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Sumário

AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
EPÍLOGO
BÔNUS
REDES SOCIAIS
OBRAS DA AUTORA
Desde a copa do mundo (quem nos acompanha sabe que temos um
"fraco" por futebol, sempre presente nos livros por um time "A" que tal
personagem torce, ou um bolão pra incentivar as leitoras a torcerem pela
seleção) nós pensamos "por que não juntar duas coisas que nós amamos:
futebol e romance?" Ah, para Ane é tão clichê! Sim, é, mas o que são os
romances além de eternos clichês? Então, preparamos o roteiro e... Adiamos!
Pois é, estava tudo "ok", mas não parecia o momento certo. Agora, deixamos
os questionamentos de lado, e decidimos escrever sobre o nosso jogador e a
sua amada.
Nosso agradecimento especial, dessa vez, vai para J., G. e T.
Meninos, vocês nos suportam gritando loucamente por um time que não é o
de vocês e mesmo assim nos amam. Por tirarem nossas dúvidas e ajudarem a
compor o Arthur, por ouvirem nossas ideias e por nos apoiarem: obrigada.
Às nossas leitoras que nos acompanham e imploram por um novo
lançamento: vocês são maravilhosas, amamos você. Agradecimento especial
a Nicole, do @livros.mec, por ser a nossa “Arnalda César Coelho”,
comentando lindamente os capítulos do Wattpad. Além de agradecer, como
sempre, a Karen pelo carinho com o livro e por essa diagramação linda!
Sejam bem-vindos ao nosso Segundo Tempo. Se você não gosta de
futebol, vamos te dar alguns bons motivos para ler mesmo assim.
Ane Pimentel.
Dedicamos a todas as mulheres que gostam de futebol e tiveram que
ouvir piadas sem graça, como “então me explica a regra de impedimento.”
Nós podemos tudo.
A história
sempre se
repete.
Fecho os olhos e absorvo toda a energia que emana da torcida. O estádio está
em sua capacidade máxima. Bandeiras com o escudo do clube e a minha
imagem estampam a arquibancada numa festa democrática onde todos são
convidados a compartilhar a felicidade: crianças, idosos, homens e mulheres.
Juntos e misturados. Torcendo, cantando e chorando, vivenciando cada
minuto do jogo.
Em inglês eles entoam o meu nome. Uma, duas, três, quatro vezes,
eles bradam antes de explodirem em gritos e aplausos. O cântico dos deuses,
como eles próprios intitulam, é a força motriz que me faz abrir os olhos e
encarar o defensor a minha frente. O homem de quase dois metros agiganta-
se ainda mais quando nossos olhos se encontram. O juiz apita autorizando a
cobrança, o goleiro abre os braços e repete, como num mantra, que
defenderá. Respiro fundo e concentro-me apenas nele, um de nós sairá
derrotado e eu espero que, em casa, seja a mãe dele lamentando a derrota, não
a minha. Com dois passos longos rompo a distância e me aproximo da bola.
Levanto meu pé e aplico a força suficiente para fazê-la deslizar rapidamente e
nesse momento o silêncio impera no ambiente. Toda a atenção está voltada
para a bola, assisto em câmera lenta quando ela resvala na luva do goleiro e
continua rolando até parar no fundo da rede.
O silêncio ensurdecedor é substituído por gritos histéricos e eufóricos.
Sou derrubado por um motim de homens, meus colegas de clube, que me
esmagam, literalmente, e me cobrem de elogios. Rei, Gênio, Filho da puta de
sorte e tantos outros adjetivos são destinados a mim. Os vagabundos estão
gratos por eu acabar de garantir mais um título para o nosso clube e, com
isso, antecipar as nossas férias. Faltando ainda dez rodadas para o fim do
campeonato somos os campeões e apenas cumpriremos tabela nos próximos
jogos. Quando consigo me reerguer, corro em direção ao técnico e o abraço
para poder dizer em seu ouvido, sem ser flagrado pelas câmeras de TV:
— Minha parte foi cumprida, amanhã mesmo embarco para o Brasil!
— Ele me abraça efusivamente, destina tapinhas em minhas costas e me
empurra para voltar ao campo, não sem antes bradar: “Máquina mortífera!”
O jogo recomeça sobre os gritos de olé da torcida e faço valer o
espetáculo distribuindo passos, lençóis, embaixadinhas e canetas que deixam
os adversários raivosos e a torcida feliz. O apito final soa, nós vencemos! Os
adversários disputam quem trocará a camisa comigo, mas ela já tem dono: o
grande goleiro que valorizou o meu trabalho no dia de hoje. Ele sorri quando
eu entrego a camisa e me passa a sua. Trocamos algumas palavras rápidas
antes de eu ser cercado pelos meus companheiros de clube. Sou carregado
nos braços por eles, para uma volta no estádio. A torcida volta a entoar meu
nome e eu absorvo em êxtase.
Sil-va, Sil-va, Sil-va
Silva, máquina mortífera.
E a melhor parte da história, que sempre se repete, é a comemoração
pós-vitória. A não-oficial, claro, será regada por bebidas e mulheres. Tudo
que eu preciso depois de um longo período andando na linha, me dedicando
somente ao futebol. Por enquanto, começo a comemorar aqui mesmo no
vestiário. Quando as líderes de torcida adentram o ambiente e sorriem em
minha direção, sorrio de volta, porque sei que a minha fama continuará sendo
contada como uma odisseia.
Depois de jantarmos com o presidente do clube e a comissão técnica
em um requintado restaurante, partimos para a real celebração, afinal
ninguém comemora verdadeiramente quando seu chefe está no mesmo
ambiente. A figura franzina e de poucas palavras nos avalia como peças
prontas a serem consertadas, ou até mesmo substituídas, caso apresente um
defeito irreparável.
Mais de trinta homens em torno de uma mesa encenando cada qual
seu papel. Os jogadores mais falantes tentavam emplacar uma conversa
divertida, mas bastava um olhar demorado do treinador para que eles
emudecessem. Vez ou outra, o presidente do clube contava uma piada sem
graça e ríamos em concordância, mesmo contra a nossa vontade. Era uma
verdadeira tortura estar naquele jantar, ninguém queria estar ali. Nem mesmo
o cardápio estava liberado, mesmo em um dia festivo a nossa alimentação
seguia os padrões do nutricionista da equipe, álcool estava totalmente fora de
cogitação. Afinal, somos atletas. Entretanto, não demorou muito para que
uma troca de mensagens se iniciasse e encontrássemos um local adequado
para celebrar a nossa vitória.
Assim que chegamos na boate, reservada como um passe de mágica
para nós, fomos recepcionados calorosamente e tratados como astros
hollywoodianos. Aquilo sim era o que eu tinha em mente para essa noite.
Seguimos para o camarote completamente abastecido de álcool e opções não
alcoólicas, além disso estava repleto de belas mulheres. Alguns rostos
conhecidos e outros nem tanto, mas logo estaríamos todos devidamente
apresentados. Troquei olhares cúmplices com meus amigos solteiros e
brindamos mais uma comemoração em alto estilo.
Preciso salientar que ao abrir os olhos, na manhã seguinte, as coisas
só melhoraram. As duas mulheres maravilhosas na minha cama, uma ruiva e
uma morena, quase me fizeram desistir de levantar e seguir com os planos.
Lembrei de pedir o telefone delas para repetir a festinha quente.

Caminho apressado pelos transeuntes do aeroporto, estou atrasado e


sinto que a cada passo os olhares destinados a mim aumentam. Estou usando
boné e óculos escuros, como a Pâmela sugeriu. Ela é minha assessora e me
garantiu que o disfarce ajudaria a ganhar tempo. E ela estava certa, consegui
caminhar duzentos metros sem ser reconhecido, mas isso acaba de ir por água
abaixo, pois um adolescente grita o meu nome. Ele se aproxima e pede uma
foto, o que atendo prontamente. Em poucos minutos estou cercado de pessoas
ávidas por uma foto ou autógrafo do Máquina Mortífera. De repente, um
bebê é depositado no meu colo por um pai sem noção que insiste em registrar
o encontro do filho com seu ídolo. O menino, obviamente, chora ao estar nos
braços do desconhecido e eu fico ali aflito com a criança que berra aos meus
ouvidos enquanto o imbecil do pai continua disparando flashes em nossa
direção.
— O Silva precisa embarcar! Nos deem licença... — Minha assessora
se aproxima com dois seguranças, tentando formar um cordão de isolamento.
Ela pega a criança do meu colo e brinca com o bebê que sorri para ela antes
de ser devolvido ao pai.
— Achei que você nunca fosse chegar para me salvar! — Resmungo
quando ela enlaça o braço ao meu.
— Você tem ideia do que é organizar uma mala para três em menos
de vinte e quatro horas? — dou de ombros — Por sorte eu sou competente e
ágil! — Pâmela, mantém o ritmo apressado mesmo sob saltos finos.
Não sei como as mulheres conseguem se manter em saltos agulha e
exercer, com a mesma, quiçá mais competência a mesma função dos homens.
Ela é a responsável por manter a minha boa imagem frente a imprensa e
clube. Se você a perguntar sobre o seu papel, ela dirá, com um largo sorriso,
que é esconder os restos mortais cada vez que eu faço merda. E
convenhamos, eu faço com frequência.
Pâmela Soares, ou Pam para os íntimos, é a minha amiga há anos. Ela
e seu marido, o ex jogador de futebol Juan, são os responsáveis por minha
carreira internacional. Eles são a minha família na Inglaterra, as pessoas a
quem confio a minha vida e a minha carreira.
Juan e eu formávamos a dupla de ouro das escolinhas de base.
Tivemos muitas portas fechadas, mas não desistimos e continuamos tentando
até o dia que o sonho de jogar na Europa se concretizou. Os dois garotos
pobres estavam prestes a assinar contrato com um grande clube Português. O
sonho se tornou realidade, embarcamos carregando nossos sonhos na mala e
despontamos na liga portuguesa. Fomos eleitos o melhor ataque por dois anos
consecutivos, por isso, as propostas para nos tirar do clube não paravam de
chegar. Éramos disputados por ligas francesas, inglesas e até brasileiras. Mas,
um acidente de carro interrompeu o sonho de Juan, um maldito motorista
bêbado invadiu a calçada quando ele voltava do treino e acertou o meu amigo
em cheio. Eu vi o sonho do cara que esteve comigo nos melhores e piores
momentos se esvair por seus dedos sem que ele pudesse fazer nada. O
acidente não trouxe complicações maiores, mas seu objeto de trabalho, as
pernas, não serviam mais para ele voltar ao campo. Diversas cirurgias e muita
fisioterapia depois, Juan voltou a andar, mas o futebol tinha acabado para ele,
no acidente ele teve o fêmur da perna direita quebrado, além de fraturas nos
dois pés e rompimento dos ligamentos.
Nesse mesmo ano, eu aceitei ser negociado para outro clube desde
que Juan fossem comigo. Meu amigo tentou argumentar que eu ia perder a
chance por uma bobagem, mas eu sou bastante leal com quem amo e não o
deixaria para trás. Inúmeras negociações depois, eu desembarcava na
Inglaterra com o Juan ao meu lado, acompanhado da Pâmela grávida de três
meses.
Relembro a nossa história enquanto minha amiga continua
tagarelando sem parar sobre a odisseia que foi conseguir chegar ali hoje.
Assinto e sorrio para tudo que ela diz, mas não escuto nenhuma palavra.
Quando chegamos na sala VIP de embarque sou recepcionado por abraços
calorosos dos meus afilhados gêmeos, Dafne e Diego, levanto os dois num
abraço apertado e rodo com eles como fazia quando eram pequenos.
— Como vocês cresceram! — Digo olhando para os dois que agora
estão com seis ou oito anos. Não sou bom com datas.
— Eu cresci, ela continua da mesma altura. — Diego aponta para a
irmã.
— Dindo, somos da mesma altura, não é? — Ela me encara com a
mão ao redor da cintura, semelhante a mãe quando está brava, e eu sou
incapaz de discordar de uma mulher com a mão na cintura.
— Estão da mesma altura.... — Hesito e ela abre um enorme
sorriso, enquanto o irmão resmunga contrariado.
— Prontos para irmos ao Brasil? — Pam pergunta, animada. — O
voo já foi anunciado.
— Não vejo a hora de chegar no Brasil para visitar e comer a comida
da vovó. — Dafne diz animada.
— Então pegue a sua bolsa, meu amor e Diego calça os sapatos, por
favor! — Pede aos filhos.
— Cheguei a tempo! — Juan adentra o ambiente, ofegante.
— Mais um pouquinho e a gente embarcava sem se despedir, amor.
— Sentiremos saudades sua a cada minuto. — Os filhos falam em
uníssono.
— Eu também sentirei, por isso tratem de obedecer a mamãe e ajuda-
la na tarefa de cuidar do padrinho. Amo vocês! — Ele abraça a filha e repete
o mesmo gesto com o filho. Beija a esposa e por fim, volta-se para mim.
— Também te amo! — Sorrio, mas ele não.
— Vão indo na frente, tenho uma palavrinha para trocar com o Silva.
— Algum problema? — A esposa pergunta, desconfiada.
— Nenhum, amor.
— Ele apenas quer garantir que eu mantenha os olhos atentos em
você para evitar que algum engraçadinho chegue perto em sua ausência. —
Respondo sorrindo.
— Idiotas! — Ela sorri antes de sair com as crianças da sala.
— Os caras embaçaram nas férias repentinas... — Ele hesita e temo
pelo que vem a seguir. Nada me faria mudar de ideia. Ok, talvez se isso
respingasse nele.
— Toda a equipe técnica sabia o combinado, que porra aconteceu?
— O combinado era ganhar o título e férias... — Ele diz.
— Título antecipado na conta deles e ainda querem discutir sobre as
minhas merecidas férias? — Questiono, já irritado. — Eu carreguei o time
nas costas essa temporada, não estou aberto a negociações.
Ele me encara pensativo, mas não diz nada, sabe que eu tenho razão.
Tivemos baixas consideráveis, dois dos nossos melhores defensores sofreram
lesões graves, além do nosso meio de campo que precisou ser alterado devido
as convocações da seleção inglesa, precisei correr por dez e ainda marcar
gols. Como capitão da equipe fiz tudo isso sem nunca reclamar, em troca de
fugir dos holofotes ingleses e curtir férias no Brasil.
— Eu vou embarcar nesse voo e se eles ainda me quiserem quando eu
retornar, compareço ao treinamento.
— Porra Arthur, você deveria facilitar a minha vida. Você imagina
como a imprensa vai cair em cima de você? Já posso ver os tabloides
estampando uma foto sua rodeado de mulheres e alguma legenda
depreciativa.
— Máquina Mortífera ataca novamente. — Dou de ombros — Não é
a primeira vez que serei alvo deles.
— Mas isso sempre resvala no clube, que me cobra e eu preciso
compensá-los de alguma forma. Você lembra da última vez que isso
aconteceu?
Solto um palavrão quando a imagem de um leilão surge em minha
mente. Depois que eu fugi da concentração para um encontro com uma
modelo parisiense, nossa foto estampou os jornais, pois no dia seguinte era
decisão do título inglês e ao invés de estar concentrado com a equipe, eu
estava me divertindo. O Juan precisou controlar os ânimos e como punição,
fui objeto de leilão de uma famosa casa de caridade britânica. Um almoço em
Paris comigo era a oferta e como nada poderia melhorar, fui arrematado, após
uma acirrada disputa, por uma mulher de meia idade com a cor de cabelo
acaju. A senhora passou o almoço lamentando a morte do seu marido e eu
desejando morrer para me livrar da cena.
— Não! — Brado — Não vou ser leiloado, muito menos frequentar
asilos, ou ser o par do debute de alguma filha de político.
Por mais que tudo isso pareça surreal, já aconteceu.
— Não precisa se preocupar — ele sorri e eu temo pelo que virá a
seguir — Você vai passar a tarde com duzentas crianças que fazem parte de
um projeto social apoiado por seu patrocinador.
— Até que não é tão ruim...
— Não comemore ainda. Serão duzentas crianças e uma coletiva de
impressa ao fim do dia. Além de um jogo beneficente.
— Mas que porra, é trabalhar nas férias!
— Ou é isso ou você se apresenta ao centro de treinamento em duas
horas. — Diz após consultar o relógio.
— Te vejo em quinze dias, seu babaca! — Resmungo.
— Eu sabia que seria sensato. Agora tenta não se envolver em
polêmica no Brasil.
— Vou tentar...
Eu realmente ia tentar, mas nada me preparou para o que aconteceria
em minha terra natal.
N ão há lugar como
nosso lar. Essa é a
sensação que me domina toda vez que piso em solo brasileiro. Ainda que os
últimos anos da minha vida tenham sido em terras europeias é aqui no meu
país que me sinto verdadeiramente em casa. Aqui podia ser apenas o Arthur,
o homem de origem simples que curte um churrasco enquanto joga conversa
fora com os amigos.
E foi exatamente assim os meus dois primeiros dias. Celebrei com
meus amigos e familiares, alguns eu nem lembrava mais que existia, e escutei
inúmeros pedidos de presentes. Nessas horas minha mãe sempre tomava a
dianteira e mudava de assunto enquanto eu respondia que veria como atendê-
los.
Não é que eu tenha esquecido dos parentes depois que enriqueci.
Muito pelo contrário, busquei ajudar a todos dentro do possível. Mas ainda
assim os pedidos de ajuda se multiplicavam, sempre tinha um que pedia para
eu divulgar o neto que estava iniciando na carreira musical ou o outro que
implorava que eu o indicasse para um teste de elenco como jogador de
futebol. As pessoas me viam com um elo para alcançar os seus anseios. Eles
pareciam esquecer que até pouco tempo atrás eu era só mais um Silva
tentando mudar de vida.
— Não acredito que você vai sair... — Minha mãe lamenta assim que
surjo no alto da escada — eu mandei preparar o bolo de cenoura com calda
de chocolate que você tanto gosta.
— Chantagem emocional não vale, dona Mirtes. — Ela sorri, aquele
sorriso que ilumina todo o rosto, fazendo com que as marcas de expressão
enalteçam a linda mulher que ela é.
Uma mulher guerreira que junto com o meu pai abriu mão das suas
vontades em prol do meu sonho. Três vezes por semana seguíamos a nossa
peregrinação até o centro de treinamento na zona Sul do Rio. Enquanto meu
pai trabalhava para prover o sustento da família, minha mãe seguia comigo
em busca do meu sonho em me tornar um jogador profissional. Dona Mirtes
era a minha principal fonte de determinação. A cada vez que eu entrava em
campo, sob sua bênção, sabendo que tinha um olheiro em busca de novos
talentos, eu me esforçava ainda mais. Era por eles que eu me dividia entre os
estudos e o futebol. Eu queria proporcionar uma vida confortável e digna para
meus pais, eles mereciam o conforto de uma boa casa e os privilégios que o
dinheiro trazia. Fora por eles que eu me transformei no jogador que sou hoje,
para compensar tudo que fizeram por mim.
Meu pai não viveu o suficiente para desfrutar do meu sucesso, ele
faleceu de ataque fulminante do coração. A sua morte pegou todos nós
desprevenidos. Ele era um homem forte e saudável, praticava atividade física
regularmente. Na época, insisti que minha mãe fosse morar comigo em
Londres, mas ela recusou, não queria abandonar as crianças do Instituto que
levava o meu nome.
Depois da morte do meu pai, cuidar do Instituto tornou-se o seu
passatempo favorito. Além do mais, permanecer nessa casa foi a forma que
ela encontrou de continuar conectada a ele.
Meu pai havia falecido alguns anos atrás e a sua presença ainda é
constante. É como se ele estivesse sentado na poltrona, assistindo
atentamente os jogos do Mengão, enquanto corneteava as mudanças do
técnico. O seu Angenor era um amante do futebol, cresceu frequentando os
estádios, e por isso mesmo escolheu para mim o nome de Arthur, em
homenagem ao genial Zico, eterno ídolo do Flamengo. Minha mãe me puxa
pela mão, me trazendo de volta para o presente.
— Claro que vale. Tenho certeza de que eles entenderão se você
avisar que passará o dia ao lado da sua mãe...
— Não foi a senhora mesma que me ensinou a honrar os meus
compromissos?
— E não é que você me ouviu? — ela sorri — Vá e volte o quanto
antes, eu convidei a Lourdinha para jantar conosco.
— Mãe... — Repreendo-a.
Sempre que eu retorno ao Brasil, ela busca uma forma de Lourdinha e
eu nos encontrarmos. Ela era filha de um casal de amigos e minha mãe a
considera como filha, ou melhor como a nora perfeita. Nada contra a garota,
ela é linda e educada, mas não é o que eu busco no momento.
— Vai me dizer que não gosta da companhia dela? Lourdinha mudou
muito desde a última vez que você a viu.
— Eu não estou em busca de uma namorada, mas se estivesse não
seria a senhora quem me ajudaria a escolher...
— Por que não? — Rebate — eu sou sua mãe e sei o que é melhor
para você. Uma moça de boa família que não está interessada no seu
dinheiro.
— Como pode ter tanta certeza que ela não quer o meu dinheiro?
— Faça-me o favor, Arthur! Eu sou sua mãe e uma mulher vivida
demais para saber quando alguém quer apenas aplicar o golpe. — Abro a
boca para protestar, mas ela me silencia com o olhar — além do mais, a
família da Lourdinha tem mais posses que nós.
— Eu desisto, dona Mirtes — levanto as mãos em rendição, eu
detestava confrontar a minha mãe e acabava concordando para não
discutirmos — Me aguarde para o jantar.
— Lourdinha ficará imensamente feliz em te ver, vou separar um
vinho na adega para brindarmos essa noite.
— Vinho!? Eu também quero! — Pam surge animada na sala.
— Sim, vamos comemorar a volta do Arthur.
— Com a Lourdinha... — Lamento.
— Lógico, a Lourdinha... — Ela sorri, cúmplice, para mim — O carro
já está a sua espera, vamos?
— Vá logo e trate de não atrasar, a família da Lourdinha é pontual
como os ingleses.
— Até mais, mãe. — Beijo seu rosto.
— Pam, confio em você para que ele não fuja desse jantar.
— Pode contar comigo, Mirtes. — Ela sorri e eu contive a vontade de
retrucar.

