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Lua Valentia

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Copyright © 2020 por Lua Valentia
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OTELUMA – LUA VALENTIA
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Segunda edição: 2017

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Oh, Perséfone,
Minha Mãe, minha Rainha,
Tu és o verdadeiro templo vivo
Com tantos nomes, faces e fases
Tu me deste muitas vidas
Como a tua eterna sacerdotisa
Por ti, em ti e contigo
Tenho voz para exaltar-te
Tenho dedos para escrever-te
Danço para aclamar-te
Torno viva a tua palavra
Pois meus lábios sempre louvam o teu nome
Em minha língua há sempre o gosto das romãs
Em minha cesta há sempre papoulas, rosas e lavandas
Tua vestimenta é feita de ouro
E teu cabelo enfeitado de joias
Tua coroa é de flores, de terra e de ossos
Tua beleza é ornada de mistério, morte e ressurreição
Tu és a minha medicina, meu conforto e minha alegria
9
Todos os inimigos caem e agora sofrem e se lamentam
Pois tu também és a destruição, a lança e a ferida
Eu me purifico em ar, fogo e água
Para encontrar-te
Eu me enterro na terra
Para ressuscitar-me
Eu me purifico nos Mistérios
Para louvar-te
Khairé, Perséfone!
Salve, Primavera Divina!
Salve, Rainha das Rainhas!
Da tua filha,

Lua Valentia

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Teoria
Introdução / 13
O Mito de Perséfone / 19
Os Mistérios Eleusinos / 23
Perséfone como arquétipo / 53
Perséfone e sexo / 75
Perséfone e o feminismo atual / 79
Perséfone, a Deusa da Adaptação / 101

Prática
Tabela de correspondências de Perséfone / 111
Selo de Perséfone / 113
Óleo de Consagração de Perséfone / 114
O altar de Perséfone / 116
Modelo de qualquer ritual / 117
Ritual de dedicação à Perséfone / 123
Os Rituais Menores / 130
Os Rituais Maiores / 131
Evocações para Perséfone e sua família / 139
Fontes / 165

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A minha fascinação por Perséfone começou assim que li o seu nome pela primeira vez.
Fiquei então encantada com a sua história e fui pesquisar todas as fontes que pude encontrar a
respeito da mitologia greco-romana.
Houve uma conexão de imediato por Koré, seu primeiro nome, a Deusa da Primavera
bela e delicada que colhia flores e que foi brutalmente sequestrada pelo Rei do Submundo, Hades.
Após esta experiência traumática, Koré se transforma em Perséfone, a Rainha do Submundo.
Na época, as minhas fontes eram apenas acadêmicas, visto que eu não considerava cultuar
Perséfone como uma religião – no sentindo de me religar a uma força divina. Eu via como
mitologia e ainda não sabia sobre Magia do Caos e tampouco o uso mágicko e direcionado do
trabalho com arquétipos.
Quando tinha cerca de 17 anos, eu sonhei com Perséfone. Sua voz era delicada e forte ao
mesmo tempo. A Deusa do submundo me dizia que eu havia aberto diversos portais para o
inferno e que era minha obrigação fechá-los.
Eu fiquei com aquele sonho na minha mente e jamais me esqueci dele. Anos mais tarde,
meu amigo e mestre do Caos, Willian Lucas, me apresentou a Magia do Caos e disse que era a
minha única e exclusiva decisão sobre como e se eu gostaria de cultuar os deuses antigos.

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Estávamos num parque, comendo algodão doce. Eu fiquei deslumbrada. Então quer dizer
que eu realmente posso cultuar qualquer Deusa? As pessoas realmente fazem isso? Eu perguntei com uma
jovialidade digna de Koré.
Então decidi que iria me aprofundar ainda mais no arquétipo de Perséfone, no que ele
representava para mim e como cultuar esta Deusa tão imponente e misteriosa.
Para melhor compreendermos a Deusa majestosa, resolvi que iria abordar o tema a partir
de três esferas: a acadêmica, a arquetípica e a religiosa.
Na parte acadêmica, eu li e reli a literatura que cita Perséfone, tais como os escritores
clássicos Ovídio e Hesíodo e Homero. Eu recomendo que leia Hino Homérico de Deméter, a
Teogonia de Hesíodo e qualquer boa tradução que você encontrar.
Eu também traduzi artigos de historiadores contemporâneos que falam a respeito e
interpretam os textos clássicos. Na parte de “Outras Vozes”, eu coloco a maioria desses artigos
na íntegra.
Decidi assim fazê-lo, dando as fontes naturalmente, porque infelizmente não há muito
material em português. Como apenas cerca de 5% dos brasileiros realmente compreendem o
inglês, resolvi que deveria fazer um esforço a mais ao trazer o assunto para a minha língua
materna. Além disso, a importância de Perséfone é profunda para o mundo clássico, segundo o
site Ancient History Encyclopedia:
O culto a Perséfone era especialmente forte na Sicília e no
sul da Itália, e além dos mistérios eleusinos de Elêusis
havia santuários para a deusa em todo o mundo grego,
principalmente em Locri Epizephyrii, Mantinea,
Megalópolis e Esparta. Aqui as festividades anuais
celebravam o casamento de Perséfone e sua colheita de
14
flores. Thesmophoria era uma celebração grega da deusa e
de sua mãe. Exclusivo para as mulheres, era realizado
anualmente antes do período de semeadura, quando eram
feitos sacrifícios e os restos de porcos em putrefação eram
misturados com as sementes. Perséfone, em sua aparência
de rainha do submundo, era frequentemente apelada em
tábuas de maldição e nas folhas de ouro inscritas
enterradas com os seguidores mortos do orfismo, que
davam instruções sobre como se comportar na vida após
a morte1.
— Via Ancient History Encyclopedia

Esta parte acadêmica também revela muito sobre como Perséfone era representada para
os artistas da antiguidade.

Perséfone raramente aparece na arte antes do século VI


aC, e geralmente é mostrada com Deméter;
frequentemente ambos usam coroas e seguram uma tocha,
cetro ou talos de grãos. Uma famosa laje de alívio de
Elêusis do século V aC mostra Deméter e Perséfone
(segurando uma tocha) em ambos os lados de
Triptolemos. Está em exibição permanente no Museu

1
https://www.ancient.eu/persephone/

15
Arqueológico Nacional de Atenas. Na cerâmica de figuras
vermelhas do sótão durante todo o período clássico,
Perséfone é frequentemente mostrada sentada em seu
trono em Hades.

Afrescos no túmulo real do século IV aC em Aegae


(Vergina) em Pieria, na Macedônia, mostram Hades
sequestrando a deusa e explicam o popular rótulo de
'Tumba de Perséfone'. Uma descoberta espetacular
recente é o grande mosaico de seixos, medindo 4,5 por 3
metros da tumba helenística de Anfípolis, que novamente
mostra o deus Hades sequestrando Perséfone em uma
carruagem liderada por Hermes. O sequestro de Perséfone
por Hades também foi um assunto popular na escultura
romana, especialmente em sarcófagos, e continuou sendo
o mesmo para os pintores de óleo dos séculos XVIII e
XIX2.
— Via Ancient History Encyclopedia

Na parte arquetípica, eu li textos de analistas sobre a “mulher Perséfone”. Como a Deusa


apresenta no inconsciente feminino, de que forma ela realmente aparece na cultura geral.

2
https://www.ancient.eu/persephone/

16
Aqui também precisamos abordar as novas interpretações feministas sobre Perséfone,
uma vez que seu mito gira em torno do seu sequestro e possível estupro por Hades, temas muito
polêmicos e delicados que precisam de nossa atenção.
Necessitamos repensar o que o simbolismo deste mito representa para nós atualmente.
Afinal, como poderíamos cultuar uma deidade sem conhecer todas as suas facetas?
Recomendo, portanto, que você pegue a leitura dos clássicos com suas próprias mãos e
interprete o que lê da melhor maneira.
Por fim, escrevo sobre a parte religiosa. Muito do que eu escrevo é justamente a minha
interpretação a respeito de tudo que eu li, senti e vivi que se relaciona com Perséfone e seu mito.
Trata-se do meu culto pessoal e da minha própria interpretação. Eu não quero, com este
livro, colocar-me como especialista em Perséfone, Iniciada em seus Mistérios ou qualquer outra
questão deste porte.
Meu intuito é oferecer informação e prática atual de acordo com a perspectiva da Magia
do Caos, ou seja, criando assim meu próprio caminho e interpretação, não simplesmente fingindo
que este livro se trata de um reconstrucionismo helênico, pois isso seria falso.
A Magia do Caos me dá a liberdade de realmente tomar o mito em minhas mãos e
ressignificá-lo, criando assim práticas que condizem com a minha própria realidade pessoal.
Portanto, faça uso deste livro como bem entender, desde que de maneira sadia a
responsável, isto é, esteja ciente das suas próprias limitações, escolhas e decisões.

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“Feliz é o mortal que presenciou os Mistérios Eleusinos. Abençoados são seus olhos que os
viram, pois após a morte a jornada da sua alma será diferente daqueles que não foram
iniciados.”

— Homero

A cerca de 30 km ao norte da cidade de Atenas, estava a pequena cidade de Elêusis, em


grego Ἐλευσίς, uma região rica em campos de cevada e de trigo. Lá havia também o templo de
Deméter, Δημήτηρ, a Deusa da agricultura.
Em Elêusis eram realizados rituais de adoração a Deuses gregos. As principais Deusas
cultuadas eram Deméter e sua filha Perséfone (Deusa Invernal, Deusa da Primavera, Rainha do
submundo).
Os Mistérios, portanto, eram rituais centralizados na mitologia grega. A antiga religião
grega era cívica, ou seja, não havia separação entre "a igreja e o estado". O natural e o divino eram
indissociáveis. Portanto, os antigos gregos não precisavam provar a existência dos Deuses. Eles
eram politeístas, acreditavam em vários deuses. Também entendiam que os heróis estavam entre
mortais e deuses, (os chamados semideuses).
18
De fato, os Mistérios eram de suma importância. Sófocles, dramaturgo grego, disse:

"Apenas aqueles iniciados nos Mistérios eleusinos podem ter esperança no final de suas
vidas e pela eternidade".
— Sófocles

O filósofo Aristóteles também citou a felicidade dos iniciados em não se preocuparem


mais com o post-mortem.
Todos eram aceitos: homens, mulheres, crianças, estrangeiros, pessoas escravizadas, o
que aumentava muito a popularidade dos ritos. Para serem aceitas, todas as pessoas tinham que
saber grego de modo a entender o que se passava e nunca terem cometido assassinato.
Após os rituais, os iniciados sentiam conforto e felicidade. Os iniciados chegavam ao
êxtase, estágio mais alto de iniciação, conhecido como epopteia, em que tinham revelações divinas.
Para a Magia do Caos, estado semelhante é conhecido como gnose.
A origem dos Mistérios Eleusinos provém do mito de Deméter e Perséfone.
Perséfone, a princípio também é conhecida como Koré, é uma menina encantadora de
pés finos e olhos maravilhosos. À medida que cresce, sua beleza passa a ser reconhecida em todo
Olimpo. Vários deuses querem desposá-la, mas sua mãe rejeita todos os cortejos.
Hades, o Deus do Submundo, se apaixona pela primeira vez perdidamente. Pede
autorização para desposar Perséfone, o que lhe seria negado pela sua mãe Deméter. Ele então
pede autorização a Zeus, o Deus dos Deuses.

19
Hades rapta a bela moça enquanto ela colhia narcisos com suas irmãs. Quando Perséfone
desaparece, Deméter se desespera à procura pela filha.
Irada, Deméter deixa o Olimpo e se disfarça de uma velha senhora cujo apelido é Doso.
Ela então chega à cidade de Elêusis. Enquanto procura pela filha, a Deusa aceita um trabalho
como ama num palácio. Oferecem-lhe vinho, mas Deméter pede uma mistura de farinha e água
com poejo tenro (kukeôn).
Deméter cria o filho da soberana do palácio como um deus, pois queria torná-lo imortal.
Dentre as práticas para imortalizá-lo, Deméter colocava a criança em meio a brasas. Certa noite,
a mãe da criança viu seu filho arder e se desesperou. Deméter então não transforma o menino
num Deus.
Ela se cansa de seu disfarce, aparece em esplendor e ordena que construam um grande
templo em Seu nome. Então ela ensina à humanidade os ritos dos Mistérios. Ela deixa o palácio
e fica no Templo, desesperada pela ausência da filha. Por isso, ela seca a terra, seca as flores e
assim nasce o inverno.
A humanidade se desespera e pede a Zeus uma solução. Zeus exige que Hades devolva
Perséfone, mas Ela havia comido seis sementes de romã e deveria permanecer no submundo, tal
como estabelecia a regra. Deméter então envia Hermes, o Deus da Comunicação, para resgatar
Perséfone.
Hades finalmente autoriza o resgate de Perséfone, desde que ela voltasse ao Submundo
de tempos em tempos. Fica estabelecido então que Perséfone ficaria seis meses com sua Mãe
(época da Primavera) e seis meses com Hades (época do Inverno).
O objetivo dos rituais era morrer para renascer. Era preciso descer ao Submundo junto
com Perséfone para enfim retornar à vida e florescer com a Primavera.

20
Para que você tenha uma noção mais completa sobre como os Mistérios Eleusinos
funcionavam, resolvi traduzir alguns artigos acadêmicos que certamente irão complementar seus
estudos.
Você verá que tais artigos estão mais à direita do livro, seguindo o mesmo padrão em
todos os meus livros, para que você possa diferenciar aquilo que foi escrito por mim daquilo que
foi escrito por outros autores.
A minha ideia é jamais plagiar, copiar ou usurpar tais autores, mas sim incluir suas
pesquisas aqui de maneira evidente para que os falantes da língua Portuguesa tenham acesso a
ela.
O primeiro autor, Joshua J. Mark, é então professor acadêmico e filósofo. Já morou na
Grécia durante alguns anos e escreve para Ancient History Encyclopedia. No próximo artigo, o autor
aborda bastante sobre os eventos históricos dos Mistérios:

21
Os Mistérios Eleusinos: Os Ritos de Deméter3
Escrito por Joshua J. Mark
Traduzido por Lua Valentia

Os ritos de Elêusis, ou os mistérios eleusinos, eram os


rituais secretos da escola de mistérios de Elêusis e eram
observados regularmente a partir de c. 1600 aC - 392 dC
Exatamente sobre que era esse ritual místico não é
conhecido; mas por que os gregos antigos participaram
dele pode ser entendido pelos depoimentos dos iniciados.

Os Mistérios Eleusinos, realizados todos os anos em


Elêusis, Grécia, 24 quilômetros a noroeste de Atenas, eram
tão importantes para os gregos que, até a chegada dos
romanos, o Caminho Sagrado (o caminho de Atenas para
Elêusis) era o único caminho, não um caminho de cabras,
em toda a Grécia central. Os mistérios celebravam a
história de Deméter e Perséfone, mas, como os iniciados
juravam segredo sob pena de morte quanto aos detalhes
do ritual, não sabemos de que forma esses rituais
assumiram. Sabemos, porém, que aqueles que

3
https://www.ancient.eu/article/32/the-eleusinian-mysteries-the-rites-of-demeter/

22
participaram dos mistérios foram mudados para sempre
para melhor e que não mais temiam a morte.

Os rituais foram baseados em uma leitura simbólica da


história de Deméter e Perséfone e proporcionaram aos
iniciados uma visão da vida após a morte tão poderosa que
mudou a maneira como eles viam o mundo e seu lugar
nele. Os participantes foram libertados do medo da morte
pelo reconhecimento de que eram almas imortais
temporariamente em corpos mortais. Da mesma maneira
que Perséfone descia à terra dos mortos e voltava à dos
vivos todos os anos, todos os seres humanos morriam
apenas para viver novamente em outro plano de existência
ou em outro corpo.

