Você está na página 1de 222

Roda VT!

A televisão capixaba em panorâmica


Roda VT!
A televisão capixaba em panorâmica

José Antonio Martinuzzo


(Organizador)

Abdo Filho . Anny Giacomin . Dayane Freitas


Elaine Dal Gobbo . Elaine Vieira . Fábio Botacin
Jackeline Gama . Katarine Rosalem . Leandro Tedesco
Leonardo Lopes . Leticia Orlandi . Luana Laux
Marcele Falqueto . Marianna Aguiar . Marília Marques
Roberta Soares . Rodrigo Melo . Roger Santana
Sabrina Rodrigues . Thama Boldrini . Thassiana Pinheiro
Tielly Zen . Vitor Ferri . Wagner Carvalho Júnior
Universidade Federal do Espírito Santo
Centro de Artes
Departamento de Comunicação Social

Projeto Comunicação Capixaba – CoCa


Editor e organizador – Professor José Antonio Martinuzzo
Revisão histórica e técnica – Glecy Coutinho
Revisão – Vitor Graize
Capa e editoração – Ceciana França e Guido Nunes
Fotos – Arquivos pessoais dos entrevistados
Impressão – Imprensa Oficial do Estado do Espírito Santo
Edições anteriores: Rádio Club Espírito Santo – Memórias
da Voz de Canaã; Balzaquiano – Trinta anos do Curso de
Comunicação Social da Ufes; Diário Capixaba – 115 anos
da Imprensa Oficial do Estado do Espírito Santo; Impressões
Capixabas – 165 anos de jornalismo no Espírito Santo.

Catalogação-na-fonte
Biblioteca Pública do Estado do Espírito Santo

R693 Roda VT! A televisão capixaba em panorâmica /


organizado por José Antonio Martinuzzo. Vitória :
DIO, 2006.
222p. : il. p&b : 15cmx22cm.

1. Televisão - Espírito Santo (Estado) . 2. Jornalismo - Espírito


Santo (Estado) 3. Comunicação – História - Espírito Santo
(Estado). I. Título. II. Martinuzzo, José Antonio.

CDD 302.98152
Sumário

7 Prefácio

9 Apresentação

11 Introdução

15 A televisão no Brasil e os primórdios capixabas

31 ... E a TV chega ao Espírito Santo

51 TVE – Entre mandos e desmandos

83 TV Gazeta – Trinta anos de uma longa história

113 Tribuna – O papel do cimento na história da TV

133 A TV Capixaba em foco

151 A informação via cabo

169 Universidade e comunidade na TV

195 Cruzando fronteiras – As TVs do interior


Prefácio

A
televisão é uma mídia com potencial extraordinário
para fortalecer vínculos comunitários, promover o
debate de questões públicas, difundir práticas cultu-
rais e fomentar o desenvolvimento socioeconômico regional.

Chegada há 56 anos no Brasil, nas terras capixabas a televi-


são registra uma história de 44 anos. Aqui, foi inaugurada pela
iniciativa do memorável jornalista e advogado João Calmon,
que, não por acaso, seria conhecido mais tarde como o “sena-
dor da Educação”.

A trajetória da televisão capixaba tem a marca do movimen-


to da recente história do Espírito Santo. Vinda para cá num
momento de transformação socioeconômica, ela trouxe a úl-
tima novidade em termos de comunicação para um Estado
que experimentava profundas mudanças.

Nesta virada de milênio, seguindo o processo de desconcen-


tração do desenvolvimento, os olhos da telinha se voltam para
o interior do Estado, seja com programação diversificada, am-
pliação da cobertura de sinal – no caso da TVE-ES, fizemos
um importante investimento para restabelecer sua abrangên-
cia –, seja com a instalação de emissoras nas cidades que estão
além da Região Metropolitana.

Essa é uma boa notícia. A democratização da programação


e do acesso às emissoras de TV ajuda a dar voz a populações
inteiras que têm sonegada a possibilidade de expressar suas
demandas, sua cultura, seus projetos e potencialidades numa
mídia que se transformou num verdadeiro espaço público

7
Roda VT!

nesta sociedade do conhecimento e da informação.

Que a narrativa desta trajetória nos ajude a construir, daqui


para frente, uma história sempre melhor, em que a televisão,
ainda mais com as possibilidades do padrão digital, desenvol-
va, consolide e aprofunde o seu potencial de integração comu-
nitária e cultural e de emancipação socioeconômica de nosso
povo.

Paulo Hartung
Governador do Estado do Espírito Santo

8
Apresentação

E
stamos diante de uma vigorosa pesquisa sobre a história
da comunicação no Espírito Santo. Um trabalho que é
resultado do instigante dinamismo do projeto Comuni-
cação Capixaba (CoCa), coordenado pelo professor José An-
tonio Martinuzzo, do Departamento de Comunicação Social
da Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes.

Trata-se da quinta edição de um projeto trabalhado na dis-


ciplina Técnicas de Administração e Mercadologia em Jorna-
lismo, a partir de uma concepção coletiva desenvolvida pelo
professor Martinuzzo e seus alunos. Este estudo resgata a tra-
jetória da comunicação em nosso Estado, e mais uma vez nos
apresenta um excelente resultado. Produções assim, cuidado-
sas e criativas, despertam a essencial busca pelo saber, deixam
registros históricos valiosos e estimulam novas pesquisas aca-
dêmicas.

A presente edição nos traz o percurso da TV no Espírito San-


to, um capítulo especialmente rico na comunicação audiovi-
sual do nosso Estado. Aqui, neste livro, temos a oportunidade
de conhecer o surgimento da TV no Brasil e, particularmen-
te, no Espírito Santo. A partir de relatos de personagens que
construíram essa história, podemos conhecer a pioneira TV
Vitória, as técnicas, as programações e os instrumentais dis-
poníveis em meados do século passado, até a atual TV aberta e
por assinatura, com suas novas e surpreendentes tecnologias.

O livro do pesquisador Martinuzzo e seus alunos é uma aula


de jornalismo qualificado, que resulta em uma obra única

9
Roda VT!

e fundamental à leitura, à consulta, para quem se propõe a


conhecer o tema. É, certamente, um trabalho que orgulha a
comunidade acadêmica. Importante registrar a parceria com
o Governo do Estado que, por meio do Departamento de Im-
prensa Oficial, viabilizou a execução final do projeto. Meus
parabéns ao nosso professor e aos nossos alunos.

Rubens Rasseli
Reitor

10
Introdução

O
Projeto Comunicação Capixaba – CoCa, de constitui-
ção de uma memória das atividades comunicacionais
no Espírito Santo, chega a sua quinta edição. Depois da
Rádio Espírito Santo, dos 30 anos do curso de Comunicação
Social da Ufes, dos 115 anos da Imprensa Oficial e dos 165
anos do jornalismo impresso capixaba, o tema deste volume é
a trajetória da televisão no Espírito Santo.

Seguindo a metodologia implantada no semestre letivo de


2004/1, da pauta à edição final, tudo é feito pelos alunos da
disciplina Técnicas de Administração e Mercadologia em Jor-
nalismo, oferecida no sexto período do curso. As aulas alter-
nam a discussão do conteúdo teórico da disciplina, qual seja,
a inserção e as nuances do negócio midiático na contempora-
neidade, com a deliberação coletiva para a produção do livro.
Ressalte-se que os alunos-autores têm autonomia para definir
enfoques, entrevistados, estilo de texto, dentre outros elemen-
tos de cada capítulo.

Como vem ocorrendo desde a edição inaugural, e como é


de se prever a um projeto que avança sobre território pratica-
mente inexplorado, como é a memória da comunicação capi-
xaba, a base fundamental para a elaboração dos textos foram
as entrevistas com os personagens de uma história bastante
rica e ainda inédita em livro.

O primeiro capítulo oferece um panorama do surgimento da


TV no Brasil e no Espírito Santo. Em seguida, vem a história
da pioneira TV Vitória. A televisão educativa, a segunda mais

11
Roda VT!

antiga, tem sua trajetória narrada logo depois. A caminhada


da TV Gazeta é contada no quarto capítulo, seguida dos textos
sobre as TVs Tribuna e Capixaba. Os capítulos seguintes são
dedicados à TV a cabo, sendo que o oitavo é especialmente
devotado às TVs Universitária e Comunitária. Fecha o livro o
capítulo sobre a televisão no interior capixaba.

Apresentada a estrutura do livro, é chegado o momento de


se reafirmar o que tem espaço cativo nestas páginas introdutó-
rias em cada uma de nossas edições: este projeto não pretende
nem jamais conseguiria produzir livros completos ou perfei-
tos. Como obra humana, executada por estudantes, no tempo
de um semestre letivo, ele porta as marcas das condições de
sua consecução. É vívido e experimental; é compromisso com
a verdade dos fatos e laboratório de exercício jornalístico.

Nessa caminhada, temos encontrado colaboradores admirá-


veis, que abrem espaço na suas agendas quase impenetráveis
ou fazem um esforço louvável de memória, que vai da emoção
à angústia, para trazer à tona vestígios de um passado que tem
muito para iluminar o presente e o futuro.

Também temos encontrado muitas barreiras, das negativas


à concessão de entrevistas à palavra amarga daqueles que, por
algum motivo, ficaram de fora da narrativa de uma história
em que se julgaram atores importantes ou daqueles que só
têm olhos para eventuais equívocos.

Nem todo mundo que ajudou a fazer a história dos 44 anos


de televisão no Espírito Santo está presente nas páginas que
seguem. Falar de tudo ou reproduzir fielmente o passado é
algo impossível, até porque, voluntária ou involuntariamen-
te, memória não é passado, é leitura presente do que passou.
Leitura condicionada pelas mais variáveis questões, da base
cognitiva dos autores ao interesse ou não das fontes em fa-
lar, passando pela imponderável determinante do tempo – do
tempo que nos levou para sempre algumas figuras emblemá-

12
A televisão capixaba em panorâmica

ticas; do tempo escasso de um projeto acadêmico que prevê


a realização de um livro no limite de um semestre; do tempo
que falta na agenda de quem tem “mais a fazer, além de ficar
pensando no passado”.

A cada edição, o projeto avança, inclusive a partir de suges-


tões para melhorá-lo. Nesse sentido, desta edição em diante,
passamos a contar com a revisão histórica e técnica do texto
produzido pelos alunos. Nessa empreitada, está gentilmente
conosco a jornalista, cineasta e professora Glecy Coutinho,
uma das referências da comunicação capixaba e um dos es-
píritos mais produtivos e generosos que habitam essas para-
gens.

A produção de memória é um imperativo da sabedoria co-


letiva, é sinal de amadurecimento político e da vontade de um
outro futuro, enriquecido com as lições do passado e poten-
cializado pelo fundamental ato da reflexão no presente. Nesse
sentido é que o Projeto CoCa foi criado e se mantém como
um projeto de consecução coletiva pela emancipação coletiva
dos capixabas.

Neste momento de nossa história, o Espírito Santo vislum-


bra horizontes de positivas expectativas, talvez como nunca
antes. E para que o presente do futuro não repita os erros do
passado, condicionado que foi pelos desejos de uma elite nem
sempre esclarecida, é que a produção da memória não pára,
nem arrefece. Por um futuro diferente do passado, memória
já!

José Antonio Martinuzzo


Professor organizador e editor do Projeto CoCa

13
A televisão no Brasil e os
primórdios capixabas
Elaine Vieira, Fábio Botacin e Roger Santana

A
ntes de chegar ao Espírito Santo, em 1962, a televisão
cumpriu uma história de mais de dez anos no país.
Para facilitar o entendimento e contextualizar a traje-
tória capixaba, vamos começar apresentando o cenário nacio-
nal em que o novo veículo se desenvolveu.

São Paulo, 18 de setembro de 1950. Esta foi a data da primei-


ra transmissão televisiva brasileira. Com as imagens geradas
em São Paulo pela PFR-3 TV Difusora, o Brasil foi o quarto
país a possuir uma emissora de televisão, atrás apenas de Es-
tados Unidos, Inglaterra e França. Na América Latina, a trans-
missão foi pioneira. A partir dessa data, o brasileiro aprendeu
a ver o mundo através desta janela mágica. Da importação de
algumas dezenas de aparelhos para a inauguração aos dias de
hoje, a televisão se tornou um eletrodoméstico tão imprescin-
dível quanto a geladeira. O principal responsável pela implan-
tação da TV no país foi o jornalista Assis Chateaubriand, dono
da rede de empresas de comunicação Diários Associados. No
auge, a empresa contava com 34 jornais, 36 radioemissoras,
18 estações de televisão, uma agência de notícias, uma revista
semanal (O Cruzeiro), uma mensal (A Cigarra), várias revistas
infantis e uma editora.

Para compreender melhor o momento de ascensão de Cha-


teaubriand, devemos entender principalmente as transfor-
mações políticas que ocorreram no Brasil durante as décadas

15
Roda VT!

de 1920 e 1930, período conhecido como República Velha. A


classe oligárquica, que até então dominava o cenário político
nacional, começou a ter seu poder contestado pelas elites bur-
guesas que emergiam da periferia brasileira, como as da região
Sul do país.

No meio deste embate estava Chateaubriand, que apoiou o


movimento revolucionário de 1930. Com Getúlio Vargas no
poder, o dono dos Diários Assossiados estabeleceu o seu impé-
rio hegemônico do jornalismo.

A tecnologia da televisão brasileira foi importada dos Es-


tados Unidos. Vieram equipamentos de transmissão, câmeras
e aparelhos para que a população pudesse assistir à primeira
transmissão. Mas para haver programação também deveria
existir uma emissora com nome e sobrenome. Foi então que
a PFR-3, após dois meses da primeira transmissão, passou a
se chamar TV Tupi, com o claro apelo nacionalista comum
à época. A emissora também está na origem da televisão no
Espírito Santo, como se verá a seguir.

O início das transmissões da televisão no Brasil possui mo-


mentos interessantes. Para a inauguração da TV, os idealiza-
dores quase se esquecerem do principal: quem iria assistir à
programação se ninguém possuía um aparelho de televisão
em São Paulo. Imediatamente, Chateaubriand mandou im-
portar 50 aparelhos e os distribuiu pela capital paulistana para
que a população pudesse acompanhar a estréia da televisão
brasileira.

Artistas ainda hoje conhecidos do público estavam na inau-


guração da TV Tupi, entre eles Lima Duarte e Hebe Camargo.
Mas nem tudo saiu conforme estava previsto no script. Du-
rante o show de inauguração, no Museu de Arte de São Paulo,
uma das três câmeras preparadas para a transmissão quebrou.
Mesmo com um equipamento a menos, a programação foi ao
ar, com a qualidade que a época permitia.

16
A televisão capixaba em panorâmica

Ao contrário de toda a tecnologia atualmente empregada,


tudo era ao vivo na TV dos anos 1950. Na época, o grande
veículo de comunicação do Brasil era o rádio, que unia todo
o país em torno de programas como o famoso Repórter Esso e
as radionovelas. A televisão ainda não tinha profissionais que
possuíssem experiência. Com isso, a saída para as jovens emis-
soras foi buscar os redatores de rádio. Mas eles não estavam
acostumados ao principal recurso da TV: a imagem. Isto deu
à televisão brasileira uma característica de “rádio com ima-
gem”.

A partir daí surgiram programas que marcaram época. No


formato de teleteatros ao vivo havia o Grande Teatro Tupi e o
Teatrinho Trol. Humorísticos e shows também tinham gran-
de audiência como o Noite de Gala, com Flávio Cavalcanti, O
Mundo é das Mulheres, de Hebe Camargo, e a Família Trapo,
com Ronald Golias.

Seguindo o caminho aberto pela pioneira Tupi, em São Pau-


lo, outras emissoras entraram no ar país afora, como a TV
Tupi do Rio de Janeiro (1951) e a TV Paulista (1952). A TV
Record e a TV Excelsior também apareceram na mesma déca-
da. A seguir, os detalhes de cada trajetória.

TV Tupi

Os primeiros funcionários da TV Tupi vieram principal-


mente do rádio. Ninguém tinha conhecimento específico de
como fazer televisão, por isso a Tupi foi a grande escola para
quem se aventurou a trabalhar nesse novo veículo de comu-
nicação.

Novelas e telejornais, atualmente os carros-chefes da pro-


gramação nacional, não existiam no início da TV brasileira.
Modelos de radionovelas e festivais musicais foram adaptados
para que a grade de atrações começasse a tomar forma. Os
primeiros diretores, atores e atrizes foram revelados no lendá-
rio programa TV de Vanguarda. Lendas atravessam o tempo,

17
Roda VT!

e com alguns programas não foi diferente. A Tupi emplacou


28 anos de programação com o Alô Doçura, o Sítio do Picapau
Amarelo, O Céu é o Limite e Clube dos Artistas. Já o telejornal
Repórter Esso permaneceu no ar por 18 anos.

Exibidas pela primeira vez na Tupi, com apenas um capí-


tulo por semana, hoje as telenovelas são uma unanimidade
nacional. Numa sociedade ainda em processo de urbanização,
ver um beijo na boca na televisão era impensável, até que, em
1951, Walter Forster e Vida Alves entraram para a história ao
encenarem o famoso beijo na novela Sua Vida Me Pertence.

O jornalismo da emissora também foi bem sucedido. Heron


Domingues e Gontijo Teodoro estavam à frente do Repórter
Esso, que foi adaptado do rádio para a televisão. Os locutores
entravam no ar com as notícias nacionais e internacionais ao
som de uma das mais famosas trilhas, tanto do rádio como da
televisão do Brasil.

A história da Tupi não tem um final feliz. Em 1968, dezoito


anos após a fundação da emissora, Assis Chateaubriand mor-
re. A data é registrada como o início de uma profunda crise
no canal pioneiro. Com as finanças abaladas e uma gestão in-
competente, a Tupi perde qualidade técnica e, principalmente,
audiência.

A grade de programação tinha espaços vazios, o que deixa-


va o caminho aberto para as emissoras concorrentes. No final
dos anos 70, com os salários dos funcionários atrasados e dívi-
das impagáveis em impostos, a Tupi estava próxima de fechar
as portas. As produções da época, como a novela Éramos Seis,
registravam os piores índices de audiência e a publicidade de-
saparecia. Em 1977, os funcionários deflagraram uma greve
pelo pagamento dos salários. O protesto terminou com o pa-
gamento parcelado do débito pela empresa. Dois anos depois,
os trabalhadores voltaram a cruzar os braços.

Como se não bastasse, um incêndio atingiu o prédio da

18
A televisão capixaba em panorâmica

emissora em outubro de 1978 e a Tupi saiu do ar por alguns


minutos. Já em 1980, até o mês de fevereiro, a última greve não
havia se resolvido. Logo foi fechado o departamento de telete-
atro, tendo sido demitidos 250 funcionários. Duas novelas que
estavam em exibição foram interrompidas.

Com dívidas e problemas administrativos, a emissora teve


a concessão cassada pelo Governo Federal em 16 de julho de
1980, dois meses antes de completar 30 anos de fundação.

Com a antena de São Paulo lacrada pelo Departamento Na-


cional de Telecomunicações (Dentel), também saíram do ar a
TV Tupi do Rio de Janeiro, a TV Itacolomi, de Belo Horizonte,
a TV Marajoara, de Belém, a TV Piratini, com sede em Porto
Alegre, a TV Ceará, de Fortaleza, e a TV Rádio Clube, do Re-
cife.

Era o fim da Tupi, PFR-3 TV Difusora. O legado da primei-


ra emissora de televisão brasileira se resume a um acervo de
duzentos mil rolos de filmes, 6.100 fitas de videoteipe e textos
de telejornais que contam 30 anos de acontecimentos no país
e no mundo.

TV Paulista

O sinal da TV Paulista abrangia basicamente o estado de São


Paulo. A emissora perteceu inicialmente ao grupo que mais
tarde fundaria a TV Excelsior. Vendida para o conglomerado
de empresas do jornalista Roberto Marinho, do Rio de Janei-
ro, a TV Paulista foi a antecessora da TV Globo na região.

Para formar uma rede de televisão, Roberto Marinho, que já


tinha o canal quatro do Rio de Janeiro, precisava de uma con-
cessão em São Paulo. A TV Paulista foi adquirida na década de
1960 e o nome foi substituído posteriormente pelo da matriz
carioca. O canal Paulista deixou sua herança para a história
da televisão brasileira. A Rede Globo incorporou a chamada

19
Roda VT!

Sessão Coruja e, atualmente, mantém o Corujão.

TV Record

A TV Record é uma das primeiras emissoras fundadas no


Brasil. Sua inauguração aconteceu em 27 de setembro de 1953.
Concorrendo com a forte TV Tupi, a Record inovou e preen-
cheu a grade de programação com atrações musicais, esporti-
vas, teatrais e de humor.

São da emissora programas que lançaram ídolos nacionais


como Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, apresenta-
dores do Jovem Guarda, entre 1965 e 1969. Já o programa O
Fino da Bossa tinha à frente Jair Rodrigues e Elis Regina.

Pioneira da cobertura esportiva, a área de jornalismo tam-


bém inovou, incluindo debates de temas da época e participa-
ção de especialistas.

No final da década de 1980, o canal foi vendido pela famí-


lia Machado de Carvalho e Silvio Santos à Igreja Universal do
Reino de Deus. Com a venda, parte da programação da Record
ganha teor religioso. Nesta mesma época, a empresa adquire
pequenas emissoras pelo país e dá início a uma rede de alcance
nacional. Em Vitória, a programação da Record chega através
da TV Vitória, canal 6.

Rede Excelsior

Em 1959, as Organizações Victor Costa tinham a concessão


da TV Paulista, canal 5, e receberam a permissão para operar
mais um canal na cidade. A Rádio Excelsior também era uma
empresa componente do grupo e a nova emissora, o canal 9,
foi batizado com o mesmo nome.

Mas antes que o canal pudesse ter “uma cara”, ele foi com-
prado por um grupo de investidores que tinha à frente a famí-
lia Simonsen, proprietária da Panair, uma das maiores empre-

20
A televisão capixaba em panorâmica

sas de aviação do país. O valor pago pela concessão foi de 80


milhões de cruzeiros, montante muito elevado para a época.

A TV Excelsior de São Paulo entrou no ar em 9 de julho de


1960. A grade concentrava programas jornalísticos e filmes in-
ternacionais. Na mesma época, ela concorria com a Tupi, a TV
Paulista, a Record e a TV Cultura.

A Excelsior se tornou uma referência por ser a primeira emis-


sora brasileira a combinar programação horizontal, na qual a
mesma atração é exibida em horário fixo todos os dias, e pro-
gramação vertical, aquela com a atração que sucede a anterior
visando manter o público por afinidade de conteúdo. Com
esta fórmula, o canal, em seis meses, conquistou a liderança da
audiência na cidade de São Paulo.

A Excelsior foi de fato a primeira rede de televisão do Brasil


com uma concessão adquirida no Rio de Janeiro, em 1963.
Apesar de a pioneira TV Tupi ter filiais nas duas cidades, estas
possuíam um grau de autonomia que impedia a formação de
uma “rede”. Com o avanço do videoteipe, que revolucionou o
modo de se fazer televisão, a Excelsior usava a tecnologia para
distribuir programas e exibi-los no mesmo horário em todas
a afiliadas. Depois de aportar no Rio de Janeiro, a Excelsior
também atingiu Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília.

A emissora paulista também inovou na identidade visual.


Ela foi a primeira do país a ter logotipo: um casal de crian-
ças, chamadas de Ritinha e Paulinho, protagonizava diversas
vinhetas.

A decadência da Excelsior começou com um golpe, literal-


mente. Em 1964, com a tomada do poder pelos militares, os
proprietários da emissora começaram a sofrer perseguição por
terem ligações com os opositores do regime. Mesmo a Panair
entrou em crise e faliu. Dois anos depois, a Excelsior foi com-
prada pelo grupo Folha da Manhã, mas em 1967 foi vendida
para os primeiros proprietários. Como as dívidas cresceram

21
Roda VT!

muito e os compromissos não podiam mais ser honrados, a


emissora fechou as portas definitivamente em 30 de setembro
de 1970.

SBT

Inaugurado em 1976 no Rio de Janeiro, o canal 11, de pro-


priedade do empresário e apresentador Silvio Santos, tinha o
nome de TV Studios. A principal atração da emissora era o
programa dominical que levava o nome do proprietário.

No início da década de 1980, a TV Tupi está com vários pro-


blemas financeiros e a sua falência é decretada. Silvio Santos
então recebe do Estado o direito de explorar os quatro canais
da primeira televisão brasileira nas cidades de São Paulo, Por-
to Alegre, Belém e Rio de Janeiro. Com a expansão, é formado
o Sistema Brasileiro de Televisão, SBT, com sede em São Paulo.

Com uma programação de apelo popular, voltada para o


público com menor poder aquisitivo, a marca SBT tem boas
atrações mas pouco retorno financeiro. Uma das medidas im-
plantadas para reverter este quadro é a substituição completa
do nome TVS por SBT, em 1987. A partir de 1988, a empresa
de Silvio Santos intensifica os investimentos na programação,
com a contratação de artistas e a exibição de filmes de grande
bilheteria.

Atualmente o SBT é composto por 107 emissoras espalha-


das por todo o território nacional. Isto lhe dá o título de se-
gunda maior rede de televisão do país. No Espírito Santo, a
retransmissão do sinal é feita pela TV Tribuna, do grupo João
Santos.

Rede Globo

A história da Rede Globo começa às 10h45 do dia 26 de abril


de 1965, com a inauguração do canal 4 do Rio de Janeiro. A
concessão de televisão foi dada pelo presidente da Repúbli-

22
A televisão capixaba em panorâmica

ca Juscelino Kubitschek, ainda no ano de 1957. No livro A


História secreta da Rede Globo, Daniel Herz garante que o ca-
nal entrou no ar graças a um acordo com o grupo americano
Time-Life, numa época em que era proibido qualquer capital
estrangeiro nas comunicações brasileiras. Com essa parceria,
a emissora sai na frente em termos de tecnologia e qualidade,
e em pouco tempo torna-se líder de audiência. Auxiliado por
fundos oriundos dos lucros dos outros veículos do grupo de
Marinho, a Globo trabalhava para expandir a rede por todo o
Brasil, e em breve chegaria ao Espírito Santo.

Com dinheiro em caixa, a emissora investiu em tecnologia e


qualidade, o chamado “padrão Globo”, e seus programas dis-
pararam na liderança de audiência e faturamento.

Em um ano de funcionamento na cidade carioca, a TV Glo-


bo aportou em São Paulo após adquirir o canal 5, que trans-
mitia o sinal da TV Paulista. Já em 1968, a terceira emissora
da organização foi instalada em Belo Horizonte. A expansão
da Globo foi rápida. A idéia de uma rede nacional de televisão
estava lançada, justamente no momento em que a ditadura
militar estava no poder e a grandeza do território brasileiro
era enaltecida, principalmente com a construção dos grandes
projetos como a Rodovia Transamazônica e a Usina Hidrelé-
trica de Itaipu.

Em 1968 também foi inaugurado um link com sinal em mi-


croondas, que ligou as emissoras da Globo no Rio de Janeiro e
em São Paulo. Estava formada a Rede Globo de Televisão. Um
dos marcos da integração foi o lançamento do Jornal Nacio-
nal, em 1969.

A década de 1970 chega com a expansão da emissora para


além do Sudeste. Em abril de 1971 é inaugurada a TV Globo
Brasília, que atingia ainda a cidade de Goiânia e outras locali-
dades do estado de Goiás.

No ano seguinte a emissora carioca inicia os trabalhos em

23
Roda VT!

Recife. Nesta mesma época, a Rede Globo realiza a primeira


transmissão em rede nacional em cores, exibindo a Festa da
Uva de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, em 31 de março
de 1972.

Apesar do avanço tecnológico das transmissões coloridas,


somente em 1977 toda a programação da TV Globo passou
a ir ao ar em cores. A implantação da transmissão via satélite
começou em 1982.

Bitti e Anderson (2000) relatam que a grade de programa-


ção da Rede Globo sempre teve a presença das telenovelas. O
formato de sucesso criado ainda na época da inauguração da
TV Tupi foi aperfeiçoado e, aliado aos avanços tecnológicos,
tornou-se uma marca da emissora de Roberto Marinho.

A história da capixaba TV Gazeta está, desde sua fundação,


vinculada à Rede Globo.

As TVs no Espírito Santo

Se, como dissemos, a televisão foi trazida para o Brasil por


interesses políticos de Assis Chateaubriand, no Espírito Santo
não seria diferente. É num contexto de transformação e dispu-
ta pelo poder que a TV é implantada no Espírito Santo, pouco
mais de uma década após a primeira transmissão, em 1950.

A historiadora Leonor Corrêa lembra, em entrevista, que


“os veículos de comunicação eram ótimas armas para o popu-
lismo, em alta durante essa época. A exposição pública, feita
nos palanques, nos carros de som e nos artigos de jornal, ago-
ra contava com mais uma aliada: a televisão, que mais do que
nunca serviria como instrumento para deixar os populistas
mais próximos da população”.

24
A televisão capixaba em panorâmica

O então deputado federal João Calmon já havia percebido


esse detalhe. Amigo de Assis Chateaubriand, Calmon, que
nasceu em Colatina, foi cedo para o Rio de Janeiro, onde tra-
balhou como repórter, e entrou para a rede Diários e Emissoras
Associados, que dominava o ramo das comunicações no país.
A Rede pertencia a Chateaubriand e era formada por emis-
soras de rádio e jornais, como a Rádio Nacional do Rio e de
Janeiro e os jornais Diário Carioca e Diário de Notícias, entre
outros. João Calmon estava fazendo a sua carreira política e
sabia o quanto investir em comunicação era importante.

Calmon pretendia fundar no Espírito Santo um canal de


televisão que fosse afiliado à TV Tupi, pertencente à Rede de
Diários Associados. Para concretizar esse projeto, era necessá-
rio juntar fundos para a compra dos equipamentos. Calmon
decide lançar mãos da venda de ações: quem comprasse seria
um dos donos da primeira emissora de televisão capixaba, que
se chamaria TV Vitória. Era um negócio arriscado, pois a TV
ainda engatinhava no Brasil e poucos se arriscariam a investir
nessa área. Porém, a busca pelo prestígio e a possibilidade de
ascensão política fez com que muitos empresários confiassem
no projeto de Calmon e entrassem para a sociedade.

Dinheiro em mãos, era hora de transformar o sonho em


realidade. Só mesmo o sonho e a busca pelo prestígio para
conseguir instalar a televisão no Estado em meio a tantas di-
ficuldades.

Com técnicos vindos da Tupi, a antena da TV Vitória foi ins-


talada em meio à mata do Morro da Fonte Grande, uma das
partes mais altas da capital, com difícil acesso. Foram neces-
sários 15 dias para montar a aparelhagem e, depois de muitos
testes, a primeira emissora de televisão do Espírito Santo foi
inaugurada, com sede na Praça Costa Pereira.

Depois da instalação, a primeira dificuldade encontrada foi


a captação do sinal. O sinal da Tupi chegava a Cachoeiro atra-

25
Roda VT!

vés de uma antena, e de lá seguia até Vargem Alta e Iconha,


para depois chegar ao Morro da Fonte Grande e só então al-
cançar os aparelhos na capital, que sintonizavam no canal 4.
A qualidade da imagem era ruim.

Outra dificuldade era o alto preço da aparelhagem. A maior


parte dos equipamentos utilizados pela TV Vitória era refugo
enviado pela matriz, como as câmeras, focos de iluminação,
entre outros.

Mesmo assim, João Calmon não desistiu e tratou logo de


dar o segundo passo. Abriu uma loja de aparelhos de televisão
no Centro de Vitória, ao lado do Theatro Carlos Gomes. Era
necessário público para prestigiar a primeira emissora de te-
levisão capixaba. Como os aparelhos eram caros, os primeiros
televisores foram instalados nas Praças Oito e Costa Pereira.
Aos poucos, a televisão começava a fazer parte da vida da po-
pulação capixaba.

“Com pouco mais de 100 mil habitantes, Vitória era um ci-


dade provinciana, de poucas opções de lazer divididas entre as
praças e os cinemas. Várias capitais já tinham recebido os pri-
meiros sinais de TV, e Vitória estava de certa forma ‘atrasada’
nesse sentido. Quando chegou ao Espírito Santo, a televisão
acabou se tornando uma grande opção de entretenimento,
que aos poucos foi se inserindo no dia-a-dia da população,
até chegar às classes de menor renda”, afirma a historiadora
Leonor Corrêa.

A emissora de Calmon logo começou a investir na progra-


mação local. Os programas eram todos ao vivo, feitos à base
de improviso e com poucos aparelhos que pifavam com fre-
qüência. Élcio Álvares, Esdras Leonor, Marília Antunes Coser,
Paulo de Paula e Milson Henriques foram os primeiros apre-
sentadores e vivenciaram a arte de fazer televisão de uma for-
ma totalmente amadora.

“Na TV Vitória era tudo artesanal, ao vivo. Era muita adre-

26
A televisão capixaba em panorâmica

nalina. Apresentei um programa chamado Bazar. Éramos três


apresentadores. Muitas vezes os dois faltavam e eu animava
sozinho. Não tinha entrevistado e eu arrumava uma pessoa na
rua, na hora. Uma vez entrevistei Otinho, um poeta louco que
rodava pelas ruas de Vitória e levei bronca do diretor depois,
que era o Duarte Jr.”, conta Milson Henriques.

Henriques também fala da confusão que a TV causou na ca-


beça das pessoas. “Havia televisores pela rua, as pessoas apon-
tavam para gente e falavam: olha, aquele cara tava na televi-
são! Pediam autógrafo. Na época, o povo fazia muita confusão
entre Rio e Vitória, perguntavam porque eu não entrevistava
Renato Aragão, por exemplo. Eles não faziam diferença entre
TV Vitória e TV Tupi. Achavam que era tudo uma coisa só.”

Em 1964, ocorre o golpe militar e instala-se a censura nos


meios de comunicação. Alguns apresentadores começam a ser
perseguidos. Milson Henriques, por exemplo, foi preso 13 ve-
zes.

Na verdade, os militares perceberam o poder da televisão e


o alcance que ela havia atingido em 14 anos de existência no
Brasil. As idéias veiculadas pela TV poderiam tanto reforçar
o prestígio dos militares e mantê-los no poder, como incitar
a revolta da população. A censura era uma forma de manter
o poder da TV em suas mãos. Portanto, seria necessário não
apenas controlar o que as emissoras estavam oferecendo aos
seus telespectadores, mas transmitir uma programação que
caminhasse de acordo com os interesses da ordem vigente.

Mambembe versus profissionalização

Na TV Vitória o amadorismo era causador de erros constan-


tes. Além disso, no interior as antenas do canal eram usadas
para captar sinais de outras emissoras de fora do Estado, o
que acabou gerando concorrência. Bitti e Anderson (2000) re-
latam que em 1966 outros empresários também interessados
na carreira política, entre eles Teodorico Ferraço, aproveitam

27
Roda VT!

a fragilidade e o mau funcionamento da emissora de Calmon


para instalar no Espírito Santo uma retransmissora do canal
de maior audiência no país.

Entrava no ar a TV Clube Intermunicipal que era, na verda-


de, apenas uma antena, instalada no Morro do Moreno, para
retransmitir o sinal da Globo. O grupo não tinha nenhuma
concessão e nem mesmo dinheiro suficiente para manter a re-
petidora. Não havia estúdio, nem programação local. Isso deu
um caráter de ilegalidade ao projeto de Ferraço. De fato, a Glo-
bo conquistou a audiência do público capixaba com a qualida-
de da sua programação. Ela acabou servindo de teste para os
futuros donos da afiliada da Globo em Vitória. Com a TV Clu-
be, foram tiradas as dúvidas sobre a audiência e a influência da
programação da Globo, ficando claro que era um negócio no
qual valia a pena investir. O projeto de Ferraço não foi à frente
devido à falta de dinheiro. O grupo tentou repetir o mesmo
feito de Calmon quando fundou a TV Vitória, lançando mão
de rifas e doações públicas, mas de nada adiantou.

Apesar do fracasso, a iniciativa de Ferraço serviu para dire-


cionar a família Monteiro Lindenberg. Tanto é que, antes mes-
mo de conseguir uma concessão do governo para ter um canal
de televisão, Carlos Lindenberg já tentava fazer contratos com
a TV de Roberto Marinho. Antes da TV Gazeta, porém, uma
outra emissora de televisão chegou ao Espírito Santo. Trata-se
da TV Educativa, de posse do governo do Estado.

Logo no começo da década de 70, as televisões públicas co-


meçam a crescer e cada estado brasileiro tem direito a uma
concessão. As primeiras a entrarem em funcionamento foram
a TVE do Rio e de São Paulo. No Espírito Santo, o governador
Cristiano Dias Lopes havia criado, no início de 1969, a Fun-
dação Cultural do Espírito Santo. Eram de responsabilidade
da Fundação o Theatro Carlos Gomes, o Museu do Colono, a
Biblioteca Pública Estadual, a Rádio Espírito Santo e serviços
de Cinema e Televisão. A televisão, porém, só saiu do papel

28
A televisão capixaba em panorâmica

em 1974, no governo de Artur Carlos Gerhardt. Era a TVE


Espírito Santo, que retransmitia a programação da TVE de São
Paulo, pertencente à Fundação Padre Anchieta, com uma pro-
gramação de conteúdo educativo e cultural.

Marien Calixte lembra que “a TVE foi a primeira a operar


em cores, e no mesmo ano em que foi inaugurada permitiu
aos capixabas assistir às imagens coloridas da Copa do Mundo
da Alemanha. Por outro lado, a TVE pertencia ao Estado, por
isso não tinha retorno com publicidade. Dependia da verba
do governo, que também tinha outras obrigações a cumprir.
Nem todos os governadores deram importância e investiram
na TV, que mudava de administração toda vez que havia tro-
ca de governo. A emissora começou a passar por dificuldades
financeiras e até por greves, que deixavam o canal fora do ar.
Mesmo com as dificuldades, a TVE do Espírito Santo começou
a implementar, a partir de 1976, uma programação local”. É
neste ano que entra no ar a TV Gazeta.

A seguir, confira a trajetória das emissoras capixabas em de-


talhes.

Referências bibliográficas

BITTI, George; ANDERSON, Priscila. A Festa da TV – livro-


reportagem sobre a história da TV no Espírito Santo. Faesa: Vi-
tória, 2000. (mimeo)

HERZ, Daniel. A História secreta da Rede Globo. Porto Alegre:


Tche. 1987.

ZAGANELLI, Bárbara. “Se a mudinha falasse...”. Monografia


de conclusão de curso. Jornalismo. Faesa: Vitória, 2002.

29
Roda VT!

Entrevistas

Leonor Corrêa, historiadora e professora da Ufes. Em 23 de


janeiro de 2006.

Marien Calixte, jornalista, escritor, poeta. Em 09 de janeiro de


2006.

Marta Zorzal, cientista social e professora da Ufes. Em 15 de


fevereiro de 2006.

Milson Henriques, escritor, jornalista e cartunista. Em 17 de


janeiro de 2006.

30
... E a TV chega ao Espírito Santo

Marília Marques, Sabrina Rodrigues e


Wagner Carvalho Júnior

F
alar sobre a TV Vitória é, antes de tudo, falar sobre a
história da TV no Espírito Santo, pois, como pioneira,
sua trajetória se confunde e se entrelaça com a vinda,
para o Estado, desse meio de comunicação que hoje alcança
o posto de maior influência na cultura e na opinião pública
nacional.

De acordo com Azevedo (2001), a inauguração da TV Vitó-


ria estava prevista para 9 de maio de 1962, mas, devido a um
terrível acidente com um avião da Cruzeiro do Sul, a data teve
de ser adiada. “Apenas dois salvaram-se: o Sr. Joaquim, um re-
presentante comercial, e o engenheiro da TV Tupi, que uma
semana antes estivera comigo, José Luzardo, Élcio Álvares e
Manoel da Silva Nunes, a fim de localizar o ponto de antena
para sua instalação no morro da Fonte Grande, que iria servir
para o funcionamento da TV Vitória, uma dádiva do Sr. João
Calmon ao povo capixaba e que entrou no ar no dia 8 de se-
tembro como um presente dos Diários Associados”.

Superada a tragédia, a emissora começou a funcionar num


espaço de dois andares no Edifício Moisés, no centro de Vitó-
ria, mais de uma década após a inauguração da televisão no
Brasil (1950). No início, apenas repetia a programação nacio-
nal da TV Tupi.

Quando o canal foi ao ar pela primeira vez houve uma ceri-

31
Roda VT!

mônia no estúdio e uma transmissão ao vivo, direto da Praça


Costa Pereira. “Naquele tempo não existiam muitos aparelhos
de televisão, mas, com a vinda da TV aqui para o Estado, hou-
ve um investimento e começaram a vender aparelhos”, recorda
Licério Duarte Júnior, um dos fundadores da TV Vitória e di-
retor superintendente na época.

Segundo Bitti e Anderson (2000, p.21), “foi um espanto, por-


que ninguém conhecia e todo mundo duvidava. Todo mundo
achava que era loucura. A maioria do pessoal de Vitória só en-
tendia de Rádio. O pessoal tinha até medo de chegar na beira,
aquela chiadeira, o brilho era muito e a imagem ruim, ruim.
Então eles ficavam meio afastados, tudo olhando de lado”.

A instalação da emissora na capital capixaba foi possível


graças aos equipamentos trazidos da TV Tupi do Rio de Janei-
ro. O transmissor foi colocado no Morro da Fonte Grande e
não se podia falar em mau tempo que a programação saía do
ar. Além disso, a TV só funcionava por um curto período, das
17 às 22 horas, aproximadamente.

Por quase duas décadas a emissora funcionou clandestina-


mente, pois não era registrada no Ministério das Comunica-
ções. Sua situação foi regularizada em 1979, quando Haroldo
Corrêa de Matos, então ministro das Comunicações, conce-
deu o alvará de funcionamento.

Assim como sua matriz, a TV Vitória pertencia aos Diários e


Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand. Mas a iniciativa
de implantação de uma emissora no Espírito Santo não partiu
de Chateaubriand e sim de João Calmon. Capixaba nascido
em Baunilha, distrito de Colatina, e criado no Rio de Janeiro,
onde se formou em Direito, Calmon foi contratado como jor-
nalista pelos Diários Associados para trabalhar em O Jornal.

Por um desses fenômenos absolutamente imprevisíveis,


João Calmon caiu na simpatia de Chateaubriand, que o fez
sócio do condomínio dos Diários Associados. Na época, As-

32
A televisão capixaba em panorâmica

sis Chateaubriand quis ampliar os domínios de seu império


das comunicações, mas o Espírito Santo não estava em seus
planos, pois já existia aqui a Rádio Vitória, que pertencia ao
grupo.

Entretanto, como João Calmon decidiu lançar-se candidato


a deputado federal e seu nome não tinha expressão no Estado,
foi criada a TV Vitória para dar sustentação à sua campanha.
A estratégia deu tão certo que Calmon foi eleito com um nú-
mero expressivo de votos.

“Inventa um negócio aí!”

Em sua fase inicial, a programação transmitida ao telespec-


tador capixaba consistia em novelas mexicanas e alguns fil-
mes. Com o tempo, foram criados programas locais que, por
não contarem com a tecnologia do videoteipe, eram exibidos
ao vivo.

A emissora foi uma das primeiras no Brasil a produzir pro-


gramas infantis, quase que prevendo uma tendência que se
firmaria nas décadas seguintes. O primeiro deles foi Encontro
com Tia Priminha, apresentado por Marília Coser.

Outras atrações locais de sucesso eram um programa de


calouros dirigido por Jonas Porfírio e o programa de entre-
vistas Variedades Capixabas, de Marien Calixte, que estreou
com Carlos Lindenberg Filho, o Cariê, sendo entrevistado.
“Ele levou o violão, tocou e cantou e isso foi um fato curioso,
porque as pessoas o conheciam apenas por ser filho do então
governador Carlos Lindenberg e ser secretário de Estado”, re-
lata Calixte.

Também havia o Bazar, programa apresentado por Eleisson


de Almeida, Mauro Pitanga e Milson Henriques. “Dentro do

33
Roda VT!

programa eu comecei a fazer o Fotos em Foco, um quadro em


que eram alternadas fotos e narrativas, porém as fotos não
correspondiam aos fatos narrados. Essa era uma forma de dri-
blar a censura imposta pela ditadura militar iniciada na déca-
da de 60”, conta Milson Henriques.

Como exemplo segue um trecho do roteiro de seu quadro


do dia 30 de maio de 1969: “[...] E algum dia, eu farei um pro-
grama mostrando só crianças alegres e saudáveis, vitaminadas,
felizes com suas roupas novas, caminhas macias, brinquedos e
amor materno. Farei um programa onde criança rimará com
esperança. Será um programa lindo! Pena que algumas crian-
ças abandonadas que perambulam pela Praça Oito podem ver
o programa pela televisão, e ficarão chocadas. Mas isso não
é problema! Eu tenho de falar de coisas alegres!”. Esse texto
era narrado enquanto se exibiam fotos de crianças pobres da
periferia.

Devido à censura, Henriques deixou de apresentar o Fotos


em Foco para fazer um quadro de entrevistas, atração que não
durou muito por causa de sua irreverência. “Eu levei muita
bronca por fazer perguntas que não deviam ser feitas e, quan-
do eu comecei a incomodar, me deram um quadro infantil
para ensinar as crianças a desenhar. Era tudo bem improvisa-
do e a gente brincava muito”, recorda.

