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Universidade Federal da Paraíba

Universidade Aberta do Brasil


Educação a Distância
Introdução aos Estudos Clássicos
Professor Milton Marques Júnior

Mini-curso Leitura de Textos Clássicos


Local: Cabaceiras (PB), Taperoá (PB) e Mundo Novo (BA)
Período: 23 a 25 de fevereiro de 2011

Ementa: Leitura, análise e interpretação de textos clássicos e de textos que revelam na sua
tessitura a permanência dos referenciais clássicos, de modo a demonstrar a continuidade do
pensamento clássico greco-latino na arte e na cultura de um modo geral.

Programa
1. Conceituação de Clássico
2. O Clássico Greco-Latino
3. Leitura do Canto XXII da Ilíada
4. Leitura de Sonetos Camonianos
5. Leitura da Lira VII de Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga
6. Referenciais clássicos em autores modernos

Bibliografia
MARQUES JÚNIOR, Milton. Introdução aos estudos clássicos (material didático da EAD).
HOMERO. Ilíada.
CAMÕES, Luiz Vaz de. Sonetos.
GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu.

Observações
 O estudante deve levar para o curso o material didático da EAD.
 Na Biblioteca dos polos de Cabaceiras e de Mundo Novo existe o livro O teatro da dor, da
humilhação e da morte no Canto XXII da Ilíada, de nossa autoria, onde consta o Canto XXII na
íntegra. O estudante deve tirar cópia apenas do Canto XXII, para nosso mini-curso.
 Seguem 03 Sonetos Camonianos e o texto completo do Canto XXII.

I – Sonetos Camonianos

1. Soneto 130

Diversos dões reparte o Céu benigno Mas junto agora o mesmo Céu derrama
E quer que cada ua um só possua; Em ti o mais que tinha, e foi o menos,
Assi ornou de casto peito a Lua, Em respeito do Autor da Natureza;
Ornamento do assento cristalino;

De graça, a Mãe fermosa do Menino, Que, a seu pesar, te dão, fermosa Dama,
Que nessa vista tem perdido a sua; Diana honestidade, e graça Vênus,
Palas, de discrição, que imite a tua; Palas o aviso seu, Juno a nobreza.
do valor, Juno, só de império digno.
2. Soneto 139

Enquanto Febo os montes acendia, - Tu vás com tuas redes na espessura
Do Céu com luminosa claridade, Os fugitivos cervos enredando,
Por evitar do ócio a castidade, Mas as minhas enredam o sentido.
Na caça o tempo Délia despendia.

Vênus, que então de furto descendia - Melhor é (respondia a Deusa pura)


Por cativar de Anquises a vontade, Nas redes leves cervos ir tomando
Vendo Diana em tanta honestidade, Que tomar-te  a ti nelas teu marido.
Quase zombando dela, lhe dizia:

3. Soneto 147

Já claro vejo bem, já bem conheço Quero achar paz em um confuso Inferno;
Quanto aumentando vou o meu tormento; Na noite, do Sol puro a claridade;
Pois sei que fundo em água, escrevo em vento, e o suave Verão no duro Inverno.
E que o cordeiro manso ao lobo peço;

Que Aracne sou, pois com Palas teço; Busco em luzente Olimpo escuridade,
Que a tigres em meus males me lamento; E o desejado bem no mal eterno,
Que reduzir o mar a um vaso intento, Buscando amor em vossa crueldade.
Aspirando a esse Céu que não mereço.

II – ILÍADA – CANTO XXII1

Versos 1-24
Assim, os Troianos foram enxugando seu suor, bebendo e mitigando a sede, estando
refugiados ao longo da cidadela como jovens cervos, inclinados nas belas ameias.
Enquanto isso, os Aqueus foram para mais perto da muralha, reclinando nos ombros os
escudos.
Um destino funesto deteve Heitor a ficar no mesmo lugar, perante os portões de Ílion e
Ceios.
Então Febo Apolo interpelou o Peleio:
« Filho de Peleu, por que, mesmo sendo tu mortal, com pés velozes acossas a mim, um
deus imortal? Como não reconheces a mim, que sou um deus, tu te enfurecestes
veementemente. Fica claro que as penas dos Troianos que afungentaste não te importam, os
quais já te escapuliram cidadela adentro. E tu te retiraste para cá. Não, não hás de me matar,
já que não sou destinado a morrer. »
Aquiles de ágeis pés afirmava-lhe muito indignado:
« Certeiro de alvos, mais funesto de todos os deuses, ludibriaste-me, tendo-me desviado
para cá, longe da muralha. Por pouco, muitos ainda teriam mordido a terra antes de chegarem
a Ílion. Mas agora despojaste-me não somente de grande brilho, como também salvaste os

1
Tradução direta do grego de Erick Meira France de Souza, da Universidade Federal da Paraíba.
Troianos com facilidade, já que por nada temes vingança futura. Eu até me vingaria de ti, se eu
tivesse poder. »
Ao dizer assim, saíra com ares de soberba rumo à cidadela. Como, pois, um cavalo
vencedor arremete com carros, alongando-se na planície, assim Aquiles excele em pés e
joelhos rápido.

