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Segurança de barragens

Bianca Penteado de Almeida Tonus


UNIDADE I

Tipos de barragens e
causas de acidentes
TIPOS DE BARRAGENS E CAUSAS DE ACIDENTES
Unidade 1

1. Definição
Segundo o Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB), barragens são obstáculos
artificiais com a capacidade de reter água, qualquer outro líquido, rejeitos, detritos, para
fins de armazenamento ou controle; podem variar em tamanho desde pequenos
maciços de terra, usados frequentemente em fazendas, a enormes estruturas de
concreto ou de aterro, geralmente usadas para fornecimento de água, de energia
hidrelétrica, para controle de cheias e para irrigação, além de diversas outras
finalidades.
A Lei 12.334/2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de
Barragens, define barragens como qualquer estrutura em um curso permanente ou
temporário de água para fins de contenção ou acumulação de substâncias líquidas ou
de misturas de líquidos e sólidos, compreendendo o barramento e as estruturas
associadas.

2. Histórico
Historicamente, as barragens permitem a coleta e armazenamento de água em
períodos de abundância para uso em períodos de seca. Foram essenciais para o
estabelecimento e o sustento de cidades e fazendas, e para o abastecimento de
alimentos por meio da irrigação de plantações.
Há registros de barragens simples de terra e rede de canais para abastecimento
de água desde 2.000 a.C. em descobertas arqueológicas na China e Síria.
Em 750 a.C. a barragem de Marib no Iêmen levou 100 anos para ser construída
e constituía um maciço de terra com 4m de altura e aberturas em pedra para regular as
descargas para irrigação e uso doméstico. Em 1986 a barragem existente foi elevada à
38m de altura. A Figura 1 apresenta a comporta de pedra (a) e a barragem após ser
alteamento (b).

Figura 1 – (a) Comporta em pedra da barragem de Marib e (b) posterior alteamento

FONTE: CIGB-ICOLD (2007)


Depois da Era Romana houve muito pouco desenvolvimento na área de
construção de barragens até o fim do século XVI, quando os espanhóis começaram a
construir grandes barragens para irrigação.
Engenheiros europeus refinaram seus conhecimentos de projeto e construção
no século XIX, o que resultou na capacidade de construir barragens de 45m a 60m de
altura.
No fim do século XIX, a energia elétrica e a navegação se tornaram objetivos
adicionais das barragens.

3. Finalidade
Atualmente as barragens têm diversas finalidades, como:

 Abastecimento de água
 Irrigação
 Controle de cheias
 Contenção de rejeitos
 Navegação interior
 Piscicultura
 Regularização das vazões
 Geração de energia elétrica
 Paisagismo e urbanismo
 Dessendentação
Segundo dados do CBDB (2018) a maioria das barragens no Brasil são para
geração de energia elétrica, conforme pode ser visto na Figura 2, seguido por combate
à seca e abastecimento.

Figura 2 – Finalidade das barragens

FONTE: CBDB (2018)

4. Tipos de barragens
As barragens podem ser classificadas quanto ao seu material de construção em
três grandes grupos: barragens de concreto, de aterro e de rejeitos.
4.1 Barragens de concreto
As barragens de concreto podem ser barragens de concreto gravidade,
gravidade aliviada, contrafortes ou arco.
a) Barragem de concreto gravidade
A barragem de concreto gravidade tem sua estabilidade garantida pelo peso
próprio da estrutura. A Figura 3 mostra um exemplo de uma barragem de concreto
gravidade na usina hidrelétrica Governador Jayme Canet Júnior (Mauá), na cidade de
Telêmaco Borba - PR.

Figura 3 – Barragem de concreto gravidade na usina hidrelétrica Governador Jayme


Canet Júnior (Mauá)

A Figura 4 mostra uma seção transversal de uma barragem de concreto


gravidade, onde se pode observar uma inclinação a jusante da barragem de 0,8H:1,0V,
essa inclinação normalmente varia de 0,7H:1,0V a 0,85H:1,0V. Se necessário, a face
de montante da barragem também pode ser inclinada, mas normalmente usam-se
inclinações menores para tal. Observam-se também diferentes níveis de água a
montante e a jusante, que são definidos em função das condições hidrológicas e
hidráulicas do local.

