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OLOQUIO Letras ENSAIOS DE: José Guilherme Merquior Vergilio Ferreira Jacinto do Prado Coelho Andrée Crabbé Rocha Fernando Guimaraes Herndni Cidade INEDITO DE: Teixeira de Pascoaes CONTO DE; Miguel Torga POESIA DE: Carlos Drummond de Andrade Anténio Gedeao Eugénio de Andrade Natércia Freire nimero 1 Margo de 1971 Sobre alguns problemas da critica estrutural por José Guilherme Merquior A mais ostensiva das qualidades do actual florescimento de uma andlise literdria de inspiracio estruturalista €, naturalmente, a reaproximagao do texto, tinica alternativa para o arbitrio das imterpretagdes ab extra, as quais, negligenciando a natureza especifica da obra de arte, se obstinam em reduzi-la a mero reflexo de realidades preexistentes. Em si, esta nao é uma contribuicdo privativa da critica estrutural. £ sabido que 0 movi- mento’ de atencdo ao texto animou pelo menos cinco das.mais substan- ciosas correntes criticas do século: (1) 0 formalismo eslavo; (2) a Stilkritik dos romanistas de formacao germanica (Spitzer, Auerbach, Curtius, Hatzfeld, Friedrich); (3) a semantica literaria de I. A. Richards; (4) 0 new criticism liderado por J.C. Ransom; e (5) © neo-aristotelismo da escola de Chicago (R. Crane, E, Olson, F, Fergusson) ou do iiltimo grande critice anglo-saxio, Northrop Frye. Como avatar moderno do close reading, 2 andlise estrutural em literatura representa uma volta & meto- dologia linguistica de (I) ¢ perspectiva retérica de (5), em contraste com a hermenéutica predominantemente filoldgica de (2). © preceito de sistematizaciio da anélise imanente da obra literdria, a institucionalizagiio da critica como /eftura, sio tendéncias positivas ¢ fecundas. Entretanto, em algumas das versées mais prestigiosas da critica dita estruturalista, essa orientagdo ameaga esterilizar-se numa atitude formalista — entendendo-se por formalismo, pejorativamente, toda a pri tica estética acometida de insensibilidade ou indiferenga em relagio aos miiltiplos vineulos da arte com a cultura ¢ a sociedade. Em tais casos, a interpretacdo estruturalista oferecc —por mais que se empenhe em grudar-se & materialidade linguistica do texto—uma imagem emagrecida. ¢ espectral da sua significagio. © yezo de confundir leitura imanente com insularizagaio da obra de arte, hoje to sensivel em criticos como T. Todorov, remonta ao proprio «ormalismo» russo do principio do século. Com isso nao se pretende absolutamente negar a importincia pioneira de virias nogdes e realizagdes criticas do grupo; pretende-se apenas assinalar sua propenstio a compro- meté-las por meio de postulados estéticos discutiveis. O jovem R. Jakobson, por exemplo, definia poético em termos de violentago da lingua corrente; a deformag&o semfntica era a seus olhos a marca do signo poético, porque assegurava a emancipacdo da palavra de todo o potencial denotativo. O fundamento imediato dessa concepgiio é a ideia shklovskyana de que a tarefa da arte € proporcionar-nos efeitos de desfamiliarizacio (ostraneniye) susceptiveis de furar o automatismo da percepgdo ordinéria; a arte artificio técnico (priém) destinado a fomentar uma «visio inédita» do real. Como, porém, a «visto inédita» do real € considerada uma per- cepeaio-sem-objecto, um perceber sem nenhuma intencionalidade, Shklovsky, rompendo com a gnosiologia transcendental de Potebnya ¢ dos simbolistas Tassos, se alinhava, nolens volens, com a mistica do intuicionismo inobjectivo de Croce e Bergson. Filosdficamente, a «deformagio» shklovskyana ¢ jakobsoniana procede, como a «textura» de Ransom, do neo-romantismo fin-de-sidcle. Suas origens nada tém a yer com o saudavel impulso de reaproximagio do texto, Ao contririo da Verfremdung brechtiana e das citagSes mios-ao-alto de Walter Benjamin, a desfamiliarizagio de Shklovsky no opera em regime de iluminacdo dialéctica e decifrago critica da realidade. Na pri- meira poética jakobsoniana, o tema