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Linhas orientadoras da resposta – AF4

- O Direito como princípios e normas –

1. Ferreira da Cunha considera que as tentativas de definição ou descrição simples do direito


são “armadilhas positivistas” (p. 116) que conduzem a conceções dogmáticas e necessariamente
incompletas de uma realidade abrangente e complexa. Assim, a estratégia mais adequada para
chegar a um entendimento mais completo do fenómeno jurídico – bem como a uma praxis mais
informada - será a mobilização de uma perspetiva crítica, baseada em conhecimento
interdisciplinar, e orientada pela defesa da Justiça no Direito (“suum cuique tribuende” (p.119)).

2. Assim, ensaia uma definição de Direito como “o conjunto de princípios (e valores) e regras
que orientam a vida em sociedade, estruturando-a, distribuindo papéis, reconhecendo ou
atribuindo direitos, impondo deveres, evitando e dirimindo conflitos, não de forma arbitrária,
mas de acordo com um ideal de Justiça, contribuindo assim para a paz social, a ordem e a
hierarquia do grupo e assim dotando a existência de um sentido” (p.112). Esta definição,
construída para ir além da “armadilha positivista” acima mencionada, desdobra-se em vários
elementos merecedores de análise:
a) Direito como princípios, valores e normas: um dos elementos básicos do Direito,
decorrente do seu caráter eminentemente social, é o facto de refletir os valores e
princípios dominantes na comunidade que o cria e aplica. Estes são traduzidos em
normas, ou regras, cujo cumprimento é promovido pelo poder coativo do Estado e que
estabelecem padrões de comportamento e permitem aos cidadãos criar e manter
expectativas legítimas em relação ao comportamento dos outros e das instituições. É
por estes princípios subjazerem às normas positivadas que se recorre à sua
interpretação quando é necessário integrar lacunas na lei.
b) Direito como ordenador social: mais do que pretender a “realização da convivência
ordenada” (p.123) – papel que não lhe é exclusivo -, o Direito deve pretender concretizar
essa realização através de uma “série diferenciada de ações ordenadoras” (p.123), i.e.,
deve estruturar a sociedade, definir determinados papéis a desempenhar no seu
funcionamento, e reconhecer direitos e impor deveres aos cidadãos:
i. O Direito organiza a interação social criando estruturas de poder, como
atesta o estabelecimento do Direito Constitucional ou do Direito
Administrativo, entre outros ramos. Atualmente, a maioria dos estados
toma a forma de Constitucional (Häberle), ou seja, onde se respeitam e
promovem princípios como o estado de direito, a democracia, o
pluralismo, e o estado social, cultural e ambiental.
ii. Para além disso, o Estado reconhece diversos tipos de direitos aos seus
cidadãos. Alguns são considerados inerentes a todos os seres humanos
– como os direitos naturais, humanos, e fundamentais -, e os estados
ficam vinculados ao seu reconhecimento e proteção através de
numerosas convenções e tratados internacionais, como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Outros direitos menos próximos
daquele núcleo são estatuídos em diversos códigos jurídicos.
iii. A proteção destes direitos é garantida pelos mecanismos de tutela
estabelecidos pelo Estado. Estes têm o objetivo de reestabelecer o
status quo ante, i.e., restituir a situação ao estado inicial sempre que
possível, através da restituição ou indemnização. Desta forma, o Direito
cumpre a sua função reconstitutiva, contribuindo para sanar conflitos
e, por conseguinte, evitando que escalem.
iv. Concomitantemente são estabelecidos deveres – de ação (facere) ou
omissão (non facere); o seu incumprimento resulta na aplicação de
sanções, que materializam a coercibilidade da norma jurídica: sem ela,
o Direito perderia a sua credibilidade e capacidade de persuasão.

3. A Justiça deve iluminar o Direito na prossecução de todas as suas funções, “é ela que confere
uma ordem à ordem” (p.139), adequada à sociedade que serve. De outra forma, o Direito
deixaria de ser aceite pelos cidadãos, perdendo a sua eficácia. Ferreira da Cunha considera que
o facto de atribuir aquele papel à Justiça é, necessariamente, uma tomada de partida pelo
Direito Natural – cujo único fundamento lógico pragmático é aquilo que é considerado justo por
determinada sociedade, em determinado momento, tendo noção da sua contínua evolução. É,
aliás, esse o entendimento dominante desde o século XVIII. Igualmente, é importante não fazer
equivaler o Direito ao Poder, significando que deve ser influenciado pelo pluralismo
democrático.

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