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Richard Wollheim: A teoria do Ver-Em (continuação)

Perceção expressiva

Acta da Aula 30.11.2020

Helena Freitas Gonçalves nº89732


Teoria do Ver-Em (Continuação)
Na procura de vantagens explicativas, Wollheim explora a capacidade da teoria
do ver-em, enquanto teoria geral da representação, capaz de explicar eficazmente a
elucidação da natureza da representação pictórica. Desta forma, Wollheim reconhece
e isola três questões particulares que considera fundamentais para que qualquer
teoria da imagem deva poder responder. Em primeiro lugar distinguir o que é e o que
não é uma representação; em segundo lugar qual é o domínio do representável e em
terceiro lugar o que é que torna uma representação graficamente verosímil, realista,
naturalista, verdadeira.
1. O que distingue uma representação?

Para Wollheim a teoria do ver-em permite distinguir mais facilmente a


representação pictórica de casos ambíguos, onde alguma literatura discute
sobre a questão de saber se de facto se qualificam como verdadeiras
representações.
Símbolos gráficos, mapas ou logótipos não devem qualificar-se como
representação, precisamente porque para o autor está em falta a dimensão
configuracional. Uma vez que a consciência das marcas na superfície não são
relevantes para o seu funcionamento simbólico.
Neste sentido, para Wollheim até mesmo a arte abstrata deve ser incluída no
domínio da representação. Visto que a teoria do ver-em e a representação
pictórica rejeitam a existência de qualquer diferença de natureza entre a
representação e a pintura abstrata. Sendo que a atribuição de um carácter
representacional à pintura abstrata é inteiramente justificada pelo dualismo
inerente à sua perceção, a qual implica a presença de marcas superfície (a
noção de superfície atrás de superfície, por exemplo) ou a ilusão da
tridimensionalidade, que Wollheim entende por “consciência de profundida”.
No entanto, tal não significa que toda a arte abstrata deva ser qualificada como
representacional. Na verdade, existem quadros abstratos que impedem a visão
dual que correspondem á teoria do ver-em. Tais como o expressionismo
abstrato de Newman (Vir, Heroicus Sublimis, de Barnett Newman, 1950-51) que
representa apenas puras superfícies sem qualquer expressão de profundida ou
a pintura trompe l’oil (ilusão ótica apenas visível a partir do momento em que o
observador esquece a superfície).

2. O que pode ser representado?

Só podemos representar o visível, tudo aquilo que está diante de nós. Contudo,
Wollheim desafia a legitimidade dessa resposta substituindo-a pela teoria do
ver-em. Não deve ser o simples ato de ver, guia como critério responsável para
aquilo que pode ser representado, mas o ver-em. Considerar o visível como
condição necessária para a representação, segundo Wollheim constitui uma
limitação excessiva, indevida sobre aquilo que pode ser representado.
Richard Wollheim recordava o ensaio de Lessing, precisamente o ilustre
Laocconte, como forma de desmontar este conceito aparente. Onde, segundo
Lessing os limites da representação se cofundem com os limites da visão.
Todavia, a esfera visual é maior do que as prescrições nela constituintes
permitindo afirmar ser visível algo mesmo quando existem partes do objeto
que não estão representadas; a seleção da assimilação, mesmo que parecidas e
que em outras condições não seriamos capazes de distinguir e o
reconhecimento de uma ação mesmo que não a consigamos identificar. Como
podemos testemunhar nestes três exemplos que transcendem os limites
representáveis derrubando as orientações de Lessing.

Frans Hals, Banquete dos Oficiais da Guarda Civil de S. Jorge, 1616

Tornando-se possível afirmar a representação do coronel da Guarda de São


Jorge, pelo pintor neerlandês Frans Hals, mesmo que metade do seu corpo não
seja visível no quadro.