Versos 25-53
O velho Príamo foi o primeiro a vê-lo, com os próprios olhos: como, pois, uma estrela
cintila precipitando-se à planície, a qual vem no verão, e seus brilhos resplandecentes
aparecem em meio a muitas estrelas, no seio da noite, a qual chamam pela alcunha de "Cão de
Órion", a mais brilhante, porém toda vez faz mau agouro e traz muita febre aos míseros
mortais, assim brilhava o bronze em volta do peito de Aquiles correndo.
O velho uivou e estapeou com as mãos a cabeça, dirigindo-as para o alto. Uivou alto, aos
brados, rogando ao amado filho. Este estacionara na dianteira dos portões ávido de combater
acirradamente contra Aquiles. O velho interpelou-o miseravelmente, estendendo as mãos:
« Heitor, amado filho, não me aguardes sozinho, distante dos outros, esse guerreiro. Para
que, sem demoras, não atraias tua ruína, submetido pelo Peleio, já que é decerto mais forte
que tu, o funesto. Quem me dera ele fosse tão quisto aos deuses quanto o é a mim. Sem
demora, cães e abutres acabariam comendo-o, estando caído. Quem sabe esse cruel
sofrimento fosse embora de meu peito. Ele me privou de muitos filhos probos, matando-os e
vendendo-os em ilhas estrangeiras. Mesmo agora, por exemplo, não tenho como ver dois
filhos, Licaón e Polidoro, escapulirem dos Troianos cidadela adentro. Laotoé, majestosa dentre
as mulheres, me deu os dois. Mas se estão vivos em meio a um acampamento, de imediato
havemos de resgatá-los a bronze e ouro, com certeza. Lá dentro muito há, que o ilustre velho
Altes deu de dote à filha. E se já estão mortos e nos domínios de Hades, haja dor em íntimo e à
mãe, que os geramos.

Versos 54-76
A dor há de ser mais breve aos outros caso hajas de morrer submetido por Aquiles
também tu. Vamos, adentra a muralha, meu filho. A fim de que salves Troianos e Troianas e
não ofereças grande brilho ao Pelida, vindo a seres despojado de tua vida. Apiada-te de mim
em algum momento, um desgraçado, desafortunado, ainda lúcido, que em alta velhice o pai
Cronida consome numa sina dolorosa, havendo eu assistido a muitas desgraças: filhos e filhas
perdidos; tálamos violados; crianças pequenas atiradas contra a terra, numa contenda cruel;
noras arrastadas sob mãos funestas de Aqueus; e, por fim, eu próprio, cães carniceiros em
servidão cedo ou tarde hão de me puxar nos portões frontais, assim que um que me tenha
acertado ou atingido com afiado bronze me extraia dos membros a vida; cães porteiros que
criava à solta às mesas em meus salões e que devem ficar largados pelos portões frontais,
descontrolando-se ao terem bebido meu sangue. A um jovem que morra em combate, tudo é
de boa medida, ao jazer dilacerado por afiado bronze: mesmo havendo morrido, tudo que
fique à mostra é belo. Mas quando cães ultrajem o rosto grisalho, o queixo grisalho, as partes
íntimas de um velho morto, decerto isso é deprimente aos míseros mortais. »

