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Lawfare e a destruição da política

Escrito por Silvio Almeida

O sistema de justiça brasileiro é um parque de


diversões para o uso do direito como arma de guerra
Em meu último artigo para esta Folha, teci alguns breves
comentários sobre o que considero contradições e fragilidades do
pré-candidato Sergio Moro. Na esteira do que declarou esta semana
o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes, não é compreensível que
um homem que nitidamente nada sabe sobre o que o Brasil possa
pleitear o posto de comando mais elevado do país.

Entretanto, no dia de hoje, mantendo as observações que fiz


anteriormente, gostaria de fazer ao pré-candidato Moro algo que ele
nem sempre observou em sua atuação como magistrado: justiça. No
meu caso, "fazer justiça" é reconhecer que o candidato teve sim, um
papel muitíssimo importante na política brasileira, mais
precisamente, no processo de destruição da política institucional do
país.

Foi Sergio Moro que, juntamente com os vingadores da Lava Jato,


introduziu uma das grandes inovações tecnológicas da política do
nosso tempo, o chamado lawfare. Mas o que é lawfare?

Uma boa resposta pode ser encontrada no livro "Lawfare: uma


introdução", de autoria dos advogados e professores Cristiano Zanin
Martins, Valeska Teixeira Zanin Matos e Rafael Valim. É importante
ressaltar que Cristiano e Valeska atuaram na defesa jurídica do ex-
presidente Lula, o que faz com que os aspectos teóricos revelados
pelo livro sejam baseados em uma experiência direta com o
fenômeno que descrevem.

No texto aprende-se que o termo lawfare é um neologismo que


resulta da junção dos termos law (direito) e warfare (guerra ou
estado de guerra). Isso indica que a palavra se refere à utilização do
direito ou, melhor, das instituições e das técnicas jurídicas, como
armas de guerra.
Como definem os autores lawfare é "o uso estratégico do direito
para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo" (p.
26).

Destaco aqui o uso de "inimigo" e não "adversário" ou "oponente".


Inimigo porque o lawfare pressupõe um ambiente de guerra, em que
o diálogo, a conciliação e a diplomacia são impossíveis. A oposição,
portanto, não pode ser institucionalizada; há que ser extirpada,
retirada completamente do jogo. O inimigo deve ser apresentado
como uma ameaça vital contra a qual todos os meios podem ser
empregados, sejam legais ou ilegais.

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Como explicam os autores o lawfare é resultado de reflexões sobre


diferentes estratégias e táticas possíveis em uma guerra. Do ponto
de vista estratégico o lawfare requer a observação das dimensões
da geografia (levar o conflito judicial para a jurisdição onde se
tenha maior chance de vitória), do armamento (utilização e criação
de normas que facilitem a perseguição do inimigo e o uso de
medidas excepcionais contra ele) e da externalidade (o uso dos
meios de comunicação para coletar, transportar ou deturpar
informações produzidas fora do sistema processual).

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Já dentre as inúmeras táticas de lawfare que se ligam às dimensões


estratégicas, podemos destacar a violação de competência, a
proposição de ações em diferentes localidades para confundir ou
estressar o litigante, o uso abusivo de prisões preventivas, o
vazamento seletivo de informações para contaminar o ambiente
social, o excesso de acusações (e.g. o famoso "power point") e a
intimidação de críticos —especialmente jornalistas— por meio de
ações judiciais.

Se a Sergio Moro e à força-tarefa da Lava Jato cabem o mérito de


terem servido como suporte material para o fantasma do lawfare
que encarnou no Brasil, é preciso considerar que a introdução dessa
tecnologia de guerra só foi possível por que havia um ambiente
propício.

Antes de colonizar as grandes estruturas econômicas e políticas


nacionais, o uso do direito para extermínio e produção da exceção
já estava disseminado no sistema de justiça brasileiro, como muito
bem sabem os pobres e, especialmente, os negros e os indígenas.

A desigualdade social, o autoritarismo e o racismo que nos


caracterizam historicamente foram centrais para que a prática do
lawfare encontrasse tanta acolhida no Brasil.

Nos próximos anos o Brasil terá que repensar seu sistema a fim de
impedir e responsabilizar os assediadores judiciais e aqueles que,
diante da função que ocupam nas instituições jurídicas, participam
ou são coniventes com a devastação do país. Lawfare não é apenas
a destruição do direito. É a destruição da política.

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