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Privilégio da execução prévia: 

O Direito Administrativo confere à Administração


poderes “exorbitantes” sobre os cidadãos, por comparação com os poderes “normais”
reconhecidos pelo Direito Civil aos particulares nas relações entre si. A Administração
dispõe de um poder de auto-tutela uma vez que esta determina o Direito a aplicar. As
decisões unilaterais da Administração têm em regra força executória própria. Neste
sistema temos presentes tanto a auto-tutela declarativa como a executiva. Isto é, no
sistema Francês, a Administração dispõe de auto-tutela declarativa, a qual lhe permite
declarar unilateralmente o Direito a aplicar, e de auto-tutela executiva, que lhe permite
executar as suas decisões sem recurso a tribunal. Por isso mesmo, estas decisões podem
ser impostas pela Administração com recurso á coacção sem necessidade de qualquer
intervenção prévia do poder judicial. A Administração tem assim o poder de, por si só,
obrigar o particular a obedecer às regras por esta impostas, através de medidas
coercivas, não precisando de recorrer ao tribunal para fazer executar as suas regras.

Por autotutela executiva da administração pública entende-se, usualmente, a


execução pela administração, sem decisão judicial prévia, da sua definição
unilateral do direito para determinada situação jurídica concreta (é o que
tradicionalmente se designa por privilégio da execução prévia). Partindo dessa
noção preliminar, o nosso objectivo é contribuir para a análise do respectivo
fundamento, ou da sua compreensão como problema jurídico-político. Sabendo-se
que o Estado impõe decisões suas aos particulares, afectando a sua liberdade
com justificação, em geral, num critério de “necessidade”, pergunta-se: entre
administração e tribunais, quem deve deter preferencialmente – em termos de
modelo – o poder de aplicar a força na efectivação dessas mesmas imposições? E
qual o quadro geral de vinculação para o legislador na conformação desse mesmo
modelo? A Parte I é dedicada ao enquadramento histórico-dogmático da autotutela
executiva como manifestação do poder administrativo em Portugal, em duas
diferentes dimensões: (I) a dimensão do pensamento jusadministrativo em
Portugal no século XX; e (II) a dimensão histórico-constitucional, desde o período
pré-liberal até à actual Constituição de 1976. A Parte II aborda a autotutela
executiva enquanto figura jurídica “pendente” entre o político e a realização
administrativa do direito, subdividindo-se em dois grandes momentos: (I) num
primeiro, procede-se a uma análise estrutural e conceptual da autotutela executiva
da administração, qualificando-a no contexto alternativo coacção pública /
violência; (II) num segundo, à luz daquela grande dicotomia da separação de
poderes entre o político e o jurídico, procura-se a relação entre autotutela
executiva e elemento político, e a justificação para uma intervenção judicial prévia
validante do uso da força pela administração. A Parte III e última diz respeito à
autotutela executiva como problema constitucional, enquadrando-a: (I) no contexto
fundamental da liberdade / igualdade; (II) no estatuto constitucional da
administração; (III) e analisando o significado jurídico- político de alguns dos
mecanismos mais salientes de garantia dos direitos dos particulares. Palavras
chave: poder administrativo; coacção; liberdade; poder político; “iurisdictio”;
reserva de juiz; separação de poderes.

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