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Métodos Qualitativos: - Módulo 1

Tema: A Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais


PROFESSORA: LAURA CRISTINA EIRAS COELHO SOARES
Contato: julialves.878@gmail.com ; laurasoarespsi@yahoo.com.br

1. O ensino de métodos qualitativos.

Laboratório de Psicologia Social Jurídica – UFMG

Os métodos de pesquisa qualitativos surgem da necessidade de se separar de um

modelo de pesquisa positivista, como são os métodos quantitativos. É uma ruptura

paradigmática com o tipo de pesquisa baseado em quantificação de dados e generalização

de resultados. Essa fixação pelo quantitativo remete a história da formação da psicologia

como ciência, onde, para ser “levada a sério” num contexto de século XIX, ela precisaria se

afastar da filosofia e se assemelhar à medicina e às ciências exatas. Além disso, a adesão

de um modelo científico generalista é motivado por questões socioeconômicas: “para gerar

um conhecimento que pudesse ser útil para gerenciar a sociedade e seus problemas”

(WILLIG; STAINTON-ROGERS, 2008, p. 4, tradução nossa).

O método qualitativo de pesquisa traz alguns questionamentos para o fazer ciência:

É possível um pesquisador ser neutro, especialmente quando o objeto de estudo é um ser

humano? É possível quantificar a subjetividade humana? O objetivo da pesquisa em

psicologia é somente gerar resultados generalizáveis a qualquer momento histórico ou

contexto social? Ao contrário do quantitativo, a qualitativa foca sua perspectiva na

profundidade dos entrevistados, pesquisando em conjunto com o objeto e não somente se

afastando do objeto de estudo para garantir uma neutralidade científica.

Por fim, não é possível fazer uma pesquisa qualitativa sem tomar um

posicionamento, pois a escolha de um tema a ser estudado não aparece ao acaso, mas é

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construído a partir da subjetividade do pesquisador e do contexto no qual está inserido.

Troca-se então generalização por singularidade.

2. O fazer pesquisa.

Metodologia é o nome dado para a instrumentalização, ou a forma de se fazer

ciência. Ela será quem te auxiliará a atingir o objetivo da sua pesquisa. Deve-se pensar,

porém, que a ciência não é somente técnica e instrumentos, mas que nela aparecem

partes que são próprias do cientista/pesquisador, ou seja, como você lida com os dados

coletados de uma pesquisa e como esta é feita tem relação com a sua bagagem teórica e

de vida também. “A ideia que fazemos da realidade precede a ideia de como tratá-la”:

Temos opiniões sobre aquilo que está sendo pesquisado antes mesmo de iniciar a

pesquisa do tema. Portanto, a metodologia não pode ser a finalidade em si da pesquisa. É

auxiliar.

Existem quatro linhas básicas de pesquisa: teórica (conduzir quadros teóricos de

referência), metodológica (foco na construção ou na aplicação de um método de pesquisa),

empírica (observação e quantificação de fenômenos) e prática (que articula a teoria com a

aplicação no cotidiano). A teoria deve ser conciliada com a prática, para não desenvolver

teorias que fogem da realidade ou práticas sem contextualização ou embasamento

nenhum.

- Importante lembrar que um bom teórico não é aquele "colecionador de citações”,

com a capacidade de decorar e cuspir vários autores, como se fosse um fichamento

de suas obras, e sim aquele que possui uma visão crítica da produção de diferentes

autores o consegue articular suas ideias e contextualizá-las em sua pesquisa. Seria

como trazer os autores para a sala de sua casa e colocá-los para conversar sobre o

tema que você está sugerindo.

A ciência não é descontextualizada, não está separada da situação onde ela é

produzida, ela sempre será o reflexo do poder e das necessidades sociais, interagindo com
essa sociedade a todo momento. Cabe ao pesquisador ter um olhar crítico sobre o que

está sendo produzido e o mundo em que ele vive e ser capaz de produzir conhecimento,

não somente ser um repetidor do que já está consolidado por outros.

