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TEMA 07: PERITONITES

INTRODUÇÃO:

1) PBE:

A peritonite bacter iana espontânea (PBE) é a infecção do líquido ascítico na ausêncía de um


foco intra-abdominal de infecção. A PBE é definida pela presença de mais de 250 célula s
polimorfo - nucleares/ mm3 e ausência de fonte cirúrgica de infecção. É um evento comum em
cirróticos, ocorrendo cm 12% dos pacientes.

Deve-se ressaltar que a PBE só ocorre em pacientes cirróticos com ascite. A mortalidade
histórica de cirróticos com PBE varia de 20 a 40%, mas séries mais recentes mostram
prognóstico melhor, embora ele seja depend ente das condições associadas; pacien tes sem
choque e disfunção renal apresentam mortalidade < 10%, enquanto em pacientes com lesão
renal aguda grave a mortalidade fica próxima a 60%.

As ascites dos pacientes cirróticos e de crianças com síndrome nefrótica são particularmente
vulneráveis à PBE, enquanto as decorrentes de carcinomatose peritoneal ou de insuficiência
cardíaca raramente se infectam espontaneamente. Já foi demonstrado que baixas
concentrações de proteínas no líquido ascítico são um fator decisivo para o desenvolVirnento
de PBE, pois se correlacionam diretamen te com a concentração de moléculas de opsoninas.
Dessa maneira, uma baixa concentração de proteínas (especialmente abaixo de 1,0 g/dL)
aumenta o risco de PBE.

Um dos primeiros eventos necessários para que ocorra a PBE é a alteração da flora intestinal.
Provavelmente causadas pela composição alterada do ácido biliar. Consequentemente, ocorre
aumento na abundância relativa de bactérias potencialmente patogênicas e sua translocação,
atingindo linfonodos mesentéricos. Daí, essas bactérias caem na corrente sanguínea e, devido
aos shunts causados pela hipertensão portal e à incapacidade funcional hepática, produzem
bacterem ias frequentes nesses pacientes.

Através dessas bacteremias espontâneas, bactérias chegam ao líquido ascítico, porém a


evolução para infecção será dependente de fatores locais. Caso as defesas locais não sejam
suficientes, a PBE se desenvolve.

São condições que diminuem as defesas do paciente, facilitando o aparecimento da PBE:

• Deficiência de complemento sérico, comum em cirróticos .

• Deficiência de opsoninas.

• Diminuição da função de macrófagos.

• Baixa concentração proteica no líquido ascítico.

A concentração baixa de proteínas no líquido ascítico correlaciona-se com diminuição de opso


- ninas, o que diminui o poder bactericida local e facilita a infecção.

Assim, os pacientes de alto risco são aqueles com gradiente de proteína do líquido
ascítico/plasmática (GASA) > 1,1 g/dL, o que define ascite por hipertensão portal.

Outro grupo de alto risco para desenvolvimento da PBE são os pacientes com síndrome
nefrótica, que, apesar de terem baixa concentração de proteína no líquido ascítico,
apresentam GASA < 1,1.
Por outro lado, os pacientes com ascite por carcinomatose peritoneal e outras condições
raramente apresentam infecção espontânea do líquido ascítico.

Os agentes etiológicos mais frequentes são bactérias aeróbias Gram-negativas (Escherichia coli
e Klebsiella pneumoniae) comuns na flora gastrointestinal e Streptococcus pneumoniae.

CLINICA:

O quadro pode ser muito inespecífico e com poucos sintomas. Na verdade, 10 a 30% não
apresentam sintomas sugestivos de PBE na chegada ao depar - tamento de emergência. Dor
abdominal e febre são os sintomas mais frequentes, mas sinais de peritonismo, como
descompressão brusca dolorosa , são pouco frequentes.

As manifestações muitas vezes são de piora de função renal ou hepática e nem sempre as
esperadas em uma infecção intra-abdominal. O diagnóstico sempre deve ser considerado em
pacientes com complicações agudas de cirrose hepática, como encefalopatia, sangramento
digestivo e insuficiência renal aguda. Pacientes com cirrose avançada, sangramento digestivo,
infecção urinária e episódios prévios de PBE têm risco particularmente aumentado de
desenvolver PBE.
EXAMES COMPLEMENTARES:

O diagnóstico de PBE é dependente da punção de líquido ascítico . A punção é segura e


associada a baixo índice de complicações.

Alteração do INR (comum nesses pacientes) não é contraindicação para realização da punção.

São considerados exames essenciais: contagem de células com diferencial e albumina do


líquido ascítico. Os pacientes com PBE necessariamente têm aumento de polimorfonucleares e
gradiente albumina sérico/ascítico >1,1.

Outros exames em pacientes com PBE incluem:

• 1 par de hemoculturas.

• Ureia, creatinina, eletrólitos, bilirrubinas e proteínas séricas em todos os pacientes.