O projeto social Amigos do Esporte fica localizado no Méier,


subúrbio carioca. Foi aqui que morei até os meus dezessete anos. Portanto,
estar de volta era revisitar as minhas origens. Observo através da janela o
campinho de futebol onde eu costumava jogar com o Juan. Esse campinho foi
a primeira escola de futebol que tive, nele aprendi a ganhar e, principalmente,
a perder.
Quando o carro para em frente a um casarão, já estou tomado pelas
lembranças do ambiente. Sou recepcionado, ao entrar na residência onde
atualmente funciona o projeto social, por uma calorosa salva de palmas das
crianças. Alguns me encaram boquiabertos, outros cutucam o amigo ao lado
como se não acreditasse no que estava vendo. É impossível não me ver
nessas crianças, assim com elas eu já sonhei em conhecer meu ídolo e tive a
minha vida transformada pelo esporte.
A coordenadora me recebe e me mostra as dependências enquanto
explica sobre as atividades ali desenvolvidas. Ao fim do tour pelo lugar, sou
guiado até o fundo da casa, onde há um minicampo de futebol e uma fila de
crianças prontas para me conhecerem.
Atendo um a um, recebo abraços calorosos e elogios genuínos em
troca de uma foto e uma palavra de incentivo. Há uma equipe registrando
cada momento, são os patrocinadores e membros do marketing do meu clube,
prontos para transformar uma boa ação em campanha comercial. E não os
julgo. A exposição das boas ações é uma forma de blindar o clube e a mim
das cobranças da imprensa que cada dia mais pressiona as figuras públicas a
contribuírem com as injustiças sociais.
Eu não me oponho a ajudar, mas também não posso atender cada
pedido de ajuda deixado nas minhas redes sociais. São incontáveis pedidos
todos os dias, desde auxílio financeiro, passando por tratamento de saúde, e
se estendendo até os mais inimagináveis. Pedidos de mãe desesperadas em
busca de socorro aos seus filhos, auxílios que deveriam ser dados pelos
governantes, mas esses parecem não enxergar tal realidade.
Nesse momento já estou concedendo as entrevistas finais, pronto para
riscar esse item da minha lista de obrigações com o clube. O próximo
repórter se prepara para fazer a sua pergunta, quando Pam surge e pede um
minuto a sós comigo.
— Aconteceu alguma coisa?
— Sim, dois irmãos chegaram atrasados para as fotos. Eles são seus
fãs e a carinha deles quando foi comunicado que chegaram tarde foi de cortar
o coração.
— E você prometeu que eu os atenderia, certo? — Indago estudando a
sua reação.
— Sim — sorri — eles trouxeram cartinha e tudo mais...
— Uma foto rápida — concordo — não quero enfrentar a máquina
mortífera que a dona Mirtes se transformará se eu não chegar a tempo do
jantar.
— Eu sabia que você não deixaria a magia morrer com essas
crianças. — bate palmas, animada — vou chamá-los então.
— Próxima pergunta — volto a sentar na cadeira para responder pela
centésima vez sobre a origem do meu apelido.

— Arthur, sou o seu maior fã! — O menino, arrisco dizer que tem em
torno de sete ou oitos, corre e abraça as minhas pernas.
— Opa, carinha! — Abaixo para ficarmos na mesma altura — Tudo
bem com você? — Ele apenas balança a cabeça em concordância.
— Eu que sou o seu maior fã — o adolescente, magro e com
aparência desengonçada, aproxima-se tímido — sei todas as suas estáticas da
última temporada, quantos passes dados, os quilômetros que você percorreu,
sei tudo sobre você.
— Estou de frente a dois grandes fãs — sorrio para os garotos — é
um prazer conhecê-los...
— O prazer é todo nosso — o irmão mais velho responde — o senhor
é uma grande inspiração para nós!
— Você autografa a nossa bola? — O menino estende a bola surrada.
— A camisa também. Vamos pendurar no nosso quarto! — O outro
me entrega uma camisa falsificada do clube.
Pego os objetos para assinar e faço uma anotação mental para pedir a
Pâmela que consiga o endereço dos garotos, para entregar um presente
original para os meus maiores fãs.
Uma voz feminina chama a minha atenção e, assim que eu ergo o
olhar para encontrar a dona da voz, esqueço completamente o que eu estou
fazendo, a caneta fica parada no ar.
A dona da voz é uma mulher deslumbrante e olhe que eu já estive ao
lado das modelos mais sexys do mundo, mas ouso dizer que nenhuma chega
aos pés dessa. Seu rosto delicado e simétrico a torna dona de uma beleza
ímpar, essa mulher pode facilmente ser uma top model e embora as suas
curvas fujam do padrão macérrimo das passarelas, ela seria um sucesso. Se é
que não já o é e eu estou desinformado.
A mulher de cabelos louros ondulados usa calça jeans e uma simples
camiseta branca, o que só enaltece a sua beleza. Ela é naturalmente sexy sem
precisar apelar para as roupas. Quando ela ruboriza diante do meu olhar
prolongado fazendo com que tons rosados pintem a pele alva, eu constato que
ela é real e não fruto da minha imaginação. Por educação, eu deveria desviar
o olhar e elogiá-la, mas não o faço, continuo hipnotizado pelo seu rosto
angelical, lábios em forma de coração e olhos verdes intensos.
— Oli, onde você estava? — Os dois meninos se voltam para ela. Ela
não parece ter idade para ter dois filhos. Seria prima ou irmã?
— Estava buscando um carregador para o celular, mas não
encontrei... — Diz tristemente e a expressão de tristeza atinge os dois
garotos.
— Então vamos ficar sem fotos? — O menorzinho pergunta, com a
voz embargada.
— O registro mais bonito já aconteceu, meu amor — ela aponta para
o coração do garoto — esse momento está registrado bem aí dentro e você
jamais irá esquecer.
— Mesmo assim eu queria uma foto... — Duas lágrimas rolam do
rosto do menino enquanto eu continuo paralisado feito um imbecil.
Reajo a tempo suficiente para que o garoto não se desmanche em
lágrimas, e assim com as lágrimas surgiram, desaparecem quando apresento a
solução:
— Podemos tirar no meu celular e eu envio para a sua...
— Irmã! — Ela completa.
— Está perfeito, então — sorrio satisfeito por ter resolvido o
problema e muito mais por conseguir o contato dela por tabela.
Entrego o meu celular a ela para que registre as fotos. Eu poderia
bater uma selfie com os garotos, mas aproveito para estabelecer o nosso
primeiro contato através do toque: meus dedos tocam os seus enquanto
transfiro o aparelho da minha mão para a sua. Ela os afasta rapidamente,
desconcertada.
Alguém parece ser tímida...
Permito que os garotos ditem o número de fotos, e alternamos entre
caretas, cara de mal e bobos sorridentes nas fotos. Oli, prenome da mulher
misteriosa, inicia o registro de forma séria, mas depois o sorriso surge em seu
rosto quando as risadas dos irmãos ecoam.
— Chega, já temos fotos para um álbum — ela avisa — Agradeçam
ao Arthur.
— Obrigado! — Os meninos obedecem.
— Você não vai querer uma foto? — Pergunto quando ela me
devolve o celular.
— Não — ela é rápida na resposta e, como se percebesse tal rapidez,
tenta se corrigir — eu estou aqui apenas para acompanha-los, obrigada pelo
carinho com os meus irmãos. Vamos meninos? — Desvia o olhar para os
irmãos que a seguem.
— Tem certeza que não vai ficar arrependida depois? — Pergunto
alcançando-a na saída. Os meninos estão mais à frente, tagarelando
— De não tirar uma foto com o Máquina Mortífera? — Arqueia a
sobrancelha.
— Sim — respondo — nunca uma mulher recusou uma foto comigo.
Elas brigam para ter acesso ao vestiário...
— Não sou uma maria chuteira — rebate sorrindo — e embora meus
irmãos o idolatrem, não o considero um deus.
— Você é franca! — ela dá de ombros — vou mudar a imagem que
você tem de mim.
— Não perca seu tempo comigo, amanhã mesmo uma penca de
mulheres estará disputando sua atenção.
— Provavelmente hoje mesmo — sorrio convencido — agora me
passa seu número. — Ela me olha como se eu fosse um completo idiota que
não sabe ouvir “não” como resposta. — As fotos — esclareço — seus irmãos
ficarão muitos tristes sem as fotos.
— Eu digo a eles que passei o número errado e que as fotos nunca
chegaram — ela diminui o tom de voz para que eles não a escutem.
— Que tipo de irmã você seria? — Provoco e ela pondera antes de
cantar os números. Como não sei se eles são verdadeiros, grito pelos garotos
que logo se aproximam.
— Que tal assistir um jogo meu no Maracanã? Tenho um amistoso
beneficente amanhã. Com direito a entrar em campo e tudo mais... Vocês
serão meus convidados VIP — eles pulam de felicidade — só há uma
condição, a irmã de vocês precisa acompanha-los! — Ela me olha e vejo a
raiva tomar conta do seu rosto, dou de ombros e aguardo os pestinhas
começarem a pressão psicológica.
— Por favor, Oli! É a chance de irmos ao estádio!
— É, eu prometo fazer o dever todo dia sem reclamar! — o outro
completa
— Você sabe o quanto a gente ama o Arthur, por favor Oli...
— Oli, é a chance da vida dos garotos — entro no jogo e ela bufa
irritada — você só precisa dizer sim e a minha equipe providenciará tudo.
— Oli, por favoooor! — Os meninos juntam as mãos em súplica.
— Por favor, Oli! — Junto-me a eles.
— Ok, vocês venceram! — diz num lamento — vamos a esse jogo.
— Você é a melhor irmã do mundo — eles vibram felizes antes de a
envolver num abraço.
Tenho vontade de fazer o mesmo, mas o olhar homicida que ela me
lança indica que é melhor eu manter distância, pelo menos por enquanto.
E scuto o toque do
meu despertador e
finjo por mais alguns minutos que hoje é domingo. O meu único dia de folga,
o dia em que posso me dar ao luxo de acordar depois das cinco e trinta da
manhã e tomar meu café da manhã com mais calma enquanto converso com
minha mãe e a atualizo sobre a minha semana. Mas hoje, infelizmente, não é
domingo e a história da minha rotineira vida vai se repetir. Sempre se repete.
A morte repentina do meu pai quando eu tinha apenas doze anos,
mudou o rumo da nossa família. Um dia ele saiu para trabalhar e não retornou
para casa. Nessa época, o Carlos, meu irmão mais velho, e eu tínhamos o
costume de esperá-lo no portão de casa, todas as noites. Sentados em dois
banquinhos, aguardávamos ansiosos o momento em que ele surgia na rua e
caminhava sorridente em nossa direção. Meu pai sempre trazia um sorriso no
rosto, era um homem doce e carinhoso com a família. Bom pai e exímio
esposo, ele era um homem querido pelos amigos e amado por todos,
entretanto nada disso impediu que ele fosse alvejado com dois tiros durante
um assalto.
Manoel Dias Santos, meu pai, não teve a sua história contada na TV
pelos seus bons atos e sua dedicação a família, mas sim por que fora vítima
de um assalto enquanto trabalhava como segurança de uma loja, no centro da
cidade. Meu pai foi mais uma vítima de uma sociedade doente que mata
mesmo quando a vítima não reage, ele não teve a oportunidade de ver os
filhos crescerem. E a nós sobrou apenas recebê-lo de volta dentro de um
caixão.
Desde que ele faleceu as coisas aqui em casa ficaram difíceis,
precisávamos nos adaptar a sua ausência brusca e aprendermos a lidar
cotidianamente com a saudade. Minha mãe precisou exercer uma jornada
dupla de dona de casa e diarista, enquanto os filhos se dedicavam aos
estudos. A educação sempre foi o lema dos meus pais, eles acreditavam
veementemente na importância dos estudos nas nossas vidas, meu pai
costumava dizer que essa era a única herança que ele poderia nos transmitir.
Assim, minha mãe adotou o posto de chefe de família e assumiu a vela do
barco até que Carlos concluiu o ensino médio e só então pôde dividir com ela
a função de ajudar a sustentar a casa.
Onde meu pai estiver, ele deve estar orgulhoso da nossa família.
Passamos por muitos percalços, mas nos mantivemos unidos e sempre
acreditando numa mudança de vida através da educação. O seu Manoel é a
nossa fonte diária de inspiração, é o principal motivo pelas carreiras que
Carlos e eu escolhemos seguir. Meu irmão formou-se em Educação Física e
atualmente integra o quadro de funcionários do Estado, como professor. Os
mais novos, Edu, doze anos, e André, oito, frequentam regularmente o ensino
fundamental. Enquanto eu estou no quinto período de Pedagogia e a cada dia
eu reafirmo o meu amor pelo curso. Amo lecionar e amo ainda mais saber
que tenho a oportunidade de mudar vidas.
Mas, isso não impede que eu deseje dormir mais vinte minutos antes
de começar a minha rotina. Todos os dias eu me divido entre a faculdade e o
trabalho de professora auxiliar em uma escola particular, além de preparar o
jantar enquanto oriento os meus irmãos na atividade escolar.
Por isso, o meu apego aos domingos. Nesse dia eu não preciso me
preocupar em comer com o tempo cronometrado e disputar cada mínimo
espaço no metrô a caminho de casa. Mas como nada é perfeito hoje não é
esse dia e preciso trabalhar.
Caminho sonolenta até o banheiro e deixo a água gelada do chuveiro
para despertar de vez. Não devo aparentar cansaço na reunião de pais e
mestres, assim como devo sorrir e assentir para os questionamentos dos
mesmos e intermediar de forma cortês as discussões em que me solicitarem.
Essas são as palavras da coordenadora pedagógica, palavras sempre repetidas
e interiorizadas por todas nós no grande intuito de agradar os pais (e a equipe
diretiva). A verdade é que não somos nós, educadores, que precisamos
manter a serenidade, mas sim os pais. A reunião é, em grande parte, uma
vitrine para expor os seus filhos e a vida perfeita que eles levam. Para se ter
uma ideia, na última reunião uma mãe bradou que era um absurdo as
pedagogas não falarem inglês, uma vez que até a babá das crianças era
fluente na língua inglesa, por que uma pedagoga não seria capaz de pagar um
cursinho de idiomas? A vontade nessa hora é replicar e dizer que maior
absurdo é um pai jogar na escola as responsabilidades da educação dos seus
filhos. Ou ainda questionar porquê, ao invés de propor medidas para conter o
alto índice de celulares durante as aulas, os pais preferem usar suas falas para
questionar sobre o professor, que ganha um pouco mais de um salário
mínimo, não ser fluente em inglês. Entretanto, não movo um único músculo
no meu rosto que possa indicar contrariedade, já vi muitas colegas serem
demitidas por muito menos. E não posso me dar ao luxo de perder esse
emprego, portanto sigo as instruções.
A grande vantagem é que, como professora auxiliar, sou uma figura
apagada nessas reuniões, toda a atenção está voltada para a professora titular,
Dagmar, que com anos e anos de experiência já aprendeu a lidar com os pais
mais problemáticos. Mas nem esse lembrete me anima.
— Bom dia, mãe! — Beijo o rosto dela quando adentro a cozinha. Ela
acaba de preparar o café e o cheiro delicioso preenche o ambiente.
— Bom dia! Fiz pão na chapa como você gosta.
— Não vai dar tempo de comer — solto num lamento — enrolei
demais para levantar...
— Cinco minutos não atrasará você — ela me entrega o pão no prato
e eu assinto, sentando para comer. — Os meninos chegaram tão felizes
ontem... Foram dormir tarde da noite me contando que hoje iriam para o
estádio assistir ao jogo.
— Ainda tem esse jogo — resmungo de boca cheia — a senhora tem
certeza que não quer acompanhá-los?
— Não posso, ontem foi aniversário na casa da dona Magda e eles
perguntaram se eu não queria ganhar uma extra fazendo a diária.
— A senhora não precisa se sacrificar ainda mais por nós, já tínhamos
combinado que diminuiria o ritmo para descansar.
— Mas uma graninha extra nunca é demais.
Estou prestes a discordar quando André surge enrolado na sua manta.
— O Arthur já mandou as fotos?
— Não... — Começo a me arrepender por ter dado o número falso...
Agora eu tinha que lidar com a decepção presente no rosto do meu irmão.
— Talvez ele tenha tido um compromisso e chegado tarde em casa, aí
ficou com receio de incomodar com as mensagens fora de hora e deixou para
enviá-las hoje — minha mãe intervém e André sorri confiando nas palavras
da minha mãe
— A equipe do Arthur já entrou em contato com você? — Edu
indaga sonolento.
— Bom dia para você, também! — Brinco para ganhar tempo.
— Que tal vitamina de frutas como só a mamãe sabe fazer? — Ela
não precisa perguntar duas vezes para os dois concordarem.
— Estou atrasada — Digo tomando mais um gole do café — até mais
tarde. — Saio em disparada no intuito de fugir de mais perguntas.

— Olívia! — Eles gritam o meu nome quando retorno para casa.


Havia conseguido, milagrosamente, sair mais cedo.
— Onde é o incêndio? — Pergunto deslizando os pés para fora das
sapatilhas e afundando no sofá.
— Uma moça nos deixou vários presentes! — Edu fala, eufórico.
— Vocês não abriram a porta para estranhos, não é? — Busco
confirmação no olhar deles, que desviam. — Quantas vezes já falamos que na
ausência de um adulto vocês não deveriam abrir a porta?
— Mas não era uma mulher qualquer, era a mesma que nos ajudou
quando chegamos atrasados ontem — André esclarece.
— A assessora do Arthur? — Eles assentem em confirmação — O
que ela queria?
— Conversar com você, para acertamos os detalhes do jogo, mas
como você não estava ela deixou esse bilhete — Me estendeu um papel.

Boa tarde, Olívia.