Figura 4 – Seção transversal de uma barragem concreto gravidade


Para cada nível de água é definido um caso de carregamento para a verificação
da estabilidade da barragem. Os fatores de segurança para cada caso de carregamento
serão maiores quanto maior for a permanência de cada nível de água na barragem e
variam também em função de condições extremas como drenagem ineficiente ou
ocorrência de sismos. Eles dividem-se em caso de carregamento normal, excepcional
e limite.
Para cada caso de carregamento, verifica-se a estabilidade da barragem quanto
ao deslizamento, tombamento, tensões na base e flutuação.
Para um melhor entendimento do dimensionamento de barragens pode-se
consultar os “Critérios de projeto civil de usinas hidrelétricas” da Eletrobrás
(https://eletrobras.com/pt/AreasdeAtuacao/geracao/Manuais%20para%20Estudos%20e%20P
rojetos%20de%20Gera%C3%A7%C3%A3o%20de%20Energia/Crit%C3%A9rios%20de%20Projet
os.pdf).

A Figura 5 apresenta os principais esforços que são considerados nas análises


de estabilidade de uma barragem: o peso da barragem (P), o empuxo de água a
montante (HM), o empuxo de água a jusante (HJ) e a subpressão (U).

Figura 5 – Principais esforços para análise de estabilidade de uma barragem de concreto

A subpressão é o esforço que a água faz sob a fundação da barragem e pode


ser reduzida através de furos de drenagem ao longo da estrutura.

b) Barragem de concreto gravidade aliviada


A barragem de concreto gravidade aliviada tem o objetivo de reduzir o volume
de concreto da barragem gravidade convencional, havendo para tanto um vão no interior
da barragem. A Figura 6 apresenta a seção da barragem da usina hidrelétrica de Itaipu,
em Foz do Iguaçu - PR, onde é possível visualizar o vazio dentro da barragem. Nesse
tipo de barragem o concreto passa a ser um concreto estrutural (armado), enquanto nas
barragens gravidade convencionais o concreto pode ser compactado com rolo (CCR)
ou concreto massa (não armado).
Figura 6 - Barragem de concreto gravidade aliviada na usina hidrelétrica de Itaipu

c) Barragem em contrafortes
A barragem de concreto em contrafortes também visa a redução do volume de
concreto, utilizando para tal lajes de sustentação (contrafortes) ao longo do corpo da
barragem, vide Figura 7, esse concreto também é estrutural (armado). Na usina
hidrelétrica de Itaipu também há barragem em contrafortes, conforme apresentado na
Figura 8.

Figura 7 – Barragem de concerto em contrafortes

FONTE: Gomes (2009)

Figura 8 – Barragem em contrafortes na usina hidrelétrica de Itaipu


Assim como na barragem de gravidade aliviada, há uma grande redução da
subpressão devido à menor área da base. No entanto, há maiores esforços de
compressão na fundação sob os contrafortes (podendo chegar a 4,0 a 5,0 MPa), o que
requer fundações melhores, que geram maior custo de tratamento. Além de possuírem
custo significativo de forma e armadura. São também mais sensíveis a problemas de
deslizamento devido ao seu menor peso.
As lajes dos contrafortes podem ser planas ou em arcos e são espaçadas de 5m
a 12m, podendo chegar até 20m quando em arco.

d) Barragem em arco
As barragens em arco são bem mais esbeltas que as anteriores e são
construídas em vales fechados, onde a relação entre a largura da crista e a altura da
barragem for menor que 2,5.
A estabilidade da barragem é garantida pela forma curva, que faz com que as
pressões da água sejam transferidas, em grande parte, para as ombreiras. Porém, para
que essa transferência de cargas seja eficiente é necessário que o vale seja estreito e
regular.

Figura 9 – Barragem de concerto em arco

FONTE: Gomes (2009)

Frequentemente, essas barragens requerem escavações consideráveis nas


ombreiras e no leito do rio, tanto para atingir a rocha sã como para garantir uma
geometria adequada. Normalmente, resultam engastadas na rocha.
Os esforços de compressão tendem a ser mais elevados do que nas demais
barragens, mas são mantidos abaixo de 7,0 MPa.
A estabilidade da obra depende das características geológicas, dentre as quais,
tanto defeitos sub-horizontais como subverticais e inclinados, podem associar-se para
compor cunhas, pouco estáveis. Os exemplos de alternativas em arco abandonadas
são numerosos, devido à constatação de defeitos geológicos, durante as investigações
ou no início da construção.
No Brasil há apenas uma barragem de concreto em arco, na usina hidrelétrica
de Funil, pois a topografia brasileira de vales mais abertos não favorece esse tipo de
construção. Na Figura 10 pode ser visualizada a barragem em arco de Morrow Point,
nos EUA.

