por muito
tempo definiu o papel deste tipo de futebol. Poderia indicar aqui o relatório de tomba-
mento de um a área varzeana da cidade de São Paulo, denominada Parque do Povo, que
abriga alguns dos significativos, e mais antigos, clubes varzeanos da cidade. De modo
mais específico, consultar o capítulo 3 do referido relatório, que inclui, entre outros, o
texto de W itter (1994), o qual traça um breve histórico e uma localização geográfica com
parativa (1964-1994) dos clubes e locais da prática varzeana; ver também, fruto da mes
ma pesquisa, J. G. M agnani e Naira Morgado (1996). Inserido no domínio antropológi
co, consultar Villela (1997). Sobre a sociabilidade promovida pela prática do futebol de
várzea no contexto dos bairros, ver Santos (2001).
29. Contudo, do ponto de vista dos torcedores o futebol apresenta-se menos como um espe-
tácido somente assistido como qualquer entretenimento, do que como uma experiência
vivida como perform ance dos próprios torcedores, interdependentes com a dinâm ica do
futebol. Em termos mais abrangentes, esta experiência não se restringe somente ao mo
mento do jogo, mas revela um projeto de organização coletiva em que se evidencia, inclu
sive, uma prática política nos limites impostos pelo futebol profissional.
30. Neologismo utilizado por outros autores, como Leite Lopes, 1995.
31. Elias rejeita a idéia de que a sociedade seja um a instância supra-individual e quase uma
entidade metafísica. Em vez de trabalhar num a chave durkheimiana dos fatos sociais e
toda a problemática da coerção subjacente a este conceito, opta por usar termos como ca
deias de interdependência ou redes sociais. A qualidade coletiva dos fenômenos reside nas
ações recíprocas entre indivíduos que, por sua vez, são tensionadas pela cadeia de inter
dependência a que estão sujeitos. A metáfora da rede, comparada a redes humanas, é uti
lizada pelo próprio Elias para matizar a dicotom ia durkheimiana entre indivíduo e socie
dade: “[...] nem a totalidade da rede nem a forma assumida por cada um de seus fios po
dem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles, isoladamen
te considerados; a rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam, de
sua relação recíproca [...]. M as, como modelo de reflexão sobre as redes humanas, é insu
150
ficiente para dar uma idéia um pouco mais clara da maneira como uma rede de muitas
unidades origina uma ordem que não pode ser estudada nas unidades individuais [...].
Talvez ele atenda um pouco melhor a seu objetivo se imaginarmos a rede em constante
movimento, como um tecer e destecer ininterrupto de ligações [...]”(Elias, 1993, p. 35).
32. Estamos cientes das dificuldades em utilizar semelhante termo. A própria literatura socio
lógica sobre o futebol muitas vezes emprega modernização de maneira difusa e pouco pro-
blematizada. É geralmente em torno do escopo teórico do modelo “damattiano” que tal
discussão vem sendo realizada na bibliografia nacional. Daí, o termo modernização apa
recer imiscuído à dimensão que privilegia o universo institucional e simbólico, cujo nexo
sociológico incide sobre a noção de indívíduo justaposto à pessoa. Entretanto, original
mente, o modelo “damattiano” expõe o dilem a brasileiro e o modo como esta sociedade
m anipula tais noções num a relação simbiótica original que, sob sua ótica, tende a m ati
zar a dicotomia que, no lim ite, alude à cisão entre tradicional e moderno. Num sentido
histórico mais preciso, Nicolau Sevcenko identificará a predisposição para a prática dos
esportes, e o futebol em particular, como um fenômeno engendrado à revolução científi
ca e tecnológica em torno de 1870, marco daquilo que ficou conhecido como advento da
modernização - “nascimento” das grandes cidades e metrópoles mundiais, como a Paris
da segunda metade do século XIX, num âmbito da cultura letrada ou as cidades inglesas,
pensando especificamente no domínio do futebol e sua rápida inserção entre as classes
operárias. O autor articulará estes fenômenos, ou seja, urbanismo, revoluções científicas,
práticas estéticas, culturais e manifestações de sociabilidade e lazer a partir da populariza
ção das modalidades esportivas no volume Orfeu Extático na Metrópole. Certamente,
modernização recobre outros fenômenos e significados, resultado do processo mais abran
gente analisado por Sevcenko. Os discursos nativos do campo esportivo tende, prepon-
' derantemente, a condensar no termo modernização todas as mudanças que incidem sobre
o futebol profissional no Brasil há cerca de duas décadas: o advento das Leis Zico e Pelé,
regimes empresariais na gestão dos clubes, os avanços tecnológicos e a incorporação de
outros atores no cenário esportivo, a valorização do futebol como espetáculo e objeto de
marketing, enfim, tudo que sugere índice de mudança vislumbra a possibilidade de ser
moderno. Alguns estudos de caráter sociológico precisam este movimento rumo a esta mo
dernização do futebol brasileiro em consonância aos imperativos internacionais a partir
de 1993 (Helal, 1997). A n d a que de modo precário, poderíamos conceber este novo sur
to de modernização do futebol como substrato de um discurso ideológico que abriga vá
rios processos cujos princípios valorativos estão assentados sob critérios em torno de uma
racionalidade privada de várias esferas —legais, institucionais, culturais - e, em conse
qüência, simbólicas, por que tem passado a sociedade brasileira. Obviamente que tais dis
cussões mereceriam uma análise muito mais detida.