Versos 77-103
Disse o velho, e com isso puxou forte com as mãos os cabelos, arrancando-os da cabeça,
mas não dissuadiu o intento de Heitor. Doutro lado, a mãe, por sua vez, soluçava vertendo
lágrima, pondo afora o seio e segurando firme o mamilo com uma das mãos. Também lhe
interpelou palavras aladas, chorando:
« Heitor, meu filho. Respeita isto e apiada-te de mim, se algum dia te dirigi o mamilo
consolador, lembra-te deles, amado filho, e afasta o guerreiro inimigo estando tu dentro da
muralha, não encares de frente esse cruel. Pois se ele matar justo a ti, não hei eu mais de
chorar no leito, amado filho que eu mesma pari, nem tua esposa de rico dote, mas muito longe
de nós duas rápidos cães hão de te devorar à margem das naus dos Argivos. »
Assim, ambos interpelavam, chorando, ao amado filho e fazendo muitas súplicas. Não
dissuadiam o intento de Heitor. Não, ele aguardava o ingente Aquiles, que ia para mais perto.
Assim como uma serpente montesa, na toca, aguarda o guerreiro estando alimentada
com maus venenos, e, pois, uma cólera medonha se enfia nela, e assustadoramente fica à
espreita se espiralando à volta da toca, assim Heitor não se retira, guardando força
inextinguível.
Tendo apoiado o lustroso escudo sobre uma torre proeminente, Heitor, inquieto, consulta
seu magnânimo coração:
« Ai de mim, se adentro os portões e muros, Polidamas há de ser o primeiro a despertar
recriminações contra mim, ele que insistia em eu guiar os Troianos rumo à cidade sob esta
funesta noite em que o divino Aquiles se levantou.

Versos 104-130
Mas não o obedeci. Até que teria sido muito mais proveitoso. Agora, como arruinei a
tropa, com minha arrogância, envergonho-me e aos Troianos e às Troianas de longos véus, de
que alguém menos bom do que eu algum dia fale: « Heitor arruinou a tropa ao confiar em sua
força. » Assim, falarão. Mas, para mim, seria muito mais proveitoso ou retornar havendo
matado Aquiles de frente, ou ser morto por ele, ficando eu glorificado ante a cidade. Se,
porém, eu depuser meu escudo corcovado e meu pesado elmo e, apoiada a lança à muralha,
eu próprio vá hostil ao irreprochável Aquiles e lhe garanta dar Helena, que foi o início da
disputa, e mais aquisições, à risca, tudo quanto Alexandre trouxe, nas côncavas naus, para
Tróia, aos Atridas para levarem, e ainda dividir por igual, depois conto tomar com os Troianos
um juramento da parte dos anciãos, de não esconderem nada, mas dividir meio a meio tudo,
quanta posse a agradável cidadela comporta. Mas por que meu íntimo me sugeriu essas
idéias? Não tenha eu de instá-lo. Ele não há de ter piedade de mim, tampouco me há de
respeitar. Há de me matar, eu nu como apenas uma mulher, quando eu me afastar das armas.
Agora não há como conversar ternamente com ele, a respeito de árvores ou rochedos, o que
uma moça e um rapaz conversam um com o outro, moça e rapaz! Não, é melhor sair em luta o
quanto mais cedo. Vejamos a qual dos dois o Olímpio ofereça o triunfo. »

Versos 131-156
Assim, depois de aguardar, levantou-se, e Aquiles veio para junto dele igual ao belicoso
Eníalo de penacho vibrante, brandindo a terrível lança Pelida, pelo ombro direito. Por todos os
lados, o bronze luzia semelhante ao clarão ou de um fogo ardente ou do sol levante. Somente
foi notá-lo e um frêmito tomou Heitor: não mais, por isso, suportou aguardar no lugar. Deixou
para trás os portões e partiu assustado. O Pelida acometeu com pés pressurosos bem
confiante. Qual um falcão das montanhas, mais ligeira das aves aladas, se mete em busca de
um trêmula pomba, com facilidade – ela debanda, abaixo, e ele, ao alcance, mergulha aos
estridores para cima, contínuo, e seu íntimo manda agarrar –, assim Aquiles, ávido, voou reto,
e Heitor fugiu ao sopé da muralha dos Troianos. Excelia nos lépidos joelhos.
Eles correram pelo lado do posto de observações e da arejada figueira sem parar, desde
sob a muralha, ao longo da pista. Chegaram ao par de fontes de belo jato, onde as duas jorram
para cima profusamente, do vorticoso Escamandro: uma flui com água tépida, e dela surge
vapor em volta, como se de um fogo ardente; a outra aflui, no verão, parecida com granizo ou
neve gélida ou cristal de gelo sobre a água. Lá, contíguo a elas, há largos lavatórios belos,
lapidados, onde as belas esposas e filhas dos Troianos, volta e meia, lavaram lustrosas vestes,
outrora, em tempo de paz, antes de o povo Aqueu vir.
Versos 157-181
Ambos corriam as margens dali: um, fugindo, o outro, acossando por trás; na frente, fugia
um bravo, e o outro, muito mais bravo, acossava-o como se a galope, já que não disputavam
animal de sacrifício ou couro, que são prêmios de homens, pela corrida, mas corriam pela alma
de Heitor, domador de cavalos.
Como quando cavalos vencedores de casco ungulado cursam à volta linhas de chegada,
vivazmente – o grande prêmio está posto ao guerreiro abatido: ou uma trípode ou uma mulher
–, assim Heitor e Aquiles, com ágeis pés, arrodearam três vezes a cidade de Príamo. Os deuses
todos observavam, e pai dos deuses e dos homens começou propondo entre eles:
« Oh! Será que vejo, com meus olhos, um prezado guerreiro acossado em volta da
muralha? Meu âmago lamenta por Heitor, o qual já queimou muitas coxas de bois, sobre os
cimos do Ida, de múltiplos barrancos, na altíssima cidade. Agora, porém, o divino Aquiles com
rápidos pés o acossa em volta da fortaleza de Príamo. Mas ânimo, deuses. Cogitai e resolvei se
ou o salvaremos da morte, ou já o submeteremos ao Pelida Aquiles, mesmo sendo bravo
Heitor. »
Por sua vez, Atena, deusa de olhos fúlgidos, endereçou-se-lhe:
« O que falaste, pai de candentes relâmpagos e de atras nuvens? Queres, de novo, poupar
da lastimável morte guerreiro mortal há muito destinado a um sina? Pois faze. Porém, os
outros deuses não te aprovamos isto. »