Figura 10 – Barragem de concreto em arco de Morrow Point (EUA)

4.2 Barragens de aterro

a) Barragem de terra
As barragens de terra são construídas com solos de granulometria fina a grossa
com permeabilidade baixa. Esse solo é compactado em camadas delgadas por meio de
rolos compactadores.
A Figura 11 apresenta uma seção típica de uma barragem de terra, que
normalmente possui taludes com inclinações entre 2H:1V a 3H:1V. É possível notar
também o filtro da barragem no meio da seção e na parte inferior a jusante, esse filtro é
de um material mais drenante que o solo da barragem, normalmente areia, e serve para
direcionar a água percolada dentro do corpo da barragem, mantendo o talude de jusante
seco para uma melhor condição de estabilidade.

Figura 11 – Seção típica de uma barragem de terra

FONTE: Teixeira (2017)

As barragens de terra podem ser homogêneas (Figura 11), quando é utilizado


apenas um tipo de solo, ou zoneadas, quando são utilizados diferentes tipos de solo em
função da disponibilidade de material no local da obra.
Nesse tipo de barragem, os esforços transmitidos à fundação são baixos, o que
permite a construção sobre fundações de solo.
A Figura 12 apresenta a barragem de terra da usina hidrelétrica Governador
Pedro Viriato Parigot de Souza, conhecida como Capivari-Cachoeira, em Antonina - PR.

Figura 12 – Barragem de terra da usina hidrelétrica Capivari-Cachoeira

O dimensionamento das barragens de terra é feito em função da estabilidade


dos taludes de montante e de jusante da barragem. Os métodos para a análise da
estabilidade de taludes, baseiam-se na hipótese de haver equilíbrio em uma massa de
solo, tomada como corpo rígido-plástico, na iminência de entrar em um processo de
escorregamento e são conhecidos como Métodos de Equilíbrio Limite.
A partir do conhecimento das forças atuantes, determinam-se as tensões de
cisalhamento induzidas, por meio das equações de equilíbrio. As tensões de
cisalhamento induzidas não podem ser maiores que a resistência ao cisalhamento do
solo, que é função da sua coesão e do seu ângulo de atrito. Essa verificação é feita ao
longo de uma superfície de ruptura, conforme Figura 13.

Figura 13 – Superfície de ruptura para métodos de equilíbrio limite

FONTE: Dyminski (2011)

Essa análise de estabilidade através dos métodos de equilíbrio limite deve ser
feita para diferentes casos de carregamento, como final de construção (antes do
enchimento do reservatório), regime permanente (operação) e rebaixamento rápido do
reservatório. Esse último caso consiste em um rebaixamento do reservatório, onde
ainda não houve tempo para a linha freática no talude de montante se dissipar, o que
reduz a sua estabilidade. Ele pode ocorrer em função da abertura de comportas de um
vertedouro, por exemplo.
b) Barragens de terra-enrocamento
Nas barragens de terra-enrocamento o aterro é feito com fragmentos de rocha,
compactados em camadas com rolos vibratórios pesados, vide Figura 14.

Figura 14 – Aterro de barragem feito com enrocamento

Como o enrocamento é um material livremente drenante, faz-se necessário a


utilização de um material menos permeável para fazer a vedação da barragem. Na
barragem de terra-enrocamento, esse material é o solo argiloso, que conforma um
núcleo na barragem, conforme Figura 15.