Para quem se interessava pelos acontecimentos da sociedade


capixaba, havia um programa comandado por Esdras Leonor,
que levava damas da sociedade para falar de beleza, bailes e
concursos de miss. Algo próximo ao programa apresentado
na emissora por Wesley Sathler na década de 1990.

Em relação ao jornalismo, fazia sucesso o programa Diário


da Cidade, de Duarte Júnior, que falava sobre os problemas
da capital, política e tinha espaço para entrevistas. “O jorna-
lismo era bem crítico. Quando um programa como o Diário
da Cidade fazia uma reclamação, o Governo tomava logo uma

34
A televisão capixaba em panorâmica

providência”, afirma.

Mais tarde, Gerson Camata, um dos poucos repórteres con-


tratados na época, também ganhou destaque com o programa
jornalístico Ronda Policial, criado para concorrer com o Na
Polícia e Nas Ruas, da Rádio Espírito Santo, primeiro progra-
ma policial, que foi ao ar por volta de 1954.

Mas quem está acostumado com a qualidade atual pode não


imaginar os desafios enfrentados pelos desbravadores da TV
no Espírito Santo. As dificuldades iam desde problemas mais
graves, como a perda de sinal interrompendo um programa
no ar, até casos engraçados, como lembra Calixte: “O Edifício
Moisés é bem estreito, o cenário estava colado na parede e o
apresentador ficava na frente com o microfone no pedestal,
chamando os calouros. Então, lá pelas tantas, houve um pro-
blema e o cenário começou a desabar nas costas do apresenta-
dor”. Isso tudo ao vivo.

Calixte lembra ainda que esse período inicial de implantação


da TV aqui no Estado foi marcado pelo amadorismo. “Quan-
do eles chamavam a gente pra fazer um programa diziam: ‘O
que você vai fazer? Inventa um negócio aí!’ Então eu disse: vou
fazer um programa de entrevistas”. Assim nasceu o Variedades
Capixabas e tantas outras atrações.

Inclusive a publicidade era feita dessa maneira. Marien Ca-


lixte cita o caso de Walter Lopes Carzente, mais conhecido
como Moreno, um profissional que fazia publicidade para
o rádio e também para a TV. “Aparecia de repente, ao vivo
– como já foi dito, toda programação era ao vivo – e se tinha
uma pilha de sapatos, ele os pegava e jogava na parede, dizen-
do: ‘Compre esse sapato que é ótimo’”.

Moreno não foi o único a atuar nos dois veículos de comu-


nicação. Grande parte dos profissionais era chamada para a
emissora por já terem o hábito de usar o microfone, porém
não tinham intimidade com as câmeras. Mas era do que a TV

35
Roda VT!

dispunha na época.

Alguns anos depois, visando a uma estrutura maior, plane-


jou-se construir um prédio que abrigasse tanto a rádio quanto
a TV Vitória, na Avenida Vitória, onde hoje funciona o Ins-
tituto de Previdência e Assistência Jerônimo Monteiro. Mas,
diante da crise instalada nos Diários Associados, isso não foi
possível e o terreno foi vendido.

Essa crise começou com a doença de Chateaubriand e se


agravou após sua morte. Iniciava-se assim a decadência de um
dos maiores impérios de comunicação que o país já teve. “Os
Diários e Emissoras Associados eram um oligopólio da indús-
tria da informação com uma precária estrutura administrati-
va, longe das normas modernas de gerenciamento”, conside-
ram Capparelli e Lima (2004, p.65).

Em julho de 1980, com a suspensão, pelo Governo, da con-


cessão da TV Tupi, a TV Vitória passou a retransmitir a TVS,
hoje Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). No ano de 1984, ela
foi comprada pelo Grupo Buaiz Alimentos Indústria S/A, atu-
almente dirigido por Américo Buaiz Filho. Em 17 de outubro
do mesmo ano passou a retransmitir a TV Manchete, da famí-
lia Bloch, que tinha como proposta não ser tão popular como
a TVS, e tinha como slogan “Televisão de primeira classe”.

Ruim de imagem, ruim de som

“A Manchete teve momentos importantes, com a novela


Pantanal e com séries brasileiras. Foi uma televisão que se em-
penhou muito, mas a falta de estrutura fez com que ela decli-
nasse e nós, com isso, fomos obrigados a ampliar a grade re-
gional assumindo o slogan ‘TV Vitória: a cara da gente’”, relata
Fernando Machado, atual diretor comercial e de operações da
emissora.

36
A televisão capixaba em panorâmica

Apesar dessa regionalização, grande parte dos programas era


terceirizada, ou seja, não era produzida pela emissora. E, mes-
mo com todas essas transformações, a baixa qualidade técnica
ainda permanecia como um dos problemas, como conta Ma-
chado: “Quando eu cheguei à emissora, ela era considerada a
televisão Berredo de Menezes, quer dizer, era ruim de imagem
e ruim de som. Berredo era um candidato a senador que não
era muito bonito e falava arrastado. Os equipamentos não
funcionavam”.

Mas, além de ser ruim de imagem e ruim de som, a TV Vi-


tória também era o lugar de alguns improvisos. Em meados
da década de 80, havia um programa diário, Jornal do Povo,
apresentado por Osvaldo Oleari. Era um programa líder em
audiência, conta Adriano Trigo, que foi chamado para traba-
lhar na produção. “Na época estava na moda Madonna e con-
cursos do tipo ‘Garota da Praia’ e o Edmar de Almeida, que
trabalhava no programa, chamou várias garotas para desfilar
de biquíni ao som da cantora e o Oleari trouxe de Colatina
uma dupla de sanfoneiros. Alguém já havia marcado com a
turma do Balão Mágico da Ufes, que tinha criado um gru-
po de teatro de bonecos de papel machê. Ficou estabelecido
que no antepenúltimo bloco entraria o pessoal do teatro, no
penúltimo os sanfoneiros e no último as meninas. Entrou o
pessoal do Balão Mágico, e nesse meio tempo, gritaram que
não teria comercial e eles não conseguiram sair; aí entrou a
dupla de sanfoneiros e os balonetes sentaram todos no chão
esperando uma brecha pra sair do estúdio e os sanfoneiros to-
cando... Nisso veio uma ordem da direção dizendo para entrar
com as meninas do concurso porque caíra o último intervalo.
E o Oleari não esperou o Jocimar colocar a música da Ma-
donna e apresentou as meninas. Para piorar, os sanfoneiros
começaram a tocar. Foi uma loucura: tinha um monte de me-
ninas de biquíni desfilando, sanfoneiros tocando e no meio
do caminho a música da Madonna começou a tocar e ficou
uma bagunça! Mas a confusão não parou por aí, o pessoal do
teatro que estava sentado resolveu fazer uma performance e

37
Roda VT!

começou a dançar no meio das meninas. Quando vi aquilo,


saí correndo e fui para redação. Chegando lá, estava a Sueli
Lievore chorando e o Edmar de Almeida boquiaberto: ‘Cara,
o programa tá meio surreal!’. Depois desse acontecimento que
entrou para a história, toda a equipe pediu demissão”, conta,
às gargalhadas, Trigo.

Mesmo com essas dificuldades técnicas, no fim dos anos 80


a emissora lançou um dos programas de maior sucesso da te-
levisão capixaba: o Espaço Local.

Sucesso local

A estréia do Espaço Local foi em julho de 1988. O programa


era apresentado inicialmente por Jeanne Billich, Milson Hen-
riques, Marien Calixte e Luís Eduardo Nascimento.

O Espaço Local nasceu da proposta de se fazer um programa


que retratasse assuntos variados da vida do telespectador, com
o formato de revista. O programa fazia uso do jornalismo, mas
esse não era o seu forte. Ele valorizava mais as entrevistas de
estúdio, abordava assuntos econômicos, comentários políticos
e temas que estivessem em evidência.

“Segundo Américo Buaiz, o Espaço Local era a sala de visitas


da TV Vitória. Ele havia idealizado e cuidava pessoalmente das
pautas enquanto o mesmo não se consolidava. Américo tinha
um carinho especial pelo programa”, conta Jeanne Billich.

Durante os anos em que foi apresentado, o programa teve


diversas formações. A primeira mudança ocorreu com a con-
tratação de César Herkenhoff, após a morte de Luís Eduardo
Nascimento. Posteriormente, Calixte e Herkenhoff se afasta-
ram e Milson Henriques foi substituído por Chico Netto. De-
pois, outras pessoas passaram pelo lugar de Chico Netto, mas

38
A televisão capixaba em panorâmica

ficaram por pouco tempo. Em 1990, Adriano Trigo, de volta


à emissora, estréia, dividindo o Espaço Local com Billich. A
sintonia entre os dois era muito grande, o que contribuiu para
o êxito do programa.

O formato fez tanto sucesso que outras afiliadas da Rede


Manchete, como as do Piauí e Amazonas, passaram a produzir
um programa local que era exibido, inclusive, com o mesmo
nome. O horário do meio-dia também serviu de inspiração
para a rede. Visando a padronizar as veiculações locais, a Man-
chete fez pesquisa junto a todas as repetidoras do país para
o estabelecimento de um horário padrão compatível com a
programação nacional, tendo sido escolhida a opção da TV
Vitória.

Em 1991, o programa lança a participação ao vivo do te-


lespectador por telefone, dando dicas, mandando recados, fa-
zendo denúncias. Essa idéia foi tão inovadora que em junho
de 1993, quando o programa completou seis anos, cerca de 30
ligações eram recebidas diariamente e quase todos os proble-
mas acabaram sendo solucionados. Era comum órgãos públi-
cos terem um aparelho de TV ligado no Espaço Local, por isso
o feedback era imediato.

Diversas personalidades passaram pelo programa, como


Darcy Ribeiro, Tônia Carreiro, Paulo Autran, Nélson Gonçal-
ves, e todos os candidatos a governador do Estado e à pre-
sidência da República das eleições de 1989, exceto Fernando
Collor.

Em 1998, a jornalista Jeanne Billich deixa o programa. “Saí


do Espaço Local porque queria fazer algo novo. Foi quando
eu fiz um estágio com Boris Casoy e ancorei o Jornal da TV
Vitória no estilo do apresentador. Isso já na época da Record”,
lembra Billich.

Em 2002, a apresentação do programa ficou por conta de


Adriano Trigo que, após um período fora da emissora, voltou

39
Roda VT!

para substituir Cláudio Figueiredo, o Cauby.

O programa durou até o final de 2004, período em que não


contava mais com a presença de Jeanne Billich e Adriano Tri-
go. “Pela primeira vez se viu na televisão capixaba a associação
da imagem dos apresentadores com a de um programa, o que
ocasionou o seu fim”, afirma Trigo.

As notícias chegam, mas o sinal...

Para promover uma reformulação na programação da TV


Vitória, ainda como retransmissora da TV Manchete, em maio
de 1994, foi contratada a jornalista Carminha Corrêa. No car-
go de gerente de Jornalismo, ela ficou responsável por toda
programação local da emissora, assim como pela criação de
novas atrações.

Já existiam atrações locais como o recém-citado Espaço Lo-


cal, o Jornal do Estado, Questões a Domicílio e Gente que é Man-
chete. “Começamos a implantar novos programas e quadros, a
empresa investiu em equipamentos e melhorou sua produto-
ra. Criamos também a Rede Vitória de Notícias, uma parceria
da TV Vitória com jornais impressos do interior do Estado.
Eles entravam no ar, por telefone, com alguma notícia dessas
cidades e a gente dava os créditos dos jornais impressos. Isso
foi muito legal porque até então era difícil e muito custoso sair
daqui para cobrir pautas no Interior. Nós fizemos essa ponte
que deu certo”, conta Corrêa.

E as inovações não pararam por aí. Segundo a jornalista, du-


rante as eleições de 1994, foi criado o Vota Espírito Santo, um
programa desenvolvido especialmente para os períodos elei-
torais, com cobertura durante todo o dia. Houve uma grande
audiência porque só a emissora cobria as eleições em tempo
integral. Para isso, contava com a equipe local e com a equi-

40
A televisão capixaba em panorâmica

pe da Rede Vitória de Notícias, sociedade que durou cerca de


dois anos. A emissora também foi a primeira do Estado a fazer
flashes jornalísticos ao vivo durante a programação, algo se-
melhante aos plantões que as emissoras nacionais fazem atu-
almente, só que com mais freqüência. Outra novidade foram
as séries de reportagens, pouco comuns à época.

Mas a falta de um sinal que cobrisse todo o Estado ainda


era um problema para a emissora. A história da transmissão
de jogos do campeonato capixaba ilustra bem a situação. “A
TV Vitória fez um acordo com a Federação Capixaba de Fute-
bol para transmitir, ao vivo, uma vez por semana, os jogos do
campeonato capixaba. Enquanto os jogos aconteciam na Re-
gião Metropolitana, estava tudo bem. Mas o acordo previa que
durante o campeonato a emissora transmitiria apenas os jogos
que acontecessem na Grande Vitória, porém a final deveria ser
transmitida de qualquer lugar que fosse. Foi um compromis-
so complicado por causa da falta de equipamento e por ser
em Linhares a final do campeonato. Como não tínhamos um
único sinal, foi uma coisa de doido: os técnicos foram de Vi-
tória a Linhares fazendo links aos pedaços. Pelo compromisso,
teríamos que entrar ao vivo no sábado de manhã com flashes,
mas só conseguimos depois do início do jogo. Assim mesmo,
porque segurei o juiz pelo braço uns quinze minutos, dizendo:
‘Espera que vai entrar no ar’. Ele chegou até a ameaçar man-
dar me prender pois a torcida já estava enfurecida, querendo
invadir o campo. Quando eu vi que não dava mais pra segurar
o jogo, pensei: ‘Seja o que Deus quiser’. Mas para minha sorte
o sinal logo apareceu e conseguimos fazer a transmissão”, lem-
bra Corrêa.

De acordo com ela, nos anos 90, o sinal em Linhares, assim


como em outras localidades do interior do Espírito Santo, era
muito ruim. Esse foi um dos motivos para que a então gerente
de programação sugerisse a mudança do nome do noticiário
de Jornal do Estado para Jornal da TV Vitória, pois a abran-
gência do jornal se restringia à capital e aos municípios mais

41
Roda VT!

próximos. Além disso, o próprio público se referia ao jornal


como Jornal da TV Vitória.

Devido aos constantes problemas financeiros e de progra-


mação da TV Manchete, no dia primeiro de outubro de 1998
a TV Vitória passou a ser afiliada da Rede Record. Com isso,
a emissora começou a investir em equipamentos e adquiriu
uma estação móvel para transmissões ao vivo.

Empresa tem que dar lucro

Mesmo com a mudança para Record, as particularidades da


TV Vitória foram mantidas, assim como o espaço destinado à
programação local.

O jornalismo continua focado na Grande Vitória, mas exis-


tem dois programas que cobrem pautas em outros lugares do
Espírito Santo, que são o Mundo do Campo e o Repórter do
Estado. Quando acontece algo relevante no interior do Estado
é utilizado o mesmo recurso que na época da Rede Vitória de
Notícias, ou seja, o fato é transmitido por telefone durante a
programação.

Atualmente, a emissora não possui programas terceirizados,


porém algumas características permanecem, como o mer-
chandising escancarado. Em muitos programas as matérias
misturam informação e publicidade, fazendo com que eventos
ou acontecimentos que são notícia transformem-se em palcos
para promoção de determinados produtos ou marcas.

Desde sua criação, a televisão sempre foi um meio com vo-


cação comercial, o que a mantém viva até hoje. Apesar disso, a
separação entre informação, educação e entretenimento deve
ser visível em relação aos objetivos publicitários. O telespecta-
dor precisa compreender essa distinção para não ser manipu-

42
A televisão capixaba em panorâmica

lado por um mecanismo meramente comercial.

Questionado acerca disso, Fernando Machado defende a


emissora: “Nós não temos nenhuma vergonha em assumir o
nosso compromisso com os resultados. Um programa para ser
implantado precisa atender quatro bases: o telespectador; o
apresentador e a equipe; anunciantes, que precisam de respos-
ta; e a empresa, que tem que dar lucro. Isso não interfere em
nada na credibilidade junto ao público, porque o que a expe-
riência nos mostra é que por meio desses produtos (progra-
mas) vamos dando vida à cidade, seja na moda ou no mundo
empresarial, por exemplo.”

A TV que é a cara da gente

Apesar do apelo comercial, o diferencial da emissora hoje é


sua qualidade técnica, o que a faz a única no Brasil detentora
da certificação ISO 9002/2000. A emissora anuncia que cobre
todo o Espírito Santo com um único sinal, no que seria um
mérito exclusivo da TV Vitória.

“Além de termos a maior programação local, somos também


os maiores produtores e exibidores de programas regionais do
Brasil. Não existe nenhuma emissora no país que produza e
exiba 13 programas. E o destaque não é só regional. No ano
passado, geramos 648 matérias para o jornalismo da Record,
somos o maior fornecedor de matérias jornalísticas fora do
eixo Rio – São Paulo”, diz Machado.

Outro destaque da emissora é o reconhecimento que obte-


ve por meio de dois prêmios Colibri de Ouro, o prêmio mais
importante do Espírito Santo na área de publicidade, e dois
prêmios Aberje de Jornalismo. Também foi eleita empresa se-
torial do Brasil pelos leitores da Gazeta Mercantil.

43
Roda VT!

Atualmente, a Rede Vitória de Comunicação é composta pela


TV Vitória – canal 6, Rádio Jovem Pan, Rádio Vitória AM, Rá-
dio Shopping e pela produtora Vitória Vídeo & Áudio.

Ao longo de todos esses anos, desafios não faltaram para essa


que foi a pioneira das TVs no Espírito Santo. Muitos foram os
profissionais que passaram pela TV Vitória – seria impossível
destacar todos aqui – e que contribuíram de alguma maneira
para que a emissora deixasse sua marca na história. Mas essa
história não acaba aqui. Continua a ser escrita pelos diversos
profissionais que, cotidianamente, dão vida a essa “TV que é
a cara da gente”.

Referências bibliográficas

BITTI, George; ANDERSON, Priscila. A Festa da TV: livro-re-


portagem sobre a História da TV no Espírito Santo. Faesa: Vitó-
ria, 2000. (mimeo)

AZEVEDO, Délio Grijó de. A Ilha de Vitória que conheci e


com que convivi. Vitória: Prefeitura Municipal de Vitória,
2001.

CAPARELLI, Sérgio; LIMA, Venício A. de. Comunicação e Te-


levisão: desafios da pós-globalização. São Paulo: Hacker, 2004.

CARVALHO, Marcelle de Almeida. A evolução do telejorna-


lismo no Espírito Santo: a busca por uma identidade regional.
1999. Monografia – Curso de Comunicação Social, Faesa, Vi-
tória, 1999.

MARTINUZZO, José Antônio (Org.). Rádio Clube do Espírito


Santo: Memórias da Voz de Canaã. Vitória: Imprensa Oficial
do Estado do Espírito Santo, 2004.

PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa (Org.). A vida com a TV: o po-

44
A televisão capixaba em panorâmica

der da televisão no cotidiano. São Paulo: Senac, 2002.

Entrevistas

Adriano Trigo, jornalista. Em 20 de abril de 2006.

Carminha Corrêa, jornalista. Em 22 de março de 2006.

Fernando Machado Ferreira, jornalista e diretor comercial e


de operações da TV Vitória. Em 27 de março de 2006.

Jeanne Billich, jornalista. Em 18 de abril de 2006.

Licério Duarte Júnior, um dos fundadores da TV Vitória. Em


20 de março de 2006.

Marien Calixte, jornalista, escritor, poeta. Em 23 de março de


2006.

Milson Henriques, escritor, jornalista e cartunista. Em 20 de


abril de 2006.

Anexo

Atualmente, a grade de programação local da TV Vitória é


composta por 13 programas locais. É a maior grade dentre
todas as emissoras do Estado e de todas as afiliadas da Rede
Record; com telejornais, programas de moda, saúde, negócios,
culinária, variedades, decoração e entretenimento. Confira
abaixo a programação:

• Vitória Fashion – domingo às 22h15 e terça-feira às


12h45. Comandado por Vanessa Endringer, o programa traz
informações sobre moda, mostrando as novas coleções, pro-

45
Roda VT!

fissionais que se destacam no segmento, além dos eventos re-


lacionados à moda.

• Vivendo e Aprendendo – quarta-feira às 12h45 e sába-


do às 9h30. O programa, que é apresentado por Luiza Ribeiro,
discute temas como saúde, ecologia, educação e turismo.

• Gourmet Vip – quinta-feira às 12h45 e domingo às


11h30. Apresentado por Fabrício Fabre, o Gourmet Vip divulga
os acontecimentos que envolvem a gastronomia, mostrando as
novidades para os amantes da arte de cozinhar e degustar.

• Mundo do Campo – domingo às 9h. Programa voltado


para um dos principais segmentos econômicos do estado, a
agropecuária. Assuntos como novas tecnologias, culturas al-
ternativas, sistemas de produção e controle de pragas e doenças
são abordados no programa, que é apresentado por Patrícia
Vallim.

• Repórter Estado – sábado às 11h e domingo às 10h30.


Apresentado por Jacqueline Franklin, o programa fala sobre
economia, política e cultura, principalmente dos municípios
do interior do Espírito Santo.

• Arte et Décor – segunda às 12h45 e domingo às 10h.


Tem como objetivo dar maior visibilidade ao segmento de de-
coração do Espírito Santo. Apresentado por Doriene Moraes.

• Jornal da TV Vitória - de segunda a sábado às 18h30.


Mais antigo telejornal da emissora, antes chamado de Jornal
do Estado. É apresentado por Ana Katia.

• Jornal Local - de segunda a sábado às 12h. Telejornal


apresentado por Priscila Santos.

• Negócios de Sucesso – domingo às 22h45 e quarta-fei-


ra: à meia-noite. O mundo dos negócios é o foco do programa
apresentado por Vladimir Godoy, que discute temas empresa-

46
A televisão capixaba em panorâmica

riais e econômicos, mostrando tendências de mercado, gran-


des oportunidades e destacando empresas e empresários.

• Fala Espírito Santo - de segunda a sexta às 13h15. Pro-


grama com entrevistas ao vivo sobre cultura, entretenimento,
saúde e comportamento, apresentado por Isabela Castro.

• TV Motor Show – sábado às 10h30 e domingo às 11h.


Aborda assuntos relacionados ao setor automobilístico, como
novidades, lançamentos, classificados e as principais notícias
que movimentam o segmento. Com apresentação de Thiago
Pinhati.

• Sociedade em Ação - sábado às 10h e domingo às


11h30. Responsabilidade social e desenvolvimento sustentá-
vel são os objetivos desse programa de cunho jornalístico do
terceiro setor. É apresentado por Talita Guimarães.

• Black Tie – sábado às 12h30 e sexta-feira às 12h45.


Programa apresentado por Fabrício Toscano que destaca as
notícias que circulam na sociedade capixaba: personalidades,
música, cinema e literatura.

47
Roda VT!

Uma das primeiras transmissões de rua da TV Vitória, comandada


por Duarte Jr. (terceiro da esquerda para direita)

Milson Henriques apresenta quadro infantil no programa Bazar

48
A televisão capixaba em panorâmica

O então repórter Gerson Camata (em pé) na redação da


TV Vitória, dirigida por Duarte Jr.

Equipe do Espaço Local em 1993: da esquerda para a direita, Danilo


Souza (redator), Jeanne Billich, Neuza Moratti (produtora), Adria-
no Trigo e Ricardo Mignoni (repórter) em primeiro plano

49
TVE – Entre mandos e desmandos

Leandro Tedesco, Leonardo Lopes, Luana Laux e


Rodrigo Melo

A
idéia de criar uma televisão educativa se estabeleceu
no Brasil no início da década de 1960, fruto de uma
concepção que via a educação como alicerce básico
para o desenvolvimento da nação. Foi quando os educadores
perceberam o potencial da mídia televisiva no processo pe-
dagógico e quando os primeiros telecursos de alfabetização à
distância para adultos foram criados e veiculados.

Fundações públicas e privadas, universidades, governos es-


taduais e governo federal fizeram brotar pelo país nove emis-
soras educativas entre 1967 e 1974, entre elas a TV Educativa
do Espírito Santo. Mesmo que a vontade de formar uma TV
que educasse estivesse presente, o fato de as emissoras públicas
terem as mais diversas naturezas e razões sociais distintas re-
flete a falta de uma política setorial do governo que orientasse
e aglutinasse essas ações.

Em março de 1978, a primeira tentativa de criar um sistema


nacional para a articulação de uma rede de transmissão de
programas educativos partiu das próprias emissoras. A tenta-
tiva não vingou, servindo apenas para a formação da chamada
“redinha”, que fez a transmissão dos jogos da Copa do Mundo
daquele ano. As TVs de cunho educativo permaneceriam de-
sarticuladas até 1980, data da criação do Sistema Nacional de
Radiodifusão Educativa, o Sinred, órgão gerido pela Fundação
Funtevê, do Rio de Janeiro. O Sinred se expandiu na década de

51
Roda VT!

1980, chegando ao total de 15 emissoras afiliadas em 1989.

O ano de 1990 trouxe mudanças norteadas por uma nova


concepção política. A Funtevê passou a se chamar Fundação
Roquette Pinto e por volta de 1993 os investimentos do gover-
no para as emissoras tinham se reduzido a tal ponto que hou-
ve uma visível queda na qualidade da programação. Em 1995
o modelo neoliberal extinguiu o Sinred e também a Fundação
Roquette Pinto, que passou a ter a estrutura jurídica de uma
Organização Social.

Em 1997, por iniciativa da TV Cultura de São Paulo, foi fun-


dada a Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educati-
vas e Culturais, a Abepec, entidade privada com a missão de
aglutinar as emissoras educativas do país e orientá-las para
uma nova concepção de televisão educativa: a da Televisão
Pública.

De TV pedagógica a TV de utilidade pública

Diferentemente da primeira concepção de TV educativa


pregada décadas antes, a TV pública não se restringe a pro-
gramações estritamente pedagógicas, mas contempla também
as de caráter cultural, informativo, jornalístico e de entreteni-
mento, tendo como fios condutores a cidadania, a promoção
do conhecimento e a educação.

Em julho de 1999, as emissoras integrantes da Abepec cria-


ram a Rede Pública de Televisão – RPTV, com o objetivo de
estabelecer uma grade de programação comum e obrigatória
para todas as emissoras associadas. O depoimento a seguir, de
Jorge da Cunha Lima (2004), ex-presidente da Fundação Pa-
dre Anchieta, mantenedora da TV Cultura de São Paulo, uma
das principais integrantes da Rede, fala sobre reorientação das
emissoras educativas para o que hoje pode ser visto como pro-

52
A televisão capixaba em panorâmica

gramação integrada da RPTV, dentro da nova concepção de


TV pública:

A TV pública tem papel importante na educação comple-


mentar do homem. Ela não deve cumprir papel de escola,
nem substituir a aula presencial, mas precisa preparar o ho-
mem para ter uma visão crítica da sociedade e exercer sua
cidadania. A educação formal é um problema da escola, do
Estado, da sociedade e não especificamente um problema
da televisão, sobretudo da TV cultural. Esta exerce o papel
de formação do homem em três vertentes: educação, cultu-
ra e informação.

Um dos principais meios que a TV pública compreende


para atingir o seu objetivo de formação crítica do cidadão é
a disseminação da informação através de um jornalismo que
compreende a notícia não como um produto ou um espetácu-
lo, e sim como instrumento de compreensão crítica dos acon-
tecimentos, privilegiando a contextualização e a análise críti-
ca. “Na TV pública, a notícia deve versar mais sobre as causas,
necessita de mais tempo para ser assimilada, não importa a
velocidade”, comenta Cunha Lima.

A programação cultural evidencia a identidade nacional e


dá espaço à produção alternativa, fora do circuito tradicional
de produção artística e cultural. Essa é uma política que se
estende para além das emissoras da Rede Pública e da Abepec,
já que existem ações feitas em parceria com diversos outros
setores da sociedade e também do governo, como é exemplo
do Programa DOC TV, que agrega, além da RPTV, a Secretaria
do Audiovisual do Ministério da Cultura e a Associação Brasi-
leira de Documentaristas (ABD).

As emissoras da Rede Pública funcionam como co-produto-


ras dos documentários feitos por realizadores independentes
de todo o Brasil, que depois são exibidos em um circuito de
teledifusão que abrange cerca de 20 Estados do Brasil. No Es-
pírito Santo, já foram contemplados pelo programa DOC TV

53
Roda VT!

João Moraes, com o filme Viagem Capixaba - Um olhar


de Rubem Braga e Carybé; e Ricardo Sá, diretor de Assim
caminha Regência.

A Rede Pública de Televisão atinge 98 milhões de telespecta-


dores em todo o Brasil, com 19 emissoras afiliadas. Entre elas
a Rádio e Televisão Espírito Santo.

A TVE no ES – os primórdios

A história da criação da TV Educativa no Espírito Santo não


pode ser contada sem que se passe por brigas e desmandos
políticos, desconhecimento e defasagem técnica, escassez de
recursos e, por último, mas não menos importante, alguma
vontade de fazer as coisas acontecerem no Estado.

O governo de Christiano Dias Lopes (1967–1971) criou a


Fundação Cultural do Espírito Santo, órgão que geriu a TVE
até a década de 1980. A princípio, a Fundação era responsável
também pelo Theatro Carlos Gomes, pela Biblioteca Pública
Estadual, pela Rádio Espírito Santo, pelo Museu do Colono de
Santa Leopoldina e criava os Serviços de Cinema e TV.

Os tais serviços nunca saíram do papel até 1974, quando o


governador Arthur Carlos Gerhardt Santos (1971–1975), em
função de a Copa do Mundo de Futebol ser transmitida em
cores, fez com que se comprasse e se instalasse um retrans-
missor com essa finalidade em Vitória. O Canal 2 foi inau-
gurado em 13 de junho de 1974 e as imagens eram providas
pela TV Cultura de São Paulo de forma improvisada, já que o
transmissor, importado, foi instalado com menos peças que o
necessário. O jornal A Tribuna, na data da inauguração da TV,
divulgou uma nota que reflete a forma como foi recebido o
novo canal e as expectativas criadas:

54
A televisão capixaba em panorâmica

A partir de hoje, os telespectadores de Vitória contam com


mais de um canal de televisão. Repetindo a programação
da TV Educativa de São Paulo, o Canal 2 vem ocupar uma
lacuna que devia ter sido preenchida há muito tempo. Isto
significa também um enorme investimento do Governo
Estadual, um esforço técnico da Telest, e uma nova opor-
tunidade para a Fundação Cultural ampliar seu campo de
atuação, passando, gradativamente, a produzir programas
para serem dosados com os produzidos em São Paulo.

A novidade comporta também uma revisão no panorama


do telespectador capixaba. Com apenas duas opções, há vá-
rios anos, limita-se à TV Vitória (que repete programas da
Tupi) e à TV Clube Intermunicipal (repetindo a TV Glo-
bo). Nesta última alternativa, o telespectador é obrigado a
suportar a interferência na emissora, quando a TV Clube
retira o som dos anúncios originais, para impor mensagens
comerciais locais. Certamente é um caso único: ouvir uma
mensagem e ver outro anúncio, sem qualquer relação um
com o outro.

Além desse problema grave, há a deficiência original da


programação e da qualidade de transmissão. Quanto a isto,
as soluções são mais difíceis. Mas, na área da TV Educativa,
muita coisa pode ser feita. É fundamental que a Fundação
Cultural não se limite a manter a TV Cultura apenas como
uma retransmissora de programas. Existe muita coisa im-
portante para ser mostrada nos vários setores. Uma inicia-
tiva deste porte, merece uma revisão nos velhos conceitos,
pois, quem lida com televisão, deve conscientizar-se de que
tem nas mãos a comunicação do futuro. Aparelho que trans-
formou o mundo a partir da década de 1950, a televisão
precisa ser encarada com seriedade absoluta. Não se trata
mais de um problema que qualquer leigo resolve. Não é um
problema que a simples interrupção dos anúncios da emis-
sora original resolve. A televisão, onde hoje estarão ligados
milhões de torcedores brasileiros, é um meio de comuni-
cação que exige um procedimento, sobretudo, profissional,
sem que se condenem as transmissões ao público ínfimo.

Após a Copa, a transmissão da programação integral da TV

55
Roda VT!

Cultura continuou a ser precariamente veiculada com o sinal


via Embratel, um meio caríssimo na época. Sem nenhuma po-
lítica para se levantar recursos para a TV, sem a possibilidade
de inserção de anunciantes, enfim, sem projeto e sem vontade
política para fazer a coisa andar, o Canal 2 fez o dinheiro do
governo ir pelo ralo, gerou dívidas à Fundação e, por diversas
vezes, deixou a TVE à beira do colapso.

Ao mesmo tempo, a TVE capixaba se propunha a ser tudo


aquilo que a concepção de TV Educativa no Brasil pregava.
Canuto (1996) reporta depoimento de Euzi Moraes, diretora-
executiva da Fundação Cultural na época: “A divulgação do
ensino através da TV é mais válida, não como lucro, mas como
multiplicador do interesse pela educação no Brasil. Somente
a educação das massas poderá levar o nosso país ao caminho
certo do progresso e do desenvolvimento”.

Foi com esse espírito que, em 1976, foram instalados cerca


de 25 telepostos na Grande Vitória, nos quais jovens e crianças
em idade escolar, mas que estavam fora da escola, recebiam
orientação educacional. No final do curso, eles recebiam um
certificado de conclusão do 1° grau. Houve tentativas, no go-
verno de Gerhardt, de se expandir esse sistema, mas a ausên-
cia de estações repetidoras do sinal da emissora frustrou essas
intenções. As repetidoras só foram implantadas na década de
1980, depois de um tortuoso processo.

No princípio de tudo, foi firmado um acordo com a Em-


bratel e a Fundação Cultural do Espírito Santo passou a pa-
gar apenas a metade do aluguel do sinal transmissor, mas em
1975 uma reformulação na estrutura do MEC impediu que a
Embratel fizesse esse tipo de exploração comercial do sistema
e forçou as TVs Educativas do Brasil a criarem as chamadas
estações geradoras.

Por falta de conhecimento técnico, de informação e de inter-


câmbio com outras emissoras de TV Educativa, nessa época

56
A televisão capixaba em panorâmica

foi efetuada pela TVE Espírito Santo a equivocada compra de


uma aparelhagem de circuito interno de TV, que não tem uso
em um sistema de teledifusão. As dívidas da Fundação con-
tinuavam crescendo, mesmo com a redução no horário de
transmissão.

Tinoco dos Anjos, atual diretor da TVE, observou a situação


enquanto era repórter de A Gazeta na década de 1970 e co-
mentou no Caderno 2, edição de 20 de julho de 1976:

O que é lamentável é a falta de planejamento da Fundação


Cultural. Por que colocar no ar uma emissora que custará
caro, se a Fundação não tinha e não tem dinheiro para pa-
gar? Por que acostumar o público a uma programação inte-
gral, depois limitá-la e agora tirá-la do ar? É muito negativo
que a Fundação Cultural ainda não tenha por hábito defi-
nir-se antes de tomar uma iniciativa. É preciso ficar claro que
a saída da TV Cultura do ar é um péssimo acontecimento
para o telespectador acostumado às suas várias ofertas cul-
turais. Só um motivo pode justificar isso, a falta de verba.
Mas também seria o caso de perguntar: antes, quando a
Fundação resolveu trazer a TV Cultura do Espírito Santo,
havia, por acaso, mais dinheiro no orçamento?

O início da produção local

Em 1976 a TVE se encontrava com uma ameaça de fechamen-


to sobre a sua cabeça. Dessa vez, era o Ministério das Comuni-
cações que ameaçava. “Eu encontrei o José Costa, presidente da
Fundação Cultural do Espírito Santo na época, arrancando os
cabelos pelos corredores da TVE, dizendo que ia ter que tirar
a televisão do ar porque não tinha dinheiro para pagar aquela
porra”, comenta o artista Nenna B, que foi o primeiro diretor de
produção da TVE Espírito Santo.

A aflição de José Costa se dava em função das dívidas com a

57
Roda VT!

Embratel. “Então, ao invés de transmitir via Embratel, vamos


transmitir essa programação via TransBrasil”, sugeriu Nenna
B, referindo-se à companhia aérea hoje fora do mercado. O
que se arranjou foi um esquema de gravação de videoteipes
que eram enviados da TV Cultura de São Paulo para Vitória
como se fossem encomendas normais. O esquema precário,
apesar dos atrasos e das muitas reprises, funcionou, na medi-
da em que impediu que a TV saísse do ar.

Foi Nenna B quem montou a primeira equipe de produção


da TVE, com oito pessoas. “Antes não havia produção de ver-
dade na TV, pois o serviço consistia em apertar os botões da
retransmissão”, lembra o ex-diretor. Glória Cristina, Joelson
Fernandes, Amylton de Almeida, Jairo de Brito, entre outros,
compunham essa equipe pioneira. “Os equipamentos que
eu pedi que fossem comprados eram desconhecidos até pela
equipe da Embratel. Após convencer a todos da existência dos
equipamentos, a compra foi realizada e depois de muita buro-
cracia eu ainda tive que montar e ligar muita coisa. A primeira
imagem veiculada pela produção local da TVE Espírito Santo
foi a de um colibri voando, retirada de um filme de Orlando
Bonfim, ao som da Bachiana n°5 de Villa-Lobos.” O dia: 10 de
setembro de 1976.

Nessa época eram produzidos alguns programas locais de


debate e como não havia instalações de estúdio, as gravações
eram feitas nas mais diversas locações. O primeiro documen-
tário local apresentado foi “Tutti, Tutti Buona Gente”, de Or-
lando Bonfim, que retrata o processo de imigração italiana na
cidade de Santa Teresa.

Meteórica é a palavra que melhor descreve a passagem de


Nenna B pela TVE. Aos 23 anos, o artista não se sentia pre-
parado nem disposto a assumir os trâmites burocráticos da
Fundação e da TV. Após três meses na emissora, Nenna teve
um desentendimento com a administração da Fundação, um
“chilique”, como ele próprio define, e abandonou o cargo.

58
A televisão capixaba em panorâmica

Passando de mão em mão

Segundo Nenna B, Hélio Rodrigues assumiu a direção da


TVE após a sua saída e foi seguido por Adam Emil Czartoryski,
que já tinha experiência de muitos anos na Rádio Espírito San-
to. Em 1977, em meio à total precariedade de produção, índi-
ces de audiências tímidos e uma equipe que carecia de treina-
mento, uma mudança na presidência da Fundação Cultural
deixou a situação caótica na TVE. Vários funcionários foram
demitidos e os que ficaram pediram demissão em massa. O
canal chegou a sair do ar várias vezes e quase perdeu, por mais
uma vez, a concessão federal. Para Marien Calixte, que substi-
tuiu a professora Beatriz Abaurre na presidência da Fundação
e determinou as demissões, o problema estava no fato de a TV
não ser, à época, uma prioridade de fato, sendo que a Fun-
dação deveria centrar esforços e recursos em outros pontos.
Canuto (1996, p. 4-14) reporta a justificativa de Calixte:

Quando assumi e encontrei o problema da Fundação, acha-


va e acho que a TV entrou no ar quando a Fundação deve-
ria ter colocado a sua atenção em outras coisas prioritárias.
Mas já que ela está no ar, não podemos simplesmente reti-
rá-la, baseado que não é uma coisa útil ou importante para
a Fundação, mesmo porque perderíamos, dessa forma, uma
concessão de caráter federal. Temos que manter a TV no ar.
Para mantê-la, começamos colocando-a dentro da realida-
de da Fundação. Foi feita uma restrição da despesa com o
pessoal. Daí adveio uma crise, que foi superada. Pensou-se
que a Fundação não teria, depois da saída do pessoal, da
demissão em massa, condições de manter a televisão no ar
por incapacidade no seu quadro de técnicos e funcionários.
Isto realmente não ocorreu porque conseguimos, pratica-
mente em 48 horas, colocar a emissora no ar para obedecer
à lei federal.

Sobre as demissões, Hélio Rodrigues é enfático em suas frus-


trações, conforme entrevista publicada, em 1978, no jornal A

59
Roda VT!

Gazeta, reproduzida por Canuto:

Nós tínhamos um projeto em andamento e evidentemente


precisávamos de gente para tocá-lo adiante. Se você preci-
sa de um profissional e manda o cara embora, você vai ter
que colocar outro no lugar dele. Eu não posso conceber que
profissionais sejam tratados como a diretoria da fundação
tratou. Ora, eu pego um bom profissional na praça, mando
o cara fazer um curso de televisão no Rio, incentivo ele a
assumir certas responsabilidades, quer dizer, invisto no tra-
balho dele. E de repente, eu tenho que dizer ao cara que ele
está na rua a partir de anteontem?

Canuto também reporta a opinião de Adam Emil Czar-


toryski acerca da questão. O ex-diretor ilustra como foi preju-
dicial para o desenvolvimento da TVE o fato de ela ter “troca-
do de dono” por diversas vezes:

No meu período em que era presidente da RTV, fiz um pro-


jeto, juntamente com Orlando Bonfim, para unificar a TV
e a rádio na Pedra da Cebola, tudo num prédio só. As duas
coisas são uma empresa só, mas devido à separação física,
ocorrem muitos transtornos. Eu fui afastado e Orlando dei-
xou a TV. Quem assumiu depois não acompanhou isso, não
deu seqüência e preferiu reformar os estúdios da TV e da
rádio.

A despedida dos anos 1970

É notório o fato de que a Fundação Cultural do Espírito


Santo desde a sua criação até o final dos anos 1970 não conse-
guiu realizar seus objetivos. O projeto da televisão que educa
o cidadão se mostrou natimorto, sem prioridade e perdido no
organograma de uma instituição que cuidava de um extenso
elenco de equipamentos, da TVE ao Theatro Calos Gomes,
passando por museus no interior.

60
A televisão capixaba em panorâmica

Para encerrar, um dado da Associação Brasileira de Ensino e


Pesquisa em Comunicação, reportado por Canuto, que reflete
a situação da TVE do Espírito Santo na década de 1970: de
todas as emissoras educativas do país à época, apenas cinco
não possuíam sequer um estúdio equipado, dentre elas a do
Espírito Santo, acompanhada pelas do Amapá, Acre, Roraima
e Rondônia.

Mas nem tudo era problema. Segundo a professora do Cur-


so de Comunicação Social da Ufes Tânia Mara Corrêa Ferrei-
ra, que integrou a equipe pioneira da TVE-ES, a emissora era
o grande laboratório para a formação em televisão no Estado.
Apesar das condições de trabalho, Tânia Mara destaca o en-
tusiasmo daqueles desbravadores, que atuavam como profis-
sionais de múltiplas competências. “Todos faziam de tudo um
pouco”, resume.

A professora também salienta a liberdade de criação e pro-


dução, fato que as TVs comerciais não oferecem às equipes.
Nesse sentido, Tânia Mara destaca que os profissionais já bus-
cavam se capacitar para regionalizar a programação da TVE-
ES. “A Rede Globo oferecia um programa de treinamento às
afiliadas, mas na TV pública a situação era outra. Por isso, não
perdíamos uma oportunidade. Lembro-me que fiquei um
mês junto à produção do Sítio do Picapau Amarelo, no Rio de
Janeiro”, recorda.

Aos trancos e barrancos chegam os “anos de ouro”

No início dos anos 1980, a TVE-ES estava numa fase difí-


cil. Envolta em dívidas, operando de maneira precária com
equipamentos sucateados e em extrema defasagem em relação
ao mercado, a emissora vivia, ainda, uma crise no setor admi-
nistrativo decorrente do fim do convênio com a Secretaria de
Educação (Sedu), estabelecido em meados da década anterior,

61
Roda VT!

para contratação de profissionais. Havia denúncias de apadri-


nhamento na contratação.

Infelizmente, com a derrocada da parceria teve fim, em


março de 1980, o projeto “Conquista”, elaborado pela Funtevê.
Como visto anteriormente, o objetivo era levar aulas monito-
radas com vídeos para o máximo de comunidades possível.
O projeto chegou a somar 38 centros de atividades no estado,
que atenderam, ao todo, cerca de 3 mil alunos.

Com a impossibilidade de realização do projeto, a TVE dei-


xou de cumprir uma das suas funções essenciais, que era a
promoção e divulgação da educação nas comunidades. Essa
falta de produtividade e as más condições levaram a Fundação
Cultural a oferecê-la para a Sedu, que rejeitou a proposta, jus-
tificando não ter capital suficiente para sustentar uma TV.

Mas a Secretaria da Educação acabou assumindo a TVE em


meados do governo Gérson Camata (1983-1987), em função
da escassez de recursos do Departamento Estadual de Cultura.
O DEC foi o sucessor da Fundação Cultural do Espírito Santo
no controle da emissora estatal, desde a reformulação promo-
vida por Eurico Rezende (1979-1982) que extinguiu todas as
fundações do Estado.

Segundo Glecy Coutinho, então diretora do DEC, antes da


transferência a emissora recebeu equipamentos importados
que lhe garantiram uma nova capacidade de produção. A jor-
nalista cita a realização de uma série de vídeos baseados em
contos de autores capixabas, incluindo Trilhos de Sangue, diri-
gido por Antônio Carlos Neves (Toninho Neves).

A partir dessa nova realidade, também se desenvolveram


programas mensais, semanais e até diários. Ao todo, na década
de 80, foram produzidos 14 programas pela Televisão Educati-
va do Espírito Santo. Feito este que deu origem à fama de “anos
de ouro” do canal.

