Você está na página 1de 14

ESTUDOS LINGÜÍSTICOS

PREDICADOS COMPLEXOS

Maria José Foltran*

Preliminares

T? ste artigo t e m u m caráter e m i n e n t e m e n t e d e s c r i t i v o . N o s s o p r o p o s i t o


B J é mostrar q u e o s c h a m a d o s p r e d i c a d o s c o m p l e x o s e n g l o b a m estruturas
q u e d i f e r e m q u a n t o a o s s e u s a s p e c t o s sintáticos e s e m â n t i c o s . Por
p r e d i c a d o c o m p l e x o , e s t a m o s e n t e n d e n d o s e n t e n ç a s d o tipo:
( 1 ) a. P e d r o c h e g o u c a n s a d o .
b. E u c o n s i d e r o Maria bonita.
c. Ela c o r t o u o c a b e l o curto.

E s s e s p r e d i c a d o s s ã o d e n o m i n a d o s v e r b o - n o m i n a i s p e l a g r a m á t i c a tradi-
c i o n a l . O q u e caracteriza e s s e s e u estatuto é a p r e s e n ç a d e u m v e r b o intransitivo
o u transitivo a c o m p a n h a d o por u m p r e d i c a t i v o . E s s e c o n s t i t u i n t e é a p r e s e n t a d o
pelos gramáticos quando falam dos termos essenciais, sujeito e predicado, e
c a r a c t e r i z a m o s tipos d e p r e d i c a d o s : o s p r e d i c a d o s n o m i n a i s e v e r b o - n o m i n a i s
a p r e s e n t a m u m p r e d i c a t i v o . N o entanto, n ã o s e i n v e s t e , e m n e n h u m m o m e n t o ,
na d e f i n i ç ã o d e p r e d i c a t i v o . O s g r a m á t i c o s r e c o n h e c e m - n o c o m o u m t e r m o d a
o r a ç ã o , m a s n ã o o d e f i n e m n e m l h e atribuem u m a p o s i ç ã o e s p e c í f i c a na
c l a s s i f i c a ç ã o d o s d e m a i s t e r m o s ( e s s e n c i a i s , integrantes e a c e s s ó r i o s ) .

* Universidade Federal do Paraná

122
Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 109-123. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

Entendemos que a noção de predicativo está diretamente relacionada à


definição de predicado, termo mais geral. Definir predicado, no entanto, não é
uma questão trivial. A relação de predicação se dá numa posição de determi-
nado e determinante: a partir de uma ontologia que pressupõe X , indivíduos, e
P, propriedades, P predica de X. O ato de predicar é, portanto, criar uma
associação entre X e Y, de m o d o que Y predica de X. N o e x e m p l o ( l ) a ,
reconhecemos que essa relação se dá entre chegou e Pedro e, também, entre
cansado e Pedro. Temos aí, portanto, dois elementos que predicam de Pedro.
O m e s m o acontece nos outros dois exemplos, ou seja, temos duas relações de
predicação e m cada um deles: no e x e m p l o ( 1 )b considerar Maria bonita predica
de seu sujeito eu e bonita predica de Maria; em ( 1 )c, cortar o cabelo estabelece
uma relação de predicação com ela, do m e s m o m o d o que essa relação se dá
entre curto e cabelo.
Em Foltran (1999), tivemos a oportunidade de discutir esses e x e m p l o s e
demarcar certas d i f e r e n ç a s entre as c o n s t r u ç õ e s que aparecem e m (1).
Chamamos as que aparecem em ( l ) a e ( l ) c de predicados secundários e a que
aparece em (1 )b de mini-oração complemento. Este artigo vai explicitar o que
entendemos por esses termos e apresentar as características de cada tipo de
predicado, alegando que eles precisam ser distinguidos se quisermos dar conta
de suas propriedades lingüísticas. E importante observar, ainda, que as cons-
truções que vão estar e m pauta neste trabalho são unicamente aquelas que
apresentam um adjetivo c o m o segundo predicado.

