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Índice
A ZONA DA MORTE - Rynaldo Labuto Gondim .........................................................04

MEDO - Ramon Rodriguez......................................................................................11

Quase manicaca - Ramon Rodriguez.......................................................................15

AERONCÃO - Ramon Rodriguez..............................................................................18

OS DUELISTAS - Ramon Rodriguez..........................................................................20

VOO CONGONHAS PARA O AEROPORTO SANTOS DUMONT J. Passareli..................25

INJETORA DESREGULADA - Ramon Rodriguez.........................................................30

BARUÍM - Ramon Rodriguez..................................................................................32

HOJE PODE TER CHOVIDO MERDA - Cassiano de Luca.............................................33

OS TEMPOS MUDARAM - Ramon Rodriguez............................................................37

MACACÃO LARANJA - Ramon Rodriguez..................................................................41

PATO BRANCO E O OLHO DA BRUXA - Paulo J. Pinto...............................................43

O ÚLTIMO AVIADOR DA ERA ROMÂNTICA - Filipe Rafaeli........................................54

DE PRAIA A FERNANDO DE NORONHA - Gerard Moss...............................................77

PIRUETAS COM AVIÃO AGRÍCOLA - Ramon Rodriguez.............................................85

FAROL X FAROL - Ramon Rodriguez........................................................................88

MANUTENÇÃO CARA - Ramon Rodriguez...............................................................89

DORMI NO C-47 FAB-2015 - José Passarelli............................................................91

PESSOAS ESPECIAIS - Edgar Costa........................................................................95

A PRESSA ATRASOU - Rynaldo Labuto Gondim.....................................................97

CURVA DERRAPADA - Ramon Rodriguez............................................................102


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A Zona da Morte
Rynaldo Labuto Gondim

20 de novembro de 2014 · São Paulo

Se você se aproxima para pouso em uma pista de


um aeródromo não controlado com um vento de través
absoluto, tanto faz a cabeceira que você vai pousar,
certo? Errado. A melhor escolha é a cabeceira que
permite que você faça a perna base contra o vento. Isso,
além de oferecer mais tempo para você configurar o
avião, vai evitar que você ultrapasse o eixo da pista, o
que exigiria que você fizesse pelo menos duas curvas a
baixa velocidade e a baixa altura para se encaixar na
final novamente.

É bom lembrar que o ar-quente capaz de evitar


gelo no carburador só funciona com o motor em
operação. Ou seja, se você demorar a abrir o ar-quente,
quando a condição exigir, pode ser tarde demais. Abra o
ar-quente quando julgar necessário. E se o motor
engasgar por alguns segundos, provavelmente, isso é o
efeito da água do gelo que já estava começando a se
formar e que você acabou de derreter.
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Você está no ponto de espera e o controlador


manda você alinhar e manter. Se você sabe que a
ordem de decolagem só será dada quando a aeronave
que decola estiver a uma distância segura e que tenha
passado tempo suficiente para a esteira de turbulência
deixar de ser uma ameaça para você, por que a pressa?
Entre na pista bem devagar tendo uma boa visão da
final o maior tempo possível. Quando você alinhar, já
vai ser estar mais perto do momento da sua decolagem
ser autorizada.

Esses e outros conselhos que é sempre bom


lembrar estão no livro A ZONA DA MORTE, do famoso
instrutor de voo americano Paul A. Craig. E, a despeito
da tradução técnica ser bem ruim, o livro é bem bom.

São dicas para pilotos que ainda não completaram


350 horas de voo e, portanto, ainda estão na zona na
qual, segundo as estatísticas, acontecem a grande
maioria dos acidentes fatais.

Evidente que o livro me levou a sobrevoar o


passado.

Eu tenho pouco mais de mil horas de voo. Na


maior parte desse tempo estava pilotando um ultraleve
avançado da Tecnam (P96S – Golf) e um P28T, um
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Corisco Turbo. E passei por duas fases que considero


muito perigosas.

Minhas primeiras 100 horas, logo após concluir


minhas 30 horas de instrução, quando eu ainda não
sabia nada. E, um pouco mais adiante, quando estava
com cerca de 500 horas voando de Corisco. Eu
continuava sem saber nada, mas não tinha mais
consciência disso. Pelo contrário. Meu ego estava tão
inflado que eu achava que a única diferença entre mim
e o Maverik no filme Top Gun era o fato do Tom Cruise
ser ligeiramente mais bonito.

Depois que tirei o PP, queria fazer prova teórica


para IFR. Mas descobri que eu seria obrigado a ter aulas
teóricas em escola homologada. Não podia
simplesmente ir lá e fazer as provas como fiz com o PP.
Como não tinha tempo para fazer aulas teóricas,
contratei um instrutor de voo para me ensinar a voar
por instrumentos, na prática. Embora isso não fosse me
permitir fazer um plano de voo IFR, me daria mais
segurança caso eu, inadvertidamente, entrasse em
condições IMC.

O problema é que depois do treinamento, eu


fiquei bem abusado. Era comum sair de São Paulo no
sábado de manhã, sob mau tempo, ultrapassar a
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camada e voar visual no topo até a Restinga de


Marambaia, quando eu iniciava a descida sobre o mar
esperando alcançar a base das nuvens antes de mil pés
ou iniciar uma nova subida. Para depois pousar em
Jacarepaguá ou no Santos Dumont.

Voar guardado virou rotina. Até o dia que me


enfiei dentro de uma tempestade em Minas Gerais
voltando de Salvador porque “EU TINHA QUE CHEGAR”
em São Paulo.

Neste dia, a camada estava ficando cada vez mais


alta. Subi até 10.500 mil pés com o topo da camada
bem rente à barriga do avião. E ainda era obrigado a
fazer alguns desvios por causa de vários CBs que
ultrapassavam a camada e continuavam subindo para
grandes altitudes.

Depois de uma hora mais ou menos voando nessas


condições, o topo da camada voltou a subir. Sem
oxigênio a bordo, fiz uma curva de 360 graus
procurando uma proa mais animadora e constatei que
não havia mais nenhuma proa animadora. Eu tinha que
descer.

Apertei NRST no 296 e descobri um aeródromo


não controlado com uma pista de asfalto de 800 metros
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a poucas milhas da minha posição. Essa era a boa


notícia. A má é que o aeródromo – isso eu concluí
observando a carta – ficava no meio de um vale cercado
de montanhas bem altas.

Chamei o Controle, informei minhas intenções de


alternar para aquele aeródromo e pedi o ajuste do
altímetro. Rezei uma Ave Maria e comecei
a descida.

Uma longa descida. guardado, em espiral, na


vertical do aeródromo. A curva tinha uma inclinação
ligeiramente maior que 60 graus por causa do meu
medo de bater nas montanhas. Estava atento a
velocidade para evitar um estol, já que havia reduzido a
potência para me proteger de uma pane estrutural caso
me enfiasse em algum CB. Não tinha stormscope. (Eu
não tinha juízo. Não ter stormscope era o menor dos
meus problemas).

Eu chacoalhava um bocado dentro das nuvens, o


que tornava ainda mais difícil manter a atitude, a razão
de descida, a velocidade e, acima de tudo, a calma. Eu
me agarrava ao fiapo de calma que me restava como
um garoto assustado se agarra a saia da mãe. Repetia o
tempo inteiro pra mim que preferia morrer como um
homem por causa de um erro (um novo erro, para ser
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mais exato) voando controlado para cima de uma


montanha, do que morrer entrando em atitude anormal
devido ao pânico.

Tinha combinado comigo mesmo descer até 1500


pés de altura sobre a pista. Caso continuasse guardado,
voltaria a subir. Estava descendo de 10.500 mil pés para
4.500, a 500 pés por minuto. A descida tinha, portanto,
12 minutos de duração. A sensação é que durou uns 12
anos.

E o pior aconteceu: 1500 pés de altura sobre a


pista e eu ainda não tinha chegado a base da camada. O
pânico sentou ao meu lado. Zerei o climb e fiquei dando
voltas para alcançar aquele fiapo de calma novamente e
pensar no que fazer. Não sei quantas voltas fiquei
dando em cima da pista, mas decidi descer mais 300 pés
antes de voltar a subir.

Duzentos pés abaixo saí da camada sob uma chuva


torrencial. Entrei na perna do vento de uma das
cabeceiras, ignorando solenemente o vento, e comecei
a configurar o avião para pouso. Depois de verificar
umas cinco vezes o trem de pouso e a posição do flap,
ingressei na final. Seria muito estúpido fazer mais uma
estupidez agora. E pousei direito, apesar da pouca
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visibilidade. Taxiei bem devagar. Saí do avião com


cigarro, o isqueiro e meu coração nas mãos.

Enquanto fumava, percebi que não havia a menor


chance de fazer uma burrada daquelas de novo. Foi o
dia em que sai da Zona da Morte. Por pura sorte, eu fui
um dos que sairam com vida.
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MEDO
Ramon Rodriguez

24 de julho de 2016 · São Paulo

Li em algum lugar algo como não ter medo ou o


medo poder provocar acidentes. Ai me lembrei de um
causo ocorrido comigo lá pelos idos dos anos 80.

A empresa que eu voava agrícola foi vendida para


uma pessoa que não era da área e nomearam um
gerente que diziam ser muito experiente na aviação
agrícola.

Certo dia eu tinha deixado o avião que eu voava


em uma fazenda em um intervalo do trabalho e fui
passar uns dias na cidade e sede da empresa. Nem bem
cheguei e me pediram para pegar outro avião que
estava na base e ir para Cáceres. A base da empresa era
Rondonópolis-MT.

Decolei na madrugada do dia seguinte para


Cáceres, onde iria pulverizar lavouras de arroz em uma
fazenda da Grendene. Por ser uma fazenda de pecuária
eles plantavam arroz para depois formarem os pastos e,
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claro, deixavam muitas arvores pelo campo que


serviriam de sombra para o gado. Portanto voar entre
as arvores passando com as asas por baixo das copadas
e desviando de outras requeria uma atenção danada.
Após um bom tempo voando percebi que a
temperatura da cabeça dos cilindros subiu para o
vermelho. Mais um pouco e a temperatura do óleo
subiu também. A pressão e o ponteiro começaram a
trepidar e cair. Alijo o resto da carga. Dou uma bela
puxada saindo do meio das arvores, reduzo a potencia
para o mínimo que pode me manter voando e vou para
a pista já procurando um lugar se o motor travasse.
Consigo pousar na pista e os ponteiros todos no
vermelho. Corto o motor e vou até a sede da fazenda
procurar um telefone ligar para a empresa.

Comunico o ocorrido dizendo que eu não voaria


mais o avião. Eis que no outro dia me aparece o gerente
sozinho, sem mecânico. Vai lá no avião, faz ele
funcionar, checa de lá, checa de cá e não acha nada de
anormal. Ai eu vou lá, corto a mistura e lhe digo: Olha
não adianta você gastar combustível. Esse avião eu não
voo sem um mecânico vir dar uma olhada. Se você
quiser eu vou à sede e busco outro. Ou se preferir,
vocês me acertam o que me devem e eu vou para casa.
Ele se calou e voltamos para Rondonópolis.
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No outro dia à tarde ele me liga no hotel


perguntando todo gentil se eu não poderia pegar o meu
avião que estava na fazenda e ir para Cáceres terminar
o serviço.

Concordei e voltei para Cáceres.

Chegando lá vejo o mecânico da empresa


retirando o motor do avião e o gerente da fazenda
rindo, vem em minha direção e diz: - Ainda bem que
você é cagão, senão estaria morto ai no meio das
arvores.

E me conta o que tinha ocorrido. O gerente da


empresa foi lá e se desculpou dizendo que iria buscar
outro piloto pois a pane era minha eu que estava com
medo de voar no meio das árvores.

Ele mandou outro piloto, mas o colega, por me


conhecer, exigiu que também fosse o mecânico, pois
não acreditava que eu tinha refugado um trabalho.
Chegando lá checaram e aqueceram bem o avião e a
pane apareceu. As bronzinas tinham virado no eixo de
manivelas. Terminei o trabalho e ao retornar chamei os
donos.
E só disse uma frase: - Eu tenho sim! Medo! E ele
me mantém vivo. Mas o primeiro filho da puta que
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disser isso novamente eu quebro a cara. Virei às costas


e sai. O medo é um sentimento de defesa do ser
humano desde os tempos da idade da pedra. Só temos
que conhecer e controlar.