da deformagio sem@ntica era um enxerto neo-romantico estranho & utilizago, em critica literdria, do modelo analitico delineado por Saussure no campo da linguistica, Quanto ao Jakobson dos iiltimos anos, sua antipatia & natureza referencial da lin- guagem literécia se morigerou bastante, O célebre ensaio Linguistics and Poetics (1960) propde uma classificagio dos géneros posticos (lirico, narrativo, dramético) segundo a maior ou menor participagio, ao lado da fungao prdpriamente poética do signo linguistico (que é, naturalmente, a de por em evidéncia o corpo mesmo da mensagem verbal), das demais fungdes da linguagem: emotiva, no lirico; conativa, no dramatico; ¢ referencial, no narrativo. Aparentemente, trata-se de uma superacio do primitivo anti-deno- tativismo shkloyskyano, Mas essa referencialidade acatada pela poética madura de Jakobson € tio-sdmente sectorial; corresponde a velha nogdo da dobjectividade» do mundo épico, antitese da subjectivizagdo propria ao lirismo—dicotomia tradicionalmente aceita desde Goethe e Schiller até E, Staiger ¢ W. Kayser. Semethante referencialidade é um dos modos basicos da «visualizaszion estético-verbal, uma das realizagées possiveis do «strato da representagdo objectuals, de que fala R. Ingarden em Das literarische Kunstwerk; mas absolutamente no se identifica com aquela alusividade universal inerente ao poder mimético do literario em si, lgicamente anterior a qualquer diversificagao em géneros. Outra diferenga: a referencialidade modal do género narrativo é uma indicag&o expressa de um determinado mundo imaginativo: é 0 acom- panhamento visualizante dos ditos pensamentos e dos gestos dos perso- nagens, dos aspectos do ceniirio, etc., p.ex., a notacdo das reaccdes fisio- némicas, frases ¢ intonagdes de Monsieur de Norpois durante © inesque- civel jantar em casa do Narrador, na primeira parte de Al’Ombre des Jeunes Filles en Fleurs, Ji a verdadeira referen lade mimética da espécie literatura € © contetido da obra de arte, nos termos da excelente definigiio de Peires: contetido é aquilo que a obra deixa transparecer sem mostrar. O referente aqui é sempre tacito, poderosamente encoberto por uma espécie de asticia da mimese; ¢ & nele que a andlise objectiva do texto literario descobrird a rede de relagées, afinidades ¢/ou antagonismos, entre a obra € 0 seu meio sociocultural, tudo inervado, é evidente, na tensdo interpre- tativa que o Aaje langa sobre o vai-c-vem analitico do texto a historia. A referencialidade cultural impde uma leitura a um sé tempo interna € externa da obra, porque nasce do confronto das caracteristicas do texto com os tracos da cultura ambiente. Para usar a linguagem de Panofsky (na introduso a Meaning in the Visual Arts), 0 texto €, para a interpre- tagio do seu contetido ou referencialidade (tdcita) imanente-c-transcen- dente, um monumento, e, como tal, o centro da andlise; mas éum monu- mento que requer obrigatoriamente, para sua correcta inteligéncia e ava- liagio, 0 auxilio dos docwmenios que sio os dados histérico-culturais circunvizinhos. Dai o it-e-vir do texto a histéria constituir um ritual herme- néutico do préprio método de anélise formal; o recurso ao cendrio da cultura é um aspecto estrutural da verdadeira interpretacao estruturalista. Tanto em seu periodo «shklovskyano» quanto em seu estudos recentes, Jakobson nao chega a desenvolver nenhuma consciéncia da referencialidade cultural da obra de arte, Daf sua pratica analitica oscilar quase cegamente entre um pélo positivo, virtualmente aberto & integracdo de uma perspec- tiva cultural no exame estilistico—exs.: a brilhante andlise das figuras gramaticais do exérdio da oragdo hinebre de Marco Anténio em Julius Casar, que coroa Linguistics and Poetics; 0 ensaio de 1935 sobre a lirica de Pasternak; ou a «microscopia» de «Les Chats» de Baudelaire, feita em colaboracdo com Cl. Lévi-Strauss —e um pdlo negativo, que espelha ‘a reafirmagao implicita, na