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DOI: 10.1590/1413-812320212612.

14842021 6005

Práticas profissionais em saúde do trabalhador na Atenção

ARTIGO ARTICLE
Primária: desafios para implementação de políticas públicas

Professional practices in occupational health in Primary Care:


challenges for the implementation of public policies

Deiviane Pereira da Silva (https://orcid.org/0000-0003-0243-1878) 1


Ronilson Ferreira Freitas (https://orcid.org/0000-0001-9592-1774) 2
Lucas Faustino de Souza (https://orcid.org/0000-0003-2565-1080) 3
Nadine Antunes Teixeira (https://orcid.org/0000-0001-7875-2921) 3
Elizabeth Costa Dias (https://orcid.org/0000-0003-1708-1014) 4
Josiane Santos Brant Rocha (https://orcid.org/0000-0002-7317-3880) 1

Abstract The actions in Occupational Health Resumo Foram analisadas as ações de Saúde do
developed by Primary Health Care teams in a Trabalhador desenvolvidas pelas equipes da Aten-
medium-sized municipality were assessed in a ção Primária em município de médio porte em es-
cross-sectional analytical study. A questionnaire tudo transversal analítico. Utilizou-se questioná-
consisting of 35 questions, divided up into four rio contendo 35 questões, distribuídas em quatro
sections and answered by 289 health professionals, blocos, respondidas por 289 profissionais de saúde.
was used. The results were analyzed according to Os resultados foram analisados segundo a distri-
the distribution of absolute and relative frequen- buição das frequências absolutas e relativas com
cies using the chi-square test with a significance o teste de qui-quadrado, ao nível de significância
level of 0.05. The results revealed that activities de 0,05. Os resultados demonstraram que são re-
developed in the area, as well as the epidemiolo- conhecidas as atividades produtivas desenvolvidas
gical profile of the working population living in no território assim como o perfil epidemiológico
the area of coverage, are acknowledged as being da população trabalhadora residente em sua área
1
Programa de Pós- productive, however interventions based on this de abrangência, entretanto, não foram identifica-
Graduação em Cuidados diagnosis were not identified. It was observed that, das intervenções orientadas por esse diagnóstico.
Primários em Saúde,
Universidade Estadual among the professionals, more frequently it is the Observou-se que, entre os profissionais, o médico
de Montes Claros. Av. physician who identifies the epidemiological pro- identifica com mais frequência o perfil epidemio-
Osmani Barbosa. 39404-549 file of the workers, while the nurse takes the lead lógico dos trabalhadores e o enfermeiro destaca-se
Montes Claros MG Brasil.
deivianesilva@yahoo.com.br role in the surveillance of diseases and in the tech- na vigilância dos agravos e no apoio técnico-peda-
2
Programa de Pós- nical-pedagogical support for the development of gógico para o desenvolvimento de ações de Saúde
Graduação em Saúde, actions in Occupational Health. Based on the fin- do Trabalhador. Com base nos achados, observou-
Sociedade e Ambiente,
Universidade Federal dos dings, it was observed that teams find it difficult to se que as equipes têm dificuldade para incorporar
Vales do Jequitinhonha e incorporate actions in Occupational Health in the as ações de Saúde do Trabalhador no planejamen-
Mucuri. Diamantina MG planning of daily activities in their praxis, sug- to das atividades cotidianas de sua práxis, suge-
Brasil.
3
Centro Universitário gesting the need for professional qualification and rindo a necessidade de qualificação profissional
Funorte. Montes Claros MG pedagogical and institutional technical support e suporte técnico pedagógico e institucional pelas
Brasil. from the specialized units. instâncias especializadas.
4
Faculdade de Medicina,
Departamento de Medicina Key words Occupational health, Primary health Palavras-chave Saúde do trabalhador, Atenção
Preventiva e Social, care, Surveillance in occupational health Primária à Saúde, Vigilância em Saúde do Tra-
Universidade Federal balhador
de Minas Gerais, Belo
Horizonte MG Brasil.
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Silva DP et al.