Comentários

Cacaio Costa Ramon Rodriguez, de heróis mortos, a aviação está cheia....deixe eles
continuarem com os heroismos, pois vc, eu e demais pilotos responsáveis voamos é com
cautela e segurança, afinal de contas, reset é botão de video game e vida de piloto não
volta. As vzs escuto umas destas e olhe que nem agricola eu voo. Saudaçoes amigo.
Eduardo Villela O medo me trouxe até a idade que tenho. Vou mais longe ainda enquanto
continuar tendo... O que ocorre é que depois de certo tempo a gente fica mais seletivo
com os "medos", e eles aparecem mais raramente. Mas ainda hoje quando aquela
"vozinha" na boca do estômago fala comigo eu escuto com toda atenção!!! RISOS***
Aderson Caye Ramon Rodriguez, costumo dizer que tá cheio de pilotos destemidos no
cemitério.
JC João Carlos Bela história Ramon Rodriguez.
Ramon Rodriguez Reconhecer seus limites e saber que sempre tem alguém que sabe mais
é um dos segredos de estar aqui aos 66 e depois de 35 anos voando no FL meia vaca. A
claro e sorte muita sorte rsrsrsr
Clovis Figueira É aquela vozinha lá no subconsciente dizendo: "vai que dá, vai que dá..." e
você vai. Aí, quando a coisa fica preta mesmo, a mesma vozinha fica falando: "... chiiiiii,
acho que não vai dar não, cara..."
Vladimir Antonio Zanin Ramon...eu voava em uma empresa lá em Canarana..venderam a
empresa a um pessoal que não entenda nada do ramo, estes se associaram a um outro
que era de taxi aéreo e puseram a empresa nas mãos dele e este colocou um subgerente
cuja profissão era tocar um pequeno mercadinho onde aos finais de tarde faziam ali
aqueles espetinhos pro pessoal acompanhar com cerveja e conversa....em resumo até
ontem o sujeito vendia cebolas e fazia churrasquinho de repente se ve gerenciando uma
empresa de av. agric....já viu no que deu né.
Paulo Ramos O medo e o stress são estudados..sem os dois não estariamos aqui como
homosapiens...eu adoro os estudos de gerenciamento do erro...sao proveitosos pra
qualquer atividade.
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QUASE MANICACA
Ramon Rodriguez

Bem, não foi a pedido de todos, mas apenas de


alguns, que não sei por que, gostam dos meus causos
que resolvi incomodá-los com mais alguma coisa.

Eu chamaria de “As aventuras de um piloto


agrícola quase manicaca”.

Logo após ter feito meu CAVAG em 1975 e ter


voado umas horinhas lá no MT consegui um emprego
para voar no combate a cigarrinha em Pernambuco.
Vale dizer que a região da Zona da Mata onde ficam as
plantações de cana é bem acidentada e para lá
normalmente só iam pilotos já com uma boa
experiência.

Mas lá estava eu empregado em uma pequena


empresa que tinha dois Ipaneminhas queixo duro (esses
foram os primeiros Ipanemas feitos pela Embraer.
Tinham motor de 260 HP e hélice de passo fixo, dai o
queixo duro).
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Mandaram-me para uma usina para aplicar Fungo


Metarriziun. Esse fungo é um controle biológico que
deve ser aplicado em locais úmidos para que possa
continuar proliferando e quando a cigarrinha o come,
morre. Portanto tinha que ser aplicado nas partes
baixas dos morros. Era uma segunda-feira. Pela tarde o
vento acalmou e lá estava o pessoal da Usina e a minha
equipe. Como era o meu primeiro trabalho lá
mandaram um técnico agrícola subir em um morro e
ficar olhando se eu estava aplicando bem. Decolo, e
como sabia que estava sendo observado, resolvo
caprichar o máximo que posso e entrei pelas gargantas
dos morros lambendo o canavial acompanhando o mais
baixo que podia as ondulações do terreno. Após várias
cargas encerramos os trabalhos e já estávamos
guardando as tralhas e estaqueando o avião quando
chega o observador. Ele para a camionete um pouco
longe e vem gritando e gesticulando. Quando chegou
perto é que entendemos o que dizia: “ Menino do céu!
É a coisa mais linda que já vi! Parecia cinema. Ele lá
embaixo, coladinho no canavial e passando por baixo
das redes.” Redes? Que redes? A minha preocupação
era tanta em aplicar bem baixo que nem vi que tinha
um monte de redes de luz que passavam de um morro
para o outro. E assim fui aprovado como piloto em uma
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das duas regiões mais perigosas para aviação agrícola. A


cana de Pernambuco e as bananas no litoral paulista.
Comentários

Fernando José Marcon Algum tempo atrás vi um biplano realizando a pulverização de


banana na Serra da cabeça da Anta, próximo a Sorocaba... Realmente o terreno é
acidentado e sumia nas grotas o biplano.... Serviço de macho....
Fernão Pedroso Mazzei Rapaz, escapaste de boa hein. É a sorte que os bons pilotos
possuem.
Parabéns! Bela estória!
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AERONCÃO
Ramon Rodriguez

O Fernão Pedroso Mazzei contou a sua estória com


o aeroanquinha. Eu vou contar uma ocorrida com um
grande amigo e um Aeroncão.
Logo depois de brevetado esse meu amigo foi
contratado para voar essa bela nave e a transladar para
Rondonópolis de uma cidade de São Paulo. Isso no final
dos anos 60.
Naquela época o garimpo de diamantes na região
era forte. Aviões levavam mercadorias que os garimpos
necessitavam para Guiratinga e Poxoréo, entre outros
da região. Esse meu amigo, todo feliz em seu primeiro
emprego, decolou e após nas escalas pelo caminho,
preenchia o livro dos guarda-campos, com todo o
orgulho de piloto recém-formado. (Ah, guarda-campos
eram pessoas pagas pela FAB para cuidar das pistas e
tinham um livro onde se colocava a procedência e o
destino).
Bem, o causo é que, após um tempo, já
trabalhando em Rondonópolis, atendendo os garimpos
e fazendo algumas tacas, a polícia o espera e o prende
com a acusação de ter roubado a aeronave.
Após vários dias e muitos tapas na orelha um advogado
consegue soltá-lo, provando sua inocência.
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O causo é que o avião pertencia a dois sócios. Um


deles tinha sido preso e exigia do outro a parte dele no
avião, pois necessitava do dinheiro. Como não recebeu,
fez uma queixa de roubo. E quem acabou sendo preso
foi o meu amigo, que foi acusado de cúmplice do outro
dono. Só se safou porque o advogado dele conseguiu
demonstrar ao juiz que, se ele tivesse roubado o avião,
não teria deixado um rastro pelas pistas que tinha
pousado nos livros dos guarda-campos, de onde tinha
vindo e para onde ia.
E assim ele se livrou da cana. Mas como ele me
dizia: “Ramon, da cana me livrei, mas os tapas na cara
que levei até hoje doem no fundo de minha alma.”
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OS DUELISTAS
Ramon Rodriguez

Publicado no Facebook, grupo “Aviação Experimental”, em 15 de novembro de 2016.

O Ivan Coimbra escreveu solicitando relatos de


panes.

O que vou contar não é uma pane de avião, mas


talvez uma pane de caráter de um colega e outra minha,
por imaturidade.

Em 1982, mais ou menos, fui voar em uma


empresa aeroagrícola no Vale do Ribeira, pulverizar
bananas. A região, como alguns aqui devem conhecer, é
montanhosa e considerada uma das regiões mais
perigosas para a aviação agrícola.

Éramos dois pilotos. Eu, novato na empresa, e o


outro já lá estava há vários anos. Logo ao chegar fiquei
sabendo que pilotos não paravam na empresa, pois ele
fazia de tudo para que não se adaptassem. Como piloto
era um dos melhores que eu conheci. Entrava com o
avião pulverizando as bananas em grotas e buracos que
só de ver já me arrepiavam. Por voar tão bem, a grande
maioria dos agricultores queria que ele fosse fazer os
trabalhos.
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E eu lá, sem quase nada o que fazer. E pior, sem


ter um colega que me passasse os macetes daquele
difícil trabalho.

Mas, para piorar um pouco mais, ele tinha uma


mania de perseguição, achando que todos queriam
prejudicá-lo. E para se defender, frequentava terreiros e
vivia fazendo despachos e defumando a república, o
que também muito me irritava.

Bem, o causo é que eu resolvi encarar o artista. As


poucas áreas que ele não conseguia fazer, eu ia
fazendo, procurando caprichar ao máximo. E assim os
bananeiros foram cada vez mais confiando no meu
trabalho e já não se importavam com quem fosse
pulverizar. Isso o irritou muito.

Os trabalhos e defumações aumentaram. Ele


passou a voar cada vez mais rápido e a fazer manobras
arriscadíssimas. Os comentários nas rodas de hangar e
entre os agricultores eram só sobre os voos arriscados
do colega. Mas o pior é que o idiota aqui resolveu não
ficar atrás. Aí o circo estava montado, com os dois
palhaços se arriscando no picadeiro e a plateia
adorando.
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Até que em certo dia, em um mergulho, teve um


stol de velocidade ao puxar o Ipanema e foi de barriga
contra a copada das árvores. Por sorte recuperou e só
foi a barriga do avião e flaps amassados.

Logo uns dias depois estávamos os dois operando


da mesma pista. Ele fazendo uns balões incríveis de
rápidos e eu ali perto me esforçando para igualá-lo.
Nessa preocupação mergulhei por baixo de uma rede de
alta tensão sem ver antes se dava pra passar ou não.
Colei no bananal e só vi o impacto, uma enorme faísca
na minha frente, seguido de um baque. Sai do outro
lado meio que sem entender o que tinha ocorrido. O
avião oscilava de traseira, o que fez olhar para trás. Aí a
surpresa. Cadê a deriva e o leme? Sumiram! Aí a
tremedeira aparece. A cabeça passa a pensar a mil. E
agora? E o profundor, como estará? Olho pra trás e
aparentemente estava lá. E se curvar o que vai
acontecer? E lá vou eu voando reto pensando no que
fazer. Mas a montanha vinha se aproximando. O jeito
foi ir curvando e tocando para a pista. Reduzindo
suavemente, o pouso se deu tranquilo, só tendo que
manter a reta nos freios pela falta da deriva.

Bem, o causo é que bati no cabo e o corta-fios do


Ipanema não conseguiu cortá-lo. Protegeu a cabine,
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mas não evitou que decepasse a deriva e o leme bem


rente ao charuto. A descarga elétrica derreteu parte do
corta-fios e o cabo que vai da cabine até a ponta da
deriva. Com o choque na rede a energia foi cortada e
logo apareceram uns técnicos percorrendo a rede. Não
acreditavam que eu ainda estava lá para contar.
Disseram-me que eu tinha me chocado com 138 000
volts.

Bem, aí a minha fixa caiu. Fui até o diretor e pedi


minha conta. Expliquei que se continuássemos assim
um de nós iria se matar. Pediu que fosse para casa e
que no outro dia acertaria comigo. Fui chamado logo
cedo ao escritório me disseram que tinham tido uma
reunião e já tinham demitido o colega. E me pediram
que voasse com segurança e se possível transmitisse aos
colegas que viessem trabalhar os macetes do trabalho.

Não contei pane alguma, mas com certeza


estávamos os dois com uma das panes que mais mata.

Comentários

Fernão Pedroso Mazzei Ramon, que de boa você escapou hein. Sua calma e perícia o
ajudaram a sair de um perda de deriva, o que seria mortal se você tivesse se apavorado.
Parabéns!
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Ramon Rodriguez Ivan o choque com o cabo foi uma consequência de um mau
planejamento onde eu estava mais preocupado em voar para uma escassa plateia! rsrsrsr
É claro, em uma competição idiota com um colega. Continuei voando agrícola até 2005 e
o ocorrido foi válido para me cuidar e não mais me meter em competições bestas.

Valéria Andrade Nogueira Parabéns pela honestidade do relato!


