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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0479.20.001312-2/001 Númeração 0013122-


Relator: Des.(a) Henrique Abi-Ackel Torres
Relator do Acordão: Des.(a) Henrique Abi-Ackel Torres
Data do Julgamento: 16/12/2021
Data da Publicação: 24/01/2022

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS -


DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE PORTE DE DROGAS PARA
CONSUMO PESSOAL - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA
DO TRÁFICO DEVIDAMENTE COMPROVADAS - DROGAS - MINORANTE
DO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI DE DROGAS - PATAMAR MÁXIMO - NÃO
CABIMENTO. Comprovadas a autoria e a materialidade do crime de tráfico
de drogas a partir das provas constantes dos autos, inviável a pretensão
desclassificatória. O depoimento dos policiais militares possui importância na
prova do tráfico de drogas, não podendo a sua credibilidade ser esvaziada
em razão de sua função, a não ser diante da presença de indícios concretos
aptos a desaboná-lo. Para o estabelecimento da fração redutora prevista no
§4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, à míngua de balizas legais para a sua
eleição, as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal e
no artigo 42 da Lei de Drogas devem servir de parâmetro, devendo a eleição
ser creditada ao prudente arbítrio do juiz, com base em sua
discricionariedade vinculada.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0479.20.001312-2/001 - COMARCA DE


PASSOS - APELANTE(S): GABRIEL SOUSA SANTOS - APELADO(A)(S):
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES

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RELATOR

DES. HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES (RELATOR)

VOTO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por GABRIEL SOUSA SANTOS


contra a respeitável sentença de fls. 207/215, proferida pelo ilustre Juiz de
Direito da 1ª Vara Criminal, de Precatórias Criminais e de Execução Penal da
Comarca de Passos/MG, que julgou parcialmente procedente a pretensão
acusatória e o condenou pela prática do crime previsto no art. 33, caput e
§4º, da Lei nº 11.343/06, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime
aberto, e 200 (duzentos) dias-multa, estes fixados à razão de 1/30 do salário
mínimo vigente ao tempo dos fatos.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de


direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal (CP), sendo concedido ao
sentenciado o direito de recorrer em liberdade.

De acordo com a exordial acusatória, no dia 05/02/2020, por volta de


16h06min, na Rua José A. de Oliveira, nº 71, em Passos/MG, Gabriel Sousa
Santos tinha em depósito, para fins de traficância, 10,85g (dez gramas e
oitenta e cinco centigramas) de maconha e 18,68g (dezoito gramas e
sessenta e oito centigramas) de cocaína, sem autorização e em desacordo
com determinação legal e regulamentar.

A denúncia foi recebida em 03/04/2020 (fls. 138/139).

Concluída a instrução criminal, foi proferida a sentença de fls.

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207/215, publicada no dia 29/04/2021.

Inconformada, a Defensoria Pública interpôs Apelação à fl. 218 e, nas


razões recursais de fls. 219/226, pugna pela desclassificação do crime de
tráfico de drogas para a conduta prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/06.
Alternativamente, pretende a aplicação da minorante do §4º do art. 33 do
referido diploma legal na fração máxima prevista em lei.

Contrarrazões ministeriais às fls. 228/235.

A Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 243/248, opina pelo


desprovimento do apelo.

É o breve relatório.

ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

MÉRITO

A defesa pugna pela desclassificação da conduta imputada ao


sentenciado para o porte ilegal de drogas para consumo pessoal, pretensão
que, apesar dos judiciosos fundamentos alinhavados nas razões, não
merece acolhimento.

Conforme narra a exordial acusatória:

"[...] Segundo os indícios apurados, após informações dando conta de que


pessoas suspeitas de participação em um crime de roubo estariam
escondidas na residência da rua José A. de Oliveira, 71,

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policiais militares se dirigiram ao local.

Os militares cercaram o imóvel e avistaram o denunciado transpondo o muro


para uma casa vizinha, onde ele foi encontrado.

Na residência, os agentes encontraram a mochila abandonada pelo


denunciado na fuga e, dentro dela, estavam 26 pinos de cocaína, uma
porção esbranquiçada aparentando ser cafeína (usualmente empregada para
aumentar o produto, potencializando os lucros), uma balança de precisão,
vários pinos vazios, e duas porções de maconha. [...]" (fls. 02d/04d).