■ Hemograma e coagulograma são úteis e podem mostrar coagulopatia associada e


leucocitose, a presença de INR alargado que, como pontuado, não é uma contraindicação para
o procedimento.

Outros exames são indicados conforme as circunstâncias clínicas de cada caso, como exames
de urina 1 na suspeita de infecção urinária, ou exames de imagem na suspeita de peritonite
bacteriana secundária.

A peritonite bacteriana espontânea é definida pela citologia do líquido ascítico revelando a


presença de 250 ou mais polimorfonucleares/mm 3

• A definição clássica de PBE presume, além da ascite com presença de número aumentado de
polimorfonucleares, a presença de cultura positiva monomicrobiana (apenas 1 microrganismo
na cultura), mas para iniciar o tratamento empírico não é necessária a presença de cultura
positiva .
A existência de aumento de polimorfonucleares no líquido ascítico estabelece o que
classicamente é definido como ascite neutrocítica (mais de 250 polimorfonucleares/mm3); a
presença de ascite neutrocítica é o suficiente atualmente para caracterizar o que chamamos
de PBE e já indica o início do tratamento. A diferenciação entre ascite neutrocítica e PBE
clássica não é mais utilizada atualmente.

A bacterascite não neutrocítica monobactcriana é outra forma de manifestação da infecção ou


colonização do líquido ascítico. Nesse caso, temos a presença de um microrganismo, mas com
< 250 neutrófilos/mm 3, o que pode significar um processo de colonização sem caracterizar
infecção propriamente dita do líquido ascítico. A evolução natural da bacterascite nem sempre
é previsível. Cerca de 32% dos pacientes evoluem para um quadro de aumento de
polimorfonucleares no líquido, caracterizando, portanto, PBE e a necessidade de tratamento,
porém 68% dos pacientes evoluem com resolução espontânea do quadro.

Em geral, os pacientes que apresentam sintomas na apresentação são aqueles que evoluem
com PBE. Assim, se sintomas como confusão mental e aumento da ascite estiverem presentes
na chegada do paciente ao departamento de emergência e houver cultura positiva do líquido
ascítico, é indicado o tratamento, mesmo se a contagem dos leucócitos não for alta. Caso seja
identificada disúria ou infecção de outro sítio, também é indicado iniciar antibioticoterapia.
Caso não exista nenhuma dessas circunstancias, a recomendação é de repetir a punção em 48
horas. Caso ocorra aumento dos polimorfonucleares recomenda-se tratamento, caso persista
a presença da bactéria sem aumento de neutrófilos, existe dúvida em relação à conduta mais
apropriada, mas a maioria dos autores recomenda tratamento em casos de bacterascite
persistente.

DIAGNOSTICO DIFERENCIAL:

O principal diagnóstico diferencial a ser feito é o de peritonite bacteriana secundár ia (PBS),


que pode ser dividida em dois grupos, o primeiro quando a causa da PBS é a perfuração de
vísceras e o segundo é a presença de abscesso loculado na ausência da perfuração de vísceras.

A diferenciação entre PBE e PBS é fundamental, pois a mortalidade da peritonite secund,\ria


por perfuração de vísceras é de quase 100%.

Além da contagem de PMN "' 250/mm' e Gram mostrando flora mista, a presença de dois ou
mais dos seguintes achados no líquido ascítico sugerem PBS:

• Glicose < 50 mg!dL.

• Concentração de proteínas> 1 gldL.

• DHL > limite superior de normalidade do sérico.

Outro fator diferenciador é o número de polimorfonucleares no líquido ascítico. A peritonite


secundária costuma ter milhares de polimorfonucleares em níveis quase sempre superiores
aos encontrados em PBE, mas não é possível diferenciar as duas condições apenas com a
citologia.

Se o paciente for repuncionado e a análise do líquido ascítico mostrar ausência de decréscimo


do número de polimorfonucleares, 48 horas após introdução de antibioticoterapia o
diagnóstico de PBS passa a ser bastante sugestivo.
Na suspeita de PBS é indicada cobertura antibiótica para anaeróbios com metronidazol, além
da antibioticoterapia usual para PBE. Além disso, exames de imagem como tomografia de
abdome devem ser realizados, conforme indicação clínica .

A dosagem de antígeno carcinoembrionário (CEA) no líquido ascítico maior que 5 ng/m L e de


fosfatase alcalina no líquido ascítico maior que 240 u/L é sugestiva também de PBS com
sensibilidade de 92% e especificidade de 88%.

O diagnóstico diferencial da PBE engloba principalmente o de outras causas de ascitc, como


tuberculose peritoneal e carcinomatose peritoneal. Em geral cursam sem predomínio de
neutrófilos e gradiente albumina sérica -ascítica diminuído, ao contrário da PBE, que cursa com
gradiente aumentado. Um dos diag nósticos diferenciais mais importantes são as ascites
neoplásicas, que podem apresentar um grande número da celularidade, com mais de 250
polimorfonucleares, sem que haja PBE. Nesse caso, iremos verificar que as células
polimorfonucleares representam bem menos de 50% das células totais, de forma que a ascite
não pode ser considerada aseite neutrocítica, e não deve ser tratada como PBE.