Figura 15 – Seção típica de uma barragem de terra-enrocamento

FONTE: Teixeira (2017)

Com a utilização desses materiais na barragem, o enrocamento é responsável


pela estabilidade dos taludes e a argila (terra) é responsável pela estanqueidade do
sistema.
Entre o núcleo e o enrocamento deve-se inserir camadas com granulometria
intermediária para que exista uma transição gradativa entre o tamanho dos grãos,
evitando o carreamento de materiais finos.
A estabilidade dos taludes também pode ser verificada pelo Método de Equilíbrio
Limite, porém os deslizamentos de taludes são menos comuns, devido ao alto ângulo
de atrito do enrocamento. A inclinação dos taludes varia entre 1,0V:1,3H a 1,0V:2,0H.
Esse tipo de barragem pode ser fundada em materiais soltos com
deformabilidade e resistência ao cisalhamento compatíveis com o material da barragem.
A Figura 16 apresenta a barragem de terra-enrocamento da usina hidrelétrica
Irapé, que é a barragem mais alta do Brasil com 208m de altura, no estado de Minas
Gerais.

Figura 16 – Barragem de terra-enrocamento da usina hidrelétrica Irapé (MG)

c) Barragens de enrocamento com núcleo asfáltico


A barragem de enrocamento com núcleo asfáltico é semelhante à barragem de
terra-enrocamento, porém o núcleo de terra é substituído por material asfáltico com
seção reduzida. Tal substituição pode ser feita quando não há disponibilidade de solo
para o núcleo ou quando as condições climáticas não favorecem a compactação do
mesmo.
A Figura 17 mostra a seção da barragem de enrocamento com núcleo de asfalto
da usina hidrelétrica de Foz do Chapecó, no estado de Santa Catarina. É possível
visualizar no centro da seção o núcleo de asfalto, protegido por camadas de transição
até chegar no enrocamento.

Figura 17 – Seção da barragem de enrocamento com núcleo de asfalto da usina hidrelétrica


Foz do Chapecó (SC)

FONTE: Mauro e Ruiz (2011)

Nesse tipo de barragem o enrocamento é responsável pela a estabilidade dos


taludes (elevado ângulo de atrito) e o núcleo asfáltico é responsável pela estanqueidade
do sistema.
A Figura 18 apresenta a construção do núcleo de asfalto e a Figura 19 o
barramento de Foz do Chapecó concluído.

Figura 18 – Execução do núcleo de asfalto da usina hidrelétrica Foz do Chapecó (SC)

FONTE: Mauro e Ruiz (2011)

Figura 19 – Barragem de enrocamento com núcleo de asfalto da usina hidrelétrica Foz do


Chapecó (SC)

d) Barragens de enrocamento com face de concreto


Nas barragens de enrocamento com face de concreto a função de vedação não
é exercida pelo maciço, mas por uma delgada camada de baixa permeabilidade
instalada na face de montante da barragem.
O material do maciço, enrocamento, não precisa ter baixa permeabilidade,
apenas atender aos princípios de estabilidade e de compatibilidade das deformações.
A face não é considerada um elemento estrutural do maciço, apenas um
elemento que promove e garante a estanqueidade do barramento, portanto, não
interfere na estabilidade da barragem.
Diversos outros materiais já foram empregados para a impermeabilização da
face, como: madeira, metal, concreto betuminoso, concreto e membranas poliméricas
(geomembranas).
A Figura 20 mostra a seção de uma barragem de enrocamento com face de
concreto, onde é possível notar que todo o corpo da barragem é de enrocamento,
havendo transições no talude de montante para apoio da laje de concreto.

Figura 20 – Seção típica de uma barragem de enrocamento com face de concreto

A Figura 21 apresenta a barragem de enrocamento com face de concreto da


usina hidrelétrica Governador Bento Munhoz da Rocha Netto, conhecida como Foz do
Areia, que foi a primeira barragem desse tipo a ser construída no Brasil e a maior do
mundo no gênero na época, com 160 m de altura e 828 m de comprimento, em 1980.

Figura 21 – Barragem de enrocamento com face de concreto na usina hidrelétrica de Foz do


Areia

O dimensionamento de qualquer um dos tipos de barragens de enrocamento é


feito através da análise de estabilidade dos taludes, semelhante às barragens de terra
(Final de construção, Regime permanente/operação, Rebaixamento rápido do
reservatório), no entanto o caso de carregamento de rebaixamento rápido normalmente
não é um problema, pois como o material do talude é drenante a linha freática desce
juntamente com o reservatório.
A resistência ao cisalhamento deve ser considerada com coesão nula e ângulo
de atrito variável com o nível de tensões confinantes. A resistência dos enrocamentos
difere da areia e do cascalho por exibirem fraturação e esmagamento para estados de
tensões muito baixos, portanto, o colapso e a fluência se tornam fenômenos
importantes.