Não brigue com os meninos, eles disseram que não podiam abrir a
porta para uma estranha, mas eles não resistiram quando eu falei que não
era uma total estranha já que tínhamos no conhecido ontem e eu trazia
presentes do Arthur.
Às 16 horas, o motorista passará para levá-los até o estádio. Até
mais tarde.
Beijos, Pâmela

— Esse é o seu presente — Edu coloca no meu colo uma caixa — e


aqueles são os nossos — aponta para um grande saco de presente. — São
produtos oficiais da linha do Arthur, dá para acreditar? — Seus olhos brilham
enquanto ele fala.
— O que você ganhou? — André senta ao meu lado, curioso.
— Não faço ideia... — Os dois me observam em expectativa para a
revelação do presente.
Hesito por alguns segundos com receio do que possa ser ali dentro e
quando decido pôr fim a espera, meus irmãos soltam uma exclamação de
surpresa ou seria felicidade? Dentro da caixa há um IPhone e um bilhete
escrito numa letra de forma: Foi a única forma que encontrei de ter o seu
número!
— Eu posso ficar com o seu celular antigo? — Edu antecipa-se.
— Será que as fotos estão no novo aparelho?
— Boa, André — Edu sorri — Olha logo, Oli!
Sinto o meu sangue esquentar. Quem ele acha que eu sou? Uma
mulher deslumbrada que se jogará aos seus pés porque ganhou um
presentinho caro? Contrariada, sigo em busca das fotos e quando as encontro
na galeria entrego o celular para que eles vejam, enquanto eu massageio as
têmporas sentindo a dor de cabeça surgir.
— Gostaram do jogo? — Arthur pergunta para os meninos.
O jogo acabou tem quarenta minutos e aguardamos que o fluxo de
pessoas diminua para irmos embora.
— Sim! — Edu diz, eufórico.
— O que foi aquela cobrança de falta? Você mitou! — André elogia.
— E você Olívia, gostou do jogo? — A sua atenção desvia dos meus
irmãos e concentra-se me mim.
— Não — ergo a apostila que seguro — usei esse tempo para estudar.
— Assim eu me sinto na obrigação de te levar para outro jogo para
que possa me ver em atividade.
— Não será preciso — Arthur abre a boca para discordar, mas o
interrompo — assim como isso não é preciso — devolvo a caixa com o
celular dentro. Ele abre a caixa e um sorriso surge no seu rosto.
— Não acredito que você está devolvendo um IPhone.
— Acredite!
— Sabia que é rude recusar presente?
— Não quando o presente custa, praticamente, o seu salário de um
ano.
— Mais um motivo para você aceitar — olho com cara feia e ele
sorri, convencido
— Já podemos ir.... — O motorista se aproxima.
— Vamos, meninos! Obrigada pelo convite, Arthur.
— Agora que tocou no assunto... Fiz tudo em troca do seu
agradecimento.
— Sendo assim, já foi feito! — Dou meia volta para ir embora
quando sua mão toca o meu braço
— Olívia? — André olha da mão de Arthur segurando meu braço até
o meu rosto. Vejo a apreensão assumir a sua face.
— Está tudo bem — sorrio — acompanhem o motorista e me esperem
no carro, já vou logo em seguida.
— Solta meu braço! — Exijo quando estamos a sós.
— Eu ainda não disse como quero que agradeça — seus olhos claros
me fitam longamente e sinto meu rosto esquentar. De ódio.
— Eu já disse que não sou uma Maria chuteira! — Rosno, afastando
nossos corpos.
— Em nenhum momento eu disse que era — rebate calmamente — se
fosse não estaríamos apenas conversando
— Você é um completo imbecil de nascença ou se esforça para isso?
— É a segunda vez no mesmo dia que você me ataca — ele refere-se
as mensagens que mandei questionando o presente — e sabe o que é pior? Eu
gosto disso, admiro você por dizer a primeira coisa que lhe vem à mente.
Continue, é um jogo interessante.
— Não temos mais a falar, adeus.
— Você está certa quando disse que eu sou um completo imbecil que
vive a base de elogios e aprovação feminina. Só esqueceu de acrescentar que
sou persistente. E eu não recuo do quero — ele me puxa e os nossos rostos
ficam tão próximos que eu posso sentir seu hálito quente — quero jantar com
você. Passo para te pegar às 20 horas.
— E seu eu não for?
— Então farei valer a minha insistência, ficarei fixado na sua porta até
você aceitar o convite. Até mais, Olívia — ele se afasta e eu continuo parada,
como se fosse a trave de um gol.
Que droga eu ia fazer agora?
O jantar com a família
da Lourdinha
ocorreu como todos os outros. A minha mãe enaltecendo a garota e o pai dela
falando sem parar sobre a bolsa de valores e a queda do dólar nos últimos
meses, enquanto a mãe sorri para tudo que é dito. Lourdinha e eu nos
mantemos em silêncio acenando com a cabeça vez ou outra. Não sei onde os
pensamentos dela estão, mas os meus estão distantes, ficaram na irmã dos
meus fãs mirins.
— Você não acha, meu amor? — A mão da minha mãe toca a minha
e eu desperto dos meus devaneios. Não sei qual o assunto que ela busca a
minha confirmação e estou prestes a responder com um aceno de cabeça
quando desvio o olhar para Lourdinha que está sentada a minha frente, seu
rosto está vermelho, e a julgar pela sua expressão posso deduzir que ela
gostaria de evaporar nesse exato momento.
Tenho pena da situação por ela e por mim, obviamente. Se eu que
retorno ao Brasil duas vezes ao ano é difícil aturar as nossas famílias
bancando o cupido, imagina para ela que convive diariamente com todos e
tem a minha mãe como vizinha. Sei o quanto a dona Mirtes pode ser
persuasiva e tenho certeza que se eu não me posicionar de uma vez por todas,
um dia Lourdinha vai acreditar que eu sou mesmo o homem da sua vida e
estará desembarcando na Inglaterra com uma aliança na mala.
— Você gostaria de ver a minha coleção de troféus? — É a primeira
coisa que vem a minha cabeça, mas para ela não tem a menor importância. É
a desculpa que precisa para fugir dali.
— Claro, vamos! — Responde já de pé.
Posso ver o brilho no olhar dos nossos pais, eles atribuem a euforia
dela como um sinal de paixão e o meu convite para ficar as sós com ela,
como a oportunidade para declarar o amor pela sua filha.
Subimos as escadas que levam ao espaço que minha mãe transformou
numa espécie de santuário, com fotos minhas e prêmios que ganhei ao longo
dos anos. Abro a porta e dou passagem para que ela entre. Lourdinha olha
para os troféus e fotos sem demonstrar qualquer reação.
— Obrigada por ter me tirado daquele jantar — ela rompe o silêncio
— mais um minuto e eu já estava cogitando em jogar o bowl de salada na
cabeça do meu pai.
— Seria o ápice do nosso jantar com toda certeza! — Sorrio e ela
sorri de volta.
— Por que continuamos jantando duas vezes por ano como se nos
importássemos um com o outro? — A pergunta dela me surpreende, eu tinha
a impressão que ela era tímida e preferia não contrariar seus pais. Mais uma
prova que não sabemos nada um do outro, aliás essa é a primeira vez que em
anos ficamos sozinhos para conversar. — Quer dizer... Não que eu deteste a
sua companhia, é só que eu preferia comer bife com fritas a um buffet
completo onde exige que eu apresente todas as informações que aprendi nas
aulas de etiqueta...
— Eu também prefiro bife com fritas! — Confesso, recostado a porta
— Você não está apaixonada por mim, está?
— Não — responde de Imediato — você é o crush das minhas
amigas, mas não é por você que meu coração bate mais rápido.
— Já disse isso ao seus pais?
— Todos os dias, trezentos e sessenta e cinco vezes no ano. Mas não
adianta, eles preferem acreditar que um belo dia eu vou acordar e me
apaixonar por você — revira os olhos.
— Sinto muito por não ter dado um basta nessa situação antes.
— Não se culpe. Eu também tenho a minha parcela de culpa, é mais
cômodo concordar que brigar...
— Sei como é...
— O que vamos fazer agora? — Ela me encara — Posso apostar o
que você quiser que nesse momento eles estão de dedos cruzados torcendo
que as chamas do nosso amor incendei esse espaço. — Dessa vez o meu riso
sai alto e ela se junta a mim, segundos depois.
Pela primeira vez, olho verdadeiramente para ela e vejo que se tornou
uma mulher inteligente e segura de si. Pena que seus pais não a vejam dessa
forma. Eu mesmo continuo sendo o garoto da minha mamãe, a prova disso é
a tentativa dela para encontrar uma companheira para mim. Os pais sempre
acham que sabem o que é melhor para os seus filhos.
— Seu coração bate por outro, certo? — ela assente — Tive uma
ideia, você confia em mim? — Estendo a mão em sua direção.
— Tudo para dar uma lição naqueles três, é claro que confio! — Ela
aperta em concordância.
Repasso para ela os detalhes do meu plano e uma ligação depois
descemos de mãos dadas, prontos para surpreendê-los. O sorriso no rosto da
minha mãe é tão gigantesco, que por um mísero segundo, me arrependo do
que estou prestes a fazer.
— Tenho um comunicado a fazer a todos vocês — digo formalmente
— Lourdinha e eu já nos conhecemos há anos, mas somente hoje eu pude ver
a linda mulher que ela se tornou. Era como se apenas hoje eu tivesse me dado
conta de que a adolescente tímida desabrochou e tornou-se uma mulher forte
e dona dos seus desejos. É por isso que nesse momento eu peço a benção de
vocês... — A minha mãe leva a mão a boca não sem antes deixar um suspiro
escapar, o pai dela exibe um sorriso orgulhoso e a sua mãe... São lágrimas
nos olhos dela?
— O que o Arthur está querendo dizer — Lourdinha completa — é
que embora eu seja a nora perfeita e ele seja o homem dos sonhos de nove a
cada dez mulheres, não somos feitos um para outro.
— E é exatamente por isso que pedimos a benção de vocês e todo o
amor que sente por nós, seus filhos, para que nos deixem seguir nossas vidas.
Nada desses jantares chatos e formais.
— Exato, vamos manter essa amizade sem tanta formalidade uma vez
que não existe a menor possibilidade de sermos um casal.
— Desencana, mãe — sorrio — por que a menos que ela perca a
memória, ela não será a sua nora.
— Arthur... — O tom da minha mãe é de repreensão.
— Desculpa, o incômodo — A empregada aparece na sala de jantar
— Mas há um Dedé na portaria em busca da senhorita Lourdes.
— Quem é Dedé? — A mãe dela indaga.
— O meu namorado.
— Mas desde quando você tem namorado? Por que não nos contou?
— Seu pai questiona.
— Desde o dia que eu decidi ser feliz a ter razão. — Ela deu de
ombros — Era sempre um saco ter que repetir todos os dias que eu não
gostava do Arthur, até que um belo dia eu descobri que estava apaixonada
pelo meu melhor amigo, e ainda que vocês fossem contrários a esse namoro,
nada importaria porque eu estava ao lado dele.
— E por que esse garoto está aqui?
— Eu o convidei, nós vamos sair para comer bife com fritas!
— Arthur, você não vai...
— Não me espere acordada mãe, tenham uma boa noite. — Desejei a
todos e segui ao lado da Lourdinha para finalmente fazermos uma refeição
saborosa.

— Sua mãe, me contou o que você aprontou! — Pâmela, diz assim


que adentramos no carro retornando do jogo festivo que ocorreu no
Maracanã.
A partida para arrecadar fundos para crianças carentes bateu recorde
de arrecadação, foram mais de dez toneladas de alimentos recebidos e em
troca, os presentes assistiram astros do esporte e da TV em campo. Ao
contrário de todas as vezes que entrei em campo, eu não estava
completamente concentrado na partida. Toda a minha atenção estava
destinada ao camarote onde estava Olívia, por mais que eu não conseguisse
vê-la de onde eu estava, eu sabia que ela estaria me observando, atenta em
cada passo meu. Afinal, as suas mensagens confirmaram que ela pensou em
mim.
Ela usara o smartphone que enviei como presente para me enviar
mensagens. Entretanto, não eram mensagens de agradecimento, muito pelo
contrário, eram mensagens agressivas e raivosas de uma mulher que me
acusava de tentar seduzi-la com presentes caros. E eu não rebati, ela estava
certa. Mas, meu arsenal de sedução ia muito além dos presentes e logo ela
descobriria.
Eu sempre costumo ver o lado bom da vida, e nessa história o lado
bom era que se ela dedicou o seu precioso tempo para me enviar mensagens
era por que ela andou pensando em mim.
— Já passei da idade de aprontar... — Resmungo sem desviar o olhar
do Iphone. Eu desbloqueava a tela a cada segundo, esperando uma nova
mensagem sua.
— Não é isso que a Mirtes acha... — Ela diminui o tom de voz ao
perceber a atenção do motorista na nossa conversa.
Nós dois sabemos que ele é a extensão da minha mãe, assim como os
demais funcionários, na sua ausência. Não há nada que aconteça que ela não
saiba.
— Tenho certeza que ela distorceu toda a conversa e dito que a
humilhei em frente aos seus amigos, acertei?
— Ela está magoada, disse que você criou uma cena à toa. Vocês
precisam conversar.
— Já tentei, não adianta. A minha mãe tinha a esperança que a
Lourdinha fosse a mulher que me fizesse ter filhos e sossegar.
— Talvez você devesse apresentar outra pretendente... — insinua —
Que tal a Olívia Dias Santos? — Ela me estudou atentamente em busca de
alguma reação que não veio.
— Você bebeu? Quer dizer, sei que oficialmente você está de férias,
pode beber, mas...
— O único aqui que parece movido a álcool é você, Máquina
Mortífera — sorri cinicamente — ou você acreditou mesmo que eu ia
comprar o seu súbito interesse em convidar duas crianças para esse jogo,
como fruto da sua benevolência? Eu vi a irmã dos meninos, sei o quanto ela é
linda e sei que você está determinado a levá-la para a cama de algum motel
caro. Mas ... — Não a deixo continuar, interrompo querendo evitar que ela
comece com um discurso sobre o que é melhor para mim. Basta a minha mãe
de babá na minha vida.
— Então deve saber que eu não entro numa partida para perder!
— Eu não costumo opinar sobre as mulheres que você leva para a
cama, mas dessa vez preciso dizer que ela não parece ser como as outras.
— Você fala isso pelas mensagens? — Eu havia comentado sobre a
“doçura” delas.
— Também, mas eu fui até a casa dela, o lugar é bem simples...
— Devo ficar receoso com ela? Há alguma possibilidade de ela tentar
me extorquir?
— Acho que não. É muito mais fácil você arrancar tudo dela, do que
o contrário acontecer. Intuição feminina!
— Ainda bem que você me conhece — sorri abertamente e ela
revirou os olhos. — Conseguiu confirmar a reserva?
— Sim, mas em troca você precisará tirar uma foto com o gerente do
lugar.
— Até quando eu serei moeda de barganha? — Perturbo. Era sempre
assim, bastava meu nome ser anunciado em boates para logo a minha entrada
ser liberada, o mesmo valia para reservas em cima da hora nos restaurantes.
A fama tinha o seu lado ruim, todavia não tenho muito que reclamar, ela me
trouxe mais coisas boas que ruins.
— Até quando pronunciar seu nome evitar que eu desperdice o meu
fim do dia ligando para diversos restaurantes em busca de uma mesa
reservada em cima da hora.
— Fico feliz que você seja uma mulher sábia! — Ela sorri.
— Roberval — dirijo-me ao motorista — vou sair com a Lamborghini
hoje à noite.
— O carro estará ao seu dispor no horário desejado, senhor Arthur.
— Você está realmente querendo impressionar a garota! — Pâmela
exclama — primeiro os presentes, agora o carro que é seu xodó.
Depois do futebol, a minha segunda paixão é automóveis. Cresci
acompanhando a fórmula 1 na televisão, sou daqueles que assiste programas
automobilísticos e visita exposições para conhecer os novos lançamentos. Ter
uma Ferrari vermelha era meu desejo de criança, eu fechava os olhos e
conseguia imaginar meu pai buzinando em frente à minha escola para me
buscar. A Ferrari veio muitos anos depois e eu pude sentir o gostinho de
conduzir uma máquina potente. Atualmente a minha paixão é a Lamborghini,
duas belezuras dessas estão na minha garagem, a preta na casa da minha mãe
e a cinza metalizada na minha casa em Londres. A última, fora presente de
um dos investidores do clube pelo título no campeonato mundial.
O que mais me atrai nesse carro é o seu estilo arrojado e esportivo.
Quando assumo o volante da Lamborghini, eu me sinto livre, o vento que
toca o meu rosto dá essa sensação de liberdade. Além do ronco do motor que,
ao acelerar, soa alto evitando qualquer linha de pensamento. O motor tem
uma potência de mais de setecentos cavalos, pena que, ao contrário das
estradas europeias, não posso colocar o motor a prova aqui no Brasil onde a
velocidade é controlada. Mas, ainda assim é o meu conversível favorito,
ninguém tem a autorização de sair com ele. Todos os outros estão à
disposição, mas ele não.
— Eu não jogo para perder! — Pisco em sua direção.
— Que o universo proteja a Olívia...