Deméter e Perséfone
A história de Deméter e Perséfone é o mito mais
significativo da Grécia antiga, precisamente por causa de
sua influência nesse entendimento. Enquanto os contos de
Homero e Hesíodo informavam a cultura, e os relativos a
Héracles eram expressões significativas de valores
culturais, a história de Deméter oferecia algo que outros
mitos não podiam: uma visão da vida eterna e triunfo
sobre a morte.
23
Deméter, a deusa da natureza, teve uma filha, Koré (que
significa 'donzela'), que foi sequestrada e, segundo alguns
relatos, estuprada, por Hades, senhor do submundo.
Deméter procurou por Koré em todo o mundo em vão,
finalmente chegando a um poço na cidade de Elêusis. Lá,
disfarçada de velha, ela cuidava do filho da rainha,
batizando-o todas as noites no fogo para que ele fosse
imortal. Quando a rainha, certa noite, encontrou sua babá
colocando seu filho no fogo, ela ficou
compreensivelmente chateada — mas não tão zangada
quanto a deusa em luto que depois tirou seu disfarce e
revelou sua glória e sua ira.

Calma, enquanto o povo lhe construísse um templo em


Elêusis, Deméter ensinou ao filho da rainha, Triptolemos,
a arte da agricultura. Zeus, rei dos deuses, convenceu
Hades a devolver Koré à mãe, pois, na tristeza de
Deméter, as colheitas estavam morrendo, as pessoas
morrendo de fome, os deuses não recebendo seu tributo
costumeiro. Hades concordou, mas enganou Koré a
comer algumas sementes de romã e, se alguém comesse na
terra dos mortos, continuaria com os mortos.

24
Como ela só havia comido algumas, no entanto, foi
acordado que ela passaria metade do ano com Hades no
submundo e metade com sua mãe na terra. Koré emergiu
do submundo como Perséfone (“aquela que leva a
perdição”) a Rainha dos Mortos e, enquanto permanecia
na terra, Demeter fez com que o mundo fosse frutífero,
enquanto, quando Perséfone estava no submundo, as
plantas secavam e morriam; assim as estações foram
explicadas. Mais importante, porém, o mito refletia o
conceito de transformação e a natureza cíclica da vida. A
existência de uma pessoa não terminava com a morte
porque não havia morte; havia apenas mudança de um
estado de ser para outro.
Os Mistérios
Os rituais eram encenados duas vezes por ano. Havia os
Mistérios Menores, que ocorriam na primavera, e os
Mistérios Maiores, dos quais aqueles que haviam sido
purificados anteriormente participaram quando setembro
chegava. Eles caminharam pelo Caminho Sagrado de
Atenas até Elêusis, chamando o Koré e encenando a busca
de Deméter por sua filha perdida.

Em Elêusis, descansavam junto ao poço que Deméter


havia sentado, jejuavam e depois bebiam uma bebida de
25
cevada e menta chamada Kykeon. Foi sugerido que essa
bebida era infundida pelo fungo psicotrópico ergot e isso,
então, aumentava a experiência e ajudava a transformar o
iniciado. Depois de beber o Kykeon, os participantes
entraram no Telesterion, um "teatro" subterrâneo, onde o
ritual secreto ocorria. Provavelmente era uma encenação
simbólica da `morte 'e renascimento de Perséfone que os
iniciados assistiram e, talvez, participaram. O que quer que
acontecesse no Telesterion, aqueles que entrassem sairiam
na manhã seguinte radicalmente mudados. Praticamente
todos os pensadores e escritores importantes da
Antiguidade, todos que eram "alguma coisa", eram
iniciados nos Mistérios.

Os depoimentos
Platão, um iniciado (como Sócrates estava diante dele)
menciona os Mistérios especificamente em seu famoso
diálogo sobre a imortalidade da alma, o Fédon: "nossos
mistérios tinham um significado muito real: aquele que foi
purificado e iniciado deve habitar com os deuses "(69: d,
trad. da Igreja FJ). No mito de Er, o último capítulo da
República de Platão, um guerreiro chamado Er é morto
em batalha e vai para a vida após a morte, mas,
diferentemente dos outros que o acompanham, não bebe
26
as águas do rio Lethe que o levariam a esqueça sua vida na
terra e avançasse para a próxima.

Em vez disso, Er volta à vida no campo de batalha e conta


aos companheiros sobre o que viu no próximo mundo e
como é a morte. Ele deixa claro que a morte não é o fim
da vida, mas apenas o começo de outra parte da jornada.
Curiosamente, Platão nunca apresenta essa história como
um “mito”, como uma ficção, mas a trata como um relato
factual. A tradução do capítulo como o “mito de Er” tem
sido lamentável, pois deve ser realmente entendida como
o relato ou a história de Er. O relato de Er provavelmente
é um reflexo da visão que recebemos dos Mistérios.

Plutarco, escrevendo para sua esposa sobre a morte de sua


filha, diz: "por causa das promessas sagradas e fiéis dadas
nos mistérios ... mantemos firmemente por uma verdade
indubitável que nossa alma é incorruptível e imortal.
Comportemo-nos "(Hamilton, 179). Além disso, ele diz:
"Quando um homem morre, ele é como aqueles que são
iniciados nos mistérios. Toda a nossa vida é uma jornada
por caminhos tortuosos, sem saída. No momento em que
o zombamos, surgem terrores, tremendo medo, espanto.
Então, uma luz que se move para conhecê-lo, prados
27
puros que o recebem, cantos e danças e aparições sagradas
"(Hamilton, 179). Esta descrição é bastante semelhante ao
relatório dado por Er em sua conta.

Cícero escreve: "Nada é maior do que esses mistérios ...


eles não apenas nos mostraram como viver alegremente,
mas também nos ensinaram a morrer com uma esperança
melhor", e o historiador do século 20 Will Durant declara
os mistérios ". esse êxtase de revelação... eles sentiram a
unidade de Deus e a unicidade de Deus e da alma; foram
levantados da ilusão da individualidade e conheceram a
paz de absorção na divindade" (Durant, 189). O
historiador Waverly Fitzgerald resume claramente a
experiência: "Foi dito daqueles que foram iniciados em
Elêusis que não mais temiam a morte e parece que esse
mito confirma a visão cíclica da vida, central à
espiritualidade pagã: que a morte faz parte do ciclo de vida
e é sempre seguido de renascimento "(2). Todo
testemunho antigo reflete esse mesmo entendimento e
cada um tem o mesmo tom de libertação iluminada do
medo da morte.

Influência egípcia

28
Tão importante quanto um significado recém-encontrado
para a vida de alguém. Os iniciados reconheciam que suas
vidas tinham um propósito eterno e não estavam apenas
vivendo para morrer. A crença na transmigração de almas
- reencarnação - parece ter sido central para a visão dos
Mistérios, e isso proporcionou às pessoas uma sensação de
paz, pois elas teriam outra chance, muitas outras chances,
de experimentar a vida na Terra sob outras formas.

É bem provável que os Mistérios tenham sido


influenciados por crenças religiosas egípcias, que
entendiam a morte como uma transição para outra fase da
existência, não o fim da vida. Os egípcios mantinham essa
crença desde pelo menos o período dinástico inicial (c.
3150-c.2613 AEC) e, como havia contato entre as duas
culturas através do comércio, é provável que esse
entendimento egípcio tenha contribuído para uma
interpretação mais profunda do História de Deméter e
Perséfone e a visão dos Mistérios.

Embora a crença egípcia enfatizasse regularmente uma


vida após a morte ideal no Campo dos Juncos, um paraíso
que era uma imagem espelhada da vida da pessoa na terra,
também reconhecia a realidade espiritual da reencarnação,
29
assim como a maioria dos religiosos pré-cristãos. O tempo
era considerado cíclico, não linear, e era possível
reconhecer o padrão do universo através das mudanças
das estações e entender que, assim como árvores, grama e
flores morriam em uma estação e voltavam à vida em
outra, o mesmo ocorreria com os seres humanos.

O fim
Os Mistérios Eleusinos diferiam da prática religiosa
convencional, pois os iniciados estavam experimentando
em primeira mão o que os outros estavam ouvindo nos
templos. A adoração tradicional dos deuses foi fundada
em histórias contadas sobre como o universo funcionava,
a vontade dos deuses e o que esses deuses haviam feito. A
diferença entre esse tipo de experiência religiosa e a dos
mistérios seria a mesma de atuar em uma peça de teatro
em comparação com ouvir sobre uma performance; os
atores terão uma experiência muito diferente e mais
significativa. Mesmo assim, não há indicação de que os
iniciados desprezem as práticas religiosas tradicionais ou
se considerem superiores. Platão provavelmente o fez,
mas apenas porque ele já pensava que era melhor que seus
contemporâneos.
30
Os Mistérios foram decretados por mais de mil anos e,
naquele tempo, proporcionaram a inúmeras pessoas uma
compreensão maior da vida e do que esperava além da
morte. Os rituais foram encerrados pelo imperador cristão
Teodósio em 392 EC, quando ele viu os ritos antigos
como uma resistência inspiradora ao cristianismo e à
"verdade" de Cristo. À medida que o cristianismo ganhava
mais adeptos e poder, os rituais pagãos eram
sistematicamente eliminados, embora significados,
iconografia e simbolismo fossem apropriados pela nova fé
e transformados para apoiar a crença em Jesus Cristo
como o messias.

Os antigos locais de grande ritual e aprendizado pagão


foram abandonados, destruídos ou transformados em
igrejas durante os séculos IV e V dC. O templo de
Deméter e todos os locais sagrados de Elêusis foram
saqueados pelos cristãos arianos com Alaric, rei dos godos,
em sua invasão de 396 dC, deixando apenas ruínas e
escombros onde uma vez as pessoas do mundo antigo se
reuniram para experimentar visceralmente as verdades da
vida, da morte e a promessa de renascimento.
— Via Joshua J. Mark
31
Achei importante colocar a importância dos Mistérios para o cristianismo e o final do
texto, mas calma, vamos rever com maior detalhes como funcionam os Mistérios pela perspectiva
de uma outra autora:

Os Mistérios
Escrito em inglês originalmente por Gitana e traduzido por Lua
Valentia
Publicado originalmente no Rosicrucian Digest Volume 90
Número 2 2009

A cidade de Elêusis, a 20 quilômetros de Atenas, abrigava


os famosos mistérios eleusinos. As pessoas vinham de
todas as partes da Grécia para serem iniciadas neste culto
às “Duas Deusas”, Deméter e Perséfone. Os Mistérios
consistiam em duas partes, os Mistérios Menores, que
eram realizados na primavera (mês ateniense de
Anthesterion) e os Mistérios Maiores, que ocorriam no
outono (mês ateniense de Boedromion).

Os Mistérios Menores
Os Mistérios Menores podem ser mais bem caracterizados
como uma purificação preliminar pela qual um candidato
32
deve passar antes de participar dos Mistérios Maiores. [1]
Até Sócrates comenta que não é permitido que se inicie
nos Mistérios Maiores sem antes ter sido iniciado no
Menor. [2] Plutarco escreveu que “nas iniciações
misteriosas se deve suportar as primeiras purificações e
eventos perturbadores e esperar que algo doce e brilhante
saia da atual ansiedade e confusão”. [3] Os gregos antigos
acreditavam que a participação na Mistérios foi de grande
importância, pois era o culto mais popular da Grécia
antiga. Platão explica que “quem chega a Hades como um
iniciante e não participante dos ritos de iniciação ficará na
lama, mas aquele que era purificado e participava dos ritos
de iniciação, ao chegar lá, habitará com os deuses . [4]
Os estudiosos têm motivos para acreditar que, antes do
século V aC, esses rituais de purificação aconteciam no
pátio da Telesterion Eleusinian. [5] No entanto, também
havia rituais de purificação muito semelhantes que
estavam ocorrendo em Atenas, perto do rio Ilissos. Por
volta de meados do século V, os oficiais sagrados de
Elêusis decidiram que as purificações atenienses poderiam
servir como o pré-requisito necessário para os Mistérios
Maiores. [6] Assim, uma nova tradição começou, na qual
os candidatos passaram pelas purificações iniciais em
Atenas na primavera. [7] No outono do ano seguinte, eles
33
foram elegíveis para participar dos Mistérios Maiores de
Elêusis. A única mudança nessa tradição foi em 215 AEC,
quando os oficiais acrescentaram uma repetição opcional
dos Mistérios Menores. [8] Essa repetição foi realizada no
mês anterior aos Mistérios Maiores, e foi aberta a qualquer
um que viajasse para Atenas, mas perdeu a oportunidade
de participar dos ritos da primavera, ou simplesmente para
acomodar o grande número de pessoas que desejavam ser
iniciadas. Isso continuou até o século IV dC, quando os
mistérios e todas as outras práticas pagãs foram proibidas
pelo imperador cristão. No entanto, um pequeno templo,
que ainda estava de pé em meados da década de 1700,
pode ter sido um dos templos onde os Mistérios Menores
foram mantidos. [9]

Os rituais dos Mistérios Menores eram frequentemente


chamados de míese, em oposição aos ritos Maiores, que
eram chamados de epopéia. [10] A palavra myesis significa
“ensinar” e também “iniciar”. [11] Epopéia tem um
significado semelhante, mas com uma diferença
importante; significa “testemunhar” e “ser iniciado”. As
pequenas diferenças nessas duas palavras explicam uma
diferença fundamental no que aconteceu aos iniciados
durante esses dois conjuntos de rituais. Nos Mistérios
34
Menores, os candidatos aprendiam a teologia das Duas
Deusas e o significado dos ritos dos Mistérios. No entanto,
nos Mistérios Maiores, eles podiam experimentar o que
haviam aprendido e, no final do festival de uma semana,
tinham até uma visão de Perséfone. Clemente de
Alexandria escreveu: “Os mistérios dos gregos começam
com a purificação. Existem os Mistérios Menores, que têm
uma função de ensino e preparação para os Mistérios
futuros, e os Mistérios Maiores dizem respeito a tudo,
onde não é mais uma questão de aprender, mas
contemplar e ponderar a natureza e as realidades
concretas. ”[12] certamente todos sabemos que uma coisa
é explicada a você, mas outra é experimentá-la em primeira
mão.

Obras de arte sobreviventes oferecem pistas


O que exatamente foi ensinado aos iniciados não sabemos.
Como também aconteceu com os Mistérios Maiores, os
iniciados eram obrigados a manter um voto de silêncio em
relação ao que ouviram e viram durante os rituais. Temos
a sorte de ter algumas obras de arte sobreviventes que
retratam algumas cenas desses rituais de purificação. Isso
é mais interessante, porque são retratadas cenas

35
mitológicas nas quais Héracles está passando pelos ritos
dos Mistérios Menores.

