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Resumo Abstract
Este trabalho se situa na interface entre a ges- This study is located in the interface
tão de recursos hídricos e a gestão de serviços between water resources management and
de saneamento ambiental. Em regiões den- sanitation services management (water
samente urbanizadas, esses dois sistemas de distribution, wastewater sewage, rainwater
gestão são estreitamente inter-relacionados: sewage, garbage collection). The matter of
o principal uso de recursos hídricos é o abas- water management sustainability in urban
tecimento urbano e, ao mesmo tempo, cons- areas implies reconciling two perspectives:
titui o seu principal problema (lançamento de to improve the quality of environmental
efluentes sem tratamento nos corpos hídricos). sanitation services and to conserve water
A questão da sustentabilidade da gestão das resources, preserving urban rivers. This
águas em áreas urbanas implica conciliar duas study is based on a review of the notion of
perspectivas: universalizar o acesso à água em sustainability present in the studies of the
quantidade e qualidade para os diferentes usos; Eurowater/Water21 research group, which
e conservar a qualidade dos rios urbanos. Pa- define sustainability from three dimensions:
ra discutir essa questão, partimos dos estudos environmental, economic, and ethical, granting
feitos pelo grupo de pesquisa Eurowater/Wa- users the possibility of participating in the
ter21, que definem sustentabilidade a partir de elaboration of public policies.
três dimensões: ambiental, econômica e ética. Keywords: metropolitan regions;
Palavras-chave: regiões metropolitanas; sa- environmental sanitation; water resources;
neamento ambiental; recursos hídricos; meio urban environment; integrate water
ambiente urbano; gestão integrada da água; management; urban environmental
sustentabilidade ambiental urbana. sustainability.
bilidade (Pereira e Baltar, 2000). Além dis- ciais de água utilizadas para abastecimento
so, se faz necessária também a pactuação de público;
uma estratégia da sociedade com relação ao c coletar, tratar e dispor excretas e esgo-
para a realização de atividades econômicas dade para uso das gerações futuras, tanto
e preservar os recursos hídricos, evitando em termos de quantidade como em termos
desperdício e a degradação dos mesmos. da qualidade da água. No caso dos países
da União Européia, as normas são definidas
pela União, através da Diretiva Quadro Eu-
ropéia, estabelecida em outubro de 2000.
Discutindo a Essa diretiva estabelece um arcabouço regu-
sustentabilidade da lamentar para a política de gestão das águas
gestão da água com dos países da Comunidade Européia.
base na metodologia 3Es A segunda dimensão (econômica) se
refere ao financiamento dos serviços. Parte-
do grupo de pesquisa se do princípio que a gestão financeira dos
Eurowater/Water21 serviços deve garantir a manutenção do
patrimônio de infra-estruturas existentes,
Para discutir a aplicação da noção de susten- garantindo a prestação de serviços adequa-
tabilidade à gestão dos serviços de sanea dos para os usuários atuais, mas também
mento, partiremos dos estudos feitos pelo antecipando sua extensão e renovação pa-
grupo de pesquisa Eurowater/Water21. A ra responder às necessidades dos usuários
metodologia foi desenvolvida com base em futuros. No caso da metodologia proposta,
definições da sustentabilidade das Nações formulada para países onde os sistemas já
128 Unidas, por um grupo de pesquisadores eu- estão universalizados, mas são relativamen-
ropeus, para avaliar a gestão de recursos te antigos, os investimentos visam, sobre-
hídricos assim como a sustentabilidade da tudo, a renovação das infra-estruturas e a
gestão de serviços de abastecimento de água sua adaptação às novas normas da União
e esgotamento sanitário em municípios. Européia.