33. Outra problemática cara à perspectiva maussiana, como se sabe.
34. Esta é uma tendência que se generalizou no senso comum, ou seja, circunscrever o fenô
meno da violência esportiva nos limites de uma sociedade competitiva, como se tal fenô
meno não fosse também constitutivo do s jogos. Atualmente, opera-se com raciocínio aná
logo ao confinar certas modalidades de violência ao barbarismo dos torcedores, como se
não existisse qualquer investimento prazeroso numa série de atitudes transgressoras ou,
de outro lado, inexistisse violência da parte de outros atores envolvidos com o jogo, tais
como entre jogadores, dirigentes etc.
151
35. Peter Burke nota que a visão histórica de Elias, muito condicionada pelas limitações que
fez no uso do método comparativo, foi “[...] excessivamente linear e que ele não discute
reações contra a tendência geral a um autocontrole cada vez maior E segue o autor
contrapondo-se à “linearidade” eliaseana: “[...] Essas reações abrangem desde o novo bar
barismo do século XX até os nobres húngaros do século XVI que se identificavam com
os bárbaros, em contraste deliberado com o debilitado Ocidente [...]” (Burke,1997, p.
83). Entretanto, ao contrário das posições de Burke, há controvérsias entre os comenta
dores sobre a concepção eliaseana do processo civilizatório como um inexorável movi
mento linear. M alerba (1996) aponta, reproduzindo um excerto do próprio Elias, mo
mentos de rupturas ao longo dessa aparente linearidade (M alerba, 1996, p. 78). Leite Lo
pes (1995) também relativiza essas críticas ao comentar algumas observações feitas por
Bourdieu, que adverte para “[...] a simplificação que cometem aqueles que pensam as
transformações das sociedades modernas como processos lineares”. Os ensaios biográficos
sobre o compositor Mozart, publicação póstuma de Elias e posterior à crítica de Bour
dieu, segundo Leite Lopes, analisam a “[...] tragédia daquele que luta contra a domina
ção do mecenato, sem ter as condições de público e de mercado do artista da era burgue
sa’ [...]” (Leite Lopes, 1995, p. 161), denunciando, portanto, uma dada lacuna neste apa
rente processo linear de civilização da sociedade ocidental.
36. Outros estudos e observações pontuais, ainda, tais como Araújo, 1980; M iceli, 1977; Lei
te Lopes e Maresca, 1992; Meihy, 1982; Santos, 1990, contribuíram para dimensionar o
fenômeno futebol dentro dos estudos da cultura, desvinculando-o de uma visão mera
mente instrumental de ideologia - futebol como alienação ou salvação.
37. Ainda sobre o tema da violência no futebol, a literatura acadêmica brasileira apresenta um
déficit considerável no que diz respeito aos estudos realizados. Em países como a Inglater
ra, a temática da violência no esporte e, sobretudo, o fenômeno do hooliganism vincula
do ao fenômeno da intolerância racial, consiste num a abordagem que vem sendo estuda
da desde a década de 1970. Mas já temos trabalhos mais tópicos que enfocam os limites
da violência entre torcedores (Toledo, 1996; Gianoli, 1996; Silva, 1996; Pimenta, 1997;
Santos, 1998; Teixeira, 1998; e Damo, 1998).
38. Na perspectiva do drama , então, outros fenômenos de grande impacto social vinculados
ao campo esportivo podem ser interpretados, como a morte e o luneral do piloto de Fór
m ula 1 Airton Senna e a vitória do futebol no Campeonato M undial, ambos em 1994.
Acontecimentos que revelaram, pelas dimensões da festa e do luto, toda a dramaticidade
de se experimentar o sentimento coletivo de nação para um conjunto expressivo da socie
dade brasileira. Momentos em que o sentido da vitória e da derrota, atributos dos espor
tes por excelência, nortearam o sentimento de dor, paixão, perda, por um lado, ou ale
gria, êxtase, paroxismo, recuperação da auto-estima coletiva, por outro. No dia do enter
ro de Senna, um a faixa carregada por populares nas imediações do parque do Ibirapuera,
local onde estava sendo velado o corpo, dizia: “A gente perdeu um piloto e Deus ganhou
Airton Senna”. Nem naquele momento de exacerbada dor por parte daqueles que ali cho
ravam a morte do ídolo, estes torcedores relegaram o sentido recíproco e profundo da ex
periência dos esportes. Todos estavam irremediavelmente derrotados pela fatalidade do
acontecido, porém, Deus ganhara um símbolo nacional, transformado, de certo modo,
em mito de um povo.
39. O pesquisador Arlei Damo (doutorando, UFRGS) também vem trabalhando na sua tese
com a problemática da formação dos atletas profissionais, do “dom à profissão”, tentan
152
do mostrar na filigrana este processo pontilhado de valores e estratégias de tentativa de
conversão para o profissionalismo.
40. A este respeito, as análises de Arno Vogel (1982) sobre a derrota da seleção em 1950 são
profícuas do ponto de vista do entendimento do modelo teórico que analisa o futebol
como drama.
41. Esboçadas, é preciso que se diga, nas considerações de Caillois, embora este autor não te
nha demonstrado empiricamente tais argumentos.