Pode-se lembrar que, dos Doze Trabalhos de Héracles, a


tarefa final era ele ir ao Submundo para o temido cachorro
de três cabeças, Cérbero. [13] Essa era uma das tarefas
mais impossíveis, pois nenhum mortal havia viajado para
o submundo antes e retornado. Ao fazer essa jornada,
Héracles ficou cara a cara com a deusa Perséfone. A única
maneira pela qual Héracles poderia estar diante da rainha
do submundo, e ainda assim poder sair, era se ele já havia
sido iniciado em seus mistérios. [14] Em uma peça de
Eurípides, Héracles diz: "Eu consegui porque vi as ações
sagradas em Elêusis". [15] Segundo o mito, os rituais de
purificação dos Mistérios Menores foram realmente
inventados para o bem de Héracles. [16] Como era padrão
em qualquer ritual religioso, não era permitido participar
se manchado com míasma ou impureza ritual. Entre
outras coisas, o assassinato foi considerado um ato que
trouxe míasma a uma pessoa. Héracles certamente matou
pessoas e monstros. Para livrá-lo do míasma, certos rituais
de purificação precisavam ser realizados. Assim, os
Mistérios Menores foram criados, ou assim a história
continua.
36
Voltamos agora à obra de arte que descreve o ritual de
purificação. Se olharmos para a urna de Lovatelli,
podemos ver claramente três ações rituais distintas. A
primeira cena mostra Héracles segurando um porco sobre
um altar baixo. Este altar é chamado eskhara e é usado ao
fazer oferendas a divindades ctônicas. A partir disso,
podemos inferir que a oferta foi dada a Perséfone. Na
outra mão, ele segura uma pilha de bolos redondos,
chamados pelanoi, que serão oferecidos a seguir. [17] O ato
real de oferecer os pelanoi, no entanto, não é descrito na
urna. Também vemos um sacerdote derramando uma
libação, provavelmente de água, neste mesmo altar. Ele
também está segurando uma bandeja de oferendas. Os
itens não são claramente distinguíveis, mas Kerényi sugere
que são papoulas. [18] As papoulas são um símbolo
comum nas imagens de Deméter e Perséfone. Diz-se que
Deméter usou papoulas em um esforço para esquecer sua
tristeza pelo sequestro de Perséfone por Hades. A flor
também é vista em conexão com Perséfone e outros
deuses ctônicos devido aos seus potenciais efeitos letais.
No entanto, os itens na bandeja do sacerdote também
podem ser romãs, bolos esféricos ou queijo, que Clemente
de Alexandria diz que são oferecidos durante os Mistérios
37
Maiores. [19] Realmente não sabemos ao certo. Foi após
essas ofertas que o iniciado recebeu certos mitos, que
Sócrates diz serem inapropriados para contar às crianças
[20], e os significados deles foram explicados.

Na próxima ação na urna, vemos Héracles velado em um


assento, com uma sacerdotisa segurando algo sobre sua
cabeça. O assento é coberto com o velo de um carneiro,
às vezes chamado de "velo de Zeus". Sabemos de qual
animal ele vem, pois os chifres da cabeça do carneiro são
visíveis aos pés de Héracles. No Hino Homérico a
Demeter, ela também se senta no velo de um carneiro
enquanto lamenta o sequestro de sua filha Perséfone. [21]
De acordo com uma pesquisa geral da literatura grega, um
carneiro é o animal sacrificial mais frequentemente
mencionado apresentado a Perséfone. Talvez o carneiro
tenha sido sacrificado pouco antes do iniciado se sentar no
velo do animal. Não podemos ter certeza, pois o ato de
sacrificar o carneiro não é mostrado na urna.

Héracles também tem um pano pendurado na cabeça e nas


costas, que cobre o rosto e o impede de ver. Enquanto o
38
iniciado é incapaz de ver, ele ou ela é liderado por um
mistagogo. [22] Esse ato de cobrir os olhos de um iniciado,
seja com um pano, venda nos olhos ou por outros meios,
é uma característica comum das cerimônias de iniciação ao
longo da história e através das culturas. Kerényi explica sua
importância na seguinte passagem:

Herakles está sentado com a cabeça totalmente coberta: os Mysteria


começam para os mystes quando, como sofredor do evento
(muoúmenos), fecham os olhos, voltam a cair como se estivesse em sua
própria escuridão, entra na escuridão. Os romanos usam o termo
“entrar”, in-itia (no plural), não apenas para essa ação inicial, o ato
de fechar os olhos, a mese, que é exatamente representada como initio,
mas para os próprios Mysteria. Um festival de entrar na escuridão,
independentemente de qual questão e ascensão essa iniciação possa
levar: é isso que os Mysteria eram, no sentido original da palavra.
[23]

Algumas páginas depois, ele também escreve: “É na


tríplice escuridão - a escuridão do véu, a das noites
sagradas em Agrae e Elêusis, e sua própria escuridão
interior - que os mitos encontram o caminho de volta ao
seu próprio sofrimento, e conceber a maternidade. ”[24]

39
Também vemos a sacerdotisa segurando um leque, ou
liknon, sobre a cabeça de Héracles. Este é um tipo de cesto
usado para separar o joio do trigo. Sua conexão com
Deméter e Perséfone, deusas do grão, é óbvia. A ação
também pode ser descrita como um tipo de magia
simpática. O trigo é purificado, e o iniciado também. O
liknon também é um símbolo comum no culto de
Dionísio. Nesse contexto, separar o joio do trigo torna-se
uma metáfora para separar a alma de seu invólucro
externo, o corpo. [25] Embora esse ensino seja mais órfico
do que eleusino, parece que a metáfora ainda é aplicável.
Um autor antigo diz que Musaeus, filho de Orfeu, já foi
um dos principais sacerdotes de Elêusis. [26]

Purificação por Água, Ar, Fogo


Nesse ponto, o ritual de purificação está completo.
Segundo um autor antigo, os iniciados foram purificados
pelos elementos da água, do ar e do fogo. [27] Vimos a
água na libação do sacerdote, o ar com o canhão e o fogo
das tochas e no altar. Agora, em um estado de pureza, o
iniciado pode se aproximar da deusa. Na cena final na
urna, vemos o iniciado caminhando em direção a Deméter
sentada. Ela está sentada na pista, a cesta que contém os
instrumentos rituais dos Mistérios Maiores. O novo
40
iniciado se aproxima e estende a mão direita para tocar a
cobra. Sobre esse ato, Burkert diz: “Uma serpente
serpenteia do kiste até o colo de Deméter, e os mitos,
distinguidos por seu feixe de galhos, são vistos tocando
essa cobra sem medo - transcendendo a ansiedade
humana, se livrando e relaxando em uma esfera divina...”
A cobra representa mistérios em geral. De fato, é um
símbolo tão comum associado a vários cultos misteriosos,
que até aparece na capa do livro de Burkert, Cultos
Antigos de Mistério. Buscar a cobra indica que o iniciado
está pronto para receber os Mistérios. Observe que
Deméter não está entregando a cobra para ele. Na verdade,
ela está se afastando dele e olhando para trás, para
Perséfone que se aproxima. Deméter permanece sentada
na pista, pois esses itens não serão revelados até os
Mistérios Maiores. Ela também fica entre o iniciado e
Perséfone, outra indicação de que todo o processo de
iniciação ainda não foi concluído.

Pode-se também ver cenas quase idênticas retratadas em


um sarcófago de Torre Nova. Representam-se o
derramamento de libações sobre um altar baixo,
oferecendo bandejas, o iniciado velado em uma cadeira,
41
com a sacerdotisa em pé atrás dele, e Demeter sentado na
pista com a cobra no colo. Podemos dizer com quase
certeza que essas ações, portanto, devem ter sido
realizadas durante os Mistérios Menores.

Pode parecer estranho para alguns que haja rituais de


purificação separados aos quais alguém tenha que passar
antes de ser admitido nos Mistérios Maiores. No entanto,
quase todas as religiões misteriosas têm rituais
preliminares de purificação que devem ser submetidos
antes que o contato próximo com o Divino seja permitido.
Além disso, deve-se ter em mente que a deusa Perséfone
está sempre associada à pureza. Um de seus epítetos é
hagne ou "pura". O termo "cria um campo de forças que
exige reverência e distância". A linha de abertura de uma
das Pastilhas de Ouro Órficas de Thurii diz: “Puro eu
venho do puro, Rainha dos que estão abaixo.” Para uma
deusa cuja própria pureza está além da medida, é preciso
tomar precauções extras ao se preparar.
— Via Gitana

42
[

43
Agora que já traçamos o perfil acadêmico de Perséfone, iremos analisar o que seu mito
significa para a psicologia. A psicologia analítica define que arquétipo é um modelo, paradigma,
que deve ser sempre interpretado dentro de um contexto.
Para Jung, este modelo é algo primitivo que existe no inconsciente coletivo e que se revela
através dos mitos, contos e lendas de um povo. Por isso, aqui iremos falar a respeito da mulher
Perséfone, ou seja, aquela que carrega muito das características de Perséfone, que, portanto, se
identifica com sua história.
Será que você, por exemplo, tem muito de Perséfone no seu inconsciente? Qual Deusa
está mais presente em sua mente? Com qual temperamento divino você se identifica mais? Quais
são os mitos que me mais te chamam a atenção e que de uma forma ou outra retornam em sua
vida?
No site Goddess Archetype, a autora Nancy trata a questão das deusas mais comuns e como
seus arquétipos se manifestam atualmente na psiquê. A seguir, traduzo a parte sobre Perséfone.
Cabe entender que aqui tratamos da análise e opinião da autora. Leia com cuidado e tire suas
próprias conclusões.
Perceba que alguns detalhes do mito são diferentes e interpretados doutras formas. Isto
acontece porque até mesmo os poetas e filósofos antigos tinham interpretações diferentes sobre
o assunto.

44
Perséfone como arquétipo
Escrito por Nancy em Goddess Archetype
Traduzido por Lua Valentia

Uma breve visão psicológica de Perséfone

Perséfone — possui um temperamento introvertido


(oposto a Hera) com questões de controle / poder interior
do mundo — ela representa a deusa do submundo —
preocupada com o mundo do espírito, o oculto, assuntos
associados à morte. Ela é mística, visionária e muitas vezes
possui guias espirituais. Sua consciência é difusa.
Perséfone pertence à deusa "vulnerável", orientada para o
relacionamento, que tem um relacionamento muito
próximo com sua mãe, Deméter. Outro aspecto de sua
vulnerabilidade, Perséfone foi sequestrada, levada ao
submundo e estuprada por Hades. Sua mãe, Demeter,
chorou tristemente diante do sequestro.

Dizem que Perséfone tem uma contrapartida mais jovem


- Koré - outro nome para a jovem Perséfone.
Psicologicamente, isso pode ser uma representação de dois
ou três níveis desse arquétipo: Koré, a Donzela, Perséfone
(ou Deméter), a Mulher madura, e Hécate, a Sábia Crone.
45
A mulher do tipo Perséfone é mais atraída pela natureza
espiritual do que pela fisicalidade de seu parceiro. Ela pode
inconscientemente atrair relacionamentos destrutivos ou
parceiros potencialmente controladores. Como medida de
proteção inconsciente, ela pode escolher uma alternativa
segura em um parceiro mais jovem e não ameaçador, a
quem possa ser mãe.

As antigas deusas olímpicas —


um olhar mais profundo

Perséfone - representa o arquétipo feminino do místico


mediúnico, conectado ao mundo espiritual. Ela também é
a criança arquetípica - irradiando otimismo e boa
esperança.

História mitológica: Koré, filha de Deméter, foi o aspecto


inaugural de Perséfone. Koré, a donzela, foi sequestrada
(por sugestão de Zeus) e estuprada por Hades e forçada a
ser sua esposa. No mito de Perséfone, o jovem Koré
46
estava colhendo flores em um campo quando Hades, seu
tio e deus do submundo, a sequestrou para ser sua rainha
no mundo escuro abaixo. A deusa Hécate, fortemente
associada ao lado escuro da lua e à bruxaria — foi a única
a testemunhar o sequestro de Koré. Ela ouve os gritos de
Perséfone, mas não faz nada para ajudar e, além disso, não
procura ajuda de outras pessoas.

Koré estava extremamente infeliz na escuridão do


submundo. Ela também sentia terrivelmente a falta de sua
mãe, Deméter, pois tinham um vínculo mãe-filha tão
íntimo. Koré foi finalmente autorizada a se juntar à mãe,
que havia arranjado a libertação de Perséfone. No entanto,
Perséfone era obrigada a retornar a cada outono para
passar quatro meses de cada ano no submundo como
consorte de Hades porque ela havia comido quatro romãs.
Pensa-se que Koré como 'donzela', Deméter como 'mãe' e
Hécate como 'sábia' representam, nos tempos mais
antigos, a natureza tríplice de Perséfone nos vários ciclos
de vida de uma mulher.

Psicologicamente, Perséfone está imersa no inconsciente


coletivo — absorvida e moldada por ele. Ela interpreta
esses aspectos "inaceitáveis" em seu ambiente, que outros
47
não reconhecerão — portanto, ela ativa o que os outros
consideram perigoso — e isso se torna seu problema
pessoal. Perséfone funciona como vidente, curandeira. Ela
pertence à categoria de "deusa vulnerável" — sofrendo
dores nos relacionamentos — humilhação por sequestro e
estupro. Sua consciência é difusa, absorvendo tudo, em
vez de focada.
Para os romanos, Perséfone era conhecida como
Proserpina.

Características da mulher Perséfone

➢ Normalmente, a mulher Perséfone possui um


rosto jovem em qualquer idade.
➢ Ela é do tipo mais agradável, cuja tendência não é
inclinada à franqueza assertiva.
➢ Sua natureza — simpática, altamente sintonizada
com os sentimentos e necessidades das pessoas
➢ Ela é receptiva às necessidades dos outros — tem
dificuldade em dizer "não" — dificuldade em
reconhecer e afirmar seus próprios limites.
➢ Direcionalmente insegura, sem solidez de
propósito possuída por suas irmãs deusas virgens.

48
➢ Natureza pensativa e intuitiva ao invés de mente
intelectual — dificuldade em "explicar" seu
raciocínio, pois é uma percepção intuitiva.
➢ Menos à vontade com / em seu corpo e
sexualidade do que outros tipos de deusas.
➢ Forte conexão com o espírito — ambivalência
profunda em relação ao mundo exterior e seu
sentimento de ser incompreendida e alienada da
sociedade convencional.
➢ Um tipo principalmente de Perséfone,
profundamente sensível, possui tipicamente uma
estrutura frágil do ego, portanto, facilmente
dominada por sentimentos e impressões de seu
inconsciente.
➢ O tipo de Perséfone tem dificuldade em
discriminar e tem dificuldade em colocar suas
impressões em palavras.
➢ Forte capacidade de atravessar para outros reinos
da consciência psíquica — muito à vontade no
mundo além dos sentidos físicos.
➢ Atraída para o trabalho metafísico, curativo,
intuitivo e orientada a serviços.

49
➢ Por natureza, ela é reclusa / recuada, secreta,
possuindo um sistema sensível que exige tempo
longe da estimulação externa.
➢ "Submundo" entendido como 'inconsciente' —
então, Perséfone foi sequestrada no 'inconsciente'
— para lidar com aspectos de seu próprio material
inconsciente pessoal e também o inconsciente
coletivo.
➢ Ela experimenta episódios de depressão e / ou
ataques misteriosos e difíceis de diagnosticar
➢ Um tipo principalmente de Perséfone não é
promíscuo. Ela pode ser involuntariamente atraída
por parceiros que tentam dominá-la / controlá-la.
Como proteção, ela pode mudar para amantes
muito mais jovens, com quem pode ser mãe e se
sentir segura.

Desafios enfrentados por Perséfone


Perséfone (Koré) foi forçada a viver no submundo por
parte do ano. Da mesma forma, é necessário que a mulher
Perséfone reconheça e visite seu próprio submundo
interior — seu lado sombrio — a consequência dessa fuga
é a exposição a um sofrimento considerável:

50
➢ propensa a atrair pessoas com problemas graves
ou comportamentos possivelmente abusivos;
➢ propensa a doenças misteriosas difíceis de
diagnosticar ou tratar;
➢ sensação de profunda alienação, isolamento,
depressão;

Indicadores de que a mulher Perséfone não completou


suficientemente sua descida ao "Hades":
➢ sempre usa uma jovem 'máscara facial' que desafia
sua idade real até a meia-idade;
➢ ela pode tender a usar os cabelos longos e soltos
na moda jovem, mesmo na meia-idade;
➢ ela tende a usar roupas floridas ou femininas —
ainda não tendo amadurecido seu senso de si nos
aspectos mãe / velha dessa deusa

A tarefa de Perséfone é retornar à Mãe — retornar à


deusa madura que agora conhece separação, sexualidade e
morte. De fato, as duas deusas são uma — de fato, são
três: a donzela, a Mãe e a sábia Crone. O ciclo da vida e da
morte precisa ser abraçado — dualidades como a luz e a
escuridão. Quando a mulher Perséfone tenta apagar/negar

51
a consciência de seu lado sombrio: raiva, rancor — ela
continua sendo a donzela incompleta. A Perséfone madura
que retornou de sua jornada no submundo viu tudo; ela
une nascimento e morte dentro de si mesma. Ela se tornou
a mulher sábia, alegre, mas também tendo acessado sua
raiva reprimida, ainda mantém sua juventude como uma
mulher idosa e madura.

