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Breves Anotações sobre a Emenda 45/04

1- Introdução:

Finalmente a tão propalada Reforma do Poder Judiciário veio a lume, trazendo, ao menos
conceitualmente, mudanças significativas no panorama constitucional desde que se constitua o
Poder responsável pela pacificação de tensões sociais e jurídicas.

É inegável que alguns pontos da Emenda Constitucional nº 45, promulgada no dia oito de
dezembro de 2004, ainda vão merecer cuidados do legislador infraconstitucional, posto que
carecem de regulamentação. Desnecessário dizer que o prazo de 180 (cento e oitenta) dias -
previsto no artigo 7º - não será, como de praxe, obedecido, restando-nos apenas torcer para
que tais leis sejam elaboradas um dia. Torna-se, por outro lado, inaceitável que no Brasil do
Século XXI o legislador continue mais preocupado em reformar a Constituição do que em
regulamentar os seus dispositivos, alguns, inclusive, revogados sem nunca terem surtido efeito
prático, posto que desprovidos de eficácia devido à ausência de normas regulamentadoras.

Assim sendo, resolvi tecer alguns comentários sobre a Emenda 45/04 e o que penso será seu
reflexo nas próximas provas de concursos das áreas fiscal e jurídica.

2- Princípio da Supremacia Constitucional

Por esse princípio a Constituição está no ápice do ordenamento jurídico nacional e nenhuma
norma jurídica pode contrariá-la, material ou formalmente, sob pena de advir uma
inconstitucionalidade.

Coube à Emenda Constitucional nº 45/04 a tarefa de relativizar este princípio. Até então as
normas de estatura constitucional estavam necessária e topograficamente inseridas dentro do
texto constitucional, pouco importando se eram permanentes ou transitórias, originárias ou
derivadas. Agora, graças ao novo § 3° do artigo 5º da Constituição da República, os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos gozam de hierarquia constitucional também,
desde que aprovados com o rito legislativo rígido, semelhante ao utilizado para aprovação de
emendas constitucionais. Na prática, os decretos legislativos que tratam deste tema e que
tramitarem com esse procedimento diferenciado terão status de normas constitucionais
derivadas.

Destarte, a hierarquia das normas no sistema jurídico nacional sofre significativa alteração.
Assim, se uma lei ordinária ofender um desses decretos legislativos constitucionais , opera-se
um conflito de inconstitucionalidade (e não de ilegalidade), passível de ser dirimido pelo
Supremo Tribunal Federal em controle concentrado, como veremos na Unidade VII desta obra.

Portanto, modifica-se o posicionamento jurisprudencial do STF que até então não admitia a
possibilidade de um tratado internacional rivalizar em hierarquia com norma constitucional. Pelo
menos neste caso específico tais tratados e convenções passam a integrar o seleto grupo de
normas constitucionais derivadas do nosso ordenamento jurídico.

3- Alterações do Artigo 5º da Constituição da República

 
Foram inseridos os seguintes dispositivos:
 

razoável
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação;
 

Sempre foi corrente na doutrina que uma emenda constitucional poderia ampliar o rol de
direitos individuais do artigo 5ª e, após mais dezesseis anos de promulgação da Carta, a
Emenda nº 45/04 finalmente alterou este dispositivo constitucional acrescentando este novo
inciso e mais dois parágrafos que serão objetos de nossos comentários logo a seguir.

Eis que surge com a projeção constitucional devida o Princípio da Duração Razoável do
Processo que, se inobservado, constituirá verdadeira negativa de acesso à jurisdição,
implicando em ofensa ao inciso XXXV do mesmo artigo.

Segundo a boa doutrina, o direito à denominada ordem jurídica justa, aí incluída a celeridade
do processo, é a tônica da processualística moderna. No abalizado entendimento de Leonardo
Greco, o devido processo legal deve ser o justo processo legal, sendo imperativo que a tutela
jurisdicional se não imediata, pelo menos seja rápida. Diante de ameaça ou vilipêndio a
direito a resposta do Estado – que se pretende democrático – deve ser pronta e eficaz.
Ressalte-se que, aqui, a eficácia se relaciona intimamente com a presteza. Caso contrário
qualquer solução se torna injusta, porque tardia. Surge daí, no entendimento de Cristina
Gutiérrez, o dever judicial de adequação do procedimento à pretensão deduzida em juízo.