62
A televisão capixaba em panorâmica

Alguns desses programas ganharam, inclusive, projeção na-


cional. O Fanzine, dirigido por Roberto de Souza, o Burura,
chegou a servir de inspiração para um programa da TV Cultu-
ra de São Paulo, que alterou o nome, mas manteve os mesmos
moldes do original.

Foram muitos os programas da TVE-ES que entraram em


rede nacional. No ano de 1989, o programa feito sobre o Es-
pírito Santo chamado Momentos de uma Raça, que retratava
a vinda dos escravos pelo porto de São Mateus, chegou a ser
exibido em cadeia nacional como um especial, no primeiro
dia do ano.

Cristina Valadão, ex-diretora de produção da TVE, lembra


que o canal tinha dois horários cativos em rede nacional, o
Entrelinhas, que falava sobre a vida de autores capixabas, e o
Primeira Pessoa, que mostrava grandes personalidades da so-
ciedade local.

Fora esses dois programas, algumas das produções mais sig-


nificativas para a TV foram o Espaço Dois, que ficou no ar en-
tre os anos de 1978 e 1989 (atualmente, encontra-se reintegra-
do à grade vigente) e funcionava como uma agenda cultural
para a programação do final de semana; o Periquito Maracanã,
exibido entre os anos de 1982 e 1984, que tinha como tema o
folclore capixaba e foi a primeira experiência de fazer um pro-
grama infantil que misturasse realidade e ficção; o Comunida-
de em Debate, que esteve no ar nos anos de 1982 e1983 e tinha
formato de documentário, denunciando as condições precá-
rias de infra-estrutura das comunidades da Grande Vitória e
foi o primeiro televisivo capixaba a promover a participação
direta da comunidade; Ação e Reação, veiculado entre 1979 e
1981, que contrapunha em um mesmo debate político pessoas
de destaque da sociedade capixaba e os telespectadores, que
podiam participar ao vivo por telefone; e A Voz do Campo, que
existiu entre os anos de 1984 e 1986.

63
Roda VT!

Na programação infantil, além do Periquito Maracanã, há


um outro destaque: o Rataplan, destinado a crianças de 7 a 10
anos e que fez muito sucesso com o público capixaba. “O Ra-
taplan foi criado como uma alternativa à ‘doença’ que a Xuxa
provocava nas crianças. O intuito era entreter e alegrar as
crianças, sem deixar de incutir nelas a noção de responsabili-
dade e valores”, recorda a então diretora Vera Viana, ex-produ-
tora da TVE. O programa era feito com brincadeiras, práticas
de esportes, gincanas, quadros especiais com um palhaço, um
mágico e outro com um repórter-mirim. “O Ibope foi ótimo!
Não é raro encontrar até hoje pessoas que ainda lembram do
Rataplan”, registra com saudosismo.

Nessa época ainda houve uma mudança no rumo do jorna-


lismo da emissora, e o jornal Espírito Santo Hoje passou a ter
um olhar crítico mais apurado, dando ênfase maior às questões
relativas à população e se desvinculando das notícias oficiais,
até então o carro-chefe da linha editorial. Além da programa-
ção local, havia a retransmissão de parte da programação da
TV Cultura de São Paulo e da TVE do Rio de Janeiro.

Com parte dos problemas técnicos resolvidos, uma das


principais atividades da emissora durante esse período foi o
projeto de encontrar-se com todo o Espírito Santo. Segundo
Orlando Bomfim, ex-diretor geral do Departamento de Cul-
tura e ex-diretor presidente da TVE, nessa época a emissora
alcançava quase o Estado inteiro, atingindo lugares que não
eram assistidos pelas outras emissoras locais.

Existia uma preocupação com a interiorização da TV, de ela


alcançar e até aproximar os municípios. Dentro dessa idéia
é que surge o programa Quem é quem no ES, uma série de
documentários sobre o interior do Estado, com o objetivo
de integrá-lo a Grande Vitória, expondo suas peculiaridades
e combatendo a ignorância acerca dos municípios que estão
fora da Região Metropolitana.

64
A televisão capixaba em panorâmica

Um fato extremamente relevante no cenário nacional du-


rante os anos 80 foi justamente a reabertura política. Essa mu-
dança no contexto social teve efeitos diretos na forma como a
comunicação estava sendo trabalhada no país. E as TVEs do
Brasil, que tinham na sua filosofia de criação a educação e a
cultura, acabaram assumindo o projeto de redemocratização
com uma participação efetiva neste processo.

Para isso, procurava-se trabalhar diversas formas de lingua-


gem e assuntos variados, vislumbrando a diversidade de pú-
blicos e comunidades, dando voz aos diferentes setores sociais
e avançando rumo à democracia. “Buscávamos trabalhar a TV
como realidade pública, em que o governo não interfere do
ponto de vista político, mas que dê sustentáculo, respaldo para
que ela funcione. Um veículo público, voltado ‘para’ e ‘a ser-
viço da’ sociedade, sem interferência governamental”, lembra
Bomfim.

Mas os anos 80 não foram um paraíso na terra. Na segunda


metade da década, a situação administrativa da TVE desenca-
deou uma série de manifestações dos funcionários e parte da
população. Em 1986, uma greve de 11 dias teve o intuito de
sensibilizar o governo e a sociedade quanto à necessidade de
atenção à emissora. Para isso, foi lançado o projeto “SOS TVE,
Salve Essa Imagem”, buscando a conscientização de que a TVE
era uma emissora alternativa e a favor da produção local. “A
única forma que nós achamos foi lançar esse projeto, que teve
adesão dos funcionários e da sociedade, que encheu o ato po-
lítico que fizemos no Theatro Carlos Gomes”, relata Fátima
Côgo, editora de programação da TVE.

Quanto à idéia de que a TV teve o seu auge e época de “gló-


rias e confetes” nos anos 80, em depoimento a Canuto (1996),
Côgo reflete: “a TVE não teve ‘época de ouro’, porque quando
tinha uma coisa faltava outra. Não posso falar que 10 ou 15
programas produzidos são regras para ‘época de ouro’. Faltava
equipamento, espaço físico e treinamento”.

65
Roda VT!

Um intervalo para arrumar a casa e voltamos já...

Entre os anos de 1987 e 1990, a TVE ganhou mais indepen-


dência e autonomia na sua estruturação. Surgiram, então, os
departamentos de Produção Externa, de Produção e de Jorna-
lismo. Essa organização permitiu o desenvolvimento de uma
identidade maior a cada uma dessas áreas, o que ocasionou
um aumento considerável da visibilidade de sua programação
junto à população e um maior índice de audiência.

A partir de 1989, a Televisão Educativa do Espírito Santo e a


Rádio do Espírito Santo, que até então eram setores distintos
sustentados pelo governo, foram organizadas num único sis-
tema. Desde então, passou a se chamar de Rádio e Televisão
Espírito Santo RTV-ES. Antes disso, a TVE esteve vinculada
à Fundação Cultural, ao Departamento Estadual de Cultura
(DEC) e, por fim, à Sedu. A mudança foi justificada como sen-
do uma questão de conveniência administrativa, como afirma
Weber Carlito Leite, atual diretor administrativo e financeiro
da RTV. A primeira pessoa a assumir a presidência da RTV-
ES, nessa estrutura, foi Jane Mary de Abreu, no início do go-
verno de Albuíno Azeredo, em 1991.

Com a chegada de Mary, o Departamento de Produção foi


extinto, embora no ano anterior, no final do governo de Max
Mauro, a TVE tivesse recebido um investimento de US$ 1 mi-
lhão, que permitiu a aquisição de novos equipamentos para
a sua demanda de produção. Antes da chegada desse auxílio
financeiro, a emissora, bastante ultrapassada, usava o sistema
U-MATIC, quando a maioria dos canais já utilizava o Beta-
cam.

A ação de Jane Mary foi bastante polêmica. Já no início da


sua gestão, a diretora demite 10 funcionários da emissora sob
a alegação de que eles não eram jornalistas. Essa atitude des-
pertou alguma comoção. Em entrevista ao jornal A Gazeta,
do dia 29 de maio de 1990, o jurista João Batista Herkenhoff

66
A televisão capixaba em panorâmica

declarou:

Manifesto minha solidariedade aos artistas e demais fun-


cionários demitidos pela direção da TVE. Além dos pro-
blemas humanos resultantes de uma demissão coletiva,
expresso minha preocupação porque estas demissões certa-
mente comprometerão a excelente programação local que a
Televisão Educativa vem desenvolvendo, especialmente no
sentido de preservar a memória artística e cultural do Es-
pírito Santo. Peço ao prezado conterrâneo que transmita ao
Governador do Estado esta minha posição.

Mesmo diante desses manifestos, as demissões foram leva-


das adiante pela diretora. De acordo com Cristina Valadão, ex-
diretora do Departamento de Produção da TVE, tudo foi feito
de uma forma extremamente ilegal e desrespeitosa. “A justifi-
cativa dada para os jornais era de que artistas não poderiam
trabalhar na TV. Para nós, não foi usado nada! Era uma lista
pregada na parede. Quando a gente entrou de manhã tinha
uma lista exposta, e dois policiais que não permitiram que nós
retornássemos à TV nem para pegar as bolsas”, recorda.

Cristina Valadão sente, também, o fato de não ter existido


uma continuidade de todo o trabalho desenvolvido até aquele
momento. Questiona, de uma maneira geral, a necessidade de
todo novo mandato, direção ou gerenciamento desconstruir
o que foi feito para construir por cima. “Esse é um país que
realmente tem critérios e valores muito estranhos, que fazem
com que as pessoas não sejam valorizadas pelo seu trabalho”,
ressalta. Valadão lamenta que este processo de “descontinui-
dade” tenha atingido, também, uma TV que tem como obje-
tivo ser um veículo de massa em linha aberta, disponibilizado
pelo governo, para educar o povo, mostrando o que as outras
emissoras não podem mostrar porque não dá lucro.

Jane Mary diz ter feito o necessário para “restabelecer a efi-


ciência” do sistema da TV. “Foi necessário fazer uma faxina
geral, que só teve êxito porque recebi carta branca do Palácio

67
Roda VT!

Anchieta para mudar o que precisava ser mudado. Esta medi-


da não foi bem entendida e gerou alguns protestos da classe
artística”. De acordo com Mary, os artistas estavam lá para a
produção de uma hipotética novela, além dos programas cul-
turais, que não cabia no orçamento. Com a opção de direcio-
nar a maioria dos recursos para o jornalismo, Mary desconsi-
derou o quadro de artistas da TV. “Tive que fazer a opção pelo
jornalismo, que é mais barato e dá resultado em curtíssimo
prazo. Substituí atores por jornalistas, apenas isso”. Jane Mary
acredita que o tempo provou que estava certa.

Durante esse período, grande parte da programação, prin-


cipalmente na área de produção, foi desativada e a emissora
se voltou mais para a cobertura jornalística, tanto no intenso
acompanhamento das atividades governamentais, como tam-
bém no desenvolvimento de programas como o Povo na TV,
de grande repercussão local. O programa, que teve início em
1991, era transmitido diariamente, ao vivo, da Praça Costa Pe-
reira, com microfone aberto ao público sob o comando do
jornalista Cláudio Figueiredo, o Cauby. A TVE foi a primeira
emissora a ter o equipamento de transmissão imediata do Es-
tado, chegando até mesmo a emprestá-lo para as outras emis-
soras locais.

O diário abordava as questões e opiniões da comunidade,


além de notícias, serviço e entrevistas com autoridades. A
característica peculiar desse programa era o papel de inter-
mediador entre a população e seus representantes políticos,
diante das carências sociais e da dificuldade de acesso aos
administradores públicos. O programa funcionou como um
espaço público de apresentação das demandas populares e de
obtenção de respostas das autoridades, até então inacessíveis
aos seus representados.

Com o diálogo que se viabilizou entre o público e as au-


toridades, sem os entraves e processos da burocracia, a TVE
acabou se firmando como um dos poucos canais em que exis-

68
A televisão capixaba em panorâmica

tia uma forma direta de se falar com os administradores, já


que as demais emissoras tinham, e têm, pouca liberdade para
elaborar programas regionais que exponham as livres mani-
festações comunitárias.

“Em pouco tempo, Cláudio Figueiredo, ‘o repórter sem


medo’, como ele mesmo se anunciava, começou a mobilizar
uma verdadeira multidão, que descobriu na TV Educativa um
eficiente canal para resolver problemas comunitários. Demos
voz e vez à população de baixa renda, passamos a pautar os
outros veículos, viramos a sensação do jornalismo capixaba,
sem nenhum exagero”, relembra Jane Mary.

Mesmo com uma audiência elevada, que alcançou uma


marca inédita de 10 pontos, o programa acabou sendo reti-
rado do ar por pressões políticas. No começo do governo Al-
buíno Azeredo, a interferência política se acirrou e a Assem-
bléia Legislativa começou a opinar nas decisões referentes às
emissoras oficiais do Governo. O canal de conversação aberto
pela TVE passou a ser um incômodo para alguns membros da
classe política. Daí para frente tem início a “era Gratz” e sua
interferência na máquina estatal, inclusive na área de comuni-
cação. Em 1994, o programa O Povo na TV é retirado da grade
de programação da TVE, informa a ex-diretora.

A direção de Jane Mary também foi responsável por alguns


benefícios alcançados para os funcionários da TVE, como um
aumento nos salários, a viabilização de planos de saúde, vales
de refeição e o auxílio-creche. Mas tais conquistas foram re-
sultado de um acordo meramente verbal entre a presidência
da TVE e o governo. “Na época a gente tinha uma defasagem
salarial muito grande, mais de 140 %. Então, ela conseguiu um
aumento. Só que como não ficou nada assinado, isso durou
um ano, ou dois, depois acabou”, relata Sérgio Contti, cine-
grafista da TVE.

Em 1994, termina o período de direção de Jane Mary e, em

69
Roda VT!

1995, assume o posto o jornalista Tinoco dos Anjos. Nesse


mesmo ano, a RTV-ES é desvinculada da Sedu e passa a inte-
grar a Superintendência Estadual de Comunicação (Secom),
mesmo sendo a TVE um veículo com fins educativos, sem
qualquer vínculo com a comunicação oficial na sua proposta
de criação.

Até a entrada da nova diretoria, a TVE, que sempre teve o


compromisso de cobrir as atividades do governo, nunca havia
recebido pela publicidade oficial nela veiculada, enquanto as
demais emissoras privadas, sim. Para a nova diretoria, o trata-
mento deveria ser igualitário.

Esse novo entendimento a respeito da TVE por parte do go-


verno foi essencial à emissora no que diz respeito a sua auto-
sustentação. Tinoco dos Anjos ressalta que essa alteração foi
importante como medida de incentivo à emissora para uma
maior autonomia financeira. “Em 1995, a TVE não ganhava
nada com a mídia de TV que o governo produzia e que paga-
va nas outras emissoras. Foi necessário convencer o governo
de que era preciso remunerar a veiculação de mídias oficiais,
assim como se fazia com as demais TVs, para que a TVE obti-
vesse recursos para as suas produções.”

As instalações da TVE-ES eram precárias e não havia mais


condições de funcionamento no antigo prédio da Rua Pedro
Palácios. A emissora estava instalada nos andares 8, 9 e 10 do
Edifício das Fundações, localizado na Cidade Alta. Depois de
26 anos em sua antiga estrutura, dispondo de péssimas condi-
ções de trabalho, sem estacionamento próprio e com elevado-
res muito antigos que precisavam de reparos constantes e che-
gavam a inviabilizar a realização de programas ao vivo, a TV
Educativa do Espírito Santo se mudou para o Centro Cultural
Carmélia M. de Souza, na Grande Santo Antônio, em Vitória.

Antes pertencente ao Instituto Brasileiro do Café (IBC), o


espaço do Centro Cultural Carmélia M. de Souza foi inaugu-

70
A televisão capixaba em panorâmica

rado em 1986 para o desenvolvimento de inúmeras atividades


culturais e a inclusão social, sendo um centro irradiador de
cultura para as comunidades vizinhas e, conseqüentemente,
para toda a cidade.

Tinoco dos Anjos, diretor da RTV-ES até 2003 e diretor-ge-


ral da TVE-ES desde então, lembra que a mudança, ocorrida
no início do ano de 2000, colocou a emissora num espaço ade-
quado para comportar a ampliação da grade de programação
local. Contudo, conforme explicou o diretor, essa ampliação
foi restringida pela ausência de investimentos na área técnica
e a escassez de pessoal, problemas comuns quando se trata da
máquina pública. A opinião é consenso entre os gestores da
TV e do Sistema RTV-ES.

Ao deixar a presidência da RTV-ES, Tinoco dos Anjos su-


cedeu a jornalista Glória Musiello na direção da TVE-ES. Ela
afirma que apesar de possuir o maior estúdio de televisão do
estado, o clima é de sub-aproveitamento, por causa da dificul-
dade orçamentária. Tinoco dos Anjos lembra que uma forma
de manter equipes capazes de sustentar os 14 programas lo-
cais dos “anos de ouro” foi a contratação de pessoal através
de parcerias. Uma das que ele ressalta é aquela firmada com a
Fundação Ceciliano Abel de Almeida, da Ufes.

O diretor, aliás, não nega ter sido um dos entusiastas da ten-


tativa de mudança da natureza jurídica da TV que não prospe-
rou. Segundo ele, uma autarquia é incompatível com o dina-
mismo e a flexibilidade que um veículo de comunicação deve
ter. Ao assumir a presidência da RTV-ES, em 1995, durante
o governo Vitor Buaiz, ele lembra que propôs transformá-la
numa Organização Social, capaz de receber investimentos pú-
blicos e de contratar e demitir funcionários como uma em-
presa privada. Na época, a idéia foi bastante combatida pelos
sindicatos dos jornalistas e dos radialistas, que entenderam a
proposta como uma tentativa de privatização. Afinal, não é
sempre que se vê uma empresa do porte de uma emissora de

71
Roda VT!

TV deixando de ser estatal, ainda que funcione sob adminis-


tração indireta do Estado.

Tinoco dos Anjos reacende uma polêmica ao citar que havia,


na época, outros interesses, além dos levantados pelas catego-
rias de trabalhadores. Uma opinião política de um ex-dirigen-
te sindical que atravessou os governos de Vitor Buaiz (PT),
José Ignácio (PSDB) e Paulo Hartung (PMDB) exercendo em
todos eles cargo comissionado de chefia da RTV-ES: “A Rede
Gazeta tinha na época uma concorrência no norte do estado
do empresário Rui Baromeu e eles acharam que se tratava de
uma manobra do governo Vitor Buaiz para beneficiá-lo. No
mês de março do primeiro ano de Vitor, foram publicadas 18
matérias no jornal A Gazeta só de porradas”.

Procurada para se manifestar sobre o assunto, a Rede Gazeta


respondeu, por intermédio de e-mail do diretor-geral, Carlos
Fernando Lindenberg Neto, que “1) A Gazeta atua no merca-
do de mídia impressa, não concorrendo diretamente com ne-
nhuma emissora de televisão; 2) A TV Gazeta, emissora de TV
da Rede Gazeta, concorre no mercado publicitário com as de-
mais emissoras de TV aberta, mas não com as emissoras edu-
cativas, que pela legislação não podem vender publicidade. As
que o fazem estão burlando a legislação vigente; 3) As empre-
sas da Rede Gazeta não utilizam seu espaço editorial para de-
fender seus interesses empresariais. A orientação transmitida
e seguida pelos editores é de realizar seu trabalho jornalístico
de forma isenta, imparcial e plural, voltado para bem infor-
mar seu público leitor; 4) Todos os governos, federal, estadual
e municipal, são alvo de matérias negativas e positivas. O ba-
lanço entre as duas se deve ao melhor ou pior desempenho do
governante em seu mandato. O jornalismo cumpre seu papel
ao transmitir para o público informações que o leve a refletir
sobre o trabalho dos governantes; 5) Tinoco é diretor da TVE.
Está cumprindo seu papel, mas sua afirmação não procede.
A emissora citada é educativa, pertencente a uma fundação
controlada por Rui Baromeu, e obviamente nunca concorreu

72
A televisão capixaba em panorâmica

com a TV Gazeta”.

Mas nem só de ônus vive a TV pública. Percorrendo as insta-


lações da TVE-ES, telespectadores, pesquisadores e visitantes
curiosos um pouco mais atentos podem perceber funcioná-
rios orgulhosos da programação que realizam. Todos sabem
na ponta da língua as críticas à programação da TV comercial,
e elevam a TVE-ES a um status de “TV que respeita os teles-
pectadores, independente da idade”, como ressalta a chefe de
reportagem da emissora, a jornalista Geruza Contti.

A atual grade da TVE-ES é formada por seis programas que


não exigem um custo alto de produção. Sem a possibilidade de
cobertura externa ao vivo, para isso seria necessário desfalcar
o equipamento do estúdio, a TV segue a linha adotada pelas
emissoras nacionais de mesma natureza. Essas emissoras, na
opinião de Tinoco dos Anjos, não aceitam mais o papel que
tinham quando de sua fundação, de serem apenas retransmis-
soras de materiais pedagógicos e teleaulas; são TVs que bus-
cam se enquadrar no conceito de “TV Pública”.

A programação é capitaneada por um diário de entrevistas


com meia hora de duração, chamado Estúdio, que vai ao ar ao
meio-dia e às 18 horas. É com esse espaço que a estação tenta
suprir a carência de um telejornal ao vivo, entrevistando per-
sonagens do cenário atual. O Estúdio representa a busca pelo
público-alvo da emissora, os formadores de opinião. O jorna-
lista e apresentador Namy Chequer, funcionário da RTV-ES
desde 1989, ficou à frente do programa entre os anos de 1997
e 2005. Ele lembra que, no início, o nome do diário era Opi-
nião.

Outra característica da TVE-ES é a sua afinidade com o ce-


nário cultural capixaba. Três programas semanais abrem espa-
ços que muitas vezes são a única oportunidade para artistas e
produtores culturais locais exibirem suas obras na TV. O Espa-
ço 2 é a mais antiga revista cultural em vídeo do estado. No ar

73
Roda VT!

desde 1982, aborda eventos culturais locais e discute compor-


tamento. Outro semanal é o Curta Vídeo, um programa que
apresenta e discute as produções audiovisuais capixabas. Eu
Sou o Samba estreou na programação em novembro de 2005.
Apresentando as vertentes do ritmo brasileiro por meio de en-
trevistas com grupos musicais e artistas da velha guarda do
samba, o programa mostra que o samba de raiz não é apenas
uma cultura de periferia e está presente nos locais mais nobres
da cidade. Com meia hora de duração, a atração é apresentada
por Francisco Velasco e Jorge Reis.

Outros programas que fazem parte da grade da TV são o


Oportunidades, uma mesa-redonda sobre economia com uma
hora de duração, e o Nosso Campo, feito em parceria com o
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Exten-
são Rural (Incaper). O programete diário com três minutos
de duração chamado Mercado de Trabalho encerra a lista da
grade local da emissora.

O século XXI não trouxe apenas uma nova sede e um novo


conceito de televisão para TVE-ES. Em 2002, o então gover-
nador José Inácio Ferreira atendeu a uma antiga reivindicação
dos funcionários e da diretoria da RTV-ES criando um plano
de cargos e salários dos servidores, no mesmo ato (Lei Com-
plementar nº 250 de 05 de julho de 2002) que reorganizou
a estrutura funcional da Autarquia. A mudança ocorreu no
conturbado final de um governo desgastado frente à opinião
pública, que mantinha os salários de todos os servidores esta-
duais em atraso e não apontava perspectivas de superação da
crise política que atravessava.

Embora fosse enviado para a Assembléia apenas no final do


mandato, o plano representava um compromisso de campa-
nha do governador com os funcionários da RTV-ES, que es-
tavam com os salários muito defasados em relação ao restante
do mercado. Com o tempo, a situação foi ficando insustentá-
vel. Quando chegou ao Legislativo, o projeto mobilizou os tra-

74
A televisão capixaba em panorâmica

balhadores, que passaram a construir um lobby para sua apro-


vação. O jornalista Namy Chequer lembra que a aprovação da
lei foi possível graças a uma mobilização das categorias. “Cada
um foi atrás dos deputados com os quais tinham algum con-
tato e foi realizada uma grande campanha. Apesar de tratar-se
de um ganho específico para os funcionários da RTV-ES, as
categorias de radialista e de jornalista se envolveram por com-
pleto. Foi uma grande vitória”, resgata. Tinoco dos Anjos tam-
bém lembra com entusiasmo da aprovação, que quase dobrou
os salários. Embora a lei tenha beneficiado os funcionários da
Autarquia, uma parte deles ficou sem os tíquetes de alimenta-
ção na negociação com o governo, como faz questão de ressal-
tar a funcionária Clarinda Lírio, servidora da TVE-ES desde
1978 e que exerce a função de roteirista do Departamento de
Programação da emissora. Mesmo assim ela faz questão de
deixar claro que foi um ganho sem precedentes.

No tempo da TV digital

Acompanhar as inovações tecnológicas já é um problema


para as emissoras comerciais. Para uma emissora ligada ao
governo é uma luta constante contra a escassez de recursos
e a disputa interna pelo orçamento. E foi lutando que o veí-
culo sofreu por um longo período, quando seu transmissor,
desgastado por mais de uma década de uso, sofreu um curto-
circuito no final de 2004. Como se tratava de um aparelho
muito velho, não houve a possibilidade de recuperação. Entre
a decisão de comprar um novo transmissor que custou cerca
de R$ 500 mil e a chegada do equipamento, passou-se quase
um ano. Finalmente, em novembro de 2005, a TVE-ES teve
restabelecida a sua potência original. O sinal passou a chegar
pela TV aberta a toda a Grande Vitória e a alguns municípios
próximos. O advento da transmissão a cabo também expan-
diu as possibilidades de captação das imagens por meio das
empresas Net (Canal 15) e RCA (Canal 5).

75
Roda VT!

Uma parceria firmada com as TVs Colatina, Litoral (São


Mateus) e Sul (Cachoeiro) fez com que dois programas pas-
sassem a ser exibidos nas áreas de abrangência desses veículos.
Às vezes é preciso arranjar saídas simples para resolver pro-
blemas complexos. Como fazer chegar os programas em loca-
lidades onde não é possível enviar o sinal da TV? A solução
mostra que nem só de resolver equações orçamentárias vivem
aqueles que lidam diariamente com a histórica emissora. “A
forma encontrada foi o transporte das fitas por meio de ôni-
bus”, conta Tinoco dos Anjos, repetindo a ação dos anos 1970
protagonizada por Nenna B, que impediu que a TVE saísse do
ar. Naquela época, o sistema era Transbrasil e hoje o ‘transôni-
bus’. Como se vê, é de “novas” soluções para “velhos” proble-
mas que sobrevive a TV Educativa do Espírito Santo.

Já arrumamos a casa. Só falta o puxadinho...

Falem bem ou mal, mas falem dela. Porque a TVE é muito


engraçada. E na beira dos seus 32 anos, o que não faltam são
“causos” para contar. Divirtam-se, agora, com algumas das ar-
timanhas e doidices dos bastidores da TV, contadas por nin-
guém menos que os personagens desta história.

Definitivamente, a falta de infra-estrutura persiste, mas


sempre “se dá um jeitinho”. Glória Mussielo, chefe de produ-
ção da TVE relata: “Há 19 anos, era um caos, pois nem o ge-
rador de caracteres nós tínhamos. A gente montava o nome
das pessoas numa folha preta de papel cartão com letras de
decalque. Montava o nome – e era um trabalho impressionan-
te – e colocava amarrado com um cordão. A gente descobriu
que passando devagarzinho dava um efeito lindo na televisão;
era igualzinho a um gerador de caracteres. A gente ria mui-
to, era uma coisa muito engraçada. Era a coisa mais primitiva
e artesanal. A gente achava incrível como é a televisão era o
veículo mais enganador que existe. A gente não queria pagar

76
A televisão capixaba em panorâmica

aquele mico, então improvisávamos e dava o mesmo efeito.


Era muito engraçado”.

O narrador desta história é Marco Antônio Nascimento, di-


retor de imagem da TVE: “A equipe da TVE foi cobrir a festa de
Afonso Cláudio. Nesse dia foi o Cauby como repórter, Nelson
Almeida Júnior como cinegrafista, o motorista, que era o Wil-
son ‘Negão’, e o Aldevan Diogo como assistente. Eles inventa-
ram de fazer uma cabeça (fala do repórter) dentro da arena dos
touros, onde estava tendo uma corrida. Fizeram uma cabeça,
erraram a primeira vez e o Wilson ‘Negão’ em cima da régua.
Erraram a segunda vez, e o ‘Negão’ gritou assim: ‘Olha o tou-
ro!’. E eles estão fazendo e errando, e o touro está vindo. ‘Olha
o touro, olha o touro! O touro!’. Aí como antigamente era a
câmera e o VT acoplado, resultado, ao invés deles correrem
todos para a mesma ponta, correu um para cada lado. Aí o
cabo fez ‘tum’. Estourou o cabo! E aquilo estava cheio de gente.
Naquele dia eles ganharam do touro, do toureiro... Foram a
atração principal da festa da cidade de Afonso Cláudio”.

Mais uma de Marco Antônio Nascimento: “Teve uma vez


que eu fui filmar um jogo em Guarapari, Rio Branco X Gua-
rapari. E tinha um locutor da Rádio Espírito Santo, que até já
faleceu, o ‘Vermelhão’, Horácio Carlos. Narrador apaixonado
pelo futebol e rio-branquense doente, ele só sabia falar bem
do seu time. No estádio, a cabine da imprensa é pertinho da
arquibancada. E os torcedores com os radinhos nas mãos ou-
vindo a Rádio Espírito Santo. E ‘Vermelhão’ lá enchendo a bola
do Rio Branco: ‘O Rio Branco tá demais, tá arrebentando!’.
Rapaz, um cara trouxe uma laranja Bahia, eu me lembro bem
como se fosse hoje, uma laranja imensa. Tirou a tampinha, deu
umas duas chupadinhas. E ele continua: ‘O Rio Branco é sei lá
mais o quê’!. O cara virou com a laranja e jogou. Mas bateu
na boca dele com microfone e tudo. Ele, que andava com uma
‘capanga’, uma bolsinha de cangaceiro, meteu a mão dentro e
puxou uma ‘beretinha’ e foi pro lado do público. Eu nunca vi
uma evasão tão grande daquele jeito.Todo mundo correu, e só

77
Roda VT!

ficou o cara que jogou a puxada! E nisso o pessoal segurou ele.


Eu tava do lado: ‘Segura! Pára! Pára!’. Ele nervoso, vermelho,
queria atirar no cara. E a polícia querendo entrar pra pegar
ele. E aí é que foi a confusão. E nisso o futebol correndo, e o
pessoal que estava em casa assistindo e ouvindo, estava rece-
bendo era confusão e não o jogo. Era isso e os palavrões que
estavam entrando no ar nas casas das pessoas”.

Referências bibliográficas

CANUTO, Luciana; MARTIN, Fábio Alves de; JOVITA, Tere-


zinha. TV Educativa: um laboratório em extinção?!. Trabalho
de Conclusão de Curso – Comunicação Social, Universidade
Federal do Espírito Santo. 1996.

BITTI, George; ANDERSON, Priscila. A Festa da TV: livro-re-


portagem sobre a História da TV no Espírito Santo. Faesa: Vitó-
ria, 2000. (mimeo)

LIMA, Jorge da Cunha. Entrevista. Disponível em http://www.


ufmg.br/boletim/bol1460/sexta.shtml. Acesso em: abr. 2006.

REDE BRASIL DE TELEVISÃO. As Razões da criação


de uma Televisão Educativa brasileira. Disponível em
http://www.TVEbrasil.com.br/imprimir/hist_TVE_grande.
htm. Acesso em: abr. 2006.

Entrevistas

Atílio Nenna B Gomes, produtor cultural. Em 12 de abril de 2006.

Cristina Valadão, produtora cultural. Em 06 de abril de 2006.

78
A televisão capixaba em panorâmica

Geruza Contti, jornalista. Em 10 de abril de 2006.

Glória Musiello, jornalista. Em 10 de abril de 2006.

Namy Chequer, jornalista. Em 11 de abril de 2006.

Orlando Bomfim, cineasta. Em 06 de abril de 2006.

Sérgio Contti, cinegrafista. Em 10 de abril de 2006.

Tânia Mara Corrêa Ferreira, professora da Ufes.


Em 24 de maio de 2006.

Tida Barbarioli, jornalista. Em 10 de abril de 2006.

Tinoco dos Anjos, jornalista. Em 10 de abril de 2006.

Vera Viana, escritora e produtora cultural, em 10 de abril de 2006.

Weber Carlito Leite, administrador. Em 11 de abril de 2006.

79
Roda VT!
Reproduções e fotografias: Rodrigo Melo

Sem estúdios, nos primórdios da TVE, o diretor Hélio Rodrigues


comanda gravação na Residência Oficial da Praia da Costa

Mesmo tendo batizado a emissora de “elefante branco”, os


funcionários fizeram da década de 80 os “anos de ouro” da TVE

80
A televisão capixaba em panorâmica

Em 2000, a TVE ganha casa nova, sai do Edifício das Fundações, na


Cidade Alta, e vai para o Carmélia, na Grande Santo Antônio

Com a mudança de sede, a TV Educativa do Espírito Santo passou a


contar com um dos maiores estúdios do Estado

81
TV Gazeta – Trinta anos de uma
longa história
Elaine Vieira, Fábio Botacin e Roger Santana

A história da TV Gazeta se funde com a história da Rede


Gazeta que, por sua vez, retrata grande parte do de-
senvolvimento e do jogo de poder típicos do Espírito
Santo. A empresa teve seu início na aquisição do jornal A Ga-
zeta por Carlos Monteiro Lindenberg, em 1947. O jornal havia
sido fundado em 1928 por Thiers Vellozo e estava à beira da
falência.

A compra de A Gazeta se dá por motivos estritamente po-


líticos. Salienta-se que, de alguma forma, inclusive ocupando
o cargo de chefe do Executivo estadual, ao longo do século
XX, membros da família Monteiro Lindenberg se mantiveram
ligados ao poder político capixaba.

Em entrevista aos autores deste capítulo, Carlos Lindenberg


Filho, o Cariê, atual conselheiro e proprietário da Rede Gaze-
ta, fala das pretensões políticas do pai ao comprar o jornal A
Gazeta. “O jornal, na época, pertencia a pessoas ligadas à UDN
(União Democrática Nacional), e fazia muitas críticas ao PSD
(Partido Social Democrata), ao qual meu pai pertencia. Para
minimizar essas críticas meu pai comprou o jornal, junto com
outros sócios, para não deixar transparecer a verdadeira in-
tenção de transformar o veículo em um instrumento político
de seu partido. O jornal passou a ser ligado ao PSD, e assim
ficou até a extinção do partido em 1964, com o início da dita-
dura militar. A partir daí, foi preciso mudar a linha editorial

83
Roda VT!

do jornal, eliminando todo vínculo político que ainda existia.


O desligamento total do jornal do partido só aconteceu por
volta de 1972.”

No rastro do jornal, buscou-se a TV, conforme ocorrera em


tantos casos Brasil afora. O negócio da televisão estava mesmo
crescendo no Brasil. Em todo o país, várias emissoras surgiam,
a Globo crescia rapidamente como rede de televisão. Várias
eram as capitais brasileiras que já possuíam uma afiliada da
Rede Globo. No Espírito Santo, a TV Clube funcionava apenas
como uma retransmissora do canal carioca, sem um contrato
oficial com a matriz, e, ainda assim, estava com problemas fi-
nanceiros. A TV Vitória passava por um momento difícil, que
se agravou com a ditadura militar devido à censura a alguns
programas (ver capítulos 1 e 2).

A historiadora Marta Zorzal destaca, em entrevista aos au-


tores, o papel que a TV Gazeta, assim como toda a Rede Gaze-
ta, tem na vida política do Estado. “A partir das décadas de 60
e 70, os meios de comunicação deixam de ser declaradamente
partidários, mas continuam manifestando suas posições e ten-
dências. Quando a TV Gazeta foi inaugurada, o jornal já es-
tava dissociado do partido, mas mesmo assim conservou sua
postura política. Nos editoriais, nas seções de opinião e nas
entrelinhas do jornal, sempre fica claro qual posição o jornal
está tomando ou até mesmo por qual candidato ela tem mais
preferência. E conseqüentemente a TV faz a mesma coisa, já
que ela sempre seguiu a mesma linha editorial do jornal”.

Zorzal também lembra que a TV e o jornal não fizeram mui-


ta resistência à ditadura militar. “Claro que havia uma censura
muito grande, mas também não tentaram fazer grande opo-
sição”. Nessa mesma época, o jornal A Gazeta passou a ser co-
mandado por Cariê, ao lado do seu tio, Eugênio Queiroz, que
tentava dissociar o jornal do PSD, já que o partido deixou de
existir com a repressão política.

84
A televisão capixaba em panorâmica

“Inicialmente, não tínhamos interesse no negócio televisão.


Era algo muito caro e difícil de sustentar. Nosso negócio era o
jornal e eu tinha vontade de montar uma emissora de rádio.
Mas em uma conversa com um amigo, ele me disse que TV
estava se tornando um bom negócio e que para fortalecer os
interesses do jornal era interessante que investíssemos nesse
ramo”, lembra Cariê.

De fato, as empresas jornalísticas que tinham um canal de


televisão estavam tomando mercado de seus concorrentes. Era
o caso da RBS, no Rio Grande do Sul, e do próprio jornal O
Globo, que vinha crescendo alavancado pela rede de televisão.
O exemplo de crescimento da Rede Brasil Sul, pertencente a
Maurício Sirotsky, com base na sinergia entre a TV Gaúcha,
as emissoras de rádio da rede e o jornal Zero Hora, apontava
para o mesmo caminho: era preciso um bom contrato de for-
necimento de programação que pudesse dar suporte a tama-
nho investimento. A certeza de contar com o apoio do então
governador Arthur Carlos Gerhardt Santos e do próprio se-
nador Carlos Lindenberg impulsionou a primeira empreitada
em busca de um canal e programação adequada.

Cariê também havia notado que as emissoras mais bem su-


cedidas eram aquelas que se afiliavam à Rede Globo. E a TV
Clube, apesar de todas as dificuldades, conseguiu bons índi-
ces de audiência e permitiu que se conhecesse a qualidade da
imagem e da programação da Globo. Esse fato ajudou a família
Lindenberg a tirar as dúvidas acerca de qual caminho deveria
ser seguido.

“Para nós não interessava nos filiarmos a nenhuma outra


emissora que não fosse a Rede Globo. O contrato com eles
era mais importante que a própria concessão. Se outro grupo
conseguisse esse contrato, poderia ser estabelecida uma con-
corrência difícil de ser derrubada depois”, explica Cariê.

Em seu livro Eu e a sorte, Cariê Lindenberg (2002, p.149)

85
Roda VT!

descreve o panorama da época: “Os melhores da área estão


saindo da TV Rio, Record e dos Diários e indo para a Globo,
recentemente inaugurada”. Foi pensando dessa forma que, em
1970, Cariê começou a correr atrás do contrato com a Globo,
antes mesmo de ter a concessão do governo, em uma busca
marcada, em alguns momentos, por sorte e coincidência.

Foi um amigo que acabara de receber uma concessão quem


recomendou a Cariê investir em televisão. Como não sabia por
onde começar, ele pediu uma orientação ao amigo, e uma con-
fusão na cabeça de José Pessoa acabou facilitando as coisas.

“Ele era maçom e achava que eu era também. Só por isso,


disse que me mandaria uma cartilha, que dizia exatamente o
que eu deveria fazer para conseguir a concessão do governo.
Eu nunca freqüentei maçonaria, mas não falei nada, fiquei
apenas esperando. Quinze dias depois, a cartilha chegou e
eu segui passo a passo as instruções”, conta o proprietário da
Rede Gazeta.

Mas antes da concessão, Cariê queria o contrato com a Glo-


bo. Com a ajuda de Teodorico Ferraço, que tinha contato com
alguns diretores da emissora de Roberto Marinho por causa
da TV Clube, marcou um encontro com Walter Clark, diretor-
geral da Rede Globo na época.

O encontro com Clark não foi bom. As condições colocadas


por ele não eram nada satisfatórias. Cariê voltou do Rio de
Janeiro sem esperanças de parceria com a emissora dos Mari-
nho. Foi quando sua mãe, dona Maria Antonieta, ex-primeira
dama do Estado, durante o jantar, perguntou ao filho o que
estava acontecendo. Cariê contou toda a história e sua mãe
disse que era melhor falar diretamente com Roberto Marinho.
Ela lhe ajudaria a marcar um encontro. Cariê achou que tudo
não passasse de delírio de dona Maria Antonieta. O que ele
não sabia era que sua mãe era amiga íntima de Hilda Mari-
nho, irmã do presidente das Organizações Globo, e que havia

86
A televisão capixaba em panorâmica

muito tempo as duas se encontravam no Rio de Janeiro para


jogar cartas.

Sorte ou coincidência, a reunião estava marcada para as


18 horas do dia seguinte. Mas chegando lá, a conversa tam-
bém não foi nada produtiva. Marinho disse que a proposta
era a mesma para todos e que empresários mais experientes
haviam aceitado. Foi quando o dono da Globo perguntou o
prazo que o governo havia lhe dado para a implantação do
canal. Cariê respondeu que ele ainda não tinha sequer entrado
com o pedido da concessão. Constrangido, Cariê afirma que
ficou envergonhado em ter ocupado o tempo de um homem
importante para tratar de um acordo sendo que nem tinha
permissão para montar o canal. “Vi que estava colocando o
carro na frente dos bois, e, depois disso, fiquei um bom tempo
sem mexer nesse assunto”.

O que fez o dono do jornal A Gazeta voltar a correr atrás


desse contrato foi um boato de que o grupo João Santos, pro-
prietário do jornal A Tribuna, havia conseguido a concessão
da Rede Globo. Esse era o maior medo de Cariê. O interesse
no contrato com a Globo era justamente fortalecer o jornal A
Gazeta e criar um monopólio difícil de ser batido pela con-
corrência. Se o grupo proprietário do principal concorrente
conseguisse essa concessão, seria como se o “feitiço se voltasse
contra o feiticeiro”.

Lindenberg buscou logo saber se o fato era verdade ou se


tudo não passava de um boato. E não passava de um boato.
Então, Maurício Sirotsky, dono da RBS, tratou de marcar um
almoço com Cariê e Clark para o dia seguinte. O convite foi
aceito e durante o encontro, Cariê se comprometeu a ceder
aos empresários do Rio 40% dos direitos da empresa. Em tro-
ca, recebeu das mãos do diretor da Globo um documento, em
que a emissora se comprometia com A Gazeta, ou seja, estava
reservada para ela a transmissão das imagens da emissora ca-
rioca.

87
Roda VT!

Como forma de agradecer pela participação durante as ne-


gociações com a Globo e, ao mesmo tempo, poder contar com
sua experiência, Lindenberg cede 20% do capital da empresa
para Maurício Sirotsky. Assim, os Lindenberg passam a deter
a mesma proporção dos cariocas, 40%. Logo depois, com ur-
gência e sem explicações, o grupo carioca abre mão da socie-
dade e decide vender de volta a parte que lhe cabia aos demais
sócios. Isso foi em 1972, quatro anos antes de a TV Gazeta
entrar no ar.

Antes, era preciso conseguir a concessão do governo. E se


Cariê pensou que fosse trabalho fácil, estava enganado. No
auge da ditadura militar, conseguir o direito de ter um canal
de televisão era uma jogada puramente política. Na época, pe-
las regras do governo, a capital capixaba teria direito a quatro
concessões. Estavam interessados João Calmon, da TV Vitória
que, apesar de fundada em 1962, ainda não estava regulamen-
tada, o grupo João Santos, proprietário do jornal A Tribuna, e
a família Lindenberg, detentora do jornal A Gazeta.

No início dos anos 1970, Carlos Monteiro Lindenberg já


havia deixado a política, mas mantinha fortes laços com po-
líticos influentes da época. Entre eles, o então presidente da
Telest, Rômulo Vilar Furtado. Era o início do Governo Geisel e
Quandt de Oliveira foi nomeado ministro das Comunicações.
Uma fatalidade acaba facilitando as coisas para Cariê. O se-
cretário-geral das comunicações sofreu um enfarto enquanto
fazia seu discurso, e Quandt nomeou Rômulo Furtado para
substituí-lo. Cariê havia registrado o pedido para conseguir
a concessão e solicitou que Rômulo ficasse atento a tudo que
estivesse acontecendo em torno da decisão.

Muitos contatos, camaradagens e jogos de influência depois,


Cariê recorreu ao ministro Ney Braga, amigo da família, para
que intercedesse na questão da concessão.

Segundo Bitti e Anderson (2000), o governador do Estado

88
A televisão capixaba em panorâmica

na época, Élcio Álvares, relata que era muito amigo do grupo


João Santos, e o que fortaleceu para que a concessão saísse
para a Gazeta foi o acordo já existente com a Globo. Afirmou
Álvares: “As concessões de TV passavam por um crivo muito
sério e, antes de sair, o governador Arthur (Gerhardt) me fez
um apelo para que eu providenciasse para a TV Gazeta. Tudo
isso porque ela teria uma potencialidade e iria fazer um acor-
do com a Globo. Através do jornal, a Rede Gazeta tinha uma
tradição muito grande”.