O lado sombrio de Perséfone — a vítima arquetípica —


pela qual ela se sente impotente no meio de suas
circunstâncias — ou sofredora/mártir — "sobrevivendo"
pela simpatia dos outros — e, por outro lado — Hécate
— a bruxa e assassina — a alguém que ignorou os gritos
de Perséfone - raiva inconsciente e reprimida que é
projetada nos outros
A ferida de Perséfone — uma mulher excessivamente
identificada com o arquétipo de Perséfone se verá
repetidamente atraída por situações, pessoas ou problemas
de saúde que diminuem seu senso de poder pessoal. Essas
situações/eventos não parecem ser de sua autoria -
parecem acontecer com ela, do nada. No entanto, ela
parece fortemente atraída por esses acontecimentos, de
novo e de novo, e causa seu sofrimento repetido.

52
A tarefa de Perséfone
Unir os lados escuros e claros da deusa dentro de si —
abraçar cada vez mais a vítima / mártir sofredora em sua
consciência. Resolver o problema dela com relação ao
poder. Disposição de olhar para o rosto desse sofrimento
e entender sua relação com ele — não de um lugar de
culpa, e sim de empoderamento. Reconhecer que um
apego tão forte à Luz lança uma sombra muito escura.
Perséfone deve renunciar a seu eu de solteira (a persona
adorável, agradável e gentil com seus ideais elevados e
apego à 'inocência' e renunciar a seu desamparo) —
permitindo sua morte — enquanto ela desce para se
encontrar com Hades - e, eventualmente, emergindo como
a Mulher - em reconhecimento ao seu poder que ela agora
aceita - não projetando mais esse poder nos outros.

Dons de Perséfone
Sua receptividade, intuição, empatia com o sofrimento
dos outros, seus aguçados poderes de imaginação,
inspiração, capacidade de ler os corações e mentes dos
outros. Perséfone, uma vez amadurecida através de seu
próprio trabalho interior, é o guia para o Submundo.

Personalidade de Perséfone
53
Quando criança e adolescente:
➢ Calma, despretensiosa, complacente, ansiosa por
agradar — semelhante a um salgueiro — tenderá a
se curvar com as circunstâncias ou em relação a
personalidades mais fortes ao seu redor.
➢ Introvertida, imaginativa, muitas vezes vive em seu
'pequeno mundo' de faz de conta, talvez como
uma estratégia para escapar do desagrado que ela
experimenta em seu ambiente familiar.
➢ Ela costuma preferir brincar sozinha.
➢ Ela gosta de sua solidão, uma criança Perséfone
pode ser encontrada sonhando acordada, ouvindo
música.
➢ Incerta de suas preferências, dificuldade em tomar
decisões.
➢ A criança Perséfone costuma ser a criança
“problemática” da família ou bode expiatório
porque suas sensibilidades não estão em
conformidade com as normas da família.
➢ A criança Perséfone frequentemente enfrenta
trauma na infância, emocional e/ou físico.

Como mulher madura:

54
➢ A Perséfone madura se envolveu com a donzela,
Koré, aspecto de sua natureza. Ela está
aprendendo a "dizer a verdade" — em vez de
evitar e/ou mentir para outras pessoas com medo
de desagradá-las. Ela está aprendendo a
estabelecer limites saudáveis — dizendo "não", em
vez de agir de maneira manipuladora, indireta ou
culpada para atender às suas necessidades —
evitando conflitos.
➢ A Perséfone madura está aprendendo a cuidar de
si mesma, aprendendo a atender às suas próprias
necessidades, com responsabilidade, ao entender
agora como ela culpou os outros no passado.
➢ Perséfone madura está desenvolvendo um
relacionamento consciente com seu "homem
interior", em termos junguianos, seu animus, o que
significa desenvolver sua natureza assertiva/ ação.
➢ A Perséfone madura encontra valor e significado
no ritual espiritual.
➢ A Perséfone madura que passou por sua
experiência transformadora em Hades está agora
equipada para guiar outras pessoas em sua descida
ao submundo. Ela é muito compassiva, intuitiva e

55
sabiamente guia os outros a se conectarem com
sua própria profundidade e significado.
➢ A Perséfone madura pode ser encontrada
trabalhando como curandeira, terapeuta,
herbalista, leitora de tarô, astróloga, escritora,
fotógrafa, musicista, médica intuitiva, jardineira.
➢ Perséfone requer tempo 'sozinha' suficiente para
regenerar suas energias, porque ela absorve as
vibrações/ emoções das pessoas ao seu redor.
Música, natureza e experiências místicas
recarregam suas baterias.
➢ Como mãe, Perséfone pode estar conectada aos
filhos de maneiras intuitivas, psíquicas e menos
focada em sua fisicalidade.
— Via Nancy

Há muitas questões neste texto que se focam muito na versão da Perséfone que
não se curou após a descida do Hades. Está bem claro que, na visão de Nancy, a maioria
que carrega este aspecto não se curou emocionalmente ou psicologicamente.
O texto de Nancy é excelente, porém é um tanto incompleto porque não se foca
muito na mulher Perséfone que se transforma na Rainha do Submundo. Nancy se
esquece da questão do empoderamento de Perséfone e no quanto ele influencia nas
decisões do inconsciente.

56
Sim, o texto cita a questão de a mulher Perséfone ser uma curadora, até mesmo
poder se dedicar à medicina ou à psicologia, porem não fala sobre sua sexualidade ou
empoderamento, citando o último apenas brevemente.
A mulher Perséfone é muito ligada ao glamour sombrio, geralmente voltada para
temas góticos com toques florais e da realeza. Um bom exemplo contemporâneo é a Dita
Von Teese, artista burlesca, que foi casada com o músico Marilyn Manson.
Dita é empresária e escreveu livros sobre beleza, elegância e comportamento. Ela
se separou de Marilyn Manson por não suportar o comportamento abusivo e constante
uso de drogas de seu ex marido.
Ela ainda mantém uma face jovial que não deixa transparecer a sua idade,
aparentando ser muito mais jovem do que realmente é. Ela gosta de brincar com temas
de glamour, com sensualidade e fantasias, tudo isso sempre com toques sombrios. Em
termos estéticos, ela representa bastante a mulher Perséfone.
Dita nasceu naturalmente loira, porém colore seus cabelos de preto. Usa sempre
um batom vermelho, que é a sua marca principal. Ela gosta de usar roupas e acessórios
que lembram as décadas passadas e ainda mantém uma presença forte de BDSM (bondage
e disciplina, dominação e submissão, sadomasoquismo).
Mais um exemplo que segue o mesmo tipo de beleza misteriosa e sombria é a atriz
Eva Green, que protagonizou Vanessa Ives na série Penny Dreadful. Eva também
aparenta ser mais jovem e tem uma postura altiva.
Outra grande artista da contemporaneidade é Lana del Rey. Com coroas de
flores na cabeça, a vontade de se tornar parte da realeza de Hollywood e uma vontade de
ser salva pelo seu “daddy”, sempre brincando com temas de vida e de morte.
A mulher Perséfone é a típica femme fatale dos antigos film noir.
57
Por um lado, ela aparenta ser jovem, ingênua e inofensiva. Geralmente teve uma
vida difícil, passou por algo muito traumático, todavia este trauma lhe deu forças para que
ela se tornasse a Senhora de Si mesma.
Então, ao mesmo tempo, ela também pode ser lida como arrogante, mandona e
esmerada. Sua postura é um misto de doçura com temperamento forte. Por isso, a mulher
Perséfone geralmente também é empresária ou dona de algum estabelecimento do qual
ela supervisiona.
A mulher Perséfone já não admite ser subjugada, traída ou mal amada. Ela
lidera, ela comanda, ela exige perfeição.
A mulher Perséfone é o signo de virgem que foi picado pelo veneno do escorpião.
Ela se foca no trabalho que é entender o inconsciente e deixá-lo florescer.
A mulher Perséfone também pode ter um quê vampírico. Ela usa essa pretensa
ingenuidade a seu favor, atraindo homens poderosos dos quais ela pode “sugar” poder.
Esta mulher pode ser extremamente perigosa, pois ela é capaz de manipular a
todos ao seu redor, usando jogos mentais e abusando de sua beleza e poder.
Porém, ela apenas realmente cresce quando percebe que o poder encontra em si
mesma, e não em mais ninguém, pois no fim ela é Deusa e Rainha por merecimento,
porque se adaptou a uma situação horrível e tirou dela o seu sustento.
A mulher Perséfone é tanto pura quanto destruidora e podemos entender
melhor os aspectos de sua personalidade quando lemos os tantos epítetos que a Deusa
Perséfone carrega4:

4
https://www.theoi.com/Khthonios/PersephoneGoddess.html#Titles

58
DESPINA, SIGNIFICA SENHORA

CARPÓFORO (KARPOPHOROS), SIGNIFICA FRUTÍFERA

CTÔNICA, SIGNIFICA DO SUBMUNDO

LÉPTINA, SIGNIFICA DESTRUIDORA

MEGALA THEA, SIGNIFICA GRANDE DEUSA

PROTÓGONA, SIGNIFICA PRIMOGÊNITA

SÓTIRA, SIGNIFICA SALVADORA

HAGNE, SIGNIFICA SAGRADA

DEIRA, SIGNIFICA SÁBIA

PRAXÍDICE, EXECUTORA DA JUSTIÇA

ÉPENE, SIGNIFICA TEMÍVEL

Veja então quantas Perséfones existem. A Perséfone que está em mim talvez não seja a
mesma que há em você. A Perséfone que está em mim é diferente, única, mas nossas vozes se
confundem e juntas temos algo em comum e que nos une.

59
É comum analistas afirmarem que a mulher com arquétipo de Perséfone geralmente é
abundantemente “espiritual” e que por isso não gosta ou não pratica sexo com intensidade.
Para muitos, Perséfone é a eterna virgem que um dia foi violada e que agora chora para
sempre pelos cantos.
Ora, isto está muito longe do mito original.
De fato, muitos dizem que Perséfone foi estuprada. Após ler as diversas versões, afirmo
que ela foi sim sequestrada, mas comeu as sementes porque quis, ou seja, ela estava curiosa sobre
o ato sexual.
Perséfone se apaixonou e desejou Hades porque ele era o único que a tratava como
adulta.
Perséfone foi criada para ser uma eterna virgem por Deméter, sua mãe extremamente
protetora, o que era contraditório, visto que Perséfone é uma Deusa da fertilidade.
Deméter, em sua proteção controladora, escondeu de Perséfone toda a sua
potencialidade.
Perséfone era tão fértil que inclusive deu luz a duas crias de Hades, que antes de se casar
era considerado infértil justamente por ser o Deus da Morte. Suas filhas foram Melinoë e Macária.
A sua mãe a tratava como uma criança imaculada, mas este status mudou quando
Perséfone foi desposada por Hades.

60
Há quem vai interpretar este fato como um trauma insuperável e há quem vai interpretar
como um trampolim para seu amadurecimento.
De fato, a mulher que passa por algum tipo de trauma, especialmente sexual, pode
carregar sequelas por toda a vida.
A mulher que consegue superar esses eventos mantém relações sexuais prazerosas, que
ligam o mundo carnal ao espiritual.
Essas práticas são conhecidas como magia sexual.
Para as bruxas e magos que estudam a fundo tais questões, o mundo espiritual não é
separado do mundo carnal.
A mulher Perséfone não quer apenas gozar, ela quer atingir o êxtase sexual para
alcançar o mundo espiritual.
Para isso, ela direciona o gozo para a sua Vontade, abrindo de fato um portal energético
intenso e obtendo assim tudo aquilo que ela de fato deseja.
No sexo, a mulher Perséfone quer ser tratada como Rainha, geralmente usando fantasias
do universo Kink, cheia de peculiaridades, experimentando com todas as sensações disponíveis.
O sexo não se resume a sua “romã”, mas sim a todas as partes do corpo, em especial o
pescoço, pés e mãos, que clamam por ser tocados e adorados como merecem.
É exatamente por isso que ela acaba conhecendo a comunidade BDSM (práticas sexuais
que envolvem bondage, disciplina, dominação, submissão e sadomasoquismo).
Somente a penetração é algo enfadonho para a mulher Perséfone, pois ela precisa colocar
em prática todas as suas fantasias, seus fetiches e seus desejos obscuros.
Muitas vezes a mulher Perséfone irá usar as suas feições de menina para brincar com sua
pretensa ingenuidade, tal como muitas fizeram no mundo contemporâneo ao chamar seus
parceiros de “daddy” (papai).
61
Ela pode gostar de ser submissa até certo ponto (ou então switcher para a comunidade
BDSM), alternando entra sua face que imita uma “adolescente em apuros” para a sua face mais
dominante.
Seja como submissa ou dominante, ela brincará com sua vestimenta: usando lingerie
glamourosas nas cores vermelho e preto, salto alto. Ela se valerá de acessórios como cordas,
algemas, máscaras, coleiras, amarras, vendas, chicotes, chibatas, arreios (harness), plugs dentre
tantos outros.
Ela gosta de balanços, brinquedos sexuais, ser amarrada com práticas de shibari:

Em japonês, “Shibari” significa simplesmente “amarrar”. Ao contrário de outras práticas


do BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo), que
utilizam plástico, fitas adesivas, de látex ou de cabos sintéticos para amarrar o parceiro, o
shibari sempre utiliza fibras naturais, de preferência de juta ou cânhamo. Isto porque as
cordas são um meio pelo qual a emoção flui entre aquele que amarra e aquele que está
amarrado, por isso o material precisa ser natural e de qualidade.

— Via Mulheres Bem Resolvidas

Todas essas práticas não afastam a mulher Perséfone do mundo espiritual, pelo
contrário, acabam fazendo com que ela se conecte melhor com as suas mais diversas facetas.

62
Perguntei a Perséfone: “Como você pôde amá-lo? Ele levou você das flores para um reino
onde nem um único ser vivo pode crescer”.

Perséfone sorriu: “Minha querida, todas as flores da sua terra murcham. O que Hades me
deu foi uma coroa feita para as flores imortais em meus ossos.

— Nikita Gill, Conversas com Perséfone

Muitas pessoas, especialmente feministas atuais, consideram Perséfone como


“maculada”. Elas interpretam que Hades de fato estuprou Perséfone e ela está condenada a sofrer
no submundo.
Afinal, como podemos cultuar uma Deusa que foi estuprada e aceitou o seu estuprador?
Certamente aceitar isto diante do feminismo atual parece errado.
Isto porque Perséfone acaba se apaixonando por Hades e aceitando ficar no submundo
por pelo menos metade do ano. Perséfone não é a “feminista ideal”, nem mesmo a “vítima ideal”,
pois ela agora manda no Submundo.
Talvez seja exatamente por isso que o mito tenha sido revisitado de tantas formas.
Atualmente, até mesmo foi reescrito para que Hades fosse visto como o perfeito candidato atual.