Introdução torna-se necessário ampliar a cooperação en-


tre as instâncias de gestão da APS e a ST10 bem
A Saúde do Trabalhador (ST) configura-se como como implementar apoio técnico pedagógico, ou
um campo de atuação do Sistema Único de Saú- matriciamento das equipes pelas instâncias res-
de (SUS) que tem por finalidade intervir sobre ponsáveis; os Centros de Referência em Saúde do
o processo saúde-doença dos trabalhadores, de Trabalhador (CEREST), os Núcleos Ampliados
modo a garantir uma atenção integral que incor- de Saúde da Família (NASF) e as áreas de Vigi-
pore práticas de promoção e proteção da saúde, lância em Saúde.
bem como vigilância, assistência e reabilitação1, O conhecimento produzido pela literatura
considerando o trabalho como determinante das acerca das ações em ST, desenvolvidas pelos pro-
condições de vida e de saúde da população2. fissionais da APS, demonstraram que as práticas
A publicação da Política Nacional de Saúde de ST ainda não estão incorporadas no cotidiano
do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) em de trabalho das equipes de APS3. Dessa forma, as
2012 reforçou a importância de propiciar o cui- ações de assistência à ST ainda são escassas, pon-
dado integral aos trabalhadores, o que se inicia tuais e não acontecem de forma articulada com
na Atenção Primária à Saúde (APS)1, favorecendo a PNSTT11-14. É possível evidenciar que as ações
o acesso dos trabalhadores à assistência à saúde, mais relatadas são o atendimento e as notifica-
com qualidade, resolutividade e com capacidade ções de agravos relacionados ao trabalho (aci-
para compreender os modos como o trabalho in- dentes de trabalho e doenças ocupacionais) e o
terfere nas suas condições de vida e saúde, bem mapeamento das atividades produtivas3,15.
como a implementação das ações de vigilância3. São apontados como fatores dificultadores
Entretanto, apesar dos avanços observados para a realização das ações de ST são: a sobrecar-
nos últimos 30 anos, a inserção de um cuidado ga de trabalho da equipe, a formação profissional
qualificado aos trabalhadores no âmbito do SUS inadequada/despreparo, a falta de apoio institu-
mostra-se insuficiente para atender as necessida- cional; fatores relacionados à Comunicação de
des impostas pelas transformações no mundo do Acidentes de Trabalho (CAT), ao nexo causal, à
trabalho, marcadas pelo crescimento da informa- condição de trabalho do funcionário da saúde, à
lidade, a precarização dos vínculos e a domiciali- vida do trabalhador e sua relação com o labor e
zação das atividades, que têm consequências dra- à lógica da produtividade15,16. E como fatores fa-
máticas sobre a saúde e a vida dos trabalhadores4,5. cilitadores, destaca-se o apoio matricial pelo CE-
Segundo estimativas da Organização Interna- REST e por outras instâncias do SUS3,14.
cional do Trabalho (OIT)6, ocorrem no mundo, Nesse contexto, torna-se necessária a busca
anualmente, 2,78 milhões de mortes por causas de apoio para fortalecer a assistência à ST, que
relacionadas ao trabalho. Destas, cerca de 2,4 mi- deve agrupar recursos metodológicos, com vistas
lhões são decorrentes de doenças profissionais, a atender aos objetivos dos gestores, profissionais
enquanto 380 mil se devem aos acidentes7. Dados de saúde e usuários. Quanto a isso, a gestão com-
do Observatório Digital de Saúde e Segurança do partilhada entre os sujeitos é construída a partir
Trabalho8 registram a ocorrência de 3.879.755 de relações horizontalizadas e solidárias entre as
acidentes de trabalho no Brasil entre os anos de equipes de saúde da família e os apoiadores ins-
2012 a 2017 em trabalhadores do mercado for- titucionais, respeitando-se os diferentes saberes
mal, apontando que os agravos relacionados ao e práticas, compartilhando dificuldades e cons-
ofício configuram um problema de saúde públi- truindo estratégias de intervenção17.
ca9 e colocam o Brasil em quarto lugar, no mun- O estudo buscou conhecer a incorporação
do, em número de acidentes nessa área8. dos cuidados aos trabalhadores no cotidiano dos
Nesse cenário, o SUS assume particular im- profissionais da APS em município de grande
portância na atenção aos trabalhadores, conside- porte do Norte de Minas Gerais, com a finalidade
rando o panorama de elevados acidentes e do- de contribuir para potencializar o desenvolvi-
enças relacionadas ao trabalho, registrados nos mento de ações de ST, na perspectiva da integra-
sistemas oficiais9 e reconhecendo a centralidade lidade da atenção.
da APS na assistência à saúde dessas pessoas3.
Entretanto, para que cumpra bem esse papel, é
necessário à APS conhecer melhor o processo Metodologia
de trabalho das equipes, as dificuldades que en-
contram enquanto trabalhadores e profissionais Trata-se de estudo transversal, analítico, desen-
de saúde para a superação dos entraves. Assim, volvido nas unidades de APS do município de
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Montes Claros/MG, o qual é sede de CEREST gativas (nunca, raramente, às vezes), positivas
Regional, habilitado pela Portaria nº 102, de 25 (quase sempre e sempre) e não sei, as quais foram
de novembro de 200818. Em outubro de 2017, no comparadas às suas frequências e percentuais.
início da pesquisa, existiam 132 equipes de ESF Para comparar as frequências absolutas e relati-
implantadas, sendo 122 na área urbana e 10 na vas das práticas de atenção à saúde dos usuários
área rural, evidenciando uma cobertura de cem trabalhadores, desenvolvidas pelos profissionais
por cento do município. A população da pesquisa no âmbito da APS (bloco 3) e o apoio para o de-
foi constituída pelos cirurgiões-dentistas (CD), senvolvimento da atenção à ST no âmbito da APS
enfermeiros e médicos cadastrados nas Unidades (bloco 4) por categoria profissional, as respostas
Básicas de Saúde do município, que, à época do também foram recategorizadas, respectivamen-
trabalho de campo, perfaziam um total de 326 te, em negativas (nunca, raramente e às vezes),
trabalhadores, distribuídos em 132 equipes. In- positivas (quase sempre e sempre), no bloco 3;
cluíram-se neste estudo os profissionais de nível e negativas (discordo fortemente e discordo) e
superior, considerando o tipo de assistência pres- positivas (concordo e concordo fortemente) no
tada na APS. Foram excluídos os profissionais que bloco 4.
se encontravam afastados do trabalho por férias, Previamente à coleta de dados, realizou-se
atestado médico ou licença-maternidade. um estudo piloto com profissionais pertencentes
A coleta de dados ocorreu no período de ou- às categorias pesquisadas (um cirurgião-dentis-
tubro de 2017 a março de 2018. Inicialmente foi ta, um enfermeiro e um médico) e que já traba-
realizado contato prévio com o Núcleo de Aten- lharam anteriormente na APS. Os resultados do
ção Primária à Saúde (NAPRIS) do município de estudo piloto possibilitaram o reordenamento
Montes Claros para autorização e planejamen- dos blocos 2 e 3 do instrumento para apresentar
to. Após anuência desse núcleo, a aplicação dos primeiro os aspectos relacionados às ações em ST
questionários ocorreu durante reuniões agenda- desenvolvidas pelas equipes de saúde e posterior-
das, divididas por categoria profissional. Poste- mente dos profissionais e possibilitou ainda a ex-
riormente, realizaram-se levantamentos e busca clusão da seguinte questão do bloco 3: “A equipe
pelos profissionais que não estavam presentes de saúde possui um diagnóstico da situação de
nas reuniões, a partir das listas de presença, e saúde dos trabalhadores (perfil epidemiológico)
procedeu-se à aplicação dos questionários na que residem no território de referência de sua
unidade da qual o profissional fazia parte, com unidade?”. Após essa fase, a pesquisa de campo
contato telefônico e agendamento prévio. foi iniciada.
Utilizou-se questionário adaptado do estudo Os dados foram tabulados a partir do pro-
de Amorim realizado em 2016 intitulado “Vi- grama estatístico Statical Package for the Social
gilância em Saúde do Trabalhador na Atenção Science (SPSS), versão 23. Foram apresentados os
Básica: Contribuições para o aprimoramento valores absolutos e relativos, adotando o teste de
das ações de saúde no município de João Pessoa qui-quadrado, ao nível de significância de 0,05.
– PB19. Trata-se de instrumento autoaplicável, Para a questão de múltipla escolha do bloco 4, a
com uso de escala tipo Likert, composto por 35 análise de dados foi feita a partir da distribuição
itens na versão adaptada.  O bloco 1 contempla- das frequências absolutas e percentuais.
va os dados sociodemográficos; bloco 2 avaliava Após a análise estatística, as questões dos
as ações de atenção à saúde dos trabalhadores blocos 2 e 3 foram agrupadas em três categorias
desenvolvidas pelas equipes de APS; o bloco 3 cada uma. O bloco 2, constituído por dez ques-
analisava as práticas de atenção à saúde dos usu- tões, foi dividido em: atividades produtivas no
ários trabalhadores no âmbito da APS e o bloco território (cinco questões), perfil epidemiológico
4 investigava o apoio técnico-pedagógico e insti- da população adscrita (duas questões) e educa-
tucional para o desenvolvimento da atenção à ST ção em saúde/controle social (três questões). E o
no âmbito da APS. bloco 3, constituído por 15 questões, que foram
A caracterização da população ocorreu a par- agrupadas em: identificação de ocupação/riscos e
tir da distribuição das frequências absolutas e agravos (sete questões), atividades produtivas no
percentuais das variáveis analisadas no bloco 1, território (duas questões) e vigilância de agravos
segundo categoria profissional. Para a descrição em ST (seis questões).
das ações de atenção à saúde dos trabalhadores O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
desenvolvidas pela equipe de APS (bloco 2), re- em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes
alizou-se a recategorização das respostas em ne- Claros, em setembro de 2017.
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Silva DP et al.

