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[...

] o evangelho de Deus, o qual foi prometido por Ele de antemão por meio
dos seus profetas nas Escrituras Sagradas (Romanos 1:1b,2)

Paulo inicia sua carta aos romanos, mencionando que o Evangelho, que seria
apresentado ao longo dessa carta, já fora prometido pelos profetas e está registrado
nas Escrituras, não em qualquer escritura, mas nas Escrituras Sagradas. Essas
Escrituras Sagradas, às quais ele se refere, é o que conhecemos hoje como “Antigo
Testamento”.
Essa introdução que Paulo faz é muito importante, pois demonstra que o
Evangelho a ser apresentado por ele não é mera filosofia inventada por homens, mas
algo que o próprio Deus prometeu, pois a Sagrada Escritura é a palavra de Deus.
Dessa forma, como Paulo embasa a autoridade do Evangelho na Sagrada
Escritura, é de extrema importância, não apenas para esse estudo, mas para nossas
vidas, entendermos qual a sua natureza e autoridade. Por isso, passaremos a
estudar, brevemente, sobre isso nos próximos parágrafos.
Para iniciarmos nossa reflexão sobre a Sagrada Escritura é importante
pensarmos na seguinte questão:

É possível ao homem conhecer a Deus?

Louis Berkhof diz que “Deus é incompreensível. O homem não pode conhecê-lo
como ele é nas profundezas de seu ser divino [...] É impossível ao homem ter um
conhecimento de Deus, porque para possuí-lo teria que ser maior que Deus”.
Berkhof afirma que qualquer conhecimento que podemos ter de Deus só é
possível por meio da revelação dada pelo próprio Deus. Sem essa revelação, não
poderíamos conhecê-lo. Em outras palavras, não podemos estudar ou conhecer
diretamente Deus, mas a revelação que ele fez acerca de si mesmo. É impossível
estudar Deus, dada a infinita distância entre Ele e o homem.

Como Deus se revela ao homem?

O Salmo 19 nos apresenta 2 formas por meio das quais Deus se revela a nós:
(i) revelação geral ou natural (Sl 19:1-6): Deus se revela por meio
das coisas que Ele mesmo criou. Sua criação proclama que Deus existe e é o
criador glorioso. A carta aos Romanos, no capítulo 1, verso 20, revela que as
coisas criadas manifestam claramente que existe um Deus poderoso, eterno e
criador. Entretanto, ao olharmos para o Salmo 19:1-6 e para Romanos 1:21,
verificamos que essa revelação, por si só, não é suficiente para levar o homem
ao pleno conhecimento da vontade de Deus e para levá-lo a adorar esse Deus.
Isso ocorre não porque essa revelação seja imperfeita, mas porque o homem
deturpa essa revelação em seu coração insensato, conforme revelado no texto
da carta aos romanos, capítulo 1, versos de 21 a 23.

Sobre a capacidade do homem entender a Deus, João Calvino diz


o seguinte

“A vaidade, unida à soberba, mostra-se nisso: os homens


miseráveis, na busca de Deus, não se elevam acima de si, como
seria esperado, mas querem medi-lo segundo a dimensão de
seu entorpecimento carnal. Negligenciada a verdadeira
procura, passam por alto, por curiosidade, a vãs especulações.
E, assim, não aprendem a Deus tal como Ele se oferece, mas o
imaginam tal como o fabricam com sua temeridade. Aberto
esse abismo, para onde quer que movam o pé, é necessário
sempre mergulharem, como de precipícios, na ruína. Depois, o
que quer que realizem para o culto ou ao serviço a Deus, não
podem consagrar a Ele, porque em seu lugar cultuam, não Ele
mesmo, mas antes a ficções e sonhos de seus corações.” (As
Institutas da Religião Cristã, livro 1, capítulo IV, pg. 47)

(ii) revelação especial (Sl 19:7-14): lei, testemunhos, preceitos,


mandamentos, ordenanças são termos apresentados nesse salmo, que se
referem à revelação escrita de Deus, a Sagrada Escritura. Diferente da
revelação geral, a revelação escrita não se detém em revelar, sem palavras, a
glória de Deus nas coisas criadas, mas tem o poder de, além de revelar a
vontade de Deus, revigorar a alma, tornar sábio o homem, dar alegria ao
coração, trazer luz aos olhos, advertir os servos de Deus, havendo grande
recompensa na sua obediência.