HF Freitas Ramon Rodriguez sempre mandando muito bem ao contar suas histórias.
Nos faz sentir como se estivéssemos vendo um filme. Parabéns, comando!
CurtirMostrar mais reações
Daniel Luiz A pior pane é a que acontece na cabeça do piloto.
Flávio Basilone de Andrade Todos em um circo podem achar que o trapezista voa.
Menos ele!
Pietro Loporchio Muita sorte, meu o amigo!
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"Voo Congonhas-SP para o


Aeroporto Santos Dumont-RJ"
JOSÉ PASSARELI

Parti para o aeroporto Santos Dumont (SBRJ) no


comando da aeronave Cessna 310R-USA, bimotor, dois
motores Continental TSIO 520 B-Turbocharged de 285
HP cada, peso de decolagem de 2.495 kg e capacidade
para 541 litros de combustível, consumindo 120 litros
por hora, velocidade de cruzeiro de 194 nós (360 km por
hora). O tráfego São Paulo(Congonhas) (SBSP) me libera
o nível 105 (10.500 pés) com a decolagem na pista 35L
na SID Gale Transição Lopes, que prevê curva pela
direita após a decolagem para interceptar a radial 096
do VOR Congonhas (116,90 mHZ-CGO). Sem filas de
aeronaves no ponto de espera, posição 3, meu voo
recebe autorização da Torre de Controle para decolar,
efetuo o checklist de decolagem. Empurro as manetes
para frente e espero o avião atingir a velocidade de 90
nós, aguardo a velocidade de despejo pisando com
parcimônia no pedal direito para quebrar o torque e
manter o avião no eixo da pista, traciono para trás com
firmeza o manche e o Cessna 310R deixa o solo
suavemente. Estamos voando, eu e a bela garça,
aguardo o climb positivo e recolho o trem de pouso,
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escuto o barulho do trem recolhendo no berço e acende


as luzes verdes de trem em cima, nivelo a aeronave e
recolho o flap de 25°. Vou ganhando altura, a
temperatura começa a cair, agora em 17°C e caindo.
De imediato chamo o controle São Paulo para
prosseguir na subida. O APP me libera da restrição
inicial de 5.500 pés, mas solicita que minha aeronave
mantenha o nível 100 (10.000 pés) até a posição Gale.
Prossigo na ascensão efetuando o checklist de subida,
mas acabo solicitando ao controlador para manter o
nível 080 (8.000 pés) com desvio de 15 graus pela
esquerda para não entrar em formação de nuvens
pesadas de chuva (em aviação só existe à perfeição).
Mais à frente, o controle São Paulo me autoriza voar e
subir ao nível 105 (10.500 pés). Passo para a escuta do
controlador de voo do Rio de Janeiro na área chamada
Tubulão, que me informa a chegada ao Santos Dumont
via STAR Afonsos 1 e o procedimento Juliet 11 na
cabeceira 20L. Na altitude de cruzeiro trimo o avião no
compensador de profundidade para diminuir o esforço
no manche e estabilizar o a aeronave, feito isso,
escravizo o voo no PA-piloto automático- e mantenho a
proa do VOR do Rio de Janeiro. Começo a preparar o
avião para a descida e respectiva aproximação, inicio a
leitura do checklist de descida em voz alta – Called - sem
saltar nenhum ítem. Anoto as informações ATIS do
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Galeão (são as mesmas do Santos Dumont), Santos


Dumont operando na pista 20L com ventos de 200 graus
e 06 nós, visibilidade maior que 10 quilômetros,
temperatura de 35 graus e pressão atmosférica se
equilibrando em 1.045 hectopascais. Atrás de mim vem
um avião da Gol, um Boeing 737-800-USA, a tripulação
me chama no rádio e comunica que está no meu rabo
para pousar em seguida, só que na pista 20R do Santos
Dumont, paralela a minha.
Inicio a descida para o nível 70 (7.000 pés). Com
visibilidade total é possível avistar as belezas da
Restinga de Marambaia e ao fundo a silhueta da Pedra
da Gávea e do Pão do Açúcar.
A aproximação a partir de Afonsos é rápida e logo inicio
a redução de velocidade para 150 nós com o primeiro
ponto de flap arriado em 25 graus. No través do
Maracanã e com o aeroporto totalmente à vista,
completo o restante da descida em condições visuais e
cancelo o plano por instrumentos IFR com o APP Rio de
Janeiro. Ao atingir 1.500 pés, baixo o trem de pouso e
escuto o travamento e o flap é arriado para 50 graus.
Com velocidade reduzida, cruzo a vertical do Santos
Dumont para ingressar na perna do vento com curva
pela esquerda. Comando a descida para 1.000 pés,
continuo a curva para interceptar a Base e para a final
da pista 20L, calço o avião no motor e venho descendo a
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rampa de aproximação com 500 pés negativos no climb,


estou sobrevoando a Ponte Rio-Niterói, observo
centenas de carros atravessando-a, vou deixando a Ilha
Fiscal à direita. A pista do Santos Dumont está bem
próxima. Efetuo o checklist de pouso com perfeição,
venho centrando a pista oscilando um pouco devido ao
vento lateral, mas mantendo o eixo da pista entre
minhas pernas, penso rapidamente o que devo fazer se
precisar realizar uma arremetida de última hora, pode
acontecer, piloto bom é piloto vivo. Estou sempre 7
minutos a frente do avião.
Toco levemente a pista logo no começo, pois só tem
1.323 metros e qualquer descuido é fatal, ou seja,
pouso na água ou mesmo a morte. Vou segurando de
leve nos freios e passando para a escuta do solo Rio de
Janeiro, que me libera o táxi via Charlie para o box delta
7, deixo a avião liso retirando todo flap, sinto o cheiro
de combustível e óleo do motor do Cessna 310R que se
aqueceu após o pouso, esse cheiro me fascina, melhor
que o avião, Deus só fez a mulher e olhe lá.
Estou na cidade maravilhosa, agora vou para o
restaurante do Aeroporto Santos Dumont traçar um filé
mignon com batatas fritas, arroz e muito Chopp da
Brama que ninguém é de ferro, aqui no Rio de Janeiro é
só Chopp da Brama.
29

Abraços a todos os amigos do Facebook que me


acompanharam nessa ponte Aérea Rio de Janeiro-São
Paulo na bela aeronave Cessna 310R-USA, até a volta!
30

INJETORA DESREGULADA
Ramon Rodriguez

Falando em panes me lembrei de uma. E como faz


tempo que não mando um tijolo lá vai este.

No início dos anos 80 eu voava lá em


Rondonópolis e logo no início da safra me deram um
avião com a injetora toda desregulada. Apesar das
reclamações não vinham me trocar à danada.

Fui me acertando com ela. Quando vinha para


pouso, reduzia a potência e também estrangulava a
mistura. Isso evitava que ela encharcasse e o motor
apagasse. Na próxima decolagem ia acelerando e
abrindo o combustível até conseguir o regime de
decolagem. E assim se passavam os dias.

Até que em uma parada nos serviços acabaram me


mandando para outra fazenda, onde já tinha outro
avião da empresa. Acabei me livrando da injetora
problemática, mas não sem antes ter reportado o
estado dela muitas vezes. Talvez por eu ter continuado
a voar, deram pouca importância aos reportes.
31

Bem, o causo é que passado uns dias mandaram


outro piloto para voar o avião.

Logo na primeira decolagem teve perda de


potência e acabou lanhando o avião logo após a
decolagem.

O avião foi recuperado e ficou muito bonito. No


primeiro voo de experiência um piloto teve uma perda
de potência e foi obrigado a tentar um pouso de
emergência. Todavia pegou a cabine de um caminhão,
deixando-o conversível. Ao pousar, outro caminhão, que
vinha em sentido contrário, se chocou com uma das
asas. E mais uma vez o pobre do Ipanema ficou todo
arrebentado.

Pedi ao piloto que me relatasse o ocorrido. Ele me


disse que, após ter voado uns 20 minutos, resolveu
fazer uma perda sem motor para ver alguma tendência.
Reduziu o motor, fez a perda e, ao completar a
potência, o motor não obedeceu, apagando. Nessa
altura perguntei ao mecânico se tinham revisado a
injetora após a primeira lenha. Não tinham feito. Duas
lenhas por displicência e relaxo da manutenção.
32

BARUIM
Ramon Rodriguez

Lá por Rondonópolis às vezes passava um aviador.


Creio que era de Araçatuba. O Baruim, talvez alguém
aqui o conheça ou já ouviu falar.

Ele ganhou esse apelido de Baruim porque em


uma época ele saia para voar e quando voltava ia pra
oficina e reclamava que o motor estava com um
“baruim”. Os mecânicos olhavam, olhavam e nada
encontravam. E assim se repetia a cada voo. Até que um
dia o motor parou e ele teve que fazer um pouso
forçado. Não me lembro qual foi a pane mas o apelido
de Baruim ficou para sempre.
33

Hoje Pode Ter Chovido Merda


Cassiano de Luca

História de vida real parte 3636337 versão "hoje


pode ter chovido merda"!!!!

Eu só queria aproveitar a coincidência do dia do


aviador e fazer uma linda postagem sobre meu retorno
pra casa de hoje cedo, vindo de um encontro de amigos
aviadores do ES, mas...... alinhado e pronto na cabeceira
da pista 08, motor quente e magnetos checados, pronto
pra decolagem, eis que me aparece uma linda, gostosa e
cheirosa vaca leiteira com seu lindos peitões inchados.
Estava sozinho. Num primeiro momento, não tinha
ninguém pra RIR comigo. Eu estava atrasado, precisava
ir trabalhar e uma vaca não deixava. Nessa hora eu só
queria que todos meus amigos estivessem participando
deste momento.
Quanto mais eu aumentava a rotação do motor,
fazendo barulho, mais ela se aproximava. Interessante,
ela estava se achando a dona do asfalto.

Alguns minutos se passaram, e nada. Tá ela


rebolando e andando, rebolando e chegando.
34

Cheguei até pensar que seria o momento de vingança


dela, pois eu adoro leite de vaca, picanha, filezinho,
volte e meia eu compro essas coisas no supermercado
rsrsrsr então se eu saísse do avião pra tirar ela dali,
possivelmente eu tomaria uma linda carreira, só
pensava isso.

Desligado o motor, por 10 minutos fiquei


observando com muita paciência qual seria o objetivo
daquela princesa. Não queria também já fatiar em 400
pedaços a pobrezinha com a hélice do avião, por alguns
motivos óbvios.

Quinze minutos. Nada. Nessa hora ela simplesmente


CAGOU o maior cocô que eu já vi na vida. Tipo de
dinossauro. Não tenho a cena. Não filmei, não tirei foto,
era um momento íntimo dela comigo. Só não entendi o
motivo de ela cagar no asfalto com sol quente. Se eu
fosse uma vaca com certeza ia preferir cagar na grama
(rsrrssrrs)

Balançou seu rabinho e continuou ali. Mas que


coisa, o que será que ela tá querendo? Me dar os
parabéns pelo dia do aviador?
35

Acionei novamente o avião, ela levantou a cabeça


e me encarou. Eu também encarei ela, e gritei: Sai daí
porraaaaaaaa!

Nada.

Tirei o freio, e fui taxiando suavemente, se ela se


aproximasse, desligava o motor, não queria cortar carne
de vaca de forma errada.
Ao chegar uns 3 metros de distância, ela saiu correndo
feito um cavalo e nunca mais parou.
Suas tetas balançavam sinistramente. Tive pena.

Passei pela bosta e decolei.

Eu só não sei até agora se agarrou bosta no tênis


da Adidas (polainas) do El Bigodón. O pior é que eu
peguei bastante chuva no voo e nunca vou saber se
descolou cocô num determinado momento e começou
a chover bosta na cabeça de alguém. Como explicar isso
meu Deus???

A única coisa que sei, é que o avião chegou limpo no


destino.

Fim.
36

Uahauahuahauahauahauhauahaua

Comentário
Ramon Rodriguez: Essa me lembrou de uma vez em que eu e um amigo estávamos
enfurnados em uma fazenda a mais de mês. Tínhamos terminado de almoçar e estávamos
sentados na varanda da casa esperando a temperatura abaixar e a humidade aumentar
para iniciarmos as aplicações de herbicida na soja. E o colega sujeito calmo de voz
pausada me sai com essa. Ramon tenho que ir pra casa urgente. Me preocupei e
perguntei rápido: Por quê, o que aconteceu? Rapaz, já faz uns dias que estou achando
aquela vaquinha holandesa lá no pasto muito simpática.
37

OS TEMPOS MUDARAM
Ramon Rodriguez
38

Dos anos 70 até lá meados de 90 voei com o que


dispunha no avião. E como na maioria das vezes era um
agrícola, o que se dispunha era uma bússola defasada.
Confesso que a metade do tempo voava agarrado
a rios, rodovias ou linhões. E a outra metade do tempo
voava meio ou totalmente perdido.
Quantas vezes eu não dava rasantes nas entradas
das cidades para ler na placa a margem da rodovia o
nome dela. Tinha uma empresa que estava presente em
muitas delas e colocava placas enormes. “Em tal cidade
tem TOLARDO.” Essas eram fáceis de ler.
Creio que eu tinha uma vantagem sobre muitos
colegas. Nunca tive vergonha de, em alguma dúvida,
pousar e perguntar onde estava. Aí traçar meu rumo
novamente até a próxima perdida (rsrsrsr). Mesmo com
passageiros nunca me inibi de, na dúvida, pousar e
confirmar.
Mas aí eis que chegou o GPS, essa peça
indispensável para a navegação. O sujeito está com um
cilindro a menos e é capaz de decolar, mas sem o GPS
não decola. Tem até alguns que levam dois ou três a
bordo. Vai que dá pane.
Logo depois, na agrícola, chegou o DGPS. Coisa
linda, acabou com os bandeirinhas. Legal pacas. Você
decola, vai pra área e, sem ninguém, faz a aplicação. Só
um detalhe: não tenha acidente, pois ninguém vai estar
39

lá pra te ajudar. Mas claro são os custos da


modernidade.
Mas logo os drones tomarão nosso trabalho.
Ainda bem que me aposentei senão poderia
acabar preso dando estilingadas nessas coisas.
Mas voltando ao danado do GPS. Agora, depois de
aposentado estou me vendo refém do tal de Waze . Só
falta ligá-lo para ir à padaria.