Resultados e comunidade. Apenas 4,5% da população estu-


dada possuíam formação em ST.
Participaram do estudo 289 (88,6%) profissionais Entre as ações de ST, desenvolvidas pelos
de saúde, considerando a perda de 37 trabalhado- profissionais da APS (Tabela 2), predominaram
res não respondentes. Daqueles, 61 (21,1%) eram o mapeamento das atividades produtivas de-
cirurgiões-dentistas, 123 enfermeiros (42,6%) e senvolvidas no território da unidade (59,2%) e
105 (36,3%) médicos. As características sociode- a identificação dos fatores e situações de risco
mográficas da população estão descritas na Tabe- para a saúde dos trabalhadores e da comunidade
la 1. decorrentes dessas atividades (47,1%). Entre-
Na caracterização sociodemográfica, houve tanto, apenas uma pequena parcela da popula-
predominância do sexo feminino (79,2%), com ção estudada declarou discutir sobre a presença
a maioria na faixa etária de 31 a 40 anos (48,8%). desses fatores e situações de risco com a popula-
Em relação ao tempo de atuação na APS, a maior ção (30,8%), realizar ações para eliminar ou mi-
parte dos CDs (54,1%) e enfermeiros (31,7%) nimizá-los (21,8%) e realizar intervenções e ou
possuía mais de cinco anos de atuação, e os mé- negociação de medidas de prevenção dos riscos
dicos (33,3%), de três a cinco anos. Quanto à decorrentes das situações de trabalho (22,8 %).
formação complementar, a maior parte dos en- Quanto ao perfil epidemiológico da popu-
fermeiros (49,6%) fez especialização em saúde lação adscrita, observou-se que, em 52,9% dos
da família; os médicos (43,8%) e CDs (47,8%), casos, o diagnóstico da situação de saúde dos tra-
residência em saúde da família/medicina, família balhadores foi considerado e que 58,5% analisa-