estética da «poesia da gramitican, Jakobson maduro, da insuficientissima nogao da literariedade como artificio imotivado, como engenho formal isolado e gratuito. O estudo sobre a poesia de Pasternak relaciona, da maneita mais iluminadora, a «poesia da graméticay com uma representacdo objectual, por sua vez associdvel 4 posicdo histdrico-cultural do verso russo pré-1917. © uso pasternakiano da metonimia e da sinédoque revela uma tendéncia a substituir a ace ao actor e 0 ambiente & acco; o mundo de Pasternak 10 exala uma passividade biisica, correlativa ao espirito «apoliticon de certo ambiente pré-revolucionério. Para dizé-lo em nossos termos, Jakobson emprega a anillise das figuras gramaticais como pista objectiva para um levantamento da «mimese explicita» dos poemas de Pasternak—e com isso prepara a determinagdo critica da sua «mimese tdcitan, i. e., da signi- ‘ficagdo cultural prépria a lirica pasternakiana. A microscopia de «Les Chats» se encaminha para a mesma direcoHo; é facil comprova-lo por meio de uma comparagiio entre a conclusio do ensaio, recheada de indicagdes filosdfico-socioldgicas, ¢ o finale resolutamente «abstraccionista» da micros- copia do quarto «Spleen» das Fleurs du Mal, ou 0 da curiosa desmontagem de «Ulisses» de Fernando Pessoa, obra de Jakobson e de Luciana Stegagno Picchio («Les Oxymores dialectiques de F. Pessoa», in Langages, n.° 12, 1968). A que atribuir esse reenclausuramento ciclico da interpretagdo esti- Ustica no isolacionismo formalista? Tzvetan Todorov (in Langages, n.° 1, 1966, p. 121) sugere que a priitica analitica de Jakobson o levou a restringir © seu préprio conceito. de funcdo da linguagem «au cdté phonique du mot» — sugestdio que acolhe Ignazo Ambrogio (Formalismo e Avanguardia in Russia, Roma, 1968), embora essa restrigéo Ihe pareca mais um sintoma do que uma causa do formalismo jakobsoniano. Nao se vé, porém, como Todorov possa ter chegado & ideia de que as anilises de Jakobson se limitem & consideragao do estrato fénico! Basta percorrer as microscopias de «Les Chats» ou do tiltimo «Spleen» baudelairiano para dar conta da leviandade dessa afirmagio: Jakobson nos faz esbarrar 0 tempo todo num minucioso inventério de categorias gramaticais, fungdes sintdcticas, figuras de gramitica, relagdes entre termos préprios e figurados, relagées entre entidades animadas ¢ inanimadas, emprego da voz, da pessoa, etc.. Onde a «limitagio ao lado fénico da palavra»? O pecado original de certas leituras criticas de Jakobson nao é nenhum fonismo fonoldgico, nenhuma recaida no feroz assemanticismo da poética shkloyskyana. A formalistizacdo da anilise estilistica nao resulta de uma limitagio da fungi poética da linguagem ao estrato fOnico, e sim de uma ineonseiéncia dos limites da abordagem linguistica no que concerne a apreensao do fendmeno poético. Como nota Michael Riffaterre {in Yale French Studies, n.°* 36-37, 1966), Jakobson presume, em regra, que qualquer reiteragdo ou contraste de tragos gramaticais se torna, automaticamente, um artificio poético; nfo obstante, nada demonstra que pertinéncia fénico- -gramatical e pertinéncia poética sejam coextensivas; varios aspectos gramaticais podem ser poéticamente irrelevantes. Nicolas Ruwet («Limites de lanalyse linguistique en poétiques, in Langages, 12, 1968), linguista chomskyano que se declara pronto a «testar a validez» da anilise lin- guistica, recorrendo a abordagens nio-linguisticas do texto, admite que a determinagdo da pertinéncia poética ultrapassa a jurisdig¢go do exame linguistico, embora possa e deva servir-se dele. O ultimo Jakobson liber- tou-se consideravelmente do fandtico amor formalista a gléria da infraccio do cédigo, do desvio da norma linguistic; todavia, fetichizando a gra- mética, nfo deixa de manter-se surdo & plenitude da voz poética, & sua riqueza alusiva e a sua integridade intelectual. E uma pena que o Jakobson dos anos maduros, havendo restaurado, contra Saussure, a