Aspectos teóricos

A distinção entre predicados secundários e predicados primários aparece


e m Rothstein (1983): a predicação primária ocorre quando o sujeito e o predi-
cado formam um constituinte juntos, e quando o sujeito não é temáticamente
licenciado fora da relação de predicação e m que ocorre; o predicado secundário
se caracteriza pelo fato de o seu sujeito receber um papel temático de outro
núcleo lexical. A o contrário do predicado primário, o predicado secundário não
é oracional.
Para entendermos melhor essa distinção, precisamos detalhar melhor o
que se entende por papel temático. Essa noção é incorporada pela teoria gerativa,
principalmente no m o d e l o de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981) e se
ocupa da estrutura temática das orações e do m o d o c o m o essa estrutura se
articula c o m a estrutura sintática.
Aprofundando um pouco melhor, a noção de papel temático está corre-
lacionada c o m o e s q u e m a de subcategorização dos predicados. U m verbo c o m o

128 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

imitar expressa u m a atividade que e n v o l v e dois participantes: o participante


ativo, a p e s s o a que imita, e o participante passivo, o ser que é imitado. Essa
noção de "participantes de u m a atividade" tem sido formalizada c o m base na
abordagem adotada na l ó g i c a e f i c o u c o n h e c i d a c o m o estrutura argumentai do
predicador - os argumentos e x i g i d o s pelo predicador são o s participantes
minimamente e n v o l v i d o s na atividade ou estado expressos pelo predicado.
H a e g e m a n ( 1 9 9 1 ) usa u m a metáfora para explicar a estrutura argumen-
tai: predicados são c o m o u m script de u m a p e ç a de teatro. E m um script, alguns
papéis são d e f i n i d o s e d e v e m ser atribuídos a atores. O s argumentos d o predi-
cado determinam que e l e m e n t o s da sentença são obrigatórios. S e um verbo
expressa uma atividade e n v o l v e n d o dois argumentos, d e v e haver, p e l o menos,
dois constituintes na sentença que expressam e s s e s argumentos. S e o falante
sabe o significado de imitar ou, e m outras palavras, se sabe que atividade esse
verbo expressa, t a m b é m saberá quantos participantes estarão e n v o l v i d o s e
quantos argumentos o verbo e x i g e .
Avançando u m p o u c o mais, v a m o s ver c o m o a estrutura de argumentos
se relaciona c o m a n o ç ã o de papéis temáticos. C o n s i d e r e m o s o e x e m p l o abaixo:

(2) Carlos matou Pedro.

P e r c e b e m o s que o s dois argumentos, Carlos e Pedro, mantêm relações


semânticas diferentes c o m o verbo. O argumento Carlos, na p o s i ç ã o de sujeito,
se refere à entidade que é Agente da atividade de matar. O argumento Pedro, o
objeto direto, expressa o Paciente da ação. Voltando à metáfora apresentada
acima, a estrutura de argumentos d e f i n e o número de participantes e n v o l v i d o s
e a estrutura temática e s p e c i f i c a o papel que cada ator vai desempenhar na peça.
A relação entre o verbo e os respectivos argumentos ficou c o n h e c i d a c o m o
papéis temáticos. P o d e m o s dizer que o verbo matar toma d o i s argumentos, aos
quais atribui papéis temáticos: o papel Agente para o sujeito da sentença e o
papel Paciente para o argumento objeto. O predicado tem, assim, uma estrutura
temática, e o c o m p o n e n t e da gramática que regula a atribuição d e papéis
temáticos é c h a m a d o d e teoria temática. Esta teoria c o n t é m um c o m p o n e n t e
conceptual, que se o c u p a da caracterização semântica das f u n ç õ e s temáticas, e
um c o m p o n e n t e formal, que t e m a ver c o m as propriedades estruturais das
representações sintáticas que são determinadas pelo fato de estas conterem
e x p r e s s õ e s c o m f u n ç õ e s temáticas, i n d e p e n d e n t e m e n t e da caracterização
semântica particular d e s s a s f u n ç õ e s . U m p o u c o d e v i d o à dificuldade de esta-
belecer critérios rigorosos formais para proceder à caracterização semântica de
f u n ç õ e s temáticas, a teoria gerativa tem s e o c u p a d o p o u c o d o c o m p o n e n t e
conceptual.