Essa metodologia parte de uma definição Supõe-se que os recursos que viriam a
mais geral de sustentabilidade, construída financiar essas ações seriam provenientes de
a partir de três dimensões, caracterizadas duas fontes: as tarifas pagas pelos usuários
como 3Es: Environment, Economics, Ethics e os impostos pagos pelo conjunto dos con-
(Barraqué,1998). tribuintes, que comporiam os fundos públi-
A primeira dimensão (ambiental) envol- cos para investimentos. No caso das tarifas,
ve questões de salubridade e de preservação uma questão que se coloca é se o seu au-
dos recursos hídricos, elementos centrais mento, necessário para atingir as metas da
dentro de uma visão da qualidade ambien- Diretiva Quadro, sobretudo no que concerne
tal. A questão da salubridade implica que a ao tratamento de esgotos, não implicaria a
água deve ser distribuída em condições ade- redução do consumo de água, comprome-
quadas de potabilidade e que os sistemas de tendo a lógica de sustentabilidade econô-
esgotamento sanitário devem permitir a co- mica dos sistema. De fato, nada obriga os
leta e o tratamento adequado dos efluentes. prestadores de serviços a ter, nos usuários,
Além disso, o uso dos recursos hídricos deve a fonte única de financiamento dos serviços,
se fazer sem comprometer sua disponibili- porém, essa é a tendência que estaria se
definindo, tendo como limite, porém, uma quase90%, há um alto índice de ineficiência
perspectiva ética que envolve a definição de da coleta de esgotos, um importante meio
tarifas de acordo com a capacidade de paga- de transmissão de doenças infecciosas e pa-
mento dos usuários. rasitárias. Além disso, os serviços de abas-
Essa dimensão ética seria, segundo a tecimento de água nas periferias metropoli-
metodologia proposta, a terceira dimensão tanas, muitas vezes, também é inadequado,
da sustentabilidade, definida pelo estudo da sobretudo no que concerne à freqüência da
equipe francesa como o estabelecimento de distribuição e à qualidade da água distribuí
tarifas que devem ser eqüitativas e aceitas da. Além disso, as pressões sobre os manan-
pelos usuários, que devem ser capazes e es- ciais disponíveis são cada vez maiores. Uma
tar dispostos a pagar essas tarifas. Mesmo outra pesquisa recente do IBGE, a “Perfil
considerando a essencialidade do acesso ao dos Municípios Brasileiros – Meio Ambiente
abastecimento de água, existe uma dificulda- 2002”, revelou altos índices de poluição e
de de estimar o valor que os usuários estão contaminação dos recursos hídricos em áreas
dispostos a pagar pelos serviços, ou o valor metropolitanas do Sudeste, o que compro-
que seria socialmente justo. Em estudo onde mete a disponibilidade de água para abaste-
discute a metodologia Eurowater/Water21, cimento e a qualidade do meio ambiente nas
Pezon faz referência a uma pesquisa reali- metrópoles. Corroborando essa informação,
zada na Inglaterra que mostra que as tarifas os dados do SNIS, Sistema Nacional de In-
pagas não deveriam exceder 3% da renda formações em Saneamento, mostram que
familiar/domiciliar, sob pena de tornar o pa- o percentual de tratamento de esgotos nas 129
gamento das mesmas inviável. A metodolo- regiões metropolitanas ainda é baixo.
