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Desde a segunda metade do século XX temos passado por um processo

crescente de virtualização das atividades humanas, ou seja, temos cada vez mais
rompido a barreira entre o que costumeiramente é chamado de mundo real e
virtual.  Esse processo engloba desde a virtualização dos processos
comunicativos e das relações de trabalho até o consumo e as relações pessoais –
o qual foi acelerado e intensificado neste ano devido à pandemia de covid-19.
Assim, pretendo rever alguns dos principais pontos desse processo sob o olhar
do interacionismo simbólico tentando entender se o virtual é o novo real, a partir
da premissa de que a internet se constitui um espaço de interação social.

Apesar ser um elemento novo da trajetória humana a internet instaura uma


simultaneidade na comunicação mediada, por trabalhar em tempo real, e altera
as dimensões do espaço, por tornar presente e disponível algo que está
completamente distante no espaço geográfico. Assim, é possível afirmar que ela
não é uma nova mídia: é uma nova dimensão, espaço de circulação simbólica, de
fluxos incessantes, arquivo vivo e renovado de ideias, produtos e informações.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer o que se entende por interacionismo


simbólico. Criado por Herbert Blumer, em meados da década de 1937, o termo
nomeia uma perspectiva de estudo da sociedade baseada em um modelo de
comunicação interacional. Nessa perspectiva teórica, as comunidades são
formadas por indivíduos ativos guiados pela interpretação dos significados
dados. Esses significados são construídos na interação social da comunicação e,
portanto, são um elemento-chave na compreensão dos processos de interação,
destacando a comunicação como instrumento de criação da realidade através de
um processo dinâmico e interativo, assim, não se pode estudar ou entender as
associações humanas fora do contexto comunicativo.

No conceito de interação social identificam-se duas formas: a não-simbólica e a


simbólica. A interação simbólica é a interação em que um processo social é
percebido e redefinido, não pela ação direta do indivíduo, e sim pela
interpretação a partir dos significados atribuídos a esse processo. Tais
significados são construídos na interação social a partir da comunicação e, assim,
são um elemento-chave para entender esses processos. A teoria, então, se
baseia em três premissas: a) o indivíduo age diante de situações e de outras
pessoas de diferentes formas devido ao significado dado a essas coisas e
pessoas; b) esse significado é construído a partir das interações sociais e c) pode
se manter ou ser alterado mediante um processo interpretativo próprio ao
indivíduo[i].
O interacionismo simbólico se torna um conjunto teórico adequado para o
estudo das relações na internet, já que essa teoria parte do pressuposto que uma
comunidade é formada por indivíduos que agem conforme os significados
construídos na interação social e dados aos atos, fatos e coisas. Se em seu início
– em um contexto urbano que permitiu o contato de diferentes culturas e modos
de ver o mundo, como dito anteriormente – os interacionistas voltaram suas
pesquisas essencialmente para as interpelações face a face, agora, em um
momento em que as possibilidades de contato se potencializam devido ao
surgimento da cibercultura, é possível dizer que o interacionismo simbólico
obtém um novo ponto de interesse e uma nova força. Se antes a cidade e as
interações que possibilitava eram o ponto de partida para a pesquisa, agora a
internet e as tecnologias digitais se firmam como tal.

Meyrowitz intensifica nossa compreensão da internet como lugar de interação


simbólica quando diz que “o contato social não ganha significado apenas pela
presença física e pelo lugar físico para interação, mas ganha significado a partir
da mídia que utiliza”[ii].
Os sites e aplicativos de redes sociais – como Facebook, Instagram, Whatsapp,
Twitter, e, mais recentemente, o TikTok – são, se não essenciais, presentes na
vida de grande parte da população. Sendo usado desde a troca de mensagens
entre amigos sobre o dia a dia até a disseminação de fake news em massa
influenciando eleições e a opinião pública. Devido ao seu potencial interativo e
criativo vemos as redes sociais como um espaço não somente de circulação, mas
de produção de significados. A produção e a circulação de conteúdo, aliadas às
particularidades técnicas disponibilizadas, no e pelo ambiente virtual, oferecem
condições para a emergência de comportamentos sociais entre os indivíduos, ao
mesmo tempo em que estes indivíduos se utilizam dessas mesmas condições
para a formatação de novos cenários de interação, em que os significados são
negociados, modificados e alterados.
Os processos de virtualização nas sociedades contemporâneas também são
refletidos no consumo. Se por um lado o e-commerce ameaça e provoca o
fechamento de empresas que não conseguem se adaptar, por outro lado o
indivíduo vê nele mais uma oportunidade de consumir, aumentando acesso a
marcas e produtos que não possuía antes, mesmo que não sejam originais.