42. O clássico Homo Ludens, de Huizinga, foi que primeiro aproximou estas duas dimensões,
jogo e mito.
43. Se Malinowski mostrou a importância capital do kula como instituição basilar entre os
trobriandeses, é Mauss, entretanto, o autor que demonstrará a dimensão totalizadora que
emana das trocas por reciprocidade, que põem a sociedade como um todo em movimen
to. Talvez seja este autor, entre os chamados “clássicos”, que melhor vislumbrou uma “an
tropologia do cotidiano”. Tal perspectiva difere do relato etnográfico realista, modelo
inaugurado por M alinowski, na medida em que incorpora os vários níveis de significados
que orientam ações, pois, afinal, o que interessa à análise, mais do que constatar a exis
tência de supostas “necessidades básicas” ou “universais humanos”, é atingir “as próprias
coisas sociais, no concreto, como elas são”. Pois, “nas sociedades captamos mais do que
idéias ou regras; captamos homens, grupos e comportamentos”(Mauss, 1974).
44. Estamos cientes da precisão sociológica que o autor quer dar à sua conceituação de vida
cotidiana, contudo, estabelecemos aqui um diálogo para reafirmar os aspectos simbólicos
dessa definição, excessivamente normatizada em sua elaboração original.
45. E M agnani (1998 [1984]), que, tratando especificamente da problemática envolta às aná
lises de discurso e análises semânticas, discute a dimensão do “detalhe concreto” proposto
por Barthes. Segue M agnani: “Barthes (1972) eT irri (1977), por exemplo, analisam alguns
mecanismos retóricos ‘realistas’, entre os quais se destaca o que Barthes denomina de ‘de
talhe concreto’ —um objeto, uma fala, um pormenor qualquer, enfim, que não se justifi
ca nem do ponto de vista do desenvolvimento da ação, nem para a caracterização das per
sonagens: está ali, simplesmente, para produzir o ‘efeito de realidade’ e o faz menos em fun
ção do seu significado do que em razão de sua presença” (M agnani, 1998, p. 55).
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Resumo
Este texto visa realizar um balanço bibliográfico dos principais trabalhos e pesquisas que tem-
atizaram os esportes nas últimas duas décadas, particularmente o futebol, no domínio das
ciências sociais. Expõe, de modo sumário, num primeiro momento, a conjuntura institu
cional em puderam ser desenvolvidas tais pesquisas e, num segundo momento, aponta, na
forma de uma resenha crítica, para algumas das principais correntes analíticas que interpre
taram o fenômeno aludido.
Résumé
Ce texte a pour but de dresser un bilan bibliographique des principaux travaux et recherches
qui ont abordé les sports au cours des deux dernières décennies, particulièrement le football,
164
dans le domaine des sciences sociales. Dans un premier temps, nous exposons, succinctement,
la conjoncture institutionnelle dans lesquelles de telles recherches ont pu être développées ;
puis nous présentons sous la forme d’un recensement critique, quelques uns des principaux
courants analytiques qui ont interprété le phénomène auquel nous nous référons.
Abstract
Soccer and Social Theory: Highlights on the Brazilian Scientific Production (1982-2002)
This text aims to perform a bibliographical balance on the main papers and researches that
have themed sports in the last two decades, particularly soccer, in the domain of social sci
ences. It presents, summarily, at first, the institutional juncture in which such researches could
have been worked out and, secondly, by means of a critical paper, points at some of the main
analytical trends that propose an interpretation to the phenomenon.
165
Perfil Institucional do Núcleo de A ltos Estudos A m azô n ico s (N A E A )
U niversidade Federal do Pará (UFPA)
Edna Castro
167
B1B, São Paulo, n° 52, 2o semestre de 2001, pp. 167-169
pós-graduação. Está composto pelo doutora dos precisam ser estimulados. Esse perfil
do, pelo mestrado e por cursos de especiali inovador da pós-graduação certamente in
zação. O conteúdo programático dos currí fluenciará a melhor aplicabilidade dos resul
culos do mestrado e do doutorado têm avan tados de nossas pesquisas, seu compromisso
çado na procura de uma integração, por com o desenvolvimento regional e um apro
meio de disciplinas obrigatórias e optativas. veitando dos recursos naturais com menor
Este propósito de integração é avaliado siste risco ambiental.
maticamente pelo Colegiado do PDTU for A atividade de pesquisa tem incorpora
mado pelos professores do quadro perma do a orientação do padrão de Grupos de Pes
nente da instituição. O resultado pode ser quisa. O NAEA possui doze grupos de pes
observado pelo tempo de permanência dos quisa, no formato do Diretório de Pesquisa
discentes no programa, com melhoria cres do CNPq, liderados por doutores do corpo
cente no fluxo anual de alunos. As discipli docente permanente da instituição. Além
nas de doutorado e de mestrado são ofereci das pesquisas, nas quais incorporam seus
das semestralmente, visando, ao mesmo orientandos, realizam eventos sobre o tema e
tempo, à formação teórica e ao aprofunda na interface com demais grupos. São os se
mento nas temáticas de dissertações e teses. guintes GPs: Agricultura e Extrativismo na
O programa parte do pressuposto de que é Amazônia; Cooperação Nacional e Interna
necessário construir a interdisciplinariedade cional; Ecologia Social; Estado e Políticas
por meio de um processo de formação que se Públicas; História Social; Inovação Tecnoló
integre à pesquisa. Propõe, assim, uma ava gica; Meio Am biente e Urbanização da
liação contínua entre percursos metodológi Amazônia; Mineração; Trabalho e Socieda
cos da pesquisa pela reflexão teórica, como de; Mulheres, Relações de Gênero e Desen
pela observação de processos reais que se volvimento; Saúde, Trabalho e Meio Am
passam na sociedade, numa perspectiva que biente; Sistemas de Energia Alternativa.
interroga os temas de desenvolvimento e
sustentabilidade ambiental.