gia mostra que a disposição dos usuários em Nas metrópoles da Europa, e parti-
pagar os serviços está diretamente ligada a cularmente no caso da França, o grande
uma boa governança dos serviços, que se problema é a gestão a longo prazo de uma
traduz por transparência da gestão (2006). infra-estrutura que se encontra amplamente
A metodologia dos estudos Eurowa- generalizada e completa, porém em proces-
ter/Water21 aponta, a nosso ver, as três so de desgaste e envelhecimento e que deve
dimensões centrais que deveriam orientar ser adaptada à novas exigências de qualida-
uma análise da sustentabilidade da gestão de de serviços e qualidade dos recursos hí-
da água em áreas metropolitanas. Todavia, dricos impostas pela Diretiva Quadro Euro-
é preciso considerar que a realidade brasilei- péia. Essa diretiva determina, entre outros
ra é bastante diferente da européia. aspectos, o horizonte de 2015 para que os
No Brasil, mesmo em grandes metró- rios cheguem a um “bom estado de quali-
poles como Rio de Janeiro e São Paulo, o dade das águas”. Uma das questões que se
déficit em saneamento ainda é muito signi- coloca é o que significa esse bom estado;
ficativo nos municípios da periferia, onde quais os indicadores para avaliá-lo? De toda
verificam-se as taxas mais elevadas do cres- forma, essa determinação implica ampliar e
cimento demográfico metropolitano. Se- modernizar as estruturas de tratamento de
gundo o Ministério das Cidades, embora o esgotos e controlar e reduzir a poluição di-
acesso ao saneamento nessas regiões seja de fusa, isto é, a poluição dos corpos hídricos
conseqüência dos despejos domésticos e in- perdas dos sistemas que comprometeriam o
dustriais de águas residuárias não tratadas uso racional da água. Os indicadores são os
nos rios e também devido à impermeabiliza- seguintes: o Índice de Perdas de Faturamen-
ção do solo e à ocupação irregular das faixas to, que é calculado pela relação entre os vo-
marginais, que acarreta um aumento de va- lumes faturados e os disponibilizados para
zão máxima dos rios. distribuição; e os indicadores de perdas na
Assim, além da questão do uso racional distribuição, que relacionam o volume con-
da água, a dimensão ambiental da susten- sumido e o disponibilizado para distribuição,
tabilidade, em áreas urbanas, envolve ainda que são: o Índice de Perdas na Distribuição,
a proteção e a conservação dos mananciais Índice Bruto de Perdas Lineares e o Índice
através da criação de áreas de preservação, de Perdas Por Ligação.
de políticas adequadas para o uso e ocupação Outros indicadores do SNIS também
do solo nessas áreas e nas faixas marginais contribuem para uma melhor avaliação do
de rios, do combate à poluição na origem e uso racional da água nos sistemas. O pri-
ao desmatamento. meiro deles é o Índice de Hidrometração,
Essas duas dimensões, uso racional da que estabelece a relação entre quantidade
água e proteção e conservação dos manan- de ligações ativas de água à rede pública e a
ciais, são objeto de políticas e ações diferen- quantidade dessas ligações que se encontra
ciadas que envolvem múltiplos atores, tanto hidrometrada, revelando a capacidade de mi-
da esfera pública como da esfera privada. cromedição dos sistemas. Vale lembrar que
Todavia, apesar do caráter multifacetado o hidrômetro, mais do que um instrumento 131
dessa dimensão, consideramos possível le- de cobrança, é também um instrumento que
vantar alguns indicadores que devem ser permite ao prestador do serviço conhecer
considerados na busca de uma gestão am- efetivamente a demanda e, ao usuário, co-
bientalmente sustentável da água. nhecer e controlar o seu consumo, sendo,
Com relação ao uso racional, um pri- portanto, um importante mecanismo para a
meiro indicador a ser considerado é a ques- racionalização e a transparência da gestão.
tão das perdas no sistema de abastecimen- Idealmente, todas as ligações ativas deve-
to. Esse indicador está relacionado às ações riam ser hidrometradas, mesmo aquelas dos
dos prestadores de serviços de saneamento, consumidores de baixa renda, como mo-
sejam eles empresas públicas estaduais, ser- radores de favelas. Deveria também haver
viços municipais ou empresas privadas. Ele substituição e/ou reparo de medidores an-
pode ser avaliado através do SNIS, que le- tigos ou de capacidade inadequada, e, o que
vanta informações junto a esses prestadores, parece óbvio,mas nem sempre ocorre: deve
onde são apresentados quatro indicadores haver leitura sistemática dos hidrômetros
que representam uma composição de perdas com emissão automática de contas. Outro
reais (físicas) e aparentes (não físicas), já indicador importante é o Índice de Macro-
que, no Brasil, com raras exceções, os pres- medição, que permite avaliar se existe ma-
tadores de serviços não costumam separar cromedição adequada da entrada e saída de
as perdas de água nos dois componentes. água nas unidades de produção e reserva-
Os quatro indicadores permitem avaliar as ção, evitando perdas e desperdício.