4.3 Barragens mistas


Em um barramento podem existir diferentes tipos de barragem, conforme pode
ser visto na Figura 22 da usina hidrelétrica de Itaipu, constituindo barragens mistas.

Figura 22 – Arranjo do barramento da usina hidrelétrica de Itaipu

No Brasil, segundo dados do CBDB (2018), 63% das barragens existentes são
de terra homogênea, seguida pelas barragens de concreto gravidade e depois,
enrocamento (vide Figura 23).

Figura 23 – Tipos de barragens no brasil

FONTE: CBDB (2018)


A escolha do tipo de barragem a ser construída e o local de implantação depende
de diversos fatores, como:

 Topografia do local
 Condições geológicas e geotécnicas das fundações
 Desvio do rio
 Vertedouro
 Materiais de construção
 Clima e fatores hidrológicos
 Meio ambiente
 Prazo
 Custo

4.4 Barragens de rejeito


As barragens de rejeito servem para a retenção de resíduos sólidos e água
resultantes de processos de beneficiamento de minérios.
Normalmente são alteadas em várias etapas, utilizando-se o próprio rejeito como
material de construção. Esses alteamentos são feitos após o enchimento do reservatório
com o objetivo de aumentar a vida útil dos mesmos, utilizando-se a técnica do aterro
hidráulico, como pode ser visto na Figura 24.

Figura 24 – Rejeito transportado no estado líquido gerando aterro hidráulico

De forma geral, as barragens de rejeito são formadas por duas etapas, a primeira
etapa consiste na construção de um dique de partida composto de solo ou enrocamento
compactado e a segunda etapa corresponde à construção contínua e conjunta com a
operação da mina, através de alteamentos sucessivos executados com solos
compactados ou com a fração grossa do rejeito arenoso.
As barragens alteadas com o próprio rejeito tornam-se vantajosas devido ao
baixo custo, quando comparadas às convencionais.
Existem três métodos construtivos para o alteamento de barragens de rejeito,
conforme pode ser visualizado na Figura 25, são eles: montante, jusante e linha de
centro.
A escolha de um ou outro método de execução irá depender de uma série de
fatores relacionados ao tipo, características geotécnicas e nível de produção de rejeitos,
necessidade de reservar água, necessidade de controle de água percolada,
sismicidade, topografia, hidrologia, hidrogeologia e geologia local e custos envolvidos.

Figura 25 – Métodos construtivos de alteamento de barragens de rejeito

FONTE: Gomes (2009)

A Figura 26 apresenta a seção transversal da barragem I da Mina Córrego do


Feijão (Brumadinho/MG), alteada pelo método de montante, antes do seu rompimento
no dia 25 de janeiro de 2019, e a Figura 27 apresenta a barragem, que possuía 81m de
altura.

Figura 26 – Seção transversal da barragem de rejeito I da Mina Córrego do Feijão

FONTE: Pirete (2010)


Figura 27 – Barragem de rejeito I da Mina Córrego do Feijão

FONTE: Pirete (2010)

Essa barragem continha resíduos de mineração de ferro e sua ruptura ocasionou


graves danos ambientais e socioeconômicos a toda a Bacia do Rio Paraopeba,
deixando 242 mortos e 28 desaparecidos.
TIPOS DE BARRAGENS E CAUSAS DE ACIDENTES
Unidade 1

1. Barragens e segurança
As barragens trazem diversos benefícios, como o fornecimento de água para
abastecimento humano, para produção agrícola, para energia hidrelétrica e para usos
industriais e recreativos, além do controle de cheias e da disposição de rejeitos. No
entanto, elas podem gerar danos graves em caso de ruptura e desastres ambientais.
Visando a segurança de uma barragem, o objetivo seria eliminar o risco de
ruptura, mas como não se consegue alcançar isso totalmente, deve-se reduzi-lo o
máximo possível.
Diversos problemas são crescentes ao longo da vida útil da barragem, como:

 Envelhecimento das barragens


 Alterações hidrológicas e das condições de exploração
 Mudanças climáticas globais
 Tendência crescente da ocupação dos vales jusante
 Sociedades mais litigiosas e exigentes
 Intervenção progressiva de seguro
Além disso, diversos tipos de acidentes podem ocorrer, como:

 Erosão na barragem ou fundação (piping)


 Galgamento
 Falha na fundação
 Deterioração do concreto
 Erros de projeto e/ou construção
 Liquefação (barragens de rejeito)
Os acidentes ocorrem em barragens de diferentes idades, no entanto, a maior
frequência é durante o enchimento do reservatório.