128 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

Voltando à d i s c u s s ã o q u e nos interessa, a d e f i n i ç ã o de predicado


secundário pode ser, agora, melhor explicada. E m (1 )a, Pedro recebe seu papel
temático de chegou e de cansado, que também é u m predicador. D o m e s m o
m o d o , e m ( l ) c , o cabelo recebe um papel temático de cortou e outro de curto.
Isso explica o que q u i s e m o s dizer ao afirmar que o sujeito do predicado
secundário já foi tematizado (recebeu papel temático) numa outra relação de
predicação. Voltando a ( l ) a , r e c o n h e c e m o s que cansado atribui u m a pro-
priedade a Pedro e isso caracteriza a relação de predicação. S e cansado é um
predicador, atribui papel temático ao argumento que s e l e c i o n a e e s s e argumento
é Pedro, seu sujeito. Por outro lado, Pedro mantém uma relação de predicação
c o m chegar (Pedro é argumento de chegar e recebe d e s s e verbo um papel
temático). Portanto, o sujeito d o predicado secundário é duplamente tematizado.
E importante observar, ainda, que para que a relação estabelecida entre o
predicado secundário e seu sujeito seja lícita, precisa necessariamente ser
mediada por um predicado primário. Isso se d e v e ao fato de o predicado
secundário, diferentemente d o predicado primário, não constituir u m a oração.
D e v e m o s , ainda, u m a explicação: por que não enquadramos ( l ) b nessa
definição? Para entendermos isso, precisamos recorrer à estrutura argumentai
d o predicador considerar. E s s e verbo e x i g e dois argumentos: a p e s s o a que
considera, de um lado, e o objeto da consideração, de outro. E s s e segundo
argumento é e x p r e s s o por uma oração [considera a l g u é m o u a l g o (Maria) de tal
m o d o (bonita)]. Essa oração não apresenta e l e m e n t o verbal c o m f l e x ã o de
tempo. Por isso, é chamada de mini-oração. Ora, se a oração c o m o um todo
constitui o argumento, portanto, o verbo atribui papel temático à oração e não
a um e l e m e n t o e s p e c í f i c o dentro da oração. A s s i m , o argumento Maria recebe
papel temático apenas de bonita, e não é tematizado fora d e s s a relação de
predicação, o que caracteriza Maria bonita c o m o um e x e m p l o de predicação
primária.
Isso posto, p o d e m o s agora identificar as diferentes construções e apre-
sentar características de seu comportamento sintático e semântico. O s e x e m p l o s
que aparecem e m (1) j á sinalizam para alguns tipos. Isolamos, de u m lado, ( l ) b
c o m o representante das mini-orações c o m p l e m e n t o s e, de outro, ( l ) a e ( l ) c ,
c o m o e x e m p l o s de predicados secundários. E s s e s últimos, n o entanto, não
e s g o t a m os tipos de predicados secundários. Para isso, recorremos aos e x e m p l o s
e m (3),repetindo dois e x e m p l o s de (1) e acrescentando u m terceiro.

(3) a. Pedro c h e g o u cansado.


b. João c o m p r o u o carro quebrado.
c. Ela cortou o c a b e l o curto.

128
127 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

V e m o s que e m (3)a, o sujeito do predicado secundário é t a m b é m sujeito


d o predicado primário; j á e m (3)b, o sujeito d o predicado secundário é objeto
direto do predicado primário; isso t a m b é m a c o n t e c e e m (3)c, c o m u m a dife-
rença: o predicado secundário expressa o resultado da ação verbal sobre o objeto
direto. C h a m a r e m o s o primeiro de predicado secundário orientado para o
sujeito, o segundo de predicado secundário orientado para o objeto e o terceiro
de predicado resultativo. Passaremos, agora, a caracterizar melhor essas dife-
rentes construções.