Torna-se evidente que inúmeras providências nas leis processuais devem ser tomadas para que
este principio se institucionalize de fato e de direito em nosso ordenamento jurídico. Assim, por
exemplo, deve ser ampliado o sistema de fungibilidade dos recursos, bem como evitar a
extinção do processo, favorecendo-se a conversão do mandado de segurança em ação de rito
sumário, desde que não traga nenhum prejuízo para defesa, evitando-se, assim, a extinção do
feito sem análise de mérito, o que implicaria em novo ajuizamento, com o natural recolhimento
de novas custas e taxa judiciária, entre outras providências.

Percebe-se a intenção do legislador constituinte em economizar o jurisdicionado. Não apenas na


economia processual, através da simplificação dos ritos e rituais, dando relevância à oralidade,
mas, também, à economia financeira otimizando gastos e realocando recursos. Isso sem falar
na economia de tempo, visto que parece improvável que diante de tanta tecnologia os
processos e as audiências ainda apresentem atos e práticas do século XIX. Abre-se espaço para
o processo virtual, mais barato e rápido para todos, inclusive para o Estado. Audiências através
de videoconferências, petições entregues via internet, interrogatórios de réus presos sem
necessidade de deslocamento, economia de dezenas de milhares de folhas de papel, que
certamente contará com a gratidão da mãe natureza.

Outrossim, para que tudo isso se concretize, interesses devem ser contrariados, castas
desfeitas e privilégios perdidos.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem


aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

A partir de oito de dezembro de 2004, data da promulgação da Emenda 45, inaugura-se uma
nova postura constitucional em nosso país. Novas perspectivas surgem desenhando um
horizonte onde se divisará a convivência de normas constitucionais com normas
supraconstitucionais em toda a América Latina, abrindo espaço para que, nos moldes do
modelo europeu, irrompa uma Confederação Latina de Nações, com uma Constituição a unificar
todos os países da América do Sul e, quiçá, da América Central. Tudo conspirando para a
concretização da norma programática constante do parágrafo único do artigo 4º da Constituição
Brasileira.

É inegável que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ainda não sinaliza favoravelmente
a tal pretensão. Todavia, também é impostergável que, devido ao fenômeno da globalização, o
mundo em muito breve estará dividido em sete ou oito confederações ou comunidades,
exigindo para tanto o surgimento de instrumentos constitucionais que estejam preparados para
essa nova ordem mundial.

Cremos que o primeiro passo, ainda que tímido, foi dado. Em breve seremos forçados a
reconhecer a necessidade de uma jurisdição constitucional internacional. Por ora relativiza-se o
até então rigoroso Princípio da Supremacia da Constituição, admitindo-se que alguns decretos
legislativos, com tramitação diferenciada, tenham hierarquia constitucional, prevalecendo,
outrossim, sobre quaisquer leis que pretendam reduzir-lhes o alcance. Petrificam-se, ainda
mais, os tratados e convenções internacionais acerca dos direitos humanos, sendo certo que,
nestes casos, o Supremo Tribunal Federal deve reconhecer que eles serão mais do que leis
ordinárias e menos do que normas constitucionais originárias. Mais do que leis ordinárias
porque são normas constitucionais. Menos do que normas constitucionais originárias porque se
submetem ao controle de constitucionalidade como ocorre com as emendas constitucionais.

Questão interessante, envolvendo a teoria da recepção, seria a de indagar o que ocorrerá com
os tratados e convenções sobre direitos humanos que tenham sido ratificados pelo Brasil antes
de oito de dezembro de 2004. Cremos que tais tratados e convenções preexistentes, ainda que
não tenham seguido o rito diferenciado para sua conversão em decreto legislativo, restaram
recepcionados e gozam desde a promulgação da Emenda nº 45/04 do status de emendas
constitucionais. Isso porque não se admitirá inconstitucionalidade formal superveniente, o que,
por si só, justificaria sua recepção desta forma, desde que o seu conteúdo material seja
referente a direitos humanos.

Restam, pois, tais tratados e convenções preexistentes recepcionados como emendas


constitucionais.

Prevalecendo esse entendimento, aponta-se uma questão assaz complexa. A Cláusula Sétima
do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo
Brasil em 25/09/1992) admite apenas um caso de prisão civil, o do inadimplemento voluntário
e inescusável de obrigação alimentícia, não contemplando, portanto, a prisão do depositário
infiel. Restará agora ao Supremo Tribunal Federal dirimir a questão quando a ocasião se
mostrar propícia. Afinal o que deverá prevalecer daqui por diante? A norma posterior mais
benéfica do Tratado que contempla apenas um caso de prisão civil ou a mais antiga e
prejudicial (posto que impõe maiores restrições à liberdade de locomoção) que consta do artigo
5º, LXVII, que apresenta duas possibilidades de prisão civil? Tudo indica que teremos o
primeiro caso no Brasil onde um tratado revogará uma norma constitucional. Quem viver, verá.