A materialidade e a autoria estão demonstradas pelo auto de prisão em


flagrante delito de fls. 02/07, boletim de ocorrência de fls. 15/20, laudos de
constatação preliminar de drogas de fls. 27/31, laudo de eficiência e
prestabilidade de objeto de fls. 32/33, auto de apreensão de fls. 41/42,
exames toxicológicos definitivos de fls. 182/185, bem como pela prova oral,
não sendo objeto de insurgência recursal.

Cinge-se a pretensão defensiva, apenas, à subsunção da conduta do


apelante ao disposto no art. 28 da Lei nº 11.343/06.

A esse jaez, dispõe o art. 28, §2º, da Lei nº 11.343/06 que, "para
determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições
em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem
como à conduta e aos antecedentes do agente".

Pois bem.

Ao ser conduzido perante a autoridade policial (fls. 06/07), Gabriel Sousa


Santos reconheceu a propriedade sobre parcela dos materiais apreendidos,
alegando que:

"[...] que o declarante reconhece ser proprietário de uma sacola

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plástica contendo um pó branco e um pote de plástico contendo o mesmo pó;


que, segundo o declarante, o pó branco que está na sacola e no porte seriam
'cafeína', vendida no mercado livre; que a mochila e os pinos vazios também
seriam de sua propriedade; que estava guardando os objetos descritos, o pó,
os pinos, e a mochila, a pedido de um indivíduo cujo o nome prefere não
dizer, uma vez que teme pela sua segurança e não deseja declinar o nome
deste indivíduo; que o declarante reconhece também que uma das duas
buchas de maconha lhe pertence, a qual seria para o seu uso, sendo que a
bucha sua seria a maior, a menor não lhe pertence; que o declarante porém
afirma que os 26 (vinte e seis) pinos cheios e a balança de precisão não lhe
pertencem; que tais objetos não estavam na mochila; que alega que quando
da presença da polícia militar correu do local porque ficou com medo de ser
preso; que estava guardando os objetos para o referido indivíduo porque
estava sem dinheiro para comprar maconha, e estava guardando os objetos
para ganhar um pouco de droga para o seu consumo; que reafirma que os
pinos cheios e a balança não lhe pertencem e não estavam na mochila no
momento da localização; que o declarante alega que não tinha nenhum
dinheiro, bem como no local tinha um dichavador que ele usa para consumir
drogas e alguns papeis conhecido como seda que não foram apreendidos;
que está arrependido do que fez, bem como que não gostaria de ir preso,
alegando que não está mentindo; [...]" (fls. 06/07).

Em juízo (mídia acostada à fl. 174), o recorrente confirmou ter guardado


os entorpecentes a pedido de outrem, para quitar uma dívida antiga que
possuía com traficantes. Destacou que não mais fazia uso de drogas e que,
portanto, não havia nenhuma substância destinada ao seu consumo pessoal.

A corroborar a versão do recorrente, a informante Yasmin Machado


Pimenta, esposa do réu, confirmou que Gabriel não usava drogas há mais de
um ano (mídia de fl. 174), infirmando, pois, a alegação de que os
entorpecentes ali localizados se destinariam ao consumo pessoal.

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De mais a mais, os relatos dos policiais militares Jance Alves Terra e


Bruno de Freitas Lopes são uníssonos no sentido de que, no interior da
mochila localizada na garagem da residência do réu, foram encontrados os
pinos plásticos - alguns contendo cocaína e outros vazios -, além de balança
de precisão, cafeína em pó e duas porções de maconha (mídia de fl. 174).

Aliás, ambos os policiais destacaram que, com a aproximação da


guarnição policial, o apelante pulou o muro e se escondeu em um imóvel
vizinho. Esse fato foi confirmado pelos genitores de Gabriel que, em juízo,
ainda disseram que autorizaram as buscas no imóvel, por não acreditarem
que havia algo de ilícito no logradouro (mídia de fl. 174).

Por óbvio, a palavra dos policiais que participam de diligências deve


merecer credibilidade e validade, porque se o Estado confere aos seus
agentes a atribuição de policiamento ostensivo, não se pode, através da
prestação jurisdicional, retirar a boa-fé das informações prestadas acerca da
autoria do crime.