Outro ponto a se pensar é sobre quem é convidado a fazer parte do mundo

científico. A escrita é um ato político. Podemos pensar na reflexão feita por Virginia Woolf

em “A Room of one's own”, onde entendemos que a escrita não é descolada de condições

concretas, existem grupos que são impedidos de escrever, tanto por tempo, quanto pela

oportunidade de escrever. Devemos prestar atenção nas presenças e ausências de rastros

e escritas, pois tanto uma quanto a outra revela muito sobre o tipo de material que está

sendo produzido e reflete o quão acurado é o seu conteúdo, pelo simples motivo de não

estar vindo de uma multiplicidade de vozes.

O não-ter e o não-existir mostra a impossibilidade certos grupos de não escrever e

ter voz. A missão da psicologia é encontrar esses sujeitos em diferentes contextos em

diferentes veículos.

3. História da Pesquisa qualitativa.

A história da Pesquisa Qualitativa:

1. Período tradicional (início do séc XX até 2ª GM):

- Período de grande contribuição da antropologia, mesmo que ela ainda não

estava completamente separada do paradigma quantitativo, por buscar

ainda objetividade e universalidade.

- Pensa-se também que ali era estudado a cultura de povos distantes,

sendo que é possível encontrar diferentes culturas no próprio meio.

- Década de 20/30: Surgimento da Escola de Chicago, que foi fundamental na

criação de diferentes métodos de pesquisa qualitativa, como o de

observação participante.

2. Modernista (pós 2ª GM até década de 70):


- Busca de uma estrutura metodológica mais rigorosa.

- Uso de entrevistas abertas

- Abertura da possibilidade de se estudar minorias e subgrupos.

3. Indiferenciação de gêneros (1970-1986):

- Período onde houve um apelo grande ao intercâmbio entre disciplinas e

perspectivas interdisciplinares.

- A partir disso houve a criação de inúmeras teorias e métodos, com uma

perspectiva pluralista, interpretativa e aberta.

4. Crise da Representação (final de 1980):

- Forte questionamento da importação de teorias e métodos que não

representam a realidade latino americana, desafiando as formas clássicas de

pesquisa.

- Busca por novos modelos de verdade, métodos e representação.

- Diferenciação entre o campo e o relato de campo pelo pesquisador, pois

quando o pesquisador relata sobre o campo de pesquisa ele fala dele

também, não é possível distanciar a sua própria interpretação sobre o

evento.

- Questionamento de termos da metodologia quantitativa, como validade,

generalização e confiabilidade.

5. Pós-moderno (década de 90)

- Aumento de pesquisas participativas, pesquisa-ação e pesquisas ligadas ao

ativismo político.

- 1988: Criação da nova Constituição Federal.

- 1990: Criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

- É um momento da história onde as pessoas querem falar, denunciar

desigualdades, expor discrepâncias, etc.

6. Pós-experimental (Hoje)
- Amadurecimento da fase anterior.

- Forte conotação política: pesquisa qualitativa sendo usada com maneira de

visibilizar oprimidos e opressões.

7. “O Futuro...”

Pesquisa Qualitativa na Psicologia.

Indagações acerca do Método Qualitativo.

Pensar a pesquisa qualitativa implica, simultaneamente, transitar por um tripé

sustentado (1) por questões relativas a como fazê-la, (2) pelo que ela busca representar

e (3) pelos princípios que sustentam essa aproximação. Em outras palavras, trata-se de

assumir a unidade entre metodologia, teoria e epistemologia. Não é possível nós

utilizarmos os critérios de relevância de métodos quantitativos para legitimar ou

deslegitimar o uso dos métodos qualitativos, até porque eles estão em diferentes
paradigmas. É possível perceber que na concepção da psicologia como ciência, momento

esse que a busca por sua legitimação fez ela se afastar da filosofia e aproximar-se das

ciências exatas, o foco na rigorosidade metodológica e distanciada fez com que essa

ciência fosse menos humana, menos preocupada com a vida. “A psicologia passou a ser

hegemonicamente uma ciência empírica, que se assumiu como positivista, fundamentada,

embora amiúde implicitamente, pela epistemologia moderna dominante.”. (Goulart, 2018)

Em contrapartida, o método qualitativo abandona a abstração e a padronização

universal para se tornar dimensão viva, que expressa a capacidade do pesquisador de

organizar suas próprias questões, reflexões e ações no mundo. Logo a validade não está

mais na fidedignidade ou na possibilidade de universalizar tal descoberta para todos os

seres humanos, e sim de promover a compreensão de fenômenos e construções de

sentido que se dão no âmbito subjetivo.

4. Pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa em Psicologia.

A princípio, deve-se entender que, mesmo que os dois tipos de pesquisa possuam

propostas e entendimentos diferentes acerca do que é pesquisado, ambos devem ser

considerados científicos; Ao contrário, a complementaridade entre os recursos de cada um

podem auxiliar a pesquisa nessa busca da aproximação com a realidade de fato. Além

disso, deve-se questionar essa obsessão absurda que os métodos quantitativos possuem

pois, como é argumentado no texto, os números não mentem, mas podem pouco explicar.

Isso quer dizer que até mesmo na pesquisa quantitativa deve-se compreender o local de

não-neutralidade do pesquisador, pois ele é ativo na decisão de como a pergunta será

formulada, em agrupar e expor os dados de uma maneira específica e de escolher seus

recortes.

Ademais, é preciso analisar como a nossa relação com a pesquisa se dá na

contemporaneidade. Vemos que há muita informação disponível com facilidade, mas não

há uma leitura qualitativa, sequer uma leitura propriamente dita, visto que muitas vezes o

que é lido é somente o título e as conclusões, não sendo verificado a qualidade da


informação, como por exemplo quem é o pesquisador, quais são suas competências, como

aquele estudo foi feito, etc. Do outro lado da mesma moeda, encontra-se uma pressão

para pesquisadores produzirem, sendo medido de forma quantitativa e não qualitativa.

Alguns dos critérios são as revistas que os publicam e suas classificações, a quantidade de

artigos feitos, quantas citações seu estudo teve (o chamado fator de impacto). Enfim, é a

noção capitalista entrando em tudo.

5. Ética na pesquisa qualitativa.

Histórico sobre ética em pesquisa:

● 1803: médico inglês Thomas Percival propõe um código de ética médica

● 1947: Código de Nuremberg contra crimes cometidos nas pesquisas médicas dos

campos de concentração.

● 1964: Declaração de Helsinque na Finlândia (consentimento informado, cuidado

com riscos e sigilo).

● 1960/1970: termo bioética é criado.

● 1988: no Brasil, sai uma resolução obrigando instituir comitês de ética.

● 2012: Resolução 466/2021 do Conselho Nacional de Saúde.


○ Houve um grande movimento de reivindicações para que se atualizasse, pois

os códigos de ética para pesquisa eram muito voltados para as ciências

médicas.

○ promessa de uma nova resolução, que só sai em 2016.

● 2016: Resolução CNS n°510/2021: pesquisa em ciências humanas e sociais.

○ não sai de uma maneira que foi pretendida, é dita como um golpe da

pesquisa.

○ existem alguns pesquisadores que não reconhecem os comitês de ética.

Como foi criado nosso modelo de ética

O caso Tuskegee foi um experimento que chocou o mundo científico, que fez com

que todas as faculdades de medicina e hospitais universitários tivessem criado seus

próprios comitês de ética. O Brasil, nessa mesma época, copiou esse modelo de ética. É

importante ressaltar que esses parâmetros não são utilizados para todo o tipo de

pesquisa, já que as ciências humanas e sociais têm o American Sociological Association. Já

no Brasil, os mesmos critérios são utilizados para todos os tipos de pesquisa.

O seu projeto é submetido por meio da Plataforma Brasil, send submetido o

Projeto detalhado,o TCLE, a folha de rosto, o termo de concordância da instituição e a

aprovação da câmara departamental.

- https://www.ufmg.br/bioetica/coep/

6. Construindo um projeto de pesquisa.

Fase exploratória

1. Escolher tema:

a. Dentro dessa grande área, o que eu quero pesquisar?

2. Delimitar problema
a. especificar o que eu tô querendo com o tema escolhido, para não dar fuga

do tema.

3. Definir objeto e objetivos

a. frases do verbo infinitivo: quero compreender, analisar, entender, levantar

4. marco teórico

a. referencial teórico: tentar fazer uma conversa entre eles

5. instrumentos de coletas de dados

a. métodos que nós escolhemos em face dos objetivos que eu quero ter com

essa pesquisa.

6. explorar o campo (definir estratégias para entrada no campo)

a. vai para o campo? é necessário?

b. como vai chegar nessas pessoas?

Não ser fichamento, e sim um diálogo, o que uma tem a ver com a outra.

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