Tabela 1. Caracterização dos sujeitos da pesquisa em número e proporções, estratificadas por categoria
profissional, Montes Claros, 2018.
Categoria Profissional
Cirurgião- Total
Variáveis sociodemográficas Enfermeiro Médico
Dentista n (%)
n (%) n (%) n (%)
Sexo 50 (82,0) 102 (82,9) 77 (73,3) 229 (79,2)
Feminino
Masculino 11 (18) 21 (17,1) 28 (26,7) 60 (20,8)
Faixa etária
De 21 a 30 anos 20 (32,8) 51 (41,5) 45 (42,9) 116 (40,1)
De 31 a 40 anos 34 (55,7) 59 (48,0) 48 (45,7) 141 (48,8)
De 41 a 50 anos 06 (9,8) 13 (10,6) 07 (6,7) 26 (9,0)
De 51 a 60 anos 01 (1,6) 00 (0,0) 04 (3,8) 05 (1,7)
61 anos ou mais 00 (0,0) 00 (0,0) 01 (1,0) 01 (0,3)
Tempo de atuação na APS
Menos de um ano 05 (8,2) 19 (15,4) 18 (17,1) 42 (14,5)
De um a dois anos 03 (4,9) 31 (25,2) 27 (25,7) 61 (21,1)
De três a cinco anos 20 (32,8) 34 (27,6) 35 (33,3) 89 (30,8)
Mais de cinco anos 33 (54,1) 39 (31,7) 25 (23,8) 97 (33,6)
Formação complementar
Especialização em Saúde da 19 (31,1) 61 (49,6) 32 (30,5) 112 (38,8)
Família.
Residência em Saúde da Família/ 29 (47,5) 25 (20,3) 46 (43,8) 100 (34,6)
Medicina, Família e Comunidade
Especialização em Saúde do 01 (1,6) 04 (3,3) 08 (7,6) 13 (4,5)
Trabalhador
Mestrado 03 (4,9) 04 (3,3) 06 (5,7) 13 (4,5)
Doutorado 02 (3,3) 01 (0,8) 03 (2,9) 06 (2,1)
Outra 17 (27,9) 22 (17,9) 09 (8,6) 48 (16,6)
Nenhuma 06 (9,8) 10 (8,1) 22 (21) 38 (13,1)
Fonte: Trabalho de campo realizado no município de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, no período de 2017/2018.
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Tabela 2. Identificação das ações de Saúde do Trabalhador desenvolvidas pela equipe de Atenção Primária à
Saúde, 2018.
Ações de ST desenvolvidas pela equipe de APS Sim Não Não sei

n (%) n (%) n (%)

Atividades Mapeia as atividades produtivas desenvolvidas no 171(59,2) 97(33,6) 21(7,3)


produtivas no território de referência de sua unidade
território Identifica os fatores e situações de risco 136(47,1) 108(37,4) 45(15,6)
decorrentes dessas atividades
Discute com a população sobre a presença de 89(30,8) 182(63,0) 18(6,2)
fatores de risco, decorrentes das atividades
produtivas no território
Realiza alguma ação para eliminar ou minimizar 63(21,8) 212(73,4) 14(4,8)
esses fatores e situações de risco
Realiza ações de intervenção e negociação de 66(22,8) 201(69,6) 22(7,6)
medidas de prevenção dos riscos decorrentes das
situações de trabalho
Perfil Possui um diagnóstico da situação de saúde 153(52,9) 136(47,1) 0(0,0)
epidemiológico dos trabalhadores que residem no território de
da população referência da sua unidade
adscrita Analisa a informação decorrente das notificações 169(58,5) 119(41,2) 1(0,3)
de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho
Educação Desenvolve ações de educação em saúde do 66(22,8) 212 1(3,8)
em Saúde/ trabalhador (73,4)
Controle social 68(23,5) 212 (73,4) 14(5,5)
Promove a mobilização de usuários trabalhadores,
buscando efetivar participação e controle social
Recebe denúncia ou solicitação de intervenção em 34(11,8) 221(76,5) 34(11,8)
situações de risco e/ou adoecimento de usuários e
comunidade provenientes de atividades produtivas
Fonte: Trabalho de campo realizado no município de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, no período de 2017/2018.