Versos 182-204
E disse-lhe o agrupador de nuvens, respondendo:
« Anima-te, Tritogênea, amada filha! Não proponho de caso pensado. Quero ser gentil
contigo. Farás como de fato tens em mente, e não mais postergues. »
Assim tendo falado, urgiu Atena, já ávida, e desceu dos topos do Olimpo, arremetida.
O veloz Aquiles seguia rente a Heitor, pressionando veementemente.
Como quando um cão que desperta do abrigo, na montanha, persegue um filhote de
jovem cervo através de vales e de ravinas, e ainda que este, ao agachar-se sob um arbusto,
despiste-o, mesmo assim o cão corre sem pausa, rastreando-o até que o ache, assim Heitor
não despistava o Peleio de pés velozes.
Quantas vezes se atirasse adiante dos portões Dardânios para arremeter sob as bem
firmadas torres, se de um modo o defendessem com dardos, lá de cima, tantas vezes Aquiles o
desviava primeiro, rumo à planície, barrando-o. Mas Heitor amiúde desabalava rumo à cidade.
Qual, num sonho, não se consegue alcançar o que foge – um não consegue fugir
sorrateiro; o outro, alcançar –, assim Aquiles não consegue a pé alcançar Heitor, nem ele,
escapar.
Como podia Heitor ter-se desvencilhado das garras da morte, se não de perto interviesse
em prol dele Apolo pela última e final vez, o qual lhe atribuiu com vigor e lépidos joelhos?

Versos 205-228
O divino Aquiles, com a cabeça, acenou para as tropas e não ia deixando atirarem contra
Heitor os dardos pontiagudos, para que um, lançando, não lhe tirasse o brilho, e ele ficasse em
segundo. Mas quando chegaram ao extremo das fontes pela quarta vez, além disso, Zeus pai
sopesou os áureos pratos da balança e pôs neles as duas Queres de morte longamente
dolorosa: uma de Aquiles, outra de Heitor domador de cavalos. Pegando pelo meio, librou-as,
e pendeu para Heitor o dia fatal, partiu para o Hades, e Febo Apolo o deixou.
Atena, deusa de olhos fúlgidos, chegou ao Peleio e, erguida de perto, dirigiu-lhe palavras
aladas:
« Agora, sim, brilhante Aquiles, benquisto a Zeus, ambos contamos com levares contigo
grande brilho rumo às naus dos Aqueus, ao dilacerarmos Heitor, mesmo sendo insaciável de
combate. Não mais lhe é dado escapar-nos agora. Nem se o certeiro de alvos Apolo sofresse
excessivamente, rolando-se diante de Zeus pai, detentor da égide. Mas, partindo agora, fica de
pé e toma fôlego tu, convencê-lo-ei a combater de frente. »
Assim disse Atena, e ele obedeceu. Então, ele alegrou-se no ânimo e levantou apoiando-se
à lança de gume de bronze.
Atena, pois, o deixou e foi ao encontro do divino Heitor com a aparência de Deífobo, no
porte e na intrépida voz. Erguida de perto, dirigiu-lhe palavras aladas:

Versos 229-253
« Caro irmão, o ágil Aquiles te pressiona altamente, com pés rápidos, acossando-te à volta
da fortaleza de Príamo. Mas ânimo. Fiquemos de pé e defendamos, firmes.»
O grande Heitor de penacho vibrante endereçou-se-lhe, por sua vez:
« Deífobo, decerto foste, outrora, o muito mais benquisto dentre os filhos consagüíneos
que Hécuba e Príamo geraram. E agora sinto estimar-te ainda bem mais, no meu imo, tu, que
suportaste sair da muralha quando o viste com próprios olhos, enquanto outros ficam dentro.”
A deusa Atena, de fúlgidos olhos endereçou-se-lhe, por sua vez:
« Caro irmão, o pai e a augusta mãe mais uma vez estão fazendo muitas súplicas para eu
ficar, ajoelhando-se, todos os companheiros à volta, pois de tal modo estão se tremendo. Mas,
dentro, meu ânimo fraqueja num lúgubre pesar. E agora combatamos ambos, direto, ávidos, e
que não haja nada de contenção de lanças, e então vejamos se é de Aquiles, matando-nos
ambos, carregar consigo os despojos sangrentos, até as côncavas naus, ou ser submetido à tua
lança. »
Assim dizendo, Atena guiou-o ainda com astúcia. E aí quando estavam Aquiles e Heitor
indo um ao outro, o primeiro a se endereçar foi o grande Heitor de penacho vibrante:
« Não mais fugirei com medo de ti, filho de Peleu, como, embora, te temi três vezes à
volta da grande fortaleza de Príamo e não suportava aguardar-te ao vires para cima. Agora o
ânimo me estimulou a levantar-me contra ti, derrote ou seja eu derrotado.

Versos 254-278
Mas vamos, tenhamos aqui os deuses, pois hão de ser as melhores testemunhas e
supervisores do nosso pacto, pois eu não hei de te ultrajar, tu ferido, contanto que Zeus me dê
a vitória e eu te tire a alma. Aliás, uma vez que eu puder te espoliar as ilustres armas, Aquiles,
hei de devolver o cadáver aos Aqueus. E assim faze tu. »
E, a isso, Aquiles de ágeis pés se referiu-lhe de um olhar irritado:
« Execrável Heitor, não me fales em acordos! Como não há juramentos fidedignos entre
homens e leões, nem lobos e cordeiros têm ânimos concordes, mas repetidamente tramam
males um ao outro, assim não é possível eu e tu sermos amigos, tampouco haverá juramentos
entre nós antes de um dos dois, tombando, saciar de sangue Ares, o belicoso de funesto
escudo. Ainda, lembra-te de toda tua excelência: agora é bem preciso seres lanceiro e
guerreiro intrépido. Não há mais saída para ti. Dentro em pouco, Palas Atena há de te
submeter à minha lança. E agora quitarás todos, e duma só vez, os padecimentos de meus
amigos que mataste se metendo com lança. »
Disse e, brandindo firme, atirou a lança sombria, e o brilhante Heitor se esquivou, olhando
a frente, pois se agachou olhando atento, e a brônzea lança o sobrevoou e ficou na terra.
Palas Atena desencravou-a e a deu de volta a Aquiles, passou despercebida por Heitor,
pastor do povo. Então Heitor se endereçou ao irreprochável Peleio:

Versos 279-305
« Erraste, Aquiles parecido aos deuses, não sabias nada de Zeus quanto ao meu destino. E
tinhas certeza. Mas te saíste um de palavra fluente e tratante em discursos, a fim de que, ao te
temer, me esquecesse do vigor e do valor. Não hás de fincar lança em minhas costas eu
fugindo. Mas enfia direto de través em meu ávido peito, se um deus te conferir isso. Agora,
por tua vez, esquiva-te de minha brônzea lança. Que bom esbarrasses nela inteira, em teu
corpo. Talvez a guerra fosse mais leve aos Troianos tu te danando, pois tu és o maior flagelo. »
Disse e, brandindo firme, atirou a lança sombria: lançou-a ao meio do escudo do Pelida e
não acertou, e a lança foi rebatida para longe do escudo. Heitor se irritou de que seu ágil dardo
saiu da mão em vão, parou entristecendo, mas não tinha outra lança de freixo. Porém, chama
a Deífobo de branco escudo, com um longo grito. Pedia-lhe uma lança comprida, mas ele
sequer estava por perto. Então Heitor se deu conta em seu imo e falou:
« Ai de mim! Os deuses me chamaram para a morte. Pois eu jurava o herói Deífobo estar
presente. Mas ele se encontra na muralha. Atena me desviou. Agora, decerto, uma morte
cruel me está perto, longe não mais, não há escapatória. Já há um tempo isso era mais do
agrado a Zeus e ao certeiro de alvos filho de Zeus, os quais outra hora me protegiam de bom
grado. Agora a Moira vem a meu encontro. Possa eu não perecer sem luta e de modo não-
glorioso, mas havendo realizado grande feito de até os pósteros terem notícia. »