Estaciono o carro em frente ao endereço que o Waze indica e, para a


minha surpresa, a minha convidada já me espera parada em frente ao portão
da sua casa. Das duas uma: ou ela estava ansiosa pelo nosso encontro ou ela
queria se livrar o quanto antes disso. Para o bem do meu ego, eu fico com a
opção um.
Desço do carro, como o perfeito cavalheiro que sou, para abrir a porta
do carona. Olívia diminui a nossa distância com passos firmes. E mais uma
vez estou deslumbrado pela sua beleza natural: nada de maquiagem, nem
mesmo um gloss toca os seus lábios rosados. Que cor eles assumirão quando
eu a beijar? Seria rápido e quente ou lento e incendiário? Suas mãos
envolverão o meu pescoço ou ela ficará estática deixando que eu a conduza?
A escolha do vestido repleto de botões era proposital... Ela queria testar a
minha paciência enquanto eu abria cada botão da peça? E os cabelos presos
num coque desajeitado? Eu não via a hora de desmanchar o penteado e deixar
os cabelos caírem sobre seu colo. Meus pensamentos seguem um ritmo
acelerado e eu respiro fundo para controlar a situação. Tenho uma noite
inteira para descobrir e vivenciar todas as respostas.
— Apesar de sua tentativa de não chamar a minha atenção, você
falhou. Estou hipnotizado por sua beleza, Olívia.
— Hum... — ela hesita por alguns segundos — você não precisa dizer
o que você acha que eu quero ouvir.
— Vamos ficar nesse jogo de gato e rato? — Me aproximo e ela
recua, paro no meio do caminho. E seguindo o que aprendi no futebol,
retorno a defesa e começo novamente o contra-ataque — eu seria um tolo se
dissesse que mesmo usando a roupa da vovozinha você ainda está
deslumbrante? — Olho descaradamente dos seus pés a sua cabeça, desejando
ser o tecido que envolve o seu corpo.
Ela distribui o peso de um pé para o outro revelando a sua
impaciência, e eu continuo a tortura e continuo a comê-la com os olhos.
— Para sua informação, a roupa é da mamãezinha — aponta para a o
vestido com estampa de bolinhas brancas.
A roupa era releitura da moda dos anos 80, aqueles vestidos de busto
marcado. Em qualquer outra mulher seria uma péssima escolha, visto que não
se trata de uma festa temática, mas em Olívia a peça ganhava um destaque
único, o vestido ressaltava cada parte do seu corpo escondida nas calças
jeans.
— Minha mãe que fez.
— Então, o vestido foi feito especialmente para esse encontro? —
Ergo a sobrancelha sugestivamente.
— Não seja pretensioso — rebate sorrindo — eu jamais me daria a
esse trabalho. Essa era a roupa que minha mãe fez para uma festa a fantasia,
achei que combinava com o momento.
— Você realmente povoa a minha fantasia. — Jogo e espero a sua
reação, ela permanece estática quando me aproximo, acaricio o seu rosto com
delicadeza, ela não repele o meu toque, apenas deixa escapar um suspiro alto.
Uso a mão livre para tocar a sua cintura e puxá-la para mais perto.
Inalo o seu cheiro e deslizo o nariz pelo seu pescoço. Prossigo a exploração,
quero descobrir o que a faz suspirar mais alto, quando ela chama meu nome
num sussurro eu sei que estou no caminho certo.
— Arthur! — Um grito estridente, parece despertá-la e ela me afasta
com um empurrão — É ele mesmo, o Máquina Mortífera. — O garoto grita
mais uma vez e faz sinal para que os outros se aproximem.
Segundos depois, estamos cercados de dezenas de meninos. Todos
afoitos para dizer o quanto são meus fãs.
“Você poderia autografar minha bola?” “Meu sonho é ser um grande
jogador como você!” “Você me dá uma chuteira nova?” “Arthur, bem que
você poderia realizar nosso sonho em bater uma pelada com a gente.” Uma
mistura de vozes e pedidos chegam até os meus ouvidos, mas eu não consigo
discernir quem falou o quê!
— A caneta! — Olívia me surpreende estendendo uma caneta. Aceito
e rabisco a minha assinatura em camisas e bolas, não sem antes prometer que
voltarei para uma partida de futebol.
— Vamos acabar logo com isso — ela abre a porta do carro e entra.
Ela tem razão, precisamos logo acabar com essa tensão sexual, por
isso caminho apressado antes que sejamos interrompidos novamente. Coloco
o carro em movimento e os moleques seguem correndo ao lado, acenando.
O trajeto até o restaurante é preenchido pela voz única da Elis Regina,
Olívia permanece com o corpo voltada para a janela, evitando qualquer
contato visual. Mais do que a sua postura recuada, era como se ela estivesse
me evitando depois do nosso quase beijo. Evito o confronto e deixo-me levar
pelas canções.
No restaurante, fomos recepcionados pelo gerente que nos guia até a
mesa para dois localizada do lado esquerdo do ambiente. Olívia caminha ao
meu lado e, durante o nosso curto trajeto, somos alvos de olhares curiosos.
Um homem é repreendido, pela mulher ao seu lado, quando vira a cabeça
para acompanhar Olívia.
— Obrigada! — Ela agradece quando o gerente afasta a cadeira para
que ela sente. Olívia estuda o lugar com atenção, o ambiente segue a linha
marítima, âncoras, velas e barcos decoram o espaço, as paredes seguem um
dégradé de tons azuis e as mesas são revistadas de toalhas de renda branca,
todos esses itens tornam o ambiente aconchegante.
— Boa noite — o garçom nos cumprimenta e sinto a postura dela
enrijecer quando ele dispõe o cardápio à sua frente — Estamos muito felizes
em recebê-los em nosso restaurante. Nossa cozinha alia os sabores e aromas
da culinária brasileira à mediterrânea, sendo os frutos do mar a nossa
especialidade. Além do mais, possuímos uma adega com mais de duzentos
rótulos, entre champanhes, proseccos, espumantes, vinhos de sobremesa que,
embora possam ser saboreados sozinhos, recomendo que peçam, de fato, com
as sobremesas. Além dos tintos clássicos.
— Eu estou dirigindo, mas tenho certeza que a Olívia gostaria de uma
taça de um bom vinho.
— Não, eu não gostaria... — Ela discorda.
— Uma taça, Olívia. — Insisto.
— Não tenho o hábito de beber... — confessa — além do mais, não
saberia o que escolher.
O garçom continua parado a nossa frente, seus olhos estão voltados
para baixo numa postura profissional, mostrando-se alheio a nossa conversa.
Quando nos calamos, ele intervém.
— Se a senhora me permite, posso fazer uma sugestão? — Ela assente
em concordância — Sugiro o rosado espanhol, uma bebida suave e
adocicada.
— Se você não gostar, não precisa beber — informo.
— Vou aceitar a sua sugestão! — Ela responde, sorrindo.
O garçom se afasta e Olívia volta a sua atenção ao cardápio. Tenho
certeza que, pelo tempo que ela se dedica a ele, já decorou todos os pratos.
Seu rosto está coberto pelo mesmo, por isso me permito analisa-la sem correr
o risco de ser pego em flagrante. Somente quando o garçom retorna com as
nossas bebidas, ela larga o cardápio. Olívia leva a taça a boca e eu aguardo
em expectativa a sua opinião, o primeiro gole é pequeno, e eu não sou o
único ansioso pela sua impressão, o garçom observa atento às suas
expressões.
— E aí, o que achou? — Pergunto em expectativa.
— É delicioso — ela diz pousando a taça na mesa — adocicado, mas
nada enjoativo. Muito bom!
— Fico feliz em ter acertado — O homem sorri — Posso separar a
garrafa?
— Claro!
— Não! — Dizemos ao mesmo tempo.
— Você não vai me embebedar! — Ela me acusa.
— Jamais disse que iria — sorrio — pretendo apenas te proporcionar
uma excelente noite.
— Eu não preciso beber para isso.
— Você discorda com todo mundo ou o lance é só comigo?
— Não é intencional, acredite!
— Não é o que parece.
— Prontos para os pedidos? — O garçom intervém no momento
certo, antes que ela possa discordar novamente.
— A Olívia realizará os pedidos, tenho certeza que ela já sabe o
cardápio de trás para frente — ela me fuzila com o olhar e eu dou de ombros
sorrindo.
— Eu volto em alguns minutos, fique à vontade.
— O que você pretende? — Ela rosna quando o homem se afasta.
— Que você se sinta à vontade! — Rebato
— Você sabe muito bem que eu nunca vim a um lugar como esse e
que tampouco sei o que pedir para jantar. Foi para isso que me convidou?
Para me constranger? — Ela levanta pronta para ir embora, mas eu a impeço
segurando seu braço — Sinto muito, mas eu não irei me sujeitar a isso.
— Olívia, eu não tive essa intenção, acredite em mim — diminuo a
pressão no seu braço, mas não o solto, permaneço com o toque. — O meu
convite para esse jantar, não tem nada de nobre, confesso. Entretanto, eu
jamais convidaria você, ou qualquer outra mulher, para constrangê-la. — Ela
me encara e vejo a dúvida surgir em seu olhar. — Se, ainda assim, você
quiser ir embora eu posso te levar ou pedir um táxi para você. A escolha é
sua!
— Eu vou ficar — ela responde e eu não contenho a expressão de
felicidade — Mas só porque eu estou com fome.
— Excelente escolha — sorrio — alguma alergia a frutos do mar?
— Nenhuma, mas se posso pedir, que seja algo nada muito elaborado.
Estou tentando entender para que todos esses talheres e copos.
— Não se preocupe — toco a sua mão sobre a mesa — você precisa
apenas repetir o que eu fizer, é simples. O que acha de Carpaccio de palmito
com camarão e vinho do porto?
— Parece delicioso.
Aceno para o garçom e faço os nossos pedidos. Enquanto
aguardamos, o clima entre nós melhora gradativamente. Pergunto sobre seus
irmãos e ela se empolga ao falar sobre os dois. Jantamos tranquilamente
enquanto descubro que ela cursa pedagogia e trabalha meio período em uma
escola. Ama ler e acredita na mudança através da educação. O brilho no olhar
quando ela fala é encantador, a sua alegria e amor pela família e profissão é
algo bonito de se ver.
— Nenhum namorado? — Pergunto, enquanto comemos a sobremesa.
— Se ele existisse eu não estaria aqui, não acha?
— Tem razão. — Sorrio.
— Eu não quero dizer que estamos num encontro — ela se corrige
rapidamente — é que seu estivesse namorado eu não estaria aqui, estaria com
ele. Você entendeu, não é?
— Sou tão abominável assim, para que a ideia de um encontro te
apavore tanto? — Ergo a sobrancelha.
— Eu não diria abominável, terrível talvez — ela sorri — e você meio
que me coagiu a aceitar esse jantar.
— Foi a única forma que encontrei em ter a sua atenção — ela sorriu
e volta a saborear o petit gateau. — O celular está no carro, quero que fique
com ele.
— Não insista nisso, Arthur.
— Pararei por um tempo se você me passar seu número de verdade —
ela me encara, ponderando as opções — devo lembra-la que sei onde mora?
— Tudo bem, podemos dizer que você tem vantagem tática — ela
sorri abertamente e diz os números, dessa vez eu testo discando e ouço
aparelho tocar.
Peço a conta e tiro a foto que a Pâmela prometeu a quem nos
conseguiu a mesa. Enquanto aguardamos o manobrista, meu celular vibra e
retiro ele do bolso para conferir a mensagem:
Quando você pretendia me contar que está no Brasil? Sei que já
passou da hora do jantar, mas que tal me convidar agora? Eu posso ser a
sua sobremesa. Saudades.
A mensagem é da Laila, uma amiga. Sorrio para a tela, ao notar a
premissa para melhorar a minha noite com o seu convite. Mas Olívia me
encara e eu a pego em flagrante.
— O que foi? Só olhei porque você estava sorrindo feito bobo para o
celular.
— Era uma amiga. — Respondo para provocá-la.
— Eu não perguntei quem era.
— Mas eu quis responder.
— Que seja! — Dá de ombros.
O manobrista estaciona o carro e abro a porta para que ela entre,
agradeço ao homem e quando estou entrando no carro, sou abordado por dois
homens para tirar foto, o manobrista aproveita a deixa e também pede para
registar o momento.
— É sempre assim? — Ela me pergunta quando coloco o carro em
movimento — Você sempre é abordado em todos os lugares?
— Sim. Na Europa um pouco menos, mas ainda bastante.
— Deve cansar ser o centro das atenções.
— Com toda certeza — concordo — às vezes tudo que você quer é
desfrutar de um jantar apenas, mas sempre tem alguém para interromper e
pedir uma foto. Todavia, não posso negar que tem o lado bom, saber que
você é querido pelos outros e receber esse carinho, compensa.
— Não sei se eu me acostumaria com isso. Quer dizer, não ter
privacidade, ter seus passos registrados a todo momento...
— E você só me diz isso agora? — Sorrio — Amanhã mesmo seu
rosto estampará algum Instagram de fofoca.
— Mas só por que eu jantei ao seu lado?
— Não somente por isso, você já se olhou no espelho? Você é linda
demais para passar despercebida, ao meu lado então, você apenas se sobressai
em meio à multidão.
— Você é muito convencido! — Ela sorri — A imprensa brasileira
tem razão quando te chama de marrento.
— Eles não estão cem por cento errados — Sorrio, paro o carro no
farol e eu desvio a atenção para ela. — Eles vão me chamar de sortudo
quando virem a minha foto ao seu lado — seus olhos piscam diversas vezes
quando inclino a cabeça em sua direção. — A noite foi boa, mas posso
melhorá-la. Eu quero ficar a sós com você, num lugar onde eu não precise
dividi-la com mais ninguém. — Toco seu rosto e sua postura enrijece.
O que estou fazendo de errado?
— Eu quero ir para casa... — Sua voz sai fraca — Por favor.
— Desculpa — afasto a minha mão — fui rápido demais?
— Não, você superou as minhas expectativas — ela diz visivelmente
envergonhada — Foi super gentil. É só que...
— Só que? — Arqueio a sobrancelha. O barulho das buzinas me
alerta para que o semáforo abriu, acelero o carro e continuo esperando a sua
resposta.
— Não vai rolar! — Ela completa — Talvez eu devesse ter dito isso
assim que entramos no carro, pouparia você de me levar para jantar.
— Olívia, nada me faria declinar do convite. Foi o encontro mais
divertido que eu já tive em anos — ela me olha com descrença — você não
fez o mínimo esforço para me agradar ou seduzir, e isso é muito raro. Jantar
com você já valeu a minha noite.
— Devo confessar que foi mais agradável do que eu imaginei.
Embora, tenha que discordar que foi um encontro.
— O que faltou para ser um encontro? — Indago curioso.
— Em primeiro lugar, o mútuo sentimento, não estamos
minimamente emocionalmente envolvidos.
— Fale por você! — Rebato, sorrindo.
— Desejar me levar para a cama não é estar envolvido
emocionalmente.
— Há controvérsias — Discordo mais uma vez apenas para
desconcerta-la — Prossiga com sua enumeração de requisitos para um
encontro.
— Em segundo lugar, o local escolhido. Eu simplesmente amei o
restaurante, mas se isso fosse realmente um encontro eu esperaria jantar à luz
de velas, música ambiente romântica e o principal que o meu companheiro de
jantar fosse alguém comum, não um astro do futebol. É terrível jantar e ver
que todos ao redor parecem hipnotizados por você, quantas vezes fomos
interrompidos por alguém em busca de uma foto ou autógrafo?
O vinho tinha atiçado ainda mais a sinceridade em Olívia, ela não
estava bêbada, afinal foram apenas duas taças, mas o álcool tinha rompido de
uma vez por todas a barreira que nos separava. Além de deixar seu rosto em
um tom rosado natural e seu semblante mais risonho.
— Eu posso providenciar todos os itens, menos o último. Mas,
sempre posso sair disfarçado. Que tal um bigode português ou uma costeleta
do Elvis Presley?
Ela gargalha alto com a minha sugestão e a sua risada preenche o
carro e me pego rindo de volta com ela.
— Não teremos outro jantar, Arthur.
— Isso é você que está dizendo.
— Vai me coagir novamente a aceitar?
— Não. Vou convidar e torcer que você aceite.
Ela não responde. Pelo menos, não nega.
Vinte minutos depois, estaciono em frente à sua casa. A rua estava
mais silenciosa do que antes, mas era possível ver pessoas sentadas em frente
as suas casas, conversando. Olívia retira o cinto de segurança e volta-se para
mim.
— Obrigada pelo jantar.
— Eu que agradeço pela companhia.
— Ficamos por aqui — sorri — tchau!
— Quando vamos nos ver novamente?
— Você não desiste?
— Não, quando eu sei o quero — fito seus olhos demoradamente — e
eu quero você! — Surpreendo-a e beijo o seu rosto no canto da boca.
— Eu... — gagueja — acho que eu preciso ir embora.
— Vá enquanto eu consigo me controlar. Até breve, Olívia.
— Tchau, Arthur.
Olívia leva a sério o que eu falo, desce do carro e caminha apressada
para a sua casa. Espero ela fechar o portão e estar segura, principalmente das
minhas garras, para partir em disparada.
A lguns dias

meu jantar com o Arthur. Não que eu esteja contando os dias, é que, de
alguma forma, estar com ele naquele restaurante não passou despercebido.
se
passaram desde o

Uma foto de nós dois aguardando o manobrista foi replicada em inúmeros


IG's de fofoca, eles me apontavam como o novo affair do jogador. O que
ocasionou um aumento assustador de seguidores no meu Instagram, assim
como as solicitações de amizade no Facebook. As notificações de mensagens
não paravam de chegar, muitas pessoas querendo saber qual era a minha
relação com o Arthur Silva e outras solicitando entrevistas.

"ARTHUR SILVA JANTA COM LOIRA MISTERIOSA. SERÁ


ELA CAPAZ DE OCASIONAR SUA TRANSFERÊNCIA PARA O
CAMPEONATO BRASILEIRO?".

Eu nem sabia que havia possibilidade de ele jogar no Brasil, o que eu


poderia dizer para essas pessoas? Por isso optei pelo silêncio, ignorar as
notícias parecia melhor que aparecer e negar o boato. Para me dar mais
privacidade, tornei o meu perfil privado nas redes sociais.
Minha mãe acreditava que em poucos dias eu seria esquecida por
alguma fofoca de uma web-celebridade e eu torcia para que isso logo
acontecesse. Não pude deixar de pensar em como as mulheres da vida de
Arthur lidavam com essa exposição... Que ele tenha se acostumado com o
interesse das pessoas em sua vida particular é natural, afinal ele é uma figura
pública e as pessoas tem curiosidade em saber tudo sobre pessoas assim.
Desde a marca do esmalte que a protagonista da novela usa ou onde o cantor
X passou o fim de semana. Entretanto, as pessoas ao seu redor, amigos e
familiares que, em sua grande maioria, são pessoas "comuns" acabam sendo
alvo dessa curiosidade. Como lidam com isso?
Eu, por exemplo, apenas fui fotografada ao lado do Arthur e a minha
vida estava sendo observada. As pessoas falaram que ousei com o estilo do
vestido e queriam saber a marca dele. Mas, gente, eu não sou um desses
famosos! Eu sou apenas uma mulher que se divide entre a faculdade, o
trabalho e a sua família. Uma mulher que, até dias atrás, acreditava que todo
o glamour de frequentar um restaurante chique na companhia de um homem
deslumbrante fosse roteiro das novelas que assistia.
E agora, essa mulher descrente, não conseguia parar de pensar em
como estar ao lado do Arthur havia sido incrível. O ambiente, a comida, a
companhia... Arthur havia me surpreendido quando se revelou um homem
respeitoso e educado, ele não avançou o sinal em nenhum momento, mesmo
diante da minha vulnerabilidade. Estivemos muito próximos de nos
beijarmos, até sermos interrompidos pelas crianças, e o que é mais chocante é
que eu permitiria que ele me beijasse naquele momento. Eu deixaria que uma
pessoa que eu acabei de conhecer me beijasse em frente à minha casa... É
preciso admitir que um único dia ao seu lado foi mais excitante que os meus
últimos meses da minha vida.
As fotos não fazem jus a sua beleza. Na verdade, palavras parecem
insuficientes para descrevê-lo. Quanto mais eu o observava, menos conseguia
traduzi-lo. Dizer que ele é uma representação contemporânea dos deuses da
Grécia Antiga, é pouco. Assim como é o mínimo pensar que os poetas fariam
odes a sua figura e o transformariam em seu “muso” inspirador.
Compositores escreveriam canções enaltecendo os dois oceanos cintilantes
que são os seus olhos, olhos que seduzem e iluminam o mundo ao seu redor.
Eu já tinha visto aquele rosto infinitas vezes, é bem verdade. Arthur
Silva – o máquina mortífera – decorava o quarto que eu dividia com os meus
dois irmãos mais novos. Atrás da porta havia um pôster de corpo inteiro do
jogador. Na imagem, ele aparecia fazendo embaixadinha vestindo a camisa
da Seleção Brasileira. E ultimamente, é como se aquela droga de imagem
tivesse ganhado vida. Todas as noites, antes de dormir, o craque me fita em
um desafio mudo: "desvie se for capaz" e eu me rendo, enquanto sou guiada
para o mundo dos sonhos.
Afugento os pensamentos quando desço do ônibus e caminho em
direção ao meu lar. Percorro o mesmo caminho todos os dias, quatro quadras
me separam da minha casa, paro no meio do caminho para comprar pão e
leite, cumprimento a dona Dolores que faz a sua caminhada noturna, e sigo
em linha reta. Já consigo ver a minha casa no final da rua, mas a grande
movimentação chama a minha atenção. Meu coração bate
descompassadamente e minhas pernas vacilam, a última vez que isso
aconteceu foi em um enterro. A aflição cresce dentro de mim e eu forço
minhas pernas a caminharem mais depressa, passo após passo me aproximo e
quando escuto o som da gargalhada dos meus irmãos, solto o ar aliviada.
Mas nada me prepara para o que vejo: Arthur Silva em todo o seu
esplendor. Ele está sentado no meio-fio, rodeado dos moleques da rua, mas se
levanta em um salto, me fazendo paralisar a poucos metros e quase babar. Ele
está sem camisa e o que eu vejo só me prova que suas fotos não recebem
retoques de photoshop. Que corpo! O peito é definido, sem pelos e a barriga
segue um trincado de músculos firmes... É a perfeição da forma humana, não
parece ser real. Nunca tive a oportunidade de estar tão perto de um homem
definido, e sem que eu detenha os meus pensamentos, começo a pensar que
textura teria aquela pele que mais parece esculpida em mármore. Como seria
tocar os seus bíceps e seguir o caminho pelo seu peito, percorrer o seu
abdômen até chegar...
— Olívia! — O grito estridente faz com que eu deixe a pasta que
trago nas mãos cair, me trazendo para a realidade. As atividades dos meus
alunos que eu trouxe para corrigir em casa se espalham no chão.
— Eu não quis te assustar, Oli... — Meu irmão mais novo se
desculpa.
— Tudo bem, eu que estava distraída... Agora segura isso, por favor
— estendo o pão e o leite e agacho para pegar as folhas, antes que elas sejam
levadas pelo vento.
— Aqui! — Arthur é mais rápido, se agacha e recolhe a maior parte.
— Obrigada — agradeço e pego os papéis das suas mãos, nossos
dedos resvalam e sinto uma vibração diferente percorrer todo o meu corpo
com o simples toque.
Ele não se afasta, eu não me afasto. Ele se aproxima e eu não recuo.
Sua mão grande coloca o meu cabelo para trás da orelha e se demora um
pouco mais, tocando meu rosto num toque delicado que me faz fechar os
olhos e curtir o gesto.
— Eu adoraria te beijar agora, mas acho que seus irmãos não
gostariam que eu a beijasse na frente dos amigos deles... — ele sussurra
próximo ao meu ouvido e aproveita a proximidade para tocar minha orelha
com o nariz, inalando meu cheiro. Aquilo torna tudo ao meu redor mais
quente... É sensual. É mais do que o suficiente para as minhas pernas
flexionadas fraquejarem. — Devo fazer o que seus irmãos querem ou que nós
queremos, Olívia?
— Eu... — Hesito e vejo o sorriso contornar o seu rosto. Quando ele
sorri, acabo de notar, duas covinhas aparecem, marcando o rosto, tornando-o
mais humano.
— Teremos uma melhor oportunidade para isso, eu garanto — ele
fica de pé e estende a mão.
Era a segunda vez que, mesmo sem pedir, ele conseguia comandar o
meu corpo e paralisar o meu cérebro. Você não é assim, Olívia. Não mesmo!
Repito tentando acalmar o furacão crescente dentro de mim. Ergo-me
dispensando a sua mão.
— Entrem! — Indico para que meus irmãos entrem em casa. Sob
protestos e reclamações, eles passam portão adentro.
— Não vai me convidar para entrar? — Arthur questiona impedindo
que eu feche o portão.
— Não — respondo e empurro o portão, mas ele não se move.
— Isso é por que eu não te beijei? — Ele coça a cabeça
aparentemente confuso — eu estava agindo como achei que você gostaria que
eu agisse, mas sempre posso ser imprudente — ele empurra o portão
forçando passagem, recuo com o cadeado em mãos, como se ele fosse
impedir que aquele homem avançasse sobre mim.
— Você não é o centro do meu universo... — Minha voz falha.
— Eu vou te beijar agora, Olívia — ele sorri — aí sim me tornarei o
centro da sua vida — completa, presunçoso.
— Você não ousaria...
— Por que não? — Ele me puxa para si, nos levando até o canto,
distante da visão da rua — não foi você que me acusou de ser movido a
aprovação feminina? — arqueia a sobrancelha — estou sedento por sua
aprovação — sussurra antes de depositar um beijo no meu pescoço e iniciar
uma tortura lenta e saborosa de beijinhos em meu pescoço, orelha,
bochecha...
A cada beijo meu corpo esquentava um pouquinho mais, era como se
ele estivesse espalhando álcool, para só depois jogar o fósforo aceso e deixar
o fogo queimar. A essa altura meu corpo duelava contra o meu cérebro. A
parte racional gritava que eu deveria afastá-lo, enquanto a outra parte
clamava para que ele fosse direto ao ponto e me incendiasse por completo.
Arthur deposita um beijo casto nos meus lábios, me surpreendendo
quando o primeiro contato dos nossos lábios é delicado. Ele estaria me dando
a oportunidade de recuar? Não sei se eu devia ficar feliz ou triste pela
possibilidade da escolha... Tá, eu sei! Eu esperei que na hora que Arthur me
beijasse ele fizesse jus ao seu apelido.
Como se lesse os meus pensamentos, ele intensifica o contato. Sua
língua acaricia os meus lábios e abro a boca para que ele tenha total acesso.
Arthur segura o meu rosto com firmeza e beija a minha boca, impondo o
ritmo, rodopiando em minha boca. Fazendo-me girar sem sair do lugar. Meus
dedos agarram seus curtos fios de cabelo na tentativa vã de me manter firme.
Ele suga meus lábios e inspiro fundo sentindo todo o meu corpo acordar.
Arthur se esfrega contra mim, e posso sentir uma ereção surgir contra
a minha barriga. Aquele deveria ser o sinal para que eu tomasse as rédeas da
situação... Ele precisa recuar, eu preciso me afastar. Mas nenhum de nós cede
espaço. Inspiro fundo quando suas mãos deixam o meu rosto e apertam a
minha bunda, com força calculada. Nossas bocas se desgrudam quando ele
segue em direção ao meu pescoço e meu primeiro gemido por causa dele
escapa quando suas uma de suas mãos se fecha em meu seio. Fecho os olhos
sentindo todo o meu corpo arder em chamas.
As sensações provocadas por ele são novas para mim. Nada havia
sido tão incendiário, meus namorados nunca me provocaram dessa forma.
Arthur parece ter a bússola do meu corpo. Cada toque é certeiro, como se
conhecesse o meu corpo mais do que eu mesma.
— Me diz para parar... — Ele sussurra beijando meu colo. Sua boca
morde meu seio encoberto pela blusa e pelo sutiã. Enquanto a sua boca me
toca, sua mão segue o mesmo caminho, ele abre o botão da minha calça. E eu
acordo do meu torpor. — Aposto que você está molhada...
— Não! — Seguro a sua mão e ela para segurando o zíper. — Eu me
deixei levar, mas não sou assim — me afasto, tentando ordenar meus
pensamentos.
— Não estou te julgando.
— Eu deveria ter repelido você desde o primeiro toque.
— Era o que realmente queria? — Ele ergue meu rosto para que eu
olhe em seus olhos — Você gostaria que eu tivesse parado?
— Não — respondo fracamente — Mas, ainda assim eu deveria ter
colocado um basta.
— Por que?
— Porque é o correto.
— Certo e errado não são verdades universais.
— Para mim, são!
— Eu devo me desculpar com você?
— Não, eu permiti que tudo isso ocorresse.
— Que bom — ele sorri aliviado — porque estaria mentindo se
fizesse isso. Não quero ter que me desculpar por ter te beijado, quero fazer
isso repetidas vezes.
— Arthur... — Ele me silencia levando os dedos aos meus lábios.
— A menos que você não queira, e seu corpo já me mostrou que você
quer, eu não vou me afastar de você.
— O que isso significa?
— Ainda não sei — dá de ombros — mas podemos ver no que vai
dar...
— Filha — minha mãe grita — a comida vai esfriar!
— Sua mãe me convidou para jantar — Ele sorri.
— Na nossa casa? — Indago surpresa.
— Sim, estive a sua procura mais cedo. Sua mãe ficou bastante feliz
quando elogiei o vestido que ela confeccionou, ela me serviu bolo de cenoura
com calda de chocolate e eu não pude negar quando ela me convidou para
jantar.
— Minha mãe deve ter esquecido quem você é.
— Quem eu sou?
— Arthur Silva, o astro do futebol. Não temos nem louça adequada
para recebê-lo.
— Você está enganada — nega com a cabeça sorrindo — Aqui eu sou
apenas o Arthur, o cara que está encantando pela Olívia e não consegue parar
de pensar nela nem por um segundo.
— Arthur...
— Eu estou falando sério. A não ser que você queira e me convença
de que realmente é o que deseja, eu não me afastarei.
— Filha! — Minha mãe grita mais uma vez.
— Já estamos indo! — Arthur grita em resposta.
— Assim sem camisa?
— Alguma objeção? — Sorri — Minha camisa está na sala, enquanto
aguardava a sua chegada eu aproveitei para jogar uma bola com os moleques
da rua.
— E precisava mesmo fazer isso sem camisa?
— E como eu iria chamar a sua atenção? — Arqueia a sobrancelha.
— Não acredito que tudo isso foi um plano para me seduzir...
— Esse foi apenas o esboço do plano — ele segura a minha mão —
todo o meu plano consiste em dominar os seus sentidos assim como você fez
comigo.
— Acho melhor entrarmos, antes que você decida pôr o seu plano em
ação novamente.
— Você não se livrará de mim assim tão rápido. Eu conto com seus
irmãos para me ajudar no plano de conquistá-la.
— Você joga sujo!
— Eu nunca disse o contrário.
— Não sou o tipo de mulher com o qual você está acostumado,
Arthur.
— Notei isso desde a primeira vez em que te vi, Olívia. Deve ser por
isso que estou fascinado. Vamos entrar antes que sua mãe venha ver o motivo
da demora — ele pisca e segue para dentro da minha casa.
O jantar foi estranhamente comum. Meu irmão mais velho se
surpreendeu um pouco ao encontrar o astro de futebol em nossa humilde
residência, mas passado o choque inicial, sentou e comemos todos juntos.
Futebol, claro, foi o assunto principal na mesa. Era estranho, mas de alguma
maneira maravilhoso, pensar que a minha vida poderia ser assim: ter um
homem lindo ao meu lado, jantando comigo sempre e despertando novas
sensações em meu corpo. Mas as coisas não eram assim e aquele não era um
homem qualquer, era egoísmo desejar que ele fosse só meu?
Era sim, mas pela primeira vez em anos, eu me apeguei ao egoísmo
por algumas horas. Quando ele se fosse, eu cairia em mim novamente.
C omo capitão
minha equipe de
futebol, eu lidava diariamente com as mais variadas emoções dentro de
da