Na indústria cultural, os serviços de streaming – como Netflix e Spotify – que


podemos entender como ambientes híbridos de comunicação, produção e
consumo do simbólico também apresentam dicotomias. Enquanto expandem a
oferta da produção cultural com o crescente acesso das camadas mais pobres à
internet, especialmente por meio dos smartphones, também oferecem desafios
em relação à regulação da arrecadação de direitos autorais e as barreiras à
distribuição de produções regionais. Além disso, os serviços de streaming, apesar
de oferecem uma facilidade com agregadores de conteúdos, possuem algoritmos
que induzem o consumo e a criação de conteúdos, o que nem sempre favorece a
pluralidade de gêneros e produções locais.

Ainda no universo do simbólico, acompanhamos nos últimos anos o surgimento


de uma moda virtual. Esse tipo de moda é a continuação de uma tendência que
vimos ser acelerada durante o covid-19. Inicialmente criadas para jogos, roupas
virtuais não são uma novidade no mercado. Porém, o que se acentua agora é a
criação de peças criadas exclusivamente para serem “vestidas” e compartilhadas
por pessoas reais e não mais por personagem de videogame. Uma série de
empresas começou a criar e vender modelos 3D de peças que são adicionados e
ajustados à foto de quem comprou, e esse indivíduo tem então a possibilidade
de compartilhar sua foto usando a roupa em suas redes sociais.
Devido à pandemia a maioria das marcas de moda pausou apresentações nas
passarelas reais e as substituiu por curtas-metragens ou visitas virtuais a
showroom para transmitir sua visão sazonal. Porém, mesmo antes dela, já havia
indícios de como a moda poderia existir apenas virtualmente como é o caso de
@lilmiquela e @shudu.gram, avatares que se tornaram grandes estrelas da moda.
Além delas, sites de comércio eletrônico também estão permitindo a compra de
itens sem que o cliente veja ou toque a peça pessoalmente

A criação e utilização dessas peças reforça ainda mais o caráter simbólico tanto
da moda quanto das redes sociais, e apaga ainda mais a fronteira entre o virtual e
o real. E isso é possível devido as mídias sociais terem nos treinado para nos
vestirmos para um público virtual em vez de puramente físico.

Podemos concluir, então, que os objetos – discursos, imagens, roupas etc –


circulados virtualmente são interpretados como produtos sociais formados e
transformados através de um processo de (res) significação constante, que
influencia e é influenciado pelo virtual. Virtual esse que admite cada vez mais
práticas cotidianas e, por isso, estamos cada vez mais inseridos e dependentes.
Assim é necessário voltar à pergunta-título: o virtual é o novo real?

Desse modo, o que antes era apenas uma ferramenta útil que usávamos
ocasionalmente para fins específicos no nosso dia a dia, tornou-se um novo meio
ambiente no qual replicamos virtualmente tudo aquilo que antigamente fazíamos
apenas no "mundo real".
O curioso disso é que, com a melhora tecnológica, nosso mundo conhecido
se expandiu. Afinal, ao permanecermos conectados dia e noite, por meio de
vários dispositivos, acabamos tendo autonomia e liberdade para estarmos
em contato com este outro mundo (e quem nele estiver logado) a qualquer
hora - coisa antes impraticável. Por isso, não é de se estranhar que, por
estarmos todos conectados, seja fácil acompanhar o dia a dia de um
familiar, um amigo ou um namorado através dos inúmeros aplicativos,
extensões e programas que instalamos em nossos aparelhos.