Versos 306-332
Assim, portanto, ao verbalizar, sacou a afiada espada, que pendera flanco abaixo grande e
maciça. Qual a águia, que voa às alturas, se atira em rodopio, a qual vai à planície, através de
nuvens sombrias, ao apresar ou um tenro cordeiro ou uma retraída lebre, assim Heitor se
atirou empunhando a afiada espada. Aquiles se irrompeu e saturou de selvagem coragem o
ânimo, o escudo – belos entalhes – cobriu a frente do peito, e balançava no luzente elmo de
quatro penachos. As belas crinas douradas batiam em volta, as quais Hefesto pôs espessas na
crista. Qual a estrela Vésper passa entre estrelas, no seio da noite – a qual se levanta o mais
belo astro no céu –, assim lampejava da lança de ponta aguda que, pois, Aquiles brandia na
mão direita, tramando o mal ao divino Heitor: sondando o belo corpo, onde parecia melhor. As
belas armas brônzeas continham o restante do corpo dele, as quais retirou, à força, de
Pátroclo, ao transpassá-lo. Aparecia onde as clavículas repartiam dos ombros o pescoço – a
garganta –, lá onde a partida da alma é a mais ágil.
Foi lá que o divino Aquiles enfiou com a lança, ao vir Heitor afoito, e o gume foi em cheio
pelo tenro pescoço. Entretanto, a lança de pesado bronze não cortou a traquéia, a fim de que
lhe dirigisse algo, trocando palavras. Heitor desabou na poeira, e o divino Aquiles jactou-se:
« Heitor, ingênuo! Apesar de que, ao espoliares Pátroclo, disseste haver de estares salvo,
em nada me consideraste, enquanto eu estava afastado.

Versos 333-355
Longe dele, eu fora deixado para trás, sobre as côncavas naus, um defensor de muito mais
destacado que te rompeu os joelhos. Tu, cães e aves arrastarão de forma ímpia; ele, os Acaios
lhe farão as exéquias. »
Heitor de penacho vibrante lhe disse, nas últimas:
« Suplico-te , pelo bem de tua alma, de teus ascendentes e de teus descendentes, que não
deixes os cães me devorarem, à beira dos muros Acaios. Ao invés, recebe em abundância
bronze e ouro, as dádivas que meu pai e minha augusta mãe te darão ao devolveres para casa
meu corpo, de modo que, tendo eu morrido, os Troianos e esposas dos Troianos me bem
ofereçam a parte do fogo que me cabe. »
E, a isso, Aquiles de ágeis pés se referiu-lhe de um olhar irritado:
« Cão, não me peças de joelho pelos ascendentes e pelos descendentes, pois meu vigor e
ânimo seriam capazes de me incitar a, já, comer tua carne crua, ao cortá-la, tais as coisas que
causaste! Porque não há um que repeliria de tua cabeça os cães, mesmo que se amontoem,
trazendo aqui, tributos dez, vinte vezes, e garantam outros, mesmo que, por ouro, Príamo
Dardânida mande te salvar. Nem assim tua augusta mãe pranteará te pondo num leito, a ti
quem ela gerou. Cães e aves de rapina te devorarão. »
Moribundo, Heitor de penacho vibrante se referiu-lhe:
Versos 356-383
« É somente olhar para ti e te conheço, e não devia tentar te convencer, pois que teu
coração, no fundo, é de ferro. Agora, cuidado com algum furor dos deuses, no dia em que Páris
e Febo Apolo venham a te matar nas portas Ceias, mesmo sendo tu bravo. »
Assim, portanto, o termo da morte cobriu-o após falar. A alma partira voando dos
membros para o Hades, pranteando seu destino, deixava a virilidade e juventude.
O divino Aquiles ainda respondeu ao que acabou de morrer:
« Morre! Eu aceitarei minha morte, quando quer que Zeus e os demais deuses imortais
queiram cumprir. »
Disse, portanto, e tirou do cadáver a brônzea lança, colocou-o de parte e despojou dos
ombros as armas ensangüentadas. Os outros filhos dos Aqueus acorreram e ficaram ao redor,
os quais contemplaram a estatura e o aspecto admirável de Heitor, mas nenhum ficava ao lado
sem ferir a ele repetidamente. Um falava assim, olhando para outro, próximo:
« Oh! Como Heitor é mais macio de se tocar do que quando com fogo ardente incendiou
naus! »
Assim, portanto, um falava e feria, e logo que o divino Aquiles de ágeis pés despojou-o
disse palavras aladas, de pé entre os Aqueus:
« Ó amigos, líderes e moderadores dos Argivos. Até que enfim os deuses proporcionaram
submeter este herói, que causou muitos males, mais do que todos os outros reunidos. Se
querem, avante, cerquemos, com ajuda das armas, a cidade por todo lado, para que saibamos,
ainda, a intenção que os Troianos têm: ou abandonarão a cidadela, em tendo caído Heitor, ou
se estão decididos a ficar, mesmo em não havendo mais Heitor.