Predicados secundários orientados para o sujeito e para o


objeto

Os predicados orientados para o sujeito e o s predicados orientados para


o objeto serão aqui tratados no m e s m o item porque, apesar de o sujeito d o
predicado secundário desempenhar f u n ç õ e s diferentes na oração matriz, na
maioria das v e z e s , apresentam características semelhantes. D e início, é b o m
lembrar que as construções c o m predicados secundários orientados para o objeto
são ambíguas, p o i s o predicativo e x p r e s s o por adjetivos concorre o t e m p o todo
c o m a p o s i ç ã o de adjunto adnominal. Para e s c l a r e c e r m o s melhor essa questão,
v a m o s retomar o e x e m p l o (3)b. Essa sentença apresenta duas leituras. N u m a
primeira interpretação, o adjetivo faz parte d o sintagma nominal, o u seja,
f u n c i o n a c o m o m o d i f i c a d o r d o n o m e . A l g u m a s construções sintáticas, por
resultarem de u m a forma o u outra de m o v i m e n t o de constituintes, c o m o passiva,
topicalização o u c l i v a g e m , v ã o funcionar c o m o e v i d ê n c i a s empíricas para a
explicitação d o s fatores responsáveis pela ambigüidade de (3)b. Crucial é o fato
de que, quando s e m o v e m , o s constituintes m o v e m - s e por inteiro, s e m deixar
algumas de suas partes para trás. A s s i m , o b t e m o s (4) e (5).

(4) a. O carro quebrado foi comprado por João.


b. O carro quebrado, João comprou-o.
c. Foi o carro quebrado que João comprou.

(5) a. O carro foi comprado quebrado por João.


b. O carro, João c o m p r o u - o quebrado.
c. Foi o carro que João c o m p r o u quebrado.

E m (4), quebrado comporta-se c o m o adjunto de carro, integrando o


constituinte por ele nucleado, u m a v e z que e m todas e s s a s construções o carro

128 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

quebrado é o constituinte movido. E m (5), temos uma outra interpretação de


(3)b. A partir das mesmas construções usadas em (4), mostramos que o adjetivo
é um constituinte à parte, independente do sintagma nominal. Na primeira
interpretação, a sentença apresenta a pressuposição de existência de carro, mais
ainda, de um carro quebrado. A o dizer essa sentença c o m este sentido, o falante
pressupõe que existe um carro e que o carro está quebrado, ou seja, do ponto de
vista pragmático, o carro quebrado j á está no contexto de interpretação da
sentença. Em outro sentido, o falante pressupõe a existência de um carro e faz
uma asserção de que ele está quebrado.
P o d e m o s listar, agora, as características que essas construções de predi-
cação secundária apresentam. Inicialmente, vamos mostrar que essas sentenças
podem ser parafraseadas pelo m e s m o tipo de construção: o adjetivo, acompa-
nhado da cópula estar, fica na oração mais alta e o conectivo quando é o mais
apropriado para unir as duas orações.

(6) a. Pedro estava cansado quando chegou.


b. O carro estava quebrado quando João o comprou.

Estamos, assim, descartando a possibilidade de aceitar c o m o paráfrase


uma estrutura de coordenação, apresentada e m (7), proposta pela gramática
tradicional para explicar os predicados verbo-nominais. N o s s o argumento é a
relação que se estabelece entre o predicado primário e o predicado secundário.
A coordenação não capta essa relação.

(7) a. Pedro chegou e Pedro estava cansado.


b. João comprou o carro e o carro estava quebrado.

D i s s e m o s q u e o predicado secundário é m e d i a d o p e l o predicado


primário. Essa mediação é denotada de maneira mais adequada pela estrutura
subordinada c o m o conectivo quando-, a estrutura coordenada denota um
paralelismo e, ao m e s m o tempo, uma independência entre os dois acontecimen-
tos, o que consideramos inadequado para as construções e m pauta.
A s duas estruturas se igualam, ainda, em relação à escolha do adjetivo,
que deve apresentar o traço [- inerente]. Os adjetivos que expressam pro-
priedades inerentes são adjetivos c o m o alto, grande, redondo e ocorrem c o m a
cópula ser. Os não inerentes ocorrem c o m estar e são do tipo de triste, vitorioso,
atrasado e outros. Essa distinção se aproxima daquela feita por Carlson (1977),
que separa predicados de indivíduos (individual levei) de predicados de um
estágio do indivíduo ( s t a g e level). N e s s a s estruturas só podem ocorrer predi-
cados stage level. P o d e m o s comprovar isso nos e x e m p l o s (8) e (9).