isso, muitas vezes, os dados do IBGE indi- ocorrência de poluição do recurso água, por
ciam uma qualidade de serviços melhor do causas apontadas; ocorrência de assoreamen-
que a existente. Faz-se necessária, portan- to em algum corpo d'água, por causas apon-
to, a comparação dos dados do IBGE com os tadas; degradação de áreas legalmente pro-
dados fornecidos pelos prestadores de servi- tegidas (como Unidades de Conservação da
ços e com os dados do SNIS, que traz os se- Natureza e Áreas de Preservação Permanen-
guintes indicadores que permitem avaliar a te), por causas apontadas; redução da quan-
qualidade desses sistemas: o Índice de Coleta tidade/diversidade ou perda de pescado por
de Esgotos e o Índice de Atendimento Urba- causa de degradação de recursos hídricos.
no de Esgoto Referido aos Municípios com É importante considerar, porém, que,
Atendimento de Água. Outro indicador im- em alguns casos, as informações fornecidas
portante é o que permite avaliar quanto do pelas prefeituras a esta pesquisa, quando
esgoto produzido é tratado, isto é, o Índice confrontadas com a realidade empírica, se
Médio de Tratamento de Esgotos Gerados. mostram inverídicas. Atribuímos esse pro-
O SNIS considera, para efeito de simplifica- blema a diferentes fatores, como o despre-
ção, o volume de “esgotos gerados” como o paro de técnicos que respondem ao questio-
volume total de água consumida. nário do IBGE; a um desconhecimento da
A PNSB também fornece indicadores realidade do município; ou mesmo à vonta-
que contribuem para construir um quadro de de mascarar as condições ambientais e de
da situação dos serviços de esgotamento, gestão pública desfavoráveis.
dentre os quais relacionamos: os dados re- Na perspectiva da conservação de recur- 133
ferentes aos distritos com coleta de esgoto sos hídricos, é preciso também investir em
sanitário, por tipo de rede coletora; distritos métodos e sistemas de detecção e controle da
com coleta de esgoto sanitário, com trata- poluição difusa. No Brasil, os diferentes ato-
mento de esgoto sanitário e sem tratamen- res envolvidos na gestão das águas em áreas
to de esgoto sanitário, por tipo de corpos urbanas não têm dado a devida importância
receptores; distritos com tratamento de es- a esse tipo de poluição, e existem poucos in-
goto sanitário, por tipo de sistema de trata- dicadores que permitam avaliá-la. Todavia,
mento. As informações sobre o tipo de tra- como mostra Prodanoff, o tratamento dos
tamento, destino do lodo das ETEs, sobre esgotos doméstico e industrial não basta pa-
utilização de emissário para lançamento de ra despoluir as áreas contaminadas. Durante
esgoto sanitário e sobre o tipo de corpos re- as enxurradas, carregado pela chuva, todo
ceptores dos esgotos permitem que se cons- o acúmulo de resíduos relacionado à polui-
trua um quadro da qualidade dos serviços, ção difusa vai para o sistema de drenagem,
avaliando suas conseqüências na qualidade cujo destino final são os corpos hídricos. A
dos corpos hídricos. poluição difusa está diretamente relaciona-
A Pesquisa Perfil dos Municípios Bra- da ao escoamento superficial de água sobre
sileiros – Meio Ambiente de 2002 também áreasimpermeáveis. A impermeabilização le-
fornece informações que permitem qualifi- va a um aumento do escoamento superficial
car a situação de proteção e conservação dos e também das velocidades de escoamento e
recursos hídricos. Destacamos as seguintes: da capacidade de arrasto de carga poluidora
para os corpos hídricos (Prodanoff, 2005). irregularmente ocupada. Como mostra Ma-
Esse aspecto é um exemplo da complexidade ricato, a invasão de terras não adequadas à