Versos 384-411
Mas por que meu ânimo fala comigo sobre isso? O cadáver de Pátroclo jaz junto às naus
insepulto, não-pranteado. Não hei de esquecê-lo enquanto eu esteja entre os vivos e meus
caros joelhos se mexam. E se no Hades esquecer justo dos que morreram, mesmo lá,
contrariamente, eu hei de lembrar do amado companheiro! Agora, avante, voltemos para as
côncavas naus cantar um peã, jovens Aqueus. E o levemos. Conquistamos o magno brilho:
matamos o divino Heitor, ao qual os Troianos na cidadela endereçavam preces como a um
deus. »
Disse, portanto, e ponderava atos ultrajantes para com o divino Heitor. Perfurou os
tendões de ambos os pés, entre o tornozelo e o calcanhar,e passou as correias bovinas. Atou
para fora da biga e deixou o corpo de Heitor para arrastar. Ao subir para a biga e suspender as
ilustres armas, fustigou para partirem, e os dois cavalos saíram desabalados. Heitor sendo
arrastado, subia uma poeira, a cabeleira escura desgrenhou-se para todo lado, o rosto antes
jovial achava-se todo na poeira: neste momento, Zeus concedeu aos inimigos ultrajarem-no
em sua terra natal.
Assim, o rosto dele se empoeirava todo, e a mãe arrancou o cabelo, arremessou fora o
brilhante véu, para longe, e deu altos gemidos, observando o filho. O seu pai gemeu
piedosamente pela cidadela, e o povo, por todo lado ao longo da cidadela, se mantinha em
lamento e gemido. Era muitíssimo semelhante à queda da sobranceira Ílion consumida em
fogo.

Versos 412-436
As tropas a custo detinham o velho, descontrolado, ávido por ir fora dos portões
Dardânios: implorava a todos, rolando no esterco e chamando cada herói pelo nome:
« Por ora, amigos, detende-vos e deixai-me chegar às naus dos Aqueus, indo fora da
cidade, mesmo padecendo. Quero implorar a esse arrogante e violento guerreiro, se puder
respeitar minha idade e se apiadar da velhice. Peleu, seu pai, deve estar como eu, ele que o
gerou e deu criação para se tornar flagelo aos Troianos. Mormente a mim deu sofrimentos
além de todos, pois tantos filhos jovens matou. Embora angustiado, não lamento todos eles
tanto quanto a Heitor, pelo qual meu sofrimento agudo me baixará ao fundo do Hades.
Prouvera ter ele morrido em minhas mãos. Ambos íamos poder nos conformar chorando e
lamuriando, a mãe desafortunada que o pariu e eu próprio. »
Assim disse, chorando, ao que os cidadãos gemeram, e entre as Troianas Hécuba
principiou um pranto copioso:
« Filho, miserável de mim! Para que viverei, sofrendo horrores, agora que tu morreste? Tu
que eras meu orgulho noite e dia, pela cidadela, e um proveito aos Troianos e Troianas pela
cidade, que te acolhiam como um deus, pois também para eles eras de muito grande brilho,
estando vivo. Agora, não: morte e destino vêm ao teu encontro. »