Ou o anjo por detrás do órgão, na Adoração do Cordeiro Místico de van Eyck,


apesar de serem visíveis apenas pequenos indícios do anjo (como uma parte do
seu vestido ou as manchas que representam o seu cabelo).
Jan van Eyck, A Adoração do Cordeiro Místico (painel do Coro), 1432

Assim como também é plausível anunciar a presença de um papagaio vivo na


Mulher com Papagaio, de Manet ainda que seja indistinguível de um papagaio
morto.

Édouard Manet, Mulher com Papagaio, 1866


E finalmente como forma de “corrigir” o próprio Lessing, podemos afirmar com
propriedade que vemos em certo sentido o grito de Laocconte ou até mesmo a
ação de Pálas Atenas enviando as serpentes para matar o sacerdote e os seus
filhos, mesmo que a uma distância de quilómetros.

Agesandro, Atenodoro e Polidoro, Laocoonte, 40ac – 37 dc


Desta forma, Wollheim defende que é indevido classificar o visível como única
marca para o representável. Na verdade, segundo o filósofo, a separação entre
o visível e o representável está no modo como categorizamos os vários tipos de
representação. Para isso Wollheim propõem desde logo duas grandes
demarcações: a demarcação na representação de eventos e a demarcação na
representação de objetos; e uma segunda demarcação que corresponde à
distinção entre representação de objetos e eventos particulares como a
representação de objetos e eventos que são apenas de uma espécie.

De acordo com a primeira distinção, o retrato de Madame Brunet, de Manet


representa um individuo particular, assim como o quadro de Velasquez A
Rendição de Breda, um evento historicamente específico.
Édouard Manet, Madame Brunet, 1860

Velasquez, A Rendição de Breda, 1635

Já no caso de La Prune, de Édouard Manet, em que é vivível a representação de


uma menina a comer uma ameixa, o nome do quadro sintomaticamente
relaciona-se mais com a sua atividade do que propriamente com o retrato da
jovem francesa. Tratando-se assim de uma representação de objeto de uma
certa espécie, sendo um tipo que está a ser representado e não propriamente
uma individualidade.

Édouard Manet, La Prune, 1877

Por isso, o visível fica aquém das possibilidades do representável. Esta


demarcação entre objetos particulares e objetos que são apenas de uma
espécie não ocorre sobre aquilo que realmente vemos, mas na representação.
Encontrando-se dependente das intenções do artista.

3. De que falamos quando falamos do realismo da representação?

Outra questão importante que Wollheim tenta responder a partir da teoria do


ver-em, está relacionada precisamente com o realismo da representação.
Qualidade reconhecível em algumas representações pictóricas por parte do
espectador em que por vezes se torna difícil de verbalizar, acabando por se
traduzir por termos como naturalismo, realismo ou verosimilhança gráfica.
Sobre este ponto, Wollheim acredita que a ligação entre ver-em e
representação é capaz de produzir uma explicação de maior eficácia.
As clássicas explicações do naturalismo pictórico centram-se sobretudo no
reconhecimento do objeto na superfície marcada, negligenciando assim o seu
aspeto configuracional. Porém, para Wollheim o naturalismo não se pode
explicar em termos de relações de semelhança, dado o seu carácter
improvisatório.
Para o autor, a explicação para o naturalismo encontra-se de novo na relação
entre o aspeto do reconhecimento, o facto de reconhecermos um objeto numa
superfície e o aspeto configuracional (as marcas na superfície). É a relação
entre os dois, que segundo Wollheim estabelece a reação naturalista.
Existem inúmeras formas de conseguir a verosimilhança gráfica, o realismo na
representação. Onde ao longo da História, cada época redescobriu este efeito
naturalista. Como podemos verificar no caso do Retrato de uma Senhora, de
Rogier van der, c.1460; na Natureza Morta, de Henri Fanti-Latour de 1866 ou
até mesmo no retrato de Dora Maar, de Picasso em 1937. Wollheim refere
algumas dessas estratégias naturalistas, que atraem a atenção do espectador
para a superfície marcada: a descoberta do jogo de perspetiva na pintura
italiana do século XV, ou a descoberta das leis da perspetiva clássica. O
aprimoramento do detalhe notório ao nível da pintura a partir da segunda
metade do século XIX; o trabalho sobre o contorno ou a ausência do mesmo,
como por exemplo as experiências de Cézanne sobre a série Os Banhistas; o
trabalho do pincel ou a sua ausência que ganha grande importância na Painting
as na art ou os cambiantes cromáticos.
E assim tanto podemos falar de realismo ou naturalismo no Retrato de uma
Senhora de Van der como no retrato de Dora Maar de Picasso. Onde não existe
nenhuma razão para recusar ou para criarmos exclusivamente um critério de
maior ou menor naturalismo, uma vez que este é entendido sobretudo como
uma estratégia criada pela ligação particular entre o aspeto configuracional, as
marcas na superfície e o objeto que está a ser representado.