Extensão
168
Biblioteca e Centro de Documentação nas mudanças em cursos d’ água etc. Enfim,
sistematizar informações geográficas para
A biblioteca do NAEA, especializadas identificar padrões e tendências no uso do
em áreas amazônicas é uma referência na di solo. 2. Laboratório de Informática - SE-
fusão de informação na região, sendo volta TIM - , objetiva apoiar o processamento de
da em particular à socioeconomia e a áreas informações e os bancos de dados alimenta
amazônicas. Por meio de sua biblioteca, o dos ou organizados pelas pesquisas. Funciona
NAEA mantém intercâmbio com partici com duas redes: a interna e a externa, sendo
pantes de várias redes de bibliotecas às quais que esta se apóia na Home Page como instru
está integrado. mento básico para difusão de dados, e poten
cialmente poderá disponibilizar as imagens
produzidas no Laboratório de Análise Espa
Publicações cial (www.htpp://naea.ufpa.br).
169
Teses e D issertações
171
BIB, São Paulo, n° 52, 2 o semestre de 2001, pp. 171-190
A lmeida, M arcos Farias de
Extermínio Seletivo e Limpeza Social: A Sociedade Brasileira e os Indesejáveis. Mestrado etn An
tropologia Social, Unicamp, 1998, 221 pp. Orientador: José Luiz dos Santos.
Este trabalho estuda a ação de grupos de extermínio na Baixada Fluminense, mais precisamen
te no município de Duque de Caxias. Analisamos a idéia de limpeza social corno uma das ma
neiras de legitimar o assassinato de pessoas. No processo altamente seletivo de construção e ata
que da criminalidade, negros e pobres são identificados como vítimas destes grupos de matado
res. E este trabalho foi desenvolvido com base na concepção de uma história teatral que identi
fica a criminalidade como sendo construída a partir dos espetáculos organizados em nossa socie
dade. Essa perspectiva acompanha o processo que constitui a criminalidade através da articula
ção de questões como poluição, perigo, marginalidade e ordem, e considera o assassinato prati
cado pelos grupos de extermínio a legitimação de uma limpeza social. Esta, vista como uma ne
cessidade de purificação social, tem transformado seres humanos em indesejáveis sociais.
Bahia, Joana
“O Tiro da Bruxa”: Identidade, Magia e Religião entre Camponeses Pomeranos do Estado do Es
pírito Santo. Doutorado em Antropologia, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 2000, 328 pp.
Orientadora: Giralda Seyferth.
O trabalho aqui apresentado é, um estudo sobre as expressões da cultura camponesa dos des
cendentes de imigrantes alemães, oriundos da província da Pomerânia (norte da Alemanha)
no contexto das relações existentes com a sociedade no geral. Isto significa que tem como fio
condutor o modo pelo qual estes camponeses representam a sua cultura e a im portância des
ta na elaboração de um a identidade social e étnica. O m unicípio escolhido foi Santa M aria
de Jetibã, um dos primeiros núcleos coloniais de imigração alemã no Estado do Espírito San
to, localizado a região centro-serrana.
172
Estudo sobre o Partido dos Trabalhadores, PT, no Estado do Maranhão com ênfase no pro
cesso de construção da identidade do partido analisada a partir dos seguintes pontos: sujeitos
sociais e concepções políticas presentes na fundação do PT no MA, onde são destacados estu
dantes políticos oriundos do MDB e trabalhadores rurais; grupos, tendências e dinâmica in-
trapartidária; conflitos em torno da linha política e controle interno; articulação entre traba
lhadores rurais e urbanos; vínculos com as instâncias nacionais e relações do PT-MA com o
ambiente externo: ligações com as lutas sociais, desempenho eleitoral e definição de amigos e
inimigos. Aborda também a atuação do PT-MA à frente das primeiras prefeituras municipais
conquistadas no Estado: Santa Q uitéria, em 1982, e Alcântara, em 1992, consideradas pela
autora vitórias e derrotas eleitorais .
173
Cavalcanti, Rosângela Batista
Cidadania e Acesso à Justiça: O Caso das Promotorias de Justiça da Comunidade. Mestrado em
Sociologia do Direito, Unicamp, 1998, 133 pp. Orientador: Rubem Murilo Leão Rêgo.