Versos 437-461
Assim disse, chorando, e a esposa sequer tivera notícia de Heitor, pois nenhum
mensageiro de confiança lhe avisou de que o marido ficou do lado de fora dos portões. Num
recôndito do elevado palácio, ela tecia uma tela de dobra purpúrea, e nela bordava listras
coloridas. Instou as criadas de belas tranças pelo palácio para porem ao fogo uma grande
trípode, para que houvesse um banho quente, para Heitor, ao retornar do combate. Ingênua.
Não tinha ciência de que Atena de fúlgidos olhos o submeteu às mãos de Aquiles, bem
distante do banho. Até que ouviu um gemido e um uivo vindos da torre: seus membros
vacilaram, a lançadeira despencou no chão. Ela, então, chamou pelas criadas de belas tranças:
« Aqui, sigam-me as duas! Quero ver o que houve. Escutei a voz de minha venerável sogra
e, em meu próprio peito, o coração saltou pela boca, e de cima a baixo os joelhos enrijeceram.
Decerto um mal perto dos rebentos de Príamo. Para lá de meu ouvido a notícia, mas com
horror receio que o divino Aquiles persiga meu audaz Heitor sozinho, ao separá-lo da cidade
para a planície, e então debele de vez a indômita valentia que o toma, já que nunca corre
entre guerreiros, mas muito à frente, inigualável em vigor. »
Assim tendo dito, cruzou o salão igual a uma louca, o coração aos saltos. As ccriadas
andaram junto a ela.

Versos 462-491
Nisso, quando alcançaram a torre e o aglomerado de guerreiros, parou de pé à muralha
vendo se via e tomou ciência de que ele era arrastado diante da cidade: cavalos rápidos o
arrastavam sem compadecimento atè as côncavas naus dos Aqueus.
Noite tenebrosa cobriu seus olhos, desabou para trás, e a alma se evolou. Lançou da
cabeça, distante, as faixas cintilantes, diadema, touca, fita trançada e o véu que a dourada
Afrodite lhe deu no dia em que Heitor de penacho vibrante a conduziu como esposo do palácio
de Etíon, quando este concedeu-lhe incontáveis dotes. Por outro lado, as cunhadas e esposas
dos irmãos de Heitor ficaram de pé, aos montes, as quais a detinham entre si desolada a ponto
de morrer. Feito isso, quando tomou fôlego e voltou a si, falou com ímpeto, pranteando às
Troianas:
« Heitor, desafortunada de mim! nascemos ambos numa mesma sina: tu, no meio
palaciano de Príamo, em Tróia; já eu, ao sopé de Placo, na silvestre Tebas, no palácio de Etíon,
que me criou desde pequena, pai infortunado de uma infeliz. Como não devia ter eu nascido!
Agora, vais para os domínios do Hades, sob as profundezas da terra, e me deixas num luto
abominável, viúva nos salões. Teu filho é apenas uma criança, que geramos tu e eu
desventurados. Nem tu estarás com ele, Heitor querido, nem ele contigo, já que morreste. De
fato, ainda que fuja da guerra dos Aqueus, que derramou muitas lágrimas, sempre haverá
penas e padecimentos, no futuro, pois outrem pilharão sua lavoura; o dia de orfandade o
torna, em absoluto, uma criança sem amigos de sua mesma idade: não faz senão abaixar a
cabeça a tudo; senão estarem em lágrimas as faces; carente, a criança recorre aos amigos do
pai, puxando um pelo manto, outro, pela túnica.
Versos 492-515
Vindo a se apiadar, um deles lhe oferece um pequenino copo: umedece os lábios, mas não
o palato. Uma criança que tem ambos os pais o expulsa de um banquete, às pancadas com as
mãos e increpando injúrias: « Desaparece! Teu pai não está ao banquete conosco! » Criança,
pois, Astíanax corre choroso para o colo da mãe viúva, ele que, antes, era de comer sobre os
joelhos de seu pai somente tutano e gordura cevada de ovelhas. Por fim, quando o sono lhe
viesse e parasse de brincar, dormia bem, no leito, nos braços duma ama, numa cama macia,
repleto de alegrias no coração. E agora, Astíanax, o qual os Troianos chamam por alcunha,
deve sofrer muitas coisas, estando afastado do amado pai; pois foste o único a lhes proteger
os portões e a extensa muralha. E agora ávidos vermes te devorarão à margem das recurvas
naus, longe de teus pais, nu, quando cães se saciarem contigo. É que tuas vestes repousam nos
salões, finas e elegantes, confeccionadas por mãos de mulheres. Mas te digo: hei de cremá-las
todas em fogo ardente – de nada te valem –, já que não descansarás nelas. Mas diante dos
Troianos e Troianas terás a glória. »
Assim disse, chorando, ao que as mulheres gemeram.

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