Rogier van der Weyden, Retrato de uma Senhora, c.1460


Henri Fantin-Latour, Natureza Morta, 1866

Picasso, Dora Maar, 1937

Perceção expressiva
Afastando-nos um pouco da teoria do ver-em, existe uma outra dimensão da
teoria de Wollheim a que ele chama de perceção expressiva. Perceção expressiva
constitui uma importante capacidade percetiva dedicada à representação pictórica.
Tratando-se da relação direta dos mecanismos cognitivos com as emoções,
sentimentos ou estados de espírito. Wollheim estabelece um paralelismo entre a
teoria do ver-em e representação com a perceção expressiva; tal como o ver-em
precede a representação, a perceção expressiva precede a própria experiência da
pintura. Wollheim começa por distinguir duas experiências emotivas bastante
recorrentes no nosso quotidiano. A primeira consiste na projeção de uma emoção
particularmente intensa (tanto eufóricas como disfónicas) sobre aquilo que nos rodeia.
De certa maneira, existe uma filtração para o exterior em prol desse estado emocional.
Já o segundo fenómeno é quase diametralmente oposto ao primeiro e ocorre, segundo
o exemplo do autor, quando no decorrer de uma viagem surgir subitamente uma
extensão de uma paisagem que reproduz em nós um determinado estado de espírito.
Ou seja, existe uma correspondência súbita entre a desolação da paisagem e o nosso
estado de espírito que é caracterizado por uma introjeção, um influxo a partir do
exterior.
A perceção expressiva está mais próxima com o fenómeno da introjeção, no entanto
Wollheim acrescenta duas características à projeção. Primeiramente, assim obtida
uma emoção a partir da observação, esta funde-se com a sua perceção. Isto é, a
perceção não se limita apenas a invocar uma emoção (sendo possível distinguir entre
as duas) mas parte de uma integração profunda, misteriosa entre a perceção e a
emoção. Em segundo lugar, a perceção expressiva também se define pela projeção do
fluxo dos nossos sentimentos para aquilo que percecionamos.
Existem dois casos concretos de projeção afetiva que podem suceder de uma forma
simples ou de uma forma complexa. No caso da projeção simples, é clara a existência
de uma espécie de catarse, onde o sujeito transmite um determinado estado de
espírito sob um objeto particular, resultando num alívio desse sentimento, numa
descarga emocional. Na projeção complexa existe uma projeção afetiva não sobre um
objeto em particular, mas sobre o mundo em geral. Não se caracteriza por uma
filtração como na projeção simples, mas numa experimentação do mundo como
formando um conjunto com a emoção que projetamos sobre ele.
Outro aspeto importante no caso da projeção simples é que a emoção que o sujeito
tem sobre o objeto mantem-se a mesma desde o início. Um exemplo clássico desse
tipo de objetos que suportam a projeção simples é o salgueiro chorão. Representativo
do choro, o salgueiro apresenta várias características como o formato debruçado sobre
ele próprio, o facto de se situar normalmente junto de cursos de água como também
os vários nódulos que se assemelham a pequenas gotas de água nos ramos que
aparecem na primavera, induzem essa ideia de tristeza, melancolia ou nostalgia. Já no
caso da projeção complexa, o sujeito não apreende o mundo como imbuído dessa
emoção inicial. A emoção projetada no mundo não é aquela detetada nele mesmo,
esta apenas acaba por tingir toda a experiência naquilo que nos envolve.
Por outro lado, a projeção simples é relativamente arbitrária, no sentido em que não é
relevante as características do objeto sobre as quais se projeta a emoção, e transitória,
isto é, uma vez não justificada é apta de desaparecer tão depressa quanto começou.
Também não existe uma explicação linear, concreta para o facto de determinadas
partes do mundo ou determinados objetos suportarem melhor que outros esta
projeção subjetiva. Não há de facto uma demarcação rigorosa, exclusiva entre a
emoção projetada e as características do objeto.
Tudo o que sabemos é que existem vários fatores como culturais, subjetivos, históricos
… que podem influenciar essa transmissão, essa projeção. Então, Wollheim descreve
este processo como um processo de tentativa erro, onde a dificuldade em explica-lo
aumenta pelo facto da projeção se basear na fantasia.
Para insistir na perceção expressiva como um fenómeno percetivo, Wolheim tem que
em primeiro lugar se demarcar de duas tendências opostas na teoria estética das
emoções na arte. Uma tendência meramente linguística e uma outra designada
antropomorfista. Segundo a primeira tendência, Wolheim considera que os predicados
de emoções aplicados ás obras de arte são apenas um fenómeno linguístico ou
metafórico, que de fato as obras não são elas mesmas dotadas de expressividade
acabando por criar um desdobramento do conceito. Por sua vez, a tendência
antropomorfista defende este desdobramento, o da emoção subjetiva e o da
propriedade objetiva. Levando à conclusão absurda de que o sujeito acabaria por
acreditar que o mundo “pensa e sente como nós”.
Portanto entre esta conceção de expressividade e a conceção antropomorfista ou
expressionista, que considera que os quadros estão realmente dotados, Wollheim
propõe a sua perceção expressiva. Perceção expressiva que funciona para a expressão
como o ver-em funciona para a representação. Aquilo que distingue a perceção
expressiva da expressão, tal como aquilo que distinguia o ver-em da representação é o
facto de ambas introduzirem num determinado momento um critério de correção que
decorre das intenções do artista.