campo. Uma partida de futebol não é, como muitos pensam, apenas onze
pessoas correndo atrás da bola, disputando lance a lance o gol. A grande
magia nesse esporte consiste em o adversário, ainda que seja inferior a você,
poder se sobressair. Isso não acontece, por exemplo, na natação, pois o
recordista em duzentos metros rasos dificilmente será batido pelo centésimo
no ranking. Já no futebol, não é incomum. Estatisticamente, o clube com
maior número de gols marcados, menor número de gols sofridos, maior
número de vitórias e elenco de renome renderá positivamente frente aos
outros clubes com dados inferiores. Todavia, isso não impossibilita que
grandes equipes sejam derrotadas por times “menores”.
Oswald de Souza, matemático famoso por embasar estatísticas
futebolísticas, que me perdoe, mas estatística e futebol seguem caminhos por
vezes paralelos. Como capitão precisei discursar diversas vezes antes de
entrar em campo deixando claro que entraríamos em campo e venceríamos o
jogo, pouco importando se precisávamos reverter o placar de dois gols
negativos para avançar no campeonato. Eu deixava toda essa parte da
matemática com a comissão técnica, a minha parte era motivar cada um
daqueles homens e convencê-los que até que o apito final soasse estaríamos
lutando pela vitória. Para isso, era preciso lidar com o turbilhão de emoções
que o futebol pode proporcionar. É preciso ativar a inteligência emocional se
você pretende vencer. Ninguém quer sair derrotado, por isso era preciso lidar
com a ânsia de vencer e o fantasma da derrota que caminham lado a lado.
Em um minuto o seu time pode abrir dois gols no placar e no seguinte
sofrer uma reviravolta. É nesse exato momento que entra o capitão,
simbolicamente, ele é o responsável por comandar a sua trupe em busca da
vitória. Essa liderança nem sempre é percebida, se visualmente você
identifica o capitão pela faixa em torno do braço, na prática ele exerce o
poder muitas vezes a partir do seu posicionamento, um bom capitão é aquele
que lê a partida como um todo, atento ao adversário, mas principalmente aos
seus amigos.
Assim como em campo, eu sou o capitão da minha vida. Se quero
algo, corro atrás e luto por isso, mesmo que demore mais tempo que o
previsto. Gosto de desafios e foi esse o motivo pelo qual me aproximei de
Olívia. A garota era a primeira em anos que me desafiava. Isso me deixou
atraído. Além da beleza, que me fazia deseja-la. Nosso primeiro jantar não
rendeu nada além de boas risadas e provocações mútuas, e isso deveria ter
sido o suficiente para eu apagar a sua lembrança da minha memória e partir
para outra. Mas aquele jogo difícil estava me atraindo cada vez mais.
Não posso negar que eu saí com outras mulheres, mas a minha mente
me traía a cada tentativa de conhecê-las. Nenhuma delas era franca o
suficiente para dizer na minha cara que eu era um boçal por frequentar uma
boate cercado de seguranças, tentando evitar que interrompessem a minha
noite. Elas também não me olhavam como se eu fosse o lobo mal, pronto
para atacar. Pelo contrário, eram elas que tentavam me atacar.
Era difícil admitir, mas estava sendo derrotado no meu próprio jogo
de sedução e não adiantava negar, Olívia tinha me seduzido mesmo sem ter
essa pretensão e agora teríamos que lidar com esse fato.
Se eu pudesse, passaria os dias que ainda me restam no país com ela,
mais especificamente em uma cama. Mas a garota vive me cozinhando em
banho-maria. É como se ela fizesse questão de preencher a agenda dela:
trabalho acadêmico para ontem, seminário para hoje, correção de atividades
dos alunos para amanhã. E aquele celular dela que vive descarregando! É
hora de marcar em cima.
Pego meu celular, mas ele começa a tocar e dessa vez sou
surpreendido: Olívia me ligando.
— Estava quase ligando para você...
— Se eu soubesse teria esperado alguns segundos.
— Fico feliz em saber que você também está pensando em mim,
vamos jantar hoje?
— É a minha vez de te convidar, mas não se empolgue demais a gente
vai de ônibus.
Gargalho alto diante da sugestão.
— Vamos para onde você quiser, mas não de ônibus ou não daremos
muitos passos quando perceberem quem eu sou. Além disso, não precisamos
arriscar a nossa segurança. Eu pego você que horas?
— Uber então? Arthur aquele carro chama atenção demais e eu quero
ir em um lugar público.
— Eu tinha esperanças de que você fosse me levar ao motel —
insinuo, ela fica em completo silêncio — tudo bem, Olívia vou com um carro
discreto.
— Você pode me pegar no trabalho, às 17 horas, anote o endereço...
— ela dita e eu gravo na memória. — Agora preciso ir. Até mais tarde,
Arthur.
— Olívia, não vejo a hora de estar com você.
— Nem eu, beijo — ela desliga.
Agora é só provocá-la bastante e no fim da noite estaremos felizes e
saciados.
Chego ao local indicado dez minutos antes do horário combinado. A
escola particular é grande e a movimentação de carros em frente é intensa,
com o desembarque de pais e embarque das crianças. Passo os minutos
seguintes olhando o Instagram e as novas especulações ao meu respeito. É
impressionante o quanto as pessoas perdem tempo cuidando da vida dos
outros, mas já estou acostumado com isso e tento evitar ao máximo curtir ou
responder comentários de assuntos sobre mim, graças a todos os sermões da
Pâmela. Já me meti em muitas tretas por bobagem e com o tempo aprendi
(sob puxões de orelhas) que é mais vantajoso fingir que não vi. Isso não
significa que não fique com muita raiva e xingue em alto tom alguns filhos da
puta, mas nas redes finjo demência, faz parte do show.
Assim que ela põe os pés fora da escola eu a vejo. Olívia está usando
uma saia com estampa de flores, justa e que chega até o meio das coxas. A
blusa é preta, simples, sem decote e com mangas curtas. Os pés estão
calçados em sapatilhas pretas. Há uma mochila em suas costas e uma garrafa
de água em suas mãos. Ela está sorrindo abertamente em uma conversa muito
interessante com um cara que usa calça jeans e camisa polo. O babaca só falta
babar perto dela e está de mãos dadas com um garotinho, ele não se comporta
perto de crianças? Bufo ao vê-lo se despedir com dois beijinhos. Só então,
com o olhar, ela faz uma varredura ao redor, checando o celular.
Buzino duas vezes e ela olha na direção do carro. Baixo os vidros
escuros para que ela tenha certeza que sou eu antes de entrar. Quando ela
senta no banco do carona, mal dou tempo para que ela feche a porta. Seguro
firme no coque do seu cabelo e ataco sua boca. Ela é tomada de surpresa e
demora a reagir, mas quando minha língua serpenteia dentro da sua boca ela
segura meu rosto e retribui.
Afasto-me o suficiente para empurrar a mochila do seu colo até o piso
do carro. Puxo seu cabelo para ter acesso ao seu pescoço ao mesmo tempo
em que pego firme em sua coxa exposta.
— Arthur... — ela me chama em um sussurro — por favor, não —
ignoro o pedido e deixo a minha mão subir firme um pouco mais. — Não! —
ela diz com firmeza, empurrando meu peito.
— Tudo bem, já parei — respiro fundo segurando o volante para
manter as mãos longe dela — não deu para me segurar. Olá, Olívia.
Ela também respira fundo.
— Você precisa se controlar, estamos em frente a uma escola, que por
sinal é a que eu trabalho.
— Quem era o cara? — ela me olha como se não tivesse entendido a
pergunta — o que acabou de se despedir.
— O pai de um aluno. Está parado aqui há muito tempo?
— Tempo o suficiente para admirar suas pernas nessa saia.
— Acabei de colocá-la. Por isso a mochila hoje. Estou na rua desde
cedo.
— Dessa vez posso presumir que se vestiu para mim? — ela ri.
— Talvez. Vamos? Temos um passeio a dar.
— Vou precisar usar boné e óculos? — abro o porta-luvas.
— Bem, vamos a um parque de diversões, talvez uma peruca te
esconda melhor.
— Um parque?
— Eu te convidei, portanto eu arcarei com o passeio, um parque é
algo divertido e foi o melhor lugar que conseguir imaginar para que a gente
se conhecesse um pouco mais.
— Tenho uma lista de lugares que nos deixariam bem mais íntimos...
— Arthur, dirija e cale a boca.
— Pedindo assim, com carinho, quem resiste? — ela ri alto e eu sigo
as instruções até o bendito parque de diversões.

Por incrível que pareça ninguém me reconheceu até o presente


momento. O parque estava cheio e as pessoas estavam mais preocupadas com
as filas dos brinquedos, as selfies e as risadas com os amigos que não
olhavam para o lado, andavam rapidamente sem intensificar o olhar em
direções específicas. Estou usando boné com a aba baixa, tentando esconder
meus olhos nas sombras, só para garantir. A Olívia me enganou enquanto eu
estacionava o carro e fugiu, fazendo questão de comprar sozinha as pulseiras
que nos dava acesso ao interior do parque. Não tive muito o que fazer.
Começamos nossa divertida noite com a Montanha Russa, a Olívia
gritou tanto que eu quase saí surdo do brinquedo. Não foi diferente no
Viking, aquele barco pirata que vai de um lado para o outro bem alto, houve
um momento em que achei que ela romperia a minha pele com as unhas de
tanto que segurou firme em meu braço. A autopista, ou como muitos
conhecem, o carrinho de bate-bate, foi extremamente divertido. Olívia dirige
muito mal e quase não conseguia se mexer sendo alvo de várias batidas na
pista. Como bom piloto, fui salvar a dama batendo em quase todos que
tentaram encurralá-la. Rimos bastante quando o nosso tempo terminou.
O Trem fantasma foi nosso último brinquedo antes de pararmos para
comer. Não havia nada de assustador naquilo, ou seja, todos os fantasmas e
monstros não renderam mais do que boas gargalhadas. Comemos cachorro-
quente e bebemos refrigerantes, de pé mesmo já que não tinha nenhuma mesa
disponível, antes de seguir para a roda gigante.
— Faz tempo que não me divirto tanto, Arthur — ela diz quando
entra no pequeno círculo que compõe a cabine da roda gigante.
— Por que será que não tem fila nesse brinquedo? — pergunto ao me
acomodar ao lado dela no banco.
— Tem muitos casais aqui, acho que a maioria busca os mais radicais
por acharem a roda-gigante romântica.
— Está querendo um pouco de romantismo então, senhorita Olívia?
— Talvez eu só queira apreciar a vista — ela diz quando a roda gira,
mas logo cessa o movimento. As pessoas estão embarcando.
— A vista é realmente linda — digo olhando para ela.
— Gostou do passeio? — ela pergunta desviando o olhar.
— Inesquecível, acho que a última vez que estive em um parque de
diversões tinha a idade do seu irmão mais novo.
— Sério? Então venho um pouco mais que você, mas faz meses que
não tiro um tempo para passear.
— Você disse que viríamos nos conhecer, que tal começar me
contando um sonho seu.
— Um sonho? Nossa, acho que meu maior sonho é um dia com mais
horas para poder dormir — ela ri — tomar um café da manhã de princesa e
não ter nada para fazer.
— Acho que isso se chama férias, Olívia — sorrio.
— Cara, que esperto você — perturba — preciso me formar logo.
Acho que um astro do futebol podre de rico não deve ter nenhum sonho mais,
né? Você tem tudo.
— Você tem povoado os meus sonhos, Oli... — Confesso.
— Você me vê como um jogo complicado de ganhar, Arthur, é só
isso.
— Os jogos mais difíceis são os mais gratificantes — seguro o queixo
dela para que não desvie o olhar — você me encanta. Tenho vontade de
descobrir cada segredo seu. Quero entender a sua mente, abalar o seu mundo
e possuir o seu corpo, Olívia.
Os olhos claros dela avaliam o meu rosto e se fixam em minha boca.
Aproximo-me e toco os nossos lábios. Ela experimenta a minha boca com a
língua, bem devagar.
— Não sei como isso é possível tão rápido, mas acho que estou
apaixonada por você, Arthur — ela sussurra contra os meus lábios.
Demonstro minha felicidade em ouvir tal afirmação aprofundando
nosso beijo. A roda-gigante para deixando-nos no ponto mais alto. As estrelas
são as únicas testemunhas dos sentimentos que emanam de nós. É difícil
discernir, mas percebo nesse segundo que o que sinto é diferente das outras
paixões que desfrutei. Eu sempre quero mais com ela.
Evito movimentos bruscos para que nossa cabine não balance mais do
que já está, mas não resisto a fazê-la escorregar para mais perto. Olívia
entrelaça o meu pescoço me beijando com vontade. Sinto meu pau reagir.
Adoraria que tivéssemos meia hora parados ali para tê-la subindo e descendo
no meu colo. Mas não temos tanto tempo, por isso deslizo a mão por seu colo
até chegar a barra da saia. Meus dedos avançam rápidos e certeiros até serem
parados por ela, que fecha as pernas abruptamente.
— Se deixe levar, Olívia... Estou louco para saber a textura da sua
boceta.
— Arthur, eu não posso.
— Ninguém está nos vendo aqui em cima, querida... Eu paro se você
me pedir.
— Tenho medo de não conseguir pedir.
— Você me quer?
— Sim, mas...
— Posso te levar para onde você quiser quando sairmos daqui. Posso
fazer você gozar com a minha boca, estou sonhando com isso há dias. Você
quer que eu faça isso?
— Você precisa saber de uma coisa... — ela repousa a cabeça no meu
ombro, escondendo o rosto no meu pescoço.
— Diz — afago seu cabelo.
— Eu nunca transei com ninguém.
Demoro alguns segundos para entender o que ela quis dizer. Nunca
transou com ninguém? Quer dizer, ela é virgem?
— Nossa, realmente não estava preparado para ouvir isso.
— Decepcionei você? — Ela pergunta com a voz apreensiva.
— Não é isso, você me surpreendeu. Porra, estou falando tudo que
quero fazer com você e você não faz ideia sobre o assunto.
— Calma aí, Arthur. Sou virgem e não burra.
— Como isso é possível?
— Estudando? Não me diga que você é do tipo que acha que mulher
bonita não pode ser inteligente? — O tom de voz dela agora é irritado.
As coisas estão acontecendo tão rápido que eu não consigo sequer
pensar. Estamos em movimento de novo há alguns minutos e é como se o
subir e descer do brinquedo contribuísse para diminuir a minha capacidade de
absorver as informações.
— Claro que achei que fosse me decepcionar com você, só não sabia
que ia ser tão rápido e por causa de uma opinião tão imbecil — ela dispara.
— Porra, devagar, Olívia!
O brinquedo para novamente e dessa vez é para que a gente saia.
Olívia dispara para fora da cabine antes mesmo que eu consiga levantar. Puta
que pariu! Ela se apressa entre as pessoas e sou obrigado a correr para
conseguir chegar até ela. Seguro seu braço, fazendo-a se virar depressa.
— O que aconteceu nos últimos minutos? Estávamos conversando
numa boa e você enlouqueceu de repente!
— De repente? Eu me abri e você agiu como o idiota que sempre
achei que fosse. O babaca que só queria me comer e fugir!
— Eu não agi assim, só estava impactado com a notícia, porra.
— Ah, claro no seu meio deve ser raridade mesmo alguém não sair
fodendo com todo mundo — ela desvencilha o braço e volta a andar. Sigo-a
de perto até chegarmos a saída.
— Desculpe, eu não quis que se ofendesse. Estou puto comigo e não
com você.
— Quero ir para casa.
— Vou levar você, mas antes quero que a gente converse sobre isso
— abro a porta e ela senta no banco do carona. Dou a volta e sento ao
volante. — Será que estaria sendo um babaca se perguntasse por que você é
virgem?
— Estaria, mas vou responder mesmo assim. Não senti vontade de
transar.
— Ah, Olívia conta outra. Você derrete nas minhas mãos e nós
teríamos transado na varanda da sua casa aquele dia se tivéssemos a sós.
Vontade você tem, por favor, seja sincera.
— Amor. Sempre imaginei que a minha primeira vez seria por amor.
Nenhum dos meus namorados chegou tão perto de ultrapassar os limites
quanto você. Meus pais se amavam e construíram uma família, é o que eu
quero para mim.
Respiro fundo absorvendo aquela enxurrada de informações.
— Não me entenda mal, Arthur. Você me faz sim desejar transar...
Seu corpo é incrível e você me deixa quente, mas não posso trair meus
valores por um momento fugaz. Você nem é meu namorado!
— Entendo o que quer dizer, Olívia. E acho admirável a sua decisão.
Me desculpe por ter tentado avançar os seus limites, não tinha como saber
que não era o que você queria. Sempre te dei a chance de me parar.
— Podemos ir? Preciso acordar cedo amanhã.
Coloco o carro em movimento e dirijo, deixando a trilha sonora de
uma rádio qualquer embalar o nosso trajeto. Quando estaciono em frente à
casa dela, agradeço pelo passeio.
— Obrigado pela noite, foi incrível.
— Sinto muito se não terminou da maneira que você gostaria — ela
dá de ombros.
— Respeito você e as suas decisões, Olívia, mesmo que o que eu mais
queira é fazer você esquecê-las.
— Boa noite, Arthur.
— Olivia, por favor, fique com o celular — pego a caixa no banco de
trás. — Não me custou nada, foi permuta. Agora que me conhece melhor já
sabe que não é uma tentativa de comprar você, é apenas um presente.
— Tudo bem, Arthur. Não vale a pena discutir por isso. Obrigada!
— Pode me agradecer com um beijo... — Insinuo.
Ela se aproxima e beija meus lábios de leve, antes de pegar a mochila
e sair do meu carro.
N ão dormi bem a
noite porque todas
as vezes em que fechei os olhos, enxerguei Arthur Silva. Então os mantive
abertos pelo tempo que consegui, o pôster não ajudou, parecia que o próprio
jogador estava me observando. E isso fazia meu corpo esquentar. Houve uma
hora que precisei sentar de tão quente que o meu colchão parecia. Ele me
deixava febril. Agora eu compreendia a legião de fãs que o cara tinha, ele
encantava as pessoas, persuadia e fazia com que elas se apaixonassem pelo
seu jeito. E a maior prova estava na minha casa. Não, não eu, mas os meus
irmãos que eram fascinados nele. A cada dez palavras dos moleques, nove
eram Arthur e dessa maneira ficava difícil não pensar no dito cujo.
Meu cérebro emite sinais insistentes de alerta para eu fugir desde a
primeira vez em que vi aquele homem, mas o que eu fiz? Andei na direção
contrária e aqui estamos nós. Praticamente de quatro por um homem que
nunca poderei ter. A não ser, é claro, na minha cama. Mas bem sei que isso
não seria suficiente e só acabaria comigo.
Como se transa com alguém por quem se está apaixonado, sabendo
que esse alguém vai para o exterior em poucos dias? Além disso, é provável
que esse mesmo alguém queira apenas isso de você. E você, romântica
incurável, se prometeu que se entregaria apenas por amor, muito
provavelmente apenas ao seu marido, não foi?
É cilada, Olívia.
Jogo meus questionamentos do lado e foco na apresentação do
seminário que farei em poucos minutos. O primeiro grupo está se
apresentando e o próximo é o meu. Repasso mentalmente algumas
informações e só me movo quando os aplausos para o grupo anterior cessam.
Eu e mais três colegas seguimos para a frente da sala de aula, corro até o
notebook e conecto o pen-drive com a apresentação.
Volto para o centro da sala e começo a minha fala. Sou responsável
por introduzir o conteúdo do trabalho.
— Bom dia, nós vamos falar um pouco sobre Educação Popular —
firmo meu olhar na parede branca, no fundo da sala, e deixo as palavras
virem — escolhemos esse tema porque acreditamos, tal qual Paulo Freire, na
“educação como Prática da liberdade”. A Educação Popular é um método de
educação que valoriza os saberes prévios do povo e suas realidades culturais
na construção de novos saberes. Muitos tentam aponta-la como “Educação
Informal”, mas esclarecemos que é um equívoco. A E.P visa a formação de
sujeitos com conhecimento e consciência cidadã. É uma estratégia de
construção da participação popular para o redirecionamento da vida social...
Nesse momento apago da minha mente qualquer coisa sobre a minha
vida pessoal e mergulho até a alma naquilo em que realmente acredito.
Quando acabo minha parte, passo a palavra ao Álvaro que dá continuidade e,
depois dele, os outros componentes do grupo. Nossa apresentação se encerra
sob aplausos e eu volto ao meu lugar, satisfeita.