Outra questão interessantíssima, envolvendo a hierarquia das normas, seria a relativa a um


conflito entre uma norma infraconstitucional qualquer e um decreto legislativo conversor de um
tratado internacional dentro destes parâmetros. Quer nos parecer que o conflito aí instalado
seria o de inconstitucionalidade, devendo o decreto legislativo (anterior ou posterior à lei, tanto
faz) prevalecer sobre a norma infraconstitucional, surgindo, assim, um novo prisma de
parametricidade nos conflitos de inconstitucionalidade.

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação


tenha manifestado adesão.

 
A internacionalização da jurisdição penal antes de ser uma realidade é uma necessidade
imperativa para o combate à criminalidade internacional que desconhece fronteiras. Com o
advento do Pacto de Roma de 1998, surge o Tribunal Penal Internacional (TPI), instalado em
2004, com composição paritária: treze juízes e treze juízas de diversas nacionalidades.

O TPI é um Tribunal permanente com competência para investigar, processar e julgar


indivíduos acusados das mais graves violações do direito internacional humanitário. Desde os
chamados crimes de guerra, passando pelos crimes contra a humanidade e o genocídio.
Diferente da Corte Internacional de Justiça, cuja jurisdição é restrita a alguns Estados, e dos
Tribunais da Iugoslávia e Ruanda, que foram criados para situações específicas, o TPI é
permanente e preexistente ao fato que originou a investigação e o processo.

4- Do Conselho Nacional do Ministério Público

O controle externo do Judiciário não se limita à criação do Conselho Nacional de Justiça, mas
também avança através do Ministério Público, não integrante do Poder Judiciário, sim do Poder
Executivo, mas função essencial à Justiça. O objetivo é “cercar de cuidados” todos os âmbitos
da Justiça.

O Conselho nacional do Ministério Público não se afigura como um espelho do Conselho


Nacional de Justiça aplicado ao Ministério Público. Definitivamente não; é mais do que isso, é
um verdadeiro controle, uma corregedoria externa do MP e da Administração Pública, podendo
aplicar sanções aos membros e serventuários, como será abordado mais adiante.

A tão afamada independência funcional MP encontra-se, a partir da emenda 45/04, tolhida. A


instituição que se auto-denominava de “quarto Poder” terá de curvar-se a um Conselho
externo, composto não apenas de membros do MP, como também por juízes, advogados e
cidadãos.

Sua formação é de 14 membros, sendo a presidência do representante maior da Instituição, o


Procurador-Geral da República. O PGR é nomeado pelo Presidente da República, após
aprovação do nome pelo Senado Federal. Nesta primeira consideração já é possível vislumbrar
a influência política sob a qual estará submetida a nova organização.

O Ministério Público da União compreende o Ministério Público Federal, o Ministério Público do


Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. A
cada um deles é garantida uma cadeira no Conselho. A escolha será feita por cada um dos
Ministérios Públicos.

Os Estados não estarão todos representados no Conselho. Serão apenas três membros
escolhidos dentre os Ministérios Públicos Estaduais e o novo texto constitucional não faz
qualquer referência a serem de Estados diversos ou haver algum rodízio na representação.
Destarte, poder-se-á admitir que os três integrantes do Conselho sejam oriundos do MP do
Estado de São Paulo, ou que durante vários mandatos consecutivos, o MP da Bahia, por
exemplo, não tenha qualquer representação.

Também haverá juízes na composição, sem qualquer distinção entre juízes federais ou
estaduais, de tribunais ou juízos singulares.

Da advocacia, dois serão escolhidos pelo Conselho Federal da OAB.


A parte mais democrática deste dispositivo encontra-se na previsão de duas vagas no Conselho
reservadas para cidadãos, porém, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Questão
importante é acerca da possibilidade deste cidadão de notório saber jurídico e reputação ilibada
ser um magistrado, um membro do MP ou mesmo um advogado, ou da necessidade de não ser
abrangido por qualquer uma das vagas já citadas, como um funcionário público, ou professor
universitário. A solução será oferecida a partir das primeiras nomeações, onde poderemos
resolver esta ligeira controvérsia. Ratificando o texto constitucional, esses cidadãos serão
escolhidos, um pela Câmara dos Deputados, outro pelo Senado Federal.