No Campo de Marte teve a sede de uma grande


empresa de aviação agrícola, a Corsário. Chegaram a ter
26 aeronaves entre cessnas e os primeiros Ipaneminhas.
Entre eles o primeiro, o PT-GBB (pois o PT-GBA era o
protótipo).
Bem, o causo é que para agrícolas eles eram.
Equipados com um VHF e um ADF.
Certo dia um piloto decolou de Marte com destino
a Guarupuava. Acabou chegando já perto do anoitecer.
Todo e não encontrava a pista . Os pilotos que estavam
no aeroporto quando notaram que ele bloqueava a
antena da rádio ligaram para a estação pedindo que
eles transmitissem o setor e a distância do bloqueio. A
rádio passou a transmitir o piloto a ouvir fazia o
bloqueio ia no rumo mas antes de chegar a pista
retornava. E assim repetiu várias vezes até que já de
noite viu uma rua que lhe pareceu a pista ou que daria
40

para pousar e despejou lá mesmo. Acabou entrando em


um barracão e destruindo um Cesna Ag Truk novinho .
Mas ele nada sofreu.
41

MACACÃO LARANJA
RAMON RODRIGUEZ

Vendo aquela moça bonita (Juliana Torchetti) cantando e


voando o seu Ipanema toda vestida com um elegante
macacão me lembrei de um fato ocorrido comigo que
me fez nunca mais vestir um. Durante o curso, lá na
Fazenda Ipanema, nos forneciam um macacão laranja.
Diziam que essa era a cor ideal, pois se caíssemos no
meio da mata a cor dele ajudaria a nos encontrar mais
rápido. Legal né? Bem, saíamos do curso e logo
comprávamos um ou dois para desfilar e fazer inveja
aos outros lá nos aeroclubes. Afinal piloto agrícola nos
anos 70 era coisa rara e só pra piloto com aquilo roxo
(rsrsrsrsr).
Depois de fazer uma safra em MT e a entre safra
em Pernambuco fui voar a próxima safra no grande
ninho da aviação agrícola da época. Santa Helena de
Goiás. A cidade do ouro branco, como era chamada,
devido às plantações de algodão que dava muito
dinheiro naquela época. O Algodão tinha muitas pragas
e necessitava de 15 a 20 aplicações de inseticidas até a
colheita. Os defensivos da época eram muito fortes ,
hoje quase todos proibidos.
Éramos quase 30 pilotos decolando de três pistas
antes de amanhecer e às vezes só cortando o motor já
42

noite. Os pilotos executivos da época costumavam dizer


que quando passavam por lá sentiam o cheiro do
veneno a cinco mil pés. Com essas aplicações todas e o
contato com os venenos muitos colegas intoxicavam ou
no mínimo tinham inúmeras diarreias durante a safra. E
eu não escapei delas. Certo dia fui mandado para uma
fazenda distante pulverizar uma lavoura e usaria uma
pistinha improvisada lá mesmo. Fui trabalhando e nem
me lembrava da danada da diarreia até que aqueles
sinais inconfundíveis que acho todos conhecem
começaram a se manifestar. E eu tinha acabado de
decolar com uma carga que demorava uns 35 a 40
minutos para terminar. Fui segurando, segurando e ufa!
Consegui terminar a carga! Agora é só chegar à pista,
pousar e correr para o meio do algodão. Avião
despejado na pista, salto dele, saio correndo e me
embrenho no meio do algodão. Me enrolo todo pra tirar
a parte de cima do macacão laranja e não deu mais pra
segurar... Pobre macacão! Ficou lá no meio do algodão.
Agora pensem na cena . Um aviador apenas de
capacete, cueca, botas e um rolo de papel higiênico em
uma das mãos sai do meio do algodão sobe em seu Ag
Truk manda carregar a próxima carga e jura nunca mais
vestir um macacão laranja, ou da cor que for."
43
44

Pato Branco e o Olho da Bruxa


Paulo J. Pinto

Outro dia, quando iniciei as aulas de parapente para


alguns jovens engenheiros da Petrobrás, soube que um
deles era de Pato Branco, no interior do Paraná e ele, ao
se referir à cidade, o fez tímida e modestamente, como
que se desculpando por ser de um local que um carioca
não conheceria e do qual nunca ouvira falar.
Ledo engano! Pato Branco é uma cidade da qual eu
jamais esquecerei e lhe contei o porquê. E vou
aproveitar e atender o chamado da AIR, escrevendo
sobre essa reminiscência de aviador.

Mas, para um melhor entendimento desta estória, são


necessárias algumas explicações de aviação.

Existem duas regras básicas que definem os tipos de


vôo que se pode fazer:

“Vôo Visual” (VFR, Visual Flight Rules)

“Vôo por Instrumentos” (IFR, Instrument Flight Rules).


45

Generalizando, essas normas estabelecem, de forma


bem simples e resumida, que um aeródromo só pode
operar “visual” se a visibilidade estiver acima 1500 m e
o teto, acima de 150 m. Abaixo desses valores, só se
pode decolar e pousar operando IFR, com o piloto
possuindo homologação para isso. E desde que o
aeródromo seja também homologado para operação
IFR. Não sendo (exemplos: Jacarepaguá e Campo de
Marte), não se pode decolar nem pousar e o campo
simplesmente está fechado. Ademais, só pode entrar
em condições IMC (Instrument Meteorological
Conditions) aeronave operando segundo um Plano de
Vôo IFR – ou seja, só nessa situação se pode “entubar”.
E à noite, salvo situações especiais de vôo local, todo
vôo é IFR. Para que um piloto seja habilitado a voar IFR
(Instrument Flight Rules) é necessário que ele faça um
curso específico que envolve bastante teoria, tenha
uma experiência razoável e faça umas boas horas de
instrução de “vôo sob capota” (que hoje, pode ser em
simulador). Atendidas essas exigências, ele faz um
cheque e, aprovado, recebe então o seu “Cartão IFR”,
ou seja, a sua homologação em carteira para assinar um
46

Plano de Vôo IFR e proceder de acordo com as normas


pertinentes.
Na FAB, durante a sua formação, o piloto recebe toda a
instrução necessária para obter o Cartão IFR. No
entanto, como ao ser formado sua experiência é
pequena - ele tem, no máximo, umas 250 horas de
pilotagem - o Cartão IFR que recebe é um “Cartão
Restrito” que, na prática, serve apenas para comprovar
que ele fez o curso, não lhe sendo concedida ainda
prerrogativa para assinar um Plano de Vôo IFR e,
portanto, voar IFR. Essa restrição só será cancelada
quando ele completar 500 horas de pilotagem e se
submeter a outro cheque.

Para as Unidades de Caça, esse é um fator muito


complicador porque piloto de caça voa muito pouco.
Por volta de 100 a 150 horas por ano e olhe lá. Assim,
para que os Esquadrões de Caça não ficassem com
pilotos restritos por muito tempo, os jovens recém-
formados eram estimulados a, durante os fins de
semana, fazerem viagens VFR nos aviões de ligação das
Bases Aéreas de modo a completarem 500 horas de
pilotagem o mais rápido possível. E era esse o objetivo
47

da viagem que eu fazia de T-6, com outro avião pilotado


por um companheiro de turma, o Fernando Peixoto
que, por coincidência está me embromando há um bom
tempo fazendo também o curso de parapente ainda
sem tirar o pé do chão. Havíamos sido brindados com
uma “volta ao mundo” pelo Sul do país.
Os T-6 que voávamos eram os modelos D que não
possuíam nem instrumentos, nem equipamentos
adequados para o vôo IFR e se destinavam a vôo visual.
Por sorte minha, no entanto, o avião que me coubera
estava equipado com radio-compasso, um receptor de
rádio capaz de indicar em um instrumento tipo “rosa
dos ventos” (igual ao do GPS Garmin) a direção da
estação sintonizada (que tanto pode ser uma estação
específica para vôo de baixa freqüência, quanto uma
radio difusora comercial). Em épocas passadas, quando
o radio-compasso era o equipamento básico de
navegação, uma rádio difusora era obrigada a transmitir
seu prefixo a determinados intervalos para que algum
avião que estivesse tentando se localizar com o seu
sinal, pudesse saber a localização da emissora que
estava recebendo.
48

Um cantor célebre do passado, Jorge Veiga, ficou


famoso por seu bordão sempre que se apresentava.
Dizia ele: “Alô, alô, aviadores do Brasil, aqui fala Jorge
Veiga diretamente da Radio Nacional no Rio de
Janeiro” (a Radio Nacional transmitia seu sinal com a
maior potência da Região Sudeste e ajudou muito
aviador a chegar em casa). A existência desse radio-
compasso no meu avião seria de inestimável valor no
correr da viagem. Pousamos em Santos, Paranaguá e
Floripa para reabastecimento. Em Floripa, fizemos
aquilo que nenhum aviador passando por lá deixava de
fazer antigamente, passamos por baixo da Ponte
Hercílio Luz. O planejamento era chegar em Porto
Alegre e pernoitar, mas quase não chegamos. Embora
aberto VFR, o METAR (Meteorological Airdrome Report -
naquele tempo, o boletim meteorológico ainda se
chamava QAM) acusava grandes CBs nos arredores, mas
mesmo assim, os “intrépidos” aviadores mandaram ver.
Quando saímos do litoral de Torres em direção ao Rio
Guaíba, a visibilidade e o teto estavam limitadíssimos e
chegamos no maior “cisca”, tendo o meu radio-
compasso quebrado um galho enorme. Sem ele,
49

teríamos ficado procurando a pista de Canoas que nem


patetas e com o pôr-do-sol chegando (nenhum de nós
conhecia a região - era nossa primeira viagem ao Sul).

Lembro de um detalhe marcante. Nesse dia, na hora em


que estávamos chegando, desembarcava no
Aeroporto Salgado Filho, a gaúcha Ieda Maria Vargas
que havia sido Miss Universo. E em meio a toda aquela
nebulosidade, um avião do Esquadrão de Caça de
Canoas passou a nossa frente rebocando um alvo de tiro
aéreo no qual se lia “Salve Ieda”. Não se passaram dez
minutos do nosso pouso e começou um temporal
descomunal. Não deu nem para conhecer a cidade
naquela noite. No dia seguinte prosseguimos sem
alteração, pousando em Pelotas, Santana do Livramento
e pernoitamos Uruguaiana. A seguir, Santa Maria e de
lá, Foz do Iguaçu. Antes de decolar, constatamos pelo
QAM (METAR) que Foz estava fechado para operação
VFR, mas como lá o vôo não era controlado, decidimos
seguir em frente (em um aeródromo não-controlado
existe uma Rádio cuja responsabilidade é de informar
aos pilotos as condições locais sem autoridade para
determinar procedimentos). A restrição era visibilidade
50

abaixo dos mínimos por bruma seca (não lembro, mas


sei que estava bem abaixo de mil metros - nunca mais vi
nada igual – além de ser a época de bruma seca, as
florestas do Paraná estavam em chamas e à bruma,
juntou-se a fumaça). Essa névoa seca tem como
característica prejudicar sobremaneira a visibilidade
horizontal, mas não tanto a vertical – consegue-se ver o
chão embaixo. Com o meu radio-compasso, chegamos
em cima e achamos a pista(era uma pista de grama
longe do atual aeroporto e as instalações eram
parecidas com uma sede de fazenda em estilo
californiano). Sem o radio-compasso e com a
visibilidade reduzida, não sei onde teríamos ido parar.
Quando estacionamos, encontramos alguns outros
aviões da FAB e soubemos que havia um Cessna L-19 da
Esquadrilha de Ligação e Observação de Canoas
desaparecido. O avião saíra de Erechim para Foz e não
chegara.
O encarregado das buscas imediatamente requisitou
nosso serviço e nos envolveu na operação informando a
Santa Cruz que ficaríamos retidos. No dia seguinte, ao
nascer do Sol, decolei para cobrir a rota Foz-Chapecó,
51

tendo cada avião recebido uma missão diferente.