63
No romance Lore Olympus, a escritora e ilustradora Rachel Smythe modifica o mito
completamente. Nesta versão, Perséfone é estuprada pelo Deus Apolo, que é inimigo de Hades.
Hades é um deus não compreendido, justamente por ser Deus do Submundo. Ele é
solitário e temido. Primeiro se encanta com a beleza de Perséfone. Depois percebe que ela tem
as mesmas qualidades melancólicas que ele enxerga em si mesmo, por isso ele se apaixona por
ela.
Lore Olympus não é o mito original, mas tem mais de três milhões de leitores até o
momento. Podemos argumentar que se a visão popular sobre Perséfone muda, também seu mito
evoluirá para algo mais aceitável atualmente, assim como os contos de fada um dia foram
adaptados para as crianças.
Ora, se nós realmente queremos entender Perséfone em todas as suas facetas, precisamos
compreender seu mito original e todos os aspectos dele que nos repugnam! Ignorar tais aspectos
sombrios também é ignorar a nossa própria sombra.
Então vejamos, em primeiro lugar, temos que lidar com a questão do incesto, visto que
os Deuses mantinham sexo e se casavam entre si.
Hades é tio de Perséfone, ponto que hoje é um grande tabu inaceitável na nossa realidade.
Este fato está presente em muitas casas, visto que o estupro geralmente ocorre por familiares da
vítima5:

A maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com


adolescentes, ocorreu dentro de casa e os agressores são

5
https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/maioria-dos-casos-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-
adolescentes-ocorre-em-casa-notificacao-aumentou-83.ghtml

64
pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares. O
estudo também mostra que a maioria das violências é
praticada mais de uma vez.
Para Itamar Gonçalves da ONG Childhood Brasil, que
trabalha para promover o empenho de governos e
sociedade civil em combater a violência sexual contra
crianças e adolescentes, faltam no Brasil ações de
prevenção que trabalhem com temas como o
conhecimento do corpo, questões culturais de gênero e em
especial as que dizem respeito aos padrões adotados de
feminilidade e masculinidade.
"Para mudar este cenário é importante criar ambientes que
sejam acolhedores e inclusivos nos espaços frequentados
pelas crianças e adolescentes, nas famílias, escola, igrejas...
Um trabalho de prevenção se faz com informação,
especialmente sobre o funcionamento do corpo, a
construção da sexualidade, visando empoderar nossas
crianças".

Por outro lado, Deuses não são pessoas comuns, eles são forças da Natureza. Se
considerarmos esta óptica, Perséfone representa a primavera encarnada, enquanto Hades é o
Deus dos Mortos.

65
O Deus dos Mortos, então, “estupra e sequestra” a vida, e por isso temos o inverno.
Quando despersonalizamos os Deuses fica mais fácil entender que são parentes e familiares
porque tudo na Natureza está interligado.
Mas quando humanizamos os Deuses, nossa moralidade acaba intervindo e logo
começamos a julgá-los.
Seja como for, o feminismo atual debate se o caso de Perséfone é estupro ou Romance.
Assim como ocorreu com o texto de Nancy, focam-se muito na Perséfone enquanto vítima e
pouco em seu empoderamento.
Traduzi, assim sendo, o texto de Aimee Hinds para que entendamos perfeitamente qual
é a visão de algumas das feministas atuais e em seguida darei a minha opinião polêmica sobre este
assunto.

Estupro ou Romance?
Mau feminismo nas recontagens míticas
Escrito por Aimee Hinds
Traduzido por Lua Valentia

Se você leu Circe, de Madeline Miller, ou O Silêncio das


Garotas, de Pat Barker, notou que a recepção da mitologia
clássica está se voltando para a feminista. Rejeitando o
modelo misógino apresentado no material de origem
antigo e mitos refrescantes através da lente de personagens
66
sem voz, os estudos de recepção estão ajudando a
descolonizar os Clássicos, fornecendo um método de
questionar a literatura clássica e o acesso à disciplina para
aqueles que não têm educação formal em Clássicos.
Mas o trabalho explicitamente feminista que lida com
mulheres ambíguas requer uma mão cuidadosa que,
infelizmente, falta a algumas dessas recontagens mais
recentes. Uma recepção não é automaticamente feminista
apenas porque você fez as mulheres narrarem a história,
principalmente se a história permanecer a mesma. Os
temas recorrentes nas histórias de tantas mulheres
mitológicas — da coerção ao estupro violento — são
facilmente encobertos entre tradução e recontagem.
Ignorá-los ou escrevê-los voluntariamente, como fazem
várias dessas novas recepções “feministas”, seja, na
melhor das hipóteses, irresponsável, porque isso continua
a validar tropos perigosos e leva a danos reais.
Infelizmente, as mulheres liminares da mitologia
geralmente não têm um final feliz. Perséfone está
condenada a balançar para sempre entre seu
sequestrador/marido no submundo e sua mãe na terra
fértil; não há escapatória para ela sem perturbar o próprio
equilíbrio das estações. Medusa está sempre fadada a
morrer, um segundo castigo infligido pela culpabilização
67
da vítima. A restauração da agência para essas mulheres
não acontece negando-lhes o trauma ou removendo o
rótulo de vítima. Eles desfrutam de uma verdadeira
agência quando seus autores lhes permitem superar a
vitimização e se tornar sobreviventes, ou pelo menos se
tornar mulheres que lidam com o mundo em seus próprios
termos. As verdadeiras recontagens feministas
reconhecem e não reprimem a liminalidade de seus
personagens.
O poema Perséfone ao Hades, da indiana-britânica Nikita
Gill, de sua próxima coleção Grandes Deusas, não celebra
essa liminaridade. O poema faz Perséfone agradecer a
Hades por reconhecer seu poder sombrio inato, por elevá-
la de um destino como deusa menor a uma como rainha.
Um pequeno artigo intitulado Conversas com Perséfone tem
um elenco igualmente romântico. Para deixar claro, o
trabalho de Gill é excelente: grande parte dele se concentra
em subverter narrativas misóginas para revelar versões
feministas centradas nas mulheres. Ela utiliza a mitologia
clássica em vários poemas mais antigos, com um poderoso
efeito feminista (interseccional). Por exemplo, Uma Sereia
mais velha e mais sábia alinha as sereias de contos de fadas
com as sirenes míticas, devolvendo seu poder através de
sua monstruosidade, em vez de sua feminilidade frágil.
68
Mas as palavras de Gill sobre Perséfone me deixaram
perplexa e não estou sozinha. Juntamente com o poema,
ela emitiu uma declaração, na qual argumenta que, se
removermos a possibilidade de romance na história de
Perséfone, também removeremos sua agência. Em vez
disso, argumenta Gill, devemos "desvitimizar" Perséfone,
porque nas fontes ela nunca é estuprada. Ela termina com
isso:
Além disso, isso é MITOLOGIA, não HISTÓRIA. Aprenda a
diferença antes de usar armas de fogo para recontar alguém. A partir
de agora, veremos muito mais recontagens de mulheres, e eu não
poderia ser MAIS FELIZ. Já é hora de as mulheres contarem suas
histórias.
Essa afirmação me deixa com um pouco de dilema. Por
um lado, Nikita Gill está certa: a recontagem dessas
histórias pelas mulheres é vital para reabilitá-las. Mas sua
opinião sobre Perséfone está errada. Perséfone é
sequestrada e provavelmente estuprada — está aí mesmo
em nossas fontes. Nesse caso, embora o trabalho de
recepção de Gill seja sólido (com base em sua
interpretação das fontes), sua agenda feminista é
equivocada. O poema de Gill não merece ser policiado
com o argumento de que muda a história de Perséfone,

69
mas merece críticas por sua supressão de temas com
potencial de serem problemáticos hoje.
Para recapitular as principais fontes: Perséfone é
violentamente forçada a um casamento que ela claramente
não deseja. Hesíodo nos diz que ela foi roubada por
Hades; tanto o hino homérico a Deméter quanto a
metamorfose de Ovídio têm Perséfone claramente
clamando por sua mãe quando ela é arrebatada (como
evidenciado pelo uso da rapio latina - de onde vem a
palavra "rape" – estupro em inglês). Ovídio nos conta sua
angústia pela perda de seu estado virginal.
Apesar do que para nós é uma evidência clara de estupro,
no contexto antigo não houve erros: Hades obteve o
consentimento de se casar com Perséfone por seu pai,
Zeus, de forma preventiva ou retroativa. No entanto, a
história enfatiza a natureza violenta e oculta de seu
sequestro. Mais evidências dos elementos sexuais forçados
do mito de Perséfone podem ser encontradas ao comer as
sementes de romã, consideradas por muitos como um
eufemismo para a relação sexual (ver, por exemplo,
Lincoln 1938: 234, Ruis 2015: 24).
Diferentes versões do mito a obrigam secretamente a
comê-los, enquanto outros a mostram comê-los de bom
grado, mas explicitamente sem saber que isso significa que
70
ela ficará presa no submundo com seu sequestrador.
Embora o sequestro de Perséfone possa ter sido sem
problemas na Grécia antiga, contar como um romance
hoje apaga as experiências de mulheres antigas e
modernas.
Dada sua insistência na ausência de abuso sexual nas
fontes, enviei um e-mail a Gill para discutir seu poema e
perguntar o que ela havia feito para pesquisar a história de
Perséfone. Ela fez o que se esperava, lendo Ovídio,
Homero, Hesíodo e Apolodoro — tudo em tradução —,
além de ler obras mais modernas, como os mitos gregos
de Robert Graves e os mitos de Stephen Fry. O inglês é a
segunda língua de Gill (autodidata) e ela não é clássica nem
linguista. Como os próprios idiomas já fazem parte de um
debate sobre a exclusividade dos clássicos, não podemos
razoavelmente esperar que Gill ou outros consultem
textos em seus idiomas originais.
Versões traduzidas de textos antigos são cruciais para a
inclusão contínua dos clássicos. Mas, como Stephanie
McCarter demonstrou, a tradução também é crucial para
ocultar ou revelar estupros em textos antigos, e tradutores
irresponsáveis transformaram o abuso sexual em uma
união consensual ou até sensual. McCarter aponta a
tradução de Metamorfoses por David Raeburn como uma
71
das que têm mais liberdade — e, no entanto, é uma edição
extremamente popular. A tradução de Raeburn do
sequestro de Perséfone não menciona sua dor ou medo de
perder a virgindade — elementos do original — e
eufemiza seu estupro com seu vestido rasgado e flores
caídas.
Agora, não estou sugerindo que o conhecimento das
línguas clássicas seja automaticamente igual a uma leitura
feminista — caso contrário, não teríamos acabado com
más traduções. Nem conhecê-los significa que não
precisamos considerar os problemas. Mas o conhecimento
do grego antigo e do latim permite ao leitor tomar decisões
sobre o significado, decisões que já foram tomadas para
eles ao ler na tradução. Quando escritores não especialistas
querem usar esses textos para recepção, não surpreende
que mesmo feministas pensativas possam criar trabalhos
problemáticos, se elas se basearem em traduções que
fazem escolhas misóginas, racistas ou mesmo eufemísticas.
Gill já está à frente da curva aqui; a cópia da Odisséia que
ela consulta é a tradução recente de Emily Wilson. Mas
sem traduções igualmente progressivas de outros textos
populares para consultar, os criativos ficam presos a
versões desatualizadas dos mitos que eles estão traduzindo
em arte. Na prática, isso geralmente significa traduzir o
72
significado do texto em vez das palavras de maneira
mecânica — a abordagem adotada por Wilson e defendida
por Johanna Hanink.

Eu destaquei Gill porque o caso dela mostra que mesmo


aqueles com a melhor das intenções podem, sem querer,
cometer um erro misógino. Mas Gill está longe de ser a
única pessoa que visualizou um elemento romântico para
o mito de Perséfone e Hades, nem é a única pessoa a
produzir uma recepção clássica feminista problemática.
The Penelopiad, de Margaret Atwood, embora de muitas
maneiras triunfante ao puxar Penélope para a frente da
Odisséia, tem seus próprios problemas enraizados no
retrabalho acrítico, inclusive sua absoluta recusa em
questionar o papel de outra mulher ambígua, Helena.
Atwood lida excelentemente com a recepção clássica em
outros lugares (The Elysium Lifestyle Mansions faz pela
Sibyl Cumaean o que Tróia: A Queda de uma Cidade deixa
de fazer por Cassandra), inclusive no próprio The
Penelopiad. Mas Helena, de Atwood, é completamente
envergonhada, gélida demais com leituras misóginas da
Ilíada e Odisséia. Como leituras românticas de Perséfone,
ela perpetua ideias problemáticas e potencialmente
desatualizadas sobre a sexualidade feminina.
73
Essas más interpretações de Perséfone e Helena não são
tanto falhas do feminismo quanto são ilustrações do
feminismo branco: um dos problemas frequentes na
recepção feminista. Em vez de serem refrescantes, essas
versões reproduzem mitologia monolítica e misógina. É
possível descartar essa replicação como uma característica,
e não um inseto, do feminismo branco (Atwood se
autodenomina uma "feminista ruim" quando o que ela
realmente quer dizer é uma "feminista branca"). Mas sei
que Gill está tentando trabalhar ativamente contra a
misoginia frequentemente incorporada no feminismo
branco.
A questão do poema de Perséfone não é que sua autora
não se preocupe em olhar além de uma agenda feminista
para poucos. Muito pelo contrário: durante nossa
conversa, Gill deixou claro que o feminismo inclusivo e
intersetorial é seu objetivo. A questão é que o feminismo
por si só não é suficiente. Dar agência ativa a Helena ou
Perséfone não os capacita, mas ainda mais atrapalha as
águas de suas histórias, dando credibilidade ao
chauvinismo patriarcal das fontes antigas - exatamente
contra o que Gill está lutando.
Se não conseguimos acertar o feminismo branco cis, então
como podemos esperar acertar o feminismo
74
interseccional? Quero ver a recepção feminista
interseccional dos mitos clássicos florescer e, para isso —
sei que estou pregando para o coral aqui — devemos
reconhecer a necessidade de produzir pesquisas e
traduções feministas intersetoriais. A culpa não está em
Nikita Gill ou em seu poema, está no fracasso da disciplina
dos clássicos e na falta de vontade de se desvencilhar de
suas raízes tradicionalistas. Sem a descolonização dos
clássicos, não podemos esperar acabar com uma disciplina
que se esforça para ser interseccional.
(...)
— Via Aimee Hinds

Em resumo, vemos que para Aimee Hinds, colocar qualquer elemento romântico entre
Perséfone e Hades é algo típico de uma má feminista (ou feminista branca) que reproduz
misoginia ancestral.
Não quero entrar em detalhes aqui sobre diferenças dos feminismos. Nem todas pensam
da mesma forma e não existe um padrão ou uma cartilha a ser seguida. Sexualidade e romance
são muito mais complexos do que imaginamos e não podemos simplesmente ignorar isso.
Primeiro precisamos entender que o contexto histórico tem milhares de anos. A vida na
Grécia Antiga era completamente diferente da nossa. Como feminista, eu tenho uma regra: não
irei julgar aqueles que já morreram, nem mesmo antigas culturas que não posso mudar.
Só posso julgar os pensamentos dos vivos que mesmo com toda informação acabam
agindo de formas condenáveis: matando, estuprando e roubando o outro.
75
Por fim, sempre me perguntei bastante a respeito da relação de Perséfone e Hades após
o acontecimento do sequestro, pois o mito de Perséfone não é apenas este fato.
Em algumas versões, Hades estava inspecionando o reino dos mortais quando avistou
Perséfone pela primeira vez. Afrodite, temendo que Perséfone fosse virgem para sempre, decidiu
que Eros deveria fazer com que Hades se apaixonasse por Perséfone perdidamente.
Vejamos o entendimento de Salma Harfouche sobre o assunto:

No submundo, Perséfone estava realmente muito feliz.