Haverá, ainda, um Corregedor Nacional do Ministério Público, escolhido por votação dentre os
membros do conselho, sendo vedada a sua recondução. Sua função mais específica encontra-se
diretamente relacionada aos membros e serviços auxiliares, não especificamente à atividade da
instituição do Ministério Público.

Dentre as atribuições previstas para este novo órgão, está a fiscalização da atuação do
Ministério Público, inclusive podendo expedir atos regulamentares, isto é, legislando
atipicamente. Esta fiscalização compreende, inclusive a revisão de atos já praticados, podendo,
até mesmo desconstituí-los. Se por um lado o texto da Carta Magna busca fortalecer a
autonomia do Ministério Público, por outro, com esta norma, retira-a. A força desse dispositivo
não se encontra na intimidação do membro do MP de cometer atos ilícitos, ou mesmo que não
correspondam aos princípios do caput do artigo 37 da CF, mas sim inibi-los de muitas vezes
tomar atitudes absolutamente legais, porém contrários à política, ou a interesses escusos.

Processos disciplinares passarão a “correr” no Conselho, que funcionará também como instância
revisora dos processos decididos dentro do respectivo Ministério Público. Esta norma tiras a
credibilidade das decisões tomadas na instituição e coloca o Conselho como órgão muito
superior, acima do “bem e do mal”, como se os conselheiros fossem verdadeiros inquisidores da
Idade Média.

Como se não bastasse o controle exercido perante a própria instituição, como forma de evitar
um possível corporativismo dentro da mesma, o Conselho será dotado de poderes perante os
serviços auxiliares, isto é, perante os servidores que já encontram-se subordinados à
corregedoria da instituição para a qual trabalham, e também ao Estado ou à própria União,
quando servidores federais.

Dentre as sanções que podem ser aplicadas tanto aos membros do MP quanto aos seus
servidores encontram-se a remoção, disponibilidade, aposentadoria proporcional e outras
sanções disciplinares, como a repreensão, a suspensão e até demissão.

Podemos concluir, então, que este novo Conselho que se reveste da aparência de “guardião da
legalidade”, mais parece um opressor das próprias funções do Ministério Público, acenando aos
seus membros com a remoção e a disponibilidade àqueles que não cumprirem suas
determinações. O plano que o Ministério Público buscava de alcançar o patamar de Quarto
Poder encontra-se tolhido em sua autonomia, pois sujeito à supervisão constante.

Não cabe na espécie a aplicação do Princípio da Simetria Constitucional, já que as atribuições


do Conselho atingem os membros dos ministérios públicos estaduais. Desta forma, não nos
parece aceitável que as Cartas estaduais possam criar órgãos simétricos no seu texto.

Para que não haja prévio julgamento, deve-se perceber, ainda, o Conselho Nacional do
Ministério Público, como uma manifestação da democracia que busca, em verdade, evitar a
corrupção e a inércia diante de suas funções próprias. Isto é o que nós cidadãos esperamos
dessa nova ordem na Justiça.

5- Controle Externo do Poder Judiciário


5.1 - Introdução
É inegável que a Constituição de 1988 fortaleceu sobremaneira o Poder Judiciário, como é
comum em tempos de democracia plena. Para se ter uma idéia do que isso significa, basta
pesquisar um pouco as decisões judiciais dos últimos anos e logo perceberemos que o Judiciário
tem se imiscuído em questões de mérito e justeza do ato administrativo, por exemplo,
rompendo a tradicional barreira catedrática que limitava a sua ação à análise de forma
deixando o conteúdo discricionário do ato por conta e risco do administrador público. Esse
alargamento do controle judicial sobre os atos de gestão pública tem causado grande
desconforto ao Poder Executivo e, de certo modo, ao Poder Legislativo. Sobejos são os
exemplos espalhados na jurisprudência, sobretudo nas instâncias monocráticas. Tanto que a
reação não tardou e veio através da Emenda n º 45/04, muito propriamente denominada de
Reforma do Judiciário.