Curiosamente, depois de uma meia hora de vôo na
direção SE a bruma seca desapareceu e passei a voar
com boa visibilidade do solo sobre uma região
totalmente despovoada e de mata. Mais uma meia hora
e começou a aparecer uma camada de nuvens muito
baixa e decidi que de nada adiantaria prosseguir voando
no topo da camada na direção de Chapecó e resolvi
então procurar à esquerda da rota onde não existiam
nuvens (mesmo porque, o vôo no topo de uma camada
tem de ser feito de acordo com um Plano de Vôo IFR, o
que não era o meu caso). O tempo foi passando e eu
envolvido na observação e, agora, tentando também
me localizar, pois pretendia tomar o caminho de volta
quando o primeiro tanque acabasse, me descuidei do
combustível.
O T-6 tem dois tanques de 65 galões em cada asa e eu
estava conseguindo tirar duas horas de vôo no primeiro
tanque até o “olho da bruxa” acender (uma luz
vermelha no painel que indica baixa pressão de
combustível na bomba – o que significa que ou que a
bomba pifou ou que tanque secou e o motor vai parar
52

dentro de trinta segundos). Minha intenção era trocar


de tanque com duas horas antes da luz acender para
não ficar com outra preocupação – nas etapas
anteriores, depois da luz acender e trocar de tanque, eu
havia tido que ficar mantendo a pressão na bomba
manual por um tempão antes da bomba do motor
assumir o trabalho e isso não era normal.
Mas bobeei e deixei o tanque secar. Justamente quando
consegui sintonizar uma radio difusora não identificada
que entrava com um sinal bem forte e o ponteiro
indicava sua direção com extrema precisão. Já estava
escutando um programa musical há um bom tempo,
agoniado, aquele nada dela se identificar.
Bem, “olho da bruxa” aceso, aquele susto e coração
disparado. Troquei para o outro tanque e o drama se
repetiu. Cheguei a ficar com o braço cansado de tanto
acionar a bomba manual.

Foi quando a estação transmitiu o comercial do


programa:
“O seu revendedor Ford em Pato Branco está
apresentando...”
53

Em seguida, a bomba de combustível do motor


começou a manter a pressão e eu pude consultar a
carta, localizar Pato Branco no mapa, me achar e
determinar o rumo a ser voado direto para Foz.
Cheguei em Foz com menos de uma hora de vôo e ainda
com outra hora de autonomia.
Deu tempo até pra passar por baixo da ponte - o rio
estava tão baixo que dava pra passar até uma
esquadrilha de Boeing 707. Só me preocupei quando vi
que os operários (a ponte estava fase final de
construção) corriam para a amurada à medida que eu
me aproximava. Afinal, não seria nada agradável colidir
com um tijolo atirado lá de cima.
Naquela noite soubemos do avião desaparecido. Em
meio a aquela tremenda bruma seca, sem rádio-
compasso, ele havia desviado da rota para a esquerda, e
ao encontrar um rio, achando que estava à direita da
rota e que o rio era o Iguaçu, o seguiu para a esquerda
para chegar nas quedas. Mas já era o Rio Paraná após as
quedas e ele o foi seguindo até o combustível ficar curto
(Foz fica junção dos dois rios – o Iguaçu vem de Leste,
despenca nas quedas e se junta ao Paraná que vem do
54

Norte e segue para o Sul). Acabou na fronteira


Argentina-Paraguai e pousou em Encarnacion, no
Paraguay.
No dia seguinte, depois de ser muito sacaneado e pagar
muita cerveja, o piloto tentou se recuperar comentando
que nunca havia visto um lugar com tanta morena
bonita e que se havia dado muito bem em Encarnacion.

Nunca ninguém conferiu...


55

O ÚLTIMO AVIADOR
DA ERA ROMÂNTICA
Filipe Rafaeli
Fonte: Medium.com

Era um voo solitário. A bússola marcava 145 graus. O


velocímetro indicava pouco menos que 85 milhas por
hora. O dia era de poucas nuvens no céu e de ótima
visibilidade. Já era metade da tarde e o sol já estava em
minhas costas, um pouco à direita, bem atrás da asa,
que me fazia uma sombra. Eu já estava em voo há
pouco mais de uma hora. A atmosfera estava bem
56

calma, e eu precisava usar poucos e raros comandos de


aileron para manter o voo nivelado e alinhado. Foi um
daqueles raros dias de pouquíssima turbulência. O voo
prometia ser apenas mais um passeio.

Eu havia decolado de Itápolis com destino a Atibaia. É


uma navegação de um pouco mais de 300 km de
distância, e muito provavelmente, até o fim do voo, a
atmosfera ficaria ainda mais calma quando estivesse
próximo ao meu destino, mais para o fim da tarde, em
mais uma hora e meia de navegação. Era aquele típico
voo para contemplar a paisagem.
57

A bordo de um Piper Cub — fabricado no início dos anos


50, um clássico avião de tela com 90hp de potência,
pouco mais que um carro popular qualquer — o chão
passa devagar. E os Piper Cub, exatamente por serem
aviões de tela, têm seu charme especial. Esses aviões
cobertos de tecido geralmente são feitos com estrutura
de metal ou madeira, e o tecido tem um tratamento
especial para ficarem bem esticados, lisos e
impermeáveis. A tela, inclusive, tem uma função
estrutural, que quando esticada, dá mais força a todos
os componentes. A única parte da estrutura que não é
coberta de tecido é a carenagem do motor, devido à
alta temperatura.

Esse modo de revestir é uma tecnologia bem antiga.


Vem desde os primeiros aviões. Isso os deixa leves e não
menos eficientes, mas exigem mais cuidados com a
preservação e meteorologia. As alternativas mais
modernas de fabricação são estruturas cobertas de
alumínio, e os mais novos e tecnológicos, com materiais
compostos, como a fibra de carbono, também leves mas
extremamente resistentes. Hoje, pouquíssimos modelos
novos são fabricados com tela, e não pela tecnologia,
mas pelo ar vintage dessas máquinas voadoras. Além
disso, os Cubs tem outra característica: eles são de trem
de pouso convencional, ou seja, são aqueles aviões que
58

tem uma pequena roda atrás, e quando estão no chão,


ficam com o nariz empinado. Os aviões convencionais
requerem uma operação mais complexa na hora dos
pousos e decolagens. Alguns pilotos, mais radicais,
dizem que você só é realmente aviador se souber
pilotar um deles, um exagero.

Um pouco de ar entrava pelo pequeno quebra-vento


em minha janela esquerda, o que deixava a
temperatura ainda mais agradável. À minha frente, eu já
começava a ver, no horizonte, alguns pequenos relevos
e pequenas montanhas fazendo desníveis no terreno.
Atrás de mim, por onde eu havia voado, o terreno era
incrivelmente plano. Por essa rota eu já havia voado
diversas vezes, mas não passava por ali há uns três
59

anos. As formas das montanhas iam refrescando minha


memória como um déjà vu. Uns 15 minutos antes, longe
no horizonte, na minha esquerda, avistei uma cidade.
Era São Carlos ou Araraquara. Eu nunca lembro bem, de
cabeça, a ordem das duas cidades irmãs quando venho
do oeste do estado em direção a Campinas. Só sei que
elas devem estar ali, na esquerda, meio longe. E são
duas, separadas a poucos minutos uma da outra.

A paisagem que me cercava, fora as cidades maiores,


distantes no horizonte, eram desenhos abstratos de
plantações com diversos tons de verde, mescladas com
terras avermelhadas sendo aradas. Neste local, as
divisões dos desenhos são algumas estradas para escoar
a lavoura. Não raramente se veem alguns vilarejos e
algumas casas isoladas. E nesta região temos poucas
áreas com vegetação nativa.

Minha velocidade não era alta. Oitenta e cinco milhas é


o equivalente a cerca de 140 km por hora. E a 300
metros de altura, aproximadamente, o chão passa bem
devagar. Esta é uma altura ideal para se navegar com
esses pequenos aviões, dá para ver detalhes por onde
se passa. Sobre áreas agrícolas, sempre é possível ver
alguns caminhões cercados de trabalhadores rurais.
Certamente eram pessoas bem cansadas depois de um
60

dia inteiro no sol em um trabalho tão árduo. É aquele


tipo de gente batalhadora e sonhadora, tentando levar

uma vida melhor para seus filhos, pensei.

O som do motor era contínuo, e o marcador de giros


indicava precisas 2150 rotações por minuto. E como a
atmosfera estava calma, não houve a menor variação de
som, daquelas que acontece quando você pega blocos
de vento em velocidades diferentes, o que faz variar o
som da hélice. Essas típicas mudanças sonoras fazem
pilotos mais novatos se assustarem e prestarem muita
atenção nos instrumentos que monitoram o motor.
Fazem isso já imaginando uma possível pane.E não é
61

necessariamente ruim manter na cabeça tudo que


faríamos em caso de uma parada de motor, como, por
exemplo, procurar o melhor terreno para uma
aterrisagem emergencial e seguir aquela sequência que
deve estar automática na nossa cabeça: fechar seletora
de combustível, desligar tudo que estiver na frente,
apertar os cintos e deixar a porta destrancada ou
aberta. Corriqueiramente, além do RPM, monitora-se,
com certa frequência, outros indicadores: a
temperatura, pressão do óleo, a bússola, o altímetro e o
combustível nos marcadores de tanque em cada asa.

Entre todos os itens que checamos rotineiramente, um


me chamou a atenção: o tanque direito. Ele estava
completamente cheio, e o esquerdo com um pouco
menos que a metade. Retomei o voo e olhei para
frente. E um pouco à direita eu já via algumas formas
montanhosas conhecidas, como a cadeia de montanhas
que forma o canyon próximo a Itirapina. Mais à frente,
alguns pequenos vilarejos e pequenas cidades. A área
era um pouco mais densa de civilização urbana, com
vilarejos mais próximos uns aos outros. Um pouco mais
à frente, ainda distante, uma cidade pequena. Ipeúna?
Olhei com atenção para localizar a pequena pista de
grama que existe bem próxima da cidade, à esquerda
dela. Não achei. E digamos, localizar pistas gramadas
62

em um cenário verde é uma tarefa um pouco ingrata.


Elas se mesclam com facilidade na paisagem.

Os aviadores que navegam com a combinação clássica


de mapa, relógio e bússola sempre têm dúvidas se estão
no lugar certo. Isso é normal. Essas dúvidas são
resolvidas com o tempo, com a próxima cidade, com a
próxima referência no solo, que pode ser um rio, uma
estrada, uma linha de transmissão de energia ou um
vilarejo no mapa. Sem localizar a pista, fui deixando o
que acreditava ser Ipeúna um pouco à minha direita. E
em mais quinze ou vinte minutos deveria ver uma
cidade maior à minha esquerda: Rio Claro.
63

É assim que funciona a navegação visual e estimada


desde os primórdios da aviação. Se seu traçado do
mapa indicar que você deve passar à esquerda de uma
determinada cidade e você passa sobre ela ou à direita,
significa que o vento vem da esquerda e você deve
descontar alguns poucos graus da bússola, colocando o
avião para encarar um pouco mais o vento lateral. E
você só vai saber se aplicou a quantidade certa de
correção quando tiver outra referência precisa: a cidade
seguinte, ou um determinado rio ou uma montanha. É
assim que você corrige sua rota. Não dá para saber a
intensidade dos ventos durante o voo. Ventos, que
inclusive, podem mudar de direção. Uma de nossas
regras para tentar adivinhar os ventos é nos basearmos
um pouco por fumaças de chaminés ou queimadas.
Assim, pelo menos o vento no solo sabemos. E
geralmente o vento no solo e o vento em altitudes um
pouco maiores coincidem na direção.

São nessas navegações à moda antiga que me lembro


de uma das poucas e valiosas lições de aviador de meu
avô: “siga a bússola, não seu instinto, ele está sempre
errado”, dizia. Ele parou de voar em 89. Eu tinha 11
anos. Não pude aprender a prática com ele, ficaram
apenas alguns conhecimentos teóricos de voo e dicas de
64
65

São nessas navegações à moda antiga que me lembro


de uma das poucas e valiosas lições de aviador de meu
avô: “siga a bússola, não seu instinto, ele está sempre
errado”, dizia. Ele parou de voar em 89. Eu tinha 11
anos. Não pude aprender a prática com ele, ficaram
apenas alguns conhecimentos teóricos de voo e dicas de
navegação, dessas que se dá para os novatos em solo.
Essa lição da bússola é importante, porque sempre,
voando para algum lugar desconhecido, temos a
tendência de achar que deveríamos estar um pouco
mais à esquerda ou à direita, e temos a tendência de
querermos ir para onde o instinto nos manda,
desconfiando do instrumento.

Você deve seguir e esperar as referências. Entretanto,


esperar quinze minutos ou meia hora, ou a próxima
cidade, para ter certeza se está no caminho certo, é
incompatível com os dias atuais, com a era da
informação e com os aviões de hoje, que mesmo os
pequenos, já vem de fábrica com telas de cristal líquido
e GPS embutidos, dando ali, na hora, todas as
informações precisas. Digamos que além da aviação, os
seres humanos de hoje, em todos os aspectos, são mais
conectados e mais dependentes de certezas imediatas.
A bússola, esse velho instrumento que foi a base das
navegações desde a era dos grandes descobrimentos,
66

atualmente é quase como um objeto decorativo que os


fabricantes insistem em incluí-los nos aviões,
provavelmente como o último recurso para alguém
desesperado.