nocdo da referencialidade da lingua, tenha, paradoxalmente, contribufde para retardar o pleno reconhecimento da referencialidade especifica da literatura, No comeco do século passado, Hazlitt afirmou que a poesia é a Tepresentacio de formas que sugerem outras formas, de sentimentos que sugerem outros sentimentos. Netos espirituais de Saussure, podemos dar a essa férmula uma roupagem linguistica: poesia ¢ a articulagdo de formas verbais que evocam outras formas verbais. De facto, a semantica poética ndo € uma semAntica da denotac&io, e sim da conotagdo. Ninguém negara que a literatura € um sistema simbélico de segundo grau (posto que se serve da linguagem, ela propria um sistema simbélico) que opera mediante a organizag3o do sentido conotativo das palavras. Hjelmslev (Essais linguistiques, Copenhague, 1959, p. 43) definiu a conotacio distinguindo-a da metalinguagem. Em toda e qualquer lingua, ao plano da expressio (© signifiant de Saussure) opde-se 0 plano do conteido (signi esse sistema de duas faces pode, a seu turno, converter-se em simples elementos de um segundo sistema: assim, a lingua (expresstio + contetido) se transforma em plano da expresso para o sistema literatura, a0 passo que a mesma lingua sera antes o plano do contetido para a metalinguagem, isto € para as operagies encarregadas de «falar da lingua natural por meio de uma expresstio prépria—de um cddigo de descrigdio cientifica, Portanto, conotaréo & a modalidade semfntica que trata a linguagem, em seu duplo aspecto de expresso e de contetido, como expressiio. A meta- linguagem descreve a lingua, enquanto a conotagdo se vale dela, Para a primeira, a linguagem objecto; para a segunda, matéria-prima. Por outro lado, entretanto, a conotacdo possui um status sociolégico peculiar. Martinet considera conotativos os elementos do sentido que nda pertencem a toda a comunidade utilizadora de determinada lingua. A conotag%o das palavras, bem mais que a sua denotacao, varia entre 08 grupos etariais, as classes sociais, ete..; ela é uma fungio das miiltiplas estratificagdes da comunidade linguistica. Se quiséssemos esquematizar, recorrendo 4 famosa dicotomia estabelecida por Sapir entre a (relativa) estabilidade da linguagem ¢ a instabilidade da cultura, diriamos que, no reino do sentido, a denotagio €, como a lingua, estivel; ¢ a conotagio, como a cultura, instérel. A conotagiio & menos universal e mais variivel que a denotagio. Ora, se a literatura é um sistema semantico eminentemente conotativo, € se a conotasdo se vincula td intimamente a diferenciag@o social, é impos- stvel dispensar 0 Gngulo sociolégico na anélise do texto literério. Negligen- ciando sistematicamente a relagio texto/sociedade, procedendo como se © literdrio se reduzisse ao linguistico, a andlise linguistica absolutizada i 12 esquece que 0 literdrio niio € a linguagem, nem mesmo uma forma dela —mas sim um uso da linguagem. Ai temos porque 0 acerto metodolégico da leitura linguistica absolu- tizada & apenas aparente. Os inventarios fénico-gramaticais de Jakobson, se desligados de um confronto com uma sociologia da conotagiio, extra- viam o principio estrutural, em si validissimo, de ultrapassagem do plano da significagdo imediata. A epoesia da gramiticay no se identifica com 0 sentido superficial do texto literério; mas no leva jamais, por si mesma, a0 background social da semantica especificamente postica: 2 obra como sistema particular de conotagdes, Sdzinha, a «poesia da gramitican é capaz de ultrapassar o nivel da superficie do sentido, mas no de deparar com a verdadeira zona de profundidade semintica do poema, que é cono- tativa ¢, portanto, referéncia necessiria ao quadro sociocultural. A consciéneia da natureza conotativa do idioma literdrio repudia, com as armas da prépria linguistica, as pretensées da analise verbal a erigir-se em instancia exclusiva de interpretacio do poético. O monismo meto- dolégico da «poesia da gramética» ou