2. Mecanismos de acidentes de barragens


2.1 Erosão interna (piping)
É o mecanismo de ruptura mais frequente em barragem de aterro e é mais
comum em barragens ou fundações constituídas de solos finos e de baixa coesão, nas
quais a água de percolação, ao atingir a superfície, no lado de jusante, tende a arrastar
as partículas constituintes e iniciar um processo de erosão interna, conforme Figura 28.
Como essa erosão evolui do ponto de surgência para montante,
regressivamente, a tendência é criar um conduto sob a barragem ou através dela, cuja
forma deu origem à denominação do fenômeno: piping.
Figura 28 – Início de um processo de piping no corpo de uma barragem de terra

Esse fenômeno inicia quando o gradiente hidráulico, no ponto de emergência


(gradiente máximo de saída) iguala ou ultrapassa o gradiente crítico. Ele pode ocorrer
na barragem, na fundação ou em locais que apresentem algum problema de geometria,
como o contato entre o solo e um filtro mal dimensionado. A Figura 29 apresenta a
ocorrência de piping em diferentes lugares na barragem.

Figura 29 – Piping ocorrendo na (a) barragem de terra, (b) na fundação da barragem de


terra, (c) no núcleo de argila da barragem de terra-enrocamento, (d) na fundação do núcleo da
barragem de terra-enrocamento

FONTE: Botura Neto el al (2007)

Em barragens de terra, os efeitos de infiltrações pela barragem são controlados


por meio de drenos verticais ou inclinados (drenos chaminé), continuados por drenos
horizontais construídos entre a fundação e o aterro (tapetes drenantes), conforme Figura
30. No caso de barragens de enrocamento, os filtros e transições devem ser usados
entre os diferentes materiais com o mesmo objetivo, conforme Figura 31.

Figura 30 – Seção típica de barragem de terra com filtros e drenos

FONTE: ANA (2016)


Figura 31 – Seção típica de barragem de terra-enrocamento com filtros

FONTE: ANA (2016)

Para evitar o piping pelas fundações, a permeabilidade das fundações pode ser
controlada ou diminuída por meio de injeções de impermeabilização, construção de cut-
offs, paredes diafragmas de cimento e argila, cortinas de estacas prancha ou tapetes
impermeáveis, conforme Figura 32.

Figura 32 – Exemplos de tratamentos de fundação

FONTE: Botura Neto el al (2007)

2.2 Galgamento (overtopping)


É um tipo de acidente causado devido à cheias não previstas em projeto.
Consiste em causa frequente de problemas em barragens de terra, por não
resistirem a passagem de água sobre elas. Um acidente desse tipo pode ser visto na
Figura 33.
Para que tal acidente seja evitado, deve-se projetar com segurança as estruturas
de desvio, descarregadores de cheia e borda livre.
Figura 33 – Ruptura de barragem de terra causada por galgamento

FONTE: Lauriano et al (2017)

2.3 Falha na fundação


O mecanismo de ruptura por falha na fundação pode acontecer em qualquer tipo
de barragem e normalmente ocorrem pela presença de algum material ou falha não
identificado nas investigações durante o projeto e construção da barragem.
As investigações geológicas e geotécnicas são fundamentais para o
desenvolvimento de um projeto eficiente de fundação da barragem. Essas investigações
devem definir o perfil geológico-geotécnico da fundação para posterior definição dos
tratamentos necessários para receber um barramento.
Quanto maior o carregamento imposto pela barragem melhor deve ser a
condição da fundação, portanto, barragens de concreto exigem, normalmente,
tratamentos de fundações mais pesados que barragens de aterro.
Em 1959, ocorreu um acidente bastante conhecido na barragem em arco de
Malpasset (França), causado pelo deslizamento de parte da fundação, correspondente
a uma cunha de rocha, ao longo de uma zona de fraqueza e de uma falha, na ombreira
esquerda, aparentemente motivado pelo desenvolvimento de subpressão.
Essa barragem era de arco dupla curvatura com 60m de altura, 1,5m de largura
na crista e 6,76m na base. Sua ruptura gerou uma onda de 40m de altura, com
velocidade de 70km/h, que deixou 423 mortos. A Figura 34 apresenta um desenho
esquemático da barragem com indicação do plano de falha e a Figura 35 apresenta a
barragem já rompida.
Figura 34 – Ruptura da barragem em arco de Malpasset (França)