Era uma navegação solitária, e navegações solitárias


tornam-se ainda mais solitárias em um Piper Cub. Ele
não tem rádio, não tem transponder, não tem bateria,
não tem fones de ouvido, nem partida elétrica. Liga-se o
motor “na mão”, virando a hélice. Coisas que só se
veem em filmes antigos de aviação. Mas para mim isso
é um ritual. É como abrir um vinho ou colocar um vinil
para tocar. Dar a partida para depois subir no avião é
um dos charmes desses modelos.

Sem rádio e transponder, não tenho contato com os


controles de tráfego, que trabalham nos orientando
pelo radar, dando apoio e caminhos para chegarmos ao
destino. Sem sistema elétrico, só tenho a bússola como
equipamento de navegação. Estes modelos não têm
aparelhos nem como o antiquado ADF, que remonta à
época da Segunda Guerra Mundial. O ADF é uma seta,
que nos guia para frequências como rádios AM e rádio
transmissores para navegação aérea, as famosas
estações NDB. Estas, a cada dia mais, são desativadas
por serem muito antiquadas. Praticamente tudo já foi
67

substituído pelo GPS, que virou a base da navegação até


dos carros.
68

Ou seja, este teco-teco foi fabricado apenas alguns anos


após a derrota de Hitler, mas com a tecnologia da
primeira guerra mundial, do início de tudo. Na verdade,
por ser avião homologado, modernizá-lo para instalar
um rádio, transponder, e assim ter mais liberdade em
mais aeroportos, além de um processo complexo, seria
meio caro e eu não queria gastar dinheiro com isso. De
qualquer forma, ainda é dentro da lei voar nesse
método antigo, e acabei recusando a ideia de ter um
rádio. Só não posso me atrever a ir a um aeroporto
como Congonhas, Guarulhos ou até mesmo, desde há
algum tempo, Bragança Paulista. E a tendência é das
autoridades cada vez mais me restringirem, para o
interior, me mantendo nos aeroportos de poucas
operações.

Claro que não nego as revoluções tecnológicas, como o


GPS, por exemplo. Mas eles foram sempre meio caros.
Preferi continuar com a combinação bússola e mapa, ela
funciona. E afinal, se Charles Lindberg havia ido de Nova
York a Paris, sem escalas, em 1927, só com a bússola,
por que eu não poderia voar pelo sudeste do Brasil em
segurança? E eu voo um avião vinte e cinco anos mais
moderno que o usado pelo Lindberg. E se ele conseguiu
aquele feito navegando por diversas e diversas horas
sobre o mar, sem nenhuma referência no solo, eu tenho
69

que voar com segurança com uma orientação em terra


a cada cinquenta km, né não?

Foi voando deste modo que descobri que nem as


autoridades aeronáuticas se importavam mais com
navegadores nostálgicos como eu. Em um voo com o
mesmo avião, indo de Atibaia até Ponta Grossa, no
Paraná, de cerca de quatro horas de duração, alguns
anos antes, ao navegar com uma carta aeronáutica na
mão, percebi que não conseguia achar as referências:
cidades apareciam onde não deveriam estar, linhas de
ferro sumiam de alguns lugares e apareciam
misteriosamente em outros, tudo acontecia só para me
70

confundir. Nesta situação, já imaginava que a bússola


poderia estar completamente zureta, e eu,
completamente perdido. Deu uma aflição, como devem
imaginar. Mantive a proa e fui conferir com mais
detalhes: o mapa havia sido confeccionado em 1982.

Eu deveria reclamar? Provavelmente não serviria para


nada. Eu deveria, provavelmente, já ser uma exceção. E
deveria saber que aqueles mapas, impressos apenas
para estudantes de cursos teóricos de aviação, não são
para se levar a sério. Assim, aprendi que aquele guia
quatro rodas que vendem em qualquer banca de
jornal — vendem ainda? — é o melhor para essas
viagens. Eles não têm medidas aeronáuticas, mas são
atualizados.
71

Obviamente que para os pilotos que trabalham em


áreas menos densas, como a Amazônia, o GPS virou
algo obrigatório e sonho de consumo desde quando foi
lançado em, 95. Um erro de navegação, aqui no
sudeste, significa mais uma hora de voo para achar um
aeroporto e pousar. Um erro de navegação na
Amazônia significa sumir para sempre.
72

E não é só na aviação que nunca me importei com as


últimas tecnologias. Também nunca me preocupei
muito com smartfones, por exemplo. Sempre achei
estranho e anti-social as pessoas ficarem em mesas de
boteco vendo Facebook e WhatsApp. E sabia que se eu
tivesse um, teria o mesmo vício. Continuei com
celulares só para falar. Até o dia em que viajo com um
amigo para São Paulo e vejo o Waze em ação. Que
facilidade em achar qualquer rua! Agora sim, eu
precisava daquilo.

O chão passava devagar, o som da hélice era contínuo,


eu olhava para o horizonte, no agradável voo, e me
peguei pensando: que aviador se recusou a usar rádio,
que nunca se importou com a modernidade do GPS?

Olhei para o tanque da esquerda e ele estava bem vazio.


Isso sem dúvidas é uma justa preocupação. Era a
primeira navegação que eu fazia depois de uma longa e
complexa manutenção. Antes de decolar, chequei
detalhe por detalhe de todo o avião, e o respiro do
tanque direito estava solto. E ele tem que ficar
apontado para a frente. E se por algum motivo, e já
aconteceu comigo, de não checar isso com cuidado,
fechando o tanque com o respiro para trás, acaba-se
consumindo apenas de um taque. Além disso, o outro,
73

que está com o respiro para trás, joga gasolina para


fora, por sobre a asa, acabando com todo o
combustível, correndo risco de uma pane seca pelo
caminho.

Com o respiro do tanque solto, fizemos o último ajuste


antes de decolar. O Sardinha, mecânico lá de Itápolis, o
colou de modo que quando desse a última volta para
fechar, ele ficasse para a frente. Será que a cola se
soltou e com o vento o respiro virou para trás? Será que
na montagem das mangueiras algo ficou errado e estou
consumindo apenas o tanque esquerdo? Alguma
conjunção de fatores? Se estou consumindo apenas
aquele tanque, não terei combustível para chegar ao
meu destino e acabarei tendo problemas.

A primeira ideia é a mais óbvia: pousar no aeroporto


mais próximo e verificar. A segunda seria pressionar o
pedal direito dando comando de aileron para a
esquerda e fazer o avião glissar durante a navegação,
voando como um caranguejo, o que faria minha
velocidade reduzir devido ao aumento de arrasto, mas
com o avião um pouco torto, seria possível transferir o
combustível da asa direita para a esquerda, em teoria,
porque se realmente o respiro descolou e virou para
74

trás, não tenho a mínima ideia se apenas a gravidade


resolveria.

Não vi a pista de Ipeúna. Mais à frente vejo uma cidade,


um pouco longe do horizonte. Era Rio Claro? Só saberia
com mais uns 15 minutos de voo. Rio Claro tem uma
pista de terra bem no meio da cidade. Se não for, vou
precisar descobrir onde estou e procurar por Americana
ou Campinas, pousar e conferir o respiro. São essas as
cidades próximas ao meu caminho se a rota foi mais ou
menos correta. Pensando no tanque da esquerda, que
possui pouco combustível, só sei que não dá para ficar
passeando. E se a próxima cidade for Limeira? Teve seu
75

Aeroclube fechado devido à especulação imobiliária.


Sendo assim, o mais prudente é ir para Americana, mas
pelo menos saberia onde estava.

Serão mais alguns minutos para confirmar. Mantenho o


avião nivelado, com as precisas 2150 rpm, que é a
melhor regulagem de voo de cruzeiro, e fico torcendo
para que o combustível não acabe e que seja Rio Claro.
Soma-se com aquela sensação de que quando você
deseja chegar em algum lugar, o tempo passa mais
devagar. Mas não há nada o que fazer, além de esperar
chegar, e em um voo com quase nada de turbulência,
tudo parecia ser ainda mais em câmera lenta.

E o vício que acreditava que teria, quando tivesse um


smartfone, realmente acontece. Pego o celular do bolso
para checar mensagens no WhatsApp, por impulso. Só
bate papo furado em grupos, como sempre. Pressionei
o botão home, e antes de desligar, vi o ícone do Waze
ali, na minha frente, e por curiosidade, o abri.
76
77

Eu achei curioso funcionar o Waze e fiz o print da tela


na hora.

Sepultada a era romântica! É Rio Claro! Estava lá, no


mapa da tela, perfeitamente indicado, brilhante. O
Waze é para carros, ele mostra ruas, trânsito e
comandos da polícia. Mas fiquei satisfeito com a
informação: a navegação estava certa. Mas nem
precisava, em mais cinco minutos, saberia. Ao voltar o
celular para o bolso, me fiz mais uma pergunta: quem se
recusou a ter um smartfone até hoje?

Em mais alguns minutos, cheguei perto da pista de terra


vermelha, conferi para ver se não tinha tráfego, entrei
em procedimento de aproximação final, reduzi o motor
e pousei suavemente. Taxiei o avião pela grama,
desliguei o motor e desci para verificar. Estava tudo
certo com com o respiro. Sem nenhum vazamento e na
posição correta. Não era nada de mais.

Tirei um cigarro do bolso, acendi-o e dei uma volta pelo


aeródromo, enquanto os tanques se equalizavam para
continuar o voo. Sobre a grama, olhando o avião à
minha frente, me fiz outra pergunta: quantos aviadores
ainda teriam hoje essa estranha mania de pilotar aviões
velhos de modo nostálgico?
78

Praia (Cabo Verde) a

Fernando de Noronha (Brasil) –


GERARD MOSS

Todos ajudaram, levantando a cauda do avião para


conseguir colocar mais uns litros de gasolina.

24 de setembro de 2001
No dia que cheguei em Praia, capital de Cabo Verde,
houve uma tempestade fenomenal, com deslizamentos
de terra e tudo. Chuva em Cabo Verde é coisa rara.
Puxa, pensei, logo agora! Passei horas estudando a
meteorologia com o plantão na Ilha do Sal, e com Margi
no Rio. Não parecia coisa boa. Tive que adiar a travessia
planejada para o domingo. Isso não devido a ventos
contra, mas aos CBs nada amigáveis colados acima de
Praia e logo ao sul onde ia passar. O sol ia levantar às
0723 GMT (0623 hora local) e o pôr do sol em Noronha
seria às 2006GMT (1806 local). Eu teria
aproximadamente 13 horas de luz para voar. Em linha
reta, a distância é de 1242 milhas (2315 km).
Adicionando 5% para desviar de tempestades, ficou um
total de 1305 milhas (2420 km). Decolando com todos
79

os tanques cheios, a melhor velocidade que eu podia


esperar no início era 95 nós TAS (175 km/h), ou 13.7
horas de vôo. Sem levar em conta as viravoltas à
procura de um caminho para evitar as tempestades.
Teria que fazer alguma parte do vôo na escuridão e
como não queria pousar em Noronha de noite, teria que
decolar de Praia de noite. Isso me deixou bastante
apreensivo devido aos temporais. O Ximango não está
equipado para vôo noturno, não possuindo luzes no
painel. Teria que usar uma lanterna de cabeça para
enxergar os instrumentos, mas esse procedimento tem
uma grande desvantagem porque quando levanto a
cabeça, a luz bate no canopy, me deixando cego e não
consigo ver nada lá fora.
Daniel, que estava de plantão em Sal, me informou que
na segunda-feira os CBs estariam bem ao sul de Praia, e
essa notícia serviu de sinal verde. Marquei um táxi para
as 04h15. O cara não compareceu! Lutei 30 minutos à
procura de outro motorista àquela hora da madrugada,
mas ninguém atendia o telefone. As ruas da cidade
eram compreensivelmente desertas e levei um tempão
até achar um táxi. Tudo isso parecia mau presságio. Só
consegui alcançar o aeroporto depois das 05h00, o que
me deixou furioso e mais nervoso ainda. Perdi mais
tempo ainda na Sala AIS, porque esqueceram de cobrar
no dia anterior os US$100 adicionais para uma
80