vam as informações decorrentes das notificações identificar os riscos para a saúde no trabalho/ocu-
de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. pação pregressa do usuário (p= 0,004) e buscar
Entretanto, as ações de educação em saúde eram estabelecer a relação entre a queixa e/ou doença
realizadas por uma minoria (22,8%), assim como referida pelo usuário com a exposição a situações
as ações de promoção e mobilização de usuários de risco para a saúde, presentes em seu trabalho/
trabalhadores (23,5%). Ademais, uma pequena ocupação, atual ou pregressa (p= 0,000).
parcela dos profissionais de saúde afirmou rece- Em relação ao desenvolvimento de ações de
ber denúncia ou solicitação de intervenção em vigilância dos agravos em ST, observou-se que o
situações de risco e/ou adoecimento de usuários enfermeiro obteve resultados significativos em
e comunidade provenientes de atividades produ- relação às demais categorias para: conhecer o SI-
tivas (11,8 %). NAN (p= 0,000), saber que algumas doenças re-
Ao comparar as práticas de atenção à ST de- lacionadas ao trabalho são de notificação no SI-
senvolvidas pelos profissionais de saúde (Tabela NAN (p= 0,000), notificar os casos de acidente de
3), observou-se que, em relação à identificação trabalho no SINAN (p= 0,000), notificar os casos
de ocupação/riscos e agravos, a categoria médica de doenças relacionadas ao trabalho no SINAN
demonstrou resultados significativos em relação (p= 0,000) e realizar investigação epidemiológica
aos seus grupos de comparação para: perguntar dos casos suspeitos notificados para confirmação
ao usuário quais as atividades de trabalho ele do diagnóstico, fazendo relação com o trabalho
desenvolve na sua ocupação atual (p= 0,001), (p= 0,000). A categoria médica apresentou resul-
perguntar ao usuário sobre o trabalho/ocupação tados significativos em relação a elaborar e im-
desenvolvido por ele anteriormente (p= 0,000), plantar plano terapêutico e orientar o trabalha-
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Tabela 3. Comparação das práticas de atenção à saúde dos usuários trabalhadores, desenvolvidas pelos profissionais no
âmbito da Atenção Primária à Saúde, segundo categoria profissional, 2018.
Cirurgião-
Enfermeiro Médico Total
Dentista P
Práticas de atenção à ST desenvolvidas (n= 123) (n= 105) (n= 289)
(n= 61)
pelos profissionais de saúde
Sim Sim Sim Sim
n (%) n (%) n (%) n (%)
Identificação Pergunta ao usuário qual seu trabalho/ 41 (67,2) 75 (61,0) 79 (75,2) 195 (67,5) 0,072
de ocupação atual 21 (34,4) 53 (43,1) 65 (61,9) 139 (48,1) 0,001
ocupação/
riscos e Pergunta ao usuário quais as atividades de
agravos trabalho ele desenvolve na sua ocupação atual
Pergunta ao usuário sobre o trabalho/ 02 (3,3) 20 (16,3) 32 (30,5) 54 (18,7) 0,000
ocupação desenvolvido por ele anteriormente
Identifica os riscos para a saúde presentes no 23 (37,7) 60 (48,8) 60 (57,1) 143 (49,5) 0,053
trabalho/ocupação atual do usuário
Identifica os riscos para a saúde no trabalho/ 10 (16,4) 38 (30,9) 43 (41,0) 91 (31,5) 0,004
ocupação pregressa do usuário
Busca estabelecer a relação entre a queixa 31 (50,8) 35 (69,1) 86 (81,9) 202 (69,9) 0,000
e/ou doença referida pelo usuário com a
exposição a situações de risco para a saúde
presentes em seu trabalho/ocupação, atual ou
pregressa
Consegue estabelecer a relação entre a queixa 29 (47,5) 73 (59,3) 75 (71,4) 177 (61,2) 0,008
e/ou doença referida pelo usuário com a
exposição a situações de risco para a saúde
presentes em seu trabalho/ocupação, atual ou
pregressa
Atividades Tem conhecimento sobre a/as atividade (s) 35 (57,4) 84 (68,3) 60 (57,1) 179 (61,9) 0,160
produtivas produtiva (s) desenvolvida (s) no território
no território de referência de sua unidade de saúde que
e agravos influencia(m) a condição de saúde dos
usuários e da comunidade em geral
Consegue estabelecer a relação entre 35 (57,4) 81 (65,9) 66 (62,9) 182 (63,0) 0,595
doenças e queixas das famílias de sua área
de abrangência e as atividades produtivas
existentes no território
Vigilância Conhece o Sistema de Informação de Agravos 39 (63,9) 122 (99,2) 97 (92,4) 258 (89,3) 0,000
dos agravos de Notificação Sistema de informação de
em ST agravos de notificação (SINAN)
Sabe que algumas doenças relacionadas ao 43 (70,5) 121 (98,4) 96 (91,4) 260 (90,0) 0,000
trabalho são de notificação no SINAN.
Notifica os casos de acidente de trabalho no 19 (31,1) 85 (69,1) 64 (61,0) 168 (58,1) 0,000
SINAN
Notifica os casos de doenças relacionadas ao 14 (23,0) 75 (61,0) 53 (50,5) 142 (49,1) 0,000
trabalho no SINAN
Realiza investigação epidemiológica dos casos 9 (14,8) 56 (45,5) 23 (21,9) 88 (30,4) 0,000
suspeitos notificados, para confirmação do
diagnóstico, fazendo relação com o trabalho.
Elabora e implanta plano terapêutico e 16 (26,2) 45 (36,6) 49 (46,7) 110 (38,1) 0,030
orienta o trabalhador sobre sua situação de
saúde e trabalho
Fonte: Trabalho de campo realizado no município de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, no período de 2017/2018.