da construção de um processo de gestão sus- ocupação é uma regra e não uma exceção,
tável da água em áreas urbanas em função sendo esta ditada pela falta de alternativas
de seu caráter sistêmico e da multiplicidade de habitação para as camadas de baixa ren-
de atores envolvidos. da (2003). O problema é grave e de difícil
Ainda com relação à proteção e conser- solução, pois está diretamente ligado à situ-
vação dos mananciais, é fundamental a exis- ação de pobreza crônica em que vive parte
tência de um quadro institucional favorável importante da população que não consegue
à proteção desses recursos, assim como o aceder à moradia dentro do mercado formal
funcionamento adequado dos instrumentos de habitação e à inexistência de políticas de
da política de gestão de recursos hídricos. provisão de habitação popular para a po-
Devem ser formulados e servir como dire- pulação de baixa renda. Recoloca-se aqui a
tiva para a gestão dos recursos hídricos os questão da estratégia da sociedade com re-
seguintes instrumentos técnicos: Plano Es- lação ao binômio necessidade/limites. Uma
tadual de Recursos Hídricos (PERHI); o Pro- estratégia claramente definida é o primeiro
grama Estadual de Conservação e Revitali- passo para encontrar uma solução para o
zação de Recursos Hídricos (PROHIDRO); conflito entre a proteção de mananciais e a
os Planos de Bacia Hidrográfica (PBH'S); o necessidade de morar dos grupos excluídos
enquadramento dos corpos de água em clas- do mercado formal da habitação.
134 ses, segundo os usos preponderantes dos Com relação à questão da proteção das
mesmos; o Sistema Estadual de Informações faixas marginais aos rios e lagoas, conside-
sobre Recursos Hídricos (SEIRHI). ramos importantes alguns aspectos:
Por último, é fundamental, nas áreas c revisar os parâmetros estabelecidos na
urbanas, que as políticas de uso e ocupação legislação federal e estadual relativa às fai-
do solo incorporem a questão da proteção xas marginais de forma que esta se adeqüe
das faixas marginais aos rios e lagoas. A a uma nova realidade marcada pelo cres-
preservação da várzea natural, sem grandes cimento urbano intenso e pelo aumento
alterações da morfologia dos cursos d'água da demanda por habitação. Nesse sentido,
e da vegetação ribeirinha, e sem impermea- deve-se pensar na possibilidade de redução
bilização, representa uma forma de contro- das faixas de proteção determinadas na lei
le de enchentes e também da qualidade da federal e estadual com base em critérios de
água, por permitir a manutenção da capaci- vazão de cursos de água.
dade de assimilação natural do ecossistema. c desenvolver propostas para o uso racio-
Preservam-se assim o habitat natural das nal desses espaços que conciliem a formas
espécies e, ao mesmo tempo, a capacidade de uso urbano com as funções de preser-
de amortecimento dos picos de cheia vação da qualidade ambiental, tais como
Porém, apesar da existência da le- amenização de temperatura, proteção con-
gislação federal estadual e municipal, a tra enchentes e secas, abrigo para a fauna
maior parte dos rios urbanos que cor- silvestre, assim como promoção da melhoria
rem a céu aberto tem sua faixa marginal da saúde mental e física da população que as
to. Essa é uma questão central quando se sociais no acesso aos serviços, penalizando
entende que o acesso à água é um direito com tarifas maiores as famílias com vários
social e que um sistema sustentável econo- filhos, que, evidentemente, consomem mais
micamente deve construir solidariedades água, mas que nesses países não são neces-
entre os usuários, que se organizam para sariamente aquelas de maior renda.