Como a maioria das crianças, ela era extremamente curiosa
e fascinada por mistério e perigo, que é exatamente o que
o submundo lhe oferecia. Em vez de ser tratada como uma
criança, ela foi capaz de vagar pelo submundo e fazer o
que quisesse. Hades foi gentil com ela e a cobriu de
presentes, mas ela finalmente começou a sentir falta da
mãe e do mundo acima. Hades ficou triste, mas ele
também foi paciente. Ele colocou o trono de Perséfone
bem ao lado dele, e, ao contrário dos outros deuses,
permitiu que ela reinasse o domínio ao lado dele. Ele a
tratou não como propriedade, mas como alguém que
poderia se tornar seu amigo. Quando Perséfone sugeriu
que outro reino fosse criado para as melhores almas
mortais, Hades fez isso para ela. Chamava-se Elysium —
o céu do submundo. Perséfone sentiu-se em conflito. Ela
sentia falta da mãe, mas Hades era a única pessoa que já
76
tratara como uma adulta. Ela se apaixonou por ele. Uma
manhã, Perséfone foi ao jardim do submundo e recebeu
uma romã pelo jardineiro. Até aquele momento, Perséfone
tinha resistido a comer qualquer coisa oferecida a ela —
ela sabia que se ela comesse alguma comida do submundo,
ela estaria ligada a ele para sempre. Mas naquela manhã,
Perséfone estava com tanta fome que pegou a romã e
comeu seis de suas sementes. Então, abruptamente,
Hermes, o mensageiro dos deuses, apareceu diante dela.
Ele disse a ela que Deméter havia causado o congelamento
da terra e que nenhuma colheita iria crescer. Os mortais
estavam morrendo em massa, e a única coisa que a
impediria era o retorno de Perséfone. Perséfone,
relutantemente, permitiu que Hermes a levasse ao Olimpo,
onde Zeus e Deméter estavam discutindo. Quero dizer,
Zeus prometeu sua filha a Hades sem o consentimento
dela, afinal, a mulher estava lívida. Perséfone tentou
convencer Deméter que ela estava bem e que Hades tinha
sido gentil com ela, mas Deméter insistiu que ela tinha que
voltar para casa, ou então ela deixaria todos os mortais na
terra morrerem de fome. De repente, a sala do trono
escureceu e os deuses se viraram quando Hades saiu das
sombras. Ele estava segurando a romã parcialmente
comida na mão. "Perséfone comeu o fruto do submundo,
77
ela deve retornar e governar comigo." Enquanto Deméter
retomou sua birra, Zeus considerou Perséfone em silêncio.
"Quantas sementes você comeu, filha?" ele perguntou.
Perséfone disse a ele: "Seis". Zeus se levantou do trono e
a assembleia se aquietou. "Como Perséfone comeu seis
sementes da romã, eu determino que ela passará seis meses
por ano no submundo com o marido e seis meses
cuidando dos campos dos mortais com a mãe". Nem
Deméter nem Hades estavam completamente felizes com
esse acordo, mas Zeus o fez. Todo ano Perséfone voltava
aos campos e os restaurava com Deméter, e quando
chegasse a hora, Hades a procurava e a escoltava até seu
trono no submundo. Cada vez que ela partia, Demeter
chorava e toda a vegetação morria. e cada vez que
Perséfone retornava, a terra esquentava e se tornava fértil
mais uma vez. Foi assim que os gregos explicaram as
estações da terra e como uma deusa da vida se apaixonou
pelo submundo!
— Salma Harfouche

Existem as mais diversas interpretações sobre o mito de Perséfone e certamente as


questões ancestrais estarão sim cheias de temas espinhosos e não serão absorvidas com facilidade
e nem aceitas para a moral contemporânea.

78
Cabe cada um de nós refletir bastante sobre o tema. Se pegarmos o mito original, não
podemos cometer certos anacronismos. Por outro lado, se quisermos realmente nos apropriar
do tema, cabe escrever uma nova história assim como fez Rachel Smythe.
Todos nós temos nossos defeitos e telhados de vidro. Perséfone não é e não será a
feminista perfeita, nem mesmo a vítima perfeita da qual muitos escrevem. Ela é a Rainha do
Submundo e seu amor por Hades não deve ser ignorado ou usurpado, nem mesmo em nome da
moral e dos bons costumes feministas.
A meu ver Perséfone e Hades estavam apaixonados ou por outro e não houve estupro.
Tampouco podemos ignorar todos os epítetos de Perséfone e transformá-la apenas na
eterna vítima. Lembre-se, ela é a Rainha, a Destruidora, a Temida. Ela é muito mais que o seu
episódio de sequestro.
É justamente por isso que decidi traduzi mais um artigo, que cabe como uma espécie de
transição entre o entendimento da Perséfone-histórica e da Perséfone-arquetípica para a nossa
visão religiosa.

79
O artigo de Cyndi Brannen, que enxerga Perséfone como a Deusa da Adaptação é o que
mais se aproxima da minha visão pessoal em relação à Deusa.

Perséfone, Rainha Guerreira Emocional: sua história,


temas, correspondências e muito mais
Escrito por Cyndi Brannen
Traduzido por Lua Valentia

Perséfone é frequentemente vista apenas como a donzela


levada ao submundo contra sua vontade, mas há muito
mais nela do que isso. De fato, ela se tornou a feroz Rainha
do Inferno, dominando seu império, muito igual a Hades,
salvando a humanidade, adaptando o clima para nos dar a
estação de crescimento. Para colocar a história de
Perséfone em um contexto contemporâneo, podemos
classificá-la como uma deusa da adaptação por causa de

80
como ela se transformou, administrou seus
relacionamentos e virou a roda do ano.

NOTA: Minha prática pessoal inclui Hécate e Suas Quatro


Deusas Soberanas: Ártemis, Medéia, Perséfone e Kirke. Emprego
seus arquétipos de selvagem, ferida, guerreira, bruxa e sábia.

Colocando Perséfone no Contexto Histórico


Embora possamos nos relacionar com a luta dela contra
os futuros poderes, receio que a versão popular de
Perséfone seja aceitável, uma vez que está de acordo com
os antigos papéis de gênero que a seguiram desde que sua
história foi contada pela primeira vez há mais de 2.000
anos. atrás. Eu sei um pouco sobre como os guardiões da
informação influenciam a crença popular sobre uma
Deusa, uma vez que Hécate foi restringida como
Perséfone pelas mãos dos escritores patriarcais ao longo
do tempo. Nas últimas décadas, nossa compreensão de
Hécate expandiu-se muito além dos limitados papéis de
Rainha das Bruxas e Deusa do Mundo Inferior. É hora de
nosso pensamento sobre Perséfone passar por uma
mudança semelhante. Enquanto Hekate emergiu como
uma deusa complexa com muitos papéis, os papéis de

81
Perséfone nos textos antigos são um pouco mais limitados,
mas não menos diversos.

Transformação de Perséfone
Perséfone teve que se adaptar à vida na Terra e no Mundo
Inferior continuamente. Para mim, é a transformação dela
da tímida, mas linda donzela, para uma rainha tenaz que é
fascinante. A ascensão de Perséfone à Rainha do Inferno
era inevitável como esposa de Hades, por isso não é tanto
que ela tenha o título, mas que ela subiu ao título. Ela
reinou sobre o Mundo Inferior com uma ferocidade que
lhe valeu o antigo epíteto de Brimo, mas também foi
sensível quando Orfeu precisou resgatar Eurídice do
Mundo Inferior. Ela nos mostra que podemos tirar o
máximo proveito de onde nos encontramos e permanecer
gentis. Pelo menos para aqueles com quem podemos nos
relacionar. Apele para ela quando estiver buscando
transformação. Perséfone é uma verdadeira guerreira,
cujas vitórias não foram encontradas no valor do campo
de batalha, mas nas profundezas de sua alma. Soa familiar?

Os relacionamentos de Perséfone
Perséfone tinha relacionamentos complexos com
Deméter, sua mãe, e seu marido. Aqui estão mais
82
evidências que apoiam Perséfone como uma deusa da
adaptação. Ela teve que fazer sua mãe feliz enquanto
também lidava com esse marido. Em seu relacionamento
com Hades, ela se transforma da garota desanimada
chorando na caverna sobre seu noivado em esposa
ciumenta. Enfurecida por sua infidelidade, ela
transformou o objeto de sua afeição, Minthe, em uma
planta.

Perséfone e Hécate tiveram um relacionamento especial na


história de seu sequestro e subsequente retorno à terra.
Hécate atuou como mediadora ajudando Perséfone a ir e
vir do submundo. Elas também eram companheiras,
indicando que um relacionamento duplo que podemos
imaginar também exigiu alguma adaptação de Perséfone.
Elas reinaram como deusas do mundo inferior
simultaneamente. Além disso, elas compartilham muitos
epítetos, incluindo o de Triformis (três formas) e
Dadoukhos (portadora da tocha). No entanto, há pouco
registro de histórias além de Hécate como sua guia. A
exceção notável são os textos dos eleusinos indicando que
Deméter, Hécate e Perséfone foram adoradas juntas por
alguns cultos. Nesses mistérios, Perséfone salvou a

83
humanidade, trazendo a chegada da primavera com seu
retorno do submundo.

Adaptação do clima
Seu outro papel importante na antiguidade era o de uma
deusa da agricultura. Seu retorno do Mundo Inferior a
cada primavera tornava a terra fértil. A importância de
honrar Perséfone para que houvesse uma colheita
abundante era fundamental para aqueles que cultivavam.
Nesse papel, Perséfone nos mostra seu poder de
adaptação mudando as próprias estações do ano. Para ser
mais preciso, era sua mãe, Deméter, que estava no controle
das estações. No entanto, o mundo teria permanecido no
inverno, não fosse o retorno anual de Perséfone.

Perséfone nos lembra que podemos nos adaptar e conquistar


Eu já escrevi sobre Perséfone antes, então não deveria ser
uma surpresa que eu tenha um carinho duradouro por ela.
Sua transformação de Koré (Donzela) em Rainha do
Mundo Inferior me inspirou nos meus tempos difíceis.
Servindo como um lembrete de que posso me adaptar e
conquistar.

Perséfone: Deusa da Adaptação


84
Acredito que chegou a hora de ver Perséfone por tudo o
que ela é. Acima de tudo, Perséfone aproveitou ao máximo
uma situação ruim.
Ela é, sem dúvida, uma deusa da adaptação.

85
86
87
88
Pais Zeus (Deus dos Deuses)
Deméter (Deusa da Agricultura)
Irmãos Por parte de Pai:
Afrodite (Deusa do Amor)
Apolo (Deus do Sol)
Ares (Deus da Guerra)
Ártemis (Deusa da caça)
Atena (Deusa da Sabedoria)
Éris (Deusa do Caos)
Hebe (Deusa da Juventude)
Hefesto (Deus do Fogo)
Hermes (Deus da Comunicação)
Outros (para saber mais consulte filhos de
Zeus)

Por parte de mãe:


Despina (Deusa da Geada)
Cônjuge Hades (O Deus do Submundo)
Filhos Com Hades
Melinoë (Deusa dos Fantasmas)
Macária

Com Zeus (estupro)


Zagreus (Reencarnação de Dionísio, Deus
do Vinho)

89
Estação do ano Primavera / Inverno/ Outono
Locais Grutas / Cachoeiras / Nascentes
Festividades Tesmoforia / Mistérios de Elêusis
Signos Virgem / Escorpião
Árvores Romã / Salgueiro
Plantas & Flores Rosa/ Narciso / Lírio /Margarida /
Lavanda / Papoula

Cores Branco / Lilás / Lavanda / Preto /


Vermelho / Vinho / Magenta / Azul /
Dourado
Animais Abelha / Morcego / Carneiro / Papagaio /
Macaco / Coelho / Porco / Gato

Pedras e metais Ônix preta / Cristal / Ágata / Quartzo /


Safira / Obsidiana

Ofertas Caveiras / Ossos / Velas / Incensos /


Romãs / Doces / Bolos redondos /
Morangos / Uvas/ Cogumelos / Queijos /
Azeitonas / Vinhos / Água / Comida grega
no geral
Acessórios Coroas / Coroas de Flores / Tochas /
Caveiras

90
91
Para consagrar vestes, ferramentas, amuletos, talismãs, quaisquer objetos do altar, use um óleo de consagração.
Você pode comprar ou fazer o óleo da sua escolha, tendo em mente as correspondências de Perséfone, ou então
simplesmente seguir a receita a seguir:

➢ Compre ou faça um objeto de vidro ou de cristal com o formato de uma caveira;


➢ Também separe os seguintes objetos: essência de rosa, essência de romã / Cachaça ou
vodka / Três velas que sejam das cores das correspondências de Perséfone; Incenso de
rosas ou de uma outra correspondência de Perséfone;
➢ Separe sangue menstrual (ou pó de lua) e/ou saliva;
➢ Separe 3 pétalas de rosas;
➢ Separe 3 sementes de romãs;
➢ Separe óleo de oliva;
➢ Separe um poema para Perséfone;
➢ Separe o selo de Perséfone;
➢ Opcional: separe três gotas de lágrimas verdadeiras;
➢ Limpe bem as suas mãos;
➢ Limpe esta caveira com água, sal grosso e/ou o incenso de sua preferência;
➢ Consagre as velas e incensos com óleo de oliva;
➢ Faça um banimento simples;
➢ Acenda as velas e incenso;
➢ Coloque o selo de Perséfone no centro das velas;
➢ Coloque a caveira no centro das velas em cima do selo;
➢ Leia o poema para Perséfone;
➢ Coloquei primeiro as sementes de romã dentro da caveira;
➢ Coloque as pétalas de rosas dentro da caveira;
➢ Coloque três gotas de essência de rosa;
➢ Coloque três gotas de essência de romã;

92
➢ Coloque o sangue, saliva e lágrimas;
➢ Coloque o álcool;
➢ Feche a caveira;
➢ Feche a caveira com cera da vela;
➢ Diga que este é um óleo de consagração de Perséfone;
➢ Agradeça à Deusa;
➢ Beije a caveira;
➢ Faça o banimento final;
Apenas use para consagrar objetos relacionados à Perséfone.

93
O altar ideal de Perséfone será apresentado a seguir, porém fique à vontade para modificá-lo.
Este altar foi pensando para aquelas pessoas que querem se tornar sacerdotisas dedicadas à Perséfone.
Consulte a tabela de correspondências caso queira saber mais.

➢ O altar deve conter uma imagem de Perséfone ao centro, seja ela uma estátua, uma pintura
ou ilustração;
➢ O altar deve conter duas velas: uma à direta e outra à esquerda de Perséfone;
➢ As velas devem ser brancas, vermelhas puxadas para o vinho, roxas ou pretas;
➢ As velas devem ser acesas diariamente;
➢ O altar deve conter flores;
➢ O altar deve conter um incensário dedicado à Deusa que deve ser usado periodicamente;
➢ Oferendas periódicas devem ser feitas: tais como cálice com água ou vinho, ou então
oferendas como alimentos;
➢ As ofertas devem ser trocadas periodicamente antes de estragarem;
➢ O altar deve conter elementos que correspondem à Perséfone, tais como os apresentados
na tabela de correspondências;
➢ Tudo no altar deve ser limpo, energizado e consagrado;

94
Este é um modelo de ritual que pode ser usado ou adaptado para qualquer ocasião. Eu
recomendo bastante a leitura do site RHB (Reconstrucionismo Helênico Brasileiro)
especialmente para as pessoas que realmente gostam de usar termos em grego. Como este livro
tem muito de Magia do Caos, iremos manter as práticas aqui o mais simples o possível.

Antes do ritual

➢ Deixe tudo preparado com antecedência. Muitas vezes pensar num ritual e
preparar o local pode demorar dias. O local deve estar limpo para receber os
Deuses. Faça uma lista para que não se esqueça de nada – separe alimentos,
ferramentas mágickas etc. Caso queira usar música durante o ritual, separe
também uma playlist. Separe além disso as roupas que você irá usar. No livro “O
Mapa do Caos”, eu coloco uma tabela que ajuda muito a organizar um ritual,
especialmente se ele é em grupo e não solitário;
➢ Deixe tudo limpo e preparado no seu altar;
➢ Também separe os hinos que você lerá sobre os deuses, cartas, contratos, tudo
que você deseja deve ser escrito de maneira clara e objetiva;
➢ Se precisar, ensaie o ritual para que você não se perca, especialmente se estiver
fazendo um ritual com mais de uma pessoa. Deixe as funções de cada pessoa
bastante claras e evidentes para ninguém se atrapalhar e ficar receoso antes do
ritual;
➢ Separe pelo menos uma hora antes do ritual para você se preparar. Sempre se
banhe antes de um ritual, pois isto faz parte da purificação. Recomendo que você
faça do banho em si um pequeno pré-ritual, usando produtos que contenham
romãs, rosas ou lavanda. Há muitos produtos para lavar e cuidar os cabelos com
pelo menos um desses ingredientes. Fique à vontade para usar outros ingredientes
95
que você considere fazer parte das correspondências ligadas à Perséfone. Eu
recomendo que você tome um banho de banheira, caso tenha alguma, com sais
de banho, bolhas e tudo que tem direito;
➢ Sempre use roupas limpas, de preferência consagradas e separadas apenas para
rituais. Você não precisa usar roupas bruxescas para tanto, porém recomendo
roupas separadas apenas para estas ocasiões;
➢ Coloque tudo sobre o altar antes de começar o ritual;
➢ Lembre-se de manter o altar e o local onde está o altar sempre limpos;

O banimento e a purificação

➢ É sempre bom fazer o banimento e a purificação do altar;


➢ Faça um banimento, nem que seja simples, acendendo um incenso ou tocando o
sino;
➢ Faça a purificação, que para os gregos significava acender o fogo sagrado
representado pela Deusa Héstia. O site RHB recomenda que se leia, por exemplo,
o 24º hino de Homero:

"Héstia, tu que cuidas da sagrada casa do senhor Apolo, o que atira longe ao
enorme Pytho, com suave óleo escorrendo sempre de suas madeixas, venha agora a esta
casa, venha, tendo uma só mente com Zeus o onisciente - venha para perto, e sobretudo
conceda suas graças sobre a minha canção".

