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Comentario ADI 4983 em Face Da Lei Do Es
Comentario ADI 4983 em Face Da Lei Do Es
STF - ADIn 4.983 - j. 06.10.2016 - m.v. - Rel. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello - DJ
27.04.2017 - Área do Direito: Constitucional; Ambiental.
06/10/2016
PLENÁRIO
Ementa
Comentário
1. Introdução
A ADI 4.983/CE tem como objeto a Lei 15.299, de 08 de janeiro de 2013, do Estado do Ceará,
que regulamenta a vaquejada como prática cultural e desportiva. O julgamento teve como
questão principal a colisão de duas normas relativas a direitos fundamentais: a proteção
ao meio ambiente, com destaque para vedação de práticas que submetam os animais a
crueldade ”o artigo 225, § 1º, inciso VII in fine CF) e a proteção das manifestações culturais
populares ”artigo 215 da Constituição Federal de 1988). Para solução do conflito, disse o
STF se valer da técnica da ponderação . Questiona-se, portanto: ”i) o que é a técnica da
ponderação ? ”ii) O que o STF entende por ponderação nos conflitos entre direitos
fundamentais ao meio ambiente e a manifestação cultural?
Com efeito, foram levantadas questões de fundo no julgamento da ADI 4.983/CE que
também merecem uma análise mais detida: ”i) qual o papel do advogado-geral da União
na ADI? ”ii) Com a edição da Lei 13.364/2016 e a EC 96/2017 pode se falar em efeito
backlash ou ativismo congressual?
A primeira questão trazida pelo Relator em seu voto é no tocante aos limites da atuação do
advogado-geral da União nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Primeiramente,
afirma o Ministro Marco Aurélio que o AGU está vinculado ao disposto no art. 103, § 3º, da
CF/88 1), devendo, em todo caso, a defesa do texto ou ato normativo impugnado na ADIN, e
não a simples emissão de parecer sobre a inconstitucionalidade, como ocorreu no
julgamento em tela.
De fato, é esse entendimento que decorre de uma interpretação gramatical do art. 103, §
3º, que dispõe Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em
tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que
defenderá o ato ou texto impugnado ”grifo nosso).
No entanto, a questão não é pacífica. Conforme o precedente assentado pelo STF na ADI
1.616/PE de relatoria do Ministro Maurício Corrêa, o advogado-geral da União não está
obrigado a fazer a defesa do ato impugnado, especialmente se o STF já tiver consolidado
entendimento pela inconstitucionalidade em casos semelhantes. 2)
O mesmo tema foi objeto de questão de ordem levantada pelo Ministro Marco Aurélio no
julgamento da ADI 3.916/DF que, naquela ocasião como agora, manifestou-se pela estrita
observância do art. 103, § 3º, da CF/88, pois se trataria de um preceito imperativo posto
pelo constituinte originário. Segundo o eminente Ministro, a Constituição é clara com
relação ao papel do AGU: deve proteção ao ato normativo atacado.
Porém, esse não foi o entendimento que prevaleceu no pleno. A maioria dos votos na
questão de ordem foi no sentido de se interpretar sistematicamente o disposto no art. 103,
§ 3º, da CF/88 com o art. 8º da Lei 9.868/99 3), para entender que a defesa deve ser
compreendida como um direito de manifestação do AGU . Sendo assim, caberia a este a
defesa do ato ou do texto impugnado somente quando fosse possível. Nos demais casos,
em que a inconstitucionalidade fosse patente e já assentada pela Corte, caberia somente a
manifestação do AGU.
Não caberá a nós, nos estreitos limites desse estudo, uma abordagem completa sobre o que
as diferentes ciências – sociologia, antropologia, biologia, filosofia e outras – entendem por
cultura . Pretendemos, no entanto, trazer um conceito geral de cultura e, por
conseguinte, manifestação cultural nos termos da Constituição Federal de 1988.
Em termos gerais, entende-se por cultura o conjunto de características humanas que não
são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e
cooperação entre indivíduos e sociedade . 5) No âmbito da Filosofia, há que se mencionar o
conceito dado por Miguel Reale para quem a cultura é o conjunto de tudo aquilo que, nos
planos material e espiritual, o homem constrói sobre a base da natureza, quer para
modificá-la, quer para modificar a si mesmo . 6) A partir desse conceito geral tem-se que o
próprio Direito é o produto da cultura, visto que foi criado pelo homem na busca de
determinados fins, como a organização da vida em sociedade.