TRATAMENTO:

O tratamento antibiótico deve ser iniciado imediatamente após o diagnóstico. Até a década de
1980, o tratamento de escolha era a combinação de ampicilina e gentamicina, porém a partir
desta década verificou-se a alta eficácia do uso de cefalosporinas de terceira geração no
tratamento desses pacientes, e passaram a ser as drogas de escolha.

A cefotaxima em dose de 2 g a cada 6 ou 8 horas é a mais estudada, mas a ceftriaxona pode


ser utilizada em dose única diária de 2 g ou dose dividida de 1 g a cada 12 horas. A preferência
em nosso serviço, devido ao custo e à possibilidade de tratamento com dose única diária, é
pelo uso de ceftriaxona. O tempo de tratamento indicado com cefalosporinas é de 5 dias.

Recentemente cresceu o interesse em outras medicações, particularmente em uso oral:

• Ofloxacina 400 mg 2 vezes ao dia por 7 a 8 dias.

• Ciprofloxacina 500 mg 2 vezes ao dia por 7 dias.

• Amoxacilína/clavulonato: 875 mg 2 vezes ao dia por 7 dias.

São condições consideradas necessárias para o tratamento por via oral:

• Ausência de vômitos.

• Ausência de choque.

• Ausência de encefalopatia hepática em grau igual ou maior a 2.

• Creatinina em níveis menores que 3 mg/dL (pacientes com creatinina maior ou igual a 1 mg/
dL têm indicação de reposição de albumina, portanto necessitam de internação).

Deve-se lembrar ainda que as quinolonas terão seu uso impossibilitado caso os pacientes já
façam profilaxia de PBE com essas medicações.

A paracentese de controle era usualmente realizada após 48 horas de tratamento com


antibióticos. Em caso de queda de 25 a 30% no número de polimorfonucleares, teríamos um
indicativo de sucesso do tratamento, porém esse procedimento não é necessário e deixou de
ser recomendado. A punção de controle deve ser limitada a pacientes com resposta clínica
inadequada.

USO DE ALBUMINA:

A reposição de albumina demonstrou benefício em um importante estudo e é considerada


conduta obrigatória nestes pacientes.

• Primeiro dia (Dl): 1.5 g/kg de peso de albumina IV em 6 horas.

• Terceiro dia (D3): 1,0 g/kg de peso de albumina IV em 4-6 horas .

Os pacientes com maior benefício apresentavam crcatinina na entrada maior que 1 mg/dL,
bilirrubina total igual ou maior que 4 mg/dL e tempo de protrombina menor que 60%. Análises
posteriores e a recomendação dos autores do traba lho é que a albumina não seja indicada em
pacientes com creatinina menor que 1 mg/dL e bilirrubina total menor que 4 mg/dL na
admissão hospitalar

Embora nenhum outro estudo tenha replicado esses dados até o momento, uma metanálise
mostrou que a infusão de albumina melhora o prognóstico de pacientes com cirrose hepática
com qualqu er tipo de infecção bacteriana.

Em pacientes com suspeita de PBS deve-se ampliar a cobertura antibiótica com metronidazol e
solicitar avaliação de equipe cirú rgica. Exames de imagem, principa lmente tomografia de
abdome, são necessários para avaliar essas hipóteses.

PROFILAXIA:

Alguns estudos demonstram que pacientes cirróticos que fazem uso de inibidores de bomba
de prótons apresentam risco aumentado de PBE, portanto, se possível, essas medicações
devem ser evitadas. Os pacientes com episódios prévios de PBE também têm indicação de
profilaxia, no caso, por tempo indeterminado. Nesses casos as opções são:

• Norfloxacina 400 mg/dia até transp lante (primeira escolha).

• Ciprofloxacina 750 mg 1 x/semana até transplante.


Pacientes cirróticos com hemorragia digest iva têm indicação de profilaxia de PBE, pois
apresentam alto risco de desenvolver infecção durante a internação; nesses casos, as opções
são:

• Norfloxacina 400 mg 12/12 horas VO por 7 dias.

• Ciproíloxacina 200 12/12 horas EV por 7 dias.

• Ceftriaxone 1-2 g EV 1 x/ dia por 7 dias.

A presença de ascite com menos de I g/dL de proteínas totais é um fator de risco isolado para
o desenvolvimento de PBE. Porém, nessa população os resultados da profilaxia com
norfloxacina são mais controversos

As diretrizes de manejo desses pacientes publicadas em 2013 recomendam que em pacientes


com proteínas do líquido ascític o abaixo de 1,5 g/dL, caso tenham creatinina maior que 1,2
mg/dL, bilirrubinas totais maiores que 3 g/dL ou Child C, deve-se considerar a realização de
profilaxia.

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