O trabalho analisa uma experiência do M inistério Público do Estado do Paraná - as Promo
torias de Justiça da Comunidade - , cuja finalidade é a ampliação do acesso de indivíduos e
grupos de baixa renda às instituições do Sistema Formal de Justiça. Tratou-se de verificar de
que forma uma instituição central do sistema de justiça tem atuado para alargar o acesso aos
direitos de cidadania. A partir dessa experiência concreta, pretendeu-se discutir o alcance e os
limites do acesso ao direito como um mecanismo essencial. Para a efetivação dos direitos for
mais, foram empregados os métodos quantitativo —survey - com integrantes do M inistério
Público Brasileiro e, especialmente, do Paraná, e qualitativo - entrevistas em profundidade
co m os atores que atuam nas referidas promotorias e com a população atendida.
174
radores se relacionam com as mudanças e com os diferentes agentes políticos locais e indican
do algumas condições para a gestão democrática da Reserva.
Crivelli, Ericson
Democracia Sindical no Brasil. Mestrado em Ciência Política, Unicamp, 2000, 243 pp. Orien
tador: Leôncio M artins Rodrigues.
Trata-se de um estudo de caso sobre as possibilidades da democracia nos sindicatos brasilei
ros. O trabalho aponta os limites legais e burocráticos impostos pelo modelo sindical cor
porativo. Elabora um conceito autônomo de democracia para os sindicatos: democracia sin
dical. Para a verificação em pírica toram selecionados vários indicadores de democracia nas
relações internas e externas dos sindicatos. O trabalho conclui pela possibilidade de dem o
cracia na invenção de novos mecanismos para além da estrutura sindical legal. Conclui, ain
da, pela eficácia política possibilitada pela democracia. O conceito mais usado é o da po-
liarquia de Dahl.
175
Dávila, Brenda M aribel Carranza
Renovação Carismática Católica: Origens, M udanças e Tendências. Mestrado em Sociologia,
Unicamp, 1998, 260 pp. Orientadora: Arlete Moysés Rodrigues.
Este trabalho analisa a Renovação Carismática Católica no Brasil. Busca-se compreender: (a)
as diferentes motivações que levam os fiéis católicos a aderirem ao Movimento Carismático;
(b) as condições sociais que permitiram seu enraizamento e crescimento; (c)’ as mudanças e al
terações ao longo de vinte anos; (d) as novidades que introduz no catolicismo; (e) as tendên
cias que apresenta. Este estudo aborda, ainda, as diferenças e as semelhanças entre a Renova
ção Carismática e o Pentecostalismo. Focaliza, também, a tensão existente entre a Renovação
Carismática e a Teologia da Libertação.
D iniz, Simone
As propostas de Legislação Trabalhista e Sindical e o Processo Legislativo no Pós-Constituinte: 1989-
1993. Mestrado em Sociologia, Unicamp, 1998, 95 pp. Orientadora: W alquíria Leão Rêgo.
O trabalho investiga como se articulam na arena institucional os diferentes atores políticos no
tratamento dado às propostas de legislação trabalhista e sindical no período pós-constituinte.
Para tanto, analisamos a dinâmica de funcionamento e a organização do processo legislativo
por meio do sistema de comissão permanente. Demonstramos que a autonomia que o legis
lativo poderia vir a ter para desempenhar suas funções esbarra em uma série de mecanismos
institucionais que cerceiam a esfera de ação dos membros da comissão. Neste contexto, a ação
do Executivo acaba sendo favorecida, pois o formato organizacional adotado no Legislativo
possibilita uma maior agilização e aprovação dos projetos enviados por este poder, mas a ação
do Executivo não está incólume a resistências por parte do Legislativo, principalmente quan
do a matéria em exame impõe perdas a grupos organizados, como ocorre com a legislação sin
dical no exame dessa legislação. Os membros da comissão de trabalho souberam se valer de
estratégias procedimentais para rejeitar o projeto de reestruturação sindical apresentado pelo
presidente Collor.
176
Unicamp). O estudo perm itiu concluir que parte significativa dos docentes tem aceito, no
âmbito sindical, a luta reivindicativa e a greve como instrumento de pressão. Entretanto, esse
sindicalism o mostra-se lim itado pelo apego à meritocracia, que se revela sobretudo na defe
sa da hierarquia salarial e na adoção do sindicalismo corporativista segmentado pela profis
são. Os lim ites impostos pela ideologia da m eritocracia im primem às entidades docentes um
comportamento invariavelmente moderado no que se refere à atuação sindical.
177
blematizando seus argumentos e estratégias e os efeitos específicos e conjugados de suas inter
venções. Nos dois casos, acusações a “seitas” e à IURD implicam a contestação de seu estatu
to de “religiões” e levantam questões relativas à “liberdade religiosa”, o que torna mais contro
verso o modo privilegiado de acesso aos dispositivos históricos de definição e de regulação do
“religioso” nas sociedades francesa e brasileira. Essa abordagem, que pretende apontar para
certos aspectos da constituição e do funcionamento de ambas as sociedades, assenta-se sobre
uma reconsideração das relações entre religião, Estado e modernidade.