➢ Após acender a vela a Héstia, a sacerdotisa declara que o espaço está puro.
Ofertas e libações
➢ Faça a primeira oferta, separando um punhado de bolo, frutas etc para os Deuses;
➢ Derrame um pouco de vinho, água ou suco numa jarra apenas para os Deuses
que estarão presentes;

96
Evocação
➢ Faça a evocação dos servidores/Deuses que você quer trazer para o ritual.
Estamos falando especialmente de Perséfone, mas há outros Deuses com os quais
você pode querer trabalhar.
➢ Exemplos de evocações estarão no final do livro, mas você também pode usar os
hinos homéricos originais que você encontrar pela internet;

Dicas muito importes


➢ Devemos entender a diferença entre um Deus e um Servidor pois isto é
fundamental. Não trate um Deus como um Servidor e nem tampouco um
Servidor como um Deus.
➢ Lembre-se que dificilmente faremos contrato com Deuses, a não ser que eles
gostem de contratos, pois os Deuses não são nossos empregados;
➢ Geralmente escrevemos cartas aos Deuses com nossos pedidos e anseios, como
se fossem orações;
➢ Mas não apenas precisamos chamar os Deuses para os rituais, muitas vezes
também evocamos Servidores para auxiliar os Deuses, então é possível também
manter contratos com Servidores por perto e ler tais contratos em voz alta;
➢ Saiba como você deve se referir a um Servidor e como deve se referir aos Deuses,
o tom de voz definitivamente é diferente e a maneira com qual os tratamos
também o é;
➢ Fazemos ofertas e libações aos Servidores para que eles tenham energia o
suficiente para fazer o que lhes foi pedido no contrato. Porém as ofertas que
fazemos aos Servidores são menores e menos graciosas que aquelas que fazemos
aos Deuses;
➢ Também podemos fazer orações aos Servidores para que eles entendam nosso
pedido, porém as nossas orações aos Deuses são mais gloriosas, extensas. Nós
glorificamos os Deuses e não glorificamos os Servidores;

97
➢ Nós não honramos os Servidores, apenas os tratamos com devido respeito que
devemos tratar os nossos empregados;
➢ Mesmo o mago ou bruxa que já tenha começado a traçar o seu caminho enquanto
divindade na carne, precisa tratar os Deuses como seus superiores, visto que os
Deuses estão há muito mais tempo e são seres mais sábios, por isso a eles
devemos gratidão e glorificação;
Ápice do ritual
➢ Este é o momento em que a sacerdotisa faz seus pedidos, suas considerações e
abre realmente seu coração. É basicamente o momento chave do ritual, no qual
você revela aos Deuses porque os chamaram;
➢ Também é o momento que a Sacerdotisa também lê o contrato (caso tenha) dos
Servidores e diz de forma clara o que deseja;
➢ Aqui atinge-se o momento da gnose (estado alterado de consciência);
➢ Aqui a sacerdotisa faz o sacrifício ou mais ofertas e libações;

Refeição de aterramento
➢ Agora é o momento em que a sacerdotisa e os participantes comem a ceia
preparada, babem da bebida disponível;
➢ É o momento de comunhão, na qual todos se divertem e dividem a ceia;
➢ O aterramento é importante para que os participantes voltem “para a terra”;
➢ Muitas vezes recomenda-se até mesmo tomar chá ou café após a ceia;

Agradecimento
➢ É importante agradecer aos Deuses pela participação deles durante o ritual;
➢ O agradecimento é a oração final;

98
Banimento final
➢ O banimento final é o momento que desfazemos o círculo e concluímos o ritual;
➢ Geralmente se usa o mesmo banimento que se usou no começo, portanto se você fez o
banimento com sinos, faça o mesmo no final.

Após o ritual
➢ O ritual não termina quando fazemos o banimento final;
➢ Deve-se limpar tudo e levar os alimentos doados aos deuses para uma árvore, agradecer
e sair, ou então despejar numa pia ou lixo. Não deixe elementos que não são perecíveis
na Natureza, tais como garrafas ou copos etc;
➢ Guarde todos os outros mágickos, não os deixando à mostra, especialmente se você for
usar o mesmo ambiente para outras questões mundanas após o ritual.

99
➢ O ritual de dedicação deve ser feito na primavera ou no outono. Após entender
que a Perséfone é realmente a sua Deusa Mãe, Deusa Patrona ou Deusa escolhida,
a futura Sacerdotisa se prepara para dedicar a sua vida a Ela;
➢ Mesmo que você já tenha se apresentado como filha de Perséfone e na prática já
tenha se dedicado a Ela, recomendo fortemente que faça este ritual pelo menos
uma vez na vida. É como se fosse um ritual de “batismo”;
➢ Nota: escolhi o feminino neste caso, mas obviamente entenda que qualquer pessoa pode se dedicar
à Perséfone, independentemente do gênero.
➢ O objetivo deste ritual é conectar a futura Sacerdotisa à Deusa Perséfone, de
modo que ela se dedica ao seu chamado interior;
➢ Escrevo aqui sugestões. Adapte o ritual da melhor forma para a sua realidade;
➢ O ritual pode ser feito de forma individual ou em grupo;

Preparação
➢ A Sacerdotisa escolhe um objeto que representa esta conexão: pode ser um
anel/colar/outra joia que tenha uma romã, pode ser uma coroa de floras ou de
ossos feita ou comprada para a ocasião ou até mesmo uma caveira. Naturalmente,
estas são apenas algumas opções, faça como preferir;

100
➢ A Sacerdotisa pode fazer ou comprar um óleo de unção de sua preferência.
Recomendo um óleo que contenha rosas, romãs, lavanda ou qualquer uma das
correspondências de Perséfone. O óleo aqui descrito é perfeito para a ocasião;
➢ A Sacerdotisa deve fazer ou comprar uma vestimenta para esta ocasião, que deve
ser usado apenas para esta finalidade ou rituais que envolvem a Deusa Perséfone;
➢ Esta vestimenta deve ser na cor branca, preta, vermelho, roxo, azul ou dourado;
➢ A Sacerdotisa deve fazer ou comprar incenso com alguma correspondência de
Perséfone;
➢ A Sacerdotisa deve comprar ou fazer algo que represente Perséfone como
descrito na parte do altar, pode ser uma estátua ou ilustração;
➢ A Sacerdotisa deve fazer água de lua cheia ou crescente para a ocasião;
➢ A Sacerdotisa deve comprar velas que sejam da mesma cor que sua vestimenta;
➢ A Sacerdotisa deve montar o altar de Perséfone como descrito ou acima e
acrescentar mais objetos que ela achar pertinente;
➢ A Sacerdotisa deve preparar-se para o ritual fazendo/comprando uma ceia,
vinhos e o que mais for usar para sua oferta e o que for também comer,
➢ A Sacerdotisa se banha e coloca uma lingerie para a ocasião se quiser estar coberta,
ou então caminha nua até o altar;
➢ A Sacerdotisa acende a vela de Héstia e faz o banimento/purificação como
preferir;
➢ A Sacerdotisa evoca Perséfone como preferir (com algum poema deste mesmo
livro, lendo um hino à Perséfone, poesia que encontrar ou então simplesmente

101
lendo algum texto que ela mesmo escreveu, ou palavras que vierem de seu
coração);
➢ A Sacerdotisa pega o óleo de consagração e acaba consagrando a si mesma,
dizendo algo como:
Sobre a Terra nua eu caminho
Na Terra eu renasço
Pois eu me batizo com ar (acenda o incenso e passe ao redor de seu corpo)
Água (pegue água de lua crescente ou cheia e beba um pouco)
Fogo (acenda uma vela e passe ao redor do seu corpo)
Em nome de Perséfone eu renasço
Ela que é o Templo Vivo
Nela eu habito!
➢ A Sacerdotisa pega o óleo de consagração e consagra a sua vestimenta, dizendo
algo como:
Consagro esta Vestimenta em nome de Perséfone
Pois ela é a Deusa que veste meu espírito
Ela é a Deusa que reveste a minha alma
Em seu Nome eu habito!
➢ A Sacerdotisa pega o(s) objeto(s) que representa(m) esta conexão com
Perséfone, passando incenso ao redor deles para purificá-los e dizendo:
Eu declaro puro(s) e sagrado(s) este(s) objeto(s)
Em nome da Pureza que há em Persefóne
Hagne! Hagne! Hagne!

102
➢ A Sacerdotisa consagra cada um dos objetos com o óleo de consagração, e
enquanto os coloca em si mesma diz algo como:
Em Nome de Perséfone
A Grande Eterna Deusa
Em nome do Templo Vivo
Eu declaro que este objeto
Representa a nossa conexão
O amor que eu tenho por ti
Minha Senhora, Mãe e Deusa
Eu me devoto a ti
E entrego-te o meu ser, a minha honra
De modo que sempre que usar/vestir tal objeto
Imediatamente eu me conectarei a ti
E eu me lembrarei deste glorioso dia
O dia em que eu morro e renasço como
(Diga o seu nome Mágicko)
A sua Filha,
A sua eterna Sacerdotisa;
➢ A Sacerdotisa agora diz a que veio e ao que se compromete, algo como:
Eu me comprometo a sempre honrar teu nome
A contar a tua história para aqueles que precisam ouvi-la
A ajudar as minhas irmãs, aquelas que também são tuas Filhas
Eu me comprometo a honrar-te sempre, especialmente

103
Durante os Mistérios Menores e Maiores
A Primavera e o Outono
Eu me comprometo a espalhar toda Arte que seja a ti dedicada
Tornando a minha própria vida uma forma de Arte
Que o teu nome glorifica!
➢ Agora a Sacerdotisa pede a proteção e algo especial para a Deusa:
Em troca, minha Mãe, por favor sempre me resguarde
Mantenha-me entre suas favoritas
Proteja a minha vida
Que a minha vida seja cheia de amor, riqueza e sabedoria
Pois a minha vida é o maior bem
Que eu dedico a ti!
(Faça outros pedidos, se houver)
➢ A Sacerdotisa entra em estado alterado de consciência e olha para o selo de
Perséfone;
➢ A Sacerdotisa faz a refeição de aterramento;
➢ A Sacerdotisa agradeço a Perséfone;
➢ A Sacerdotisa faz o banimento final;
➢ A Sacerdotisa limpa e guarda tudo que ficou.

104
O recrutamento para os Mistérios era aberto podendo até mesmo ser considerado
proselitista. Diziam que os iniciados teriam privilégios após a morte, enquanto os não iniciados
não saberiam se portar no Hades depois que morressem.
Tais rituais eram tão secretos que a eles deram o nome de Mistérios. Estão entre os mais
importantes do mundo antigo. Os rituais duraram cerca de mil anos! Remontam ao século VI a.C
até a destruição do templo pelo imperador romano Teodósio (400 d.C). O cristianismo tentou
matar os Mistérios de Elêusis na Grécia Antiga, mas eles continuam presentes até o dia atual,
tanto que nós os adaptamos à nossa Era.
Os Mistérios eram divididos em dois períodos. Os Mistérios Menores eram celebrados
no primeiro semestre, no mês de Anthesterion (Ανθεστήριον), correspondente a março. Era
quando os sacerdotes faziam liberações, sacrifícios e rituais de purificação.
Já os Mistérios Maiores ocorriam no segundo semestre, no mês de Boedromion
(Βοηδρομιών), correspondente a setembro. Os Mistérios Maiores começavam dia 15 de setembro
e duravam nove dias.

Mistérios Menores
Como não sabemos exatamente como os Mistérios aconteciam, vamos adaptá-los para a nossa realidade;
Este ritual pode ser feito de forma individual ou em grupo;

105
➢ Separe três dias de março (um final de semana prolongado, caso queira);
➢ Entenda esses dias como feriado/celebração, se puder, tire os dias de folga;
➢ Enfeite a sua casa e/ou templo com flores, romãs, estátuas de animais que
correspondem à Perséfone, tal como coelhos e corujas. Enfeite também com
laços das cores correspondentes à Perséfone;
➢ Coloque uma guirlanda feita de romãs e/ou rosas na porta de sua casa e/ou
templo;
➢ Limpe a sua casa e/ou templo para receber a divindade;
➢ Considere comprar estátuas de Perséfone, Hades e Deméter;
➢ Recomenda-se usar roupas claras para estes rituais, tais como branco, azul claro
ou qualquer correspondência que tenha a ver com Perséfone (ao menos a parte
mais clara das correspondências);
➢ No primeiro dia, monte o altar de Perséfone como descrito neste livro ou como
preferir, colocando Perséfone entre Hades e Deméter;
➢ Faça tudo o que tiver que ser feito para se preparar;
➢ Tome o banho e vista roupas limpas;
➢ Faça banimento e purificação;
➢ Acenda velas e incensos;
➢ Simplesmente leia o mito de Perséfone em voz alta ou então encene o mito caso
você tenha mais pessoas envolvidas, transformando o mito numa peça;
➢ Faça a refeição em conjunto;
➢ Faça o banimento final.

106
➢ No segundo dia, faça a purificação com ar e fogo, usando incensos e velas e se
declarando purificado de todo o mal, miasma. Caso queira, use o ritual com a
Cortana como descrito no livro Via;
➢ No terceiro dia, faça a purificação com água como se fosse um batismo,
batizando-se em nome de Perséfone e se declarando puro e preparado para os
Mistérios Maiores;

Mistérios Maiores

Os Mistérios Maiores duravam 9 dias e aconteciam em setembro. Vou então colocar um


calendário com o resumo do que acontecia em cada dia e o que pode ser feito em substituição.
Use a sua própria realidade e imaginação, mas não quebre a corrente de 9 dias.
Você vai precisar de:
➢ 9 velas
➢ 9 incensos
➢ Flores
➢ Oferendas
➢ Enfeites

Calendário:
➢ Dia 1 (15 de setembro): Convocação e preparação dos iniciados. Sacerdotes
declamavam o "prorrhesis" que correspondia ao início dos ritos.
Substituição nos dias de hoje:

107
• Enfeite sua casa/templo novamente, espalhando flores, estátuas
correspondentes e colocando a guirlanda de romãs ou rosas na porta;
• Coloque as nove velas, uma ao lado da outra;
• Coloque os nove incensos, um do lado outro;
• Caso tenha estátuas, coloque a estátua de Perséfone no centro do altar e
a estátua de Hades à sua esquerda e a de Deméter à sua direita;
• Faça banimento/purificação;
• Acenda a primeira vela e o primeiro incenso e declare que o período de
Mistérios Maiores estão abertos e que os 9 dias seguintes serão para
honrar Perséfone;
• Faça libação de vinho, água ou suco;
• Agradeça;
• Faça o banimento final.