FONTE: Botura Neto el al (2007)

Figura 35 – Barragem em arco de Malpasset (França) após ruptura

Os exemplos de alternativas em arco abandonadas são numerosos, devido à


constatação de defeitos geológicos, durante as investigações ou no início da
construção, pois esse é o tipo de barragem que transfere as maiores tensões à
fundação.

2.4 Erros de projeto e/ou construção


Podem ocorrer diversos tipos de erro de projeto ou de construção de uma
barragem, mas não são comuns acidentes causados por esses motivos.
Um tipo de acidente que pode ocorrer em barragens de aterro é o deslizamento
de taludes, que pode ser resultado da adoção de parâmetros de resistência do solo
inadequados para o material da barragem. Esse acidente pode ser visto na Figura 36.

Figura 36 – Deslizamento de talude em barragem de terra

O deslizamento de taludes ocorre quando as tensões cisalhantes, ao longo de


uma determinada superfície, ultrapassam a resistência dos materiais utilizados. São
mais comuns em barragens de terra do que enrocamento e, normalmente, se
relacionam com o desenvolvimento de poropressões elevadas.
Barragens de concreto também podem ter deslizamento por sua base ou por
algum plano de fraqueza da fundação, a adoção de parâmetros de resistência
adequados no contato entre os materiais envolvidos é fundamental para evitar esses
processos.
De modo geral, para todos os tipos de barragens, o risco de acidente tende a
decrescer ao longo da vida útil da barragem, no entanto, durante a fase de operação
podem ocorrer fenômenos lentos, como por exemplo:

 Percolações através do concreto, da argila compactada e de alguns tipos de


fundações devido à baixa permeabilidade desses materiais entre 10-5 a 10-8 cm/s
 Reação álcali-agregado que demora dezenas de anos para produzir seus efeitos
deletérios
 Fluência dos materiais em geral (concreto, argila e fundação)
Se essas situações se desenvolverem em uma região frágil ou com problemas
preexistentes podem provocar acidentes mesmo depois de vários anos de operação,
por isso é extremamente importante a auscultação e manutenção da barragem.

2.5 Liquefação
A liquefação pode gerar a ruptura de uma barragem, principalmente barragens
de rejeito, e consiste em um processo onde o material granular passa a se comportar
como um líquido.
Existem diversos métodos para determinação do potencial de liquefação de um
material, sendo que é o mais simples é analisando a granulometria do solo, conforme
Figura 37.

Figura 37 – Análise da suscetibilidade à liquefação através da curva granulométrica

FONTE: Terzaghi et al (1996)

A liquefação ocorre em solos granulares ou rejeitos saturados sob carregamento


não drenado com variação volumétrica nula, onde é gerado um excesso de poro
pressão, que gera um esforço do maciço para se deformar. Como a deformação está
impedida há uma redução imediata da tensão efetiva, responsável pela resistência ao
cisalhamento do material, que passa a se comportar como um líquido.
Em 05 de novembro de 2015 ocorreu a ruptura da barragem de Fundão, que
servia para a destinação de rejeitos de mineração de ferro, no distrito de Bento
Rodrigues - Mariana/ MG. O acidente causou graves danos ambientais e socio-
econômicos a toda a Bacia do Rio Doce e deixou 19 mortos e mais de 600 pessoas
desabrigadas.
Após o acidente foi realizada uma auditoria independente para avaliação das
causas, conduzido pelo Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, tendo como presidente
do estudo o Professor Norbert Morgenstern. No site www.fundaoinvestigation.com,
dedicado ao estudo são encontradas as informações descritas a seguir.
Concluiu-se que a ruptura foi ocasionada pela conjunção de três principais
ocorrências:

 Problemas de drenagem
 Recuo da ombreira esquerda
 Liquefação dos rejeitos arenosos
No projeto original da barragem de Fundão foi planejado depositar rejeitos
arenosos por detrás de um dique de partida em aterro compactado, em seguida, alteá-
lo pelo método de montante, conforme Figura 38. Essas areias, por sua vez, iriam reter
lama depositada por detrás delas de tal forma que os dois materiais não se misturariam.
Para preservar as características drenantes das areias, uma praia de rejeitos
com largura de 200 m foi especificada para evitar que lamas presentes na água se
depositassem perto da crista da barragem onde impediriam a drenagem. Além disso,
um sistema de drenagem de alta capacidade na base do dique de partida permitiria que
a água escorresse das areias, reduzindo assim a saturação.
Figura 38 – Projeto original da barragem de Fundão

No entanto, houve um primeiro incidente em 2009, logo após o término do dique


de partida, onde defeitos de construção na base do dreno de fundo causaram danos à
barragem (Figura 39) e o conceito original já não poderia ser implementado.

Figura 39 – Ocorrência de piping no dique de partida

O projeto revisado propôs como substituição um novo tapete drenante em uma


elevação superior (Figura 40), o que foi uma mudança fundamental no conceito, pois
uma saturação mais disseminada foi permitida e aceita. Este aumento no grau de
saturação introduziu o potencial para liquefação da areia.

Figura 40 – Novo tapete drenante em elevação superior

O segundo incidente ocorreu durante os anos de 2011 e 2012 com a deposição


da lama e gestão da água. Durante a operação, o critério de largura de 200m de praia
de rejeitos muitas vezes não foi executado, a água do reservatório chegou a até 60 m
da crista. Isso fez a lama sedimentar em áreas onde ela não deveria estar presente.
O terceiro incidente ocorreu no final de 2012 devido a um conduto da galeria
secundária. Esse conduto era de concreto e se localizava embaixo da ombreira
esquerda da barragem, mas foi considerado como estruturalmente deficiente e incapaz
de suportar a carga adicional dos alteamentos. A barragem não poderia ser alteada
sobre ele, até que tivesse sido abandonado e preenchido com concreto.
Para manter as operações, o alinhamento da barragem na ombreira esquerda
foi recuado da sua posição original, isto colocou o aterro diretamente sobre a lama
previamente depositada. Com isso, todas as condições necessárias para desencadear
a liquefação estavam presentes.
A
Figura 41 apresenta o recuo da barragem na ombreira esquerda e a lama sob
ela.

Figura 41 – Recuo da barragem de Fundão na ombreira esquerda

Durante o ano de 2013 apareceram diversas surgências e fissuras em várias


elevações na superfície do dique de recuo, conforme pode ser visto na Figura 42.

Figura 42 – Surgências e fissuras no dique de recuo da barragem de Fundão

Abaixo do dique havia presença de intercalações de lama, que é altamente


compressível e foi submetida a cargas elevadas. Com isso a lama passou por extrusão
lateral (deformação lateral) e as areias imediatamente acima, foram forçadas a se
acomodar a este movimento, experimentando uma redução na tensão horizontal. Esse
desconfinamento fez com que as areias adjacentes ficassem mais fofas.
Como todos esses problemas, a ombreira esquerda tinha atingido um estado
precário de estabilidade e noventa minutos antes do colapso houveram pequenos
abalos sísmicos. Modelagens computacionais mostraram que as forças do abalo
sísmico produziram um incremento adicional de movimentação horizontal na lama,
afetando as areias saturadas sobrepostas. É provável que essa movimentação adicional
tenha acelerado o processo da ruptura que já estava bem avançado. Dessa forma, o
colapso da barragem de rejeitos de Fundão por deslizamento fluido foi provocado por
liquefação.
Outro grande acidente recente com barragem de rejeitos no Brasil foi o da
barragem I da Mina Córrego do Feijão (Brumadinho/MG), no dia 25 de janeiro de 2019,
também causado por liquefação. No entanto, nesse acidente a liquefação foi estática,
causada por uma elevação na pressão neutra, e na barragem de Fundão a liquefação
foi dinâmica, tendo como gatilho os abalos sísmicos.

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