No dia 20 de fevereiro de 1975, em seu escritório no Centro


de Vitória, onde ficava a sede do jornal A Gazeta, Cariê recebe
um telefonema do diretor da Agência Estado, informando o
resultado do pedido da concessão. “Mandei comprar uma cai-
xa de foguetes e soltar lá em cima”, conta Cariê.

Durante muito tempo, Cariê Lindenberg encararia a criação


da TV como forma de proteger e consolidar a liderança do
jornal, e não como o forte instrumento de obtenção de renda
que se tornou.

Depois da correria pelo contrato com a Globo e pela con-


cessão do governo, era hora de trabalhar em cima da implan-
tação da TV Gazeta. A meta era inaugurar a emissora no dia
11 de setembro de 1976, mesmo dia em que o jornal A Gazeta
completaria 48 anos de existência. E o primeiro passo seria ar-
rumar dinheiro para a compra dos equipamentos. Mais uma
vez, Cariê recorreu ao seu amigo e dono da RBS, Maurício
Sirotsky, que fez contato com o presidente da Caixa Econômi-
ca Federal e conseguiu um financiamento de US$ 1,2 milhão
para pagar em oito anos. Mas os juros eram muito altos, e o fi-
nanciamento com a Caixa acaba não sendo um bom negócio.
Cariê então liquidou esse crédito e passou a fazer negócio com
a RCA Corporation, empresa americana que também havia fi-
nanciado equipamentos para a TV Vitória. Foi feito um pacote
no qual a Gazeta pediu todos os equipamentos necessários, e
teria oito anos para pagar.

89
Roda VT!

Devido à inexperiência dos profissionais capixabas em rela-


ção à TV e às exigências de padrão de qualidade da Globo, logo
no início foram contratados três profissionais da emissora ca-
rioca. Nelson Bonfante, para cuidar da parte técnica e mon-
tagem dos equipamentos; Wladimir Godoy, para comandar o
jornalismo; e Ubirajara Pinto, para chefiar a parte operacio-
nal. Logo depois veio Luiz Antônio Albuquerque, da TV Tupi
do Rio de Janeiro, para auxiliar na parte operacional. Plínio
Marchini, do jornal A Gazeta, ficou sendo o diretor-geral da
TV Gazeta, comandando o jornalismo e o setor comercial.

Na época, o curso de Comunicação Social no Espírito Santo


acabava de ser implantando na Ufes (confira o livro Balzaquia-
no, segunda edição do Projeto CoCa) e não havia profissionais
diplomados. Na parte técnica, não havia nenhuma especiali-
zação na cidade. Albuquerque lembra que “no Espírito Santo,
não havia profissionais na área técnica. Os contratados eram
cozinheiros, office-boys. Houve um aperfeiçoamento de um
número pequeno de pessoas que foram fazer essas especializa-
ções. Ao chegar na rede tinham que ensinar o que aprenderam
aos demais”. À medida que os primeiros profissionais eram
contratados, iam para o Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Rio
Grande do Sul fazerem estágio nas outras afiliadas da Globo.

No ano de inauguração da TV, o jornal A Gazeta já vinha


preparando o público para a chegada da nova emissora. A
jornalista Mariângela Pellerano ficou responsável pela colu-
na “Vídeo”, que trazia informações sobre a programação da
Globo e as últimas informações sobre a implantação da TV
Gazeta.

“À medida que eu fazia a coluna, ficava conhecendo e ao


mesmo tempo conhecida na TV. Quando montaram a equi-
pe, fui chamada, junto com Glecy (Coutinho), para sermos as
primeiras repórteres da emissora”, conta Mariângela em en-
trevista aos autores.

90
A televisão capixaba em panorâmica

Glecy Coutinho também era repórter do Caderno Dois e foi


convidada para trabalhar na TV. “Na época, o curso de jor-
nalismo era muito recente em Vitória. Tinha apenas um ano,
quem era formado tinha feito fora do Estado. No jornal A Ga-
zeta, a maioria das pessoas tinha aprendido a fazer jornalismo
com a prática mesmo. E a TV estava escolhendo alguns fun-
cionários do jornal, que eles achavam que tinham perfil para
televisão, para atuarem na emissora”, conta Glecy Coutinho.

Mariângela Pellerano lembra os contratempos que teve


quando fez seu treinamento no Rio de Janeiro. “Alguns foram
para o Rio e outros para o Sul do Brasil, mas tivemos que ir
por conta própria, a Gazeta não pagou nada. Ao chegar lá, eu
não tinha onde ficar, e pedi ajuda ao pessoal da Globo. Quan-
do contamos a nossa situação para os diretores de lá, eles fi-
caram indignados, e ligaram para cá dando bronca no pessoal
daqui. Por fim, a Globo pagou um hotel para gente, e eu fiquei
hospedada em Ipanema, de frente para o mar. Nunca vou me
esquecer.”

Lá, a equipe acompanhou o dia-a-dia das redações da Globo


e pôde ver como trabalhavam repórteres como Marília Ga-
briela e Glória Maria. Nessa mesma viagem, também foi gra-
vado o documentário que iria ao ar no dia da inauguração,
sobre os artistas capixabas que faziam sucesso fora do Estado.

Enquanto isso, a equipe técnica trabalhava pesado na mon-


tagem dos equipamentos, sob comando de Nelson Bonfante e
do engenheiro Alf Lud, da Rede Globo, que afirmou no jornal
A Gazeta de 11 de agosto de 1976 que o equipamento monta-
do no Morro da Fonte Grande era o mais moderno que existia,
tanto para transmissão em preto e branco, quanto em cores.

Antes mesmo de começar a retransmitir as imagens da TV


Globo, um fato inesperado aconteceu e a TV Gazeta foi con-
vencida a ajudar a matriz. A emissora carioca foi atingida por
um incêndio logo no começo do ano de 1976. O fogo destruiu

91
Roda VT!

muitos dos seus aparelhos, dentre eles vários telecines, equipa-


mento indispensável para o funcionamento da TV, que mais
tarde seria substituído, no dia-a-dia da televisão, pelo VT. José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, na época superin-
tendente de produção da Globo, ligou para Nelson Bonfante
pedindo que os capixabas emprestassem seu telecine. Inicial-
mente, Bonfante se negou a ajudar, mas depois Walter Clark
ligou diretamente para Cariê fazendo o pedido.

“Eu disse para ele que nossa emissora iria ser inaugurada
no dia 11 de setembro, e que por isso não dava para empres-
tar. Na mesma hora ele deu um grito, dizendo: ‘Ah, vocês não
vão conseguir’. Eu disse para ele: ‘Rapaz, eu estou te falando
que nós vamos inaugurar’”, relata Cariê. Clark, porém, conse-
guiu convencê-lo a emprestar o equipamento. Dez dias antes
da inauguração, Cariê ligou para Boni pedindo o aparelho de
volta.

“Nem a Globo acreditava que a gente conseguiria inaugurar


no dia 11 de setembro, conforme havíamos previsto. Walter
Clark só acreditou quando recebeu o convite para a inaugura-
ção da emissora. Foi aí que ele percebeu que nós precisávamos
do telecine, porque sem esse aparelho a transmissão não fun-
cionava na época”, lembra Cariê.

Enquanto o telecine da Gazeta estava pelos estúdios da Glo-


bo, no Rio de Janeiro, o trabalho continuava para os profissio-
nais da parte técnica. Vivaldo Alves, cinegrafista da TV Gazeta
que ajudou a instalar a torre da emissora no morro da Fonte
Grande, conta que na época chovia muito e fazia muito frio
no alto do morro. “Comecei numa segunda-feira, em 1975,
lá em cima, eu e mais 20 pessoas. Só serviço pesado. Cavando
buraco, quebrando pedra. Era rocha pura, cada buraco tinha
em média 4 metros quadrados e 8 metros de profundidade,
para sustentar a torre, de mais de 50 metros de altura. No dia
de colocar a antena lá em cima chovia muito e fazia muito frio.
A torre já estava toda pronta, mas não tinha ninguém para

92
A televisão capixaba em panorâmica

subir e instalar a antena. Fui no carro do Nelson Bonfante (en-


genheiro responsável pelas instalações), peguei três blusas de
frio e subi. A antena subiu em uma corda e eu encaixei ela lá
em cima. Demoramos umas duas horas e meia. O Nelson me
dava instrução pelo rádio. Quando desci, foi uma festa. Ele
me disse que não subiu porque estava com dor no joelho. Mas
era cascata, é porque era brabo de fazer. Não podia atrasar, o
prazo era até o dia 11”.

E não podia atrasar mesmo. O Caderno Dois do dia 8 de


fevereiro de 1976 já trazia uma reportagem explicando o in-
vestimento feito na TV Gazeta, os preparativos para a inaugu-
ração, sua programação e o que ela viria a representar para o
público capixaba. Abaixo, alguns trechos da reportagem:

A TV GAZETA deverá ser inaugurada este ano, com um


moderno transmissor de 15 KW fabricado pela RCA (só
existem três operando no Brasil). A programação deverá
incluir também os valores artísticos do Espírito Santo. Sem
necessidade de torres repetidoras, quase dois terços do Es-
tado captarão a imagem.

Em convênio com a TV Globo, a TV GAZETA vai apresen-


tar sua programação de filmes, shows e jornais. Mas não
é só isto: um investimento de 17 milhões vai garantir boa
imagem e bom som.

Com a TV GAZETA, os aparelhos receptores deixarão sua


inspiração surrealista para apresentar-lhes obedientemente
os contornos da imagem e a perfeita modulação do som.

Quando a TV GAZETA estiver funcionando, nenhum em-


presário poderá desconhecê-la como veículo, sob pena de
permitir que um concorrente mais ativo e rápido lhe tome
(com auxílio da TV) consideráveis segmentos do mercado.
O impacto da TV modificará também o mercado publici-
tário, as agências crescerão e os corretores autônomos con-
quistarão novos e insuspeitados clientes.

93
Roda VT!

As pretensões e a propaganda sobre a TV Gazeta eram for-


tes. O que a reportagem assinada pelo jornalista e diretor da
TV Plínio Marchini não comentava é que o pacote de equipa-
mentos fabricados pela RCA não estava completo. A inexperi-
ência dos profissionais da época ficou clara quando a equipe
esqueceu de incluir no pedido câmeras para filmagens exter-
nas. Sem elas, era impossível fazer televisão. O então cinegra-
fista Clóvis Rosa lembra do episódio: “Na época estávamos
preparando um telejornal e na hora de fazer as matérias de
rua foi que alguém perguntou: cadê as câmeras para fazermos
as filmagens? Aí eu mesmo me perguntei: é mesmo, cadê as
câmeras? Foi aí que percebemos que esqueceram de comprar
as câmeras. Como que pode, esqueceram de comprar as câ-
meras? Me lembro que Cariê deu um jeito, a Globo mandou
algumas, mas deram defeito. Depois compramos outras, que
tinha que dar corda para funcionar.”

No dia 5 de setembro, o Caderno Dois de A Gazeta traz mais


uma reportagem, confirmando a inauguração da emissora
para o dia 11 de setembro:

Já começou a contagem regressiva para a abertura da TV


GAZETA. Dezenas de monitores brilham nos estúdios do
13º andar, em pleno centro de Vitória, no Ed. A Gazeta.
(...) Um corre-corre geral está envolvendo, há vários meses,
desde de o diretor executivo Carlos Lindenberg Filho até
um pequeno batalhão de contínuos, serventes, carpinteiros,
pintores e eletricistas, todos empenhados no mesmo objeti-
vo: manter o cronograma e colocar TV GAZETA no ar exa-
tamente às 11h30 do próximo dia 11.

A expectativa pela chegada do novo canal de televisão era


grande também por parte dos anunciantes, já que antes de ela
entrar no ar, muitos anúncios haviam sido vendidos. Era o
retorno financeiro do investimento feito pela família Linden-
berg. A empresa não podia decepcionar logo no começo. A
Gazeta escreveu:

94
A televisão capixaba em panorâmica

Uma Central de Produções Comerciais já está operando a


todo vapor. Mesmo com a TV GAZETA fora do ar, os anun-
ciantes já estão às voltas com a falta de “espaço” (em alguns
horários) para incluírem seus reclames na programação.

No dia 11 de setembro de 1976, o jornal A Gazeta, que co-


memorava 48 anos, publicou uma reportagem especial, com
quase 10 páginas, sobre o novo veículo de comunicação da
empresa, inaugurado neste mesmo dia. A reportagem era o
principal destaque da capa.

Começa a funcionar hoje, às 12h a TV GAZETA, canal 4, a


mais nova afiliada da Rede Globo de Televisão. Um podero-
so transmissor instalado no morro da Fonte Grande e uma
antena de 54 metros de altura possibilitarão que a imagem
e o som da TV GAZETA alcancem dois terços do território
do Espírito Santo, sem necessidade de estações retransmis-
soras. Às 21 horas, será levado ao ar um programa especial
que apresentará diversos artistas capixabas: Roberto Car-
los, Sérgio Sampaio, Maysa, Carlos Imperial, Raul Sampaio,
Danuza Leão, Nara Leão, Jece Valadão e o cronista Rubem
Braga. Além do show, haverá outros programas no primeiro
dia de atividade no Canal 4, incluindo o telejornal Primei-
ra Página e a parte que caberá ao Espírito Santo no Jornal
Hoje. (...) Segundo garantiram os técnicos que acompa-
nharam a instalação da nova emissora, os equipamentos da
TV GAZETA são os mais modernos do País e permitirão a
transmissão de uma imagem de excelente qualidade.

Mas a verdade é que nem tudo estava pronto. Os trabalhos


técnicos terminaram no dia em que a TV entrou no ar, e o te-
lecine continuava com a matriz no Rio e Janeiro. Vivaldo Alves
conta que o equipamento foi devolvido apenas algumas horas
antes de a transmissão começar.

“No dia da inauguração, Nelson Bonfante, nosso técnico, es-


tava trepado lá no alto da torre, resolvendo um problema de
última hora que tinha surgido. Foi quando eu disse a ele pelo
rádio de comunicação, às 10 horas da manhã, que o Penna

95
Roda VT!

Roque, técnico da Globo, havia chegado lá com telecine. Estava


todo mundo com raiva da Globo por causa da demora em de-
volver o nosso aparelho. Mas aquilo é fácil. Depois que chegou
foi só ligar e a gente pôde trabalhar”, relembra Vivaldo.

Cariê Lindenberg acompanhava tudo da janela do prédio de


A Gazeta, na Rua General Osório, Parque Moscoso, no Centro
de Vitória, com um binóculo. E pensava: “enquanto ele estiver
trepado lá em cima, a emissora não vai ao ar”.

Já passava de 10 horas da manhã, e a previsão no dia da


inauguração era de que as imagens fossem exibidas ao meio-
dia. A expectativa e a correria eram grandes. Faltavam dez mi-
nutos para o horário marcado quando um dos técnicos gritou:
no ar!

Nas imagens, ainda precárias, começava o Jornal Hoje, noti-


ciário diário da Globo. Devido às intensas propagandas, algu-
mas pessoas se juntaram nos bares para assistir às primeiras
imagens. Entrava no ar, no canal 4, a TV Gazeta, 18ª afiliada
da Rede Globo de Televisão.

TV pensando em você

Qual é a fórmula para fazer o telespectador se identificar


com uma emissora de televisão? A programação é a primeira
resposta que nos vêm à mente. Pensando assim, a TV Gazeta
já chegou forte ao Espírito Santo por ser a primeira afiliada da
Rede Globo no Estado. Um dos principais atrativos da jovem
televisão era a programação de novelas, shows e filmes que
seriam exibidos com melhor qualidade para os capixabas.

A TV Gazeta não era apenas uma repetidora de sinal, mas


uma emissora com programação e produções próprias volta-
das para o público capixaba. Essa foi a idéia que norteou aque-

96
A televisão capixaba em panorâmica

les que pensaram a identidade que teria a TV Gazeta. Levar


para a televisão a cara do povo capixaba, com suas manifesta-
ções culturais, os problemas sociais, além de fatos marcantes
da política e economia.

Mas, para isso, diretores e produtores tinham poucos espa-


ços na grade de programação que a própria Globo, no Rio de
Janeiro, destinava para as praças de outros estados. Ao con-
trário dos dias atuais, a programação televisiva das redes de
televisão não tinha cem por cento dos horários preenchidos,
as atrações não ocupavam as vinte e quatro horas do dia. No
ano de 1976, data da inauguração da TV Gazeta, a Rede Globo
não possuía programas no turno matutino.

O contrato entre as duas empresas dava o direito da retrans-


missão da programação de filmes, shows e jornais no Espíri-
to Santo. O público capixaba da época teve acesso às mesmas
atrações que eram levadas ao ar em Manaus, Maceió, Rio de
Janeiro e São Paulo. À TV Gazeta cabia a produção de progra-
mas jornalísticos, produção de vinhetas para intercalar com a
programação nacional e comerciais. Aliás, a televisão deveria
se sustentar com a comercialização de espaços nos intervalos
da emissora. Marcos Alencar foi o primeiro diretor do que po-
demos chamar de uma Central de Produções Comerciais.

Para a ocasião da inauguração da emissora localizada no


13º andar do edifício A Gazeta, no Centro de Vitória, foram
produzidos dois programas. Às 12 horas seria exibido o tele-
jornal Primeira Página, que mostrava os principais fatos do
dia no Espírito Santo. A veiculação aconteceria nos dias de se-
mana, na primeira parte do Jornal Hoje, com tempo de dura-
ção aproximado de meia hora. Nos sábados, haveria um bloco
ampliado com informações sobre serviços e a vida cultural
da Grande Vitória. O início seria às 12h30. Ainda dentro do
Primeira Página haveria, diariamente, uma parte dedicada ao
esporte capixaba, com comentários de Xerxes Gusmão Neto.
Mas o nome Primeira Página logo foi abandonado pela TV

97
Roda VT!

Gazeta, pois já era de propriedade de outra empresa. O espaço


então ficou batizado mesmo como Jornal Hoje, numa edição
local, sendo que a seqüência era destinada para a rede. Mais
tarde a apresentação foi alternada entre Jeanne Billich, Eduar-
do Ribeiro e Maura Miranda.

Durante a noite, a população também teria um programa


jornalístico inserido antes da entrada do Jornal Nacional. Se-
gundo a jornalista Glecy Coutinho, entre os editores do jornal
da faixa das sete horas, estão o pioneiro Pedro Campos, Joa-
quim Neri, Antônio Mendes Americano, Maura Fraga e Rubi-
nho Gomes. A apresentação ficou por conta de Enoch Borges,
Ruy Crespo e Tadeu Sessa. Eram três minutos dedicados aos
fatos mais importantes do dia do Espírito Santo. Antes da TV
Gazeta, este espaço era ocupado com notícias do Rio de Janei-
ro e captado pelas televisões do Estado.

Já para o horário das 21 horas, especialmente para o dia da


inauguração foi produzido um vídeo, no formato de docu-
mentário, com vários depoimentos de personalidades do Es-
pírito Santo que faziam sucesso tanto no estado quanto fora
dele. A equipe de reportagem da TV Gazeta entrevistou Ro-
berto Carlos, Sérgio Sampaio, Maysa, Carlos Imperial, Raul
Sampaio, Danuza Leão, Nara Leão, Jece Valadão e Rubem Bra-
ga.

Este documentário, com direção de Vladimir Godoy e Beto


Mariano, contou com entrevistas feitas por Mariângela Pelle-
rano. A equipe montou o roteiro e fez as filmagens para uma
hora de exibição. Um tempo impensável ainda hoje para qual-
quer vídeo em exibição na televisão aberta. Quando ficaram
sabendo que a inserção poderia ter, no máximo, quinze minu-
tos, houve um processo rápido de edição.

Nos demais horários, a grade era ocupada pela Globo. Como,


na época, a comunicação entre a sede da emissora e a TV Ga-
zeta não tinha ligação direta por satélite, a programação dos

98
A televisão capixaba em panorâmica

próximos dias, como filmes e novelas, era gravada em video-


teipe (VT) pela emissora carioca e enviada, por avião, todos
os dias, para serem exibidos no Espírito Santo. “A antecedên-
cia era de aproximadamente três dias, para que não houvesse
nenhum imprevisto”, destaca o técnico da TV Gazeta Rômulo
Gonçalves .

Mas outras atrações também estavam sendo pensadas para


preencher a programação e, assim, conseguir o maior público
possível. Antes mesmo da inauguração da TV, o Jornal A Ga-
zeta (Caderno Dois – 05/09/1976) trazia a seguinte matéria:
“Uma das investidas já projetadas, para o futuro, será a exten-
são do telejornalismo à área rural com programas especiais
voltados exclusivamente ao homem do campo orientando-o
para o melhor aproveitamento da terra.” Estava lançada a se-
mente do Jornal do Campo.

Segundo Glecy Coutinho, uma das primeiras repórteres da


televisão capixaba, no começo de tudo as imagens de externas
eram captadas em preto-e-branco e sem som direto. O texto
com as informações era gravado em estúdio e lido pelo apre-
sentador. A jornalista afirma que somente em 1977 chegou
uma câmera com capacidade de captar som e imagem simul-
taneamente.

Havia apenas um carro e a disputa entre os jornalistas era


acirrada, relembra. Mas, mesmo assim, Glecy Coutinho afir-
ma que fez muitas pautas em Campos, no Rio de Janeiro, e
em Carangola, Minas Gerais, cidades que ficam na divisa do
Estado e que eram alcançadas pelo sinal da TV Gazeta.

Crianças na TV

Passado o período de inauguração, um dos programas que


logo despontou na TV Gazeta foi o Gazetinha, a primeira

99
Roda VT!

atração não-jornalística do canal 4 capixaba e o segundo pro-


grama produzido pela afiliada da Rede Globo durante os três
primeiros anos. Milson Henriques esteve à frente da atração.

O programa era exibido diariamente, duas vezes por dia,


pela manhã e à tarde. Aproveitando a grade da Rede Globo,
que no ano de 1976 lançou a sua primeira versão do Sítio do
Picapau Amarelo, a TV Gazeta exibia seu infantil logo após o
sucesso nacional para não perder audiência.

Milson Henriques lembra do pioneirismo da emissora ca-


pixaba com a atração para o público mais jovem. “General
Darcy (fundador da Gazetinha impressa, juntamente com
Glecy Coutinho) foi um dos criadores do programa, que ti-
nha direção de Vladimir Godoy, juntamente com o Bira. Na
época não havia programa infantil no Brasil, como Xuxa e ou-
tros. Apenas na TVE de São Paulo tinha algo parecido”, diz o
artista.

A produção tinha em torno de 14 minutos de duração, além


de uma platéia com quatro ou cinco crianças. Nos primeiros
dez minutos, Milson Henriques fazia alguns desenhos a pe-
dido da garotada. Como na época a carta era o grande ins-
trumento de comunicação entre telespectadores e emissora, o
programa recebia várias correspondências. Eram crianças que
acompanhavam o Gazetinha em casa e depois enviavam os de-
senhos para o apresentador. Na segunda parte do programa,
ele mostrava a arte feita pelas crianças.

A atração era gravada aos sábados em um pequeno estúdio.


A média era de cinco programas que iriam ser exibidos du-
rante a semana. Com o passar do tempo, Gazetinha passou
ter quadros variados, como o ‘Moda Infantil’ e ‘Conselho aos
Pais’, que tinham apresentadores próprios escolhidos através
de concursos.

O ex-apresentador conta que o sucesso era tão grande que


algumas personalidades da televisão capixaba atual concor-

100
A televisão capixaba em panorâmica

reram também e a disputa não era fácil. “Quando foi feita a


chamada para este concurso, apareceram mais de 500 crian-
ças. Ficamos num sábado até 10 da noite. Na época não tinha
teleprompter. O teste era a criança olhando o menos possível
para o papel, olhando para mim como se eu fosse a câmera.
Tinha criança que mal sabia ler. Outras apenas balbuciavam.
Tinham mães que me cantavam e diziam que fariam de tudo
para que o filho fosse aprovado no teste. Entre os concorren-
tes, pessoas hoje famosas, como Wesley Sathler, Sandra Freitas
e o próprio Café, que não pôde ser aprovado porque era filho
do dono. No fim, escolhi uma criança negra, uma branca e
outra japonesinha”, disse Milson.

Como ocorre ainda hoje, nem tudo em televisão sai como


o previsto. Segundo Milson Henriques, havia um bloco cha-
mado Minha Casa é Assim que mais tarde passou a se chamar
Minha Rua é assim. As crianças tiravam fotos da cidade e le-
vavam para serem exibidas. Este quadro acabou se tornando
um instrumento de denúncia, quando crianças levavam fo-
tos mostrando a situação da rua onde moravam, muitas vezes
precária. O Gazetinha ficou no ar até 1984.

Voltamos à nossa programação normal

O jornalismo sempre foi o carro-chefe da produção local, já


que o entretenimento ficava a cargo da programação da Rede
Globo. No final da década de 1970, a TV Gazeta possuía uma
inserção de três minutos cronometrados durante a noite. O
chamado Plantão Gazeta tinha pautas próprias, nas quais par-
ticipavam repórteres como Namy Chequer e Marisa Sampaio.
Os editores foram Antônio Mendes Americano, Glecy Couti-
nho e Vitor Martins.

Havia também o Jornal das Dez, no mesmo formato e horá-


rio de exibição do atual Jornal da Globo. Um de seus primeiros

101
Roda VT!

apresentadores foi o então editor de jornalismo da TV, Vla-


dimir Godoy. Deve-se ressaltar que antes de ser batizado de
Jornal da Globo, o telejornal da madrugada se chamava Jornal
Amanhã. No início da década de 1980, o Amanhã mudou para
Jornal da Globo e o Jornal das Dez também foi rebatizado com
o mesmo nome do sucessor na programação. Era a mesma
idéia do Jornal Hoje: o primeiro bloco dedicado ao noticiário
do Espírito Santo.

Seguindo a mesma linha da grade enviada pela Rede Globo,


a TV Gazeta apostava no jornalismo para garantir cada vez
mais público e audiência no Estado. No início do ano de 1983,
a matriz carioca lançou o matutino Bom Dia Brasil. Aproxi-
madamente uma semana depois, o canal quatro de Vitória
colocou no ar o Bom Dia Espírito Santo, com apresentação
de Marisa Sampaio e Abdo Chequer. O programa tinha ca-
racterísticas que davam ao telespectador a impressão de que
os entrevistados e jornalistas estavam tomando café da ma-
nhã, num ambiente informal. Mas devido ao fato de a comida
atrapalhar tanto o entrevistado nas suas respostas quanto os
apresentadores na condução do programa, este formato logo
foi abolido.

Ainda na época, o Bom Dia Espírito Santo era transmiti-


do às 7h30, de segunda a sexta-feira. A transmissão, além da
TV Gazeta, ocorria simultaneamente pela Rádio Gazeta FM.
Mesmo com uma pequena mudança no horário de exibição,
a definição do programa continua atual. Segundo matéria pu-
blicada em A Gazeta por ocasião do lançamento, “este jornal
visa, basicamente, informar ao pessoal que está acordando os
principais fatos que aconteceram na noite anterior, em todo o
Estado, projetando ainda a agenda de acontecimentos do dia
que se inicia. Fala ainda sobre a previsão do tempo e preços ao
consumidor. Aliado ao Bom Dia Brasil, é o primeiro contato
do telespectador com o mundo”.

Em setembro de 1983, a TV Gazeta ainda planejava expan-

102
A televisão capixaba em panorâmica

dir sua participação na programação com produções locais.


Em uma entrevista ao Jornal A Gazeta, o então Diretor de Pro-
gramação e Produção, Ubirajara Pinto, mais conhecido como
Bira, disse que estava em estudo a implantação do Gazeta Ci-
dade. “A exemplo dos programas similares de outras afiliadas
e da própria Globo, objetivaria maior participação da comu-
nidade no nosso trabalho diário. Se o povão reclama de um
bueiro aberto, nós vamos atrás da solução dos problemas, dos
responsáveis. Se estes não os resolverem, continuaremos co-
brando. Em caso contrário, também noticiaremos as soluções
adotadas”.

Durante a década de 1990, o projeto do programa foi incor-


porado ao ES Notícia – Primeira Edição, com o quadro chama-
do Gazeta Comunidade. Mesmo tendo sido pensado há mais
de 20 anos, este modelo atualmente está na grade de progra-
mação da TV Gazeta. Há dois anos, nas manhãs de sábado, sob
apresentação de Sandra Freitas, entra no ar o ES Comunidades.
O espaço é reservado para a cobertura de problemas e desta-
ques de diversos bairros, principalmente da Grande Vitória.
Os envolvidos nas reclamações da população são convidados
a irem até o local do problema e os questionamentos são feitos
ao vivo, pelo repórter ou apresentador.

Buscando a fidelidade do público e o diferencial em relação


aos programas da Rede, as produções locais deveriam ter no-
mes que aproximassem as atrações dos telespectadores. Então,
ainda no começo da década de 1980, houve essa mudança. É
o caso do Jornal Hoje, edição local, que passou a se chamar ES
Notícias - Primeira Edição. Por escolha editorial, o telejornal
foi concebido com atrações voltadas para a divulgação e in-
centivo à arte e à cultura. Mas os principais fatos que marca-
vam as manhãs do Espírito Santo também eram exibidos.

Ao longo do tempo houve muitas mudanças nesse jornal.


Inicialmente com 10 minutos, hoje ele possui 45 minutos.
Com tanta variação de duração, algumas fórmulas testadas

103
Roda VT!

como quadros acabaram se transformando em programas na


grade da TV Gazeta. O tempo destinado à divulgação da pro-
dução cultural do Estado, ou mesmo àquelas que vinham de
outras regiões, o calendário de eventos e entrevistas com per-
sonalidades migraram para outra atração. Assim surgiu o Jogo
Aberto, que ia ao ar logo após o telejornal. Com apresentação
de Edu Henning, o programa ficou no ar de 1992 a 1999. Mais
tarde, este mesmo tempo e conteúdo voltou a ser incorporado
pelo atual ESTV – Primeira Edição, que é exibido a partir das
12 horas.

Mesmo não tendo, historicamente, grandes expoentes nas


modalidades esportivas, esta área do jornalismo não ficou
esquecida pela TV Gazeta. Seguindo a grade da Rede Globo,
desde o início o noticiário esportivo local tem espaço cativo
na programação antes da veiculação da edição nacional do
Globo Esporte. No final da década de 1970 e início de 1980,
a edição local da atração era exibida por volta de 13 horas.
Como o próprio Jornal A Gazeta, de 29 de setembro de 1983,
atesta, o Globo Esporte – Edição local “foi desmembrado dos
demais noticiários para dedicar maior atenção à área espor-
tiva do Estado. Sua premissa básica é a valorização do futebol
profissional, não descuidando, porém, dos setores de ativida-
des amadoristas”. Atualmente o programa é exibido às 12h40,
com apresentação de Jorge Buery e comentários do ex-joga-
dor Paulo Sérgio.

No horário noturno, a programação da Rede Globo sempre


privilegiou atrações como as novelas, exibidas em três horários
alternados, intercaladas com telejornais locais e nacionais. No
início das transmissões da TV Gazeta, havia, conforme relata-
do, três programas jornalísticos: o Jornal Nacional (apesar do
mesmo nome utilizado pela rede, o primeiro bloco era produ-
zido no Espírito Santo, com apresentador próprio, e exibição
dos fatos mais marcantes do dia no Estado), o Plantão Gazeta
(uma espécie de resumo do dia, com tempo máximo de du-
ração de três minutos) e o Jornal das Dez (telejornal notur-

104
A televisão capixaba em panorâmica

no, com matérias de principal interesse da classe média). Este


último era exibido no mesmo molde do Jornal Nacional, um
bloco antes da exibição do programa nacional do então Jornal
Amanhã, que se transformaria em Jornal da Globo.

Com o passar do tempo, a Rede Globo foi deixando a grade


mais rígida. Os horários das afiliadas deviam seguir rigoro-
samente o padrão da rede, bem como os formatos, que eram
enviados da matriz para as praças. Com isto, o bloco local do
Jornal Nacional foi extinto. A partir daí surgiu o ES Notícias
– Segunda Edição com horário de exibição às 19h45, no ano de
1983. O primeiro apresentador do programa foi Tadeu Sessa.
Por se tratar do chamado ‘horário nobre’, o ES Notícias – Se-
gunda Edição já era considerado o carro-chefe do telejornalis-
mo do canal 4 local. Esta definição ainda perdura, pois “trata,
principalmente, de política, economia, além de assuntos de
outras áreas não específicas, abrangendo, ainda, todo o Esta-
do. Antecedendo o Jornal Nacional, complementa o universo
de informações do capixaba”, segundo informa reportagem do
Jornal A Gazeta, em 29 de setembro de 1983.

O ES Notícias – Terceira Edição era levado ao ar por volta de


23h45. Esta programação substituiu a seção local do Jornal da
Globo após a padronização. Era um jornal mais voltado para
análise dos fatos, tendo pelo menos uma grande entrevista
sobre assuntos da área econômica ou política. Este telejornal
ficou no ar até meados do ano de 1992, quando foi retirado da
grade de programação.

Numa programação de televisão, algumas fórmulas não du-


ram, outras, porém, dão tão certo que perduram e servem de
modelo para outros projetos maiores e duradouros. É o caso
do Jornal do Campo, programa pioneiro no Brasil. Mesmo an-
tes da inauguração da TV Gazeta, em 1976, a equipe de pro-
dução já pensava no formato para esta atração voltada para a
população do interior do Espírito Santo. Mas o programa foi
ao ar só em março de 1979, com exibição nas manhãs de do-

105
Roda VT!

mingo. A definição da atração é dada pelo Jornal A Gazeta, de


29 de setembro de 1983: “Para prestar informações técnicas e
orientação aos agricultores, este informativo desenvolve uma
tentativa de valorizar o homem do campo. Com entrevistas
mais longas do que os demais noticiários, aborda, preferen-
cialmente, novas experiências que levem a incrementar o de-
senvolvimento da zona rural”.

A formatação do Jornal do Campo, produzido pela TV Gaze-


ta, serviu de base para o programa Globo Rural da Rede Globo,
que entrou na grade da emissora em 6 de janeiro de 1980, com
apresentação de Carlos Nascimento. De acordo com o sítio na
internet do Globo Rural, o programa foi criado para atender a
um novo telespectador que surgia com a expansão do sinal de
televisão: o homem do campo. A partir do ano 2000, o Globo
Rural passou a ser exibido de domingo a sexta-feira, enquanto
o Jornal do Campo ainda entra no ar pela TV Gazeta nas ma-
nhãs de domingo.

Outro programa que marcou época na TV Gazeta foi A San-


ta Missa em Seu Lar, que ia ao ar nas manhãs de domingo,
antes do Jornal do Campo. A transmissão acontecia ao vivo,
direto do auditório da Rede Gazeta, localizado no bairro Ben-
to Ferreira, em Vitória. A premissa da transmissão simultânea
era imposta pela Arquidiocese da capital, seguindo orientação
da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que foi pioneira na trans-
missão. Geralmente, a celebração era realizada pelo bispo de
Vitória.

A Santa Missa em Seu Lar teve início na TV Globo do Rio de


Janeiro no dia 4 de fevereiro de 1968, nos estúdios do bairro
Jardim Botânico. Na TV Gazeta, o programa feito pelos católi-
cos capixabas começou a ser transmitido no final da década de
1970. De acordo com a assessoria de comunicação da Arqui-
diocese carioca, “a celebração é destinada a dar conforto espi-
ritual aos doentes, aos presos, aos idosos e aos que não podem
se deslocar até uma igreja, por motivos físicos e outros”.

106
A televisão capixaba em panorâmica

No final da década de 1990, com o avanço da tecnologia do


ao vivo e a diminuição do peso e tamanho dos equipamentos
e câmeras, algumas celebrações passaram a ser transmitidas
de algumas igrejas, previamente escolhidas pela produção. A
Santa Missa em Seu Lar foi tirada da programação no início
dos anos 2000. O horário ainda é reservado para o programa
religioso católico, que veicula a celebração realizada pelo pa-
dre Marcelo Rossi, do Santuário do Terço Bizantino, em São
Paulo.

Em contrapartida à rigidez imposta pela matriz, a progra-


mação das noites de domingo foi sendo conquistada pela TV
Gazeta com atrações voltadas para capixabas de várias faixas
etárias. No ano de 1995 entrou no ar o programa Painel de
Domingo, com quadros de jornalismo, cultura, variedades,
serviço e entrevistas. Apesar do horário, após a última atração
de entretenimento de domingo da Rede Globo, a produção al-
cançou um bom padrão de qualidade. Como no primeiro dia
da semana não há um programa jornalístico local, o Painel de
Domingo acabou suprindo esta lacuna.

A atração, seguindo tendências da televisão brasileira, tinha


nos cenários e na vinheta de abertura imagens de vários pon-
tos turísticos do Espírito Santo, em referência à sua abrangên-
cia territorial e editorial. Os jornalistas Carlos Tourinho e Da-
niela Abreu dividiam a apresentação do programa dominical.
Nos últimos anos, o Painel levou ao ar várias produções que
‘desvendavam’ as potencialidades econômicas dos municípios
capixabas e os recantos ainda desconhecidos pela maioria da
população. O Painel de Domingo deixou a programação da TV
Gazeta em 2004.

Mas o horário não ficou esquecido. Aproximadamente um


ano depois, em novembro de 2005, a TV Gazeta lançou o
programa Conexão Geral, com apresentação de Renato Costa
Neto. O formato do programa é inédito na filial capixaba da
Rede Globo. Com bandas e platéia no estúdio, o Conexão Geral

107
Roda VT!

quer aliar os três veículos da Rede Gazeta: televisão, rádios e


jornal. Com temas diferentes a cada domingo, o apresentador
debate com um convidado e um jornalista da casa o assunto,
além de apresentar os principais fatos do fim de semana em
um bloco dedicado ao telejornalismo.

Ainda é cedo para se avaliar o sucesso do programa nesse


formato. Mas é inegável que é o único programa da televisão
capixaba que pode levar a informação local ao telespectador
naquele horário. Por se tratar, principalmente, de um progra-
ma de entretenimento, o Conexão Geral está ligado ao núcleo
da Central Gazeta Produções e não à Central de Jornalismo,
que apenas supervisiona o conteúdo da atração.

Voltando para as manhãs de sábado, recentemente, em mar-


ço de 2004, a TV Gazeta lançou o programa Estação Esporte,
tendo à frente o apresentador Jorge Buery. Diferentemente
do Globo Esporte, o programa se pauta em reportagens espe-
ciais sobre esportes radicais e de aventuras, além do resumo
semanal do cenário esportivo capixaba. Há ainda espaço para
entrevistas em estúdio e matérias sobre atletas, clubes ou per-
sonalidades ligadas ao esporte do Espírito Santo.

Sendo mais um programa local da TV Gazeta, o Estação Es-


porte aproveita o espaço na grade para transmissões ao vivo
de importantes competições que acontecem em todo o Esta-
do. Como o horário da grade de sábado também depende das
transmissões que são realizadas em rede pela Globo, o pro-
grama vai ao ar geralmente às 8h25 e tem, em média, trinta
minutos de duração.

Exibido nas tardes de sábado, o Em Movimento está no ar


desde 2001 com atrações que são definidas em três palavras
pela própria produção do programa através do sítio na inter-
net: identidade, atitude e informação.

O formato da atração foi aperfeiçoado ao logo de quatro


anos. No início, com cenário em cromaqui (um fundo neu-

108
A televisão capixaba em panorâmica

tro sobre o qual são projetadas imagens durante a gravação)


e apresentação de Letícia Sellos, o Em Movimento chamou a
atenção, principalmente, do jovem capixaba. Logo o apresen-
tador passou a gravar o programa em áreas abertas, o que deu
um perfil mais livre e espontâneo à atração. À frente do pro-
grama ainda se revezaram Alessandra Marques e Renato Costa
Neto. Atualmente, Rodrigo Mendes comanda a atração.

Assim como o Estação Esporte e o Conexão Geral, o progra-


ma é de responsabilidade da Central Gazeta de Produções.
Geralmente, as pautas abordam o cotidiano capixaba como
o cenário musical, esportes, meio ambiente, cidadania e com-
portamento. Com um texto leve e dinâmico, o Em Movimento
conseguiu avançar do público jovem para toda a família. Ele é
exibido às 13h45 dos sábados e com duração média de trinta
minutos para todo o Espírito Santo pelas quatro emissoras da
Rede, TV Gazeta, TV Gazeta Norte, TV Gazeta Noroeste e TV
Gazeta Sul.

Referências bibliográficas

BITTI, George; ANDERSON, Priscila. A Festa da TV – livro-


reportagem sobre a história da TV no Espírito Santo. Faesa: Vi-
tória, 2000. (mimeo)

LINDENBERG FILHO, Carlos Fernando. Eu e a Sorte. Rio de


Janeiro: Gryphus. 2002.

ZAGANELLI, Bárbara. “Se a mudinha falasse...”. Monografia


de conclusão de curso – Jornalismo. Faesa, Vitória, 2002.

109
Roda VT!

Entrevistas

Abdo Chequer, jornalista. Em 05 de fevereiro de 2006.

Cariê Lindenberg, escritor. Em 15 de outubro de 2005.

Glecy Coutinho, jornalista, professora e cineasta. Em 23 de ja-


neiro de 2006.

Mariângela Pellerano, jornalista. Em 03 de fevereiro de 2006.

Rômulo Gonçalves, técnico de TV. Em 27 de abril de 2006.

Vivaldo Alves, cinegrafista. Em 13 de fevereiro de 2006.

110
A televisão capixaba em panorâmica

Foto: Gildo Loyola

Marisa Sampaio e Abdo Chequer comandam o Bom Dia Espírito


Santo, lançado em 1983

Foto: Chico Guedes

Nos anos 80, a Rede Gazeta sai do Centro e passa a ocupar uma
moderna sede na Ilha de Monte Belo

111
Tribuna - O papel do cimento na
história da TV
Katarine Rosalem, Marcele Falqueto e Vitor Ferri

A
trajetória da TV Tribuna renderia uma novela. Mas
não um dramalhão mexicano. Seu roteiro, repleto de
disputas políticas, englobaria as aspirações de um em-
preendedor, João Santos Filho, que veio de Recife e encontrou
uma nova paixão em terras capixabas: a comunicação.

A história do Grupo Industrial João Santos – Nassau no Es-


pírito Santo teve início de uma maneira peculiar. O objetivo
inicial era administrar uma fábrica de cimento falida, a anti-
ga Barbará, que a família pernambucana havia comprado em
Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado. O encarregado de
liderar o novo empreendimento foi João Santos Filho. “Ele era
um homem de espírito empreendedor”, afirma o atual diretor
da área técnica da Rede Tribuna, Júlio Vantil. Tal caracterís-
tica, segundo Vantil, foi essencial para que, na década de 70,
João Santos Filho adquirisse uma estação de rádio, a Tribuna
FM Cachoeiro, com freqüência 99,9 MHz. A rádio foi o pri-
meiro veículo de comunicação do grupo em todo o país. Esse
foi o pontapé inicial para a entrada da família na área da co-
municação e a posterior consolidação da empresa no ramo.

Entretanto, a vontade de expandir os investimentos do gru-


po não foi o único fator determinante para que o Grupo João
Santos adquirisse, posteriormente, outros veículos de comu-
nicação. Além da característica apontada por Vantil, havia
também outro objetivo que estimulava João Santos Filho a

113
Roda VT!

investir no ramo. Após a sua chegada ao Espírito Santo, o em-


presário passou a ter ambições políticas, entre as quais a de se
tornar governador do Estado no período da ditadura militar.
Assim, a compra do jornal A Tribuna, em 1973, foi realizada
para dar sustentação a esse projeto político.

O grupo João Santos comprou o diário do antigo político


paulista Ademar de Barros (confira o livro Impressões Capi-
xabas, quarta edição do Projeto CoCa). Algum tempo depois
foi a vez das rádios Tribuna AM e FM, ambas com sede em
Vitória, como afirmam Bitti e Anderson (2000).

A instalação da TV já era um objetivo do grupo, que tinha


como propósito montar uma rede de comunicação. “O João
Santos Filho sempre foi um empreendedor, e logo que surgiu
a FM no Brasil ele conseguiu um canal para Cachoeiro, o que
despertou nele uma veia para a comunicação. Mas a implanta-
ção da TV já era um projeto”, disse Vantil. O fato é que, desde
a compra do jornal, João Santos Filho possuía aspirações po-
líticas e via nos meios de comunicação uma forma de forta-
lecimento.

A construção da TV

A luta pelo direito de transmissão transformou-se também


em uma batalha política, ainda nos anos 70. Segundo Bitti e
Anderson (p. 94, 2000), João Santos Filho iniciou suas nego-
ciações com a intenção de se afiliar à Rede Globo do Rio de
Janeiro. Porém, “a estratégia dos Lindenberg foi mais forte:
amizades e, por conseqüência, um acordo com a Globo para
a transmissão de sua programação”. (Confira o capítulo an-
terior).

Esse fato adiou os planos do jovem empresário. Entretanto,


o projeto se manteve e, em 1980, o canal foi conquistado. A

114
A televisão capixaba em panorâmica

concessão do canal de televisão foi assinada pelo presidente


brasileiro da época, o general João Batista Figueiredo, como
previa a Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962, capítulo V.

Contudo, a partir de 1981, com a morte de João Santos Fi-


lho, o empreendimento passou a ser controlado por uma das
organizações do grupo Nassau, a superintendência do grupo
do Sudeste, localizada em São Paulo. O jovem empresário não
veria a concretização de seus planos.