No caso do quadro de Gaspar David Friedrich, Das Große gehege, perto de Dresden de
1832, existe uma forma correta de ver, ainda que seja difícil de verbalizar. E da mesma
maneira que para a representação, a agenda intencional do artista deve incluir relatos,
entrevistas, sentimentos e emoções que este possa ter enfrentado ou expressado
enquanto a elaboração do quadro.
Apesar desta importância de assumir como intenções relevantes na conceção para a
constituição desse critério de correção expressivo, Wollheim recusa o princípio de
Tolstoí sobre a transmissão das emoções através da arte. Nesse sentido, a relação
entre a emoção e a obra seria a mesma entre a relação da emoção e a ação por ela
ativada. Contudo, a expressão pictórica é consideravelmente diferente da ventilação
de emoções por três aspetos: Em primeiro lugar Wollheim recusa o princípio da
experiência de Tolstói, ou seja, a tese segundo a qual o artista tem de ter sofrido
efectivamente, de alguma forma, a emoção para que ela possa ter causado a obra. Em
segundo lugar, a expressão pictórica é o resultado, devidamente controlado e
calibrado, de uma reflexão sobre a emoção, não de uma simples vibração ou
ventilação emocionais. Em terceiro lugar, a expressão pictórica não é “reactiva às
circunstâncias” e não surge como mero resultado de um estímulo interior ou exterior.

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