garantir este direito. Além da questão da dimensão de aceita-
No Brasil, a questão da inadimplência bilidade social da sustentabilidade ética, con-
é tema mais profundo e merece uma aná- sideramos importante agregar outras dimen-
lise meticulosa. Todavia, vale lembrar que, sões, que não são tratadas pela metodologia
em diferentes situações, pode-se comprovar Eurowater-Water21. A primeira delas diz
que quanto maior a aceitabilidade social dos respeito à generalização do acesso aos servi-
serviços, menor a inadimplência, mesmo ços, tema que não se coloca no contexto eu-
junto aos usuários de baixa renda. ropeu, onde, nas áreas urbanas, os serviços
Para avaliar a aceitabilidade social é já estão universalizados há décadas. Assim,
preciso conhecer a estrutura tarifária do sustentabilidade ética deve ter como princípio
prestador de serviços e avaliar o peso que serviços prestados à totalidade da população
ela exerce sobre as despesas mensais de urbana, o que significa 100% de domicílios
uma família. As informações sobre a estru- atendidos com água e com esgoto.
tura tarifária existentes no SNIS envolvem Uma outra dimensão que deve ser le-
apenas as tarifas médias praticadas. Não vada em conta refere-se ao controle social
existem informações sobre as tarifas sociais, da gestão dos serviços, que pode ser ava- 137
fundamentais para a avaliação da dimensão liado através da existência de instâncias de
ética da sustentabilidade. A principal ques- participação social na gestão dos serviços.
tão que se coloca é quem pode se beneficiar Estas devem ser organizadas pelos atores
da tarifa social, isto é, como os prestadores públicos, isto é, governos estaduais ou mu-
definem o perfil do usuário de baixa renda nicipais, na forma de Conselhos Municipais
e como um usuário nessas condições pode e/ou Estaduais.
reivindicar esse direito. Cada empresa de- No Brasil, segundo a Lei das Águas (Lei
fine essas condições de forma diferenciada; nº 9.433/1997), que define a Política Nacio-
os documentos exigidos para se cadastrar nal de Recursos Hídricos e cria o Sistema Na-
nessa categoria nem sempre são facilmente cional de Gerenciamento de Recursos Hídri-
obtidos pelos usuários; e a falta de informa- cos, o gerenciamento do uso desse recurso
ção faz com que muitos moradores de bai- deve basear-se em abordagens participativas
xa renda da cidade não reivindiquem seus que envolvam instâncias de governo, usuá-
direitos. rios e cidadãos. De fato, a questão da partici-
Com relação ao tipo de tarificação, é pação é um elemento central. A nova Lei Na-
importante evitar uma confusão entre justiça cional do Saneamento (Lei nº 11.445/2007),
consumerista e justiça social. Em diferentes aprovada em janeiro de 2007, também re-
países europeus, a experiência de tarifica- força esse aspecto, apontando como princí-
ção por blocos crescentes teve como efeito pios a universalização do acesso, o controle
imprevisto a agravação das desigualdades social e a transparência na gestão.
gerenciamento de recursos hídricos e de de ter que lidar com ele em futuro próximo,
planejamento urbano/metropolitano. Essa caso não sejam concretizadas ações para a
legislação estabeleceu as bases para uma proteção do Sistema Guandu e caso não se-
cooperação intergovernamental que, a par- jam adotadas medidas efetivas para um uso
tir da aprovação da legislação de recursos racional da água.
