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Poesia dos heterónimos

EDUCAÇÃOLITERÁRIA

1. Lê a ode de Ricardo Reis.

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo


Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.

À noite, que entra, não pertence, Lídia,


O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.
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À lareira, cansados não da obra


Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas sejam


Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
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A negra ida do sol).

Pouco a pouco o passado recordemos


E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida


Com outra consciência nós colhíamos
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E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.

E assim, Lídia, à lareira, como estando,


Deuses lares1, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora componhamos

Nesse desassossego que o descanso


20 Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.

REIS, Ricardo, Op. cit., pp. 42-43.

1. deuses lares: deuses domésticos que protegem a habitação e a família.

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2. Relaciona o verso 1 com as referências à Natureza presentes nos versos 2 a 4.

3. Refere as normas de vida expostas nos versos 5 a 24, fundamentando a tua resposta com
referências textuais pertinentes.

4. Explicita os valores simbólicos do espaço e do tempo em que ocorrem as recordações do


passado.

5. Explica o conteúdo das duas últimas estrofes enquanto conclusão do poema.

Nota: As questões 2. a 5. foram retiradas da Prova Escrita de Português, 2013.

LEITURA|GRAMÁTICA

Ricardo Reis, o ressentido da vida


Segundo Fernando Pessoa, para Ricardo Reis as coisas devem ser senti-
das, não como são, mas de modo a integrarem-se num certo ideal de me-
dida e regras clássicas.
Efetivamente, este heterónimo constrói o seu estilo laboriosamente,
imitando a perfeição do seu modelo literário, Horácio. Assim, é um poeta
ressentido que sofre e vive o drama da transitoriedade, sofrendo as amea-
ças do Destino, da irreversibilidade do tempo e da morte. Como ele mesmo
afirma, sente-se estrangeiro no mundo, daí que o seu prazer não se situe
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nos gozos materiais, mas na prática da virtude pelo domínio das paixões e
pela supressão da dor.
Em conclusão, Ricardo Reis faz a apologia de uma das principais coor-
denadas do epicurismo: carpe diem, goza, frui, aproveita o dia.

PEDRO, Ana Lúcia. “Ricardo Reis, o ressentido da vida” [Em linha].


Público, 05-07-2015 [Consult. em 24-02-2017].

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2. Assinala a opção correta, justificando a tua opção.


2.1. Este texto adota o género textual
(A) apreciação crítica. (B) exposição sobre um tema.

2.2. A expressão “Segundo Fernando Pessoa” (l. 1) tem como função


(A) introduzir uma enumeração. (B) explicitar a fonte utilizada.

2.3. O advérbio “Efetivamente” (l. 4) contribui para a coesão gramatical


(A) lexical. (B) interfrásica.

2.4. Na última linha, os dois pontos introduzem


(A) uma enumeração. (B) a conclusão de um raciocínio.

SOLUÇÕES|SUGESTÕESMETODOLÓGICAS

“Cada coisa a seu tempo tem seu tempo” (p. 16)


Educação Literária
2. No primeiro verso, o sujeito poético expõe a ideia de que tudo ocorre num contexto preciso, determinado pelo curso
natural das coisas. As referências à Natureza presentes nos versos 2 a 4 sustentam esta ideia, fornecendo exemplos
concretos. Estes mostram que a cada estação do ano corresponde um ambiente específico: no inverno, há frio e neve e é
na primavera que as árvores florescem.

3. De acordo com os versos 5 a 24, é importante: viver de forma moderada e tranquila – “Com mais sossego amemos / A
nossa incerta vida.” (vv. 7 e 8); evitar todo o esforço inútil – “Não puxemos a voz / Acima de um segredo” (vv. 11 e 12);
lembrar o passado de forma ligeira, despreocupada e breve – “E casuais, interrompidas sejam / Nossas palavras de
reminiscência” (vv. 13 e 14); rememorar as histórias “que nos falem” (v. 20) da “infância” (v. 21).

4. As recordações do passado ocorrem: numa noite de inverno, que, metaforicamente, corresponde à velhice; à “hora dos
cansaços” (v. 10), propícia à rememoração e ao diálogo calmo e íntimo; à “lareira” (vv. 9 e 25), espaço associado ao
conforto e à proteção.

5. As duas últimas estrofes sintetizam as ideias apresentadas anteriormente. Reafirma-se que a passagem do tempo
conduz inevitavelmente à noite da vida e à recordação do “outrora” (v. 28). Chegado este momento, deve adotar-se uma
atitude serena, semelhante à dos “Deuses lares” (v. 26), e rememorar o passado de modo a tornar a passagem do tempo
aceitável e agradável no presente.
Nota: As respostas às questões 2. a 5. foram retiradas dos Critérios de Classificação da Prova Escrita de Português, 2013.

Leitura | Gramática
2.1. (B) O texto tem como principal intenção comunicativa expor/ transmitir informação e fá-lo com concisão e objetividade,
fundamentando as ideias apresentadas.
2.2. (B) A expressão tem o sentido “De acordo com” e remete para o autor/criador do heterónimo Ricardo Reis e teorizador
do seu estilo literário.
2.3. (B) O conector “Efetivamente” liga dois parágrafos.
2.4. (B) Os dois pontos concluem um raciocínio iniciado no período anterior, na medida em que explicitam a coordenada do
epicurismo em causa.

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