Como o objetivo de retransmitir a TV Globo fracassou, o


grupo estabeleceu um novo alvo: afiliar-se à extinta Rede
Manchete, que surgia como a nova “menina dos olhos”, capaz
de se igualar à rede carioca. Mais uma vez, o grupo perdeu o
direito de retransmissão. A vitoriosa foi a TV Vitória, coman-
dada pelo Grupo Buaiz. A opção encontrada foi afiliar-se ao
Sistema Brasileiro de televisão (SBT), liderado pelo empresário
e apresentador Silvio Santos.

Para alguns, a crise no Jornal A Tribuna foi determinante


para a construção de um canal de televisão. Segundo Bitti e
Anderson (2000, p. 95),

O projeto de instalação da TV aconteceu a partir de uma


greve de jornalistas do jornal A Tribuna, em 1984, que pa-
rou as suas atividades. O grupo aproveitou-se disso e fechou
o jornal promovendo um recesso. Começou a construção
da obra que abriga, hoje, todo o complexo de rádios, jor-
nal e TV. Antes só havia um estabelecimento que abrigava
o jornal.

Com o fim das atividades do jornal A Tribuna, em 1984,


uma equipe formada por profissionais do jornal impresso, en-
tre eles João Luiz Caser, atual diretor de Jornalismo da rede, e
Eustáquio Palhares, na época editor-chefe do jornal, foi deslo-
cada para a constituição da televisão, mudança essa que exigia
toda uma preparação, já que eles não possuíam experiência
com o novo meio.

115
Roda VT!

“Foi todo um treinamento. Eu fui para o SBT de Brasília,


uma emissora do núcleo, a TV Brasília, e para a TV Iguaçu, em
Curitiba. Caser e eu fomos estagiar, fomos conhecer como era
a dinâmica do jornalismo de televisão. Nós éramos homens de
jornal impresso, não tínhamos a menor familiaridade com o
meio TV. Elas (TV Brasília e TV Iguaçu) eram emissoras com
perfis parecidos com o que queríamos montar aqui”, afirma
Palhares, ex-diretor de telejornalismo da TV, atualmente apre-
sentando o programa Nove Minutos, transmitido pela emis-
sora.

Já que não havia um grande número de profissionais com


experiência em TV na época, muitos aprendiam a fazer televi-
são com a prática. De acordo com Vantil, os primeiros contra-
tados, principalmente para a área técnica, aprendiam a utilizar
os equipamentos após a entrada na empresa. “Nós pegávamos
no laço”, disse. Isso significa que, não tendo nenhuma experi-
ência anterior com o meio, os funcionários tiveram de apren-
der trabalhando.

A constituição do telejornalismo da rede contou com o tra-


balho de profissionais como Giovani Rodigheri, que veio de
Curitiba para montar a estrutura da televisão, e dos engenhei-
ros Rubem Landeiro e Júlio Vantil, sendo que este ocupa atu-
almente o cargo de diretor técnico da Rede Tribuna.

No início, a equipe de jornalismo era composta por um edi-


tor chefe de Jornalismo, Eustáquio Palhares; um editor-execu-
tivo, João Luiz Caser; um chefe de reportagem, Oscar Rocha
Júnior; dois pauteiros e quatro equipes de jornalismo.

De acordo com Palhares, “a estruturação durou, na verdade,


um período aproximado de agosto de 1984 a março de 1985”,
quando a TV entrou no ar. A construção do prédio que futu-
ramente abrigaria os estúdios da TV Tribuna se deu a partir da
sede do jornal impresso A Tribuna, localizado até hoje na Ilha
de Santa Maria, em Vitória.

116
A televisão capixaba em panorâmica

Segundo Bitti e Anderson, citando o jornal A Tribuna do


dia primeiro de fevereiro de 1985, duas carretas trouxeram ao
pátio da empresa aproximadamente oito mil quilos de equi-
pamentos importados destinados à televisão. Parte deles foi
deslocada para o Morro da Fonte Grande, onde se localiza a
principal torre de transmissão da emissora.

Em 1995, a superintendência de São Paulo deixou de co-


mandar a emissora capixaba, função essa que passou a ser de
Recife. Segundo Palhares, citado por Bitti e Anderson (2000),
“quando o grupo implantou lá em Recife uma emissora, co-
meçou a ter noção do poder político da comunicação. Aqui
era um gosto pessoal do filho. Em Recife, apesar do baixo índi-
ce de audiência – era a Bandeirantes –, eles sentiram o gosto, o
prestígio que o meio proporcionava e, então, acordaram para
isso. O diretor de lá, João Carlos Pedrosa, se interessou pela
rede do Espírito Santo passando a administrá-la a partir de
1995”.

No início da TV, os equipamentos adquiridos acompanha-


vam o que o mercado oferecia de melhor. No entanto, o que se
observa hoje é que grande parte das ilhas de edição adquiridas
na época, ou há muito anos, continuam sendo utilizadas. No
caso da TV Tribuna, por exemplo, o telejornalismo não conta
com uma ilha não-linear. Um caminhão de externa também
facilitaria a produção de jornalismo, mas a empresa ainda não
o adquiriu. De acordo com Júlio Vantil, o grupo já investe em
novas aquisições para melhorar a qualidade da imagem e do
telejornalismo.

No ar, com jornalismo!

Com o prefixo “ZYA, TV Tribuna, Canal 7, Vitória”, entrou


no ar, em 29 de março de 1985, às 20h28, o sinal da TV, com o
jornalista Clério Júnior lendo um editorial escrito por Eustá-

117
Roda VT!

quio Palhares para apresentar aos telespectadores capixabas o


início das transmissões.

A princípio, a televisão não contava com um telejornal e en-


trava no ar sempre às 20 horas. Como a programação local
não era suficiente para preencher a grade disponível, durante
um mês a TV Tribuna apenas retransmitiu toda a programa-
ção do SBT.

Mas em meados de abril do mesmo ano, os programas lo-


cais começaram a ter mais espaço. Todos os dias, Clério Júnior
informava, por meio de notas, os fatos marcantes do dia no
Registro Local, com a duração de cerca de cinco minutos. “Nós
não tínhamos ainda a exibição de matérias com VTs estrutu-
rados. Então começamos a apresentar o Registro local. Este foi
o primeiro programa realmente jornalístico da emissora. Era
um programa que entrava de hora em hora, trazendo umas
três ou quatro informações a respeito do que estava aconte-
cendo na cidade. Nós estávamos ainda em fase de treinamen-
to da equipe que iria inaugurar o Tribuna Notícias”, completa
Palhares.

Dois meses depois, foi a vez do Tribuna Notícias (TN) 1ª Edi-


ção começar a construir sua história. Conforme contam Bitti
e Anderson (2000), “em junho do mesmo ano foi inaugurado
o primeiro telejornal local da emissora: o Tribuna Notícias, já
estruturado com uma equipe numerosa: eram quatro equipes
de reportagem, chefe, pauteiro, editor chefe. Tudo para fazer
um telejornal que ia ao ar às 19 horas e tinha entre 25 a 30
minutos de duração. Clério Junior e a jornalista Cida Alves
foram os primeiros a dividir a bancada”.

Só em 2001 o mesmo telejornal passou a ser apresentado


às 12 horas. Segundo Ingrid Schwartz, atual apresentadora do
TN 1ª edição, essa transferência de horário já estava nos pla-
nos da emissora, que pretendia colocar no ar um telejornal à
tarde que fosse competitivo e que oferecesse aos telespectado-

118
A televisão capixaba em panorâmica

res mais opções de notícias no horário. Além disso, pode-se


destacar também o fato de o SBT não possuir uma grade de
programação noturna fixa, o que dificultava a manutenção do
telejornal nesse período.

Em 2005, a TV Tribuna deu um novo impulso ao jornalis-


mo. Janine Jordaim foi contratada para ocupar o cargo de edi-
tora-executiva de telejornalismo. Chegou à Rede Tribuna em
18 de agosto e encontrou um jornalismo engessado e pouco
criativo. Mas o formato do Tribuna Notícias Primeira Edição
a agradou. “Eu gostava muito do formato – primeira página
(primeiro bloco) polícia e o resto de serviço. Tanto é que essa
paginação continua porque foi um formato que deu certo”,
afirma Jordaim.

Mas, com o propósito de elevar a qualidade do jornal, Jor-


daim fez algumas modificações. Entre elas está a inserção de
uma entrevista ao vivo de redação, ou das áreas externas da TV,
e o uso de câmeras abertas, como ela mesmo afirma: “o que
eu achei importante foi fazer um jornal mais criativo, brincar
mais com as cabeças (com os planos dos apresentadores e re-
pórteres), com o jogo de câmeras também. Porque era aquela
coisa assim, fazia o rodízio dos apresentadores mas com a câ-
mera fechada. Hoje a gente já usa mais a câmera aberta, com
os dois fazendo alguns comentários. A maioria dos VTs é cha-
mado com a câmera aberta, o que deixa o jornal com um tom
mais coloquial, mais leve. Um jornal de meio-dia pede isso,
uma linguagem mais próxima do telespectador”.

Essa proximidade com a comunidade, que há anos já é o


foco do jornalismo na rede, pretende ser mantida pela atual
editora. “Não adianta você querer fechar os olhos e ignorar
aquilo que está acontecendo do seu lado, no seu quintal. Não
dá para ignorar isso. Eu gosto muito do jornalismo comuni-
tário. O tempo todo eu batalhei por isso porque acho que esse
tipo de jornalismo tem uma extrema importância. Esse é o
jornalismo da TV Tribuna”, afirma Jordaim.

119
Roda VT!

O telejornalismo conta hoje com sete equipes de jornalismo,


dois chefes de reportagem, quatro editores de texto, quatro
editores de imagem, cinco produtores, seis cinegrafistas, entre
outros profissionais envolvidos, como produtores e técnicos.

TN 1ª Edição

O Tribuna Notícias Primeira Edição, que vai ao ar ao meio-


dia, tem duração de aproximadamente uma hora, com a apre-
sentação de Ingrid Schwartz e Torino Marques. Mas, apesar de
as pessoas considerarem o telejornal voltado principalmente
para a editoria de polícia, Janine Jordaim afirma que essa é
uma impressão deixada pela paginação do jornal, já que as no-
tícias dessa editoria são as que abrem o jornal. “Lógico que a
gente dá um enfoque muito grande a essa editoria, mas se você
observar, o nosso jornal tem de 8 a 10 minutos de matérias de
polícia e depois dedica 40 minutos a matérias de serviço, de
comportamento, de entretenimento, de saúde”. Ela afirma ain-
da que o carro chefe do Primeira Edição é a prestação de ser-
viços, seja ela relacionada ao anúncio de empregos, à saúde ou
aos direitos do consumidor. Mas mostrar o factual (aquilo que
acontece durante o dia) é um traço marcante do jornalismo da
Tribuna que não pode ser deixado de lado. “Eu não quero que
o jornal perca essa característica nunca, de um jornal factual”.

Dessa forma, o TN 1ª edição está estruturado da seguinte


maneira: são quatro blocos, sendo que o primeiro é composto
por matérias relacionadas à polícia. Depois, entram as edito-
rias de cidades, saúde e emprego. Em seguida vem entreteni-
mento e/ou um quadro fixo.

Além das matérias sobre assuntos factuais, ou seja, que en-


focam acontecimentos recentes, como um assalto ou alguma
medida política de relevância social e econômica, que vão ao
ar todos os dias, alguns quadros semanais, relacionados aos

120
A televisão capixaba em panorâmica

assuntos de prestação de serviço, entretenimento, emprego e


diversidades, fazem parte da estrutura do telejornal.

De segunda a sábado, as comunidades ganham voz no qua-


dro Qual é a bronca? Esse é o principal espaço dedicado à par-
ticipação dos telespectadores. Às segundas-feiras, o quadro
Cursos e empregos apresenta ao telespectador uma profissão
específica, com sua aceitação no mercado, características do
profissional e como é realizada a qualificação do mesmo. Às
terças-feiras, o quadro Família aborda assuntos relacionados
ao relacionamento familiar e ao comportamento. Todas as
quartas-feiras, decoração, artesanato e assuntos domésticos
são abordados no quadro Minha casa. Às quintas-feiras, um
médico fala sobre uma doença, seus sintomas e tratamento.
Após a matéria ir ao ar, há uma entrevista ao vivo, em que
as pessoas ligam para tirar as dúvidas pelo telefone. Esse é o
quadro Fala doutor. Às sextas-feiras o Dica do chefe apresenta
a receita de um prato diferente. Ainda há, uma vez por mês, a
apresentação do quadro Talento capixaba, que mostra a vida e
a história de artistas locais. Além dos quadros, estão presentes
no telejornal a previsão do tempo, as vagas de emprego dos
Sines e a agenda cultural do dia.

Se está dando certo? Para Jordaim, a resposta vem pelo te-


lefone. “A resposta do público a gente vê todos os dias. O te-
lefone não pára de tocar. Quando acontece alguma coisa as
pessoas chamam pela TV Tribuna. Isso me emociona demais.
Uma coisa que eu não abro mão é atender as ligações do pú-
blico. O número em que as pessoas fazem as perguntas é o ter-
mômetro do nosso telejornal. É ali que eu recebo as queixas,
o telespectador fala como se eu fosse uma psicóloga, reclama,
pede conselho, ele fala o que quer ver”.

121
Roda VT!

TN 2ª Edição

“Quando eu cheguei aqui, o Segunda Edição já estava forma-


tado. O George Bitti já havia sido contratado para a apresenta-
ção, a Ingrid Schwartz para a edição e a Sayonara Nunes para
a chefia de reportagem. Só faltava colocar o telejornal no ar”,
disse Janine Jordaim, que assumiu o cargo deixado por Aymée
Sánchez Bitencourt.

Como os jornalistas George Bitti e Sayonara Nunes já possu-


íam experiência com o jornal da noite, paginar o 2ª Edição não
foi a tarefa mais difícil. O grande desafio, segundo Jordaim, foi
fazer um jornal de 20 minutos de duração que englobasse não
só política, economia e polícia, mas também empregos, entre-
tenimento e serviços, fugindo um pouco do que o capixaba
estava acostumado a assistir.

Com 20 minutos de duração, o Segunda Edição foi ao ar pela


primeira vez no dia 3 de outubro de 2005. Ele é composto
por apenas um break comercial que divide os dois blocos. Sua
paginação não é fixa, o jornal é aberto com matérias factuais
de relevância. Aos sábados, entra a agenda cultural. Todas as
terças e quintas-feiras, é colocado o quadro Desaparecidos, um
espaço dedicado a pessoas que estão em busca de parentes e
conhecidos. Às vezes conta com uma entrevista na bancada ou
na redação, com duração de aproximadamente 3 minutos.

“A primeira coisa que nós pensamos antes de fechar o 2ª


Edição foi não vamos fazer um jornal engessado, que só cabe
polícia, política, economia, não. Vamos fazer uma opção para
esse telespectador que está em casa, incluindo entretenimento
e empregos. Vamos colocar uma entrevista na bancada, que é
uma coisa também diferente. Enquanto no 1ª edição a entre-
vista tem de 7 a 8 minutos, no 2ª edição cai para 3, justamente
para não quebrar o ritmo”, completa Jordaim.

Em relação às dificuldades, Jordaim conta que os equipa-

122
A televisão capixaba em panorâmica

mentos representam um certo limite, mas não impedem a


execução do trabalho. Entretanto, ela afirma que sua maior
decepção é não conseguir atender toda a demanda do Estado.
“Nossa frustração é não poder cobrir tudo o que a gente quer,
porque isso é humanamente impossível. Na Grande Vitória
pipoca notícia o tempo todo e a gente não consegue cobrir por
conta do trânsito, da distância... Existe a vontade de viajar para
o Interior, mostrar coisas interessantes. Eu trabalhei lá duran-
te 10 anos e sei que o Interior tem um grande potencial”.

Quanto ao futuro do telejornalismo da TV, a editora execu-


tiva afirma: “a minha expectativa é a melhor possível, porque
o jornalismo da TV Tribuna hoje é o mais próximo da co-
munidade. Acredito que o futuro seja esse: é apostar cada vez
mais em jornalismo comunitário, pois para mim ele dá um
retorno enorme”. E completa: “A gente nunca está satisfeito, a
gente está sempre querendo mais”.

Relação com o SBT

A relação do jornalismo da TV Tribuna com o telejornalis-


mo do SBT está ligada à geração (ou seja, ao fornecimento
para São Paulo) de matérias, imagens, entrevistas ou informa-
ções que sejam de interesse nacional.

“Todos os dias, por volta das 9 horas, um editor do SBT me


liga e eu vendo (ofereço) as notícias do dia pra ele, as matérias
que a gente está fazendo ou matérias que já estão na casa. As
que ele considera interessantes são produzidas à tarde pelos
dois jornalistas que foram escolhidos pelo SBT Brasil aqui no
Espírito Santo, que são Evandro Costalonga e Alex Cavalcan-
te”, disse Jordaim.

Se não render uma reportagem, ou seja, se não for necessá-


rio gravar uma matéria completa, eles editam e as transfor-

123
Roda VT!

mam em nota coberta (imagens narradas pelo apresentador)


ou nota pelada (lida pelo apresentador, mas sem imagens).

Segundo Jordaim, “a participação do Espírito Santo no SBT


Brasil e no Jornal do SBT tem sido forte e nós estamos à frente
até de cidades de grande porte como Campinas, Ribeirão Pre-
to. Nossas matérias têm sido muito elogiadas pelos produtores
e até pela Ana Paula Padrão”.

Programas que fizeram história

“O que acontece na cidade, acontece primeiro no Cidade


Aberta”. Segundo a jornalista Celeste Franceschi, na época uma
das apresentadoras, esse foi o slogan de um dos programas de
maior sucesso da história da TV Tribuna, o Cidade Aberta.

Com o fechamento do jornal A Tribuna, em 1984, a coluna


“Cidade Aberta”, escrita pelo jornalista Pedro Maia, foi adap-
tada para o rádio. Na mesma época, os diretores do jornal já
trabalhavam o projeto de construção do canal de televisão.
Quando a TV Tribuna surgiu, havia uma proposta de progra-
mação local e veio a idéia de se transformar o Cidade Aberta
em programa de televisão.

Em 1985, o programa entrou no ar sob o comando de Ce-


leste Franceschi, Pedro Maia, Renato Paoliello, Willian Veloso
e Luciana Coelho. Segundo Celeste Franceschi, nenhum dos
jornalistas convidados para comandar o programa tinha o
perfil habitual de apresentador de televisão. “Nenhum de nós
tinha a cara bonitinha ou se preocupava com maquiagem,
com estética, com coisa nenhuma. Éramos jornalistas de rádio
e viramos, de repente, apresentadores de televisão”, afirma.

Além dos apresentadores, outro aspecto chamava a atenção


no programa: o seu formato. “Na época, o programa Cidade

124
A televisão capixaba em panorâmica

Aberta fugiu completamente dos padrões de um programa de


televisão, porque, na verdade, era um programa de rádio fei-
to na televisão. O que nós sabíamos fazer era rádio. Nós não
sabíamos fazer televisão. Para todos nós da equipe era tudo
novidade. A gente fazia tudo do jeito que fazia no rádio, com
uma linguagem muito própria. O programa era montado na
hora que os convidados chegavam. Hoje eu vejo como é feito
TV e penso: meu Deus, o programa não tinha nem roteiro e
era totalmente improvisado!”, lembra Franceschi.

A proposta era fazer uma revista do que acontecia na cida-


de. O cenário do programa era uma “cidade aberta”, composta
por prédios, a Praça Oito e o Porto de Vitória. Todo o progra-
ma era apresentado ao vivo no estúdio. Segundo Franceschi,
essa característica era o principal atrativo do programa. “Era
por isso que o programa chamava a atenção. Se a gente quises-
se falar sobre sessões espíritas, o centro espírita era colocado
dentro do estúdio. Trouxemos 500 vozes de um coral infantil
para o pátio externo da rede. Não possuíamos VT, não tínha-
mos como editar e tudo era feito ao vivo. Era uma loucura”,
disse Fransceschi.

O Cidade Aberta foi um programa que começou com uma


hora de duração e quando foi encerrado tinha duas horas e
meia e registrava altos índices de audiência. O segredo para
o sucesso do programa era mais do que falar a linguagem da
população, era dar voz a ela. “Nós tínhamos um quadro cha-
mado Boca no Trombone. Era uma fila com diversas pessoas.
Um microfone passava por cada uma delas para que falassem
o que quisessem. E o povo falava. Também eram feitas denún-
cias de irregularidades. Além disso, diversos políticos que hoje
comandam o Espírito Santo, passaram pelo Cidade Aberta”,
disse Franceschi, citando Gerson Camata e Iriny Lopes, entre
outros.

O programa saiu do ar no dia 31 de dezembro de 1987 re-


gistrando altos índices de audiência. De acordo com Celeste

125
Roda VT!

Franceschi as causas que levaram ao fim do programa não fo-


ram informadas à equipe: “O programa foi tirado do ar, como
líder absoluto de audiência, com a promessa de voltar com
novos cenários. Mas isso não aconteceu. O seu fim até hoje
é um mistério”, lamenta. No horário em que o programa era
apresentado, foi colocada a programação nacional do SBT, na
época o seriado Chaves.

Mais destaques

Na década de 80, era muito raro existir programas locais aos


domingos. De 1985 a 1988, a TV Tribuna colocou no ar um
programa chamado Tribuna Livre. O programa era apresen-
tado por Luiz Eduardo Nascimento e chegou a apresentar, de
acordo com Eustáquio Palhares, picos de 38% de audiência.

O programa infantil que fez grande sucesso na TV Tribuna


se chamava Tribuna Infantil. Apresentado por Milson Henri-
ques na década de 80, nele a criançada tinha um horário reser-
vado para a diversão na TV, das 14 às 16 horas. O programa foi
substituído por uma novela mexicana.

Também merece destaque o Doce Alegria, outro programa


voltado para o público infantil, que foi ao ar na década de 90.
A personagem Vovó Bina, interpretada pelo ator Milton Neves
e já conhecida do público capixaba, animava as crianças em
um programa de auditório que continha brincadeiras e diver-
são para garotada.

Além desses, havia ainda um programa de clipes que ia ao


ar no horário de meio-dia. O programa se chamava Clipe 99, e
mostrava tudo o que estava acontecendo no cenário musical.

O programa Reação, com produção independente, era vol-


tado para o terceiro setor. Sob o comando de Alexandre Pe-

126
A televisão capixaba em panorâmica

rim, mostrou a atuação de diversas empresas e do governo no


quesito responsabilidade social. O programa saiu da grade em
2005.

Programação atual

A TV Tribuna possui em sua grade de programação local,


alguns programas terceirizados. A emissora vende os espaços
a pessoas ou grupos que estejam interessados em produzir
algum conteúdo para a televisão. Tal processo, segundo Júlio
Vantil, é uma forma de a empresa economizar, uma vez que a
produção de tais programas ou de outros quaisquer requere-
ria um grande investimento em equipamentos, pessoas quali-
ficadas e apresentadores.

Em um pequeno levantamento da grade da emissora, pode-


se observar que, das quase cinco horas de programação local
diária que a TV já possuiu, hoje o espaço não chega a três ho-
ras diárias para produção feita pela própria rede e ainda há
grande participação de programas terceirizados.

O programa 9 minutos é apresentado pelo jornalista Eustá-


quio Palhares e surgiu a partir de outro programa, também
apresentado por ele, o Evidências, que passou por uma refor-
mulação. Segundo o apresentador dos programas, este último
saiu do ar porque o jornalista precisou voltar para o jornal
impresso a fim de trabalhar na mudança do formato standard
para o tablóide, em 1986.

Assim, no dia 30 de junho de 1989, entrou no ar o 9 Mi-


nutos, que atualmente é apenas gravado na TV Tribuna. Ele é
produzido de maneira independente e possui dois horários de
transmissão: uma apresentação inédita na hora do almoço e
uma reprise à noite, no final da programação do dia.

127
Roda VT!

Ao contrário do que muitos pensam, o programa não possui


exatamente nove minutos de duração. Palhares lembra que “a
idéia desse nome para o programa surgiu de uma pesquisa
realizada nos Estados Unidos. Para eles, uma pessoa não é ca-
paz de prestar atenção em um programa de TV por mais de 9
minutos seguidos”. A intenção inicial era fazer um programa
com essa duração, mas com o passar do tempo, verificou-se
que essa tese não era verdadeira, “já que cinco minutos podem
ser suficientes para entediar uma pessoa, assim como outros
vinte podem deixar um gostinho de quero mais”. Assim o pro-
grama de entrevistas diversificadas ganhou mais espaço e hoje
tem cerca de 25 minutos na grade diária da rede.

O programa Desafios, apresentado semanalmente na TV


Tribuna, é comandado pelo pastor Ely Blunck. Desafios é um
programa de entrevistas e variedades do segmento religioso. É
um dos que são produzidos de forma terceirizada, ou seja, por
pessoas e profissionais de fora da Rede Tribuna.

Outro programa com produção independente é o Circulan-


do com Adriana Veloso. A apresentadora está no ar há mais de
dois anos com o objetivo de cobrir as festas e os principais
acontecimentos da sociedade capixaba. Ela faz entrevistas e
coberturas voltadas para o entretenimento.

Apresentado semanalmente nas manhãs de domingo, o pro-


grama Tribuna na Estrada é comandado por Liliajane Mall-
mam. Já possui mais de um ano no ar. A proposta básica é
mostrar festas populares e riquezas naturais e outros temas
culturais de nossa terra para a população capixaba, também
com produção terceirizada.

“Matar um leão”

“Colocar a televisão no ar era como matar um leão todos os

128
A televisão capixaba em panorâmica

dias”. As palavras de Júlio Vantil referem-se ao início de tudo,


mas bem que podem caracterizar a história da TV Tribuna
como um todo. Desde o começo, como se pôde observar no
decorrer do capítulo, a produção da emissora enfrentou dificul-
dades. Seja pela falta de equipamentos, o que obrigava a equipe
técnica a se desdobrar durante as transmissões, seja pela inex-
periência de seus profissionais, que vinham de outras áreas para
experimentar o novo meio que o Grupo Nassau englobara.

Parece que o tempo não mudou a história. Como mencio-


nado, no início de sua trajetória a TV Tribuna apresentava
um grande número de programas próprios. Mas o canal que
chegou a ter de quatro a cinco horas de programação local,
hoje não produz mais do que três (Bitti e Anderson, 2000, p.
100). Grande parte dos programas tem produção terceirizada
e, para entrar no ar, conta apenas com a avaliação da equipe da
rede. Apenas as duas edições do Tribuna Notícias são produzi-
das e gravadas pela emissora.

Além disso, a TV Tribuna fica à mercê do vaivém da grade de


programação do SBT, o que traz enormes prejuízos à fideliza-
ção do público, ao planejamento das ações e à área comercial
da empresa. Uma verdadeira novela!

Referências bibliográficas

CIMENTO.org. Gente que faz – João Santos. Disponível em


http://www.cimento.org/josantos.htm. Acesso em: abr. 2006.

MEKSENAS, Paulo. Cidadania, poder e comunicação. São Pau-


lo: Cortez, 2002.

BITTI, George; ANDERSON, Priscila. A festa da TV. Livro-re-


portagem sobre a história da TV no Espírito Santo. Faesa. Vitó-
ria, 2000. (mimeo)

129
Roda VT!

LEI N.º 4.117, de 27 de agosto de 1962. Legislação do Ministério


das Comunicações do Governo Brasileiro. Disponível em http://
www.mc.gov.br/lei/l_4117_27081962.htm. Acesso em: abr. 2006.

Entrevistas

Celeste Francheschi, jornalista. Em 23 de março de 2006.

Eustáquio Palhares, jornalista. Em 23 de março de 2006.

Ingrid Schwartz, jornalista. Em 09 de abril de 2006.

Janine Jordaim, jornalista. Em 04 de abril de 2006.

Júlio Vantil, diretor da área técnica da Rede Tribuna. Em 06 de


abril de 2006.

Construção da nova sede da Rede Tribuna, na Ilha de Santa Maria,


em maio de 1984

130
A televisão capixaba em panorâmica

Com altos índices de audiência, o programa Cidade Aberta marcou


os primeiros anos da TV Tribuna

Foto: Katarine Rosalem

Em 2005, a emissora incrementou o telejornalismo, que ganhou


novos estúdios

131
A TV Capixaba em foco

Abdo Filho, Thama Boldrini e Thassiana Pinheiro

E
m 1987, Rui Baromeu e Gilberto Michelini, empre-
sários capixabas, obtiveram a concessão do governo
para a instalação de uma emissora de TV no Espíri-
to Santo. Nenhum equipamento havia sido comprado e nem a
sede tinha um terreno definido. Era o começo de tudo.

Gilberto Michelini, por motivos pessoais, logo vendeu sua


parte na sociedade para os empresários Walter Sá Cavalcante e
Salomão Carasso, representado por seu irmão Abraão Caras-
so, que posteriormente viria a ser o primeiro diretor-geral da
TV. A partir daí começaram a trabalhar com Edu Henning, o
primeiro diretor de programação.

Os contatos iniciais com a Rede Bandeirantes, então, foram


feitos. O processo de montagem da emissora durou dois anos.
Henning conta que encontrou o terreno para a sede sem que-
rer. Viu uma fábrica de mármore abandonada no Bairro Re-
pública, local que ainda hoje abriga a sede da TV, e na mes-
ma hora ligou para Baromeu. “O grupo já estava procurando
um lugar há algum tempo, afinal é difícil encontrar um lugar
para se montar uma emissora, pois existe a questão do visual
para as torres de TV, lá na Fonte Grande. As áreas perto da TV
Gazeta e da TV Tribuna eram muito caras, mas também não
queríamos uma sede muito longe do Centro de Vitória”. Em
dez dias o terreno já estava comprado.

133
Roda VT!

No princípio, Edu Henning chamou Sérgio Bruzi para ser


o diretor comercial da emissora. Bruzi já trabalhava na Rede
Gazeta e era um bom contato. Seria o braço comercial da nova
TV. O jornalismo seria comandado por Roberto Andrade, que
na época era repórter da TV Gazeta. Andrade começou a tra-
balhar na emissora, mas houve vários problemas entre ele e a
direção da TV. O jornalista optou por voltar para a TV Gazeta.
No lugar de Andrade entrou Joaquim Nery, que ficou como
chefe de jornalismo.

A equipe estava formada: Joaquim Nery, como diretor de


jornalismo; Edu Henning, diretor de produção e programa-
ção; Sérgio Bruzi, como diretor comercial; e a direção da emis-
sora com Abraão Carasso. “Tivemos todas as dificuldades para
montar uma emissora pequena, mas a cara já estava definida,
era o esporte e o jornalismo, seguindo a mesma filosofia da
Bandeirantes”, conta Henning.

Inicialmente, a TV Capixaba teve problemas na transmis-


são de sua programação. Operava em NTSC, numa realidade
de padrão PAL-M. O transcodificador não funcionava direito
e não havia imagem de qualidade à disposição do respeitá-
vel público. Henning recorda que, na montagem do primeiro
comercial da TV, havia uma seqüência em que uma folha de
alface aparecia azul, pois não foi possível transcodificar o sinal
para chegar ao telespectador com a cor correta. Depois, José
Luis Peixoto, que era diretor técnico, colocou o transcoder do
videogame do filho e o sinal passou a funcionar sem nenhum
problema.

Outro fato curioso é que a TV Capixaba tinha concessão


para ser um canal UHF (Ultra High Frequency), freqüência uti-
lizada para receber os sinais das exibidoras ou retransmissoras
nos canais 14 ao 59, enquanto as emissoras de canal aberto,
como a TV Gazeta, a TV Tribuna e a TV Vitória, operavam
pelo sistema VHF (Very High Frequency) para recepção dos
sinais de uma exibidora ou retransmissora nos canais 2 ao

134
A televisão Capixaba em panorâmica

13. Pelo UHF, cada televisor teria que ter um transcodificador,


assim como nas TVs a cabo, para que o sinal da TV Capixaba
pudesse ser captado, o que faria da emissora um canal quase
que fechado, tornando o projeto inviável.

Para resolver o problema, Rui Baromeu foi a Brasília e con-


seguiu junto ao então ministro das Comunicações, Antônio
Carlos Magalhães, que a transmissora fosse UHF e que a re-
transmissora fosse em VHF. Ou seja, o canal 10 da TV Capixa-
ba era originalmente um retransmissor do canal UHF. Assim,
para que pudesse entrar no ar, a TV Capixaba obteve a conces-
são de dois canais, um em UHF e outro em VHF.

Essa foi a maior dificuldade enfrentada durante a monta-


gem da emissora, pois não havia a certeza de que o que seria
feito daria certo ou não. Além de haver o medo de montar
toda uma emissora que não pudesse ser vista por ninguém.

A nova TV tinha um equipamento muito bom, na época o


mais moderno do Estado. Muitos comerciais foram produzi-
dos e por dois anos a TV Capixaba dominou o processo de
produção comercial no Estado. As produções eram rápidas,
mais baratas e de melhor qualidade. A maioria dos comerciais
veículados na TV Gazeta era produzida na TV Capixaba. O
setor de produção da TV gerava em torno de 40% do fatura-
mento total da emissora.

Edu Henning ficou seis anos na emissora e afirma que saiu


porque havia muita briga entre os sócios e diferentes interes-
ses quando o assunto era investimento. Além disso, a fonte
que dava mais lucros para a empresa começou a secar, pois a
Rede Gazeta investiu pesado na área de produção e tirou mui-
tos clientes da Capixaba.

135
Roda VT!

Programação capixaba

Em 10 de outubro de 1989, a TV Capixaba entrou no ar


com a exibição do Jornal Capixaba, apresentado pelo jornalis-
ta Adriano Beraldi, que permanece até hoje na emissora. Edu
Henning recorda: “Adriano Beraldi estava se encaminhando
para a emissora no dia que o programa ia entrar no ar, quan-
do um ônibus ou caminhão (Edu não lembra) bateu no carro
dele perto do Clube Saldanha da Gama. O carro acabou, foi
perda total. Mas, mesmo assim, uma hora depois o telejornal
e a emissora estavam no ar”.

Para Henning, colocar a emissora no ar foi muito emocio-


nante. “Você trabalhar dois anos, pegar uma emissora que era
um papel (a concessão), com um salário vagabundo que eu
recebia, montar uma equipe, adquirir uma sede, absorver in-
formações técnicas e de repente aperta um botão e toda aque-
la dificuldade se transforma naquilo que está no ar, é muito
emocionante”.

Vários programas calcados no jornalismo e no esporte fo-


ram montados. O primeiro debate realizado pela emissora
foi apresentado pelo jornalista Ney Gonçalves Dias, que era
o todo-poderoso do jornalismo da Bandeirantes. Henning ia
a São Paulo para que os apresentadores da matriz fizessem as
chamadas para a programação local. Segundo ele, havia uma
integração muito grande entre a cabeça de rede (Bandeiran-
tes) e o pessoal da TV Capixaba, o que gerou um fato curio-
so. Quando a logomarca da nova emissora seria definida, as
encomendas para designers foram feitas, mas a diretoria não
ficou satisfeita com nenhuma apresentada. “Fui para uma reu-
nião comum na Bandeirantes, e conversei com o fundador, e
na época presidente da emissora, João Saad, e informei da di-
ficuldade com a logomarca. Saad então autorizou que a emis-
sora usasse a mesma logo da Bandeirantes, como se fosse uma
filial”, conta Henning. Luciane Freitas, atual editora-chefe da
emissora, acrescenta: “A TV Capixaba usou a logomarca da

136
A televisão Capixaba em panorâmica

Band até 1998, quando criou e implantou a logomarca que


está sendo usada até hoje”.

“Atualmente, a emissora tem uma extensa grade de progra-


mação regional. Vai do entretenimento ao jornalismo”, afirma
Luciane Freitas. São 18 programas: Jornal Capixaba, Esporte
Capixaba, Espaço Capixaba, Saúde Mulher, Acontece Aqui,
Country e Cia, Shop Mix, Stop Car, Café com Leite, Destaque,
Fórmula Total, Missa da Ressurreição, Colateral, Vitória em
Cristo, Ponto de Luz, Igreja Universal, Nosso Tempo e É Tempo
de Vitória.

Grande parte deles é espaço vendido (Ponto de Luz, Cola-


teral, É Tempo de Vitória, Igreja Universal, Vitória em Cristo,
Destaque, Nosso tempo). Esse espaço é caracterizado pela com-
pra do horário por alguma produção particular pré-estabele-
cida. No caso, a TV Capixaba acaba tendo menos espaço para
a produção local, o que acaba prejudicando a abrangência do
jornalismo no estado.

A TV Capixaba possui apenas dois programas classificados


como jornalísticos. O Jornal Capixaba e o Esporte Capixaba,
suas principais atrações. Estes são os únicos produzidos pelo
setor de jornalismo da emissora, segundo Lúcia Bonino, pau-
teira do Jornal Capixaba. Outros programas jornalísticos, no
entanto, já foram exibidos pela TV Capixaba. O que lhe ren-
deu maior audiência e lhe trouxe significativa visibilidade foi
o Na Mira do Repórter, que será apresentado a seguir.

Atualmente, o Jornal Capixaba é o único programa que a


TV Capixaba mantém desde a sua primeira grade de exibição.
Possui apenas uma edição, que vai ao ar de segunda a sexta-
feira às 19 horas. O jornal chegou a ter duas edições diárias,
mas, por definição da direção de jornalismo, passou a ser exi-
bido somente uma vez ao dia. Ainda segundo Bonino, a linha
editorial dos programas é sempre definida pelo editor-chefe
junto com a direção da emissora, por isso o Jornal Capixaba

137
Roda VT!

sofreu algumas alterações ao longo de sua história. Ela con-


ta que antigamente o jornal priorizava política e economia e
já chegou a ter muitas nuances de cultura. Hoje em dia, ela
ressalta, a política e a economia continuam fortes, mas com
prioridade na área da segurança e em temas gerais.

Já o Esporte Capixaba está há 16 anos no ar. Com o mesmo


apresentador até hoje, é um dos principais programas da emis-
sora. Ele segue a tendência esportiva da Rede Bandeirantes.

Esporte Capixaba

Mal havia nascido, a TV Capixaba já pensava na programa-


ção esportiva, afinal, a Rede Bandeirantes tinha, e ainda tem, a
proposta de valorizar o esporte. Foi então que Edu Henning,
diretor de programação, pensou em um programa com um
modelo inovador, diferente do que se fazia na televisão local
na época. A idéia era fazer algo com a cara do povo, com um
vocabulário simples e com alto astral. Havia algumas dificul-
dades, no entanto. A emissora estava no início de sua histó-
ria (havia sido inaugurada em 1989 e ainda era 1990) e não
poderia contratar uma equipe jornalística para o esporte. A
solução, então, foi terceirizar o horário e chamar as pessoas
certas para ocupá-lo. Henning logo pensou em Ferreira Neto
(radialista de esportes na época) e Paulo Sérgio (ex-goleiro da
seleção brasileira de futebol e do time carioca Botafogo), que
seriam as pessoas ideais, apesar de não se conhecerem pes-
soalmente. Fez a proposta, que foi aceita por ambos e logo
posta em prática. Segundo Henning, a emissora recebeu várias
propostas de formato de programa esportivo, mas Walter Sá
Cavalcante, Rui Baromeu e Salomão Carasso, sócios na época,
decidiram manter a dupla Ferreira Neto e Paulo Sérgio.

A TV Capixaba transmitiu às 12h30, de 10 de maio de 1990,


a primeira edição do Esporte Capixaba que, na época, tinha

138
A televisão Capixaba em panorâmica

a duração de 15 minutos e contava, além dos apresentadores


Ferreira Neto e Paulo Sérgio, com Jair Oliveira como repórter
convidado. Como o horário era terceirizado, a TV cedia ape-
nas o equipamento e o espaço físico. O resto ficava por conta
dos locatários. Com isso, Ferreira Neto e Paulo Sérgio tiveram
que fazer investimento próprio no programa: “Era no peito e
na raça. O que nós gastamos não foi fácil, não. Gasolina era
a do nosso carro, pagar motorista, pagar cinegrafista e pagar
Jair Oliveira. E ainda ter que pagar o horário”, conta Ferreira
Neto.

A situação permaneceu assim por seis anos, até que o pro-


grama começou a ganhar visibilidade, despertando o interesse
dos anunciantes. Com a lucratividade aumentando, a emisso-
ra retomou o horário e contratou a equipe do Esporte Capixa-
ba, acabando com os gastos dos apresentadores, mas manten-
do a produção do programa nas mesmas condições. “Quando
começamos a ganhar dinheiro, quando o programa começou
a ganhar um perfil diferente, eles ‘nhaco’ no programa”, relata
Ferreira Neto.

Neste meio tempo, Edu Henning saiu da emissora e foi con-


tratado pela TV Gazeta para apresentar o “Jogo Aberto”, um
programa de entrevistas que seria transmitido no mesmo ho-
rário que o Esporte Capixaba. No entanto, o modelo do pro-
grama da TV Capixaba estava dando certo e obtendo retorno
do público com audiência considerável.

Henning percebe, então, que o programa que ele mesmo


havia ajudado a construir seria um grande adversário e a dis-
puta pela audiência seria acirrada. Na tentativa de solucionar
o problema, convida Paulo Sérgio para ingressar na equipe da
TV Gazeta.

A partir de então, vários jornalistas passaram pelo Espor-


te Capixaba: Adalberto Lopes, Jair de Oliveira, Alex Pandini,
Daniel Simões, Mônica Santos, Roger Mendonça e Léo Júnior.

139
Roda VT!

Em 1995, Flávio Simões entra como âncora e faz dupla com


Ferreira Neto até hoje.

Esporte amador

Ferreira Neto conta que, como o futebol do estado não é


muito prestigiado, o gancho inicial do Esporte Capixaba foi
o esporte amador e o futebol de salão. “Nós só sobrevivemos
porque eu tive a grande sacada de levar o esporte amador. Ti-
vemos esportes de sucesso como o voleibol, o bodyboard e até
o futebol de salão, enquanto nosso futebol estava em decadên-
cia, estava entregue às baratas”.

Assim, o programa foi ganhando público e se consolidando


na programação, permitindo que a equipe alcançasse liberda-
de junto à diretoria e ganhasse confiança. Segundo o apresen-
tador, a diretoria nunca os impediu de fazer nada que quises-
sem. Ele e sua equipe sempre conduziram o Esporte Capixaba
como achavam melhor. Foi respaldado por essa abertura que,
há cerca de seis anos, Ferreira Neto rasgou um exemplar do
Jornal A Tribuna ao vivo. A manchete no caderno de espor-
tes do dia dizia: “Capixabas morrem na praia”. A matéria, de
Anna Carolina Passos, então repórter do impresso, se referia
à final do Campeonato de Futebol de Areia, em que o time do
estado tinha perdido para São Paulo. Segundo Ferreira Neto,
essa manchete representa a desvalorização que a mídia pro-
move do esporte local. O feito rendeu um processo aberto pela
jornalista contra o apresentador. “A Tribuna tem um processo
contra mim, porque eu peguei o jornal deles e rasguei no ar,
joguei no lixo quando eles meteram o pau no beach soccer”.
Carolina Passos conta que o processo movido na Comissão de
Ética do Sindicato dos Jornalistas não resultou em nada. Mas
relata que o processo civil aberto por conta de danos morais
está ganho. Apesar de Ferreira Neto ter recorrido em todas as
instâncias, Passos diz que ele conseguiu apenas a redução no

140
A televisão Capixaba em panorâmica

valor da indenização.

Apesar de o Esporte Capixaba fazer parte da programação


local, o seu conteúdo é dinâmico e por vezes trata de pautas
nacionais. Por isso, a produção procura, sempre que possível,
marcar entrevistas com atletas de outros estados reconhecidos
em todo o Brasil, como Magic Paula, Oscar, Giba, Maurício,
Zico, Sócrates, entre outros.

Ferreira Neto conta que, geralmente, quando um atleta de


fora do Espírito Santo está no estado, ele mesmo procura a
produção. “Não precisa nem ligar, os caras me ligam”. O apre-
sentador afirma que a entrevista mais importante realizada
pelo programa foi a com o medalhista olímpico João do Pulo,
em 1999. Ele também a classifica como a mais emocionante
de sua carreira. O atleta havia amputado a perna há pouco
tempo e estava fora da mídia há cerca de cinco anos. Foi con-
vidado a dar entrevista para o Esporte Capixaba no quadro
‘Por Onde Anda Você?’ e veio a falecer poucos meses depois.
“A entrevista mais marcante foi com João do Pulo. Eu chorei
e ele também”.

Problemas

Quanto às dificuldades na produção do programa, Ferreira


Neto diz que há cerca de três anos não encontra problemas,
apesar de julgar incomparável o seu aparato tecnológico com
o que a TV Gazeta possui. “Eu tenho a humildade de falar que
do ponto de vista da tecnologia A Gazeta tem muito mais re-
cursos do que a TV Capixaba. A TV Gazeta hoje, de repen-
te, coloca um helicóptero para fazer natação, remo. Nós não
temos esse recurso técnico. Aí fica muito fácil. Vender Coca-
Cola, minha avó vende. Quero ver você vender Baré com qua-
lidade como eu vendo”. Ele ainda conta que atualmente há
uma equipe disponível para fazer a cobertura de toda a agenda

141
Roda VT!

esportiva do estado, em qualquer município. “Antes era difí-


cil. Para sair da emissora e ir até a Serra, faltava gente, faltava
equipamento. O problema era falta de condição financeira. Eu
particularmente acho que agora é o melhor momento da his-
tória da TV Capixaba”.