Passamos à análise de alguns aspectos atinentes ao novo sistema de controle externo do


Poder Judiciário.
A idéia não é nova, até porque outros mecanismos de controle já existiam, tais como:

a) a escolha dos membros dos tribunais sofre influência externa, por parte do Legislativo,
Executivo, OAB, Ministério Público e das influências da sociedade e da imprensa;

b) os ministros do STF são julgados pelo Senado nos crimes de responsabilidade;


c) os atos e contas do Poder Judiciário são fiscalizados pelos Tribunais de Contas;
d) os atos processuais são fiscalizados pelas partes e pelo Ministério Público;
e) a exigência de fundamentação das decisões também assegura controle das mesmas pela
sociedade;

f) os atos do Judiciário também estão sujeitos ao direito de ação e às ações constitucionais tais
como o mandado de segurança e, em especial, a ação popular, etc. Embora o Judiciário vá
julgar estas causas, a submissão dele mesmo ao julgamento é uma forma de controle,
permitindo-se ainda maior publicidade aos atos atacados, podendo o sistema de recursos levar
a causa até o Supremo Tribunal Federal, diminuindo quase a zero a possibilidade de decisões
corporativas;

Ressalte-se, ainda que o controle recíproco entre os poderes é decorrência da própria Carta
(art. 2º e 60, § 4º, III), chamando-se de sistema de freios e contrapesos (checks anda
balances).

 
5.2 - Do Conselho Nacional de Justiça
 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) integra a estrutura do Poder Judiciário, conforme


determina o artigo 92, I-A da Constituição. Sua natureza jurídica, portanto, é de órgão judicial
com sede na Capital Federal.

A questão que se coloca a respeito de ser o Conselho dotado ou não de jurisdição é por demais
controversa. Se por um lado não parece ter sido essa a vontade do legislador constituinte, por
outro, como explicar a existência de um órgão judicial desprovido de jurisdição?! Não obstante,
é preferível, por cautela, entender que o órgão tem atribuições e não competências, até porque
a natureza jurídica de suas decisões é administrativa, limitando-se a sanções de ordem
disciplinar.

O CNJ é composto por quinze membros, dos quais nove integram o Judiciário e seis
serão recrutados entre representantes do Ministério Público, da Ordem dos
Advogados do Brasil e da sociedade civil. Estes últimos indicados pelo Senado Federal e
pela Câmara dos Deputados. O representante do Supremo Tribunal Federal exercerá a
presidência do Conselho. Todos os membros serão nomeados pelo Presidente da República,
depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Para dar mais transparência às decisões do CNJ, o Procurador Geral da República e o Presidente
do Conselho Federal da OAB vão oficiar junto ao órgão, funcionando como uma espécie de
custos legis dentro das atribuições do Conselho.

As ações contra o Conselho Nacional de Justiça serão julgadas pelo Supremo Tribunal Federal,
nos termos do artigo 102, I, r da Constituição.

Já ao Senado Federal compete julgar os membros do Conselho Nacional de Justiça nos crimes
de responsabilidade.
 
5.3 - As Atribuições do Conselho Nacional de Justiça
 

O CNJ tem como função primordial o planejamento e a padronização das


atividades do Poder Judiciário. Sua atuação terá caráter dúplice, ora funcionando
preventivamente como, por exemplo, quando zelar pela autonomia do Poder Judiciário; ora
repressivamente quando, por exemplo, conhecer das reclamações contra membros ou órgãos
do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores
de serviços notoriais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados,
sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos
disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com
subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções
administrativas, assegurada ampla defesa.

Quer nos parecer desnecessária a criação, em nível estadual, de qualquer órgão de controle
externo do Poder Judiciário. Até porque a interpretação do artigo 103 - B, § 7º da CR, parece
deixar clara a competência da União para, inclusive (e não só), criar ouvidorias de justiça no
Distrito Federal e nos Territórios Federais (se um dia forem criados). Portanto, parece
improvável a aplicação do Princípio da Simetria Constitucional na espécie. Outro argumento que
favorece essa tese é o fato de que integram o CNJ um desembargador de Tribunal de Justiça e
um juiz estadual, ambos indicados pelo Supremo Tribunal Federal.

 
5.4 - Fim do Recesso Forense e Distribuição Imediata dos Processos
 

Outras medidas de menor impacto, mas extremamente úteis, foram tomadas pela Reforma do
Judiciário, buscando acelerar o fim dos litígios e promover a celeridade processual apregoada
agora como garantia individual petrificada.

Uma delas é o fim do recesso forense, tornando ininterrupta a tutela jurisdicional. Agora
apenas o Poder Legislativo não trabalha ininterruptamente. A interpretação do artigo 93, XII
não deixa margens para dúvidas. Trata-se de dispositivo constitucional de eficácia absoluta e
imediata, devendo ser cumprido sem delongas ou sofismas inaceitáveis. Fica, portanto,
extinto o recesso forense.