O apóstolo Paulo, em sua segunda carta dirigida à Timóteo, no


capítulo 3, versos 16 e 17, menciona que a Escritura Sagrada pode
tornar o homem sábio para a salvação, pela fé em Jesus Cristo, sendo
inspirada por Deus e tendo como proposito o ensino, a repreensão, a
correção e a educação na justiça, para que todo o homem seja perfeito
e habilitado para toda a boa obra. Em sua carta aos romanos, no
capítulo 10, verso 17, Paulo afirma que a fé vem pelo ouvir a palavra de
Cristo.

Por fim, conforme o que é dito em Hebreus 1:1-3; Colossenses 2:9


e no Evangelho de João 14:9 Jesus Cristo é a revelação plena de quem é
Deus, pois ele é o próprio Deus que se fez homem e nele habita,
corporalmente, toda a plenitude da divindade.

Dessa forma, as coisas criadas, apesar de apresentarem uma


revelação de Deus, não são suficientes para levar o homem ao
conhecimento da vontade desse Deus, para isso, foi lhe dada uma
revelação especial, a Escritura Sagrada.

Sobre a necessidade de Deus ter estabelecido e mantido sua


revelação ao homem de forma escrita, Calvino pondera que
“Se considerarmos quão brusca é a queda da mente humana no
esquecimento de Deus, quanto a inclinação para todo gênero de
erro, quanto o desejo de estabelecer, sem cessar, religiões novas
e fictícias, podemos perceber como foi necessário o registro
dessa doutrina celeste para que os homens não se perdessem no
esquecimento, nem se perdessem no erro, nem se corrompessem
por atrevimento” (As Institutas da Religião Cristã, livro 1, capítulo
VI, pg. 68).

Quais livros ou documentos compõem as Escrituras Sagradas?


Falar do canôn

Mas será que podemos confiar na Bíblia?

Bem, sobre essa questão, gostaria de pensar de 2 formas: (i) os documentos que
compõem a Bíblia são dignos de confiança? (ii) de onde vem a autoridade do que foi
escrito nesses documentos? Por que esses escritos são tidos como sagrados?

Sobre a primeiro ponto, sempre surgem questões como: será que nunca alteraram
os textos originais? Por que a Bíblia seria diferente de qualquer outro livro e, nesse
sentido, poque apenas ela conteria a verdade sobre a religião?

Sobre essas questões, Josh McDowell argumenta que a Bíblia é um livro único –
diferente e superior a todos os demais, de várias formas, mas gostaria de dar destaque a
como ela é única em sua coerência e sobrevivência.

É necessário entender que a Bíblia é composta por diversos escritos, desde cartas,
poesias, livros históricos etc. Esses documentos, conforme argumenta McDowell, foram
escritos:

(i) num espaço de tempo de mais de 1.500 anos;