Esporte Capixaba é o único programa local de esportes da


TV Capixaba e, apesar de a emissora seguir a mesma filosofia
da Rede Bandeirantes de privilegiar o esporte, já houve proble-
mas no que diz respeito à sua exibição. Em meados de 2003,
travaram-se discussões entre todas as emissoras afiliadas da
Rede Bandeirantes para que se decidisse a duração do progra-
ma Esporte Total, apresentado por Jorge Kajuru, transmitido
pela Band de segunda a sexta das 11h45 às 12h30. Kajuru es-
taria insistindo para que seu programa se prolongasse até as
13 horas, acabando, assim, com a programação local de todas
as afiliadas, inclusive da TV Capixaba, uma vez que este era
o horário de exibição do Esporte Capixaba. Segundo Luciane
Freitas, atual editora-chefe de jornalismo, o problema com o
apresentador não foi relevante e apesar de Kajuru não ser fa-
vorável à divisão da rede, a Bandeirantes manteve o entendi-
mento da importância que a programação regional tem para
os estados.

A duração do programa já sofreu alterações ao longo do


tempo. Começou com 15 minutos. Depois de seis meses, pas-
sou a ter 20 minutos e já chegou a durar 45. Atualmente o
programa é transmitido de 12h30 às 13 horas.

Na Mira do Repórter

Em 1997, foi lançado o programa jornalístico Na Mira do


Repórter. Com perfil essencialmente policial, o Na Mira do Re-
pórter alcançou os maiores índices de audiência da TV Capi-
xaba. O programa ficou no ar por dois anos e quatro meses,

142
A televisão Capixaba em panorâmica

inicialmente no horário de 13 horas às 13h30 e, posteriormen-


te, de 13 às 14 horas. A linguagem coloquial e as imagens “sem
censura” foram os pontos marcantes do programa, que conse-
guiu ser líder de audiência no estado, chegando a 33 pontos,
dois a mais que a segunda colocada.

De acordo com Tião Barbosa, então diretor de jornalismo


da TV Capixaba, primeiramente se pensou em fazer um gran-
de telejornal. No entanto, a equipe chegou à conclusão de que
não havia como disputar a audiência com a TV Gazeta, de-
vido ao número restrito de profissionais e equipamentos de
que dispunham na época. Então surgiu a idéia de fazer um
programa diferente de tudo que existia, um programa essen-
cialmente policial. O nome Na Mira do Repórter foi sugestão
de Marco Antônio Antolini, editor responsável do programa.
“Um colega chamado Moisés Ramalho, que trabalhava na
editoria de polícia do Jornal A Gazeta, me disse que gostaria
de criar um programa policial de rádio com o nome de Na
Mira do Repórter. A idéia dele não se concretizou e, quando
pensamos no formato do programa, lembrei do nome e achei
que tinha tudo a ver com que estávamos pensando”, relatou
Antolini.

“O Na Mira do Repórter foi a junção dos programas Aqui


Agora (SBT) e Bom Dia ES (TV Gazeta) com mais um in-
grediente que não havia nas emissoras do Espírito Santo: a
aproximação com as comunidades e a participação direta do
público”, relata Tião Barbosa. “Assim era o programa Na Mira
do Repórter. Muita adrenalina. Estresse da cabeça aos pés. Jor-
nalismo feito com paixão e uma certa dose de loucura”, acres-
centou Antolini.

No início, a direção da emissora apostou na idéia e fez um


grande investimento. Havia quatro equipes de repórteres na
rua. Duas de manhã (Joel Vieira e Sandro Fuzatto), uma à tar-
de (Nety Façanha) e outra à noite (Jorge Fiorin). Na produção
estavam Lúcia Bonino e Márcia Bertoldi, além do apresenta-

143
Roda VT!

dor Adriano Beraldi. “Nosso programa cresceu devido à de-


manda do público”, relata Lúcia Bonino.

Edição

Uma característica marcante do programa foi a edição, ou


melhor, a falta dela. “Como o Na Mira do Repórter tinha du-
ração de uma hora e precisávamos de muito conteúdo, muitas
vezes as reportagens não eram editadas. Às vezes, tínhamos
que colocar a matéria na íntegra. Nós privilegiávamos o fato
jornalístico em detrimento da estética dele. Também havia a
falta de tempo”, contou Antolini.

A morte do jornalista José Costa, então editor do Jornal A


Gazeta, foi um marco para o programa. Segundo o Antolini,
era um dia como outro qualquer quando a reportagem foi co-
brir uma matéria que tinha como pauta um “certo” cadáver no
Instituto Médico Legal (IML). As imagens foram mostradas
na íntegra e vários telefonemas foram feitos para a redação.
Só assim descobriram que o corpo era do jornalista. A partir
deste dia, a edição do programa passou a ser mais cuidadosa
e a manter o mesmo tratamento para todas as imagens, inde-
pendente da identidade do morto.

Porém, segundo Lúcia Bonino, quando começaram a poli-


ciar as imagens que iam ao ar, o público começou a ligar para a
redação reclamando que queria ver mais detalhes dos cadáve-
res. “Nós não tínhamos censura nem da emissora e muito me-
nos das famílias das vítimas. Pouquíssimas foram as vezes em
que pediam para não mostrar imagens dos cadáveres. Muitas
vezes, mostravam até o rosto dos mortos”, conta ela.

Morte de Antário Filho

144
A televisão Capixaba em panorâmica

Um outro fato que marcou a história do programa foi o


assassinato do deputado estadual e locutor de rádio Antário
Filho, na noite de reveillon de 1998. O repórter Jorge Fiorin
estava cobrindo as festividades quando soube do crime e foi
direto para o local. Chegou na frente dos repórteres das outras
emissoras e cobriu todos os detalhes do homicídio.

Um ouvinte havia gravado o programa de Antário naquela


noite e na gravação era possível escutar o barulho dos tiros e
os gritos de socorro do radialista. No dia seguinte, o progra-
ma da TV Capixaba mostrou a matéria completa com muito
mais imagens do que todas as outras emissoras e, além disso,
com o áudio gravado pelo ouvinte. “Saíamos na frente das ou-
tras emissoras, porque tínhamos essa relação de cumplicidade
com o público”, afirmou Antolini.

Repercussão

O sucesso era tanto que foram contratados dois estagiários


para ajudar a atender os telefonemas dos telespectadores. Eram
recebidas, em média, de 200 a 300 ligações diárias. Muitas fo-
ram as vezes em que o apresentador Adriano Beraldi respondia
às questões dos telespectadores no ar. Por isso, a aproximação
com o público acabou sendo inevitável. O programa, a pedido
do público, começou a divulgar fotos de pessoas desaparecidas
e chegou até a mostrar histórias felizes de reencontros entre
pessoas que não se viam havia muito tempo. “Nós acabáva-
mos nos envolvendo com a situação das pessoas e fazíamos o
possível para tentar ajudar”, contou Bonino.

A equipe afirma que todos sentiam muito prazer em fazer


o programa. “Éramos críticos e colocávamos o dedo na ferida
dos poderes públicos. Denunciávamos as péssimas condições
de trabalho dos policiais, a situação hedionda em que viviam
os encarcerados, o medo da população, enfim, qualquer situ-

145
Roda VT!

ação de risco para o ser humano. E não eram poucas”, relata


Antolini.

O programa foi espaço para algumas inovações e fatos curio-


sos. Foi criado o plantão da madrugada, que funcionava todos
os dias da semana, para realizar uma cobertura mais completa
dos fatos. Outro acontecimento importante foi a contratação
do repórter Joel Vieira. “O Joel era um repórter de rádio, que
tinha uma linguagem mais parecida com o popular. Assim, o
público se sentia mais próximo do nosso programa”, contou
Tião Barbosa.

Outro sucesso do programa era o apresentador. Adriano Be-


raldi arrebatava corações. Recebia muitas cartas de fãs apai-
xonadas e muitos telefonemas de amor. “Nós fazíamos tanto
sucesso que as pessoas começaram a nos pedir autógrafos por
onde passávamos”, afirma Sandro Fuzatto, repórter do pro-
grama.

Referência

O programa era assistido nos quartéis, nas delegacias, nos


presídios, em todos os cantos. O Na Mira do Repórter acaba-
va pautando os outros veículos de comunicação. Durante um
assalto mal-sucedido em Cariacica, os bandidos chegaram a
requisitar a presença de um repórter do programa para se en-
tregar. “Os assaltantes só se entregariam se a nossa equipe es-
tivesse presente, filmando tudo. Diante da câmera do Na Mira
do Repórter, eles se entregaram”, conta Fuzatto.

Mas havia o preconceito dentro da própria categoria de jor-


nalistas e o programa era alvo de críticas. “Muitos coleguinhas
não gostavam do que viam: cadáveres, às vezes muitos cadáve-
res”, ressaltou Antolini.

146
A televisão Capixaba em panorâmica

Segundo Tião Barbosa, o foco do programa era a notícia


sem sensacionalismo. Entretanto, em um programa policial, o
sensacionalismo está intrínseco à notícia.

O sorteio

Devido à repercussão do programa, Tião Barbosa conta


que decidiu fazer um sorteio de uma moto no Na Mira do
Repórter. Na história da emissora isso era uma novidade. Para
participar, os telespectadores deveriam responder às seguintes
perguntas:

• O que você mais gosta no Mira?

• O que você menos gosta no Mira?

• Sua sugestão para o programa.

Porém, surgiu a informação de que o sorteio seria proibido,


pois faltava a autorização do Ministério da Fazenda. Com isso,
o sorteio foi adiado por um mês e para não perder a credibili-
dade com o público, foi anunciado que seriam sorteadas duas
motos no lugar de uma. O evento foi um sucesso, o programa
recebeu mais de 70 mil cartas. “Na verdade, o sorteio foi uma
forma de realizar uma pesquisa de opinião para o programa.
Assim, conseguimos descobrir a opinião do público sobre o
Na Mira do Repórter e atendemos aos pedidos da maioria”,
conta Tião Barbosa.

O fim

Apesar do sucesso, o programa durou relativamente pouco.

147
Roda VT!

Foram dois anos e quatro meses. Quando o programa comple-


tou sete meses no ar, Tião Barbosa, seu principal idealizador,
deixou a TV Capixaba, sendo substituído por Silvana Lemos.

O seu fim se deu basicamente por uma questão comercial.


Os anúncios de publicidade não faziam jus à audiência do
programa, até porque, na época, a TV Capixaba contava com
uma estrutura precária. Além disso, “o Na Mira do Repórter
era caracterizado como policial e o anunciante acabava resis-
tindo em atrelar seus produtos com mortes”, conta Tião Bar-
bosa. Segundo Lúcia Bonino, houve também outro problema:
o programa cresceu devido à demanda do público, só que aca-
bou ficando grande demais, a ponto da emissora não suportar
sua produção. O Na Mira do Repórter resgatou o jornalismo
na emissora. “A TV Capixaba era uma antes do Mira e outra
depois dele”, afirmou Tião Barbosa.

A equipe do “Mira”

Na equipe do Mira passaram Tião Barbosa/editor-chefe,


Silvana Lemos/editora-chefe, Marco Antônio Antolini/editor,
Lúcia Bonino/produção, Márcia Bertoldi/pauteira e produ-
ção, Joel Vieira/repórter, Sandro Fuzatto/repórter, Jorge Fio-
rin/repórter, Nety Façanha/repórter, Guilherme Klaws/repór-
ter, Alex Pandini/repórter, Daniel Simões/ repórter, Sandressa
Carvalho/repórter, Leonardo Lúcio/estagiário e Evelin Trin-
dade/estagiária.

Referências bibliográficas

BITTI, George e ANDERSON, Priscila. A festa da TV. Livro-


reportagem sobre a história da TV no Espírito Santo. Vitória:
Faesa, 2000. (mimeo)

148
A televisão Capixaba em panorâmica

CARVALHO, Marcelle de Almeida. A evolução do telejorna-


lismo no Espírito Santo. A busca por uma identidade regional.
Vitória: Faesa, 1999.

Entrevistas

Anna Carolina Moura Sá dos Passos, jornalista. Em 26 de abril


de 2006.

Edu Henning, apresentador de TV. Em 04 de abril de 2006.

Ferreira Neto, apresentador de TV. Em 29 de março de 2006.

Joel Vieira, jornalista. Em 04 de abril de 2006.

Lúcia Bonino, jornalista. Em 04 de abril de 2006.

Luciane Freitas, jornalista. Em abril de 2006.

Marco Antônio Antolini, jornalista. Em 04 de abril de 2006.

Sandro Fuzatto, jornalista. Em 04 de abril de 2006.

Tião Barbosa, jornalista. Em 04 de abril de 2006.

149
Roda VT!

Mortes violentas na Grande Vitória pautavam...

... o Na Mira do Repórter, levado ao ar por...

... Tião Barbosa, Joel Vieira, Lúcia Bonino, Marco


Antônio Antolini e Sandro Fuzato, dentre outros

150
A informação via cabo

Leticia Orlandi e Marianna Aguiar

A
televisão se firmou como meio de informação em
todo o mundo no final dos anos 1950. No entanto,
apesar de logo ter sido reconhecida sua importância
como mídia e como forma de expansão da economia, essa era
a realidade apenas de quem morava nas grandes cidades, onde
o sinal televisivo era de fácil alcance. As cidades que ficavam
localizadas em regiões montanhosas recebiam um péssimo si-
nal.

Era o caso de duas pequenas cidades de montanha da Pensil-


vânia, nos Estados Unidos, onde os primeiros sistemas de tele-
visão a cabo começaram a operar em 1950 para tentar suprir
a deficiência de recepção e atingir maior número de consu-
midores. Visando a aumentar a venda de aparelhos na região,
John Walson, um lojista do ramo, desenvolveu o que seria o
projeto precursor da TV a cabo. Era o sistema comunitário de
distribuição de canais, o Community Antenna Television Sys-
tem (CATV). Uma antena de alta captação foi instalada no alto
de um morro e transmitia a imagem de ótima qualidade, via
cabo, para as lojas. Walson prometeu que estenderia o fio até
a casa de quem comprasse seus televisores. Mais tarde passou
a cobrar por isso. Na época o sistema operava com apenas três
canais.

Segundo Hoineff (1991, p. 36), “durante muito tempo, o


cabo limitou-se a fornecer a seus assinantes a mesma progra-

151
Roda VT!

mação disponível gratuitamente pelo ar. O que os consumi-


dores compravam ainda não era programação, mas qualidade
de imagem”.

Foi só em 1971, em Nova Iorque, que as operadoras – em-


presas que fazem a instalação e manutenção do sistema – co-
meçaram a transmitir, além dos canais abertos das estações de
TV que disponibilizam seu sinal no satélite, um conjunto de
serviços básicos de produção própria. Somente quatro anos
depois, a TV a cabo começou a se consolidar como veículo, ao
colocar seu sinal no espaço, via satélite. Dessa forma, a emis-
são do sinal pôde ser transmitida para todas as outras opera-
doras de cabo nos EUA. Segundo Hoineff, “foi quando o cabo
passou a ser associado ao satélite que ele deixou de ser apenas
um condutor de melhores imagens para se transformar, so-
bretudo, num veículo para melhores informações”.

Enquanto nos Estados Unidos o cabo já atendia 91% da po-


pulação em 1991, o que o fazia tão popular quanto o telefone,
no Brasil muito se discutia em termos de legislação e implan-
tação do sistema. Por isso, o país implantou a televisão a cabo
apenas em 1995, sendo um dos últimos da América Latina a
efetuar esse processo.

Diferentemente dos Estados Unidos, onde o consumo é


mais democratizado, no Brasil a população que tem acesso ao
sistema de cabo pertence basicamente às classes A e B. Uma
das razões disso é o alto custo mensal da assinatura. Segundo
Palácios (2004, p. 30), “o Brasil tem pacotes, em média, mais
caros que em países latino-americanos, como Argentina, Chi-
le e México. Para o brasileiro, o custo não compensa o benefí-
cio”. A autora reporta que, no final do século passado, das 37,5
milhões de casa com TV, só 7% possuía TV paga.

Esse novo tipo de distribuição de canais de televisão, segun-


do Palácios, “deu início à segmentação da programação, mu-
dou a forma de assistir televisão e a história desse polêmico

152
A televisão capixaba em panorâmica

veículo. O conteúdo da programação passou a sofrer altera-


ções para atender a um determinado público”.

Além de elitizar o acesso à televisão, o sistema de TV a cabo


mudou o tipo de programação vista no país, porque se opôs
ao modelo vigente de TV aberta, cuja programação é genérica.
No cabo, os canais são mais segmentados, com público-alvo
bem definido, o que faz com que haja uma melhoria na qua-
lidade de produção para atender a demanda de cada tipo de
telespectador.

Legislação tardia

A lei federal nº 8977, que instituiu e regularizou a TV a cabo


no Brasil, entrou em vigor em janeiro de 1995. No entanto, a
legislação já era discutida muito antes disso, desde 1975. Nes-
sa época, o então secretário nacional de Telecomunicações,
Rômulo Furtado, elaborou uma minuta para regulamentar
o serviço, na época denominado cabodifusão. Entretanto, o
rascunho foi recusado pelo menos duas vezes até meados dos
anos 80.

No final dos anos 1980, no governo Sarney, o ministro das


Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, criou o Serviço
de Distribuição de Sinais de TV, por meio de portaria, que
amparava todas as operações de distribuição de sinais de TV
por meio físico. Essa portaria serviu para iniciar o projeto de
regulamentação dos sistemas de cabo.

Outra portaria, baixada logo depois, em 1991, pela Secreta-


ria Nacional de Comunicações do Ministério da Infra-Estru-
tura, estabelecia que o responsável pela concessão do sistema
de TV a cabo no país seria o secretário nacional das Comuni-
cações. Para tanto, adotou uma legislação parecida com a nor-
te-americana, que disponibiliza seis canais gratuitos, sendo

153
Roda VT!

três legislativos (Senado, Câmara Federal e um compartilhado


pela Assembléia Legislativa e Câmara Municipal); um canal
educativo-cultural, para utilização dos órgãos do governo
federal, estadual ou municipal; um canal universitário, para
as universidades localizadas na área de prestação de serviço
e ainda um canal comunitário, aberto para livre utilização de
entidades não-governamentais e sem fins lucrativos. Esse mo-
delo continuou sendo utilizado na implantação da lei da TV
a cabo brasileira.

A lei de 1995 possibilita que, de posse de uma concessão,


uma pessoa jurídica tem o direito de executar e explorar o Ser-
viço de TV a Cabo. A concessão é realizada pela Agência Na-
cional de Telecomunicações (Anatel) que estabelece para cada
operadora um PGMQ (Plano Geral de Metas de Qualidade).
Além disso, a Anatel fiscaliza periodicamente os serviços de
TV a cabo e conta com um telefone de ligação gratuita para
que sejam feitas denúncias e/ou reclamações dos usuários dos
serviços.

TV a cabo no Espírito Santo

Oficialmente, o sistema de TV a cabo foi implantado no Es-


pírito Santo em 1999, quatro anos depois da lei de regulamen-
tação. A primeira operadora a conseguir a concessão com a
Anatel para explorar o serviço foi a ESC 90 Telecomunicações,
pertencente à Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa),
que vende a bandeira NET. Antes de iniciar suas atividades
com a ESC 90, a Escelsa possuía uma subsidiária chamada TV
a Cabo Vitória S.A. (TVIX). Era chamada de empresa de TV a
Cabo, mas funcionava como uma TV por assinatura em con-
domínios fechados residenciais, oferecendo programação via
satélite, nos municípios de Vitória e Vila Velha.

A princípio, o serviço da NET começou a ser oferecido nos

154
A televisão capixaba em panorâmica

bairros nobres da capital, como Mata da Praia e Praia do Can-


to. Em 2000, conseguiu autorização para aumentar sua área
de abrangência e passou a cabear alguns bairros de Vila Velha.
Hoje cobre grande parte das áreas nobres de Vitória e Vila Ve-
lha. O número de assinantes passa de 24 mil, embora tenham
capacidade técnica para atender até 100 mil residências.

O supervisor de produtos da NET, William Petris, acredita


que o mercado capixaba é muito promissor porque a cidade
está crescendo e com isso também aumenta a renda do consu-
midor. Ele diz ainda que o produto que vende é destinado ao
público das classes econômicas A e B.

A concorrente da NET no Espírito Santo é a RCA Company


de Telecomunicações de Vitória Ltda. A operadora começou a
funcionar em 1997, ainda com o nome de Penedo. Posterior-
mente, houve outra mudança de nome e passou a ser Vitória
Vídeo Cabo.

A empresa atende a diversos tipos de público e perfis socio-


econômicos e possui cobertura de abrangência em alguns dos
principais bairros da capital: Jardim da Penha, Jardim Cam-
buri, Barro Vermelho, Bento Ferreira e Mata da Praia.

Segundo a gerente da RCA, Ivone Conforto, a principal difi-


culdade enfrentada no início foi em relação à infra-estrutura.
Não era permitido que os cabos da empresa passassem pelo
cabeamento das linhas telefônicas, gerando um longo proces-
so de impasses e disputas que ainda envolveu a utilização dos
postes da iluminação pública sob controle da Escelsa. Atual-
mente, a operadora passa por mudanças estruturais com a im-
plantação de cabos de fibra ótica.

A terceira operadora presente no Espírito Santo é a VIA-


CABOTV. De origem estadunidense, iniciou suas atividades
no Brasil em 1991, nas cidades de Rio Grande e Pelotas (RS),
com a Pansat. A partir dessa época, treze novas concessões fo-
ram adquiridas, nas cidades de Campos dos Goytacazes (RJ),

155
Roda VT!

Macaé (RJ), Itajaí (SC), Brusque (SC), Rondonópolis (MT),


Porto Velho (RO), Alvorada (RS), Varginha (MG), Dourados
(MS), Teófilo Otoni (MG) e, no Espírito Santo, em Cachoeiro
de Itapemirim, Cariacica e Serra. Atualmente são quinze ci-
dades brasileiras distantes dos centros tradicionais, nas quais
estão construídas operadoras.

A Lei Federal de 1995 permite que as operadoras disponibili-


zem dois canais de programação local. Na grade da NET estão
o GTV e a TV Ambiental e a RCA possui a DTV e a TransTV.
Contaremos brevemente a história recente das emissoras em
funcionamento. E como é por meio do cabo que a TV Assem-
bléia é transmitida, ela também receberá nossa atenção. No
período de elaboração deste capítulo, a TransTV estava fora do
ar devido a um incêndio na sede da emissora, que se dedica à
exibição de clipes e programas de esporte, moda e religião.

GTV

O canal GTV, que pertence à Rede Gazeta, surgiu em 2000,


um ano depois da entrada da NET no mercado capixaba de
serviço de cabo. Ele funciona como veículo estratégico da
emissora, porque além de reprisar a programação da TV Ga-
zeta, estabelece-se como laboratório para produção de conteú-
dos diversificados.

Quando o canal surgiu, tinha o nome de canal 5 da NET e


transmitiu ao vivo todo o quadrangular final do Campeonato
Estadual de Basquete Masculino. No ano seguinte, foram vei-
culados apenas eventos esportivos e musicais ao vivo, servindo
como um canal alternativo à programação da TV Gazeta, que
não tinha espaço privilegiado na grade para passar programas
e eventos locais.

O programa Estação Esporte, que estreou na TV Gazeta em

156
A televisão capixaba em panorâmica

2004, era, desde fevereiro de 2002, um programa da GTV, que


ia ao ar às segundas-feiras à noite, com apresentação de Jorge
Bueri e Paulo Sérgio. Também foram transmitidas ao vivo as
22 partidas do Campeonato Capixaba de Futebol, durante a
semana.

Em 1º de junho de 2002, a GTV entra definitivamente no ar


com seis horas diárias de programação, desta vez transmitida
pelo canal 14 da NET em Vitória e Vila Velha. A grade inicial
contava também com reprises dos programas da TV Gazeta.
O horário considerado nobre pelo canal é compreendido en-
tre 22 e 23h, em razão de ser logo após o final da novela da
Globo.

Para preencher os espaços sem programação, a GTV desen-


volveu uma tela inspirada no canal americano Bloomberg, que
mostra faixas continuamente atualizadas de notícias, cotação
de moedas, horário e etc. De 9h às 12h são transmitidas ima-
gens ao vivo do estúdio da CBN Vitória.

O canal começou a desenvolver sua programação por meio


de documentários feitos pela própria rede. Hoje, a grade é
composta pela reprise de nove programas da TV Gazeta e por
diversos programas realizados por produtoras independentes.
O grande desafio é conciliar a produção do programa, conse-
guir ter um retorno financeiro, ficar satisfeito com o resultado
e ainda pagar uma contrapartida ao canal. Em decorrência
disso, muitos programas não conseguiram se manter no ar.

A partir de 2004, a GTV decidiu que o produtor indepen-


dente deixaria de pagar à emissora. O vínculo é um contrato
comercial simples que assegura à TV Gazeta manter indepen-
dência em relação ao conteúdo veiculado. No contrato tam-
bém está definido que o produtor independente tem direito a
ter três cotas de patrocínio e dois merchandising por programa.
A partir desses números a Gazeta detém 60% da arrecadação.

O diretor geral de programação da GTV, Ricardo Alonso,

157
Roda VT!

considera o canal como um estimulador da produção do Es-


pírito Santo. “É o laboratório de programas para a TV Gazeta,
porque gerou produtos como Reação, Terra Capixaba, Bem
Viver e Estação Esporte, que deu certo e se tornou um dos pro-
dutos de linha da TV Gazeta”, afirma Alonso.

Nem tudo são flores

Os produtores independentes geralmente são amadores,


sem equipamentos profissionais. Por isso, não lhes é exigido o
padrão técnico no qual a TV Gazeta se enquadra. Alonso diz
que alguns programas já foram ao ar sem áudio ou até mes-
mo sem cor. “Se tivéssemos controle de qualidade, metade dos
programas ficaria de fora. Se fossemos rígidos como somos
com a TV Gazeta, a gente não colocaria nenhum programa no
ar”, conta Alonso.

A TV não possui funcionários, pois é basicamente progra-


mada por um computador. O estagiário recebe as fitas, carrega
no servidor e monta a grade. “A GTV só existe porque é auto-
mática. Se tivéssemos que gastar dinheiro com ela hoje, pro-
vavelmente nem existiria. A TV Gazeta não ganha nada com a
GTV”, admite Alonso.

Assim como os canais de TV a cabo no Espírito Santo, um


dos problemas que a GTV enfrenta é que ela não é vista pelos
anunciantes como uma mídia de grande alcance público, de-
vido à quantidade limitada de assinantes. “É difícil argumen-
tar com o patrocinador quando 22.000 assinantes, equivalen-
te a quase 100.000 telespectadores, assistem a 60 canais”, diz
Alonso.

Para Alonso, produzir programas atualmente é mais caro do


que receber o produto pronto de uma fonte externa, pois de-
pende de uma equipe disponível para o canal, além de envol-

158
A televisão capixaba em panorâmica

ver questões trabalhistas onerosas. Mas, mesmo assim, a GTV


tem projetos de, futuramente, montar uma equipe de produ-
ção para o canal.

TV Assembléia

No ano de 2001, num período conturbado da gestão de José


Carlos Gratz como presidente da Assembléia Legislativa, a
mesa diretora da Casa baixou um decreto criando a TV As-
sembléia, com base na Lei do Cabo, que destina um canal para
o Legislativo.

A TV foi montada em 2002 e iniciou suas atividades no mês


de fevereiro, sendo transmitida pelo canal 12 da NET. Nessa
época, a programação consistia basicamente na exibição ao
vivo e na íntegra das sessões do Plenário, das 15 às 18 horas.

A Legislatura atual (2003-2006) investe no aprimoramento


da emissora. Durante a presidência de Cláudio Vereza (PT-
ES), foram comprados muitos equipamentos. Além da exibi-
ção das sessões, foram produzidos dois programas, o Opinião,
de entrevistas, e o 100%, dedicado à música capixaba, e alguns
documentários.

Para a secretária de Comunicação e coordenadora da TV


Assembléia, Rose Duarte, a emissora teve um avanço com a
gestão da atual mesa diretora, do deputado César Colnago
(PSDB-ES), no qual a comunicação se tornou um setor es-
tratégico.

A estrutura da TV é ligada à Secretaria de Comunicação.


Em 2005 existiam duas estruturas: uma coordenação de TV e
uma de comunicação. Ao longo do ano, ocorreram mudanças
e em novembro de 2005 o plenário aprovou a Secretaria da
Mesa de Comunicação Social, culminando na unificação des-

159
Roda VT!

sas coordenações. A Coordenação de TV passou a se chamar


Coordenação de Mídia (incluindo TV, internet e radioweb) e
a outra virou Agência de Notícias, responsável pela produção
do conteúdo para essas mídias e para o portal do legislativo na
rede mundial de computadores.

Uma das preocupações da coordenação da TV foi dinamizar


a antiga grade, para deixá-la mais moderna e agradável. As vi-
nhetas foram padronizadas e as atrações que já existiam rece-
beram uma nova roupagem. Nos três primeiros meses foram
criados sete programas, como um telejornal, um programa
econômico, um político e um rural. A programação diária vai
das 9h à meia-noite.

Para deixar a grade ainda mais diversificada, a emissora es-


tabelece uma troca informal de conteúdo com a TV Câmara
e as TVs Assembléia de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande
do Sul. Foi feito também um convênio com o Sebrae nacio-
nal. De acordo com a legislação, que prevê que o canal seja
usado em conjunto com o legislativo municipal da região de
abrangência, a TV Assembléia exibe a gravação das sessões or-
dinárias da Câmara Municipal de Vitória. No mês de março
de 2006, a TV Assembléia assinou uma parceria com duas das
TVs universitárias locais, a TV FAESA e a TV UVV para trans-
mitir três programas de cada uma.

A equipe de produção conta ao todo com 26 pessoas, entre


cinegrafistas, técnicos, controle mestre, jornalistas, radialistas
e pessoal administrativo. Os programas são feitos em cenários
alternativos, mas existe um projeto arquitetônico pronto para
a construção de uma sede, que contará com um estúdio e com
uma redação integrada.

Mesmo com poucos anos de existência, a TV já obteve re-


conhecimento nacional. Na comemoração de 10 anos da TV
Senado, em 2005, foi feita uma programação especial com as
TVs legislativas de todo o Brasil. Eles avaliaram a programa-

160
A televisão capixaba em panorâmica

ção e selecionaram as duas melhores de cada região. No Su-


deste, as eleitas como as melhores foram a TV Minas e a TV
Assembléia do Espírito Santo.

“O interessante da TV pública institucional é a possibilidade


de interferir na grade, de acordo com a intenção da equipe,
pois não temos a preocupação de trabalhar com o conteúdo
da mesma forma que na TV aberta. Isso possibilita dar mais
espaço ao local. Como a TV não visa ao lucro, o objetivo é ter
uma parceria com a sociedade e transformar o espaço em um
canal cidadão”, conta a coordenadora da TV Assembléia, Rose
Duarte.

DTV – Uma idéia que foi ao ar

É assim que Luiz Antônio Albuquerque vê sua emissora, a


Digital Television, mais conhecida como DTV, que foi ao ar
pela primeira vez no mês de novembro de 2003, com a pro-
posta de ser um canal voltado para a cultura capixaba.

Depois de muitos anos trabalhando com programação de


diversas emissoras, Albuquerque tinha planos de montar a
sua. Para concretizar seu objetivo, comprou muitos equipa-
mentos e montou duas ilhas de edição em sua casa. De início,
funcionou como produtora homônima que realizava vários
programas como o Acontece Aqui, o Casa e Estilo e uma série
de comerciais de varejo.

Posteriormente locou quatros salas em um shopping, ain-


da como produtora. Percebendo a viabilidade de montar um
canal de TV a cabo, Albuquerque contatou a operadora RCA,
que só tinha um canal local, a TransTV, e fez um contrato de
10 anos. Para ele, trabalhar com a RCA era interessante, pois
ela tinha como área de abrangência os mesmos bairros que
pensava como público-alvo: Jardim da Penha, Mata da Praia e

161
Roda VT!

Jardim Camburi, entre outros.

O número do canal na grade foi escolhido estrategicamente.


Ocupa o décimo terceiro, dois acima do de mais audiência, a
Globo. A razão disso é que, segundo Albuquerque, as pessoas
dificilmente descem no dial e, consequentemente, não passa-
riam pelo seu canal.

Aos trancos e barrancos

Sem patrocinador, o canal sempre foi bancado pela família,


que trabalhava e faz da emissora um hobby. A única vez que
conseguiram um patrocínio foi do Hospital Metropolitano,
isso em razão de amizades da esposa de Albuquerque, recém-
falecida, que era médica.

A proposta do canal era ter a grade diária completa, mas


devido à falta de estrutura, só conseguem bancar três horas
de programação. A TV não possui funcionários, é tudo feito
por Luiz Antonio e sua filha Janaína Albuquerque, estudante
de jornalismo. Para preencher a grade contam com a ajuda
de colaboradores, que dedicam algum tempo livre à produção
dos programas e não recebem nada por isso. São estudantes e
interessados em fazer programas de diversos temas. Como é
um canal automatizado, de tecnologia totalmente digital, não
precisa de muita mão-de-obra.

Dentro da programação da DTV, Albuquerque considera o


programa Poucos Minutos como sendo o carro-chefe. A atra-
ção, que é feita e apresentada por ele mesmo, surgiu de uma
paródia do programa Nove Minutos, veiculado na TV Tribuna
sob o comando do jornalista Eustáquio Palhares. Albuquerque
basicamente lê os principais jornais do Estado e faz comentá-
rios bem-humorados sobre as notícias, encarnando um per-
sonagem nordestino. O programa não tem duração definida,

162
A televisão capixaba em panorâmica

pois depende do humor do apresentador.

Quando perguntado sobre o caráter do programa, Albu-


querque comenta: “Ali eu estou fazendo jornalismo, com ví-
cios de linguagem, com regionalismo. E digo aquilo que muita
gente gostaria de dizer, mas não tem um canal de televisão
para dizer. Requer humor, ironia, a revolta do brasileiro e a
própria informação. Noticio e comento informalmente, como
se estivesse na beira da piscina ou em um churrasco. Eu consi-
dero o programa que eu faço como um programa jornalístico
de coragem”.

A grade já chegou a exibir 13 programas locais, mas atual-


mente são nove. O canal também possui autorização de al-
gumas gravadoras e artistas para exibir clipes e DVDs. Além
disso, foi feito um acordo operacional com o Sesc/Senac, para
que alguns programas sejam pré-gravados e exibidos na DTV.
A programação também pode ser assistida via internet em real
time.

A DTV já ocupou o andar de um centro comercial, porém,


segundo Albuquerque, o custo operacional era alto e o retorno
financeiro praticamente nulo. O canal recebeu uma proposta de
outro centro comercial para ficar alocado sem pagar por nada.
No entanto, após quatro meses, chegaram contas de aluguel e
de luz atrasadas. Quando a administração do shopping foi pro-
curada, descobriu-se que a proposta era apenas um contrato
verbal. Depois disso, o canal sanou as dívidas e mudou a sede
para uma casa.

Atualmente, os equipamentos do canal DTV estão instala-


dos na casa de Albuquerque. Como os únicos responsáveis
pelo canal são Albuquerque e sua filha Janaína, salvo alguns
colaboradores, os programas são gravados sem estúdio fixo. O
atendimento ao entrevistado é feito na casa do próprio ou em
lugares alternativos.

163
Roda VT!

TV Ambiental

A TV Ambiental surgiu da iniciativa de empresários e po-


líticos que visualizaram a possibilidade de prover conteúdo
audiovisual comunitário regional para operadoras de TV por
assinatura do Espírito Santo, internet banda larga e, no futu-
ro, aproveitar as oportunidades da televisão digital. A TV Am-
biental veicula sua programação por meio do canal 5 da NET
e se auto-intitula como sendo o “primeiro canal do Espírito
Santo com programação segmentada voltada para a popula-
ção com interesse no desenvolvimento sustentável”.

O público alvo do canal pertence às classes econômicas A e


B, é formador de opinião, com alto poder aquisitivo e está con-
centrado geograficamente nos municípios de Vitória (58%) e
Vila Velha (42%).

A proposta da programação é ter uma linguagem dinâmi-


ca, com conteúdo exibido em formato de revista eletrônica. O
foco da TV é oferecer diariamente atrações sobre assuntos di-
versos, em especial acerca do desenvolvimento sustentável. A
TV Ambiental possui uma produtora independente, responsá-
vel por criar, produzir e armazenar todo o conteúdo veiculado
pelo canal. Os programas são semanais, com duração de meia
hora cada e são reprisados quatro vezes por dia.

A grade de programação inclui programas informativos


sobre meio ambiente, responsabilidade social, comunidades,
cultura, entrevistas, notícias, cidadania, direitos humanos, en-
tre outros. O Comunidade Participa veicula assuntos ligados à
comunidade, atuação de ONGs, além de destacar as principais
necessidades da população. O programa Ambiente Cultural
mostra a diversidade cultural e social, valorizando a cultura
capixaba. Já o Ambiente Sustentável trata o desenvolvimento
sustentável do Espírito Santo. Além de abordar a responsabili-
dade social empresarial, mostra o que as empresas da Grande
Vitória estão fazendo para o meio ambiente. O programa de

164
A televisão capixaba em panorâmica

entrevistas recebe autoridades, personalidades e líderes comu-


nitários e tem duração de 30 minutos.

Algumas conclusões

A história da TV a cabo no Brasil é recente e no Espírito


Santo é ainda mais incipiente, iniciada em 1997. O sistema
de TV a cabo por assinatura, inicialmente pensado como al-
ternativa de programação e dirigida a determinados públicos,
iniciou a era da mídia segmentada. Logo, percebe-se que a TV
a cabo nunca esteve no âmbito popular porque demanda que
seu público tenha um alto poder aquisitivo. Ainda no seu co-
meço, a TV a cabo sofreu com as crises econômicas dos anos
90, resultando em diminuição do número de assinantes, mas
voltou a se desenvolver nos anos 2000, com aumento da base
de assinantes e implementação de novas tecnologias, como
mudança para cabos de fibra ótica, acesso à internet e digita-
lização da rede.

No estado, os canais tiveram diversas origens: um começou


como um hobby, outro foi fruto experimental de uma grande
rede, outro canal foi iniciativa de empresários. Foi constatado
que os problemas iniciais eram comuns a todos, como dificul-
dades de infra-estrutura e poucos apoios externos (patrocí-
nios e anunciantes).

Atualmente, a utilização de novas tecnologias tem papel fun-


damental para o desenvolvimento do setor. Um canal de TV
a cabo costuma ter a programação monitorada basicamente
por um computador, o que demanda pouca mão-de-obra.
Pode-se perceber que, no Espírito Santo, existe uma pequena
produção local, mas as TVs têm preenchido grande parte de
sua programação com atrações provenientes de outros canais,
adquiridas de acordo com a linha editorial de cada TV. Ou
seja, ainda há muito por ser desbravado.

165
Roda VT!

Referências bibliográficas

BRITTOS, Valério Cruz. A participação do Estado no mercado


de TV por assinatura. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/
pag/brittos-valerio-estado-tv-assinatura.pdf. Acesso em: 24
maio 2006.

HOINEFF, Nelson. TV em expansão – novas tecnologias, seg-


mentação, abrangência e acesso na televisão moderna. Rio de
Janeiro: Record, 1991.

___. A nova televisão – desmassificação e o impasse das grandes


redes. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996.

PALÁCIOS, Luina Pego de. TV Universitária: O desafio de


ser um canal de comunicação com a comunidade fora do meio
acadêmico. Vitória. Monografia (Especialização em Estudos
Avançados de Comunicação) – Consultime Instituto de En-
sino, 2004.

WIKIPEDIA. Disponível em http://pt.wilipedia.org/wiki/TV_


a_cabo. Acesso em: 02 abr. 2006.

Entrevistas

Ivone Conforto, gerente da RCA. Em 11 de abril de 2006.

Luiz Antonio Albuquerque, proprietário da DTV. Em 24 de


março de 2006.

Ricardo Alonso, diretor de Programação da Rede Gazeta e


GTV. Em 29 de março de 2006.

Rose Duarte, jornalista, secretária da Mesa de Comunicação


Social da Assembléia Legislativa do Espírito Santo e Coorde-

166
A televisão capixaba em panorâmica

nadora da TV Assembléia. Em 28 de março de 2006.

William Petris, supervisor de Produtos da NET. Em 05 de


abril de 2006.

167
Universidade e comunidade na TV

Elaine Dal Gobbo e Tielly Zen

N
o capítulo anterior, foram abordados alguns canais
que surgiram em virtude da Lei do Cabo. Esta seção
é dedicada especificamente à TV Universitária e à
TV Comunitária de Vitória.

A primeira tem como um dos seus objetivos democratizar o


acesso da população ao saber científico. A segunda tem como
uma de suas principais características a participação popular,
a sociedade civil atuando como emissora e não somente como
mera receptora de tudo o que é colocado na mídia.

Neste capítulo, iremos fazer uma abordagem do surgimento


desses dois canais no Espírito Santo. Iniciaremos discorrendo
sobre o canal universitário para, posteriormente, falarmos so-
bre a TV Comunitária de Vitória.

1 - A TV Universitária no Espírito Santo

Antes de contar a história do canal universitário no Espírito


Santo, é importante fazer um breve resgate da trajetória das
TVs universitárias no Brasil. Há uma grande discussão sobre
qual delas foi a primeira. Segundo o jornalista Cláudio Maga-
lhães, em seu artigo intitulado “TV Universitária: uma Tele-
visão diferente”, publicado no site da Associação Brasileira de

169
Roda VT!

Televisão Universitária (ABTU), a pioneira foi a TV Universi-


tária de Recife, de 1967. Já para a jornalista Cássia Liandra Car-
valho, em sua monografia para obtenção do título de bacharel
em Comunicação Social, essa TV era universitária somente no
nome, pois tinha pouca ou nenhuma difusão de conteúdos
acadêmicos, além de ter compromisso com a rede pública de
televisões educativas, cabendo o pioneirismo à Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo (PUC–SP), em 1997.

O artigo 23 da Lei do Cabo diz que a operadora de TV a cabo


deve disponibilizar um canal para o uso compartilhado entre
as universidades localizadas na área de prestação do serviço.

Esse foi o estopim para que inúmeras TVs universitárias se


espalhassem por vários estados brasileiros. No Espírito Santo
não foi diferente. Em 1997, o então professor do curso de Co-
municação Social das Faculdades Associadas do Espírito San-
to (Faesa) Ricardo Néspole Coutinho e a professora do De-
partamento de Comunicação Social da Ufes Dalva Ramaldes
participaram do I Fórum Brasileiro de Televisão Universitária,
realizado em Caxias do Sul. A partir daí, tiveram início as dis-
cussões para implantação do Canal Universitário no Espírito
Santo.

A Ufes coordenou o processo de criação do Canal Univer-


sitário por ser a única universidade do Estado e optou por
compartilhá-lo com o Centro Universitário de Vila Velha
(UVV), Faesa e Centro Federal Tecnológico (Cefet - ES). Se-
gundo Coutinho, que atualmente é coordenador do curso de
Comunicação Social da Faculdade Estácio de Sá, o estímulo
para as outras instituições de ensino ingressarem na emprei-
tada não partiu unicamente da Ufes. “As faculdades privadas
foram convidadas para participar, mas também partiu delas
uma busca, um grande interesse”, disse o professor.

Para que fosse possível a implantação do canal, as institui-


ções envolvidas assinaram um convênio de cessão apresentado

170
A televisão capixaba em panorâmica

pela ESC 90 Telecomunicações, que opera com a NET os ser-


viços de TV a cabo. É a NET que, no Espírito Santo, transmite
a programação do canal universitário. Inicialmente as produ-
ções eram transmitidas no canal 14. Atualmente os programas
são veiculados no canal 13.

No dia 21 de agosto de 2000 ocorreu a solenidade de inau-


guração do canal universitário, no Cine Metrópolis, localizado
na Ufes, Campus de Goiabeiras. Pouca gente sabe, mas a emis-
sora se chama Canal Universitário Arlindo Castro. O nome foi
escolhido em homenagem ao professor do curso de Comuni-
cação Social da Ufes, falecido em 1997.

Na programação inaugural, além da exibição de vídeos pro-


duzidos por estudantes de cada uma das instituições de ensi-
no, também realizou-se uma mesa-redonda cujo tema foi “50
anos da televisão brasileira e as perspectivas da TV universitá-
ria”, da qual participaram o presidente da Associação Brasilei-
ra de TVs Universitárias (ABTU), Gabriel Priolli; a presidente
do Canal Universitário do Rio de Janeiro, Gabriela Dias; e o
presidente do Canal Universitário de Campinas, Hélio Sôlha.
Hans Donner, amigo de Arlindo Castro e designer da Rede
Globo, também participou do evento.

As despesas do canal são divididas entre a Ufes, UVV e Fae-


sa, já que o Cefet se desligou do projeto. A causa desse afasta-
mento será abordada mais adiante, neste mesmo capítulo.

Segundo o regimento interno do conselho gestor do Canal


Universitário do Espírito Santo, essa instância deve ser inte-
grada por um representante de cada instituição participante.
O representante deverá ser indicado pelo dirigente da insti-
tuição.