Depois de uma manhã inteira de aulas, um sanduíche como almoço e


uma tarde tendo que substituir a professora titular, sem tempo para sequer ir
ao banheiro, me sinto completamente acabada. Estou saindo da escola quinze
minutos depois do horário porque tive que explicar para a coordenadora o
que tinha ensinado aos alunos, o que com certeza me fez perder o ônibus.
Quando piso na calçada vazia tudo que mais desejo é um par de asas para
chegar em casa sem ter que me espremer para conseguir entrar em uma lata
de sardinha.
Ando devagar em direção ao ponto de ônibus, sentindo o peso do dia
nos meus ombros. Alguns carros passam em disparada e um reduz a
velocidade ao meu lado. Continuo andando e o motorista buzina. Será que se
esses caras soubessem o quanto enche o saco essas buzinadas cafajestes,
parariam de fazer?
— Olívia! — Olho para o carro que acabou de buzinar.
— Arthur? — Abaixo um pouco para olhar dentro do carro — você
tem uma concessionária?
— Vários carros são bem úteis para despistar fotógrafos. Entre, vão
me multar por estar bem abaixo da velocidade e aqui é proibido estacionar.
— Estou indo para casa, não posso sair com você hoje, tenho prova
amanhã de manhã.
— Eu te levo em casa, entre.
— Talvez sejam as asas que pedi, afinal — resmungo ao abrir a porta
e entrar.
— Estava me chamando de anjo? — Ele ri ao acelerar.
— Não necessariamente. O que faz aqui?
— Vim conversar com você, tentei te ligar o dia inteiro, não está
usando o Iphone?
Agora que ele mencionou, pego o aparelho da bolsa e vejo que tem
cinco chamadas não atendidas e várias mensagens no WhatsApp.
— Foi um dia puxado, não vi o celular.
— Você parece cansada mesmo. Posso parar para a gente comer
alguma coisa?
— Não estou com disposição para ser vista em público ao seu lado,
olha a minha cara de acabada... Além disso, preciso comprar pão e leite como
faço todos os dias para o café em casa.
— Tudo bem, faremos como desejar.
— Como você está? — Pergunto para não deixar que o silêncio
impere.
— Pensei em você a noite toda...
— Hum... Eu também, se isso serve de consolo.
— O que você pensa a respeito de relacionamentos a distância?
A pergunta me pega desprevenida.
— É... Eu... Acho que deve ser difícil para duas pessoas que se
gostam ficarem distantes.
— Mas se elas se gostarem tanto que torne isso suportável, é viável,
não acha?
— Acho que sim — sinto meu coração martelando. Ele não está
propondo isso, está? — Tem uma colega na faculdade que namora com um
cara de outro estado, ela parece feliz.
— Alguns dos caras do meu time namoram e elas não moram em
Londres.
— E você já namorou alguém a distância? — pergunto, por fim.
— Não. Na verdade, não costumo namorar muito.
— Entendo...
— Não, não entende. Se estou cogitando essa possibilidade é porque
gosto realmente da pessoa.
— Gosta...
— Gosto, Olívia. Vai ficar falando palavras únicas? — ele se vira
para mim quando para no sinal fechado.
— O que você quer que eu diga, Arthur? Já confessei que
provavelmente estou apaixonada por você.
— Nós podemos tentar, Oli.
— A probabilidade de não dar certo é muito grande, Arthur.
— Nunca deixei de fazer alguma coisa por medo. E você é jovem,
está na hora de começar a viver e cometer alguns erros. Ficaria feliz em ser
um erro seu.
Ele sorri e eu me encho de esperança.
A gente tenta ficar, pelo menos, Olívia. Você aproveita a companhia
dele... Ele disse que gosta de você. Já está fodida mesmo, que tal aproveitar
um pouquinho?
A minha consciência tem uma voz alta e gritou isso aí, talvez ela
esteja bêbada. Ou drogada. Mas ela não deixa de ter razão. E, putz, é a minha
consciência, né?
— Arthur, espero que você seja aquele tipo de erro que vale a pena —
digo, por fim, e ele gargalha.