132 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

( 8 ) a. * 0 m e n i n o c h e g o u i n t e l i g e n t e .
b. * P e d r o e n c o n t r o u o livro d i f í c i l . 1

( 9 ) a. O m e n i n o c h e g o u triste.
b. P e d r o e n c o n t r o u o livro aberto.

N a verdade, a restrição q u e s e f a z n ã o é a o a d j e t i v o e m si, m a s à leitura


individual levei d e s s e adjetivo. Q u a l q u e r a d j e t i v o é p e r m i t i d o , d e s d e q u e v e i c u l e
u m a leitura d e e s t á g i o . O a d j e t i v o americano, d e m o d o geral, é e m p r e g a d o c o m o
u m adjetivo individual levei. S e for u s a d o n u m a estrutura d e p r e d i c a ç ã o
secundária, no entanto, e l e d e v e ser l i d o c o m o u m a d j e t i v o d e e s t á g i o , i s t o é,
a l g u é m s e torna a m e r i c a n o n o percurso.

(10) Ele voltou americano.

Outra restrição d e s s e tipo d e estrutura é o fato d e u m s i n t a g m a n o m i n a l


n ã o p o d e r ocorrer c o m o p r e d i c a d o s e c u n d á r i o . H á a m b i e n t e s q u e p e r m i t e m u m
s i n t a g m a n o m i n a l na f u n ç ã o predicativa, c o m o e x e m p l i f i c a m o s e m ( l l ) a . N o
entanto, ( l l ) b / c mostra a i n a c e i t a b i l i d a d e d e u m a e x p r e s s ã o d e s s e tipo nas
c o n s t r u ç õ e s d e p r e d i c a ç ã o secundária.

( 1 1 ) a. J o ã o é o m e u m e l h o r a m i g o .
b. * J o ã o c h e g o u o m e u m e l h o r a m i g o .
c. * E u encontrei C a r l o s o m e u m e l h o r a m i g o .

Outro f a t o a o b s e r v a r é q u e o p r e d i c a d o s e c u n d á r i o p o d e ser retirado


d e s s a s c o n s t r u ç õ e s s e m p r e j u í z o para a b o a f o r m a ç ã o d a s e n t e n ç a , o q u e
s i g n i f i c a q u e o a d j e t i v o p r e d i c a t i v o n ã o é s u b c a t e g o r i z a d o p e l o verbo.

( 1 2 ) a. P e d r o c h e g o u c a n s a d o - P e d r o c h e g o u .
b. J o ã o c o m p r o u o carro q u e b r a d o - J o ã o c o m p r o u o carro.

U m outro f a t o a s e levantar é o s e g u i n t e : s e o p r e d i c a d o s e c u n d á r i o n ã o
é subcategorizado pelo verbo, qualquer verbo permite a ocorrência de u m
p r e d i c a d o s e c u n d á r i o ? N o s s o s e s t u d o s m o s t r a m , aí, u m a restrição: o s v e r b o s
e s t a t i v o s s ã o p o u c o p r o p e n s o s a admitir u m a d j e t i v o p r e d i c a t i v o , c o m o m o s t r a
(13).

1 A inaceitabilidade se refere apenas à leitura predicativa do adjetivo. Essas sentenças


são plenamente aceitáveis se interpretarmos o adjetivo como adjunto adnominal.

133 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

( 1 3 ) a. *Pedro possui livros rasgados.


b. Pedro vendeu o s livros rasgados.

A sentença e m ( 1 3 ) a não permite que o adjetivo seja interpretado c o m o


predicativo, mas só c o m o adjunto d o nome. N o entanto, outros verbos estativos
permitem a ocorrência de um adjetivo c o m e s s e estatuto, c o m o p o d e m o s ver e m
(14).

( 1 4 ) O d e i o m e u c a f é gelado.