No presente julgado, a cultura entra como elemento principal das manifestações culturais
populares , um direito fundamental, individual e social protegido pela Carta Maior no art.
215, § 1º, no qual estaria inserida a prática da vaquejada , merecendo, portanto, que o
Estado assegurasse o seu pleno exercício 7). Trata-se de tutelar a denominada cultura
etnográfica onde estão contidas as memórias exemplares que potencializaram as crenças,
os conhecimentos, os costumes e as expressões artísticas de determinados grupos
nacionais ”...) . 8)
Por sua vez, a divergência aberta pelo Ministro Edson Fachin e acompanhada, entre
outros pares, pelo Ministro Gilmar Mendes, traz o debate para outra seara: cabe o
supremo dizer o que é civilizado ou não? Para o eminente Ministro não é competência do
STF ditar o marco civilizatório da sociedade brasileira que, por ser culturalmente plural,
como enuncia a própria Constituição no Preâmbulo e no art. 3, IV, pode albergar práticas
que fujam do senso comum dos grandes centros, não cabendo, portanto, ao STF uma
interpretação enviesada através de uma visão etnocêntrica dos costumes e culturas de
outras regiões.
Com efeito, ainda seguindo a divergência, o Ministro Gilmar Mendes traz, além da questão
dos limites do STF no tocante ao estabelecimento de parâmetros civilizatórios, outro ponto
interessante: a crueldade não é inerente somente à vaquejada, à farra do boi e à briga de
galo ”outros casos julgados pelo STF), mas também ao hipismo ”esporte olímpico), ao polo
e as corridas de cavalo. Então, questiona o Ministro, como aplicar um critério diferente
para casos que, sob à ótica do meio ambiente, obrigam animais a práticas que não
condizem com o seu estado natural?
Ao final do voto, traz mais duas questões: uma de caráter econômico e outro de caráter
jurídico. A questão econômica está ligada ao evento da vaquejada em si, que pela
magnitude movimenta uma grande quantidade de dinheiro, aquecendo o comércio local
porque gera emprego e renda na região. Com o fim da vaquejada, morreria a
manifestação cultural e a economia da região sofreria um grande baque. No tocante à
questão jurídica, e nesse ponto é acompanhado pelo Ministro Teori Zavascki, a lei vem
regulamentar a vaquejada, estabelecendo os limites da sua prática, as questões de
segurança do animal, do vaqueiro e do público entre outras. Ou seja, ao se
institucionalizar a vaquejada e passar a sua fiscalização ao Estado, evitar-se-ia o que o
Ministro Teori Zavascki convencionou chamar de: vaquejada cruel .
O fato é que, segundo o Ministro Teori Zavascki, sem lei, ela irá ocorrer na
clandestinidade, vulnerável a todos os problemas inerentes àquelas atividades que se dão
à margem da lei. Portanto, advoga, com base no princípio da legalidade que, na ADIN em
questão, o STF está analisando a constitucionalidade da Lei 15.299/2013, e não a vaquejada
em si. Sob essa ótica, não existiria inconstitucionalidade do preceito em tela.
Contudo, parece-nos guardar razão a Carlos Ayres Brito, antigo Ministro do STF. A cultura
de que trata a Constituição é diferente daquela conceituada pelos dicionários. Estas podem
abarcar qualquer arraigado hábito coletivo, desde os bons ”festejos, literatura, comidas
etc.) até os ruins ”cultura da corrupção, do caixa 2, do patrimonialismo etc.). Já a cultura
positivada na Carta Maior não pode ser guarita para prevalência de hábitos que não
guardam mais sincronia com o atual estágio ”que se busca) civilizatório. Nesse sentido,
não nos parece haver nicho constitucional para a prática da vaquejada.
Isto posto, estabelecida as premissas gerais de caráter fático e jurídico inerentes a ADIN,
foi constatado pelos Ministros o conflito entre direitos fundamentais. Nesses casos, como
assentou o Ministro Marco Aurélio no Relatório, o Supremo decide se valendo da técnica
da ponderação com objetivo de composição dos direitos fundamentais em conflito. Tanto
os votos vencedores, como os vencidos também fizeram menção a ponderação para
justificar o posicionamento. Cabe, portanto, questionar: o que é a técnica da ponderação?
O que o STF tem entendido por ponderação nos casos em que existe conflito entre
direitos fundamentais?