Assim, os depoimentos dos policiais devem ser considerados idôneos e


capazes de embasar uma condenação, quando em consonância com o
restante do conjunto probatório e ausentes indícios concretos a infirmar a sua
veracidade, conforme entendimento uníssono do augusto Superior Tribunal
de Justiça:

"[...] Ademais, segundo a jurisprudência consolidada desta Corte, o


depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a
resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer
dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de
demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente
caso. Precedentes. [...] (AgRg no HC 675.003/GO, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe
10/08/2021)

Nota-se que os depoimentos prestados pelas testemunhas supracitadas


estão em perfeita harmonia com o restante das provas

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constantes nos autos, superando a versão desclassificatória apresentada


pelo recorrente que, a propósito, não encontra guarida sequer em seu
interrogatório judicial.

Ressalte-se que a quantidade e a variedade das drogas apreendidas,


junto de balança de precisão e de cafeína em pó, revelam que as
substâncias eram destinadas ao tráfico ilícito, nos termos do art. 28, §2º, da
Lei nº 11.343/06.

De todo modo, registro que, para caracterização do delito de tráfico de


drogas, não é necessário que o agente esteja, de fato, comercializando a
substância quando é abordada pelos policiais. Afinal, "vender" constitui
apenas um dos verbos do tipo misto alternativo previsto no art. 33 da Lei nº
11.343/06, a exemplo de ter em depósito, conduta que também foi praticada
pelo réu.

Destarte, julgo inviável o acolhimento do pleito desclassificatório, sendo


imperativa a manutenção da condenação de Gabriel Sousa Santos nas
disposições do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06.

Da fração de redução em razão da causa de diminuição prevista no art.


33, §4º, da Lei de Drogas.

Alternativamente, a combativa Defensoria Pública pleiteia a aplicação, no


patamar máximo, da redutora prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06.

No entanto, sem razão.

A fixação da pena-base é norteada pelas circunstâncias judicias previstas


no art. 59 do CP, quais sejam, culpabilidade, antecedentes, conduta social,
personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime,
bem como comportamento da vítima.

E, nos crimes previstos na Lei nº 11.343/06, devem ser levadas

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em consideração, também e de forma preponderante, as disposições do art.


42 do referido diploma legal, isto é, a natureza e a quantidade da substância
ou do produto, a personalidade e a conduta do agente.

In casu, na primeira fase do critério dosimétrico, o ilustre Magistrado


sentenciante considerou todas as circunstâncias judiciais favoráveis ao
recorrente, estabelecendo a reprimenda básica no mínimo legal, ou seja, em
05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.

Em seguida, não foram reconhecidas circunstâncias agravantes ou


atenuantes, mantendo inalterada a reprimenda intermediária.

Por fim, em razão da minorante especial disposta no art. 33, §4º, da Lei
de Drogas, o ilustre Magistrado assim fundamentou a escolha da fração
redutora:

"[...] considerando os entorpecentes apreendidos (cocaína e maconha),


sendo o primeiro de alto poder lesivo, e em quantidade considerável (26
pinos), entendo necessária e suficiente à redução da pena no patamar de 3/5
(três quintos). [...]" (fl. 213).

Em relação à fração redutora, entendo não merecer qualquer reparo pois,


não tendo o legislador feito menção a parâmetros rígidos sobre a escolha da
fração redutora e havendo fundamentação concreta, razoável e proporcional,
deve ser privilegiado o livre convencimento motivado do ilustre Magistrado.

Nesse sentido, a apreensão de 26 (vinte e seis) porções de cocaína e de


02 (duas) porções de maconha, junto à balança de precisão e à cafeína em
pó - comumente usada para aumentar o rendimento daquele entorpecente -,
justifica a eleição da fração de 3/5 (três quintos).

Destarte, mantenho inalterada a irretocável sentença, confirmando a


condenação do apelante à pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime
aberto (art. 33, §2º, "c", do CP), e 200 (duzentos) dias-multa,

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estes fixados à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Outrossim, presentes os pressupostos elencados no art. 44 do CP,


mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de
direitos, nos exatos termos da sentença primeva.

DISPOSITIVO

Por essas razões, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo


incólume a respeitável sentença.

Custas pelo apelante, observada a possibilidade de suspensão da


exigibilidade de seu pagamento pelo Juízo da Execução. Isso porque o
recorrente é assistido pela Defensoria Pública e essa situação configura
presunção iuris tantum de hipossuficiência financeira e de impossibilidade de
arcar com as custas do processo, nos termos do artigo 98 do Código de
Processo Civil.

É como voto.

DESA. MÁRCIA MILANEZ (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. DIRCEU WALACE BARONI - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."

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