N o entanto, o adjetivo predicativo parece estabelecer, aí, um outro tipo


de relação c o m o verbo. P o d e m o s observar que a paráfrase usada para as outras
construções é, no m í n i m o , estranha para o c a s o de ( 14).

( 1 5 ) ?Meu c a f é está g e l a d o quando eu o odeio.

Essas são as principais características que levantamos a respeito dessas


construções de predicação secundária. E ó b v i o que o comportamento dessas
estruturas pede e x p l i c a ç õ e s . Essas e x p l i c a ç õ e s , no entanto, ultrapassam o s
limites deste trabalho. A l g u n s d e s s e s fatos foram e x p l i c a d o s e m Foltran (1999).
Vamos passar, agora, a um outro tipo de predicado secundário: o s resultativos.

Predicados resultativos

O s predicados resultativos são um tipo especial de predicado secundário


que s ó p o d e se aplicar ao objeto direto. A sua tarefa é descrever o estado final
d o objeto direto, o qual s ó existe a partir da ação verbal. D a í o n o m e de
resultativo.
Essas são construções que v e i c u l a m um c o n t e ú d o semântico de causa-
tividade. S ã o formadas a partir de verbos c h a m a d o s de "verbos de criação".
Apresentamos, a seguir, algumas construções resultativas d o português.

( 1 6 ) a. Ele cortou o c a b e l o curto.


b. Ele costurou a saia justa.
c. Ele f e z o chá fraco.
d. Ele construiu a casa muito grande.
e. Ele d e s e n h o u o círculo torto.
f. Ele cortou o pão e m fatias.
g. Ele bateu as claras e m neve.

134 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

h. Ele pintou a parede de branco.


i. Eles elegeram Paulo presidente da fábrica.

C o m o p o d e m o s observar e m (16), os resultativos, e m português, podem


ser expressos por sintagmas nominais, c o m o e m (16)i, por sintagmas preposi-
cionados, c o m o e m ( 1 6 ) f - h , o u por sintagmas adjetivos. Essas construções
diferem das d e m a i s construções de predicação secundária no que se refere à
forma de ser parafraseadas: não admitem a paráfrase através de construções c o m
o c o n e c t i v o quando.

(17) * 0 c a b e l o estava curto quando ele o cortou.


* A saia estava justa quando ele a costurou.

A s paráfrases não são aceitáveis para e s s e tipo de construção, porque a


função do adjetivo predicativo é descrever o estado final d o objeto direto, que
só passa a existir a partir da ação verbal. Verbos que não se encaixam nessa
classificação são verbos c o m o eleger e nomear, que, a n o s s o ver, também
integram construções resultativas quando acompanhados do sintagma nominal
que indica o resultado. O b s e r v e - s e (16)i: Paulo presidente é um resultado da
ação de eleger. Embora essa c l a s s i f i c a ç ã o não seja tão evidente quanto as
outras, não encontramos fundamentos para tratar essas sentenças c o m o predi-
cados secundários de outros tipos o u c o m o mini-orações c o m p l e m e n t o s . D e um
lado, essas construções não admitem a m e s m a estrutura d e paráfrase admitida
pelos outros predicados secundários, c o m o apontamos e m (17); de outro, não
permitem c o m p l e m e n t o oracional, estrutura paralela c o m ser e a eliminação do
adjetivo predicativo não acarreta agramaticalidade, que são características das
mini-orações c o m p l e m e n t o s , c o m o v e r e m o s no p r ó x i m o item.

( 1 8 ) a. * N ó s e l e g e m o s que Paulo é deputado.


b. * N ó s e l e g e m o s ser Paulo deputado.
c. N ó s e l e g e m o s Paulo.

A ocorrência de predicados secundários resultativos é muito limitada no


português, c o m o , de m o d o geral, nas outras línguas románicas. O inglês, por
e x e m p l o , permite construções resultativas c o m verbos intransitivos, c o m o
laugh, por e x e m p l o .

( 1 9 ) John laughed h i m s e l f sick.