Primeiramente, cabe esclarecer que, quando o STF usa o termo ponderação , ao que
parece, o faz como sinônimo de sopesamento e proporcionalidade em sentido estrito ,
conceitos advindos da teoria de Robert Alexy ao enunciar o mandamento que deve ser
utilizado quando o intérprete depara-se com uma situação de tensão ou colisão entre
princípios.
Para que se responda o que é a ponderação – e posteriormente o que STF tem entendido
por ponderação –, é necessário estabelecer as premissas de que parte Alexy. No entanto,
não pretendemos esgotar nesse breve espaço todas as questões relativas à doutrina
alexyana , mas apresentar alguns conceitos fundamentais para esclarecer aspectos
relativos aos votos dos Ministros na presente ADIN.
As regras, por sua vez, são determinações porque prescrevem algo que deve ser aplicado
ou não. Ao passo que, em uma situação de conflito, a questão deve ser solucionada de duas
maneiras: ”i) a previsão de uma cláusula de exceção para aquele caso concreto; ”ii) a
exclusão de uma das regras do ordenamento jurídico. É impossível que duas regras,
prevendo um resultado contraditório, possuam vigência em um mesmo ordenamento
jurídico.
Como nota de Willis Guerra Filho, as normas constitucionais, hoje, assumem o caráter
geral de princípios, enquanto as demais normas costumam adotar a estrutura de regras .
Com efeito, a Corte analisou o conflito de duas normas constitucionais – e, portanto,
princípios – que colidem abstratamente: o direito a cultura ”art. 215) e a vedação ao
tratamento cruel aos animais ”art. 225, VII, § 3º). 10)
Como vimos, se dois princípios colidem, um terá de ceder. Isso não significa que o outro
será excluído, mas que haverá, naquele caso concreto, a precedência de um princípio
sobre o outro. Em outras condições poder ser que a precedência seja resolvida de forma
oposta. Trazendo para o caso em tela, prevaleceu, para o Ministro Luís Roberto Barroso, a
proteção ao meio ambiente e a vedação ao tratamento cruel aos animais em detrimento
do direito de manifestação cultural.
Logo, dependendo do caso concreto, os princípios terão pesos diferentes. Para se decidir
qual princípio tem mais peso no caso concreto é que o intérprete deve-se valer do
sopesamento ou da máxima da proporcionalidade nos termos da lei de colisão , utilizada
pelo Ministro Luís Roberto Barroso ao final do voto.
A lei de colisão consiste em fixar as condições sob as quais um princípio tem precedência
em face do outro. Se mudarem as condições, é possível que se mude também a questão da
precedência. Logo, as condições sob as quais um princípio tem precedência em face do
outro constituem suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do
princípio que tem precedência 12). Essa regra que vai se formar será chama de lei de
colisão .
No seu voto, após apresentar os suportes fáticos e jurídicos, o Ministro Barroso dispôs que
a lei de colisão naquele caso concreto deve se dar da seguinte maneira: ”...) manifestações
culturais com características de entretenimento que submetem animais a crueldade são
incompatíveis com o art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, quando for impossível sua
regulamentação de modo suficiente para evitar práticas cruéis, sem que a própria prática
seja descaracterizada.
Então, sob a condição estabelecida ”quando for impossível sua regulamentação de modo
suficiente para evitar práticas cruéis, sem que a própria prática seja descaracterizada), o
princípio da proteção ao meio ambiente e vedação à crueldade deve prevalecer sobre as
manifestações culturais com características de entretenimento que submetem animais a
crueldade.
Isto posto, apenas o Ministro Luís Roberto Barroso utilizou, em certa medida, alguns
critérios necessários para a aplicação do sopesamento na ADIN em comento. O que
levanta dúvidas sobre como se dá aplicação desse método pelo STF. Não são poucas as
críticas sobre a maneira como o STF vem se utilizando do sopesamento, ao passo que a
mais contundente é de que, na verdade, o método serviria apenas para disfarçar o
decisionismo dos Ministros em diversas oportunidades, ao conferir-lhe uma áurea de
racionalidade. 15)
1.4. Efeito backlash ou ativismo congressual ”?): apontamentos sobre a edição da Lei
13.364/ 2016 e a EC 96/2017
A primeira pergunta pode ser respondida de plano: não. O Poder Legislativo não fica
vinculado ao que foi decidido pelo STF em ADIN. Esse entendimento decorre da
interpretação do art. 103, § 2º 16), da CF/88 e do art. 28 da Lei 9.868/99 17) que dispõe sobre a
eficácia subjetiva das decisões do STF. A eficácia, portanto, é erga omnes ”contra todos) e
abarca os particulares, a Administração Pública federal, estadual e municipal, o Judiciário
e inclusive o STF ”porém, somente os julgamentos monocráticos ou das Turmas do STF
estão vinculados. A decisão não vincula, contudo, o Plenário, que poderá reapreciar a
questão em outra oportunidade). Caso haja desrespeito ao que foi decidido em matéria de
ADIN caberá Reclamação Constitucional perante o STF.