afins 6, enquanto monismo, conde- nado pela mesma linguistica de que deseja servir-se. Razio tinha Cl. Lévi- “Strauss quando Iembrava que, para alcangar a dignidade de investigagio genuinamente estrutural, a critica literéria deve solicitar sistematicamente © auxilio das cigncias histérieas —ja que s6 0 conftonto da descri¢io das formas com determinada moldura sociolégica € capaz de reduzir 0 arbitrario «ventriloguismo» da mirada critica, Sé a intimidade com o contexto histérico (que no tem por que ser encarado em sentido histo- ricista) protege a sonda estrutural do embotamento formalista. A essa problematica, a nova critica italiana tem sido, em regra, mais. atenta que a francesa. Cesare Segre (I Segni e la critica), instruido pela semiologia de Buyssens, Prieto e Mounin, por exemplo, coloca o dedo na ferida ao advertir que a critica semiolégica vem obliterando a diferenga entre signo © sintoma, procedendo como se as significagdes da obra lite- réria fossem todas, 2 maneira dos signos, convencionalmente prefixadas. Depois que R. Barthes inverteu 0 famoso vislumbre de Saussure, sugerindo que a linguistica actue como alfabeto universal das indagagdes semiolégicas, varios complexos simbélicos constituidos por sintomas, e no por signos, vém sendo decifrados como se fossem cédigos institucionalizados Ora, ‘@ mensagem literdria ndo € nenhum cédigo institucionalizado; cla se serve deles — da linguagem, das convengSes de género ¢ de estilo — para segregar uma significacio que é sintomatolégica, porque & ressonancia obliqua da cultura ¢ de suas contradigdes. Além disso, a obra poética é invariivelmente emitida como «testa~ mento» —como mensagem sem resposta aguardada, Desde o recesso das mitopoéticas colectivas, isto é, desde que no Ocidente a sociedade perdeu a sua homogeneidade cultural —e mais particularmente desde que (a partir da Revolugéo Industrial) a maioria das melhores criagdes estéticas passou a destilar uma significagzio hostil & cultura dominante, a mensagem literdtia soa como um mondlogo sem réplica possivel. O escritor moderno, langador de garrafas a0 mar, sabe que 0 dialégico ¢ um modo de comunicac&o cultural que tende a ser-lhe recusado. Sobre esse fendmeno, a literatura moderna desenvolveu sua vingativa alergia A comunicatividade facil. Mas essa tendéncia lesa um dos processos habituais de verificagio seméntica, que é—ao lado do exame do contexto dos signos e do reportar-se ao contexto situacional (Firth) —o pedido de esclarecimento 40 emissor. Argutamente, Segre nos faz ver a relutineia de certa critica semioldgica em observar praticas de comprovacio contextual para a Ieitura dos sintomas, abusivamente tratados como signos, uma espécie de repre- sdlia da critica contra a «prepoténcia» da obra-«testamento». Ao criador sem didlogo com a cultura, a eritica retruca com seu desprezo pela ascul- tagio do contexto da sua mensagem. Todavia, diante dos casos de pio- neirismo estilistico mais fortes deste segundo Novecentos (p. ex.: em algumas correntes da pop art, no teatro de Grotowski, na ficcdio de Frisch ou Gombrowicz, ou, para ficarmos em casa, na obra de um Guimardes Rosa, de um Joio Cabral de Melo Neto ou de um José Cardoso Pires), parece pouco duvidoso que o avestriizico ensimesmamento da critica formal, avesso A percepcao da dialéctica de obra e mundo, serd incapaz de aprender @ nova fisionomia cultural da arte —¢ isto no exacto instante em que a nova arte se torna cada vez mais consciente de sua ambfgua rela¢io com a cultura ¢ sua crise. A essa inépcia sé escapard o verdadeiro estruturalismo: aquele que souber surpreender nos textos poéticos a rede maledvel de suas mil implicagées sociais ¢ humanas. Ao menos isso, 0 velho impulso filolégico, hoje tio vilipendiado pelo «terrorismo» (J, Starobinski) da escolistica pseudo-estruturalista, poderd ensinar & nova critica. Paris-Bonn, Novembro de 1970. 13

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