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O ser humano é, alegadamente, um ser racional, ao contrário dos restantes seres

vivos. Já todos ouvimos e repetimos esta informação várias vezes (sem o


“alegadamente”). É algo enraizado na nossa sociedade, dito por criancinhas desde
que aprendem o que é a vida, e latente em todos aqueles que não conhecem a
Ciência, e consequentemente o mundo. Isto leva-nos a pensar que realmente somos
centrais e fundamentais no nosso planeta, por um lado, e por outro leva-nos a, por
vezes, desprezar o papel das outras formas de vida e dos outros componentes do
meio. Tais pensamentos tão desenquadrados eram suficientes para deitar por terra a
teoria do animal racional.
Mas para não deixar margem para dúvidas, podemos pensar em algo mais radical e
específico: “E se, de hoje para amanhã, desaparecessem todos os vírus?”. Dada esta
possibilidade a um Homo sapiens sapiens, para mais num momento como o que
vivemos atualmente, devido à pandemia de Covid-19, quantos e quantos não diriam
que sim? Provavelmente a maioria, pois quando se fala em vírus e no seu impacto na
humanidade, a primeira reação de qualquer pessoa é associá-los a doenças, mortes,
epidemias, pandemias, entre outras palavras conotadas negativamente, já que estes
são os efeitos que mais sentimos, pelo que o desaparecimento dos vírus seria algo
benéfico nesta perspetiva. Nós, alunos do curso de Ciências no secundário, a quem já
se impõe um conhecimento científico relativamente aprofundado, até há bem pouco
tempo talvez disséssemos o mesmo. E como nós tantos outros, principalmente
aqueles que se sentem confortáveis na falsa sensação de segurança dada por
máximas como a referida inicialmente.
Conclusão, o ser humano é, de uma forma geral, temperamental e ignorante. E neste
grupo global não se encaixa quem não sabe, mas sim quem não quer saber. Nós não
nos queremos enquadrar. Portanto, para aqueles que querem saber, não só pelo
simples prazer de estar informado, mas para poder ser o menos temperamental
possível, para não ser um vetor de alastramento de informações e valores negativos,
tenho a dizer que um mundo sem vírus seria incrível… durante cerca de um dia e
meio, palavras de Tony Goldberg, epidemiologista da Universidade do Wisconsin-
Madison. Resumidamente, nós não sobreviveríamos sem vírus. Potencialmente
chocante, eu sei. Mas passada esta reação de surpresa inicial, surge a pergunta: “o
que é que torna os vírus tão importantes?”. Vários aspetos, alguns dos quais vamos
abordar até ao fim deste texto.

Começando com os efeitos que mais rapidamente se notariam, os vírus são os


principais controladores populacionais dos ecossistemas, reduzindo o número de
indivíduos de uma dada população quando esta se prolifera a um ritmo demasiado
elevado. Por exemplo, bacteriófagos atuam como os principais reguladores das
populações de bactérias nos oceanos, matando 50% de todas as bactérias aquáticas,
todos os dias. Se estes desaparecessem, algumas destas iriam explodir em tamanho
entrando em conflito umas com as outras, o que faria com que algumas não
resistissem à competição, acabando por se extinguir e afetando a biodiversidade do
planeta.

Para além disso, os vírus interferem nas diversas teias alimentares marinhas através
de um processo denominado de shunt viral (desvio viral). Este processo consiste no
desvio do fluxo de carbono e nutrientes destinatados a consumidores secundários
através da lise das células hospedeiras, libertando o seu conteúdo na “sopa” de
matéria orgânica dissolvida no oceano. Esta matéria orgânica é, posteriormente,
utilizada como fonte de alimento por vários microorganismos. Desta forma, os nossos
objetos de estudos asseguram que os organismos que constituem o plankton possuem
os nutrientes suficientes para a realização da fotossíntese a um ritmo muito elevado.
Sem eles e sem a sua intervenção, quase metade do oxigénio existente na atmosfera
terrestre não existiria.

Mas, voltando ao centrismo que o ser humano tem por si próprio, de que forma é que
os vírus são cruciais para a nossa espécie?

A utilização de bacteriófagos para tratar infeções bacterianas é uma das mais recentes
utilidades que estas entidades revelaram. Isto, pois com o crescimento da resistência
aos antibióticos, provou-se uma solução eficaz a este problema. Para além disso, vírus
oncolíticos, ou seja, vírus que infetam e destroem especificamente as células
cancerígenas, estão a ser explorados como uma alternativa de tratamento de cancros
menos tóxica e mais eficiente.
Outra caracteristica importante ter em conta é a constante replicação e mutações que
os vírus sofrem diariamente, o que contribui para a inovação genética dos indivíduos
que incorporam. De facto, a inserção de novo DNA no genoma destes organismos é
um dos maiores impulsionadores da evolução das espécies. Portanto, o
desaparecimento destas entidades teria impacto na linha evolutiva de toda a vida do
planeta, incluindo a nossa.
Aliás, 8% de todo o genoma humano provém de elementos
Primeiramente, é importante referir, que a virologia é um ramo da ciência bastante
parcial, já que foca quase a totalidade da sua atenção nos vírus patogénicos, pois,
como previamente referido, são aqueles que a humanidade tem mais interesse em
estudar devido aos seus efeitos mais notórios nas nossas vidas. Assim, a investigação
da importância destes organismos para o funcionamento da Terra foi desprezada,
tendo-se dado apenas recentemente o foco que merece, o que leva à incerteza de
alguns factos, sendo necessária futura investigação.

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