decolagem noturna. Finalmente, decolei às 0545 (0645


GMT), um milagre nestas circunstâncias.
Como previsto, não havia nuvens no início e nivelei a
2000 pés. Estava preocupado, não querendo queimar
muita gasolina porque os testes feitos no dia anterior
mostraram uma inexplicável tendência a consumo alto.
Graças a Deus, tinha um vento de cauda e ajustei a
potência ao mínimo possível para manter 95 nós (175
km/h) de velocidade no solo. Quando consegui uns bons
100 nós, fiquei bem feliz. Não havia lua, mas algumas
estrelas ajudaram a me orientar um pouco. Lá pelas
0730 GMT, estava em plena luz do dia e liguei para
Margi no telefone da Nera para avisar a hora da partida.
Tinha marcado as 0830 para chamar André Sampaio, em
Noronha, no HF. Doze anos atrás, André ajudou minha
outra travessia do Atlântico, com Margi, em sentido
contrário. E lá estava ele novamente me ajudando,
desta vez com equipamentos e antenas super
poderosos. O sinal estava forte e me deu conforto
poder contar com ele porque sabia que ia perder
contato logo com os rádios de Dakar e da Ilha do Sal.
Eu estava com bom astral. O tempo era bom, apenas
alguns CBs isolados que podia contornar facilmente. Os
ventos ajudaram a manter o consumo de combustível
bem baixo. As 0910, passei por cima de um navio em
81

sentido contrário. Anotei sua posição e direção – nunca


se sabe!
Aí, chegou uma bomba de Sal no HF. “Há uma
depressão tropical em formação na posição Rakud, com
ventos estimados em 50 nós (90 km/h) de 130 graus”. A
mensagem foi repetida duas vezes e depois veio uma
pergunta pesada: “Quais são suas intenções?” Acho que
ele pensou que ia dizer que estava retornando para
Praia. “Obrigado pela informação,“ respondi com calma,
enquanto tentei raciocinar se deveria voltar ou não.
Antes de embarcar nesse vôo, eu sabia que teria que
enfrentar algumas tempestades – mas não uma
depressão tropical, daquelas que nascem furacões! A
posição Rakud era bem além do meu ponto de não
retorno, a 5 horas de vôo de Praia. Eu tinha me
preparado para encarar o mau tempo bem cedo no vôo,
quando ainda havia a possibilidade de voltar para trás, e
não mais longe onde, se não desse para passar, cairia no
mar.
Minha primeira reação era ligar para Margi para que
verificasse o tamanho e a posição do fenômeno para me
ajudar decidir se devia desviar pela direita, pela
esquerda ou voltar logo para Praia. Durante 2 horas,
Margi, Lelo e André fizeram dezenas de ligações e
checaram todas as imagens de satélite que conseguiram
achar. Enquanto isso, eu mantive o rumo ao ponto de
82

não retorno. Foi duro olhar para baixo e ver aquelas


ondas, pensando que possivelmente teria que refazer
esse caminho todo contra o vento. Então resolvi
procurar um caminho para passar, para continuar, seja
como for a notícia que me dessem. A cada milha que
voava rumo ao Brasil com ventos a favor, estava
economizando combustível e aumentando o alcance
para os desvios necessários. Logo mais veio a
informação que não era uma depressão tropical, mas
uma onda tropical, uma série de CBs típicos da ZCIT –
zona de convergência intertropical. André me passou
uma comunicação de Recife, avisando que era quase
impossível ter ventos excedendo 30 nós nessa onda
tropical. Então, fui em frente: Brasil, estou chegando!
Estava resolvido encarar o que viesse.
Às 1045 GMT, passei o ponto de não retorno. Pouco
tempo depois, veio a primeira batalha com nuvens
muito baixas e chuva. Desviei 30 graus para o Leste,
seguindo os conselhos da Margi. “As formações são
bem mais pesadas à sua direita e avançam rumo ao
Oeste, então sempre desvie pela esquerda se tiver que
sair da rota ideal”. Quando a velocidade caiu para 85
nós e comecei a queimar muito combustível, resolvi
desafiar o monstro cara a cara. Desci de 2.000 pés de
altitude até uns 100 pés, reduzi a velocidade para
melhor lidar com a turbulência, apertei bem o cinto,
83

guardei todas as câmeras e equipamento solto e me


preparei para o pior.
Uns segundos antes de passar pela cortina escura de
chuva, verifiquei a bússola para lembrar o rumo
necessário para sair dali se não desse para continuar. Ao
entrar na chuva, tive que descer mais para manter
contato visual com as ondas o tempo todo. Estava
apenas 5-10 metros acima delas. Em certa hora, vi que o
altímetro marcava abaixo do zero, isso devido à
alteração da pressão atmosférica. Fixei o zero, para ter
uma referência caso perdesse as ondas de vista. Tal
como fiz muitas vezes no Extremo Oriente quando
batalhava com as monções, prossegui logo acima do
mar, super concentrado. Um segundo de descuido seria
o fim, se a turbulência jogasse uma asa mais baixa que a
outra. Era muito difícil ver alguma coisa na minha frente
através da chuva forte que batia no canopy.
De repente, não vi mais as ondas. Sem vacilar, comecei
uma curva de 180 graus e subi alguns metros. Foi o
momento mais perigoso. Ao fazer uma curva muito
inclinada, há risco de estolar, além de tocar na água
com umas das imensas asas. Parecia demorar uma
eternidade para alcançar o rumo 040 que eu precisava
para sair desta situação. Aí abaixei o nariz com cuidado
para perder os 200 pés ganhos na virada. Quando
finalmente o altímetro marcava 50 pés pelo zero que eu
84

mesmo fixei pouco tempo antes, já podia ver as ondas


novamente. Depois de me acalmar e relaxar um pouco,
escolhi um novo rumo de 090 para tentar desviar do
temporal.
Tentei novamente e fracassei. Na terceira tentativa,
consegui passar logo acima da água após muita
insistência. Na próxima conversa com a equipe e André,
soube que descobriram um site da NASA com imagens
de satélite atualizadas a cada meia hora em vez do
habitual seis horas dos outros sites meteorológicos. No
site da NASA, conseguiram localizar a posição exata dos
CBs. Encarei outro bloco de mau tempo, mas passei
“facilmente” voando a 300 pés. Depois disso, sai de
repente debaixo de um céu azul e assim foi durante o
resto da travessia. Subi para 10000 pés, e a velocidade
cravou entre 105-110 nós (195-205 km/h) durante duas
horas. Quando começou a cair novamente para 95 nós,
não fiquei tão preocupado porque tinha certeza que as
reservas de combustível eram suficientes. Às 1730, os
tanques adicionais estavam vazios, mas faltavam apenas
duas horas para chegar em Noronha. Quando por fim
surgiu o pico de Noronha no horizonte, não há palavras
para descrever meu alívio e minha felicidade. Declaro
agora que essa ilha é a minha preferida de todas!
Mesmo estando cansado, não resisti e fui dar um
sobrevôo antes de pousar, curtindo o visual e a própria
85

existência dela. Coloquei as rodinhas do Ximango no


solo às 1730 (hora local: 1930 GMT), 12 horas e 30
minutos após a decolagem de Cabo Verde.
André não só me ajudou a atravessar o oceano, me
vigiando com suas palavras encorajadoras, mas lá
estava ele para me dar às boas vindas em sua pousada.
A ilha de Fernando de Noronha já é um paraíso, mas na
Pousada da Morena, em boa companhia e comendo
uma deliciosa massa, eu estava no céu (novamente)!
Talvez ninguém esteja mais surpreso do que eu, que
consegui cruzar aquele imenso oceano.
86

PIRUETAS COM AVIÃO AGRÍCOLA


Ramon Rodriguez

Vendo as exibições do 185 na água (G1 vídeo flagra


manobras arriscadas) me lembrei de um piloto agrícola
que durante muito tempo nos anos 80 andou por
Rondonópolis. Piloto e empresário, pois tinha dois
Ipanemas impecáveis. Mandava fazer tudo que era
necessário e muito mais nas oficinas. Quando pronto o
avião ia fazer o voo de experiência e sumia sem pagar.
Bem, mas essa é outra história.

A que quero contar é que o conheci um dia em uma


pista de fazenda em MT. Eu estava me preparando para
iniciar os trabalhos quando ele pousou também para
atender outro fazendeiro. Ipanema lindo, e desce um
piloto todo paramentado com macacão cheio de zíper
um belo capacete desses que a FAB usa, faca na
cintura. Toda a pose de aviador, que contrastava com o
meu relaxo. Vou falar com ele a fim de nos
organizarmos nos abastecimentos e decolagens, pois a
pista era bem estreita e paralela a um carriador bem
mais estreito e irregular. Ele me responde que não me
87

preocupasse, pois trabalharia do carriador e eu poderia


ficar com a pista. Como eu já estava em meu íntimo
incomodado com toda aquela elegância e certa
prepotência nem insisti. Ele que perca a reta e se
esborrache, pensei. E assim passamos o dia
trabalhando, cada um para o seu cliente, e foi dessa
forma que acabei tendo uma certa antipatia por ele.
Mas o mais interessante é que ele adorava fazer
acrobacias com seu Ipanema, e as fazia a baixa altura.
Se, em um translado, ele via alguma pequena
aglomeração de pessoas já era motivo para ele fazer
umas duas ou três manobras, antes de seguir para o seu
destino. E assim era a sua vida voando, se exibindo e
dando calotes. Aos finais de semana, se estivesse na
cidade, podíamos contar com aquele avião pesado, que
nada tem de acrobático, fazendo piruetas. Eu e outros
colegas vivíamos esperando o desfecho fatal dessa
ousadia. Mas os anos se passaram até que ele acabou
perdendo seus aviões um piloto o destruiu o outro não
sei dizer. Mas ele nunca se esborrachou como eu tinha
previsto. Era muito bom aviador, apesar do macacão
cheio de zíper e da faca na cintura.
88

FAROL x FAROL
Ramon Rodriguez

Eu estava pulverizando cana em Alagoas acho que lá por


76 ou 77. Tinha terminado um serviço em São Miguel
dos Campos e estava indo para Cururipe. Quem
conhece lá, se nada mudou, sabe que a estrada é uma
reta enorme. A estrada totalmente vazia, resolvo ir em
um raso sobre ela. Até que lá longe alguém me dá farol.
Eu continuo e também dou farol. Ele farol, eu farol. E
vamos nos aproximando. Vi que era um caminhão e que
já estava indo para o acostamento. O idiota aqui resolve
então continuar no raso até que vejo uma pessoa sair
pela porta do passageiro e se embrenhar pelo canavial
ao lado da estrada. Dou-me conta da m... que fiz, subo e
só vejo uma cabeça sumindo e aparecendo já lá pelo
meio das canas. O caminhão era de combustível. Que
susto não deve ter levado.
89

SEXO NA PRAIA
Ramon Rodriguez

Olha, vou contar uma de que me arrependi. Vinha com


um aluno em navegação de Ubatuba para Praia Grande.
Em certo momento avistamos um fusca em uma Praia
deserta. Nos anos 70 Ainda tinha isso (rsrsrsr). Logo nas
ondas avistamos um casal. Estão sozinhos na Praia,
devem estar pelados. Na hora peço para ele entrar em
um voo planado e fomos nos aproximando. Quando
estávamos perto peguei os comandos e, em uma
glissada, chegamos bem próximos. Aí notamos que era
um casal de idosos. Mas bem em cima deles, eu saindo
da glissada, arremetendo e a pobre da senhora,
assustadíssima, corria, enquanto o pobre do senhor,
aterrorizado, não se movia. O CAP 4 ganhando altura, se
afastando e nós ali, em silêncio, pensando na m... que
tínhamos feito.
90

MANUTENÇÃO CARA
Ramon Rodriguez

Certo dia levei o nosso corisco a uma oficina em


Rondonópolis para uma revisão de 100 horas. Mais
tarde passo na oficina e vejo a hélice retirada, questiono
a necessidade e a justificativa não me convence. Ainda
sou informado da troca de um componente elétrico,
que agora não me lembro bem. Tudo me pareceu uma
forma de aumentar o que seria cobrado, mas como
cabrito bom não berra, paguei, prometendo a mim
mesmo nunca mais voltar lá. Avião pronto, meu filho,
que tinha se brevetado há pouco tempo (puxa agora
que me dou conta que isso ocorreu há uns 20 anos -
rsrsrsr) e eu decolamos para Sampa, SBMT. Com
intenção de abastecer em Rio Preto. Após uma hora e
pouco de voo o para-brisa começa a melar de óleo.
Estávamos chegando a Cassilândia após ter passado o
Chapadão do Sul. Meu filho já queria pousar em
Cassilândia, mas argumentei que tínhamos muitas pistas
na rota e se aumentasse muito poderíamos pousar. Mas
seria melhor ir tocando até Rio Preto, lá tem oficina e eu
91

estava achando que na colocação da hélice tinham


mordido o o’ring, o que depois se confirmou. Mas como
m... pouca é bobagem, o alternador pifa logo a seguir. A
tal peça ou relê substituído também se manifestou. Aí o
garoto queria pousar, mas mais uma vez argumentei
que deveríamos desligar tudo para pouparmos a bateria
e só ligar para chamarmos a rádio S José e acionar o
trem de pouso. Assim fizemos e quando ele alinhou na
final o óleo no para-brisa não permitia ver nada a frente
assustou o jovem piloto. Mais uma vez disse que
tentasse fazer o pouso se orientando pela janela lateral.
Pouso feito, avião na oficina. E viajem completada na
viação Cometa.
92