hídricos de São Paulo em 1991, assumiu o Tanto nas metrópoles dos países eu-
formato institucional dos comitês de bacia, ropeus, particularmente no caso da França,
sendo criado o Comitê do Alto Tietê, em como no caso das metrópoles brasileiras,
novembro de 1994. um passo importante para construir uma
No Rio de Janeiro prevaleceu, até mui- gestão sustentável da água, pautada em
to recentemente, uma cultura de abundância novos paradigmas, é a superação da frag-
da água. O principal manancial de abasteci- mentação institucional e a construção de
mento de água metropolitano, o Guandu, só formato de governança baseado na coope-
teve seu Comitê criado em março de 2002 e ração entre atores públicos. Essa foi uma
sua área de proteção regulamentada apenas questão subestimada no trabalho inicial do
em 2007. Além disso, em termos das dife- grupo Eurowater/Water21: a necessidade
rentes dimensões de uma gestão sustentável de cooperação entre os diferentes níveis de
das águas (ambiental, econômica e ética), governo para assegurar serviços públicos
verificamos que a Companhia de Saneamen- eficazes nas regiões metropolitanas. Essa
to de São Paulo, a Sabesp, apresenta um cooperação é necessária não somente por-
desempenho bastante superior ao da Cedae, que certas soluções técnicas exigem uma 139
companhia do Rio de Janeiro. escala territorial mais ampla, mas também
Os indicadores examinados até agora porque, na fase inicial de extensão dos siste-
mostram que a principal ameaça à qualidade mas e de conexão de novos usuários, são in-
dos recursos hídricos é a incompletude dos dispensáveis os financiamentos públicos e as
sistemas de coleta e tratamento de esgotos, subvenções. Em diferentes países europeus,
sobretudo, nas áreas de faixa marginal. Ob- formatos de cooperação como sindicatos e
servando, particularmente, o caso da Região consórcios intermunicipais são bastante di-
Metropolitana de São Paulo, verificamos que fundidos, permitindo o estabelecimento de
a rigidez da Lei de Proteção de Mananciais, formas de subsídios interterritoriais e inter-
de 1975, que restringe os assentamentos setoriais
nas bacias, não obteve o efeito desejado de- Finalizando, neste texto, buscamos
vido à ocupação ilegal das áreas protegidas, abordar o conjunto de relações intricadas
o que tem gerado, conseqüentemente, um que constituem uma gestão sustentável e in-
grande volume de despejo de esgoto nos tegrada da água em áreas metropolitanas. A
corpos hídricos. A crescente contaminação explicitação da metodologia dos três Es e os
encarece a água, que precisa ser buscada indicadores aqui apresentados nos mostra
cada vez mais longe ou passar por trata- o quanto as três dimensões – sustentabili-
mento cada vez mais sofisticado. A Região dade econômica, sustentabilidade ambiental
Metropolitana do Rio de Janeiro, mesmo e sustentabilidade ética – estão imbricadas,
ainda não enfrentando esse problema, po- sendo, portanto, inviável orientar e avaliar
a gestão das águas privilegiando apenas vendar essas relações complexas e discutir
uma dessas dimensões. Os indicadores aqui escolhas e caminhos para a construção des-
apresentados ajudam, sem dúvida, a des- sa gestão sustentável e integrada.
Bernard Barraqué
Engenheiro, doutor em socioeconomia urbana, diretor de pesquisa junto ao Centre
International de Recherches sur l'Environnement et le Développement – CIRED, da École
Nationale du Génie Rural, des Eaux et des Forêts – ENGREF (Paris, França).
barraque@engref.fr
Notas
(1) Este trabalho se insere em um projeto de cooperação bilateral CNPq-CNRS sobre Gestão
140 Sustentável da Água em Áreas Urbanas.
(2) A poluição é qualificada de difusa em função da sua origem: ela provém de atividades que
depositam poluentes de forma esparsa sobre a área de contribuição da bacia hidrográfi-
ca. A origem da poluição difusa é bastante diversificada e de difícil controle: a abrasão
e o desgaste das ruas pelos veículos, lixo, resíduos orgânicos de pássaros e animais do-
mésticos, atividades de construção, resíduos de combustível, óleos e graxas deixados por
veículos,poluentes do ar, etc.
(4) Na Europa, é a cobertura crescente dos custos pelas tarifas pagas pelos usuários que fornece
as condições de durabilidade, pois ela permite o aumento da capacidade de autofinancia-
mento dos serviços públicos.
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Recebido em mar/2008
142 Aprovado em maio/2008