(ii) por mais de 40 autores, com características e realidades de vidas
completamente diferentes: reis, pescadores, boiadeiros, generais, poetas,
primeiro-ministro, copeiro, médico, rabino etc.;
(iii) em lugares diferentes: deserto, masmorra, palácio, prisão,
durante viagens etc.;
(iv) em tempo de guerra e em tempo de paz;
(v) em diferentes circunstâncias: alguns escreveram no auge da
alegria e outros enquanto experimentavam profunda tristeza;
(vi) em 3 continentes diferentes: Ásia, África e Europa;
(vii) em 3 idiomas: hebraico, aramaico e grego.
Tendo isso em vista, McDowell pondera que esses escritos tratam de temas
controversos que, até hoje, geram discussões e muitos pontos de vista e
interpretações diferentes. Entretanto, esses assuntos são harmonicamente tratados
pelos documentos escritos que compõem a Bíblia, sendo que, ao observarmos todos
esses escritos, percebemos que não se trata de um amontoado de documentos e
ideias, mas de um todo, por meio do qual uma única história se desenrola e,
progressivamente, se revela: a criação, a queda e a redenção do homem. O paraíso
perdido em Gênesis e o paraíso recuperado em Apocalipse. O acesso à árvore da vida,
bloqueado nos primeiros capítulos do livro de Gênesis, é novamente concedido aos
homens nos últimos capítulos de Apocalipse.
Foi destacado também, por McDowell, que a Bíblia já sofreu diversas
perseguições e tentativas de eliminação durante a história, mas que continua
sobrevivendo, até hoje, como o livro mais impresso e publicado na história. Nesse
sentido, ele ressalta a Bíblia como única em sobrevivência, não apenas em relação a
sua existência fisicamente como livro ainda impresso, mas também na validade de
seus ensinos.
McDowell destacou, por exemplo, uma ordem do imperador romano
Diocleciano, que, no ano 303, iniciou uma perseguição oficial do império contra
cristãos, ordenando a demolição de igrejas e a eliminação dos exemplares das
Escrituras utilizadas pelos cristãos. Em seu decreto, o imperador Diocleciano
estabeleceu que aqueles que insistissem em professar a fé cristã perderiam seus
direitos e liberdades.
Além desse tipo de ataque, que ocorreu em vários outros momentos da história
– e ocorrem até hoje em sociedades comunistas e islâmicas, por exemplo –, a Bíblia
sempre sofreu ataques em relação aos seus ensinamentos e autoridade. McDowell,
nessa perspectiva, menciona que Voltaire, famoso pensador francês que morreu em
1778, certa vez afirmou que, em até cem anos depois de sua partida, a Bíblia cairia em
descrédito e seria varrida da face da terra, passando a ser apenas história, entretanto,
destaca McDowell, o que aconteceu? Voltaire passou para história e a Bíblia continua
ainda sendo o livro mais impresso e de maior relevância da história.
McDowell, sobre a confiabilidade da Bíblia, como documento histórico,
argumenta que nenhum outro documento histórico possui a quantidade de
manuscritos antigos confirmando o texto atual como a Bíblia e que, desconfiar da
confiabilidade do texto que temos na Bíblia hoje seria o mesmo que duvidar de todos
os clássicos históricos, que possuem nível inferior ao do novo testamento no que diz a
quantidade de manuscritos antigos, com qualidade e concordância entre eles, para
confirmação do texto atual. Sobre essa questão, ele menciona que, a Bíblia possui mais
provas em termos de manuscritos do que os dez textos de literatura clássica com
maior número de manuscritos. McDowell faz referência a um artigo publicado na
North American Review, onde os textos de Shakespeare foram comparados aos da
Bíblia. Esse artigo menciona o seguinte:
“Parece estranho que o texto de Shakespeare, que existe há
menos de duzentos e oito anos, seja bem mais duvidoso e tenha
bem mais corruptelas do que o texto do Novo Testamento, agora
com mais de dezoito séculos de idade, sendo que em quase quinze
desses dezoito séculos só existiu em forma manuscrita...Com
talvez umas dez ou vinte exceções, pode-se afirmar que o texto de
cada versículo do novo Testamento encontra-se tão bem
estabelecido, em face de uma concordância geral entre os
estudiosos, que qualquer ressalva contra o texto diz respeito mais
à interpretação das palavras do que a quaisquer dúvidas sobre as
próprias palavras. Mas em cada uma das trinta e sete peças de
Shakespeare existem provavelmente uma centena de passagens
que ainda são objeto de disputa, sendo que uma boa parte dessas
passagens afetam significativamente o sentido dos textos em que
ocorrem.”
Como disse o próprio McDowell – e eu concordo com ele – “O que foi dito acima
não prova que a Bíblia é a palavra de Deus, mas para mim prova que é única (‘de cuja
espécie não existe outro...A que nada é comparável’)”
De fato, conforme a carta aos hebreus, capítulo 11, versos 1 a 3, precisamos da
iluminação que provém da fé para compreendermos e aceitarmos a revelação de
Deus. Entretanto, ao contrário do que alguns possam pensar, essa fé não está
completamente dissociada da nossa razão e o simples fato de a revelação especial de
Deus ter sido dada de maneira escrita indica isso, pois exige, ainda que não de maneira
filosoficamente complexa, certa capacidade de cognição e emprego da razão. Dessa
forma, as ponderações realizadas por McDowell, apresentadas acima, são de grande
valor.
Sobre a segunda questão colocada acima - de onde vem a autoridade do que foi
escrito nesses documentos? – faço referência à afirmação realizada no capítulo 1, item
4, da Confissão de Fé Batista de 1689:
“A autoridade da Sagrada Escritura, razão pela qual deve ser