De acordo com o código de ética, em seu primeiro artigo,


o Canal Universitário tem como objetivo “promover a edu-
cação, pesquisa e extensão universitária, além de buscar o de-
senvolvimento do indivíduo, seu preparo para o exercício da

171
Roda VT!

cidadania, a facilidade de acesso às informações e sua qualifi-


cação para o trabalho”.

Consta ainda neste mesmo documento que os programas


produzidos e divulgados devem ser de caráter formativo e in-
formativo, destinados à comunidade. Quanto ao conteúdo das
atrações e informes veiculados, o código de ética deixa claro
que devem respeitar os valores éticos e sociais da pessoa, sen-
do vedada a veiculação de qualquer material que atente contra
a vida, igualdade, liberdade, segurança e propriedade. Cada
instituição é responsável pelo conteúdo da sua programação.

A divulgação dos cursos, sejam eles de graduação, pós-gra-


duação ou extensão, além dos serviços prestados à comunida-
de, é permitida. Seu intuito deve ser de caráter informativo,
não pode haver tentativa direta ou indireta de captação de
clientes. São proibidas comparações qualitativas e quantitati-
vas em relação a outras instituições de ensino.

O Canal Universitário Arlindo Castro foi ao ar pela primeira


vez em fevereiro de 2001.

“Onde fica a TV Ufes?”

Pedimos licença aos nossos colegas de curso para iniciarmos


o relato da trajetória da TV Ufes usando uma pergunta da qual
se utilizaram no vídeo Em busca da TV Ufes, produzido por
eles na Semana Nacional pela Democratização da Comuni-
cação, promovida pelo Centro Acadêmico de Comunicação
Social da Ufes (CACOS). O porquê da utilização desse ques-
tionamento é simples: pouca gente sabe onde fica a TV Ufes,
pior ainda, existem aqueles que nem sabem da sua existência.

Pois bem, a TV Ufes está situada na Secretaria de Comu-


nicação e Divulgação da Universidade, no prédio da reitoria.
Passou por outros lugares dentro do campus, mas sobre essas
mudanças iremos falar posteriormente. Vamos começar do
começo.

172
A televisão capixaba em panorâmica

O primeiro programa produzido pela TV Ufes foi o Super


V, uma revista eletrônica de variedades. Para ajudar a elaborar
a atração, a professora Dalva Ramaldes convidou a professora
do Departamento de Desenho Industrial da Ufes Telma Elita
Juliano Valente e o professor do Departamento de Comunica-
ção Social Cléber Carminati.

O Super V tinha uma proposta diferente da que é vista na


TV aberta e era composto por três partes: entrevista, agenda
e vídeo. Escolhia-se um tema a ser abordado e toda a atração
girava em torno daquele assunto.

Os vídeos exibidos normalmente eram feitos por membros


da comunidade acadêmica, notadamente estudantes de Co-
municação e Artes. A agenda consistia na divulgação de livros,
filmes e eventos. Tentava-se dar prioridade aos eventos reali-
zados na universidade.

O Super V foi extinto para dar lugar ao Pensamento e Prosa,


que até hoje está no ar. Somente o quadro de entrevistas, apre-
sentado por Ramaldes, permaneceu. Segundo Valente, sempre
havia a intenção de dar a essas entrevistas um tratamento dife-
renciado daquele que é dado pela TV aberta. “Certa vez abor-
damos o tema amor, mas, na verdade, falamos sobre o amor
ao trabalho e chamamos um artista plástico para falar da sua
profissão”, relata.

Segundo a professora Telma Elita Valente, a falta de equi-


pamentos era uma das maiores dificuldades. As gravações e
edições eram feitas nos estúdios do Senai, mas isso não signi-
ficava o fim das dificuldades, pois o contrato estabelecido com
o Senai estipulava um certo limite de horas para utilização do
estúdio. O fato de as atrações fugirem ao padrão da TV aberta
ajudou muito na conquista de um tempinho a mais na utili-
zação do estúdio, conforme relata Valente: “às vezes o horário
de utilização do Senai extrapolava, pois o pessoal de lá pegou
amizade com a gente. Eles gostavam de trabalhar conosco.

173
Roda VT!

Eles gostavam dos nossos programas, porque quebrávamos o


formato tradicional de fazer televisão”.

Também foram feitos alguns trabalhos no Laboratório de


Aprendizagem da Ufes (LAUFES), localizado no Centro Peda-
gógico, e nos laboratórios do Cefet. No primeiro, eram feitas
as gravações e, no segundo, as edições. Esse trabalho contou
com o auxílio do coordenador do LAUFES, Guilherme Santos
Neves Neto, e do então professor do Cefet JB Souza. “Tudo era
feito no improviso, o trabalho era levado adiante com muita
garra”, diz Neto.

Para superar as dificuldades, a TV Ufes conseguiu apoio


fora da Universidade. Os serviços de maquiagem e cabeleirei-
ro eram feitos em troca de créditos no programa e as roupas
eram cedidas por uma butique situada em Vila Velha. “Era
muito mais do que os créditos, as pessoas nos auxiliavam por
acreditar no nosso trabalho”, relata Valente.

Carminati afirma que houve uma discussão de como botar


a TV Ufes no ar. “Ou a gente esperava ter condições técnicas
para fazer a coisa funcionar ou enfiava a cara para fazer a coisa
acontecer. A Ufes não podia ficar somente tomando conta do
canal, tinha que produzir. A gente optou pela segunda alterna-
tiva e eu acho que foi o caminho certo, mas creio que devemos
pressionar para fazer uma TV melhor”, afirma Carminati.

Carminati recorda uma situação na qual a TV Ufes foi víti-


ma de censura. Isso foi no programa Super V, que exibia uma
reportagem especial sobre o boicote ao provão. A reportagem
teria sido retirada do ar a mando do então reitor, José Weber
Macedo. “O reitor achou que a matéria estimulava o boicote.
Eu vi a reportagem, não tinha nada de tendencioso e, inclusi-
ve, passou pelo crivo da professora de telecinejornalismo, que
na época era a Rose Duarte. O Weber se achou melhor e man-
dou tirar do ar. Eu fiquei muito indignado, foi algo que veio
de cima para baixo. Tem que ter um conselho de programação

174
A televisão capixaba em panorâmica

e uma autonomia para exercer jornalismo, pois uma coisa é


fazer vídeos e documentários, outra coisa é fazer jornalismo,
pois lida com questões polêmicas e tem que ouvir várias opi-
niões. Por isso, tem que ter uma linha editorial que preze a
liberdade de expressão. Qual é a função de uma TV universitá-
ria? Polêmicas, óbvio. Direito de resposta sem beneficiar uma
posição em detrimento da outra”. Macedo, que atualmente é
reitor da Universidade Federal do Vale do São Francisco, em
entrevista por e-mail às autoras, afirmou desconhecer total-
mente o assunto.

Quando Ramaldes e Valente se afastaram da TV Ufes em vir-


tude dos estudos de doutorado, Carminati também se ausen-
tou, para fazer mestrado. Se a situação da TV já era complica-
da, tornou-se ainda pior. As gravações do Pensamento e Prosa
pararam. O programa passou a ser reprisado constantemente.
A sede da TV Ufes, que era no Centro de Vivência, deu lugar
ao Credufes e passou a ocupar uma sala menor no próprio
Centro de Vivência, onde permaneceu até 2004, quando foi
para a Secretaria de Comunicação e Divulgação da Universi-
dade.

Durante a mudança para a secretaria, muitos instrumentos


de trabalho se perderam. “Na saída do Centro de Vivência per-
demos muitas coisas, inclusive fitas para gravação de novos
programas. Tínhamos que sair de lá, a sala era pequena, não
cabiam os nossos materiais”, disse Maria José Pacheco, direto-
ra de produção da TV Ufes.

Foi Pacheco, junto com seu marido, Jorge Luiz do Nasci-


mento, a idealizadora do programa Olhares, que permanece
ainda hoje na grade. Olhares se destina a exibir produções au-
diovisuais feitas pela comunidade acadêmica. A primeira de-
las foi uma produção em homenagem aos cinqüenta anos da
Ufes. Atualmente, estão sendo exibidos documentários sobre
o município da Serra, produzidos por estudantes da discipli-
na de Edição, orientados pela professora Renata Rezende, do

175
Roda VT!

curso de Comunicação Social.

Além de Pacheco, a TV Ufes conta com mais dois funcioná-


rios: Geraldo Baldi, que é diretor de imagem, e Siomary Souza
Rodrigues, produtora. Conta também com o apoio do fun-
cionário do Laboratório de Vídeo do curso de Comunicação
Social Hirondy Dalmaschio, que cuida do áudio.

A produtora da TV Ufes relembra uma situação engraçada


pela qual passou: “Uma vez eu estava ligando para agendar a
gravação de um programa. Liguei para uma professora e ela
duvidou de que fosse da TV Ufes, porque segundo ela, nunca
tinha ouvido falar na emissora. Aí ela desligou. Eu insisti mais
uma ou duas vezes. Depois que ela veio para a gravação do
programa é que ela foi acreditar que existe a TV Ufes”.

Em 2005, Ramaldes retornou do doutorado e implantou


um projeto de extensão para a TV. Segundo ela, não houve
muita adesão. Para a professora, os alunos possuem uma visão
equivocada de produção em TV. “Muitos estudantes acham
que produzir é só estar em frente às câmeras, mas não é as-
sim. Você tem que ter uma noção de linguagem em produção
audiovisual, tem que fazer produção mesmo, mas ninguém
quer fazer isso. As pessoas querem pegar a câmera, fazer uma
reportagem ou apresentar um programa, e aí é complicado.
Alguém tem que fazer pauta, alguém tem que marcar entre-
vista”, relata.

O estudante de Comunicação Social Leonardo Basoni foi


aprovado em 2005 numa seleção para apresentador do pro-
grama Olhares. Apesar de ter gravado cerca de quatro edições,
nenhuma delas foi ao ar. “Faltava orientação, eu não era orien-
tado, por exemplo, a como apresentar um programa”, relata.

Desde 2005, as gravações e as edições dos programas estão


sendo realizadas nos laboratórios do curso de Comunicação
Social. Há planos de criar novas atrações. De acordo com Pa-
checo, dois programas estão sendo elaborados. Um se chama

176
A televisão capixaba em panorâmica

Rascunho, um jornal laboratorial produzido pelos estudantes


e orientado pela professora do curso de Comunicação Social
Sáskia Sá. O outro se chama Mosaico.

Junto com os estudantes, Ramaldes pretende elaborar uma


revista eletrônica por meio de uma disciplina optativa que
está lecionando. Segundo a professora, a TV Ufes está aberta a
projetos de toda a Universidade, mas nenhum departamento
apresentou propostas. “Poderíamos ter um programa produ-
zido pelo Direito, pela Economia, pela Ciências Sociais, por
vários outros cursos em parceria com alunos de Comunica-
ção. Poderíamos orientar essas produções. Mas infelizmente a
TV Ufes ainda não conseguiu mobilizar a Universidade como
um todo”, diz a professora, que faz alguns planos para o futu-
ro: “Como o Pensamento e Prosa é um programa de divulgação
científica, existe a possibilidade de enviar um projeto para o
Ministério da Ciência e Tecnologia para ver se conseguimos
apoio para nos equipar com o objetivo de fazer uma produ-
ção de maior qualidade. Estamos numa etapa de firmar uma
parceria com a TV Assembléia e, mais futuramente, com a TV
Educativa, para exibir esse programa. Nossa proposta é forne-
cer pelo menos um programa por semana”.

Para Carminati, a Universidade não está ciente quanto à im-


portância da TV. “As lideranças da Universidade não estão de-
vidamente esclarecidas quanto à relevância desse veículo, que
é um órgão de difusão dos conhecimentos produzidos aqui. É
necessário uma filosofia para essa televisão, descobrir qual é o
papel dela. A gente tem que cobrar e fazer entender a impor-
tância desse núcleo”.

Quanto ao futuro da TV Universitária com o advento da


TV digital, Ramaldes faz uma série de questionamentos. “A
possibilidade de um canal aberto é muito mais interessante
para todo e qualquer processo democrático. Acho cedo dizer
sobre o que vai acontecer com o Canal Universitário. Podemos
abandonar o atual formato e partir somente para o digital, ou,

177
Roda VT!

de repente, no futuro, ficarmos com os dois. Creio que pri-


meiro devemos fazer uma evolução dentro da própria Univer-
sidade acerca do que ela pretende com uma TV Universitária.
Pretende instituir legalmente a TV universitária? Pretende dar
uma estrutura? Essa TV vai permanecer vinculada à Secretaria
de Comunicação ou vai vir para o Departamento de Comuni-
cação, que eu acho que deveria ser o seu habitat ? Vai depen-
der primeiro dessa discussão em torno da existência da TV. Se
ela vier para o Departamento (de Comunicação), a discussão
pode ganhar uma outra dimensão”.

De acordo com Carminati, foi feito um regimento para a TV


Ufes, mas a sua legalização ainda não foi efetivada. Ele ainda
sugere a criação de um Conselho de Programação que envolva
vários cursos e centros, a centralização do Canal Universitá-
rio na Ufes para que a transmissão seja feita diretamente da
Universidade, uma mídia exterior para divulgar a programa-
ção, maior articulação no curso de Comunicação para que os
alunos experimentem novos formatos em caráter profissional
sem deixar de lado o viés experimental, mais investimento em
corpo técnico e produção de material didático para ser trans-
mitido e utilizado nas salas de aula de escolas de primeiro e
segundo grau. Ele salienta a importância de ter alguém para
buscar patrocínio, pois não há um cargo específico para isso.
Segundo Carminati, “falta um articulador e vontade política”.

Paulo Roberto da Silva de Souza, ex-secretário de Comuni-


cação e Divulgação da Ufes, comenta sobre a necessidade de
contratar mais funcionários. “Precisa de um diretor, de técni-
cos. O reitor não tem flexibilidade para eventualmente con-
tratar um jornalista ou um técnico em televisão, ou qualquer
coisa assim. O quadro permanente das universidades vem
sendo restringido desde a era Collor. As vagas no quadro de
funcionários não vêm sendo preenchidas. Os concursos não
atendem à demanda de funcionários. Para estruturar uma TV
universitária é necessário uma série de funcionários”, afirma o
ex-secretário.

178
A televisão capixaba em panorâmica

A participação dos estudantes na TV Ufes é irrisória. Limi-


ta-se à exibição de alguns vídeos produzidos por eles, princi-
palmente nas disciplinas do curso de Comunicação. O jorna-
lista Rafael Paes foi estagiário da TV Ufes, na qual começou a
atuar em 2001. De acordo com Paes, naquela época o acesso
do estudante ao veículo já era bastante difícil. “Os alunos não
tinham proximidade com a TV, até porque a criação de novas
produções nas quais eles pudessem participar era inviável por
causa da falta de estrutura”, afirma.

Basoni relata que hoje a situação não é muito diferente.


“quando fui selecionado para estagiar na TV, muitos colegas
meus me parabenizavam, achavam legal, mas me pergunta-
vam o que é a TV Ufes. Isso quer dizer que eles acham legal
ter um espaço como esse, mas que não estão cientes de como
isso funciona”.

A primeira TV Universitária do Espírito Santo

Antes mesmo de o Canal Universitário ir ao ar, a TV Faesa já


tinha seu espaço na NET. Sua programação começou a ser exi-
bida em 1999, no canal 5, alugado pela instituição de ensino
superior. Segundo Ricardo Néspole Coutinho, que na época
era coordenador da TV Faesa, essa antecipação ocorreu em
virtude da morosidade na implantação do canal.

Havia apenas um programa, o Universo Faesa, uma revista


que apresentava quadros sobre a instituição, feito por alunos
e professores. O programa era de comportamento e não de
caráter institucional. Coutinho explica o porquê da escolha
desse formato para a atração: “A TV Faesa tomou, na época, a
posição de não ser uma TV institucional, ou seja, de não ser
administrada pela diretoria, e sim, pela parte acadêmica, o que
acarretou um outro projeto”.

Coutinho afirma não ter sido favorável a essa escolha acadê-


mica. “A TV Faesa ficou vinculada ao curso de Comunicação
enquanto gestão. Sempre achei que ela deveria ficar vinculada

179
Roda VT!

à direção. Dessa forma, creio que as verbas chegariam de ma-


neira mais fácil”. Ele aponta como uma das dificuldades o fato
de que os trabalhos eram feitos basicamente por estudantes, o
que ocasionava uma certa rotatividade. Quando o aluno con-
seguia segurança e firmeza para trabalhar na TV, aparecia uma
oportunidade melhor e ele partia para novas experiências,
sendo substituído por outro que, possivelmente, começaria da
“estaca zero”.

O Universo Faesa tinha duração de meia hora e ficava no ar


24 horas. Quando a fita acabava, voltava para o início e repetia
a atração.

A Faesa começou a montar a estrutura de um núcleo de tele-


visão em 1998. A TV tinha, na época, como uma de suas maio-
res dificuldades, a precariedade da estrutura laboratorial, com
equipamentos de baixa tecnologia. Na avaliação de Coutinho,
a TV Faesa, das três, (Ufes, Faesa e UVV), era a que tinha mais
“cara” de televisão, mais linguagem televisiva.

O Universo Faesa teve prosseguimento no Canal Universi-


tário Arlindo Castro, dessa vez acompanhado por mais dois
programas, o Na Garagem e o Mídia. Os dois últimos ainda
existem e, segundo o atual coordenador da TV Faesa, Marco
Rost, estão quase alcançando o marco de duzentas edições.

Na Garagem é um programa de entrevista que abre espaço


para bandas iniciantes, músicos capixabas e, eventualmente,
algum destaque nacional presente no estado.

O Mídia é um programa jornalístico semanal que traz para


dentro do estúdio alguém para discutir o que está na mídia
naquela semana. “A idéia do Mídia é debater aquilo que não é
discutido na grande mídia, aquilo que, muitas vezes, é aborda-
do de forma muito factual, com matérias feitas rapidamente”,
afirma Rost.

O Universo Faesa foi transformado no Jornal da Faesa, que

180
A televisão capixaba em panorâmica

expõe ao público aquilo que é produzido na faculdade. Segun-


do Rost, a TV abre espaço para os outros cursos por meio de
entrevistas com profissionais de outras áreas, além da Comu-
nicação. O coordenador cita como exemplo o programa Sala
de aula. “No programa Sala de aula o que menos tem é o pes-
soal da Comunicação. É uma aula aberta na qual o professor
vem e dá aula para quarenta alunos. Pode vir um professor da
Biologia e falar sobre a biologia no dia-a-dia, um profissional
da terapia ocupacional e falar sobre ética e cidadania na tera-
pia ocupacional.”

Outro programa que está atualmente no ar é o Mistura Li-


vre. Nele é possível entrar em contato com a produção cultural
capixaba. Um quadro desse programa é o Videomaker, extinta
atração da TV Faesa que trabalhava com produção audiovisu-
al, exibição de vídeos e entrevistas com seus produtores.

O estágio na TV Faesa pode durar até dois anos. A seleção


é feita por meio de uma prova escrita, uma prova prática e
entrevistas. Além de Rost, há mais três orientadores, Vanessa
Maia, Ana Menegueli e José Soares Magalhães Júnior. Os bol-
sistas ganham desconto na mensalidade e ajuda de custo para
condução. Também há alunos voluntários.

Para Rost, uma das limitações da TV é a falta de recursos hu-


manos e equipamentos. “São as limitações que toda TV escola
tem. A gente trabalha com o básico do básico. Nós não somos
uma TV educativa, não somos uma TV comercial, somos uma
TV universitária, por isso, trabalhamos com aquilo que é o
mais básico para botar a TV no ar. Seria interessante que pelo
menos um quarto da TV fosse de funcionários, principalmen-
te da parte técnica”.

Por ser uma TV dentro do sistema Faesa, outros cursos po-


dem apresentar projetos. No entanto, têm que trazer alter-
nativas de financiamento. “Tenho um orçamento X que está
dentro do conceito de que essa é uma TV escola do curso de

181
Roda VT!

Comunicação Social. Mas como está dentro do sistema Faesa,


pode e deve abarcar todo o sistema. Se alguém vem com um
projeto da Biologia, por exemplo, eu posso até achar legal, mas
eu quero saber de onde sai esse dinheiro para botar esse pro-
grama no ar. Não adianta chegar com um projeto aqui, fazer
um ou dois programas para depois tirar do ar”, afirma Rost.

O coordenador diz, ainda, que estudantes de outros cursos


não podem realizar os programas. “Esse cara vai chegar aqui
com um projeto, vai ser consultor, mas não vai ser apresenta-
dor, pois quem entende de TV, deveria entender ou está apren-
dendo, é o aluno de Comunicação. Não adianta chegar lá o
pessoal da Nutrição dizendo que tem um programa, que vão
ser diretores, produtores, editores, porque eles não entendem
disso. Eles serão consultores, produtores, no máximo. Quem
quer fazer televisão tem que fazer o curso de Comunicação”.

Segundo Rost, a idéia da TV Faesa não é ser uma TV comer-


cial ou educativa. “Acho que é importante ressaltar que a TV
Faesa é uma TV escola, é uma TV feita por alunos com orien-
tação dos professores, que a idéia é possibilitar ao aluno de
comunicação vivenciar televisão e o processo jornalístico em
si dentro da universidade para que no momento em que ele
sair da universidade ele tenha condições de se inserir no mer-
cado de trabalho com mais firmeza, mais competência. Essa é
a idéia da TV Faesa, não é ser uma TV comercial ou educativa
que vai competir com as TVs comerciais e educativas que es-
tão aí fora, que vai ser melhor, não é isso”.

A TV Faesa utiliza os laboratórios do curso de Comunicação


Social desde o início do seu funcionamento.

TV Rede UVV

Denominada inicialmente como UNITV, a TV Rede UVV


é um projeto de extensão da UVV. Atualmente, suas ativida-
des são feitas nos laboratórios do curso de Comunicação. No
entanto, nem sempre foi assim. No início, isso era feito numa

182
A televisão capixaba em panorâmica

produtora terceirizada, pois a UVV não tinha laboratórios de


áudio e vídeo, que foram inaugurados somente em setembro
de 2003.

Fazer os trabalhos em uma produtora dificultava as ativida-


des. No contrato firmado com a empresa, havia um limite de
horário para utilização de ilhas de edição, gravações de vídeo
e áudio, equipe técnica e carro para fazer as externas.

De acordo com a primeira coordenadora da TV Rede UVV,


Tatiana Gianordoli, alguns dos programas inaugurais foram
Reduto Capixaba, Debate, Passeio Musical, De Olho no Passado
e Entrevista da Semana.

A atual coordenadora da TV Rede UVV é a professora Ivana


Esteves Passos, que começou a atuar na TV em 2001, auxi-
liando os alunos nas externas, nas pautas e outras atividades.
Ela saiu para a área de extensão do curso e retornou em 2005
como coordenadora.

Ao retornar, Passos percebeu que os alunos estavam ansio-


sos para desenvolver seus próprios projetos. Então, ela achou
importante deixar que os próprios estudantes os desenvolves-
sem. Os projetos foram apresentados ao conselho dos veículos
da UVV, foram aprovados e começaram a ser implementados.
“Foi muito interessante, porque estimulou outros alunos a
apresentarem novos projetos”, afirma.

São nove programas no ar, todos eles idealizados pelos alu-


nos. Os estudantes gerenciam os programas e incorporam
voluntários em seus projetos. “Eles passam a pauta para os
colegas e orientam. Passamos a ter multiplicadores, os alunos
ensinando uns aos outros”, relata a professora.

Alguns dos nove programas no ar atualmente são o Atitude


Saudável, Zona Verde, Perfil Empreendedor, Papo Afiado, Pala-
vras na Mesa e Sintonia UVV, um programa institucional. Há
também um programa de cultura chamado Miscelânea e um

183
Roda VT!

de comportamento, denominado Interação.

O Papo Afiado se dedica a ouvir as experiências de jornalis-


tas mais antigos. “As redações estão se renovando, os recém-
formados vão para as redações e não têm com quem aprender.
Digo isso no sentido de troca, pois o jornalista mais experiente
pode dar dicas. No Papo Afiado queremos fazer um arquivo do
jornalismo capixaba”, relata Passos.

A professora afirma que uma das preocupações da TV é in-


tegrar toda a instituição de ensino. Mas, no início, a única
relação que havia com os outros cursos era de apurar uma
pauta em outros departamentos, entrevistar. Segundo Passos,
foi feita uma pesquisa sobre a visibilidade interna dos veículos
da UVV, na qual foi constatado que a comunidade acadêmica
não tinha costume de assistir à TV Rede UVV. Um dos moti-
vos desse desconhecimento era o fato de que muitas pessoas
viam a TV como algo do curso de Comunicação.

Para mudar essa situação, a procura de consultores de outros


cursos do centro universitário para participar dos programas
aumentou. O programa Palavras na mesa deu abertura para
projetos de professores. Passos comenta sobre essa experiên-
cia: “Um professor de Educação Física fez uma proposta de
seis programas para trazer entrevistados de fora. Só que ele
tinha que ser apresentador. Aí surgiu uma nova possibilidade
de aprendizado. Um aluno de comunicação dirigia o profes-
sor. Isso foi legal!”.

A TV Rede UVV possui técnicos para orientar os alunos e é


divulgada internamente por meio da rádio poste e outdoor.
Fora da instituição é feita mídia espontânea e propagandas
por meio da comunicação institucional. Os estagiários bol-
sistas ganham desconto na mensalidade. Para ganhar a bolsa
é preciso fazer uma prova prática e entrevista. O aluno deve
estar no mínimo no segundo período.

Passos ressalta que a programação tem que ter uma ligação

184
A televisão capixaba em panorâmica

com o lado reflexivo, promover formação e transformação.


Não pode estar limitada exclusivamente ao entretenimento.

Segundo Passos, uma das mudanças que a TV Rede UVV


vem sofrendo é a fuga do padrão televisivo encontrado na TV
aberta para uma maneira diferenciada de trabalhar com TV.
“A TV é um espaço de experimentação. Aqui os alunos vão
poder experimentar. No mercado, não sabemos como vai ser.
Se o aluno sai daqui com criatividade, pensando em quebrar
barreiras e paradigmas, vai ser legal, porque assim a gente vai
fazer uma TV comercial diferente, menos cansativa”, relata
Passos, que afirma ver a TV universitária como uma possi-
bilidade de praticar a teoria apresentada na sala de aula, de
experimentar e usar a criatividade.

TV Cefet

O Centro Federal Tecnológico, que atualmente não mais


faz parte do Canal Universitário, teve uma breve participação
na história da emissora. Era a única escola de ensino médio
em meio às instituições de ensino superior a compor o canal.
Toda a sua produção se resumiu a uma única atração, o TV
Cefet, um programa de variedades.

O estudante de Rádio e TV JB Souza produzia e cuidava da


parte técnica do TV Cefet, sendo auxiliado por estudantes e
profissionais da instituição. Na época, Souza ministrava aula
no curso de Radiojornalismo do centro tecnológico.

Segundo Souza, a questão financeira foi um grande entrave


na manutenção do Cefet como membro do Canal Universitá-
rio. Contudo, ao contrário do que muitos podem pensar, o “X
da questão” não foi a falta de verba. “Na verdade, o problema
não era falta de verba, e sim a necessidade de se fazer um pla-
nejamento para destinar essa verba”, diz Souza.

Ele aponta como grandes dificuldades para o bom anda-


mento dos trabalhos na TV a falta de um automóvel para fazer

185
Roda VT!

as externas. “Era difícil locar carro. Às vezes tinha carro, mas


não tinha motorista. Outras vezes, tinha motorista mas não
tinha carro”. De acordo com Souza, o fato de a TV Universitá-
ria ser veiculada somente pela TV a cabo foi também um fator
prejudicial. “As pessoas não assistiam ao Canal Universitário,
não viam o resultado do nosso trabalho, por isso elas não en-
tendiam porque nos dedicávamos àquilo”.

Apesar disso, Souza acha que a experiência foi válida. Para


ele, foi um período de muito aprendizado. “Cheguei a ajudar
a TV Ufes em trabalhos feitos no Centro Pedagógico e no la-
boratório do Cefet. Juntos, montamos uma equipe interdis-
ciplinar. Por isso, entrei em contato com coisas que eu não
conhecia.”

O Cefet se desvinculou do canal universitário no dia 31 de


março de 2003.

2 - A TV Comunitária de Vitória

Quase ninguém sabe da existência da TV Comunitária de


Vitória. Esse desconhecimento tem lá as suas razões. O canal,
que deveria ser veiculado pela NET, nunca levou ao ar nenhu-
ma produção. Existe apenas no papel.

Esse espaço para as TVs comunitárias, como mencionado


anteriormente, foi garantido pela Lei do Cabo. Em 1999, co-
meçou no Espírito Santo a discussão sobre a sua utilização.
Para debater este assunto, entidades da sociedade civil promo-
veram um seminário do qual participaram a então presidente
da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e um repre-
sentante da NET. “Fizemos esse debate porque entendemos
que foi uma luta do Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação incluir na lei de TV a cabo os canais de acesso
público”, diz Sueli de Freitas, assessora de imprensa do Sindi-

186
A televisão capixaba em panorâmica

cato dos Bancários e representante desta entidade na TV Co-


munitária de Vitória.

Além do debate, foram estudadas as experiências de outras


TVs comunitárias. “Pegamos experiências de muitos canais,
as melhores foram do Rio Grande do Sul e Santa Catarina”,
afirma David Protti, professor do Departamento de Comu-
nicação Social da Ufes, que na época era representante da As-
sociação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito
Santo (Adufes) no projeto.

No dia 07 de fevereiro de 2001, foi fundada a Associação


das Entidades da TV Comunitária de Vitória, formada prin-
cipalmente por Organizações Não-Governamentais (ONGs),
sindicatos e movimentos sociais. Eram cerca de 20 entidades,
dentre elas o Sindicato dos Bancários, Adufes, Centro Comu-
nitário José Silva, Organização e Sindicato das Cooperativas
do Estado do Espírito Santo, Sindicato dos Jornalistas, Sin-
dicato dos Previdenciários, Conselho Regional de Engenharia
e Arquitetura (Crea), Sindicato dos Engenheiros e Federação
dos Coros do Espírito Santo. Foi feito um estatuto, devida-
mente registrado. Segundo Protti, o documento prevê que os
associados têm direito a veicular suas produções, o que não
impede outras pessoas de participar. Ele destaca também a
exigência de haver uma comissão de ética.

No entanto, a estruturação do canal foi impossibilitada por


questões de ordem financeira. “É necessário ter alguém para
botar a programação no ar, tem que ter lugar para funcionar
como sede. Para manter a programação no ar precisa-se de
pessoas que se dediquem a essa atividade. Só que isso ocupa
muito tempo. As pessoas teriam que receber para isso”, rela-
ta Protti. “Precisaríamos montar uma estrutura básica para
o nosso sinal chegar até o cabeçal da NET. As fitas de vídeo
teriam que chegar até a NET, ter alguém lá para operar o vi-
deocassete, se fosse o esquema de usar esse aparelho. Tinha
uma outra opção, a de não usar o espaço da NET, e sim de

187
Roda VT!

uma entidade próxima, aí teria que ser feito um cabeamento


para a gente mandar o sinal pelo cabo. Enfim, foram algumas
questões de ordem técnica e operacional. Para fazer qualquer
coisa, até para comprar o videocassete tem que ter dinheiro”,
comenta Freitas.

De acordo com Freitas, cada entidade ficaria responsável


pela produção do seu material, já que seria difícil montar um
estúdio e disponibilizar equipamentos para todos. Segundo
Freitas, a associação entende que se a própria associação pro-
duzisse algo para o canal as entidades não teriam a possibi-
lidade de falar por si só, e sim, por meio de um terceiro, fato
que vai de encontro ao projeto de democratização da comu-
nicação.

Hoje existem outras provedoras de canais a cabo além da


NET. Para Freitas, seria importante a criação de TVs comu-
nitárias neles também, caso a associação conseguisse superar
seus problemas de ordem financeira. A assessora do Sindicato
dos Bancários ressalta a importância do debate sobre a TV di-
gital: “O Brasil está discutindo a questão da TV digital. É uma
discussão de ordem muito técnica, se é o modelo de televisão
japonês, europeu, estadunidense. Acho que quando falamos
em TV a cabo e, principalmente, de TV digital, que é algo mais
amplo porque pega a TV aberta, não devemos perder de vista
a inclusão social. Esse espaço da TV a cabo foi importante e
na discussão sobre TV digital temos que tomar cuidado para
não ficar somente num debate de ordem técnica e esquecer de
lutar pelo espaço de acesso para outras entidades, um espaço
que não seja dedicado às sete famílias que detêm o monopólio
da comunicação no Brasil”.

O papel de cada uma na democratização da comunicação

Afinal, qual é o papel de uma TV universitária? Para a pro-


fessora do curso de Comunicação Social da Universidade de
Santa Cruz Fabiana Piccinin, em seu artigo “TV Universitária:

188
A televisão capixaba em panorâmica

Telejornalismo Alternativo”, publicado no site da Intercom,


um dos objetivos é ser um canal de extensão universitária.
Muitas outras pessoas nos dariam a seguinte resposta: a TV
universitária tem como objetivo formar profissionais para o
mercado de trabalho, possibilitando o aprendizado de uma
profissão ao unir teoria e prática.

Não podemos deixar de lado a capacitação e o aprendizado


proporcionados pela TV universitária aos estudantes, mas li-
mitar a ela esse único papel é um equívoco. Esse tipo de pensa-
mento vai de encontro a tudo aquilo que uma TV universitária
representa, já que essa emissora é um elo entre a universidade
e a comunidade. Quando falamos em comunidade, não esta-
mos restringindo os serviços da TV universitária somente à
comunidade acadêmica, pois quando falamos em comunida-
de estamos abrangendo toda a sociedade.

A escritora e jornalista Marilene Felinto, no artigo “Escola es-


tadual de periferia: educação para coisa nenhuma”, publicado
na revista Caros Amigos de janeiro de 2006, retrata a realidade
das escolas estaduais da periferia de São Paulo, nas quais os
estudantes mal sabem diferenciar faculdade pública de facul-
dade privada, curso técnico de curso superior. Essa não é uma
realidade exclusiva do Estado de São Paulo, é uma realidade
brasileira. Para grande parte da população, a Universidade é
algo distante, do qual pouco se ouve falar e do qual pouco ou
quase nada se entende, que não se faz presente em suas vidas.
É fato que o saber científico deve ser democratizado, deve sair
de dentro da Universidade e ir ao encontro de quem está fora
dela, pessoas que possuem o direito de entrar em contato com
esse saber muitas vezes negado por aqueles que não deviam
ter o direito de guardá-lo somente para si.

Muitas instituições de ensino superior possuem projetos que


têm como objetivo atender às demandas da sociedade. Mas
várias pessoas que poderiam ser beneficiadas por esses pro-
jetos não têm acesso a eles pelo simples fato de não saberem

189
Roda VT!

de sua existência. As TVs universitárias, portanto, têm como


um de seus papéis levar essas atividades ao conhecimento do
público.

Além disso, essas emissoras são um espaço para que os estu-


dantes possam ousar, usar a sua criatividade em busca de algo
novo, mas sem perder a qualidade. Logo, quando se afirma
que a TV universitária é pura e simplesmente um laboratório
para preparar futuros profissionais dentro das normas ditadas
pelo mercado de trabalho há o risco de podar a criatividade e
fazer com que a emissora deixe de ser um veículo de caráter
formativo e informativo para ser aquilo que ela menos deveria
ser: uma mera cópia das TVs comerciais, com sua falta de qua-
lidade e total desrespeito ao telespectador. Contudo, muitos
universitários acham que fugindo do padrão em suas expe-
riências durante a Universidade não estarão aptos para tra-
balhar em algumas empresas depois de formados. Isso não é
argumento para não fazer algo inovador, pois quem consegue
aliar criatividade e qualidade consegue muito bem fazer aqui-
lo que todo mundo faz, apenas reproduzir o que já é feito.

Quem sabe, a chegada da TV digital possa iniciar uma nova


era para as TVs Universitárias, dando a elas a possibilidade
de ter seu espaço em canal aberto? Talvez estejamos sonhan-
do muito alto, mas acreditamos que com a inserção das TVs
Universitárias na TV aberta e a aceitação desse tipo de projeto
pelo público, as TVs comerciais sentir-se-ão obrigadas a refor-
mular a sua programação, melhorando a qualidade.

Contudo, para que isso aconteça, é necessário que as insti-


tuições de ensino superior tenham consciência do verdadeiro
papel de uma TV universitária, de que ela não é propriedade
da reitoria, do Departamento de Comunicação ou de determi-
nado professor. É preciso levar aos alunos o conhecimento a
respeito da TV, a respeito do seu funcionamento, estimular a
criação de projetos feitos pelos alunos e orientá-los.

190
A televisão capixaba em panorâmica

As TVs universitárias são um importante passo para a demo-


cratização dos meios de comunicação. Entretanto, democrati-
zar os meios não é simplesmente veicular uma programação
alternativa. A democratização deve existir também dentro da
própria instituição de ensino. A TV universitária não consiste
num veículo utilizado somente por estudantes de Comunica-
ção. Ela pertence a toda a comunidade acadêmica, devendo
lhe abrir espaço em sua programação. E essa contribuição não
deve se restringir a entrevistados ou pautas. A Universidade
deve participar de todo o processo, com orientação de profes-
sores e alunos de Comunicação Social.

E quanto à TV comunitária, o que dizer dela? Em meio a


todo o processo de criminalização dos movimentos sociais
que é feito pela grande mídia, é ela que dá direito de voz a
quem não é dada a oportunidade de se fazer ouvir.

Por meio dos canais comunitários se torna possível para a


sociedade ouvir o outro lado da história, teoria muito ensina-
da nas faculdades de Jornalismo, mas pouco ou mal praticada
em vários meios de comunicação. Conhecer melhor o traba-
lho de ONGs, movimentos sociais, sindicatos e outras entida-
des, estar a par da sua ideologia, enfim, entrar em contato com
tudo aquilo que a grande mídia não mostra.

Muitas dessas entidades produzem materiais aos quais só


têm acesso quem delas participa, pois não há canais de acesso
público nos quais possam ser veiculados. Portanto, quando se
tem uma ferramenta como a TV Comunitária de Vitória e a
sua utilização se torna inviável, quem perde não é somente as
entidades que deixam de exibir essas produções, mas toda a
sociedade.

Algumas TVs comunitárias brasileiras deram certo, outras


não. Podemos dizer o mesmo sobre as TVs universitárias. Con-
tudo, mesmo que muitos desses canais realizem seus trabalhos
de maneira proveitosa, todo o seu potencial estará acessível

191
Roda VT!

somente para a minoria da população, já que a maioria não


tem acesso à TV a cabo. Ou seja, essa é uma guerra que tem
várias batalhas a serem vencidas em prol da democratização
da comunicação.

Referências bibliográficas

PALACIOS, Luina Pêgo de. TV UNIVERSITÁRIA: O desafio


de ser um canal de comunicação com a comunidade fora do meio
acadêmico. Monografia – Curso de Especialização em Estudos
Avançados em Comunicação, Consultime Instituto de Ensino.
Vitória, 2004.

TORRES, Camila Menezes. Projeto de Programa para a TV


Universitária da Ufes com abordagem das atividades de exten-
são. Trabalho de Conclusão de Curso –Comunicação Social
– Jornalismo, Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória,
2005.

FELINTO, Marilene. Escola Estadual de Periferia: educação


para coisa nenhuma. Revista Caros Amigos, São Paulo, p.09,
jan. 2006. Ano IX, n.106.

MAGALHÃES, Cláudio. TV Universitária: uma Televisão Dife-


rente. Disponível em www.abtu.org.br. Acesso em: abr. 2006.

PICCININ, Fabiana. TV Universitária: Telejornalismo Alter-


nativo. Disponível em www.intercom.org.br. Acesso em: abr.
2006.

CARVALHO, Liandra Cássia. Inserção do jornalismo comuni-


tário na TV Universirtária: Programa 45 minutos. Trabalho de
conclusão de curso – Comunicação Social – Jornalismo, Uni-
versidade de Caxias do Sul. Caxias do Sul, 2003.

192
A televisão capixaba em panorâmica

Entrevistas

Cléber Carminati, professor do curso de Comunicação Social


da Ufes. Em 21 de março.

Dalva Ramaldes, professora do curso de Comunicação Social


da Ufes. Em 24 de março de 2006.

David Protti, professor do curso de Comunicação Social da


Ufes. Em 04 de abril de 2006.

Gilvan Rodrigues Gonçalves, funcionário da TVIX Comuni-


cações. Em 04 de abril de 2006.

Guilherme Santos Neves, coordenador do LAUFES. Em dia 05


de abril de 2006.

Ivana Esteves Passos, professora do curso de Comunicação


Social da UVV e Diretora da TV Rede UVV. Em 23 de março
de 2006.

JB Souza, estudante do curso de Rádio e TV da Faesa. Em 01


de abril de 2006.

José Weber Macedo, reitor da Universidade Federal do Vale do


São Francisco (UNIVASF). Entrevista concedida por e-mail.

Leonardo Basoni, estudante do curso de Comunicação Social


da Ufes. Em 08 de abril de 2006.

Marco Rost, professor do curso de Comunicação Social da Fa-


esa e Diretor da TV Faesa. Em 22 de março de 2006.

Maria José Pacheco, diretora de Produção da TV Ufes. Em 03


de abril de 2006.

Paulo Roberto da Silva de Souza, ex-secretário de Comunica-


ção e Divulgação da Ufes. Em 17 de março de 2006.

193
Roda VT!

Rafael Paes, jornalista. Em 08 de abril de 2006.

Ricardo Néspole Coutinho, professor do curso de Comuni-


cação Social da faculdade Estácio de Sá. Em 24 de março de
2006.

Siomary Souza Rodrigues, produtora da TV Ufes. Em 17 de


março de 2006.

Sueli de Freitas, assessora de imprensa do Sindicato dos Ban-


cários. Em 29 de março de 2006.

Tatiana Gianordoli, jornalista e primeira coordenadora da TV


Rede UVV, em abril de 2006.

Telma Elita Juliano Valente, professora do curso de Desenho


Industrial da Ufes. Em 20 de março de 2006.

194
Cruzando fronteiras – As TVs do
interior
Anny Giacomin, Dayane Freitas, Jackeline Gama e
Roberta Soares

C
onsiderando que as pessoas têm um certo preconceito
com a imprensa de interior, alegando amadorismo e
falta de independência, até que podemos dizer que nos
surpreendemos com o que “descobrimos”. É claro que tudo o
que é de praxe – carência de profissionais e equipamentos, dis-
putas políticas – nós também encontramos.

Acontece que, se não houvesse essas TVs, muita coisa in-


teressante que ocorre nessas cidades passaria despercebida. A
imprensa é o retrato de uma comunidade. O interior tem um
bairrismo muito forte, nele há situações diferentes das que
existem na capital. As mudanças que vêm acontecendo no jor-
nalismo interiorano não são somente na forma, mas também
no conteúdo. Isso graças a redações compostas por profissio-
nais cada vez mais dedicados e competentes.

As TVs do interior do Espírito Santo têm uma característica


peculiar: quase todos os profissionais que lá trabalham são de
fora da cidade. É claro que isso se deve, se não principalmente,
mas em grande parte, à falta de faculdades de Jornalismo e/ou
Rádio e TV nesses locais.

Uma coisa interessante que notamos ao tentar ‘desbravar’ e


‘desvendar’ as TVs do interior foi que os profissionais dessas
emissoras realmente gostam do que fazem. Muitos tiveram
que ultrapassar várias barreiras, como a distância da família,

195
Roda VT!

e hoje dão show de profissionalismo. Pena que algumas vezes


o trabalho correto é atrapalhado pela politicagem. A seguir, a
“viagem”pela aventura e pelo negócio da TV que existe para
além dos limites da Grande Vitória e que tem dois grandes
personagens: a Família Lindenberg e Rui Baromeu/fundações
e família.

TV Calango

A primeira transmissão feita por uma emissora local no


norte do Espírito Santo aconteceu em 30 de junho de 1995.
Neste dia entrou no ar, com sinal próprio, a TV São Mateus
– canal 12, atual TV Litoral, de caráter educativo, pertencente
ao empresário das telecomunicações Rui Carlos Baromeu.

Inicialmente com o sinal apenas para a cidade de São Ma-


teus, a emissora pioneira do Norte era uma geradora mista, ou
seja, parte da programação era feita com programas locais e o
restante do tempo era ocupado por programas de emissoras
de fora. Com cerca de 30 funcionários que desempenhavam
diversas funções, a TV São Mateus chegou a ter 11 progra-
mas locais ao vivo. “No início foi uma explosão muito baca-
na. Ninguém acreditava em uma emissora que estava quase na
divisa do estado. Foi coisa de paixão mesmo”, conta o antigo
editor de imagens da emissora, Antônio Cosme da Silva.

Quando foi inaugurada, a TV era carente de equipamen-


tos e infra-estrutura. Devido à falta do teleprompter, que só
chegou quase dois meses após a inauguração, seus apresenta-
dores eram obrigados a abaixar e levantar a cabeça para ler os
roteiros que ficavam em cima da bancada. Isso fez com que a
população local apelidasse a emissora de TV Calango.

Grande parte dos profissionais que começaram a traba-


lhar no novo empreendimento era de pessoas da própria re-

196
A televisão capixaba em panorâmica

gião. Muitos deles foram resgatados do rádio, outros vieram


de cursos realizados na Fundação Rui Baromeu • detentora
da concessão da TV e pertencente ao grupo familiar de seu
proprietário, Rui Baromeu. “A Fundação formou quase 200
profissionais nas áreas de cinegrafia, locução e apresentação.
Hoje, todos trabalham em grandes empresas. A TV São Ma-
teus foi uma TV escola”, afirma Baromeu.