Outra alteração muito bem-vinda veio com a redação do inciso XV, do mesmo artigo 93: "a
distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição". Tal medida, além de
combater a morosidade, vai favorecer a divulgação de estatísticas dando mais eficácia ao
controle externo do Judiciário.

 
5.5 - Federalização dos Crimes Contra Direitos Humanos
 

Acerca da competência dos juízes federais, o artigo 109 da Constituição foi alterado sendo
incluídos o inciso V-A e o parágrafo 5º, atinentes à federalização dos crimes contra direitos
humanos, sendo certo que tais crimes, como o de tortura e homicídio praticado por grupos de
extermínio, poderão ser julgados pela Justiça Federal, desde que o Procurador Geral da
República manifeste interesse perante o Superior Tribunal de Justiça.

5.6 - Alterações da Justiça do Trabalho


 

O Tribunal Superior do Trabalho será composto de vinte e sete Ministros, escolhidos dentre os
brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo
Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:

- um quinto entre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros
do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o artigo
94 da Constituição da República;

- os demais dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura de


carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior.

A lei disporá sobre a competência do Tribunal Superior do Trabalho.

Sendo certo que funcionarão junto ao Tribunal Superior do Trabalho a Escola de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho e o Conselho Superior de Justiça do Trabalho
(CSJT), a quem compete exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa, orçamentária,
financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão
especial do sistema, cujas decisões terão efeitos vinculantes.

Na verdade o CSJT exercerá o controle externo da Justiça do Trabalho nos moldes do Conselho
Nacional de Justiça (artigo 103-B da CR).

A Constituição foi emendada trazendo inovações relevantes para a Justiça do Trabalho. São
elas:

a) Extinção dos juízes classistas. A Emenda nº 24/99 extinguiu a representação


classista, com a eliminação dos ministros e juízes classistas temporários, na composição do TST
e dos TRT's, que, no entanto, tiveram assegurado o cumprimento de seus respectivos
mandatos.

b) Ampliação da competência da Justiça do Trabalho . A Emenda nº


45/04 ampliou a competência da Justiça do Trabalho, ao modificar e ampliar o art. 114,
criando, inclusive, novos parágrafos.

Além do que uma nova organização e forma de composição foi elaborada para os Tribunais
Regionais do Trabalho, conforme preceitua o artigo 115, alterado pela EC 45/04.

 
5.7 - Da Súmula Vinculante
 
Súmula, em sentido genérico, como define De Plácido e Silva, "é o que de modo abreviadíssimo
explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, a súmula de uma sentença, de
um acórdão, é o resumo, ou da própria ementa da sentença ou do acórdão".

Já em sentido mais específico, súmula é o resultado do julgamento tomado pelo voto da


maioria absoluta dos membros de um tribunal, condensando em um enunciado o que se
traduzirá em um precedente, buscando a uniformização da jurisprudência do tribunal.

A súmula não se confunde com a lei. A lei é ato que obriga, dotado de alto coeficiente de
generalidade e abstração. A súmula, por sua vez, é uma interpretação que o Poder Judiciário dá
à lei quando da sua aplicação em casos concretos. A lei tem caráter coercitivo. A súmula
apenas denota-lhe o alcance, dando um significado mais concreto à abstração legal. A lei é
legislativa porque, em regra, emana do Poder Legislativo. A súmula é judicial porque sempre
emana do Poder Judiciário. A lei comporta várias formas de interpretações. A súmula jamais
comporta interpretação analógica.

Pelo menos era assim... Agora já não sei bem.

Com o advento do artigo 103-A, introduzido pela Emenda Constitucional n° 45/04, se instala,
em vários aspectos, uma confusão conceitual entre lei e súmula. Coisa própria de sistema
constitucional flexível (tipo o saxão) e que aqui vai gerar uma verdadeira revolução conceitual
cuja dimensão, no momento, ainda não conseguimos nem alcançar.

Quer parecer, só para começar, que agora o Supremo Tribunal Federal funcionará como
legislador atípico positivo, posição da qual o Pretório Excelso sempre declinou.