crida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja,
mas depende completamente de Deus (que é a própria verdade), o
seu autor; portanto, deve ser recebida, porque é a Palavra de
Deus.” [grifo nosso]
Essa afirmação encontra apoio nos textos de 2Pedro 1:19-21; 2Timóteo 3:16;
2Tessalonicenses 2:13; e 1João 5:9. Destes, gostaria de destacar o texto que o
apóstolo Pedro escreveu em sua segunda carta, no capítulo 1, versos 19 a 21.
Nesse texto, Pedro explica que as Escrituras são Sagradas e devem ser o nosso
referencial de qual caminho devemos seguir, iluminando as trevas em que nossas
vidas se encontram, com base no fato de que suas palavras, apesar de serem
registradas pelos profetas de Deus, não nasceram, ou não procedem, da vontade
humana, mas de Deus. Dessa forma, o apóstolo Pedro conclui esse trecho afirmando,
sobre aa Sagrada Escritura, que homens santos de Deus, isto é, separados por Deus,
falaram da parte de Deus, inspirados pelo Espírito Santo.
Sobre esse trecho das escrituras, Calvino comentou
“Em suma, Pedro nos lembra que, enquanto formos peregrinos
nesse mundo, temos necessidade da doutrina dos profetas como
uma luz orientadora; a qual, sendo extinta, nada mais podemos
fazer se não vagear em meio às trevas; pois ele não dissocia as
profecias do evangelho, quando nos ensina que elas brilham para
mostrar-nos o caminho. Seu objetivo era apenas nos ensinar que
todo o curso de nossa vida deve ser orientado pela palavra de
Deus; pois, de outro modo, seriamos envolvidos, de todos os lados,
pelas trevas da ignorância; e o Senhor não se irradia sobre nós,
exceto quando tomamos sua palavra como a nossa luz.” [...]
“Pedro diz que a Escritura não veio de homem, ou através de
sugestões humanas. Pois você nunca chegará bem preparado para
lê-la, a não ser que você venha com reverência, obediência e
docilidade; mas tal reverência só existe quando nos convencemos
de que Deus nos fala, e não homens mortais”
Acerca da promessa do Evangelho, perceba como o Apóstolo Paulo se refere no
início de sua carta aos romanos, capítulo 1, verso 2: “o qual foi por Deus, outrora
prometido por intermédio dos profetas nas Sagradas Escrituras”. Nesse trecho, o
apóstolo Paulo nos deixa claro que a Escritura é a palavra de Deus, isto é, é Deus
falando. Perceba que Paulo deixa claro que o Evangelho prometido na Sagrada
Escritura não era promessa de um profeta, mas do próprio Deus! Fica claro também
que Deus fala por intermédio de profetas, que eram homens usados por Ele mesmo,
para registrar as palavras sob inspiração do Espírito Santo.
Samuel Waldron (pgs. 51 e 52) diz que o Novo Testamento dá testemunho de
que o Antigo Testamento é um todo orgânico inspirado por Deus em cada detalhe e
que, por possuir origem divina, é infalível e, portanto, possui toda a autoridade
divina. Waldron destaca 5 textos do Novo Testamento tidos como clássicos nessa
questão de atribuir autoridade divina ao Antigo Testamento, quais sejam: 2 Timóteo
3:16, 2 Pedro 1:19-21, Mateus 5:17-18, João 10:34-36 e Mateus 4:1-11.
Sobre a autoridade divina do Novo Testamento, Waldron (pg.54 e 55)
argumenta que o Antigo e o Novo Testamento faze parte de uma unidade orgânica,
em que o Novo é a resposta ao caráter profético do Antigo. Em outras palavras, o
Novo Testamento é o cumprimento das profecias mencionadas no Antigo
Testamento -menciono aqui o texto do Evangelho de Lucas 24:44-45, onde essa
relação fica muito clara. Dessa forma, essa unidade exige que a mesma autoridade
divina atribuída ao Antigo, seja também atribuída ao Novo Testamento. Waldron
menciona que o texto da carta aos hebreus, em seu capítulo 1, versos 1 e 2, expressa
essa unidade orgânica e atribui autoridade divina ao Novo Testamento.
Outro ponto importante de se mencionar é a autoridade apostólica. Conforme
o texto dos Evangelhos de Marcos 3:14 e de Mateus 10:1-8, os apóstolos foram
selecionados pelo próprio Jesus e receberam poder para pregação do Evangelho,
expulsar demônios e curar enfermos.
Em Atos 1:22-26, fica claro que o apostolado era um ministério especial, dado
aos 12 escolhidos por Jesus, e que um apóstolo devia ter andado com Jesus durante
seu ministério e possuíam a responsabilidade de serem testemunhas da ressureição
de Cristo
A Igreja é edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas (Ef. 2:20)

Por isso também damos, sem cessar, graças a Deus, pois, havendo recebido de
nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas
(segundo é, na verdade), como palavra de Deus, a qual também opera em vós, os que
crestes. (1 Tessalonicenses 2:13 ) – inspiração e autoridade apostólica
Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor significa salvação, como
também o nosso amado irmão Paulo lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu.
Ele escreve da mesma forma em todas as suas cartas, falando nelas destes assuntos.
Suas cartas contêm algumas coisas difíceis de entender, as quais os ignorantes e
instáveis torcem, como também o fazem com as demais Escrituras, para a própria
destruição deles.

2 Pedro 3:15,16

Sabendo dessas coisas, como devemos responder a elas? Qual deve ser nossa
atitude em relação a Bíblia? Salmo 1...

Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se


detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.
Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite. Ele é
como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu
fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido.
(Salmos 1:1-3)

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