Novo nome

Quando a TV São Mateus iniciou as atividades, ela era uma


geradora mista e seu sinal abrangia apenas a cidade de São
Mateus. “Como ela foi transformada em uma geradora pura,
por uma norma do Ministério das Comunicações e que o pre-
sidente da República outorgou, a TV São Mateus, hoje, pode
gerar imagens para o Brasil inteiro. Ela pode produzir 24 ho-
ras de programação, como qualquer outra televisão”, esclarece
Rui Baromeu.

A expansão de sua cobertura incentivou a mudança de


nome da emissora, que no final de 2004 passou a se chamar
TV Litoral. Agora ela também está inserida numa rede, a Rede
Sim (Sistema Integrado Multimídia), sociedade pertencente à
família Baromeu. É uma rede de 16 emissoras de rádio – AM e
FM – e duas televisões – TV Litoral e TV Colatina.

A mudança de nome veio acompanhada de mudanças na


grade de programação e na estrutura da emissora. A TV Lito-
ral teve sua sede reformada e algumas áreas receberam equi-
pamentos melhores. Com o slogan “TV Litoral – uma nova
TV”, a emissora tenta recuperar parte da credibilidade perdida
quando o seu controlador ingressou no campo político.

197
Roda VT!

“A política descredencia tudo”

Rui Baromeu trabalha há 25 anos com rádio, porque acha


que o veículo ajuda no desenvolvimento do país. Mas também
avançou para a área da TV e da política. Entre 1996 e 2000,
Baromeu foi prefeito da cidade de São Mateus, fato que trouxe
um enorme descrédito à sua emissora, segundo relatado pelo
próprio:

Eu só me desfoquei do sistema de comunicação quando en-


trei para a política. A área política atrapalhou o desenvolvi-
mento da televisão porque se criou uma ciumaria, criou-se
olho grande dos concorrentes. O homem que é de comuni-
cação não pode mexer com política, não pode ter dois ca-
minhos. Inclusive isso tira a credibilidade da emissora. As
pessoas falam: ‘Ah, aquela emissora pertence a um político,
é mentirosa’. Ou você escolhe entrar no meio de comuni-
cação, se isolar e abrir o coração para mandar uma notícia
correta, sem turbulência, ou você fica no meio da política.
Achavam que eu queria ter vôo político, mas não era. Eu
queria deixar uma marca na minha região, simplesmente
isso. Então eu me afastei da política. O meu foco é comuni-
cação. Os meus filhos estão envolvidos nesse processo, a mi-
nha família toda está envolvida; as pessoas que fazem parte
desse contexto são pessoas da área de comunicação, são pes-
soas focadas, que acreditam nesse projeto. [...] Eu saí desse
esquema político porque eu não tenho compromisso com
político nenhum, eu tenho compromisso é com a verdade,
com a comunicação, com o crescimento dela. Aqui pode vir
o comunista, o esquerdista, o direitista, o centrista. [...] O
envolvimento com a política descredencia tudo.

TV Colatina: “Queremos crescer”

A TV Colatina (canal 7), retransmissora da TV Educativa


(TVE), foi inaugurada em janeiro de 1998 com o objetivo de

198
A televisão capixaba em panorâmica

prestar serviços à população, contribuindo para o desenvolvi-


mento da região e formando opiniões.

Segundo o jornal Norte Notícias, da 1ª quinzena de junho de


2001, à página 6,

por meio da distribuição das concessões de canais de televi-


são, as TVs Educativas passaram a possuir receptoras mistas.
A idéia incentivou um grupo de Colatina na criação de um
projeto para a instalação de uma TV local e, posteriormen-
te, surgir a TV Colatina. [...] O que os Colatinenses não po-
deriam imaginar é que a empresa duraria apenas seis meses.
A falta de apoio dos empresários e das indústrias contribuiu
para aquele desfecho e o que foi conquistado com dificul-
dade deixou de existir. Passado algum tempo sem ir ao ar,
a TV Colatina voltou a funcionar. Uma equipe de Vitória,
munida de equipamentos, resolveu salvar a emissora e tudo
voltou a se normalizar, mas, mesmo assim, poucos deram
credibilidade à TV. [...] Somente no primeiro semestre de
2001 a emissora pôde reerguer-se novamente. A programa-
ção independente foi surgindo e a população mais uma vez
voltou a acreditar.

O relevo da Princesinha do Norte foi um outro obstácu-


lo enfrentado pela equipe da TV Colatina. Mesmo com um
transmissor novo, havia e ainda há dificuldade de abranger
totalmente todos os pontos da cidade, por conta da topografia
acidentada. Os morros fazem “sombra” nas áreas mais afas-
tadas e o sinal não chega a todos os bairros. São exemplos os
bairros Córrego do Ouro e Colúmbia. Para que eles tenham
acesso às imagens, uma torre tem que ser colocada lá.

E como nas outras TVs do Interior, outro empecilho para o


desenvolvimento da emissora foi a compra de equipamentos,
que são bastante caros, assim como a falta de mão-de-obra
qualificada.

No entanto, mesmo com todas as dificuldades, a TV Cola-


tina está em fase de expansão. A emissora está investindo em

199
Roda VT!

novos equipamentos: um link, para fazer inserções ao vivo em


seus programas, e um transmissor, para aumentar a potência.
Os investimentos estão orçados em R$ 45 mil.

Depois de uma reformulação em sua diretoria, a TV passa


por um momento de equilíbrio. De acordo com o diretor geral
da emissora, Marlon Dalcamin, a programação está sendo am-
pliada e a mentalidade também está sendo modificada. “Foca-
mos o profissionalismo e a qualidade do que vamos transmi-
tir aos nossos clientes. Quase toda nossa equipe participa de
cursos para melhorar o relacionamento interno. Temos vários
planos empresariais. Queremos crescer”, afirmou.

Dentro dos planos de expansão da TV Colatina, estão a


transmissão ao vivo das sessões da Câmara Municipal e a
ampliação da programação da emissora. Segundo Dalcamin,
todo esse esforço visa a recuperar a imagem da TV para que
alcance mais anunciantes e, conseqüentemente, possa colocar
mais programas no ar. Além disso, possa oferecer bons pro-
dutos para os telespectadores, ou seja, reforçar a programação
local.

Fatos marcantes

Um momento especial na história da TV Colatina foi a co-


bertura das eleições para prefeito em 2004. Desde os debates
até a apuração dos votos, tudo foi acompanhado pela equipe.

Durante a apuração foram mais de sete horas de transmis-


são – das 11 horas às 18h30, quando se deu o resultado final.
“Apesar do empenho, houve falhas, causadas pelas limitações
dos equipamentos e pela falta de alguns deles. Mas estamos
melhorando”, afirmou Dalcamin.

O telejornal colatinense está passando por mudanças. Ele

200
A televisão capixaba em panorâmica

tem a função de transmitir matérias locais, mas o foco começa


a mudar. Antes, era direcionado para a classe C, mas agora
querem abranger mais. Por isso, está sendo dado um maior
espaço para matérias de enfoque agrícola e empresarial, o que
satisfaz os interesses das classes A e B da cidade.

O programa Espaço Show com Jeane era um dos mais co-


mentados pelos colatinenses. Ele se destacava pela dança, pe-
ças teatrais (voltadas para o público infanto-juvenil) e sorteios
de brindes para a população.

Jeane também tinha um ajudante: um boneco chamado


Zanzinho, que foi tema de uma revistinha em quadrinhos no
último Natal. Hoje, o programa não está mais no ar. O último
foi exibido no dia 18 de março de 2006, antes de a apresenta-
dora deixar o estado e seguir para o norte do país.

Vínculos

A exemplo da TV Litoral, a TV Colatina também faz parte da


Rede Sim, pertencente ao grupo do empresário Rui Baromeu.
A concessão da emissora é da Fundação Educativa e Cultural
Vale do Rio Doce (Funevale), que não tem vínculo nenhum
com a Companhia Vale do Rio Doce.

Fontes que preferiram não ser citadas nos revelaram que um


dos sócios da Funevale é Rui Baromeu. Com relação a esse
assunto, Baromeu dá o seu ponto de vista:

A TV Colatina não é minha, ela é de uma outra Fundação


(Funevale) que nós damos também assistência. Não é por-
centagem, nós temos uma administração agora com essa
televisão. A TV Colatina é de uma Fundação, a Fundação
Vale do Rio Doce. Ela está com a nossa logomarca, porque
nós estamos fornecendo matéria. Eles são afiliados da Rede
SIM, são uma franquia nossa.

201
Roda VT!

Os Lindenberg chegam ao Norte

A TV Norte, com sede em Linhares, foi ao ar em caráter ex-


perimental no dia 05 de setembro de 1996, com objetivo de
sanar a carência de emissoras de televisão no Norte do Esta-
do. Depois de iniciar os trabalhos com sinal da TVE, o grupo
Ceolin buscou negociar com a Central Nacional de Televisão
(CNT), localizada no Paraná. Operou assim por cerca de qua-
tro meses, mas as negociações não obtiveram sucesso. Tam-
bém negociaram com a Record e até com a Globo, mas não
fecharam contrato.

Por fim, optaram pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT)


e operaram com o sinal desta emissora até o dia 31 de julho
de 1997. Na época, a programação local contava com noticiá-
rios como o Norte Notícia, apresentado pela jornalista Simone
Garcia, que ia ao ar às 19 horas, somente em Linhares, e dura-
va cerca de sete minutos. Outro programa era o Momento da
Notícia, apresentado por Hilton Júnior, com duração de um
minuto.

Mas o fato que chama a atenção é que a família Lindenberg,


proprietária da Rede Gazeta, que havia comprado a TV Norte
no dia 1º de abril de 1997, continuou repetindo o sinal do SBT
até o dia 1º de agosto do mesmo ano, quando entrou no ar
efetivamente a TV Norte com o sinal da Rede Globo.

Segundo o diretor da Rede Gazeta Regional Norte, Celso


Guerra, o período de abril a agosto de 1997 foi um laboratório
para treinamento jornalístico. Além disso, foram compostas
as equipes comercial e técnica. Enfim, foi o período de monta-
gem da televisão em Linhares.

Um ano depois de mudar de proprietários, a TV Norte foi


transferida para a nova sede, no bairro Três Barras, em Linha-
res – antes era localizada no prédio onde funcionava a Rádio
Cultura, na Lagoa do Meio. A partir desse momento ela pas-

202
A televisão capixaba em panorâmica

sou a se chamar TV Gazeta Norte.

Celestrini (2005, p. 85) nos conta como foi a primeira ma-


téria produzida pela TV Gazeta Norte e exibida na TV Gazeta
para todo o Estado:

A primeira matéria produzida pela Gazeta Norte e transmi-


tida pela TV Gazeta para todo o estado se tornou um dos
fatos mais marcantes na história da emissora em Linhares.
A pauta era uma denúncia acerca da criação de porcos nas
ruas do bairro Aviso. Durante a gravação, denunciante e de-
nunciado iniciaram uma discussão que culminou em uma
briga transmitida para todo o Estado.

Assim como grande parte das TVs do interior do Espírito


Santo, se não todas, uma das maiores dificuldades enfrentadas
foi a falta de profissionais qualificados na região. De acordo
com o gerente de operação e programações técnicas da TV
Gazeta Norte, Marcus Aurélio Gomes Pereira, uma situação
curiosa aconteceu quando a informação de que a emissora
estava selecionando novos profissionais vazou para a comu-
nidade. Pereira conta que uma fila enorme se formou, o que o
deixou apavorado. “Nunca vi tanta gente junta para conseguir
um emprego”, exclamou.

Hoje, boa parte dos profissionais daquela época já não se


encontra mais na emissora. Muitos alçaram vôos mais altos,
como repórteres que hoje trabalham em São Paulo e outros
estados. Outro exemplo é a repórter Juliana Esteves, que ini-
ciou sua carreira no norte e hoje é repórter da TV Gazeta.

“O interior vale como uma grande escola, primeiro porque


não tem a tecnologia, ou o suporte de recursos humanos para
te ajudar. Você tem que aprender. Você vai aprender fazendo.
Não pode dar errado porque é a mesma responsabilidade de
uma capital. Como escola, eu acho que vale muito a pena”,
comentou Esteves.

203
Roda VT!

Jornalistas que vieram de fora também passaram por difi-


culdades. A atual editora e apresentadora do ESTV 2ª Edição,
Sabrina Oliveira, é um exemplo. Natural do Rio de Janeiro, Oli-
veira destaca que, para cobrir uma cidade que não se conhece, é
muito importante a ajuda da equipe. “É preciso ler mais que as
outras pessoas, se inteirar da vida da comunidade. No início é
realmente difícil. Depois, você acostuma”, garantiu.

Em toda a sua história, desde quando pertencia ao grupo


Ceolin, a TV Gazeta Norte teve duas transmissões de grande
destaque. A primeira foi logo no começo de suas atividades,
quando a emissora transmitiu, ao vivo, o Micarense, carnaval
fora de época que acontecia na cidade de Linhares. Foram seis
horas de transmissão, em um período em que a TV Norte ain-
da retransmitia o sinal do SBT.

Outra transmissão de destaque, esta já com o sinal da Rede


Globo, foi a da missa pascal. A TV Gazeta Norte, em vez de
transmitir a missa do padre Marcelo Rossi, utilizou imagens
da missa de Páscoa da própria cidade de Linhares. A trans-
missão começou às quatro horas da manhã e, assim como o
Micarense, foi um sucesso entre a população local.

Jornalismo

A TV Gazeta Norte possui, hoje, uma sucursal multimídia.


A emissora contratou um repórter, que fica em Aracruz, norte
do Estado, que escreve para o jornal, produz para a televisão e
faz flashes para rádio. “Por exemplo, morreu alguém ‘impor-
tante’ em Ibiraçu. Esse repórter é a pessoa que vai lá, filma, faz
a matéria para o jornal e fala ao vivo na rádio. Ele é um faz-
tudo”, explica Celso Guerra.

A TV, inclusive, tem planos para expandir esse conceito do


futuro para outras cidades do norte do Estado. Com isso, ela

204
A televisão capixaba em panorâmica

pretende estar a menos de uma hora de distância de qualquer


fato importante, para que possa sempre dar em primeira mão
as notícias nos veículos de comunicação.

Os telejornais da TV Gazeta Norte seguem o mesmo padrão


da TV Gazeta. Hoje, a TV possui dois programas regionais:
ESTV 1ª Edição e o ESTV 2ª Edição. Além disso, contribuiu
com matérias para programas da TV Gazeta como Conexão
Geral, ES Comunidades e Bom Dia ES. Por algum tempo, a
emissora também manteve no ar o programa Norte Comuni-
dade, voltado exclusivamente para as comunidades da região.

Segundo Celso Guerra, o jornalismo da emissora não pode


falar de coisas que não sejam de interesse público. “Funciona-
mos com base em um tripé: a primeira perna é o factual rele-
vante. Aconteceu, é importante? Procura saber, que vai estar
no ar, não importa o que seja. A segunda é a defesa da comu-
nidade. Colocamos no ar o que provoca reações nas autorida-
des públicas, que vão se comprometer a resolver o problema e
vamos ficar de olho. E, por último, é a promoção da comuni-
dade, ou seja, mostramos o que ela tem de bom, no sentido de
promovê-la e ajudá-la a crescer e adquirir uma melhor condi-
ção de vida”, lembrou. A TV Gazeta Norte cresceu tanto, que já
deu um filhote. É o que você confere a seguir.

TV Gazeta Noroeste: Não foi mentira!

Apesar de ter sido inaugurada no dia 1º de abril de 2006, a


TV Noroeste (canal 9) foi uma realidade conquistada pela po-
pulação de Colatina. A cidade, que tem uma ‘disputa’ histórica
com o município de Linhares, se sentia aborrecida pelo fato de
a TV Gazeta Norte ter sido implantada em Linhares, e há mui-
to tempo reivindicava uma emissora própria. Essa ‘rivalidade’
foi relatada pelo diretor da Rede Gazeta Regional Norte, Celso
Guerra, durante a cerimônia de lançamento da nova emissora:

205
Roda VT!

“Quando eu vim aqui para o Norte, em uma conversa com o


Guerino Balestrassi (atual prefeito de Colatina), ele me falou
que quando procurado pelo diretor anterior, este pediu ajuda
para que ele estimulasse outros empresários a anunciarem na
TV porque só haviam cinco anunciantes. Então, o Guerino
pediu o nome dessas empresas para que ele pedisse que pa-
rassem de anunciar na TV Norte porque a TV era de Linhares.
É claro que isso com muito bom humor, mas isso, de certa
maneira, revelava o desejo ardente da cidade de possuir a sua
própria emissora”.

A princípio, funcionando apenas como retransmissora da


TV Gazeta Norte, a sucursal de Colatina, assim como o pró-
prio município anos antes, se emancipou de Linhares. Adotou
o nome TV Gazeta Noroeste e se transformou no quarto canal
de televisão da Rede Gazeta no Espírito Santo e a 120º afiliada
da Rede Globo no Brasil. O diretor-geral da Rede, Carlos Fer-
nando Lindenberg Neto, Café, disse que a nova emissora faz
parte do plano de expansão da empresa e dará continuidade
ao trabalho desenvolvido pela Regional Norte.

De acordo com Guerra, a concessão da TV Gazeta Noroes-


te foi disputada em um leilão no qual o Grupo Lindenberg
perdeu para o Grupo Locatelli. Contudo, depois de várias
negociações, os Locatelli transferiram 49% da concessão para
a Rede Gazeta, de quem serão sócios por um período de cin-
co anos, até que a legislação permita a transferência total da
concessão. Segundo Guerra, quando se compra uma conces-
são nova, tem-se um prazo em que pode haver a transferência
de até 49% da propriedade e que cinco anos depois se pode
transferir os 51% restantes.

Provisoriamente, a TV Gazeta Noroeste começou a funcio-


nar em uma sala no shopping de Colatina. Porém, a sede da
emissora está em construção no bairro colatinense de Anchie-
ta, com previsão para ficar pronta em agosto de 2006.

206
A televisão capixaba em panorâmica

A nova TV tem direito a cinco horas de programação diá-


rias. A princípio, a produção da emissora é transmitida apenas
no ESTV 2ª Edição e por um sinal ainda gerado na TV Gazeta
Norte, em Linhares, onde há um controle mestre. “Aqui (TV
Gazeta Norte) vai ser gerado um sinal para Linhares e outro
para Colatina” explica o gerente de operação e programações
técnicas da TV Gazeta Norte, Marcus Aurélio Gomes Pereira.

A grande novidade da TV Gazeta Noroeste é o ESTV 3ª Edi-


ção, exibido às três horas da manhã. O telejornal faz um apa-
nhado geral de toda a programação das TVs da Rede Gazeta.

TV Gazeta Sul: proximidade com a comunidade

No ar desde o dia 1º de janeiro de 1988, a então TV Ca-


choeiro, situada no município de Cachoeiro de Itapemirim, a
134km da capital, pertencia ao empresário Idalécio Carone,
que ganhou a concessão juntamente com o político e ex-pre-
feito da cidade Theodorico Ferraço.

Segundo Bitti e Anderson (2000, p. 79),

a história da TV Cachoeiro começa quando o empresário


Idalécio Carone e Theodorico Ferraço ganham a concor-
rência para o canal 10, que transmitia as imagens da TV
Gazeta/Rede Globo. Deu-se, então, um impasse: Carone
e Ferraço tinham pretensão de ter a programação da TV
Globo, mas esta, por contrato, pertencia em toda área do
Espírito Santo à TV Gazeta, que não queria que as imagens
da geradora carioca saíssem de uma região tão importante,
como é o sul do estado. Em função disso, houve uma asso-
ciação que atendeu aos interesses de ambas as partes, com
Idalécio Carone comprando em seguida a parte pertencente
a Theodorico Ferraço.

De acordo com o secretário-executivo do Conselho Admi-

207
Roda VT!

nistrativo e ex-diretor da Rede Gazeta, Carlos Fernando Mon-


teiro Lindenberg Filho, o Cariê, algum tempo depois ele foi
procurado por Carone e por Ferraço para ser sócio da emis-
sora. “A Gazeta também tentou ganhar a concessão para o
Sul, mas quem ganhou foi o Carone e ele sabia que tínhamos
interesse nessa região, tanto que veio nos oferecer sociedade.
A mesma coisa aconteceu em Linhares onde nós tentamos,
mas quem ganhou foi um político muito influente naquela
região”.

A infiltração de políticos nos meios de comunicação não é


algo novo. Muitos deles, principalmente deputados e senado-
res, têm, em suas áreas de influência, emissoras de rádio e TV.
Cariê disse que no tempo da conquista da concessão da TV
Gazeta e da Gazeta Sul, por exemplo, o processo de concorrên-
cia era totalmente político, não eram levados em consideração
aspectos como o projeto técnico para formar uma emissora.
O que importava era ser influente no meio político, ou seja,
quem ganhava a concessão era quem tinha o maior número
de “políticos padrinhos” ou “amigos” do ministro das Comu-
nicações.

Idalécio Carone estava acostumado às concessões públicas.


Segundo Cariê, ele já obteve algumas, tanto de rádio quanto
de TV, inclusive foi dada a permissão para montar a Rádio
Difusora de Cachoeiro de Itapemirim, famosa por ser o veí-
culo em que Roberto Carlos iniciou sua carreira. Por ser um
empresário eclético, ele via um bom negócio tanto em uma
concessão quanto em uma pizzaria. Cariê o definiu como um
“cara esperto”, não no sentido pejorativo, mas sim como um
homem de visão, que conseguia enxergar em negócios dife-
rentes boas oportunidades financeiras.

Assim, depois de firmada a sociedade em que Carone tinha


a concessão e a Rede Gazeta os equipamentos e funcionários,
foi ao ar a TV Cachoeiro. Alguns anos mais tarde, no fim da
década de 1990, a Rede Gazeta decidiu comprar a parte de Ca-

208
A televisão capixaba em panorâmica

rone e ser a proprietária exclusiva da rede. Surge, assim, a TV


Gazeta Sul.

Essa atitude foi motivada por alguns aspectos. De acordo


com o atual chefe de reportagem da TV Gazeta e ex-editor
chefe da Gazeta Sul, Luiz Veiga, a TV, como instrumento social
de denúncia e de serviço público, não era prioridade de Caro-
ne. Para ele, o que interessava mais era seu caráter político.

Veiga conta que logo que ele foi para Cachoeiro, a Câmara
de Vereadores fez um protesto contra a Gazeta Sul. O presi-
dente da Câmara na época fez um discurso em que dizia que
a nova gestão da TV tinha que ser expulsa da cidade porque
não estava atendendo aos interesses dos parlamentares. Veiga
acredita que isso aconteceu porque a TV não queria cobrir
uma simples pintura que havia sido feita no prédio da Câma-
ra, em que foram gastos R$ 150 mil. Segundo ele, antes esse
tipo de cobertura era feita. Tudo o que servisse para promover
o nome dos vereadores e do prefeito era divulgado na TV.

Um outro episódio, no mínimo engraçado, aconteceu com


o antigo editor-chefe nas suas primeiras semanas na Gazeta
Sul. Andando pelas ruas da cidade, ele foi parado pelo prefei-
to, que dizia que ele não era seu amigo porque não ia à casa
dele. Veiga, como bom jornalista, disse que não poderia fazê-
lo, já que seu dever era manter o afastamento necessário para
poder exercer sua profissão sem nenhum comprometimento
político.

Algo que o marcou muito também aconteceu nos primei-


ros meses em que ele estava no Sul. Houve uma intoxicação
generalizada com maionese em um colégio da cidade e o pro-
prietário pediu que a matéria não fosse veiculada porque ele
era anunciante da emissora. Veiga disse que a matéria seria
feita de qualquer maneira porque era um episódio que havia
afetado muitas pessoas. O dono do colégio reclamou e disse
que antes as coisas não eram dessa maneira. Mesmo assim a

209
Roda VT!

matéria foi divulgada. Tempos depois, o empresário comen-


tou com o então editor-chefe que foi muito importante ele ter
insistido em divulgar o assunto, que a TV tinha todo o direito
de denunciar e os denunciados de se defender.

Todos esses fatos fizeram com que Veiga percebesse como


a política estava impregnada em todas as instâncias e como
ainda havia laços de protecionismo entre os órgãos públicos e
privados de Cachoeiro.

Justamente por não haver um caráter empresarial e sim o


caráter político mais pessoal, não houve grandes investimen-
tos tecnológicos na emissora. Enquanto em Vitória já se usava
Betacam, lá ainda se usava U-matic (confira anexo). Quando
a sede precisava de uma matéria de Cachoeiro, as imagens
vinham sem definição, as fitas usadas já tinham mais de 10
anos e muitas estavam amassadas. Com isso, muitas matérias
se perdiam. Quando era preciso mandar matérias para o Jor-
nal Nacional, não havia condições, pois a qualidade era muito
ruim.

A situação ficou cada vez mais difícil, já que a emissora não


tinha as mínimas condições para colaborar com matérias e
sugestões de pauta para a Globo. Esse talvez tenha sido um dos
motivos pelos quais Carone vendeu sua parte na antiga TV
Cachoeiro.

De acordo com Veiga, toda a estrutura que existia servia


apenas para atrapalhar a vida dos jornalistas. Não havia co-
municação entre a sala do editor, que ficava de um lado e a
redação, que ficava do outro. Não havia integração. O estúdio
ficava no terceiro andar, a redação no segundo e a copiado-
ra no primeiro andar. Então, escrevia-se o texto no segundo
andar, copiava-se no primeiro e depois se seguia para o ter-
ceiro, onde aconteciam as gravações. Quando a Rede Gazeta
assumiu o controle total da emissora foi feita uma reforma no
prédio e a redação foi unificada.

210
A televisão capixaba em panorâmica

Dentro desse quadro de grandes mudanças, foram com-


prados equipamentos novos como Dvcam (confira anexo) e
ilhas de edição. Isso possibilitou que a Gazeta Sul passasse a
contribuir com mais matérias, tanto para Vitória quanto para
a Rede Globo. Antes, se a redação de Vitória quisesse cobrir
algum acontecimento naquela região, teria que deslocar suas
próprias equipes. Foram adquiridos também novos carros de
reportagem.

“Era até engraçado, porque quando eu cheguei a Cachoeiro


não tinha coragem de colocar os repórteres nos carros, que
eram verdadeiras sucatas e tinham pneus carecas. Havia até
mesmo um Ipanema ano 82, toda sucateada. Nessas condições
seria perigoso enviar os jornalistas para lugares mais distan-
tes”, emendou Veiga.

Como já foi dito, não havia uma grande preocupação por


parte do antigo administrador em investir tanto em equipa-
mentos mais novos, quanto na contratação de profissionais.
Veiga relata que, quando assumiu seu cargo, não havia nenhum
jornalista formado atuando. Além disso, os grupos de trabalho
eram pequenos. Havia uma equipe de repórteres pela manhã,
outra à tarde, um apresentador de manhã, outro à tarde, três
cinegrafistas, um produtor e dois editores de imagens.

A primeira ação foi, logicamente, contratar profissionais di-


plomados no lugar daqueles que não tinham formação especí-
fica na área. Assim, foram integrados ao quadro de funcioná-
rios mais um pauteiro e outra equipe de repórteres.

Para Luiz Veiga, o mais impressionante era o distanciamen-


to que havia entre o jornalismo e a comunidade. Segundo ele,
em Vitória os telefones não param de tocar com denúncias,
reclamações e sugestões de pauta das pessoas. “É quase im-
possível conseguir ler um jornal inteiro”, disse ele. (Durante a
entrevista ele disse estar estranhando o fato de o telefone não
tocar enquanto falava, mas só foi esperar um pouco para o

211
Roda VT!

barulhinho começar).

Já em Cachoeiro, era o contrário. Durante todo o dia os tele-


fones não tocavam e isso foi, para ele, a maior prova do distan-
ciamento que existia entre a emissora e a comunidade. “Uma
TV que não é procurada é porque não representa os interesses
da sociedade”, afirmou.

Foi aí, então, que surgiu a proposta de se fazer um trabalho


de aproximação por meio de sucursais itinerantes no interior
de Cachoeiro e dos municípios próximos, como Marataízes.
O repórter ficava um mês morando na comunidade para ten-
tar conhecer a realidade local e trazer assuntos daquela região
para a redação. Essa proposta foi um sucesso e acabou tornan-
do a população parceira do jornalismo.

O que deixou Luiz Veiga mais emocionado durante sua


passagem pela Gazeta Sul foi mesmo essa proposta de apro-
ximação com as comunidades. Além das sucursais itinerantes
houve a proposta de se fazerem reuniões em cada comunidade
para tentar aproximá-las do jornalismo. Então, como autor da
idéia, ele ia pessoalmente à casa das pessoas entregar os con-
vites. Eram convidados de empresários a presidentes de as-
sociações comunitárias. Quando não havia um representante
constituído, alguém que fosse referência para os moradores
era chamado e muitas vezes eram pessoas realmente muito
pobres.

O ex-editor chefe permaneceu em Cachoeiro de Itapemirim


por dois anos. Quando ele voltou para Vitória para assumir o
cargo de chefe de reportagem da TV Gazeta a equipe já esta-
va estruturada e já havia uma linha de trabalho estabelecida.
Com maior participação da comunidade, agora é mais fácil
cobrar, ir atrás das irregularidades e denunciar. O que antes
era impossível de se fazer, como inserir matérias em rede, já
é feito. A Rede Globo pede muitas matérias, principalmente
para o programa Globo Rural. Além disso, a TV está expan-

212
A televisão capixaba em panorâmica

dindo sua atuação com o novo esquema de divisão de sinal.


Hoje, a Gazeta Sul está cobrindo os municípios de Venda Nova
do Imigrante, Iúna e outras cidades próximas, que antes rece-
biam o sinal da TV Gazeta.

Essa regionalização da TV foi muito importante porque a


grande tendência é realmente tratar dos assuntos que inte-
ressam à comunidade local. Além disso, de acordo com Luiz
Veiga, essa é a melhor escola de jornalismo para os recém-for-
mados, pois no interior se faz tudo e há um espírito muito
forte de grupo. Mesmo que os equipamentos fossem novos,
eles eram semi-amadores se comparados aos da TV Gazeta,
até porque como no Sul não há tanto lucro como em Vitória, o
investimento tem que ser menor. Isso fez com que a equipe se
unisse mais em prol da causa, as pessoas trabalham para fazer
o melhor mesmo com certas dificuldades. Também pelo fato
de ser uma emissora pequena, o acompanhamento do traba-
lho é maior, o repórter pode crescer muito.

De acordo com o atual diretor de Jornalismo e editor-chefe,


Emerson Cabral, a equipe que trabalha hoje é formada por ele,
dois editores de texto e apresentadores, dois produtores, qua-
tro repórteres, quatro cinegrafistas, quatro editores de ima-
gem e um auxiliar de estúdio.

Na época, eram produzidos em Cachoeiro um bloco do Bom


Dia ES, dois blocos do ESTV 1ª Edição e dois blocos do ESTV
2ª Edição. Atualmente, o bloco do Bom Dia ES não é mais pro-
duzido por causa dos poucos recursos disponíveis. A emissora
preferiu priorizar os outros dois jornais.

Hoje, a TV Gazeta Sul produz cerca de 25 minutos exclusivos


de jornalismo. No ESTV 1ª Edição o primeiro bloco é estadual,
os dois do meio são locais e o último bloco volta a ser estadual.
No ESTV 2ª Edição, o primeiro bloco é estadual, com duração
de quatro minutos e os outros dois são locais, o que resulta em
mais ou menos quatro minutos e meio para cada um. E como

213
Roda VT!

em Cachoeiro o número de anunciantes é menor do que em


Vitória, há mais espaço para as notícias.

Além dos dois jornais, a Gazeta Sul ainda produz o ESTV


Resumo, exibido diariamente às 21h45. Apresentado por Pau-
lo Henrique, o programa tem duração de 40 segundos a três
minutos, em que são relatados os principais fatos do dia.

TV Sul – uma incógnita

Localizada no município de Cachoeiro de Itapemirim, a


TV Sul retransmite a TV Cultura de São Paulo. Seguindo a
mesma linha desta, a emissora capixaba produz programas,
principalmente, de serviços. Com oito produções locais, a TV
Sul engloba temas como saúde – um exemplo é o programa E
agora doutor?.

Oportunidades é um programa em que são discutidas as


potencialidades do Espírito Santo no setor de empregos. No
Painel Popular são debatidos temas variados e o Nosso Campo
trata de questões do meio rural. Além desses, existem o Chá
da Tarde, programa feminino no estilo “Ana Maria Braga”, e
alguns programas religiosos que transmitem missas e cultos
cristãos.

Não foi possível ao grupo obter mais informações tanto so-


bre a história da criação da emissora, quanto de sua progra-
mação atual e das mudanças ocorridas ao longo do tempo.
A alegação é a de que a única pessoa que tem o poder de dar
entrevistas é a presidente da empresa, que no momento da
apuração, em março e abril de 2006, encontrava-se viajando
para o exterior.

Nem mesmo o diretor da TV Sul ou a diretora financeira da


empresa puderam prestar mais esclarecimentos. As únicas in-

214
A televisão capixaba em panorâmica

formações conseguidas nos foram passadas por telefone pelo


chefe de jornalismo, Ramon Barros, alguns dias antes de os
autores saberem que não conseguiriam mais detalhes.

TV Guarapari – de repetidora a produtora

Em meados dos anos 1990, durante a programação da Rádio


Band FM no município de Guarapari, o político e ex-radialis-
ta Hugo Borges procurou o jornalista e dono da rádio, Ricardo
Conde, e lhe propôs a montagem de uma TV na região: a TV
Guarapari.

Conde, num primeiro momento, disse não haver recursos


para isso, mas Borges firmou o compromisso de financiar a
TV. Os dois inauguraram a emissora em 19 de setembro de
1998, data de comemoração do aniversário da cidade. Afiliada
à TVE do Rio de Janeiro, a TV Guarapari é transmitida pelo
canal 9 e seu sinal abrange apenas o município que dá nome
à emissora.

Ainda que Hugo Borges diga que a TV é produtora, já que


preenche 30% do horário com programação local, uma carac-
terística que a iguala às demais redes de televisão de pequeno
porte é o baixo investimento em equipamentos como câmeras
e ilhas de edição, carros de reportagem e programas inovado-
res.

A falta de patrocinadores seria uma justificativa óbvia, mas


tanto Governo, secretarias de Estado, quanto anunciantes
locais dão suas cotas de patrocínio. A resposta dos donos da
emissora é a de que, ainda no ano de 2006, além de comprar
novas câmeras e equipamentos, pretendem ampliar o sinal
da TV, de forma a atingir toda a Grande Vitória e, inclusive,
transmitir via satélite.

Em seu primeiro ano no ar, a TV Guarapari apenas repe-


tia a programação da TVE do Rio de Janeiro. Depois come-
çou a lançar seus próprios programas, como o Guarapari em

215
Roda VT!

Foco, uma revista semanal que tinha três horas de duração.


Era constituída por entrevistas em estúdio e reportagens de
rua. Também fazia parte da grade o Vídeo Rádio, programa
comandado por Érika de Carvalho, que exibia clipes e músi-
cas, bem ao estilo MTV.

Passado algum tempo, a emissora encontrou-se em dificul-


dade financeira para manter toda a programação local exis-
tente, tanto que, se antes contava com 40 profissionais, hoje
são apenas 22 (contando com o pessoal da limpeza). Os di-
retores da TV tiveram que acabar com alguns programas, en-
tre eles os acima citados e A Voz do Campo, Debate Verdade e
Missa no Lar.

Um programa que existe até hoje, e pelo jeito a diretoria


não abre mão, é o Ponto de Vista. É um programa opinativo,
de três minutos, e vai ao ar diariamente. Nele, Hugo Borges e
o vereador Ricardo Conde se intercalam na apresentação de
comentários a respeito de assuntos gerais.

“Guarapari em Foco, por ser um programa de três horas, ge-


rava um gasto muito grande devido à exigência de pessoal e
material para gravação. A TV passou por uma crise e preci-
sou demitir funcionários e extinguir alguns programas, como
é o caso desse. O custo da TV é alto. Existem empresários de
Guarapari que não têm consciência do retorno. Fechamos
alguns contratos, mas com sacrifício de persuasão”, afirma o
supervisor de operações técnicas e diretor de imagem, Ângelo
Máximo de Jesus.

Outro programa da TV é o Nosso Estilo, criado na mesma


época que o Guarapari em Foco e, portanto, um dos primei-
ros programas. Apresentado por Alfredo Gini, Nosso Estilo é
voltado para divulgação de eventos da alta sociedade local e
mantido exatamente pela divulgação dessas badalações.

O mais recente dos programas é o Família Benção de Deus.


No ar há dois anos, trata-se de um programa evangélico, da

216
A televisão capixaba em panorâmica

Primeira Igreja Batista de Guarapari. Transmitido aos sába-


dos, é apresentado pelo pastor Doronézio Andrade.

Telejornalismo

No dia 02 de janeiro do ano 2000, a equipe da TV conquistou


o grande objetivo de colocar no ar seu mais sonhado projeto:
o Jornal Guarapari, que era transmitido ao vivo, de segunda a
sábado, das 19h30 às 20 horas. Atualmente ele é apresentado
por Josiane Gualberto. Dentro do noticiário existem quadros,
como Casos de Polícia, Jornal Guarapari Esporte e De olho na
Cidade. Neste, Ricardo Conde vai às ruas para cobrir aspectos
bons e ruins de Guarapari.

Ângelo Máximo de Jesus, que já foi cinegrafista de estúdio e


de externa, cultiva um carinho enorme pelas matérias já pro-
duzidas, apesar de não especificar uma. Ele se perde ao tentar
pensar qual foi a mais importante ou mais gratificante, pois
foram muitas, que abrangeram fatos policiais, futebol, elei-
ções, carnaval.

Uma curiosidade ou um fato lamentável a respeito do setor


administrativo da TV é que quem é formado em jornalismo
e faz parte da equipe não é contratado como jornalista, e sim
como radialista. “O piso salarial para o repórter com forma-
ção acadêmica é muito elevado”, explicou Érika de Carvalho,
que iniciou sua carreira como radialista e hoje faz parte da
produção executiva da emissora, sendo repórter, mesmo sem
ter graduação em Jornalismo.

No segundo ano de seu funcionamento, a TV tentou exibir


um programa infantil, que não vingou. O nome seria Show
da Manhã, e teria um apresentador local para direcionar os
desenhos disponibilizados pela TVE do Rio de Janeiro. Foram
feitas apenas vinhetas. A intenção era montar um auditório,

217
Roda VT!

mas era necessário um estúdio maior, impossível para as con-


dições da empresa.

Na tentativa de substituir o Vídeo Rádio, foi lançado outro


programa, o No Ar. Seu público-alvo eram os adolescentes.
Mas, por causa da situação financeira da TV, muito abalada
por volta do ano de 2002, o programa também acabou.

“No Ar era veiculado de segunda a sábado e tinha 30 minu-


tos de duração, só que seu custo era maior porque era gravado
em estúdio, necessitava então de cenário e de mais pessoal. Eu
fazia as aberturas e entrevistas do Vídeo Rádio em externa, o
que não gerava tantas despesas”, declarou Érika de Carvalho.

Impressões que ficam

As TVs do interior, de certa maneira, são diferentes. Elas


comportam os sonhos, as esperanças e o suor daqueles que
nelas trabalham. Não que as TVs dos grandes centros tam-
bém não sejam assim, mas a atmosfera é diferente. No interior,
cada dia é um novo desafio, cada pauta é um desbravamento.
As condições que são impostas aos profissionais fazem com
que as batalhas vencidas tenham o maravilhoso gosto de su-
peração dos obstáculos.

A tendência é que, cada vez mais, os veículos de comuni-


cação se voltem para os problemas e características locais – o
famoso regionalismo. E quem sai ganhando com isso é a po-
pulação, que sente o jornalismo mais perto de si, tratando de
seus problemas e cobrando as devidas soluções. Mas ganha
também o profissional de comunicação, que aprende que os
preceitos do jornalismo nunca devem ser esquecidos, princi-
palmente numa cidade de interior.

218
A televisão capixaba em panorâmica

Referências bibliográficas

BITTI, George e ANDERSON, Priscila. A Festa da TV. Livro-


reportagem sobre a História da TV no ES. Vitória, 2000. (mi-
meo)

CARVALHO, Marcelle de Almeida. A evolução do Telejornalis-


mo no Espírito Santo – A busca por uma identidade nacional.
Faculdade de Educação e Comunicação Social – Faesa. Vitó-
ria, 1991.

CELESTRINI, Joelma. Imprensa Linharense: 50 anos de histó-


ria. Vitória, 2005.

Código de Ética do Jornalista. Federação Nacional dos Jornalis-


tas. Disponível em: http://www.fenaj.org.br/Leis/Codigo_de_
Etica.htm. Acessado em: abr. 206.

Exercício do jornalismo depende de preenchimento de requi-


sitos. Notícias do Tribunal Superior do Trabalho. 28 out. 2004.
Disponível em: http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/no_noticias.
Exibe_Noticia_Raiz?p_cod_area_noticia=ASCS&p_cod_no-
ticia=4690. Brasília. Acessado em: abr. 2006.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo:


Companhia das Letras, 1995.

Jornal Norte Notícias. Página 6. 1ª quinzena de junho de 2001.

Revista Sim. Ano I, nº 01. Junho de 2005.

Revista Sim. Ano II, nº 03. Fevereiro de 2006.

Revista Sim. Ano II, nº 04. Março de 2006.

TST reconhece que diploma e registro são fundamentais para


profissão. Federação Nacional dos Jornalistas, Brasília, 03

219
Roda VT!

nov. 2004. Disponível em: http://www.fenaj.org.br/materia.


php?id=211. Acessado em: abr. 2006.

ZUPIROLI, Claudismar. Diploma é constitucional. Federação


Nacional dos Jornalistas. Brasília, 14 dez. 2001 Disponível em:
http://www.fenaj.org.br/diploma/constitucional.htm. Acessa-
do em: abr. 2006.

Entrevistas

Aldeir Rodrigues, jornalista. Em abril de 2006.

Antonio Cosme da Silva, cinegrafista. Em 21 de março de 2006.

Ângelo Máximo de Jesus, supervisor de operações técnicas e


diretor de imagem da TV Guarapari. Em 07 de abril de 2006.

Carlos Fernando Monteiro Lindenberg Filho, escritor, mem-


bro do conselho diretor da Rede Gazeta e ex-diretor da rede.
Em 04 de abril de 2006.

Celso Guerra, diretor regional da TV Gazeta Norte. Em 21 de


março e 1º de abril de 2006.

Cristiane Trevizane, jornalista. Em 20 de março de 2006.

Daniela Abreu, jornalista. Em 1º de abril de 2006.

Emerson Cabral, jornalista. Em 24 de março de 2006.

Érika de Caravalho, jornalista. Em 07 de abril de 2006.

Guerino Balestrassi, prefeito de Colatina. Em 1º de abril de 2006.

Hugo Borges, diretor da TV Guarapari. Em 23 de março de 2006.

Luiz Veiga, jornalista. Em 29 de março de 2006.

220
A televisão capixaba em panorâmica

Juliana Esteves, jornalista. Em 1º de abril de 2006.

Marcus Aurélio Gomes Pereira, gerente de operação e progra-


mações técnicas da TV Gazeta Norte. Em 21 de março de 2006.

Marlon Antônio Calcamin, diretor-geral da TV Colatina. Em


18 de março de 2006.

Núbia Prado, jornalista. Em 1º de abril de 2006.

Sabrina Oliveira, jornalista. Em 21 de maço de 2006.

Ricardo Conde, jornalista. Em 20 de março de 2006.

Rui Carlos Baromeu, controlador da TV Litoral. Em 29 de


março de 2006.

Yosadara Cunha, jornalista. Em 21 de março de 2006.

Anexo

U-MATIC - sistema de videocassete inventado em 1970 pela


empresa japonesa Sony e lançado comercialmente em 1974.
Apesar de ter sido concebido para uso doméstico, o sistema
U-MATIC demonstrou ser viável para as emissoras de tele-
visão, pois trazia um conceito moderno de edição eletrônica.
Antes, eram usadas câmeras com filmes 16mm que deveriam
ser revelados e depois montados. Muitas vezes, os cortes feitos
provocavam “pulos” nas imagens, com a edição eletrônica, os
cortes foram eliminados.

DVCAM - O formato DV (Digital Video) surgiu da união


das empresas Hitachi, JVC, Mitsubishi, Panasonic, Sanyo,
Sharp, Sony, Thompson, Toshiba e Philips. Essas empresas se
juntaram e formaram, no final de 1993, um grupo de desen-
volvimento de tecnologia de suporte para televisão digital, que

221
Roda VT!

engloba desde os processos de captação até o armazenamento


das imagens (gravação e edição). Durante o desenvolvimento
tecnológico houve uma preocupação com os padrões a serem
adotados. No início do desenvolvimento do formato DV, a ex-
pectativa era que esse formato fosse utilizado pelas dez em-
presas de tecnologia eletrônica, mas no final, surgiram outros
três sistemas a partir do DV: o DVCAM da Sony, o DVPRO da
Panasonic e o Digital-S da JVC.

222

Você também pode gostar