Sem dúvida, de todas as inovações trazidas pela EC nº 45/04, a súmula vinculante é a mais
controversa e polêmica. Eis que surge com o pretexto de combater a insegurança jurídica
gerada pela controvérsia de decisões entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração
pública. Todavia, para isso, retira do ato de sentenciar toda a criatividade que deve revesti-lo,
convertendo tribunais e juízes em meros repetidores das decisões do Supremo. Desconhece
que princípios gerais do direito, como a eqüidade, devem ser considerados na hora de prolatar
uma decisão judicial. Exige uma subserviência cega a interpretação de onze Ministros (nem
isso, bastam oito!). As nuanças de outro caso concreto semelhante devem ser desconsideradas
e o princípio da razoabilidade reduzido à figura de retórica. A pretexto de desobstruir, engessa
o Poder Judiciário. Ameaça aquele que ousar discordar do entendimento dos sumos sacerdotes
do Direito, com o instituto da reclamação (pelo menos por enquanto ainda não se cogita de
mandá-los para a fogueira).

Em suma: tolhe a criatividade para melhorar as estatísticas, como se o Direito fosse ciência
exata.

Não se pode olvidar que juízes atuantes nas instâncias inferiores são os primeiros a tomar
conhecimento das mudanças sociais e têm melhores condições para conhecer os limites da
denominada "justa justiça" no contexto da comunidade na qual estão inseridos de forma
inequivocamente mais próxima do que os juízes de segundo grau de jurisdição.

Luiz Flávio Gomes denunciou a gravidade da adoção da súmula vinculante, apontando a


violação da separação dos poderes garantida como cláusula pétrea. Tal violação decorre no
momento em que a interpretação de um texto legal seja dotada de eficácia geral, abstrata e
vinculante, caracterizando-se em verdadeira usurpação pelo Judiciário de atividade que é típica
e essencial do Legislativo.

Cármen Lúcia Antunes alerta que o mais grave está no fato de o órgão a editar súmulas
vinculantes ser o Supremo Tribunal Federal, responsável pelo julgamento de matérias
constitucionais, ensejando desta forma a edição de súmulas com força de norma constitucional,
acarretando, por conseguinte, que uma interpretação de norma aplicada a um caso concreto,
ou seja, decorrente de atuação no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, converta-
se em reforma constitucional, ante o efeito que passarão a ter os entendimentos da Suprema
Corte, conferindo, assim, às decisões de casos concretos efeitos erga omnes .

A prevalecer tal entendimento, o Supremo Tribunal Federal terá, a partir da interpretação de


oito dos seus Ministros, poder reformador, ensejando como possível e provável conseqüência
até a impossibilidade de uma modificação através do processo legislativo infraconstitucional.

Outro argumento contrário à súmula vinculante consiste na violação do princípio do juiz natural.
A respeito leciona Eugenio Raúl Zaffaroni: "um Judiciário verticalmente militarizado é tão
aberrante e perigoso quanto um exército horizontalizado".

Quer nos parecer que a súmula impeditiva de recursos seria um caminho mais seguro para
contornar a crise que se instalou no Poder Judiciário. A súmula impeditiva de recursos seria
formada nos moldes das súmulas vinculantes e obstaria a admissibilidade de recurso movido
contra decisão que a adotasse. As decisões que contrariassem o entendimento majoritário e
sumulado, contudo, seriam passíveis de impugnação recursal. Desta forma se estabeleceria um
processo de filtragem, reduzindo-se significativamente o número de recursos meramente
procrastinatórios.

De certa forma a EC nº 45/04 instituiu uma espécie de seleção dos recursos extraordinários,
dotando o Supremo Tribunal Federal de competência para não conhecer recursos
extraordinários cujo conteúdo ou decisão não projetem alguma relevância geral, inovando na
interpretação constitucional. Repare que o quórum de dois terços (idêntico ao da súmula
vinculante) deve ser observado para que o STF recuse sua análise.

6 – A Nova Legitimação Ativa na Ação Declaratória de Constitucionalidade

A Emenda Constitucional nº 45, de oito de dezembro de 2004, tratou de unificar a legitimação


ativa da ação direta de inconstitucionalidade com a da ação declaratória de constitucionalidade.
Desta forma, tudo o que foi dito sobre aquela se aplica também a essa daqui por diante. Restou
revogado o artigo 103, no seu quarto parágrafo, sendo que a nova redação do seu caput
preconiza que “Podem propor ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade”.

Com isso ocorreu, igualmente, a revogação do o artigo 13 Lei n° 9.868/99 em virtude de


inconstitucionalidade material superveniente.