Construção de resultativos c o m a estrutura que e s t a m o s analisando não


é um p r o c e s s o produtivo no português. N o entanto, é razoável pensar que o

135 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

português d e v e ter outras formas de expressar ações que se aplicam a determi-


nados objetos produzindo neles certas características. A s sentenças e m ( 2 0 )
constituem pistas de c o m o seriam essas formas.

( 2 0 ) a. Poliu o carro bem polidinho.


b. Areou a panela b e m areadinha.
c. C o l o c o u a toalha na m e s a b e m esticadinha.
d. A q u e c e u o ferro até ficar vermelho.

Mini-orações complementos

C o m o já falamos no início deste artigo, as mini-orações c o m p l e m e n t o s


são subcategorizadas pelo verbo e instanciam uma predicação primária. U m
e x e m p l o típico d e s s e tipo de construção é o que aparece e m ( 1 )b, retomado aqui
c o m o (21).

( 2 1 ) Eu considero Maria bonita.

Estamos, aqui, entendendo mini-oração c o m o u m a estrutura formada por


um constituinte não flexionado, consistindo de um sintagma nominal e um
predicado, sendo que o sintagma nominal não é s e l e c i o n a d o semântica o u
sintaticamente p e l o verbo matriz. A s s i m , e m (21), o sintagma nominal Maria
não é subcategorizado p e l o verbo. A o i n v é s disso, o verbo s e l e c i o n a u m
c o m p l e m e n t o oracional ao qual atribui um papel temático interno. A o contrário
dos predicados secundários, se o predicado da mini-oração c o m p l e m e n t o for
eliminado, o resultado é agramatical.

( 2 2 ) *Eu considero Maria.

S ó p o d e m o s aceitar (22), se tomarmos considerar num outro sentido. O


fato d e o verbo atribuir um papel temático ao constituinte oracional, que é seu
c o m p l e m e n t o , livra o sintagma nominal Maria de u m a dupla marcação temática,
o que exclui e s s e tipo de sentença dos predicados secundários.
Outra característica d e s s e tipo de construção é a possibilidade de substi-
tuir a mini-oração por u m a oração encaixada c o m t e m p o finito. I s s o não
a c o n t e c e c o m as construções d e predicação secundária.

( 2 3 ) a. Eu considero que Maria é inteligente,


b. *João c h e g o u que é cansado.

139
Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

N a s m i n i - o r a ç õ e s c o m p l e m e n t o s p o d e m o s ter s i n t a g m a s n o m i n a i s o c o r -
rendo c o m o predicado. V i m o s q u e e s s a o c o r r ê n c i a é bastante restrita entre o s
predicados s e c u n d á r i o s .

( 2 4 ) E u c o n s i d e r o Maria [ m i n h a m e l h o r amiga]sN

A l é m das d i f e r e n ç a s apontadas a c i m a entre m i n i - o r a ç õ e s c o m p l e m e n t o s


e predicados s e c u n d á r i o s , p o d e m o s citar outra referente a sua distribuição: s ó
m i n i - o r a ç õ e s c o m p l e m e n t o s p e r m i t e m c o n s t r u ç ã o c o m a cópula.

( 2 5 ) a. Maria c o n s i d e r a ser o livro interessante.


b. * 0 m e n i n o c h e g o u ser/estar c a n s a d o .

D i f e r e n t e m e n t e d o s p r e d i c a d o s s e c u n d á r i o s , o adjetivo q u e aparece aí é
o que atribui u m a propriedade d o tipo individual levei. A possibilidade d e u m
sintagma n o m i n a l n e s s a p o s i ç ã o c o m p r o v a isso: s i n t a g m a s n o m i n a i s são predi-
c a d o s individual levei.

( 2 6 ) a. * M a r i a c o n s i d e r a o livro rasgado.
b. Maria c o n s i d e r a o livro d i f í c i l .

N ã o há e s t u d o s d e f i n i t i v o s a respeito d e q u e v e r b o s integram e s s e tipo


de estrutura n o português. A princípio, s u g e r i m o s o s verbos julgar, acreditar,
supor, crer, achar, querer, apesar d e não s e c o m p o r t a r e m e x a t a m e n t e da m e s m a
forma, c o m o m o s t r a m o s abaixo.