➢ Dia 2 (16 de setembro): Elasis ou Helade Mistay: "Ao mar, ó iniciados".


Acontecia um ritual de expulsão em que os iniciados se purificavam no mar. Os
sacerdotes também sacrificavam um leitão à Deméter e diziam: "Helade Mistay",
que significa: "ao mar, ó iniciados".
Substituição nos dias de hoje:
• Tome um banho prolongado de mar ou então de sal grosso com rosas;
• Faça banimento/purificação;

108
• Acenda a segunda vela e o segundo incenso e declare que você está pura para
honrar Perséfone;
• Faça libação de vinho, água ou suco;
• Agradeça;
• Faça o banimento final.

➢ Dia 3 (17 de setembro): Hiereia Deuro - Dia de Sacrifício


Os iniciados faziam um sacrifício oficial em nome da cidade de Atenas.
Substituição nos dias de hoje:
• Faça banimento/purificação;
• Acenda a terceira vela e o terceiro incenso;
• Faça um sacrifício. Algumas pessoas tendem a pensar que é preciso matar um
animal. Nos dias atuais, não há esta necessidade. Você pode oferecer uma vela
extra em formato de coelho ou porco (ou então colar a imagem de um coelho ou
porco na vela). Você pode também pode oferecer energia sexual ou então doar
algum presente aos Deus, como uma comida especial;
• Faça libação de vinho, água ou suco;
• Agradeça;
• Faça o banimento final.

➢ Dia 4 (18 de setembro): Asclepia


Dia voltado para o Deus da cura. Dia de purificação.
Substituição nos dias de hoje:

109
• Faça banimento/purificação;
• Acenda a quarta vela e o quarto incenso;
• Faça um ritual para a cura de alguém, pode até chamar a Curandeira como extra.
Se quiser, faça um ritual para a própria melhora física ou mental;
• Faça libação de vinho, água ou suco;
• Agradeça;
• Faça o banimento final.

➢ Dia 5 (19 de setembro): Yacós ou Pampa - Dia de Procissão


Os iniciados faziam um itinerário sagrado, uma grande procissão que se iniciava
em Ceramico (Cemitério de Atenas) até Elêusis, percorriam assim 32 km.
Sacerdotisas levavam cestas, multidão gritava o nome de Yaco e dançavam. Yaco
é o nome de Dioniso (filho de Perséfone e Zeus), Deus do vinho. Pessoas
mascaradas encenavam o mito. Era um dia também de baile, canto. Os templos
de Poseidon e Ártemis se abriam para todos.
Substituição nos dias de hoje:
• Vá caminhar num parque por pelo menos três quilômetros;
• Faça banimento/purificação;
• Acenda a quinta vela e o quinto incenso;
• Faça libação de vinho, água ou suco em nome de Perséfone e de Dionísio;
• Agradeça;
• Faça o banimento final.

110
• Se puder e quiser, vá a uma festa ou balada e grite o nome do Dionísio.

➢ Dia 6 (20 de setembro) (mysteriodites Nychtes):


Dia de descanso, jejum, purificação. Bebiam uma bebida de cevada, mel e pólen
(Kykeon). Iniciados podiam entrar no templo sagrado. Exibiam objetos sagrados
à Deméter.
Substituição nos dias de hoje:
• Faça banimento/purificação;
• Acenda a sexta vela e o sexto incenso;
• Faça uma meditação em nome de Perséfone e de Deméter por pelo menos 20
minutos;
• Faça libação de vinho, água ou suco em nome de Perséfone e de Deméter;
• Agradeça;
• Faça o banimento final.
➢ Dia 7 (21 de setembro) - Início dos Ritos Secretos
Dia de lamentos, saíam em busca de Perséfone na escuridão com olhos vendados
e guiados por um mystagogo.
• Faça banimento/purificação;
• Acenda a sétima vela e o sétimo incenso;
• Faça uma meditação em nome de Perséfone e de Hades com os olhos vendados;
• Faça libação de vinho, água ou suco em nome de Hades, Perséfone e Deméter;
• Agradeça;

111
• Faça o banimento final.

➢ Dia 8 (22 de Setembro) - Plemochoai


Dia de sacrifícios e festas envolvendo a plantação.
Substituição nos dias de hoje:
• Faça banimento/purificação;
• Acenda a oitava vela e o oitavo incenso;
• Se este for seu primeiro ano, plante romãs num vaso de flores. Se a romã já tiver
dado frutos, coloque um pouco de água ou de sangue de lua de forma cerimonial.
Enquanto estiver plantando ou aguando a planta, faça os seus pedidos tendo em
vista o ano que virá. A semente representa você e seus pedidos que são enterrados
mas que renascem e dão frutos.
• Faça libação de vinho, água ou suco em nome de Perséfone;
• Agradeça;
• Faça o banimento final.
➢ Dia 9 (23 de setembro) - Epistrofe
Iniciados voltam à Atenas renascidos.
Substituição nos dias de hoje:
• Faça banimento/purificação;
• Acenda a nona vela e o nono incenso;
• Leia um poema agradecendo Perséfone e sua família por todas as graças
concedidas a você e a humanidade.
• Faça libação de vinho, água ou suco em nome de Perséfone e de Deméter;
112
• Faça uma refeição em homenagem aos Deuses (que deve ser preparada com
antecedência)
• Agradeça;
• Faça o banimento final.

I
Escutai, escutai vossa história
Então preparai vossa alma
Para os Mistérios vindouros! E disse o filósofo:
“Três vezes felizes os mortais
Que depois de contemplarem os Mistérios
Descerem ao Hades
Somente eles poderão viver;
Para os demais
Tudo será sofrimento..."

Do Caos, a Natureza nasce


E na Natureza Nix se move

113
Nua, coroada de papoulas
Num véu negro iluminado de cometas
Ela dança em sua carruagem
Orquestrada por cavalos negros
Ela é o coração da melancólica
Assombrosa casa da noite
Patrona das feiticeiras
Rainha dos Mistérios Noturnos
Domadora da humanidade e dos Deuses
Da primeira Rainha nasce Hipnos
E de Hipnos nasce Morpheu,
O criador de Sonhos
Posto em sua cama de ébano
Numa caverna escura
Ornada de flores
E de narcóticos

114
II

Do Caos também surge Gaia


E Gaia ao dançar gera o Tempo
O Tempo, sábio, cria Deméter
E dela nasce Koré, a doce Deusa
Que tomada por Hades se transforma
Em sua dor renasce em toda glória
Perséfone, a frutífera ctônica salvadora
Perséfone, a que prospera entre flores
Da Torre, Perséfone enxerga à distância
Para compreender melhor os ciclos
E o caminhar para o Inverno
Assim iniciam-se os Mistérios Eleusinos
Escutai bem a palavra, Elêusis não é um local,
Mas sim um estado de espírito!
Perséfone vos conduz ao Submundo
Um caminho refletido por espelhos
E lá, despidos, especulam
Sobre o que há de oculto

115
Deformidades, desilusões
E o ano que é deixado para trás
Abraçai então tristezas
Abraçai profundas marcas
Para que assim
Em conjunto com a vossa Verdade
Inclusive a mais dolorosa e pessoal
Podeis doar três fios de cabelo à Deusa
E morrer em vós
Buscando a purificação e o renascimento
Pois sua filha, Macária, é o instante da transformação
O meio pelo qual a catarse purifica a alma
Não temeis, pois, o fim
Tampouco o recomeço que paira
Na esperança d’um novo caminho
Do amanhecer que já se cala ante a força de Nix
Levantai após o ritual
Como alguém que acorda do túmulo
Tomai as rédeas da vida e caminhai
Com alento e audácia, para a vida diária
Correi até vossos desejos mais impossíveis

116
Sabei ao certo como quereis
E deveis conduzir vossa própria Vontade
Cada qual deve buscar a autorreflexão
Procurai por momentos de meditação
Pois enfrentar o que há de pior em vós
É o passo certeiro para o vindouro
Eis o novo ciclo do renascimento
Eis a verdade e a vida
O começo do intenso e do doloroso
A promessa de cicatrização de antigas feridas!

III

No fundo do abismo do jardim de Perséfone


Jaz a flor que espera o renascimento
Brilha em beleza no escuro de si mesma
Mas pouco de si percebe ou reconhece
Quando diante do próprio espelho
Acena para o nada que tanto a conforta
No topo do abismo jaz a flor que
Arrastada, se tortura, por não saber qual é
Sua Verdadeira Vontade, seu plano de vida

117
E durante o dia se cura das feridas que fez
Junto ao caos de si mesma
Então a flor da terra suga o caldo da Verdade
E finalmente estuda a si mesma
Em busca de seu maior desejo
A perscrutar seu coração e seus medos
É a flor que refaz seus brotos
Desabrocha lindas pétalas
E se curva pela própria beldade
Toda letra de criatividade
A flor é vós,
O tudo
Escutai o quão fecundo
É a alma daqueles que pregam
Os louros de um espírito profundo
E livre!

118
Teus grandes olhos,
Nascidos tristes e cansados,
As dores desconheciam

Dá lírios, doce menina,


Dá lírios aos desolados e aflitos
Dá lírios, Koré querida

Tu és a filha, a inocente menina,


Tu és a mãe, a santa imaculada
Tu és a amante, a destruidora, Hagne!

Tu és a esperança,
Tu és a destruição,
Tu és a fortaleza, a Temível Rainha

Tu és a morte,

119
Tu és a vida,
A Primavera e o Inverno!

Elevas tua lanterna,


Das flores fazes uma coroa
E da obsidiana a tua arma

Na tua mão esquerda há o cesto de romãs


Que gentilmente ofereces
Num dia de setembro, às nove horas

Caminham contigo os coelhos


Os pássaros falantes e os morcegos
Próximos a cachoeiras e grutas

Nunca se atravessa duas vezes o mesmo rio,


Afirma Heráclito,
Nunca se banha na mesma água

Tudo está em constante mudança,


Assim és tu, Perséfone, a Grande Deusa,
Megala Thea

120
Venha a mim, oh Grande Deusa
Meu Templo Vivo
Minha morada, meu arrepio!

Oh, Grande Deusa, ouve meu chamado


Aceita este sacrifício
E todas as minhas oferendas

Vem, oh Grande Deusa


Esteja aqui presente
Oh, minha mãe Perséfone!

121
Olímpica Deusa da colheita,
Nossos grãos são filhos de
Teu ventre imaculado e astuto

Deste à humanidade o maior


Dos presentes possíveis
Como arar a terra, o sustento e a vida

Em Cereália celebramos a primavera


O seu amor pela humanidade
E o encontro com Perséfone, sua filha querida

Ouve meu clamor, oh grande Anêsidôra


Vem até a mim, oh Karpophoroi
Eu te chamo, eu te louvo, eu te glorifico!

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Senhor dos Mortos, Deus do Submundo
Pai das riquezas de todos os subsolos
De obscura origem que venceu o Tempo

Ainda assim ao Amor se curvou


E pelo Cupido tomou Perséfone
Mostrando a ela o reino dos Mortos

Com ela teve alguns frutos:


Melinoë, a Deusa dos fantasmas
E Macária, a Deusa da boa morte

Ouve meu chamado, oh grande Agesilaos


Vem até a mim Agesander
E abraça-me até o dia em que viverei em ti

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Traze-me riquezas, farturas e preciosidades
Porque falarei teu nome sempre e à vontade
Eu te louvarei até o final dos tempos

Ouve meu clamor, oh grande Hades


E aceita humildemente a minha alma
Vem a mim, oh Grande Senhor!

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Hécate, a Vontade
Em busca de deuses e monstros
A segurar a Chave da vida

Deusa das terras selvagens


Dos partos e nascimentos
Deusa tríplice da bruxaria

De ti conhecemos as plantas
O veneno, a necromancia e a feitiçaria
Honramos tua negra face e sabedoria

Ouve o meu chamado, oh Hécate


Minha Patrona, grande Feiticeira
Venha a mim, oh Primeira Bruxa!

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Oh, querida Melinoë,
Primeira grande Filha de Hades e de Perséfone
Mãe de todos os fantasmas e das aparições

Tu avanças na calada da noite


E trazes grande medo aos Mortais
Mas não há medo aqui, querida Melinoë

Eu louvo a tua presença


O teu lado gentil e sereno
Os teus olhos que brilham na escuridão

Mostra o caminho para todos os fantasmas


As almas perdidas e aflitas
Oh, querida Melinoë, fique em paz e sê bendita!

127
Oh, Deusa da Boa Morte
Que tu venhas até a mim quando for
A minha hora de partir!

Eu sorrirei porque serás tu


Eu te abraçarei porque contigo
Tudo fará sentido!

Oh, Macária, Deusa da Boa Morte


Que eu tenha uma vida longa
Para que nosso encontro seja saudoso

Que ofertem três fios dos meus cabelos


E joguem-nos ao fogo em nome de Perséfone
Que coloquem uma moeda embaixo da minha língua
Para que passemos por Caronte tranquilamente

Oh, Deusa da Boa Morte

128
Conceda-me o dom de uma passagem tranquila
E eu te receberei alegremente!

Leva-me até a minha mãe Perséfone


É tudo o que te peço
E permita que eu me jogue aos seus pés

Estarei feliz, oh Boa Morte


Porque serei eu novamente
E voltarei para casa finalmente!

129
Oh, Zagreus, oh Dionísio
Deus dos Prazeres e do Vinho
Eu celebro agora contigo

Venha sempre esbelto, filho de Perséfone


Aquele que faz parte da filha ctônica
Do Submundo

Que os festejos comecem em sua honra


E que haja música, dança e vinho!
Oh! Oh! Oh! Dionísio!

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Oh, patrono de todos os comunicadores
Senhor das mensagens e dos mensageiros
Oh, Deus do discurso eloquente e persuasivo
Tantas metáforas compreendes do além-mundo
Que cada linha é pouca para apropriado culto
És tão sagaz, prudente e diplomata
Que tudo vês e compreendes
Inclusive o próprio silêncio dos deuses
Inventaste o mundo das ideias e das palavras
Bem como a astronomia e a música
Inventaste ainda as ginásticas
E as artes de luta!
Para tantas qualidades intelectuais
Foram muitas viagens e aprendizados
Caminhos pelas mais diversas estradas
Tanta excursão te trouxe belas amizades
E tua hospitalidade é reconhecida

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Em qualquer lugar do mundo
És o Deus do enriquecimento inesperado
Do sorteio e da boa sorte
Tu levas as almas dos mortos para Hades
Afagas as pragas e os maus agouros
Tu és a representação da cura psíquica!
Oh, Deus mais amigo dos mortais
Nenhuma estranheza para ti é estranha
Orientador sensível e amável
Guia de todos os escritores e sábios
Ouve meu clamor e vem ao meu encontro
Recebe meus sacrifícios e minhas homenagens
Oh, Hermes, meu Patrono Divino
Tu és minha inspiração e tens Domínio
Sobre tudo o que escrevo!

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• Ritual dos mistérios eleusinos - mitologia grega - prof. Dr. Oscar luiz brisolara

• As influências da religião antiga grega (mistérios de elêusis, dionisismo e orfismo) e de


alguns elementos essenciais do pitagorismo e de platão na construção da doutrina
escatológica tradicional católica, leandro nazareth souto e renée silveira ferreira

• A ideia de salvação post-mortem no ritual dos mistérios de elêusis na Grécia antiga -


Gabriella Alves dos Santos e Santos

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Lua Valentia é filha de Perséfone e de Morpheus.
Ela nasceu em Minas Gerais, mas passou grande parte da sua vida adulta entre São Paulo
e Rio de Janeiro.
Hoje Lua mora em Melbourne, na Austrália.
Em 2009, começou a praticar Magia do Caos e não parou mais. Ela é fundadora do site
Specula e divulga a Corrente 108.

Ela também tem uma banda chamada Caotes.

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Lua espera que sua obra artística seja compreendida de maneira holística, levando em
conta o período de seu nascimento.

Entre em contato com a autora:

luavalentia@gmail.com

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