178
tcgorias de posições na ocupação e categoria de emprego, procura-se entender o processo de
mobilidade ocupacional c social dos migrantes no mercado de trabalho paulista entre 1980 e
1993 e avaliar em que medida a migração proporcionou alternativas de inserção laborai qua
litativamente melhores para quem a empreendeu cada vez mais no contexto da conjuntura
crescentemente desfavorável e instável do mercado de trabalho paulista a partir de 1980. Nes
te contexto de mudanças estruturais e repleto de variações cíclicas e anti-cíclicas expressivas,
os chefes migrantes viriam enfrentar dificuldades crescentes de se inserir ou de se manter em
pregado no mercado de trabalho paulista, especialmente aqueles que empreenderam m udan
ça mais ao final da década e nos anos 1990, aqueles menos qualificados ou de menor escola
ridade, aqueles que partiram de uma situação mais vulnerável (em desocupação) ou de'inser
ção laborai em setores tradicionais (agropecuária, serviços, construção civil), que se destina
ram ou residiam na região metropolitana. As taxas de desocupação destes migrantes se am plia
ram de forma bastante significativa no período, assumindo patamares invariavelmente maio
res nas etapas migratórias, por conta das dificuldades iniciais da chegada na localidade de des
tino. Com maior conhecimento do mercado de trabalho, das oportunidades oferecidas, do
mercado de bens e serviços, da conquista de alguns atributos “credencialistas” na localidade
de destino —como o tempo de residência —os riscos à desocupação dim inuíam , assim como
a inatividade por desalento. M igrantes mais jovens e mulheres , com participação crescente na
mão-de-obra migrante, também estiveram mais propensos à condição de desocupado,, como
reflexo de tendências mais gerais observadas no mercado de trabalho.
179
tre assimilacionismo e multiculturalismo. Tentarei mostrar que o uso dessas duas noções se
justifica, na verdade, sob a condição de que sejam parte de um discurso nativo, quer dizer,
componentes intrínsecos das formulações de um conjunto de agentes sociais: administradores
coloniais, missionários, educadores, etnógrafos etc. Procuro analisar a forma como esses agen
tes pensaram e pensam o mundo sociocultural moçambicano e sobre como, simultaneamen
te, procuraram intervir na vida dos grupos que compõem esse mundo: seja através de missões
civilizadoras e assimilacionistas, seja através da aplicação de determinadas políticas educativas.
M ardini, A ndréa
Tecendo Limites na Foz do Breu, Alto Juruá, Acre, Brasil. Mestrado em Antropologia, Unicamp,
1998, 220 pp. Orientador: Mauro W illiam Barbosa de Almeida.
O objetivo desse trabalho é narrar a ocupação da fronteira brasileiro-peruana, acompanhan
do seringueiros e agricultores em diferentes locais da Reserva Extrativista do Alto Juruá e des
tacando processos de ocupação do espaço e de formação de redes sociais. Procuro chamar a
atenção do leitor para dois assuntos: a execução de um recorte etnográfico e a diversidade das
estruturas e morfologias sociais que brotam do recorte alinhavado pelo pesquisador, sujeito de
uma versão dos fatos. No segundo capítulo, analiso como narradores, historiadores, antropó
logos e moradores constroem versões diferentes sobre os mesmos fatos, refletindo, também,
nas narrativas, nas concepções e nas estratégias particulares. No terceiro capítulo, o foco são
as formas de classificação espacial, local e “de fora”. No caso da Foz do Breu, os limites terri
toriais são criados por redes de alianças assimétricas. Na colocação de seringueiros do Depó
sito do São João, uma colocação “de centro”, os laços entre as casas são realimentados por tro
cas simétricas. No quarto capítulo, observo como os seringueiros classificam as pessoas em ca
tegorias que refinam, com nuanças e matizes diferentes dos nossos, as gradações de idade e de
status dos indivíduos: o caráter processual da vida das pessoas, a complexa transição dos indi
víduos por categorias sociais. No quinto capítulo, as relações de aliança, simétricas e/ou assi
métricas, apontam para formas diferenciadas de gerir o espaço, o poder e o status na região.
180
Esta tese analisa detalhadam ente a política pública de saneamento básico no Rio de Janei
ro entre 1975 e 1996. Partindo de uma extensa pesquisa em pírica dos investimentos reali
zados pela empresa concessionária —a Cedae —, são analisados os aspectos temporais e es
paciais da política de investimentos, assim como a distribuição dos contratos da companhia
com empreiteiras e projetistas. Esses resultados e processos são cotejados com as explicações
correntes encontradas na literatura de estudos urbanos e políticas públicas, com o objetivo
de mostrar a incapacidade desses quadros analíticos de dar conta dos fenômenos observa
dos. Uma explicação alternativa é então construída por meio de uma análise detalhada dos
padrões de relações interpessoais presentes na com unidade profissional da área de sanea
mento. Para tal, submetemos os resultados de inúmeras entrevistas com profissionais do se
tor a técnicas de análise de redes sociais que nos permitem acom panhar a constituição e a
transformação do campo profissional do setor. Nossa abordagem mostra como os padrões
de relacionamento da com unidade e sua dinâm ica explicam o desenrolar da política públi
ca e a consolidação da Cedae como organização. Os padrões de relação entre Estado e so
ciedade também são explicados por essa rede, sugerindo que a associação de políticos e em
preiteiras com partes da burocracia técnica da empresa é originária dos mesmos padrões que
explicam a coesão da organização estatal.
181
micas e a garantia de emprego e renda às famílias de trabalhadores rurais beneficiárias da Re
forma Agrária.