( 2 7 ) a. J o ã o j u l g a Pedro.
b. J o ã o j u l g a Pedro i n o c e n t e .
c. J o ã o j u l g a ser P e d r o i n o c e n t e .
d. J o ã o j u l g a q u e Pedro é i n o c e n t e .

( 2 8 ) a. * J o ã o acredita Pedro.
b. * J o ã o acredita Pedro i n o c e n t e .
c. J o ã o acredita ser Pedro i n o c e n t e .
d. J o ã o acredita q u e P e d r o é i n o c e n t e .

( 2 9 ) a. * J o ã o s u p õ e Pedro.
b. J o ã o s u p õ e Pedro i n o c e n t e .
c. J o ã o s u p õ e ser Pedro i n o c e n t e .
d. J o ã o s u p õ e q u e P e d r o é i n o c e n t e .

132 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

( 3 0 ) a. *João crê Pedro.


b. ?João crê Pedro inocente.
c. João crê ser Pedro inocente.
d. João crê que Pedro é inocente.

( 3 1 ) a. *João acha Pedro.


b. João acha Pedro inocente.
c. João acha ser Pedro inocente.
d. João acha que Pedro é inocente.

( 3 2 ) a. *João quer Pedro.


b. ?João quer Pedro inocente.
c. *João quer ser Pedro inocente.
d. João quer que Pedro seja inocente.

Essas especulações têm a intenção de mostrar que e s s e é um assunto que


comporta investigação.

Conclusão

C o n f o r m e nossa proposta inicial, mostramos que os predicados c o m -


p l e x o s , aqueles formados por adjetivos predicativos, apresentam características
sintáticas e semânticas díspares. A p o n t a m o s , essencialmente, dois tipos de
estrutura: predicados secundários e mini-orações c o m p l e m e n t o s . Os primeiros
s e dividem, ainda, e m predicados secundários orientados para o sujeito, predi-
c a d o s secundários orientados para o objeto e predicados resultativos. C o m o
o b s e r v a m o s no início, n o s s o propósito aqui é puramente descritivo. A l g u n s
d e s s e s fatos lingüísticos receberam e x p l i c a ç õ e s e m Foltran ( 1 9 9 9 ) . N o entanto,
a questão da predicação é, ainda, u m assunto muito fértil para pesquisas.

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo mostrar que estruturas diferentes integram
os predicados complexos e apontar as características sintáticas e semânticas dessas
estruturas. Os predicados complexos são divididos em predicados secundários e mini-
orações complementos. Os predicados secundários recebem, por sua vez, uma subclas-

133
Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR
FOLTRAN, M. J. Predicados complexos

sificação, a saber: predicados secundários orientados para o sujeito, predicados


secundários orientados para o objeto e predicados resultativos. O propósito deste trabalho
é eminentemente descritivo.

Palavras-chave: predicados complexos, predicados secundários, mini-orações


complementos.

ABSTRACT

By means of a descriptive account, this paper attempts to show that different


structures are part of complex predicates, and to present the semantic and syntactic
features of these constructions. These complex predicates can be secondary predicates
or small clause complements. Secondary predicates can, in turn, be classified into
subject-oriented secondary predicates, object-oriented secondary predicates or resulta-
tive predicates.

Key words: complex predicates, secondary predicates, small clause complements.

REFERÊNCIAS

CARLSON, G. A unified analysis of the English bare plural. Linguistics and Philosophy,
Dordrecht, v. 1, p. 413-457, 1977.
CHOMSKY, N. Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris, 1981.
FOLTRAN, M.J. As construções de predicação secundária no português do Brasil:
aspectos sintáticos e semânticos. São Paulo, 1999. Tese de doutorado - Universidade de
São Paulo.

HAEGEMAN, L. Introduction to government and binding theory. Cambridge (MA) :


Blackwell, 1991.
ROTHSTEIN, S. The syntactic forms of predication. Cambridge (MA), 1983. Doctoral
dissertation - Massachusetts Institute of Technology.

134 Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 127-139. jan./jun. 2000. Editora da UFPR

Você também pode gostar