Arthur parou em uma delicatessen e acabei tendo que trazer pães


diversos, ovos, queijo, presunto, leite, iogurte e bolo. Isso, porque consegui
reduzir pela metade as coisas que ele tinha colocado na cestinha. Quando
chegamos em minha casa, André e Edu ficaram enlouquecidos por vê-lo ali
novamente. Fui para a cozinha fazer café. Minha mãe tinha ido fazer uma
faxina e chegou dois minutos depois de nós, me olhando de maneira
conspiratória ao ver o Arthur em nossa casa. Ela seguiu para o banho e
retornou alguns minutos depois.
— Banho recorde, hein? — Perturbo quando ela chega na cozinha
rapidamente.
— Seu irmão avisou que não vai comer em casa, pode ir tomar banho
que eu cuido da mesa.
— Mas eu só ia tomar banho antes de deitar e...
— Vai logo, Olívia — ela me empurra para fora da cozinha e eu
sorriu ao entrar no banheiro.
Lavo-me rapidamente e me enxugo ainda no banheiro, saindo de
toalha para o meu quarto. Lá, tranco a porta para não ser surpreendida pelos
meus irmãos e pego uma calcinha verde e vestido tomara que caia de mesma
cor. O modelo, feito por minha mãe que copiou da internet quando eu mostrei
dizendo que tinha gostado, possui um zíper em toda sua extensão. É justo no
busto, mas a saia é mais solta. Solto os fios que estavam presos em um rabo
de cavalo e os penteio rapidamente, antes de voltar para a sala.
— O que você disse mesmo sobre estar acabada para sair em público?
— Arthur diz assim que me vê — está linda, Olívia.
— Huuuummm — meu irmão mais novo faz gracinha — ele disse
que ela tá linda!
— Sim e vocês devem fazer o mesmo sempre, a irmã de vocês é
linda.
— Podemos comer? Tô com fome! — Eduardo reclama.
— Já coloquei a mesa, podem vir — minha mãe chama e os meninos
saem correndo.
— Linda — ele sussurra próximo ao meu ouvido ao passar por mim.
— Oli caprichou hoje, tem até bolo de chocolate!
— Agradeçam ao Arthur, eu não queria trazer nada disso.
— Obrigada Arthur, é muito gentil de sua parte — minha mãe
agradece.
— Não precisa agradecer, vamos comer — ele dá o sinal e os
meninos atacam a comida.
Arthur come em nossa mesa como se o fizesse todos os dias, sem
constrangimentos nem cerimônia e eu observo a interação natural dele com
os meninos enquanto aprecio a minha xícara de café. Quente e gostoso, assim
como o homem que agora me encara. Sorrio para ele e volto a minha atenção
para o pão.
Estava prestes a levantar e tirar os pratos, já que todos tinham
acabado, quando o Arthur piscou para mim.
— Bem, dona Maria, estou quase prestes a cantar uma coisa que me
veio à mente agora, mas já adianto que sou muito mal cantor.
— Cantar, como assim? — ela pergunta, sorridente.
— Eu gostaria de fazer um pedido — meu coração quase sai pela
boca.
— Arthur acho melhor a gente conversar e...
— Olívia, estou conversando com a sua mãe, querida — estreito os
olhos — dona Maria, eu gostaria de namorar com a Olívia e queria saber se
tenho a sua aprovação.
Meus irmãos abrem tanto a boca que são capazes de engolir um trem,
minha mãe sorri tão abertamente que sou capaz de contar todos os dentes da
sua boca e eu... Bem, estou paralisada.
— Dona Maria, deixa eu namorar a sua filha. Vai me desculpando a
ousadia... Essa menina é um desenho no céu — André começa e logo Edu se
junta a ele repetindo o refrão da música sertaneja.
— Espertos, era exatamente essa música que estava em minha mente
— Arthur gargalha — e, então dona Maria?
— Primeiro, não precisa me chamar de dona, ainda mais se for
namorar a minha filha. Só Maria mesmo. E claro que eu deixo, só quero ver
minha filha feliz! — ela me olha quase chorando.
— Ninguém vai perguntar se eu quero?
— Acho que ele não faria um pedido desses se não soubesse que quer,
Oli — minha mãe diz e eu quase morro ali mesmo.
— Pois é, mas eu não sei se quero. Preciso lembrar que ele é um
famoso jogador de futebol?
— Vou sofrer preconceito por causa da minha profissão? — ele finge
estar ofendido.
— Vamos conversar um instante, Arthur — peço e ele levanta.
Arrasto-o pela mão até meu quarto e tranco a porta. — Por que não falou
comigo antes?
— Já vejo as vantagens em ser namorado, me trouxe para o quarto —
perturba chegando perto de mim — você tem um pôster meu atrás da porta?
— Não, os meninos têm. Divido o quarto com eles.
— Confesse, todo aquele papinho de que não queria foto e nem me
viu jogar era um truque maléfico para me seduzir, quando na verdade, é a
minha fã número 1... — ele se aproxima ainda mais.
— Não mesmo, e não mude o rumo da conversa.
— Sabe, desde que apareceu na sala estou me perguntando se esse
zíper é real ou apenas um enfeite — ele diz levando as mãos ao meu busto —
é de verdade, sexy demais — ele diz puxando o zíper para baixo até libertar
os meus seios. — Por favor, não geme alto — ele diz e antes que eu consiga
decodificar, sua boca está no meu mamilo.
Meu Deus, do céu! A língua dele é quente e rodopia ali até que o bico
fica duro e quando assim está, ele suga todo para dentro da boca, como um
bebê faria, faminto. Prendo os meus lábios, colando um no outro com força,
para que nenhum gemido saia de mim quando ele aperta e puxa o outro bico.
Trocando os gestos em seguida.
— Olívia, eles são lindos... Me peguei imaginando se esses bicos
eram rosados várias vezes — ele fala tão baixo que quase não entendo. —
Estou louco por você e vou parar agora porque preciso ganhar a sua
confiança, mas quero que saiba que é por muito pouco que não estou te
jogando naquela cama.
Ele se afasta e fecha o meu vestido.
— Estou indo, ligo para você assim que chegar em casa — ele me dá
um beijo rápido e sai do quarto.
Se na noite anterior minha cama parecia em chamas, essa noite parece
que desci até o inferno.
A o contrário das
diversas outras
mulheres com que me relacionei, meus encontros com a Olívia não acabavam
com nossos corpos suados e ofegantes sobre uma cama macia. Entretanto,
isso não tornava os nossos encontros menos excitantes. Eu gostava da sua
companhia, das conversas, da sua timidez com manifestação de carinho em
público e do seu beijo. Não dava para evitar, estava me apaixonando um
pouco mais a cada dia. Quando ela me confessou ser virgem e que só se
entregaria por amor, senti-me tonto e assustado. Mal nos conhecíamos e ela
estava deixando subentendido o desejo de uma relação segura e estável, como
um casamento. Mas nem isso foi capaz de me fazer fugir em disparada, algo
me levava até ela, como em uma espécie de canto de sereia. Por isso,
continuei no mesmo lugar desejando-a loucamente, mas respeitando a sua
decisão.
Não vou mentir e dizer que é a melhor situação do mundo, porque não
chega nem perto de ser. Olívia povoa os meus pensamentos eróticos mais
devassos e o fato de se mostrar inocente só me deixa louco para mostrar tudo
que aquele corpo pode sentir. É pensando nisso que tenho me masturbado
ultimamente, depois de acordar de pau duro por sonhar estar trepando com
ela a noite toda. É uma situação foda e por mais que seja difícil de acreditar,
de fato nem eu mesmo acreditaria se me contassem, estou sem sexo desde
que fiz o pedido de namoro. Inversamente proporcional a minha vida sexual,
os sentimentos apenas têm aumentado. Já tinha pedido a Olívia em namoro
para sua mãe e tinha aprovação de todos, inclusive de seu irmão mais velho,
para a nossa relação. Agora era hora de fazê-la conhecer a minha. A
aprovação da minha mãe significa muito para mim e tenho certeza que, assim
como eu me apaixonei pela Olívia, minha mãe se renderia ao seu encanto em
pouco tempo.
E para esse encontro convidei Olívia e sua família para um almoço na
minha casa. Ela tentou recusar, alegando que estávamos apressando demais
as coisas, mas eu contei com a ajuda dos meus cunhados mirins na tarefa de
convencê-la. Eles ficaram em êxtase quando mencionei, por acaso, que na
casa havia uma enorme piscina infantil.
Eu mesmo cuidei dos detalhes do almoço, debatendo pessoalmente
com a cozinheira o melhor cardápio para servirmos, ela havia sugerido uma
refeição com entrada elaborada e prato principal requintado, mas recusei a
ideia, queria que Olívia e sua família se sentissem em casa e um almoço
formal estava fora de cogitação. Por isso, optei por uma comida comum, mas
saborosa: arroz branco, feijão preto, farofa, costelinha e carne assada. Além
disso, informei que comeríamos na mesa da área externa, próxima piscina.
Dona Mirtes, minha querida mãe, não ficou feliz com a ideia de
receber a alguém sem toda sua pompa habitual até que, por fim, ela se
lembrou de um compromisso inadiável no mesmo dia e horário do almoço.
Eu, de fato, marquei tudo em cima da hora e não consultei as agendas dos
envolvidos. Minha mãe insistiu que eu reagendasse para outro dia, mas fui
firme na minha decisão, meus dias no Brasil estavam acabando e cada
segundo ao lado dela era muito importante. Eu lamentava que nada tivesse
saído como planejei, já que a Maria, mãe da Olívia e o Carlos, seu irmão
mais velho, também não iam poder comparecer, mas nem por isso cogitei
desmarcar. Teríamos outras oportunidades para nos encontrarmos. Por ora, a
minha atenção estava somente em permanecer o maior tempo com a Olívia e
ainda tinha a oportunidade de proporcionar uma tarde de lazer para os
caçulas.
O dia é hoje e eu aguardo recostado à espreguiçadeira, em frente à
piscina, a chegada dela. Pelas lentes escuras dos óculos de sol observo os
meus afilhados, filhos da Pam, que brincam na piscina e aguardam a chegada
das outras crianças para se juntarem a eles. De cinco em cinco minutos a
Dafne me pergunta que horas eles chegam e eu respondo que muito em
breve, também ansioso pela chegada deles. Olívia havia recusado a minha
carona, assim como o motorista da minha mãe e o táxi que sugeri para pegá-
los. Ela era teimosa e quando colocava algo na cabeça dificilmente mudava
de ideia... Alegando que sempre andou de ônibus e que não queria
incomodar, foi a sua condição para vir. Mesmo que isso signifique demorar
umas duas horas para chegar.
— Nossa, você está apaixonado! — Pâmela exclama, sorridente. —
Está escrito na sua cara em caneta glitter dourada — ela se senta na cadeira
ao meu lado. — Estou te observando a uns três minutos e já vi você virar a
cabeça tantas vezes em direção a porta que posso apostar que você seria um
ótimo dublê da moça do exorcista. Também percebi que bloqueou e
desbloqueou esse celular trilhões de vezes no último minuto. Ainda preciso
continuar enumerando as evidências?
— Sempre posso estar esperando uma ligação importante — dou de
ombros.
— Anhan — ela sorri — aposto que a dona da ligação é a mesma que
fez você azucrinar a cabeça da cozinheira durante toda a manhã para garantir
que o almoço saísse como você deseja?
— Estava apenas tentando garantir que tudo corresse bem...
— Vai dar certo — ela aperta a minha mão carinhosamente — estou
ansiosa para conhecer mais sobre a responsável por desacelerar a máquina
mortífera.
— Ninguém me para, baby! — Perturbo, sorrindo.
— Por falar nela... — Pâmela indica com a cabeça.
Olívia usa calça jeans e camisa preta básica, nada de pernas de fora ou
indicação de que estava com biquíni por baixo. Por que isso não me
surpreende? Seus irmãos largam a mão dela e correram em direção a borda da
piscina, ignorando o seu olhar de repreensão.
— A gente já pode entrar na piscina, Arthur? — André, indaga
observando meus afilhados na piscina.
— Por favor, dindo! — Dafne pede.
— Podemos, Olívia? — Eduardo, consulta a irmã mais velha.
— O dono da casa é o Arthur — ela sorri.
— Estou na posição de tomar decisões? Vou fazer valer a minha
condição de dono da casa...
— Podemos ou não? — André pergunta, impaciente.
— A casa hoje é de vocês, aproveitem!
Com gritos de felicidade, eles se livram das roupas e pulam na
piscina, espirrando água para todos os lados.
— Cuidado! — Olívia diz com os olhos fixos nos irmãos.
Levanto e finalmente me aproximo.
— Relaxa, você não veio aqui para ser babá — puxo seu corpo contra
o meu até estarmos colados.
— É mais forte do que eu — ela se justifica.
— Sabe o que é mais forte do que eu? — Sussurro em seu ouvido,
deixando meus lábios tocarem seu pescoço.
— Arthur... — meu nome sai num tom de repreensão.
— Eu estou apenas abraçando a minha namorada — sorrio — é isso
que os namorados fazem.
— Não discutimos esse termo.
— Já discutimos sim, eu te pedi em namoro, sua mãe consentiu.
— Nunca disse sim...
— Só em não ter dito um sonoro “não” é porque a resposta é
afirmativa.
— Não posso argumentar contra isso — sorrio contra sua pele — mas
vamos devagar, ok?
Meus dedos sobem pelo seu braço acariciando lentamente, querendo
despertar nele todo o calor que emana do meu próprio corpo.
— Um pouco mais devagar que isso e eu precisarei arrancar as
minhas bolas.
— Arthur! — A repreensão vem num tom firme.
— Testículos, soaria melhor? — Perturbo.
— Não falar, seria muito melhor.
— Discordo, agir seria infinitamente melhor...
— Você já me provou seu ponto de vista, agora pode me soltar para
que eu cumprimente a Pâmela?
— Sem antes me cumprimentar? De forma nenhuma.
— Oi, Arthur — ela beija meu rosto — agora me solta!
— É assim que você demonstra toda a saudade que sentiu nas últimas
vinte e quatro horas por mim?
— Quem disse que eu senti? — Arqueia a sobrancelha, sorrindo.
— Eu sempre soube que por trás do rosto angelical se escondia uma
mulher de coração de gelo — ela gargalha — de toda a forma o meu coração
é seu e não aceito devolução.
— Tudo isso é para ganhar um beijo?
— Eu também tenho as minhas máscaras e por trás desse corpo
atlético existe o cérebro de gênio. Não sou apenas um rosto bonito e um
corpo desejoso, você precisará lidar com isso — ela sorri.
— Acho que posso me sacrificar por você — diz antes de depositar
um selinho na minha boca.
Beijar Olívia era sempre uma deliciosa tortura. Sua boca detinha o
poder de me dominar. Enquanto uma parte minha vibrava e se deixava perder
em seus lábios suculentos, a outra precisava brecar toda a explosão de desejos
que seu beijo me despertava. Estava sempre a um passo de perder o controle.
Por isso, eu me dividia entre desejar os seus beijos a cada segundo e a o
receio da tormenta que eles me provocariam.
E foi nesse misto de sentimentos e desejos que aprofundei o nosso
beijo casto para transformá-lo em incendiário. Mordo seu lábio inferior na
pressão exata entre o prazer e a dor e uso a língua para aliviar o mesmo lugar.
Sua boca se abre lentamente para me receber. As mãos dela envolvem o meu
pescoço e minha língua segue explorando cada centímetro da sua boca.
Minhas mãos seguem até a sua bunda e param ali, numa pressão firme, dessa
vez ela não recua e eu vibro internamente como se tivesse feito um gol.
Existem muitas formas de foder uma mulher e a mais praticada por
mim, nos últimos dias, é o beijo. Olívia tem aprendido que o beijo não é
simplesmente a união de duas bocas para uma troca de saliva. É um ato
extremamente sensual, que se bem feito, seduz mais do que qualquer corpo
bonito. O beijo certo desnuda mais que o corpo, despe a alma. E incendeia
tudo por completo. Por isso, preciso de todo o meu autocontrole para
interromper nossos beijos antes que entrássemos em combustão. E é
exatamente isso que faço nesse exato momento, afastando com relutância
nossas bocas. Respiro ofegante e encontro seus olhos com um brilho de
excitação crescente que me deixa muito satisfeito. Não contenho o sorriso
que surge nos meus lábios.
Suas mãos se afastam do meu pescoço e percorrem o meu abdome até
parar na barra da camisa. Encaro-a em expectativa esperando que ela avance
e assim ela o faz. Olívia usa as duas mãos rapidamente para me conduzir e
me empurrar em direção a piscina. O gesto me surpreende e eu gargalho com
o baque do meu corpo na água.
— Eu achei que você precisava de um banho de água gelada! — Ela
dá de ombros e eu ouço a Pâmela gargalhar alto.
— Isso vai ter volta — digo enquanto nado para sair da piscina.
— Não — ela grita quando me aproximo — eu não trouxe outra roupa
— ela tentar apelar enquanto se esconde atrás da espreguiçadeira.
— Eu não me incomodo em ter você nua caminhando pela minha
casa!
— Arthur, por favor.
— Você foi uma menina muito má ao usar do meu momento de
vulnerabilidade contra mim.
— Eu posso te emprestar um dos meus biquínis — Pâmela sugere,
sorrindo.
— A minha ideia continua sendo a melhor. Faça a sua contraproposta,
Olívia.
— Eu posso pegar um resfriado...
— Você só acaba de me dar mais um bom motivo, eu posso ser seu
médico... — Estou a poucos metros de alcançá-la.
— Arthur... — ela usa a bolsa que carrega como escudo.
— Eu não serei enganado novamente pelo seu rosto angelical.
— Acho melhor eu ficar com essa bolsa, antes que ela seja
arremessada na água — Pam se diverte com a situação, pegando a bolsa de
Olívia ao perceber que eu não irei recuar.
— Eu vou contar até 3 e irei te pegar. Um — início a contagem, mas
ela não se move — dois — prossigo, avançando lentamente em sua direção,
fazendo-a recuar dois passos — três! — Ela sai em disparada correndo no
gramado e pedindo para que eu pare.
— Isso é por usar meu jogo contra mim — levanto Olívia e caminho
em direção a piscina.
— Não tem graça! — Ela se debate.
— Também não tem a mínima graça usar jeans quando você pode
usar um biquíni.
— Ok, eu aceito pôr o biquíni da Pâmela, me larga — ela pede.
— Tentador, mas não — sorrio — eu quero ver você molhadinha por
mim, amor — pulo na piscina com ela no meu colo, sobre gritos e aplausos
das crianças.
— Você é um idiota — Olívia me repreende, sorrindo.
— Um idiota apaixonado — beijo sua boca molhada — eu disse que
deixaria você molhada — digo baixo para que apenas ela ouça.
— Eu estou encharcada, acredite — ela sorri.
— Você sabe a dualidade que essa frase tem, não é? — Arqueio a
sobrancelha.
— Você sabe que a sua mente é extremamente poluída, não é? — Ela
sorri, se afastando para sair.
— Não foge de mim, tenho mais pensamentos impuros para dividir
com você.
— Fica bem aí — ela me afasta com o braço erguido mantendo a
distância — eu vou sair antes e você trate de ficar exatamente onde está —
Olívia move-se até a escadinha e sobe os degraus apressada para que eu não a
alcance.
— E deixar a toalha te esquentar? — Insinuo — Jamais.
— Acho que você precisa disso — a voz da minha mãe chama a nossa
atenção, olho-a e ela está segurando um roupão com as minhas iniciais
bordadas. Ela estende em direção a Olívia.
— Obrigada — Olívia pega a peça, desconcertada pelo flagra.
— Você precisa tirar essa roupa, antes que pegue um resfriado. Ela
deve vestir o mesmo número da Laila não é, Arthur? — A sua pergunta faz
Olívia recuar — Ela deixou algumas peças para atrás quando partiu na
semana passada, algo deve servir.
— Olívia, essa é a minha mãe — toco seu braço, mas ela me repele,
como se meu toque ferisse.
— Ah, você é a Olívia. Desculpe, Arthur, por fazer referências
inadequadas na presença da sua amiga...
— O banheiro, por favor... — Olívia pergunta.
— Eu te levo, Olívia — Pâmela se aproxima para acompanhá-la.
— As roupas que mencionei estão no closet do Arthur — Minha mãe
informa.
— Não iremos precisar dessa roupa. Tenho certeza que uma das
minhas camisas servirão — respondo, mas as duas se afastam sem olhar para
trás. Espero elas desaparecerem do meu campo de visão para questionar a
minha mãe — Mãe, você fez parecer que a Laila passou a noite na minha
cama!
— Eu não disse isso — defendeu-se.
— Você insinuou, o que é muito mais grave — Rosnei.
— Eu não tinha como saber que a Olívia não sabia da existência da
Laila na sua vida... Me desculpa.
— Eu errei realmente em não contar a Olívia. Mas estou a tempo de
corrigir tudo isso. Quanto a senhora, peço que não traga nenhuma outra
mulher à tona enquanto almoçarmos, por favor!
— Eu jamais faria isso com a intenção de te magoar — ela acaricia o
meu rosto — Irei pedir desculpas a sua amiga pela confusão.
— Namorada, mãe — corrijo — Olivia é a minha namorada e ficarei
feliz se fizer isso.
— Eu faço tudo por você.
— Eu sei, por isso em nome do amor que tem por mim, quero que
receba Olívia com todo o carinho que ela merece, não permitirei que nem
mesmo a senhora a faça se sentir indesejada.
— Essa mulher te mudou...
— Para melhor, pode ter certeza — ela assente em silêncio — a
senhora incomoda-se em olhar as crianças? Estou indo ver como a Olívia,
está!
Saio em disparada rumo ao interior de casa, a reação de Olívia ao meu
toque me deixou totalmente desesperado.
N ão sei onde estava
com a cabeça
quando concordei com a ideia de almoçar nesta casa. Para falar a verdade fui
quase coagida a aceitar. Talvez, no fundo, bem no fundo, eu desejasse
conhecer a mãe do meu namorado. Por uma fração de segundo eu ousei
desejar que esse conto de fadas pudesse ser feliz, totalmente feliz, sabe?
Amor à primeira vista, famílias que se amam, diferenças deixadas de lado...
Ele falava com frequência da mãe, lembrava com carinho das
dificuldades que passaram juntos durante as seleções para integrar os clubes
profissionais de futebol. Para Arthur, ela era sua super-heroína. Foi por ela
que ele não desistiu e continua sendo por ela que ele se mantém em alto
nível. Logo, a aprovação de Dona Mirtes era fundamental para a nossa
relação ter algum futuro. Por mais que ele tivesse tentado me tranquilizar
dizendo que era impossível ela não me aprovar como nora, nossa primeira
interação deixou claro que ela tem outras preferências. Nada tinha me
preparado para encontrá-la com as roupas completamente molhadas. Notei
ela me fitando de cima a baixo, como se quisesse se certificar que eu fazia
parte daquele mundo. Ela não precisou dizer uma única palavra, a sua
expressão corporal indicou que eu não havia sido aprovada.
Mas o pior de tudo foi ouvir o nome de outra mulher. A insinuação
não passou despercebida e a sensação de estranhamento cresceu dentro de
mim. Talvez a simples menção de um nome feminino não me causasse tanto
incômodo, se não estivesse seguido da informação que a dona dele havia
passado a noite naquela casa. O que eu imaginei que aconteceria? Que Arthur
fosse manter seu caríssimo pênis guardado dentro da cueca enquanto eu me
mantenho firme na minha decisão de permanecer virgem?
Respiro fundo e contenho a vontade de sair correndo e nunca mais
olhar na sua cara, enquanto sou levada pela Pâmela. Seguimos emudecidas,
lado a lado, dentro da mansão. Minha cabeça é um turbilhão de pensamentos
e mal noto decoração ou móveis. Fui muito ingênua em ter esperanças de que
ele não se relacionaria com outra mulher em busca da satisfação carnal. É
muito natural sentir desejos sexuais, mais natural ainda é dar vazão a esses
desejos, certo? Então por que eu estava me sentindo traída? Talvez porque o
homem em questão tenha me pedido em namoro e eu, boba, quis acreditar
que o sexo, ou melhor a sua ausência, não seria o motivo do rompimento
entre nós.
As cartas foram colocadas sobre a mesa quando compartilhei com
Arthur o que eu pensava sobre o sexo. Para muitos o sexo é uma simples
satisfação do desejo, um caminho para satisfação do prazer, mas para mim o
seu significado é mais abrangente. Enxergo o sexo como um ato de amor.
Esse foi o principal motivo para que eu permanecesse virgem até o presente
momento e não cedesse nem mesmo sob pressão das minhas amigas (que me
tachavam de careta), tampouco dos meus namorados (um deles certa vez me
disse que eu era frigida). Talvez eu seja antiquada, no fim das contas. Uma
mulher romântica e utópica que sonha que, no momento que ela decida
perder a virgindade, isso aconteça com o homem que ela verdadeiramente
ama.
Esse homem seria o Arthur? Pode ser, ele abala minhas estruturas,
para começar. Além disso, há um sentimento gritante em meu peito. Ele
surgiu na minha vida e bagunçou tudo ao meu redor. Ele é carinhoso, bom
ouvinte e acima de tudo, respeita as minhas escolhas. Ainda que não
concorde com elas, é verdade. Arthur costuma brincar que eu sou o seu
paraíso e para chegar até onde estou é preciso peregrinar para se purificar e o
celibato é a consequência dessa peregrinação.
— Você está bem? — Pâmela toca meu braço e afugento meus
pensamentos. Os corredores infinitos da mansão nos levaram a um quarto.
— Sim — minto, com a voz embargada.
Ela não insiste e eu agradeço mentalmente, pois estou prestes a
explodir em lágrimas. Dois segundos depois, ela me entrega roupas secas e
indica a porta do banheiro.
— São minhas roupas — ela explica como se adivinhasse o meu
questionamento mudo — eu estarei aqui fora te esperando.
— Obrigada, mas gostaria que você pedisse aos meus irmãos que se
arrumassem e avisasse que vamos partir assim que eu trocar de roupa.
— Não vai ficar para almoçar?
— Não. Você faria isso, por favor?
— Claro. Olívia, preciso te dizer que não é o que parece.
— Você não precisa dizer nada, Pâmela.
— O Arthur está apaixonado por você, apaixonado como eu jamais vi
e olhe que nos conhecemos a mais de dez anos. Não houve nenhuma mulher
depois que ele te conheceu — ela diz tudo com calma e eu desejo acreditar
em cada palavra.
— Não precisa mentir por ele...
— Já fiz muito isso e não nego, mas dessa vez não é mentira.
— E a Laila? Não subestime a minha inteligência, Pâmela.
— Seria melhor que ele mesmo te explicasse, mas hoje ela é apenas
uma amiga da família. Ela não dormiu com o Arthur se é o que te aflige, nós
duas passamos a madrugada nessa cama assistindo série e comendo porcaria
engordativa, enquanto o Arthur dormia serenamente em seu quarto.
— A forma como a mãe dele falou...
— Pareceu que dormiram juntos, eu sei. Ela não falou por mal. A
Mirtes é apaixonada pelo Arthur e jamais falaria algo para magoá-lo.
Permaneci em silêncio, pois não sabia em que acreditar. Uma lágrima
me trai e percebo que estou prestes a explodir.
— Preciso trocar de roupa — entro rapidamente no banheiro.
— Eu estarei lá embaixo, Olívia. — Escuto a sua voz.
Não respondo, apenas fecho os olhos recostada à porta tentando me
aquietar. Quando volto a abrir os olhos, noto que o banheiro é enorme, um
pouco maior do que o quarto que divido com meus irmãos. Há um espelho
gigante e uma banheira convidativa, talvez um banho quente fosse tudo que
eu precisasse para recolher os cacos da minha dignidade, me despedir de
todos e ir embora. Mas esse é só mais um desejo que vou reprimir.
Retiro o roupão e livro-me de toda a roupa molhada. Enrolo o cabelo
na toalha disposta no balcão, para evitar que ele molhe todo piso. Pâmela
havia me entregado um short jeans e uma camiseta, além de uma calcinha e
um sutiã novos de uma marca que eu nunca ouvi falar. Deveria custar metade
do meu salário, chutando por baixo. Eu jamais teria como comprar peças
novas para substituir... Ignoro esse pensamento e visto rapidamente a
calcinha e o sutiã de renda branca que ficam um pouco apertados, mas
servem bem. Junto as minhas roupas em cima da pia e procuro um saco
plástico nas gavetas do armário para guardá-las.
— Caralho! — Arthur exclama quando invade o banheiro.
Estou olhando a última gaveta do armário em busca do saco quando
ele abre a porta, e pela sua reação, eu devo estar dando a ele uma total visão
da minha bunda na calcinha minúscula. Levanto rápido e sinto meu rosto
esquentar.
— Você não sabe bater? — Indago irritada, me cobrindo com a
primeira toalha que encontro, uma toalha de rosto. Nada podia piorar.
Arthur não reage continua parado me olhando fixamente.
— Arthur, eu preciso vestir a roupa. Sai, por favor! — Ele não se
move — Arthur!
— Eu vim até aqui decidido a te explicar de uma vez por todas que só
existe você na minha vida, mas o que acabei de ver detonou meus neurônios
— ele coça a cabeça desconcertado — jamais olharei para você novamente
sem pensar na sua bunda empinada.
— Que romântico! — Bufo.
— Não me peça para ser romântico quando você tem uma bunda
redonda, empinada... — Olhei feio para ele que pareceu acordar levemente do
seu torpor — Ok, teremos outras oportunidades para eu dizer o quanto a sua
bunda é gostosa.
— Essa conversa ficará para outro dia. Agora, por favor, se retire do
banheiro.
— Não vou sair — ele dá dois passos em minha direção e o enorme
banheiro parece minúsculo — vamos conversar!
— Eu preciso vestir a roupa!
— Não me incomodo — dá de ombros.
— Mas, eu sim! — Saio do banheiro com as roupas secas em mãos,
ele me segue passos atrás.
— Talvez eu consiga compor um poema erótico tendo a sua bunda
como musa inspiradora — o fuzilo com o olhar — É o máximo de
romantismo que eu conseguirei.
Visto rapidamente o short jeans e a camiseta. Desisto da ideia de
retornar ao banheiro para pegar as minhas roupas molhadas e saio do quarto
em disparada, evitando permanecer mais tempo ao seu lado. Que inferno, não
prestei atenção no caminho que percorri agora estou perdida entre corredores!
— Quer conversar no meu quarto? Acho uma excelente escolha. —
Ele perturba quando paro em frente a uma grande porta de madeira.
— Onde fica a piscina?
— Não sem antes conversarmos. — Ele segura meu braço me fazendo
parar.
— Não é o momento ideal.
— Claro que é! Se estamos tendo um problema, iremos resolvê-lo.
— Quem é Laila? — Vou direto ao ponto.
— Alguém com quem eu já fiquei algumas vezes.
— Namorada?
— Não, Olívia. Ninguém que eu apresentasse como minha
companheira.
— Sua mãe disse que ela se hospeda aqui... Que tipo de ninguém é
esse que dorme na sua casa e tem roupas na sua gaveta?
— Alguém com quem eu fodia sempre que tinha vontade! — Ele
também vai direto ao ponto. — A minha relação com a Laila era puramente
sexual, a gente trepava, era bom para ambos e cada um seguia a sua vida.
— Vocês ficaram juntos?
— Eu não estou usando o passado para me referir a Laila à toa. Desde
o dia em que pus os olhos em você eu não fui para cama com nenhuma outra
mulher, porque nenhuma delas é você! — Assinto em silêncio, mas por
dentro meu coração bate em disparada. — Nenhuma mulher povoa o meu
pensamento como você. É em você que eu penso quando gozo, depois de me
masturbar... É você que me deixa duro por apenas estar ao seu lado — ele
leva a minha mão até o meio das suas pernas — eu não sei o que mais preciso
fazer para provar que estou com você e que a nossa relação é séria. Não só a
porra do meu coração é seu, como o meu pau! — Ele pressiona minha mão
contra seu membro.
— Arthur...
— Eu te amo, Olívia! — Ele se declara antes da sua boca esmagar a
minha.
Arthur empurra meu corpo contra a parede e ergue as minhas pernas,
firmando-as ao redor da sua cintura. Seguro firme em seu pescoço e me
agarro a ele para receber o beijo mais avassalador de todos. Nossas línguas se
exploram, assim como as nossas mãos, exploram tudo. Sinto seu membro
contra mim, emanando ondas de calor para o meio das minhas pernas,
fazendo com que, involuntariamente, eu me esfregue nele. Um gemido
escapa dos seus lábios.
— Eu amo você — ele sussurra — entendeu?
— Hum... — Emito fracamente quando ele lambe meu pescoço.
— Tudo que eu menos quero é parar agora — suas mãos invadem a
minha camisa e ele abre com facilidade o fecho do sutiã frontal, seu dedo
brinca com o meu mamilo e fecho os olhos em prazer quando ele repete o
gesto no outro.
— Você é tão gostosa — ele geme contra a minha boca.
— Desculpe mesmo por interromper — a voz feminina me traz de
volta ao lugar onde estou. Paraliso — mas poderia ter sido uma das crianças
ou a própria Mirtes que estava prestes a vir aqui, mas eu a impedi dizendo
que vinha chamar vocês.
Arthur me coloca no chão como se nada tivesse acontecido e tentar
disfarçar o volume da sua calça escondendo-se atrás de mim.
— Desculpa! — Peço ainda ofegante.
— Obrigado por ter impedido que fosse ela, Pam.
— Fico feliz em ajudar — ela sorri e se afasta.
Eu me ponho em movimento para segui-la antes que o Arthur possa
pôr as mãos em mim novamente.