dor sobre sua situação de saúde e trabalho (p= A Tabela 4 apresenta a comparação do apoio
0,030). técnico-especializado e institucional para de-
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Tabela 4. Comparação do apoio técnico-especializado e institucional para desenvolvimento de ações de Saúde
do Trabalhador pelos profissionais da Atenção Primária à Saúde, por categoria profissional, 2018.
Cirurgião-
Enfermeiro Médico Total
Apoio técnico-especializado Dentista
(n= 123) (n= 105) (n= 289) P
e institucional (n= 61)
Sim Sim Sim Sim
n (%) n (%) n (%) n(%)
Coordenação Municipal de Atenção Básica. 47 (77,0) 109 (88,6) 65 (61,9) 221 (76,5) 0,000
Instâncias especializadas em Saúde do 33 (54,1) 88 (71,5) 27 (25,7) 148 (51,2) 0,000
Trabalhador.
CEREST. 43 (70,5) 98 (79,7) 38 (36,2) 179 (61,9) 0,000
Teve treinamento para desenvolver ações de 23 (37,7) 87 (70,7) 21 (20,0) 131 (45,3) 0,000
saúde do trabalhador.
Fonte: Trabalho de campo realizado no município de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, no período de 2017/2018.

senvolvimento de ações de Saúde do Trabalha- no entre os trabalhadores da APS, confirmando


dor, considerando as categorias profissionais. outros estudos que apontam feminilização do
Os resultados evidenciaram que o enfermeiro trabalho em saúde20,21. Sobre a faixa etária, obser-
apresentou resultados significativos em todas as vou-se que o grupo de estudo pode ser caracteri-
variáveis analisadas, em relação às demais áre- zado como jovem, na faixa etária de 31 a 40 anos
as: Coordenação Municipal de Atenção Básica (48,8 %), possivelmente refletindo as mudanças
(p= 0,000), instâncias especializadas em ST (p= curriculares nos cursos de graduação na área de
0,000), CEREST (p= 0,000), teve treinamento saúde que têm valorizado a capacitação profis-
para desenvolver ações de ST (p= 0,000). sional para atender às reais demandas do SUS,
Sobre a articulação intrassetorial destinada a como determinado no Programa Nacional de
construir soluções para os problemas envolvendo Reorientação da Formação Profissional em Saú-
as relações trabalho-saúde-doença, os resultados de (Pró-Saúde)22 e o Programa de Educação pelo
evidenciaram o papel importante desempenhado Trabalho para a Saúde (PET-Saúde)23. Assim, os
pelo CEREST (60,9%) da região, seguido da Vigi- estudantes são inseridos precocemente nos ce-
lância Sanitária (39,1%) e da Vigilância Ambien- nários do Sistema Único de Saúde, sobretudo na
tal (18,0%). Entretanto, parcela significativa dos APS, fato que pode estimular os recém-formados
trabalhadores entrevistados não soube informar a buscarem oportunidade de trabalho junto ao
sobre outras instâncias de articulação interseto- SUS24.
rial (18,0%) ou não buscou articulação (14,9 %). O tempo de atuação na APS foi maior entre
os CDs e enfermeiros que os médicos, em con-
sonância com outros autores, os quais apontam
Discussão que esta categoria tem maior grau de rotativida-
de, quando comparada aos outros profissionais
Os resultados do estudo mostram que as equipes que compõem a equipe da APS25. Em relação à
de APS reconhecem as atividades produtivas no formação complementar, grande parte da popu-
território e o perfil epidemiológico da população lação estudada tinha formação específica para
trabalhadora adscrita nesse local, entretanto, não atuar na APS, seja por ter feito Especialização
se observaram intervenções orientadas a par- em Saúde da Família ou Residência em Saúde da
tir desse diagnóstico situacional. A comparação Família/Medicina Família e Comunidade. O que
preliminar das práticas profissionais descritas pode ser justificado em razão de o município da
apontou que os médicos se destacam na identifi- realização da pesquisa ser polo do Programa de
cação do perfil epidemiológico dos trabalhadores Residência Multiprofissional em Saúde da Famí-
enquanto os enfermeiros estão à frente das ações lia desde 199926. A literatura aponta que profis-
de vigilância dos agravos e do apoio técnico-pe- sionais com melhor qualificação apresentaram
dagógico para o desenvolvimento de ações de ST. escores dos atributos da APS mais elevados, sen-
Em relação à caracterização sociodemográfi- do essencial a formação específica para a conso-
ca, observou-se a predominância do sexo femini- lidação da APS27.
6012
Silva DP et al.

Dentre as ações de ST, no âmbito da APS, a equipe de saúde, o diagnóstico e o tratamento