Nota-se da dicção dos artigos em comento que o Poder Legislativo ficou excluído do rol de
pessoas vinculadas à decisão em sede de ADIN. Logo, o legislador futuro não está
impedido de editar norma de conteúdo igual ou análogo ao que foi rejeitado. O mesmo
entendimento se aplica a promulgação de uma emenda constitucional que venha superar
o entendimento do STF sobre determinada matéria. Em regra, o Congresso Nacional no
exercício do Poder Constituinte Derivado ou Reformador dá a última palavra sobre o
direito constitucional positivo no Brasil, desde que respeitando os requisitos do processo
legislativo e as cláusulas pétreas. 18) Assim, em um primeiro momento, não haveria óbice à
promulgação da Lei 13.364/2016 e da EC 96/2017. 19)
Com efeito, nota-se que ocorreu uma reação do Congresso Nacional à decisão do STF. Logo
após a declaração de inconstitucionalidade, diversos setores se movimentaram para
aprovação de uma lei e de uma emenda constitucional que viesse superar o entendimento
da Corte. Esse fenômeno tem o nome de ativismo congressual ou reação legislativa.
Na ADI 5105/DF 20) de Relatoria do Ministro Luiz Fux se discutiu quais os limites das
reações legislativas a decisões proferidas pelo STF. Ficou estabelecido que o ativismo
congressual ou reação legislativa é: a reversão do entendimento da Corte pelo Poder
Legislativo através da promulgação de legislação ordinária ou de emenda constitucional .
Nesses casos, o legislativo buscaria reverter algumas decisões em que o STF teria atuado
de maneira antidemocrática ou com pouco diálogo com os demais poderes da República.
”i) Nos casos de reversão jurisprudencial via lei ordinária , salvo os casos em que há
flagrante inconstitucionalidade, a Corte tem adotado o entendimento de autorrestrição em
face das opções políticas do legislador. No entanto, se a norma colidir frontalmente com a
jurisprudência do Tribunal, já nascerá com presunção de inconstitucionalidade, cabendo
ao legislador demonstrar argumentativamente que o caso conta com novas premissas
fáticas e jurídicas que autorizariam a superação do posicionamento jurisprudencial
outrora estabelecido. Trata-se, portanto, de um escrutínio de constitucionalidade mais
rigoroso.
”ii) Nos casos de reversão jurisprudencial via emenda constitucional , a invalidação somente
ocorrerá caso haja flagrante violação aos limites do art. 60 da CF/88. Nesses casos, a
alteração via emenda altera o próprio parâmetro amparador da jurisprudência da Corte.
No entanto, o mais importante é que, nesse caso em específico, o Poder Legislativo atuou
em duas frentes: ”i) primeiro, promulgou a Lei 13.364/2016 que ainda poderia ser objeto
de uma ADIN perante o STF, passando por um escrutínio mais rigoroso, pois nasceu com
presunção de inconstitucionalidade. ”ii) Porém, aprovou a EC 96/2017 alterando o próprio
parâmetro amparador da jurisprudência da Corte, abrindo uma margem de manobra
maior para que, se questionada a constitucionalidade da Lei 13.364/2016, existam
argumentos mais contundentes – e constitucionais – para assegurar a sua permanência no
ordenamento jurídico pátrio.
Diante do exposto, as reações à decisão do STF na ADIN 4983/CE nos parecem um claro
exemplo desses dois fenômenos que, cada vez mais, surgem no bojo do Estado
Democrático de Direito em que há um protagonismo do Poder Judiciário. É imperioso
ressaltar que o dissenso é um dos elementos caracterizadores da democracia e, portanto,
não há que se tomar o backlash e o ativismo congressual como termos pejorativos, mas
pensar alternativas de diálogo entre a cidadania, o STF e os poderes constituídos para que
se tenha um mínimo de consentimento sobre o sentido da Constituição.
Referências bibliográficas
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beyruth91@gmail.com
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