"DORMI NO C-47 FAB-2015"


José Passarelli Passarelli

Em 195...meu pai Germano Barros de Souza tinha vindo


do Rio de Janeiro transferido para servir no 11° RC-
Regimento de Cavalaria em Ponta Porã-MT, ele era
primeiro-tenente médico clínico geral. Certo dia
aterrissou um Douglas C-47 FAB naquela localidade
comandado pelo então capitão-aviador Eduardo Gomes.
A tripulação do avião estava hospedada no quartel. Na
hora do almoço no refeitório dos oficiais, meu pai se
dirigiu à mesa em que a tripulação da FAB almoçava e
falou com Eduardo Gomes: - Bom dia capitão? No que
ele respondeu: - Sim tenente! O velho disse: - Minha
esposa está no nono mês de gravidez e aqui em Ponta
Porã tem ínfimos recursos, será que o senhor poderia
levá-la para Campo Grande-MT no voo que sai amanhã
cedo daqui? Fico mais tranquilo com ela lá! Gomes
respondeu: - Como não tenente! Decolamos às 7h. Ali
eu começava a ser cuidado com muito carinho pelo C-47
FAB. Chegando em Campo Grande, Eduardo Gomes
solicitou que uma ambulância da Base Aérea de CG
conduzisse minha mãe até a maternidade onde nasci
dois dias depois. Dezenove anos depois eu era aprovado
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para admissão na AFA-Academia da Força Aérea


Brasileira. Fui o único aprovado em Campo Grande, a
notícia foi dada pessoalmente pelo comandante da Base
Aérea de CG coronel-aviador José Hélio Macedo de
Carvalho ao meu pai no HGMCG-Hospital Geral Militar
de CG onde meu velho era diretor geral daquela
unidade militar, eles eram muito amigos. Coronel
Macedo disse ao papai: - Germano? Seu filho foi
aprovado na FAB em 16° lugar do Brasil onde
concorreram 1700 candidatos, vou fazer uma carta de
apresentação para o garoto entregar na AFA e vou levá-
lo no C-115 Buffalo FAB para o Rio de Janeiro para os
exames médicos! Chegando no Campo dos Afonsos em
Marechal Hermes-RJ, o oficial de dia me mostrou o
alojamento onde eu ficaria, escolhi meu beliche e
coloquei minha malinha com poucas coisas pessoais,
mais cheia de esperança. Já era noite, o sargento de dia
me deu um saquinho de plástico lacrado com dois ovos
cozidos, dois sanduíches de pão com presunto e queijo ,
um potinho de gelatina e um litro de leite. Foi minha
primeira refeição na FAB. No outro dia cedo, após o café
da manhã eu estava livre, estava escalado para realizar
exames médicos no período vespertino. Aproveitei para
passear na pista e vi lá estacionados cinco Douglas C-47,
fiquei fascinado! Um deles, o matriculado FAB 2015 era
o único que estava aberto e com uma escadinha
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amarela de acesso. Não tive dúvida, pensei: - Vou deixá-


lo preparado para eu vir dormir nele se não fecharem
sua porta. Retornei ao alojamento e após o jantar
verifiquei a segurança. Um par de soldados da PA-
Polícia da Aeronáutica de farda azul circulavam por ali.
Driblei-os e fui para o avião que me esperava. Eram 20h,
o céu estava nublado, entrei, fechei a porta e caminhei
num corredor inclinado para cima até atingir a cabine.
Sentei na poltrona do piloto, conferi todos os
instrumentos, não dava para enxergar nada à frente por
causa da inclinação do bico em relação ao solo, passei
para o lado do copiloto, mexi nos botões, puxei e
empurrei o manche, pisei nos pedais pesados, verifiquei
os botões de teto. Eu era o comandante daquela
máquina.
De repente ouvi raios e logo caiu uma chuva fortíssima.
Depois de fuçar em tudo, resolvi colocar algumas
almofadas no piso inclinado e deitar. Dormi sentindo
aquele cheiro de óleo com gasolina de avião
penetrando em minhas narinas. Acordei às 5h30min,
despedi do 2015 com um abraço no painel e um beijo
no manche esquerdo e fui para o alojamento. Nunca
ninguém soube disso, ficou um pacto de amor meu e do
2015 FAB para o resto de nossas vidas.
Poucos tiveram o privilégio que tive de passar à noite
protegido da chuva e das intempéries da natureza, por
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um avião que levou os aliados a vitória contra Hitler em


1945.
Entrei na FAB pelo amor que tinha e ainda tenho pelo
eterno Douglas C-47.
PS1: O capitão-aviador Eduardo Gomes chegou ao posto de brigadeiro do
ar e é o Patrono do CAN - Correio Aéreo Nacional-FAB. Foi candidato a
presidente da República do Brasil.

PS2: O coronel-aviador José Hélio Macedo de Carvalho faleceu no comando


do C-115 Buffalo que se acidentou em Ponta Porã-MT e seu copiloto,
também falecido, era meu amigo de Círculo Militar, domingueiras e futebol
de salão primeiro tenente-aviador Wagner.
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PESSOAS ESPECIAIS
Edgar Costa

Eu parei um momento para analisar minha vida.


Aliás, tenho tido tempo e maturidade para isso.
Uma vida de caminhos difíceis como de muitos
outros. Nesses caminhos colhi flores e, claro, encontrei
espinhos nas roseiras. Não quero falar dos poucos
espinhos, além de ferir, eles nos tentam separar das
flores.
Cruzei nesses muitos caminhos com pessoas
especiais, alguns por um breve momento, outros
caminharam muitos passos comigo, outros foram
responsáveis pela mudança de atitude, e muitos deles
apenas (será que apenas) mostraram desvios, e ou
novas rotas. Chegando a ouvir “Você está no caminho
errado. Volte e pegue o outro caminho”. Estender a
mão e me ajudar nos tropeços não foram poucos.
Um grupo especial tem somado há muito nas
alegrias, este de numerosos membros, melhor seria
dizer, irmãos. Irmãos sanguíneos? Irmãos adotivos?
Nenhum desses. Irmãos de Asas. Pessoas especiais,
pessoas que vieram no mesmo lote de almas, quis o
Supremo Árbitro que fosse assim, alguns chegaram
antes, outros depois, mas nenhum melhor, nenhum
pior. Apenas missões em fases diferentes,
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responsabilidades diferentes. Nenhuma maior nem


menor, diria apenas peças de um mosaico que formam
a linda imagem de uma irmandade imensa, que muitos
ainda não se viram, mas se reconhecem, apesar da
distância, e o elemento, que aparentemente frágil, leve,
inconsistente, volúvel, nos unem e proporcionam um
meio para seu reencontro em um nível, que talvez
baixo, nos nivela... (texto para complementar
individualmente. Incapaz de concluir, problemas com a
visão turva).

... IRMÃOS DE ASAS.

Para todos os apaixonados pelos ares.


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A PRESSA ATRASOU
Rynaldo Labuto Gondim

Nossa missão de tentar levar o ZRV de Campina Grande


para o Rio de Janeiro foi um tremendo fiasco. A razão -
além da evidente incompetência do comandante (eu, no
caso) - foi a pressa.

Eu tinha que estar no Rio hoje. E estou. Infelizmente,


graças a um avião da Avianca e não à minha perícia.
Aliás, o Avianca ficou em espera um bocado de tempo
no litoral pois o Galeão fechou por causa de um CB
desaguando. Ontem, definitivamente, o dia não estava
para amadores.

Saímos de Campina Grande (eu e meu amigo, o ilustre


Cmte Rocha) na terça e voamos sobre a camada até o
litoral de Maceió. Abasteci em Aracajú. Passamos por
Salvador e já bem próximo de Ilhéus, o tempo
deteriorou e eu alternei Salvador onde, como sempre,
fomos extremamente bem recebidos pela turma da
Aerostar. Comemos 7 acarajés( é verdade) e dormimos.

No dia seguinte, o tempo não estava melhor. Informo o


solo Salvador que estou pronto para cópia e após o
cotejamento recebo autorização para acionamento.
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Quando solicito autorização para táxi, sou informado


que o aeroporto fechou visual. Saímos do avião.

Depois de meia hora o aeroporto reabre e estou eu


novamente pedindo para decolar o brinquedo. A
controladora diz que meu plano expirou. Informo a ela
que, segundo o regulamento, quando o aeroporto
fecha, o prazo do plano se renova assim que ele reabre.
Ela pede pra eu aguardar um minuto e autoriza meu táxi
até a cabeceira uno sete. Viu, rapaziada mais nova,
como vale a pena estudar?

Decolamos novamente e desta vez a apenas 5 minutos


fora de Ilhéus uma enorme barreira de chuva
novamente impediu nossa passagem. Poderia ter
pousado em qualquer aeródromo próximo e esperado a
chuva passar. Provavelmente, teria seguido adiante.
Mas como tinha que chegar no dia seguinte, eu sempre
pensava no avião e de que precisava deixar ele em
algum lugar seguro, caso o meu prazo se esgotasse.

Assim, alternei para Feira de Santana, onde não tenho


palavras pra agradecer a generosidade do Bruno da
Montaer e da sua esposa.
100

Dia seguinte, eu - burro demais da conta - sinto o


profundor muito estranho e aborto a decolagem. Será
que tinha algum objeto limitando o comando? Desligo o
motor, deixo o avião, examino a empenagem e não há
nada no profundor. Aciono novamente para ver se o
problema só existe com o fluxo de ar e nada. O avião
está perfeito. Decido não decolar até descobrir o que
havia acontecido.

O Bruno matou a charada: será que você não estava


brigando com o servo do piloto automático? Vejam,
camaradas, até que ponto pode chegar a estupidez
humana. Quando liguei o painel, inadvertidamente,
liguei o PA. Foi essa a pane do meu profundor. Por isso,
quando acionei novamente, sem cometer o mesmo
erro, o avião estava perfeito. “Jênio, não?”

Com ajuda de amigos, sabia que Porto Seguro estava


aberto, mas em Nanuque e em parte do litoral do
Espírito Santo estava chovendo bastante e por isso
decolamos na proa de Conquista com a intenção de
pousar em Valadares.

Subo para o 085 e passo pra cima da camada. A camada


sobe e dou uma roubadinha passando pro 090 na fé que
seria por poucos instantes. A camada logo abaixo era
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sólida, não havia um buraquinho, e mesmo depois de 10


minutos de voo a situação não mudava.

Informo ao Centro Recife que estou evitando alguma


formações e solicito a situação meteorológica de Vitória
da Conquista. O controlador pede para eu aguardar um
momento. Começa então uma briga na fonia
envolvendo o controlador e dois comandantes de aviões
de Linha Área e ainda um terceiro piloto que, tentando
ser engraçado, colocava uma pilha usando palavras de
baixo calão. O controlador esqueceu de mim. Mais 10
minutos de voo com meu copila totalmente
desconfortável, decido retornar.

Bom, o avião está mais perto do Rio do que estava


antes. Faltou um pouco de perícia. Mas o que
determinou o insucesso da missão foi a preocupação de
manter a máquina sempre em um lugar onde poderia
deixá-la com segurança porque eu tinha um prazo de
retorno. Nesse caso, a pressa atrasou.

Mas fiz novos amigos sensacionais e matei a saudade do


Rocha que há 15 anos atrás era minha principal
companhia quando iniciava minhas primeiras
navegações.
102

Obrigado a todos que tentaram ajudar esse manicaca


durante o translado.

PS: Foto de nossa chegada ao litoral de Maceió no primeiro dia de voo.


103

CURVA DERRAPADA
Ramon Rodriguez

Certa vez fui fazer um recheque com um examinador lá


na Praia Grande, em um Paulistinha. Não sei o porquê
resolveu me sacanear e pedir um monte de manobras.
O problema é que tudo o que eu fazia estava errado e
eu tinha certeza que fazia certo, pois tinha dado
instrução lá mesmo anos antes.
Mas o causo é que culminou com ele a pedir o oito ao
redor de marcos.
É uma manobra que, se estamos há anos sem voar o
avião, fica difícil acertar as curvas conforme o vento vai
mudando. Mas até que não estavam saindo de todo
mal. Aí ele resolve dizer que estava tudo errado. Pedi a
ele que me demonstrasse como se fazia e o sacana
coloca a asa em cima do marco cruza os comandos e faz
a volta toda derrapada. Claro, com a asa em cima do
marco. Na hora pedi para encerrar o voo. Pousamos e
após o corte do motor eu lhe disse que iria relatar o
ocorrido ao DAC no dia seguinte. O artista mudou de
tom, se justificando todo, e preenche o papel elogiando
meu voo.
Não fui ao DAC reclamar, mas fico imaginando quantos
jovens pilotos não sofreram nas mãos daquele idiota.

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