PNSTT sinaliza um conjunto de ações cujo de- das doenças, segundo protocolos, diretrizes clí-
senvolvimento cabe à equipe de saúde1. A PNAB nicas e terapêuticas28. No entanto, em relação à
reitera que é essencial que o processo de trabalho história ocupacional pregressa, a minoria dos
se configure a partir de um diagnóstico situacio- profissionais envolvidos no estudo, inclusive mé-
nal do território28, indo ao encontro dos achados dicos, preocupava-se em fazer essa investigação.
do estudo, nos quais os profissionais envolvidos Tradicionalmente, na formação médica e dos en-
realizavam o mapeamento das atividades produ- fermeiros, pouca ou nenhuma atenção é dada à
tivas, entretanto, não operacionalizavam ações coleta da história ocupacional, o que faz com que
de ST programadas a partir do diagnóstico si- os profissionais, em geral, tenham dificuldades
tuacional. Os resultados corroboram os achados em inseri-la em suas práticas de trabalho31.
de Amorim et al.3, cuja realização de ações para Nos achados de Amorim et al.3, 26% dos
eliminação dos riscos associados ao trabalho foi investigados referiram sempre ou quase sem-
referida por 23% dos profissionais envolvidos; e pre perguntarem ao usuário sobre o trabalho
de Lacerda e Silva et al.14, os quais apontam que, pregresso. Silva et al.15 sinalizam que o motivo
apesar de os profissionais de saúde reconhecerem da busca de assistência pelo usuário, na maio-
as repercussões do trabalho no adoecimento, ria das vezes, não é apontado como relacionado
apresentam dificuldade de desenvolver interven- ao trabalho. Dessa forma, não são reconhecidas
ções em ST. pelos profissionais de saúde como problemas de
Tais ações são essenciais para o reconhe- ST. Nesse sentido, a coleta da história ocupacio-
cimento dos potenciais riscos para a saúde dos nal atual e pregressa é essencial para identificar
trabalhadores e da população do território e in- os riscos relacionados ao trabalho, auxiliar no
vestigação diagnóstica dos agravos e das doenças diagnóstico e na definição do plano terapêutico,
potencialmente relacionadas ao trabalho. Para orientar o trabalhador sobre a origem do agravo,
tanto, faz-se necessária sua análise e incorpora- medidas preventivas, direitos trabalhistas e previ-
ção no planejamento das ações de assistência, denciários e desencadear ações de vigilância em
vigilância e promoção da saúde, de modo a per- saúde2.
mitir a intervenção sobre os potenciais riscos e O cuidado integral à ST tem como ponto de
perigos aos quais a população está exposta2. partida o reconhecimento do trabalho e do tra-
As ações de educação em saúde voltadas para balhador no território e deve identificar quem
trabalhadores e a efetivação do controle social fo- são, quantos são, quais atividades produtivas de-
ram sinalizadas neste estudo por uma minoria de senvolvem e em quais condições de trabalho. Esse
profissionais. Evangelista et al.29, em seu trabalho reconhecimento acontece em vários momentos,
com enfermeiros das Estratégias Saúde da Famí- mas, de modo geral, inicia-se na construção do
lia (ESF), constataram que as equipes de saúde da diagnóstico situacional e cadastramento das fa-
APS realizavam ações educativas de ST, todavia, mílias e continua no acolhimento, nas visitas
essas práticas são planejadas a partir de progra- domiciliares e na consulta, com a realização da
mas do Ministério da Saúde para população em anamnese ou história ocupacional2.
geral e não a partir do diagnóstico do perfil pro- As investigações e as notificações no SINAN,
dutivo no território. atualmente, encontram-se prescritas nas porta-
Para a ST, essas ações têm o propósito de am- rias nº 204 e nº 205, de 17 de fevereiro de 2016, as
pliar a compreensão sobre o papel do trabalho na quais definem a lista nacional de doenças e agra-
produção do processo saúde-doença. Elas devem vos a serem monitorados por meio da estratégia
contribuir para o empoderamento dos trabalha- de vigilância32-33. Tal prática permite que a equipe
dores na luta por melhores conhecimentos sobre planeje e gerencie a atenção integral aos traba-
os processos produtivos instalados no território lhadores. Neste estudo, o enfermeiro demonstrou
e a influência destes na saúde das pessoas e tam- ser mais efetivo quanto às ações de notificação
bém sobre o ambiente14,30-31. em ST, contudo, apesar de os agravos serem noti-
Em relação às práticas de atenção à saúde ficados, a investigação dos casos suspeitos e a im-
dos usuários trabalhadores, segundo categoria plementação do plano terapêutico foram ações
profissional, os resultados evidenciaram que o pouco realizadas por todas as categorias profis-
médico identificava melhor a ocupação atual do sionais, sendo o médico quem mais as elaborava
usuário, bem como seus riscos e sua relação com e implementava. Tal prática justifica-se pelo fato
os agravos. O que pode ser justificado pelo fato de caber a essa categoria profissional a função de
de caber a esse profissional, como integrante da prover assistência a esse trabalhador com suspei-
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ta de agravo relacionado ao trabalho e estabelecer A literatura aponta como fragilidade dos
diagnóstico e tratamento34. serviços de saúde a deficiência na formação de
Os achados de Ferreira et al.35 evidenciaram recursos humanos no que tange à ST, tanto em
que os profissionais de enfermagem que tiveram nível de graduação quanto de pós-graduação;
treinamentos e capacitações sobre notificação fato que pode ser evidenciado quando se avalia a
de acidente de trabalho, com 15 anos ou mais produção acadêmica escassa sobre assuntos rela-
de experiência profissional, obtiveram maio- cionados à ST29,39.
res chances de fazer a notificação; e enfermeiras Nessa perspectiva, Mori e Naghettinni40 ava-
apresentaram quase duas vezes mais chances de liaram a formação de médicos e enfermeiros da
notificar, quando comparadas a outras categorias ESF no aspecto de ST, cujos resultados demons-
profissionais do mesmo sexo. tram que esse campo ainda é pouco trabalhado e
Outros estudos corroboram com os achados valorizado no meio acadêmico, não permitindo
e sinalizam que, apesar de a notificação de agra- que o profissional adquira competências míni-
vos em ST ser uma atividade cotidiana na APS, mas para atender ao trabalhador. No cenário in-
o caráter epidemiológico e as ações de interven- ternacional, estudos realizados na Espanha e na
ção são desconsideradas, sendo feita, na maioria Itália revelam falta de treinamento dos médicos
das vezes, de maneira burocrática. Além do mais, da APS em relação à saúde ocupacional, conside-
ela não é reconhecida como uma ação de ST e rando a necessidade de capacitação10,41.
apenas o trabalhador do mercado formal tem o Para Fernandes et al.42, existe uma necessida-
registro desses agravos feito regularmente15,36. de de rever as ementas e a forma como os conte-
O Caderno de Atenção Básica nº 05, publica- údos relacionados à ST são ensinados para que
do em 2001, faz a descrição das atribuições dos sejam coerentes com os projetos político-peda-
profissionais da APS, em relação à ST por cate- gógicos, pois existe um afastamento muito gran-
goria profissional37, entretanto, ocorreram mu- de entre o que é prescrito e o que de fato é minis-
danças significativas nas Políticas Públicas de ST trado nos cursos de graduação em enfermagem.
e da APS após esse período. O recém-publicado Faz-se necessária a qualificação das práticas de
Caderno de Atenção Básica nº 4138 não reforça cuidado em ST na APS, a partir do processo de
as atribuições por categoria profissional sugerin- educação permanente das equipes e, sobretudo,
do que todos os profissionais envolvidos na APS do suporte técnico por meio do apoio matricial,
são responsáveis pelas ações de assistência e de considerando a necessidade de fortalecer as ações
vigilância. de ST na RAS30, 41, 43.
Em relação ao apoio institucional, técnico Apesar de os profissionais da APS estarem
especializado e pedagógico, o estudo sugeriu sobrecarregados pelas atividades assistenciais e
alta capilaridade e alcance junto aos enfermei- pela demanda, quando contam com retaguarda
ros, considerando que essa categoria profissional técnica especializada e pedagógica, incorporam a
apontou ter apoio de todas as instâncias investi- ST em suas ações, fazendo com que ampliem o
gadas. O apoio da coordenação municipal de APS cuidado, sejam mais resolutivos e articulem mais
e do CEREST merece destaque, já que é relatado com a RAS. Ademais, o apoio matricial favorece
pela maioria dos enfermeiros e CDs entrevista- a compreensão e a incorporação do papel do tra-
dos. Lacerda e Silva et al.14 também apontam arti- balho enquanto determinante do processo saú-
culação das ESFs com o CEREST para assistência de-doença44.
em ST, ainda que de maneira pontual. No tocante às limitações do estudo, destaca-
Vale destacar que uma pequena parcela de se a não inclusão dos outros profissionais que
médicos (20%) e CDs (37,7%) afirmou ter parti- compõem a equipe de saúde da APS na investi-
cipado de treinamentos sobre ST. Amorim et al.3, gação, resultando em um viés de percepção em
em sua pesquisa, sinalizam que 24% dos profis- relação às práticas desenvolvidas. Outra possível
sionais das equipes de APS indicaram ter parti- limitação é que o uso de variáveis autorreferidas
cipado de ações de qualificação e/ou educação pode implicar em informações incorretas, embo-
permanente para desenvolver ações de ST. Esses ra o treinamento da equipe de campo e a realiza-
achados sugerem diferentes interpretações, como ção do estudo piloto tenham sido realizados para
falta de oferta de treinamento para esses profis- minimizar possíveis erros da coleta.
sionais, ausência de interesse dos profissionais Por outro lado, os resultados apresentam in-
envolvidos ou formação acadêmica insuficiente, formações importantes sobre tema ainda pouco
evidenciando a necessidade de futuras investiga- valorizado pelos profissionais de saúde - a Saúde
ções. do Trabalhador, em especial na APS. A análise de
6014
Silva DP et al.