182
Após a introdução, onde são apresentados os pontos principais da tese, passa-se a descrição
propriamente dita, começando pela música nas igrejas, analisada em contraponto com a ati
vidade religiosa. Segue-se a descrição das atividades nos teatros, englobando a' música lírica,
zarzelas, operetas, revistas e concertos. Na sequência, é apresentada a música em clubes e as
sociações; música em manifestações populares (música de escravos, bandas de música, serena
tas e casamentos), concluindo com o capítulo referente à educação musical. Existe ainda um
capítulo intitulado “Trajetórias”, que descreve a vida dos músicos que atuaram na cidade, em
especial, da Família Gomes, clã musical que dominou a vida artística na cidade naquele pe
ríodo, onde as figuras predominantes eram Carlos Gomes e seu irmão José Pedro de Santana
Gomes. Trata-se de um trabalho que analisa a atividade musical em seu aspecto social e an
tropológico, procurando por meio da interdisciplinar, descrever uma sociedade cuja vida mu
sical suplantava muitas outras no período abordado.
183
Pires, A ndré
Velhos em Revista: Envelhecimento e Velhice nas Páginas de Cláudia e Playboy (Anos 80 e 90).
Mestrado ern Antropologia, Unicamp, 1998, 172 pp. Orientadora: Guita Grin Debert.
A pesquisa de que se originou a dissertação de mestrado teve como objetivo analisar o modo
como a velhice, o envelhecimento e os velhos são concebidos por duas revistas brasileiras con
temporâneas de circulação nacional - Cláudia e Playboy —, voltadas, respectivamente, ao pú
blico feminino e masculino. Foram lidos e classificados todos os exemplares das duas revistas
em dois intervalos de tempo: década de 1980 e de 1990. O exame do material analisado cons
tatou que a relação gênero e avanço da idade é construída de forma diversa pelas revistas de
acordo com a situação. Em matérias sobre cuidados com o corpo para combater o envelheci
mento, na relação entre pais que dependem de filhos adultos, nas relações de trabalho que tra
tam da aposentadoria pública, por exemplo, o avanço da idade é tido como algo problemáti
co e constitui-se num marcador fundamental para definição dessas relações. Em outras situa
ções como, por exemplo, nas relações de trabalho que não envolvem aposentadoria e nas re
lações entre pais e filhos tidas como igualitárias, a idade mais avançada se combina com ou
tras marcações sociais. Por último, há certos contextos, como na relação entre casais que en
volve satisfação sexual e nas relações com o corpo para homens, em que o avanço da idade se
torna um benefício.
184
O estudo analisa o toyotismo, como paradigma tecnológico, a partir do exame de um setor
da força de trabalho menos considerada na literatura: o trabalhador imigrante brasileiro. A
partir de dados secundários, pesquisa bibliográfica e algumas entrevistas, levantamos as con
dições de trabalho e de vida destes trabalhadores. Procuramos encontrar chaves para a com
preensão da estratégia de poder responsável pelo salto econômico japonês no pós-guerra e
concluímos pela ocorrência, no âmbito do toyotismo, de uma parcela importante do operá
rio imigrante em condições precárias de trabalho e de vida.
185
índio, no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico N acional. M arina ocupou, durante
dezesseis anos —tornando-se, depois da Reforma Universitária, professora titular —a cáte
dra de Antropologia e Etnografia da Faculdade N acional de Filosofia, Universidade do Bra
sil, e vivenciou os primeiros esforços de formulação e manutenção da Universidade em nos
so país. A m ultiplicidade das “redes de interações” de Heloísa e M arina, suas alianças e con
frontos, perm ite observar como os papéis sociais assumidos pelas personagens foram inces
santemente redefinidos e como, nesse sentido, a própria sociedade deve ser entendida como
um a “teia de acontecimentos”, isto é, em seu dinam ism o, em suas relações m ínim as entre
os indivíduos, cuja repetição contínua fundam enta as grandes formações objetivas que aca
bam por apresentar uma história própria.
Rohden, Fabíola
Uma Ciência da Diferença: Sexo, Contracepção e Natalidade na M edicina da Mtdher. Doutora
do em Antropologia, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 2000, 431 pp. Orientador: Luiz Fer
nando Dias Duarte.
Este trabalho trata da constituição de um saber médico preocupado com a sexualidade e a re
produção que se concentra na formação da ginecologia no século XIX. Esta especialidade, lon
ge de ser apenas mais um desenvolvimento técnico-científico, constitui um conjunto de ideais
e perspectivas de intervenção bastante amplos. Destaca-se uma preocupação com a definição
da diferença entre os sexos e o predomínio da função reprodutiva para a vida das mulheres.
Além disso, formula-se um conhecimento específico sobre as perturbações relativas à busca da
satisfação sexual sem o objetivo da procriação, fora do casamento e dos padrões de sexualida
de considerados normais. Também as mulheres que recorrem ao uso de métodos contracepti
vos e à prática de aborto e infanticídio são alvo da atenção dos médicos. Essas preocupações
acentuam-se, a partir das primeiras décadas do século XX, na medida em que a questão da po
pulação se torna um problema político estratégico, determinante para o futuro da nação bra
sileira. Para dar conta desse quadro, são analisadas tanto a produção médica do período
(1830-1940), especialmente as teses das Faculdade de M edicina do Rio de Janeiro e outros
documentos, quanto as polêmicas públicas envolvendo os temas referidos; além de processos
e inquéritos relativos aos crimes de aborto e infanticídio. O foco privilegiado é a tematização
de um projeto social calcado na manutenção de rígidas diferenças entre os gêneros e as con
dições de sua implementação por parte destes médicos.