Além disso, as redes sociais nasceram como uma forma de integrar


pessoas. Essas mídias permitem que amizades continuem se renovando
constantemente e que a gente conheça pessoas as quais nunca teríamos
acesso antes. Por outro lado, as redes também abriram espaço para uma
série de abusos e inconvenientes que antes não tínhamos nas nossas
relações pré-internet.

Vejamos alguns deles:

Comodismo
Quando ficamos online direto, seja por inércia ou por causa do trabalho,
acabamos perdendo o hábito de nos encontrarmos com nossos amigos
para bater papo, fazer um passeio ou uma viagem. Muitas vezes acabamos
desistindo dessas interações ao vivo por causa do dinheiro, do trânsito, do
tempo e também porque ao estarmos acompanhando as novidades de
nossos amigos diariamente, tememos que não haja muito para conversar
quando estivermos cara a cara com eles.

Aparência
Tem vezes que queremos parecer melhor do que somos ou estamos e isso
nos leva a não ser totalmente verdadeiros nas nossas interações virtuais.
Na vida real isso seria mais difícil de representar, pois não há aplicativos
para melhorar nossa aparência, e quando estamos mal é algo mais evidente
de perceber. Afinal, na internet podemos nos fingir que estamos
desconectados ou colocar frases felizes nas redes sociais, por exemplo.

Invasão de privacidade
A facilidade em bisbilhotar a vida dos outros, proporcionada pelas novas
tecnologias, nos faz invadir a privacidade alheia com mais frequência. Com
isso, não damos espaço para que nossos amigos possam superar uma
crise sem nossa intervenção e conhecimento, ou que saiam com outros
amigos, sem que fiquemos ofendidos por não termos sido convidados.
Afinal, na vida pré-internet as pessoas iam e vinham e, a não ser que
estivéssemos no mesmo lugar que elas, dificilmente saberíamos.

Menos segurança
Na internet é mais fácil sermos manipulados ou cairmos em golpes. De
alguma forma, podemos ser suscetíveis a acreditar no que outra pessoa
está dizendo, só pela convicção que ela tem ao conversar conosco ou por
supostas provas que nos mandam. Porém, quantos casos não sabemos de
homens que se faziam de mulheres na rede, de estrangeiros que na
verdade moravam perto de nós, de pessoas solteiras que eram casadas, de
adolescentes que no fundo eram senhores de meia idade, etc?

Por isso, se você vive na internet e suas amizades estão quase 100% nela,
veja alguns cuidados:

 Procure se encontrar periodicamente com seus amigos virtuais.


Afinal, o contato físico, como um abraço, a troca de energia e o som
do riso continuam sendo grandes fontes de satisfação entre pessoas
que se gostam.

 Além disso, algumas pessoas virtualmente passam a impressão de


serem de uma forma e, quando você efetivamente as conhece, são de
outra. Ter noção de como a pessoa é nos dois mundos - real e virtual
- ajuda a construir uma imagem coerente dela, lhe ajudando a decidir
se merece continuar sua amiga ou não.

 Tenha cuidado ao passar informações sigilosas para pessoas


totalmente desconhecidas, mesmo que já estejam conversando há
algum tempo. Saber utilizar bem os recursos das redes sociais lhe
ajuda a se situar melhor a respeito de quem deve ou não integrar sua
lista. Assim, sempre investigue um pouco as pessoas, mas sem
invadir a privacidade delas, claro.

 Não se sinta dono de seus amigos, só porque sabe onde e com quem
estão, muito menos faça exigências. Amizade é algo que deve fluir
espontaneamente, sendo um movimento recíproco. Se você notar que
não tem sido mais assim, então repense a amizade em si, ao invés de
tentar manipulá-la.

 Procure também manter o mesmo nível de educação e respeito que


tem com as pessoas fora da internet. Por estarmos todos no meio
virtual, podemos correr o risco de sermos grosseiros ou de
incomodarmos os outros, sem perceber. Ou seja, status de ocupado,
pode mesmo significar que a pessoa não pode conversar com você.

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