um grupo representativo de profissionais de saú- a partir do diagnóstico situacional. A compa-


de de um grande centro possibilitou reconhecer ração das práticas profissionais evidenciou que
que os trabalhadores da APS ainda não incorpo- o médico destacava-se na identificação do per-
raram a ST no cotidiano de suas práxis. Os re- fil epidemiológico dos trabalhadores e na im-
sultados contribuem para que sejam implemen- plementação do plano terapêutico, enquanto o
tadas intervenções voltadas para os profissionais enfermeiro sobressaiu na vigilância dos agravos
da APS, com o objetivo de melhorar a qualidade e no apoio técnico-pedagógico para o desenvol-
de assistência prestada. vimento de ações de ST. Considerando o con-
texto atual de mudanças no mundo do trabalho,
faz-se necessária a efetiva incorporação de ações
Conclusão de ST no cotidiano das equipes de APS, de ma-
neira articulada com as equipes de referência e
Verificou-se que as equipes de APS incluídas no acompanhada de intervenções que melhorem as
estudo realizavam o mapeamento das atividades condições de trabalho das equipes da APS, pois,
produtivas no território e o perfil epidemiológi- apesar da prescrição legal, a inserção de ações de
co da população trabalhadora, entretanto, não ST no contexto do SUS tem se configurado como
planejavam intervenções na perspectiva da ST, um desafio permanente.

Colaboradores

DP Silva e JSB Rocha colaboraram na concepção


do projeto, análise dos dados, redação do artigo
e aprovação final da versão a ser publicada. RF
Freitas e EC Dias colaboraram na concepção do
projeto, redação do artigo e aprovação final da
versão a ser publicada. LF de Souza e NA Teixei-
ra, na coleta e tabulação dos dados, redação do
artigo e aprovação final da versão a ser publicada.
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