186
Sasaki, Elisa Massae
O Jogo da Diferença: A Experiência Identitária no M ovimento Dekassegui. Mestrado em Socio
logia, 1998, Unicamp, 219 pp. Orientadora: M aria Teresa Sales de Melo Suarez.
O Movimento Dekassegui refere-se aos descendentes de japoneses que se dirigem ao Japão, desde
os meados da década de 1980, para trabalhar temporiariamente como mão-de-obra barata e não
qualificada. Nesse estudo, tentamos entender como operam as negociações de identidades numa
experiência migratória vivenciada pelos dekasseguis. Para tal, foi realizada uma pesquisa de cam
po, entrevistando os dekasseguis que retornaram ao Brasil após sua experiência no Japão.
187
ram e da diversidade de situações que atravessaram, tentou-se mostrar a variabilidade que envol
vem essas situações, muitas vezes reduzidas a categorias generalizantes e empobrecedoras.
Focalizamos (além das histórias de vida e trabalho das pessoas) a importância da elaboração de
mitos e atividades ritualizadas nos processos de constituição de grupos e identidades específicas.
Sosa, Ruth
Crise do Foraismo ou Crise do Capital? Para uma Análise Gramsciana dos Aparelhos de Hegemo
nia no Capitalismo Contemporâneo. Mestrado em Sociologia, Unicamp, 1998, 336 pp. Orien
tador: Edmundo Fernandes Dias.
Trata-se de um estudo de caráter histórico-teórico que objetiva abordar a unidade orgâni
ca entre processos de trabalho e aparelhos de hegem onia. Visando a apreender as atuais
mutações do chamado “mundo do trabalho” - processo com binado a reformulações na or
ganização da vida estatal - nos propusemos a fazer um a reconstrução histórica das duas
“grandes reestruturações” do capitalism o do século XX, a saber, o taylor-fordism o, m edia
do pelas estratégias de classes que configuraram a cham ada ordem hegem ônica fordista-
keynesiana, passando por um a análise da crise que começa por volta dos anos de 1960 e
1970 e se estende até os dias de hoje, e a reestruturação produtiva dela decorrente, con
substanciada à ofensiva neoliberal na esfera da política. Buscando fazer uma crítica ao eco-
nomicismo dom inante, utilizam os recursos analítico-estratégicos do m arxista italiano An-
tonio Gramsci, resgatando categorias-chave necessárias à elaboração desta pesquisa. Entre
elas, o conceito de crise orgânica , hegem onia e revolução passiva ganham relevância.
188
Esta é uma tese sobre a capoeira, sua organização social e significados culturais, estudados tal
como têm-se manifestado nas últimas décadas do século XX. A pesquisa permitiu-me estudar
a capoeira cm um período sociologicamente importante, que é o de sua enormé difusão por
todo o Brasil e, mais recentemente, para mais de cinqüenta países em todo o mundo. Os
EUA, país aonde complementei o trabalho de campo já realizado no Brasil, servem, nesta tese,
como comparação para a análise sobre a difusão da capoeira para outras sociedades e culturas.
No texto, encontram-se materiais de diversos tipos, produzidos pelos próprios capoeiristas,
além de dados provenientes do trabalho de campo e das informações etnográficas que forne
cem os trabalhos já realizados sobre a capoeira. Analisamos as continuidades e as descontinui-
dades na organização da capoeira e os significados que a ela são atribuídos ao longo do tem
po entre o Brasil e os EUA.
Vecchioli, V irginia
Os Trabalhos pela M emória: Um Esboço do Campo dos Direitos Humanos na Argentina através
da Construção Social da Categoria Vítima do Terrorismo de Estado. Mestrado em Antropologia
Social, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 2000, 94 pp. Orientador: Federico Neiburg.
Esta dissertação tem como propósito examinar o processo de construção de um monumento
às vítimas do terrorismo de Estado na cidade Buenos Aires. Mostramos os esforços dos diver
sos agentes que participam do projeto (parlamentares, familiares das vítimas, militantes pelos
direitos humanos, antropólogos) por consagrar uma categoria social: a de vítim a do terroris
mo de Estado, e traçarmos seus limites: a categoria inclui os assassinados e desaparecidos como
conseqüência do terrorismo de Estado no período de 1970-1983. Através da pesquisa de cam
po e do material documenta] coletado sobre o monumento, analisamos como é construída so
cialmente esta categoria a partir de práticas específicas e segundo princípios singulares de com
preensão do mundo. Neste trabalho, os indivíduos que participam do projeto são, ao mesmo
tempo, objetivados como grupo e como agentes autorizados no campo dos direitos humanos.
189
se saber o que significavam as mudanças que direcionavam as pesquisas sociológicas para o es
tudo dos imaginários sociais. Para tanto, procurou-se analisar quais eram as tradições socioló
gicas da Europa e dos Estados Unidos que mais influência tiveram nas mudanças sofridas pela
sociologia brasileira. A análise dos artigos brasileiros e dessas tradições sociológicas revelou a
presença de um retorno de correntes interpretativas que, por sua vez, traziam uma forte in
fluência do romantismo europeu.
190
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