 A legitimação ativa continua pluralizada, contudo, bem mais abrangente nos moldes do que
ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, na ação de inconstitucionalidade por omissão e
na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Insta observar que, além da legitimação ativa, outras condições de procedibilidade devem
restar satisfeitas para que o Supremo Tribunal Federal analise o pedido. Sobre isso o artigo 14
da Lei n° 9.868/99 se pronuncia claramente. Podemos perceber três crivos genéricos sobre os
quais o pedido será submetido, além de alguns crivos específicos de ordem formal. O primeiro
diz respeito à legitimação ativa para agir in concreto,conforme vimos acima. O segundo
recai sobre o objeto que deve ser um ato normativo abstrato emanado do espaço federativo da
União e com data de promulgação posterior à da Emenda Constitucional n° 03/93 que, como
sabemos, instituiu a ADC no sistema brasileiro de controle concentrado. Mas é sobre o terceiro
crivo que nos devemos, nesse passo da narrativa, deter: a demonstração, por parte do
agente provocador, da existência de controvérsia judicial relevante sobre a
aplicação da disposição objeto da ação declaratória.

A respeito desse último crivo de admissibilidade convém uma reflexão mais detalhada. Em
primeiro lugar, o Supremo Tribunal Federal não admite o papel de mero consultor do Legislativo
ou do Executivo, o que nos leva à conclusão de que dificilmente será admitida uma ADC que
tenha por objeto uma lei federal ainda em período de vacatio legis.

É fácil perceber a razão que move o Pretório Excelso: O que se busca em uma ADC é contrariar
uma presunção genérica de constitucionalidade que reveste todo e qualquer ato normativo
abstrato que emerge no ordenamento jurídico nacional. Portanto, a demonstração de que essa
presunção não se confirmou depende da demonstração concreta da existência de demandas
judiciais que, justificadamente, suscitem dúvidas razoáveis sobre sua legitimidade.

Assim sendo, em nome da segurança jurídica se impõe sua análise pelo Pretório Excelso,
procurando evitar que pronunciamentos contraditórios sobre a constitucionalidade ou não da
norma impugnada criem um estado tal de incerteza que gere uma total inversão da ordem
jurídica do país.

A propósito da natureza da controvérsia, assevera Ives Gandra: Embora as decisões judiciais


sejam provocadas ou mesmo estimuladas pelo debate doutrinário, é certo que simples
controvérsia doutrinária não se afigura suficiente para objetivar o estado de incerteza apto a
legitimar a propositura da ação, uma vez que por si só ela não obsta a plena aplicação da lei.
(Controle Concentrado de Constitucionalidade, Ives Gandra e Gilmar Mendes, Editora Saraiva,
1ª edição, p 265.

Da mesma obra depreendemos o voto condutor do Ministro Moreira Alves na aludida ADC 01-
DF:

“(...) é também inteiramente improcedente a alegação de que essa ação converteria o Poder
Judiciário em legislador, tomando-o como que órgão consultivo dos Poderes Executivo e
Legislativo. Essa alegação não atenta para a circunstância de que, visando a ação declaratória
de constitucionalidade à preservação da presunção de constitucionalidade do ato normativo, é
ínsito a essa ação, para caracterizar-se o interesse objetivo de agir por parte dos legitimados
para propô-la, que preexista controvérsia que ponha em risco essa presunção e, portanto,
controvérsia judicial no exercício do controle difuso de constitucionalidade, por ser esta que
caracteriza inequivocamente esse risco. Dessa controvérsia, que deverá ser demonstrada na
inicial, afluem, inclusive, os argumentos pró e contra a constitucionalidade, ou não, do ato
normativo em causa, possibilitando a esta Corte o conhecimento deles como têm sido eles
apreciados judicialmente. Portanto, por meio dessa ação, o Supremo Tribunal Federal
uniformizará o entendimento judicial sobre a constitucionalidade, ou não, de um ato normativo
federal em face da Carta Magna, sem qualquer caráter, pois, de órgão consultivo de outro
Poder, e sem que, portanto, atue, de qualquer modo, como órgão de certa forma participante
do processo legislativo. Não há, assim, evidentemente, qualquer violação ao princípio da
separação de Poderes.”

Ressalte-se, ainda, que não existem mais diferenças entre a ação direta de
inconstitucionalidade e a ação direta de constitucionalidade relativas a demonstração de
pertinência temática por parte do agente provocador, visto que, agora, tanto uma como outra
modalidade de controle abstrato possuem os mesmos legitimados ativos, quer universais, quer
especiais.

 
 
                               Sylvio Motta é professor de Direito Constitucional, autor de
diversas obras sobre o tema, consultor editorial da Elsevier/Campos, coordenador da
Companhia dos Módulos e presidente da Associação Nacional de Proteção e Amparo
ao Concurso – ANPAC.

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