Já na área externa da mansão noto meus irmãos e os afilhados do


Arthur fora da piscina, sendo enxugados por uma mulher de uniforme. Outros
empregados estão conversando com a mãe do Arthur quando ela nota nossa
aproximação.
— Aqui estão, Mirtes — Pâmela diz sorrindo — Dafne, vem aqui
para a mamãe prender seu cabelo.
— Olívia... — a senhora começa, mas sorri quando o filho se
aproxima — gostaria de me desculpar pelo mal-entendido de mais cedo. Não
tive a intenção de dar a entender que o meu filho...
— Não precisa se desculpar, dona Mirtes.
— Sim, ela precisa, meu amor. Obrigada, mãe. Que bom que
conseguiu desmarcar o seu compromisso.
— Conhecer a mulher que está mudando o meu filho é mais
importante do que qualquer outra coisa... Vamos almoçar?
— Vamos. Meninos, vamos comer! — Arthur chama alto e as
crianças gritam.
Seguimos para a grande mesa montada na área externa da casa. Pratos
e talheres, copos e guardanapos estavam dispostos em sete lugares. A senhora
sentou na cabeceira e Arthur a sua direita, eu me posicionei ao lado dele.
Pâmela sentou de frente para o Arthur, seguida dos filhos. O André ficou ao
lado da Dafne e o Eduardo ao meu lado.
— Rosália, pode nos servir — a senhora ordena.
— Acho que nós mesmos podemos nos servir, mãe — Arthur
interfere, já levantando e indo até o aparador perto da parede de vidro.
Sorrio ao levantar com meu prato, seguindo o meu namorado. Várias
travessas estão a nossa disposição e coloco arroz branco, farofa costelinha e
salada de verduras em meu prato. Todos se servem e quando já estou sentada
ouço o som de vidro se espatifando. Olho para trás e vejo que o André
derrubou um copo de vidro.
— Você se machucou? — Pergunto, levantando rapidamente.
— Não, desculpe Arthur eu não queria quebrar, escorregou.
— Não se preocupe, amigão. Venha comer! — Olho para a mãe do
Arthur que não diz uma palavra, apenas observa toda a cena.
Sento novamente e volto a comer sem sentir o gosto. O Arthur puxa
conversa com a Pâmela, mas só os dois se entretém com o assunto, eu assinto
e sorrio notando que a senhora está avaliando a maneira como os meus
irmãos e eu nos comportamos. Por mais que eu tenha plena certeza que
estarmos comendo corretamente de garfo e faca, isso não a agradará tanto
quanto deveria.
— Mãe, já disse mais cedo, mas me sinto na obrigação de dizer
novamente e de maneira mais formal: essa é a minha namorada! — ele sorri
abertamente — Nunca imaginei que dizer isso fosse me causar tanto gosto —
Arthur segura minha mão.
— Só posso desejar que você seja feliz, meu amor. Qualquer pessoa
que seja capaz de te deixar feliz tem a minha bênção. Da mesma forma, se te
fizer sofrer terá que se ver comigo...
— Não se preocupe, dona Mirtes, sou a maior interessada na
felicidade do seu filho.
— Não a maior... — ela corrige.
— Depois da senhora...
— Quanto amor, depois sou eu que tenho que lidar com o ego dele em
Londres — Pâmela interrompe.
— Sou um amor, Pam — Arthur pisca para ela — vamos comer logo
que estou louco pela sobremesa!
O restante da tarde se passou sem maiores incidentes. Os meninos se
divertiram bastante, eu, Pâmela e Arthur conversamos bastante e a minha
sogra se retirou quando uma empregada se aproximou dizendo que ela tinha
que entender uma ligação importante.
Arthur fez questão de nos levar em casa e assim que estacionou,
desceu para dar cumprimentar minha mãe. Os meninos agradeceram o dia e
correram para contar todos os detalhes para mamãe.
— Espero que você tenha entendido que eu quero que isso dê certo...
— ele diz na varanda, quando estamos nos despedindo.
— Também torço para que tudo fique bem entre nós, Arthur.
— Eu disse que te amo hoje, você ouviu?
— Ouvi sim...
— Tudo bem, Oli, não preciso que diga eu também. Não ainda — ele
se aproxima e me presenteia com mais um dos seus beijos alucinantes —
sonhe comigo.
Ele se afasta e sai, entrando rapidamente no carro. Como se eu fosse
uma criança obediente, é exatamente o que eu faço: sonho com o meu
jogador preferido a noite inteira.
A manhã é o meu
último dia no
Brasil e, pela primeira vez em tantos anos, estou sentindo saudades antes
mesmo de partir. A dona da minha saudade tem nome e sobrenome, além de
uma agenda abarrotada. Eu tentei bancar o namorado compreensivo, aquele
que aceita com um sorriso no rosto uma pequena fatia de atenção; Ela era
super-certinha em relação a horários e compromissos e eu admirava isso nela,
afinal eu também era assim, mas também queria que ela quebrasse as regras
uma vez na vida. Seria mais do que justificado ela faltar um dia no trabalho
para ficar com o seu namorado, mas não. Olívia não se rendeu as minhas
inúmeras mensagens apelativas para que ela abandonasse tudo e corresse para
os meus braços. Assim, não restou outra alternativa senão usar da minha
influência para persuadir as pessoas ao meu redor com o objetivo, nada
nobre, de atender as minhas vontades. Eu era muito bom nesse lance da
persuasão, isso explica o poder que exerço dentro de campo e fora dele, as
marcas disputam a minha atenção, todas querem ter a minha imagem
relacionada ao seu produto. A equação é simples: Arthur + produto = lucro.
Juan, costuma brincar que tenho uma espécie de magnetismo, um rosto
angelical e um tom de voz sempre amigável capaz de seduzir gregos e
troianos. Meu amigo diz que as pessoas consumiriam qualquer coisa que eu
indicasse, ainda que fosse um produto de má qualidade. Por sorte delas
somos pessoas honestas e não associamos a minha imagem a qualquer
produto, mas isso não impede que eu use dos meus atributos para levar
alguma vantagem nessa vida. Como, por exemplo, agora que tentarei aplicar
o meu magnetismo com os empregadores da Olívia.
Chego na escola no horário da aula de educação física de modo que a
minha entrada, que deveria ser discreta, transforma-se em uma confusão de
crianças gritando e correndo em minha direção. Sou salvo pelo inspetor que
me livra das crianças e me guia rapidamente para a sala da diretora. A mulher
de idade avançada com uma expressão ranzinza fita-me longamente como se
estivesse tentando adivinhar se eu sou um pai de aluno ou um potencial
cliente. Temo não passar na sua avaliação, pois ela continua a me olhar por
trás dos óculos de armação grossa. Nesse momento começo a questionar se a
minha escolha despojada de jeans e regata passará no seu crivo. Sou capaz de
apostar que a mulher desviará o olhar e voltará a atenção a pilha de papéis a
sua frente, ignorando por completo a minha presença. Eu devia ter contado
com a possibilidade de encontrar uma anciã e que assim o meu costumeiro
charme de astro do futebol de nada valeria.
Ao contrário do que as pessoas acreditam ser uma figura pública não
diminui o meu receio em ser avaliado. Apesar de ser seguido e ter a minha
vida exposta a cada minuto, o olhar de avaliação do outro ainda me causa
certo incômodo, sorte que finjo bem.
— O senhor deseja falar comigo? — A mulher me pergunta, muito
tempo depois.
— Sim, me chamo Arthur Silva...
— O responsável pelos gritos histéricos, presumo — e eu achando
que persuadir Olívia, fosse a minha tarefa mais árdua... Agora eu temia não
só não conseguir a liberação dela, como também deixá-la em maus lençóis
com essa minha aparição inesperada.
— O próprio — sorrio, não deixando transparecer o meu temor —
sinto muito, por ter agitado os alunos.
— O que deseja, Arthur Silva? — Ela retira os óculos e deixa-os
pender sobre o pescoço, presos em cordinhas. Massageia as têmporas e eu
decido ir direto ao assunto, para poupar ambos dessa interação desastrosa.
— Olívia Santos é minha namorada — ela ergue os olhos em
expectativa — e eu vim até aqui com o objetivo de conseguir aproveitar as
últimas horas das minhas férias ao seu lado. Muito provavelmente a senhora
deve achar que sou um louco por vir até o trabalho da mulher que amo com o
intuito de conseguir atender ao meu desejo.
— A sua percepção é muito boa, confesso. — Seus lábios se erguem
minimamente e entendo como um sorriso.
— Muito provavelmente estou em maus lençóis, porque se a senhora
conhece a Olívia como eu conheço, ela considerará isso como uma atitude
descabida e passaremos os meus últimos minutos no Brasil discutindo.
Porém, não me importo. Estou disposto a correr esse risco se ele significar a
sua presença ao meu lado.
— Você falou últimos minutos... Está me dizendo que trabalha em
outro estado?
— Continente, resido e trabalho na Europa. Sou jogador de futebol.
— Isso explica a sua falta de bom senso em vir até aqui solicitar a
liberação da professora auxiliar antes do fim do expediente.
— Eu chamaria de coragem — sorrio — tenho certeza que a senhora
já vivenciou as loucuras que as pessoas são capazes de fazer em nome do
amor. Enquanto conversarmos não posso deixar de escutar a voz da emoção,
aquela que diz que eu deveria ter gritado aos quatros ventos o nome da Olívia
no pátio e atraído a sua atenção. Assim, eu não precisaria estar aqui, diante da
diretora da escola, feito um estudante temeroso aguardando a resolução do
meu problema.
— Você não tem nada de temeroso, está mais para o aluno sagaz que
usa a inteligência para criar motins e dispersar a turma.
— Tenho certeza que essa era a definição que a minha mãe ouvia
cada vez que comparecia a reunião de pais e mestres — dessa vez, seus lábios
formam um sorriso visível.
— Como você já deve ter notado, gastei todas as minhas energias com
alunos como você. Essas rugas no meu rosto não surgiram do nada — ela
sorri — e estou com a minha agenda cheia pelos próximos meses, o que
inviabiliza a ida ao esteticista, vou atender ao seu pedido.
— Eu não sei como te agradecer! — Aproximo-me e seguro suas
mãos, sorrindo.
— Basta esperar aqui sentado enquanto eu mesma vou até a sua
namorada. Não quero que as professoras enfrentem alunos afoitos por
descobrir que uma das nossas colaboradoras namora um astro do esporte.
— Muito obrigado mesmo! — Sorrio e ela se afasta em passos lentos,
parando com a mão na maçaneta.
— Tenho certeza que meus netos ficarão felizes com uma mensagem
sua — ela retira o celular do bolso da calça e o estende em minha direção.
— É o mínimo que posso fazer! — Sorrio ao segurar o aparelho.
Concentro a minha atenção em gravar uma mensagem em vídeo para
os seus netos e prometo presenteá-los com camisas autografadas. Deposito o
celular dela na mesa e uso o meu para solicitar a Pâmela o envio dos
presentes.
— Que droga você faz aqui? — Olívia surge furiosa, fechando a porta
com força atrás de si.
Ela usa uniforme da escola e ainda assim continua bonita, numa
combinação de calça de tecido preta e camisa salmão com as iniciais
da instituição bordada. Seu cabelo está preso num rabo de cavalo
evidenciando seu belo resto, com ausência de maquiagem e brincos. Eu não
canso de admirá-la ainda que nesse exato momento ela me encare com um
olhar ameaçador.
— Oi para você também, amor — Mantenho-me parado sem saber se
seu próximo passo será me agredir ou me beijar. Torço pela segunda opção,
mas de qualquer forma estou atento.
— Oi? — Seu tom de voz está alterado — Me diz que é mentira e que
você não veio até aqui apenas para atender aos seus caprichos.
— Se querer ficar ao lado da minha namorada antes de embarcar é
um capricho, então sim é verdade.
— Você não poderia ter vindo até aqui — ela prossegue furiosa — eu
posso perder o meu emprego. Você tem noção do quanto a sua atitude
impulsiva pode me prejudicar? Eu posso ser demitida! — Olívia solta num
lamento.
— Eu sinto muito. Realmente não pensei nas consequências. Mas,
não se preocupe com isso, amor... — Caminho em sua direção, mas ela recua
— Conheço várias pessoas, você não terá dificuldade em encontrar outro
emprego. Um emprego que você não precise trabalhar por tantas horas...
— Eu não quero usar da sua influência para tirar proveito de nada
— ela interrompe — sempre alcancei os meus objetivos por meu próprio
mérito e não vai ser agora que isso mudará.
— Qual o problema em aceitar a minha ajuda, Olívia? Qual o
problema em seu namorado querer cuidar de você? Não vejo demérito algum.
— O problema é que eu não me sinto confortável com essa situação.
Antes de você aparecer essa tarde aqui, eu tinha um emprego com um salário
que me proporcionava ajudar a pagar as contas em casa. Não é a sua
realidade, mas é a minha.
— Eu já estive desse lado. Não nasci em berço de ouro, Olívia.
Também precisei correr atrás dos meus sonhos e se hoje eu posso garantir aos
que eu amo uma boa vida eu não vejo problema nisso... Além do mais a
minha proposta em conseguir um novo emprego para você não é uma atitude
altruísta, é apenas a tentativa de reverter um erro que te ocasionei — solto o
ar, impaciente — sabe o que é pior em tudo isso? Estamos brigando por uma
porra de possibilidade futura. E sabe o que é ainda mais grave? — Ela meneia
a cabeça em negação — que ainda assim, eu não consiga dissipar a ideia de te
beijar nesse exato momento. Deveríamos ter gasto toda essa energia em
beijos e amassos na sala da direção.
— A culpa é sua por ser impaciente! — dá de ombros sorrindo —
Nós havíamos conversado que depois daqui iríamos nos encontrar. Você não
poderia aguardar mais algumas horas?
— Não quando ficarei meses longe de você!
— Arthur, você não está sendo racional...
— Eu não vou me desculpar por querer estar ao lado da mulher que
eu amo a cada segundo do meu dia — ela abre a boca para falar, mas eu
prossigo — você sabe muito bem o quanto eu me contentei em ser a segunda
opção enquanto todas as outras coisas estavam acima de mim.
— Você não é a minha segunda opção... — Ela discorda.
— Então me prove! — Diminuo a nossa distância — Prove que sou a
sua primeira opção e vamos embora daqui — deixo meus dedos percorrerem
lentamente o seu braço — vamos para um lugar onde não tenha ninguém para
nos interromper. Onde toda a sua atenção estará voltada para mim — minhas
mãos seguiram até a sua bunda e mantive-as ali paradas, esperando que ela
reagisse e pedisse pelo meu toque.
— Arthur...
— Vamos fugir deste lugar, baby — Aperto meus dedos em sua
bunda e ela deixa um gemido escapar — Tô cansado de esperar, que você me
carregue... — Cantarolei em seu ouvido, meus lábios tocavam a sua pele de
forma despretensiosa a cada frase dita — Eu posso continuar catando a
canção até a parte que fala onde haja só meu corpo nu junto ao seu corpo nu.
Mas não posso garantir que não ficarei excitado.
— Arthur... — Olívia chama novamente pelo meu nome.
— A cada vez que meu nome sai da sua boca nessa voz rouca, minha
mente fértil me guia para o exato momento em que o pronunciará ao atingir o
orgasmo. Vou fazê-la repetir o meu nome por muitas vezes, descobrindo o
que leva você a gemer alto ou o que faz seu corpo se curvar de prazer. E cada
vez que meu nome sair da sua boca vou sorrir satisfeito, pois saberei que
você é só minha.
— Esse não é o local ideal para isso... — sua respiração está
acelerada, posso ver seu peito subir e descer repetidas vezes — estamos no
meu local de trabalho.
— Esse tipo de informação não aquieta a minha mente. Todo moleque
sonhou em pegar a professora gostosa e você é uma das mais deliciosas.
Como um mau aluno mereço ser castigado?
— Eu não castigo meus alunos... — ela sorri — Mas se assim você
deseja eu posso colocá-lo para escrever por repetidas vezes o quanto é um
mau menino!
— Eu prefiro ajoelhar no milho... — Minha língua lambe seu
pescoço provocando-a — posso fazer isso agora mesmo.
— Talvez eu devesse levar você a coordenação pedagógica e exigir a
sua expulsão.
— Eu não faria isso se fosse você — sorrio maliciosamente — não até
eu provar a você o quanto a minha boca pode deixa-la feliz, professora
Olívia.
— Acho melhor irmos embora...
— Agora que a brincadeira estava ficando boa? — Arqueio a
sobrancelha.
— Sou a professora aqui, a responsável por colocar limites! — Ela
afasta a minha mão da sua bunda — Vamos?
— Você sabe que um dia você pagará a sua conta de provocações,
não é? Já quero deixar registrado que aguardo ansiosamente o dia que você
aparecerá na minha casa, vestida de professora sexy.
— Vai esperar sentado! — Rebate sorrindo.
— A posição que você preferir — Pisco em sua direção.
— Como você é bobo! — Ela sorri enquanto caminhamos de mãos
dadas pelo corredor da escola que está bem mais calma.
— Um bobo apaixonado e complemente atormentado por você,
Olívia. Não sei o que você fez comigo, mas cada dia que passa tudo que eu
mais quero é estar ao seu lado, mesmo sofrendo por não poder ter você
inteira.
— Essa é uma das razões para eu amar você — ela deposita um
selinho rápido nos meus lábios e se afasta correndo em direção ao carro
estacionado.
— Você me ama? — Ergo a sobrancelha sugestivamente — Conte-
me mais sobre isso, Olívia.
— Digamos que eu meio que gosto da sua aparência e do seu papo —
ela dá de ombros — Ok, eu gosto do som da sua risada, do seu bom-humor,
das suas surpresas inesperadas e até das suas provocações diárias que
configuram tentativas vãs de me levar para o mau caminho.
— Essa é a declaração mais tórrida de amor que que já recebi na
minha vida — digo ao entrar no carro.
— Não se empolga ou será a última — ela sorri.
— Nada disso, vou me dedicar para ser merecedor de mais...
— Eu tenho medo desse olhar!
— Que olhar? — Sorrio, prestes a pôr o carro em movimento.
— Esse do lobo mau que quer a devorar a Chapeuzinho Vermelho.
— E eu jurava que o meu olhar para você era de príncipe encantado
que quer conquistar a princesa.
— Só que não! — Ela gargalha e o som da sua risada preenche todos
os meus sentidos.
Desde a primeira vez que vi Olívia a minha mente foi tomada pela sua
presença, ela invadiu o meu mundo. Não há um único dia que eu não pense
nela, desejando avidamente ser a sua agenda para acompanhá-la em todos os
lugares. E nesse momento estou lutando contra o misto de emoções que é
saber que essa será a última vez que estaremos juntos pelos próximos meses.
Essa possibilidade me deixa inquieto. Nunca namorei a distância, não sei
como isso pode dar certo, mas com Olívia eu estou disposto a tudo. Não deve
ser tão difícil assim... Muitos amigos meus mantinham um relacionamento a
distância, e não parecia ser um grande obstáculo.
Mas que se foda!
Interrompo o meu fluxo de pensamento e breco a poucos centímetros
de bater no carro a minha frente. O motorista abre a janela e gesticula
irritado, mas eu ignoro e acelero afastando-me.
— Você está bem? — Olívia pergunta preocupada.
— Não, mas ficarei — toco sua perna e volto a concentrar no trânsito
a minha frente — você confia em mim? — Pergunto quando o sinal fecha.
— Como assim?
— A pergunta é simples Olívia: Confia ou não confia?
— As perguntas nunca são simples quando envolvem você.
— Isso é um não?
— É claro que eu confio em você — ela responde apertando as mãos
— Mas não posso mentir e dizer que me sinto desconfortável em responder
esse seu questionamento sem saber quais os seus planos.
O semáforo abre eu acelero, ela observa apreensiva quando saio da
avenida principal e viro à esquerda, para ingressar em outra avenida. Dirijo
rápido e agradeço os sinais abertos. Uma reserva demoraria demais, por isso
dou a seta em frente ao lugar mais tranquilo que posso imaginar para que
possamos estar juntos.
— Um motel!? — Ela praticamente grita ao meu lado quando paro
em frente ao grande portão.
— Calma aí, respira — tento tranquiliza-la, mas ela aperta as mãos —
Olívia, sou eu o Arthur. Você acha mesmo que iria te forçar a alguma coisa?
— Por que me trouxe aqui, então? — Ela indaga e noto o temor no
seu olhar.
— Porque eu gostaria de passar mais tempo ao seu lado. Eu pretendia
te levar ao cinema e depois para jantar, mas não conseguiríamos fazer
nenhuma dessas coisas em paz, sem que me parassem para pedir uma foto ou
pior é provável que algum babaca escondido tente nos fotografar para
estampar os sites de fofocas. E eu não quero dividir você com mais ninguém
hoje.
— Poderíamos ter ido para a minha casa...
— Você sabe que a cada minuto seus irmãos surgiriam para me
convidar para jogar bola ou pedir que você auxiliasse nas tarefas da escola.
— Na sua casa, então...
— Minha mãe está planejando uma festa surpresa de despedida. E
apesar de já ter percebido a movimentação e a sua tentativa de fingir que nada
está acontecendo preciso ficar fora de casa para que ela possa organizar.
— Festa surpresa?
— Não precisa mentir — sorrio — eu sei o quanto a dona Mirtes deve
ser assustadora.
— Eu não sabia de nenhuma festa, Arthur...
— Talvez eu tenha suspeitado errado então. Não importa, estarei com
você hoje.
— Talvez...
Um carro buzina atrás do nosso, e eu me lembro que estamos parados
em frente a entrada do motel, interrompendo a passagem de quem deseja
adentrar.
— Devo dar ré e voltar ao meu plano inicial ou você confia em mim?
— A buzina se intensifica, mas eu não me apresso.
— O que faríamos aqui?
— O que você tiver vontade. Mas, eu posso te ajudar, podemos
assistir algum filme ou ouvir música, enquanto comemos pipoca ou qualquer
coisa que tenha no cardápio. Podemos pedir alguma coisa para jantar
também, se você quiser beber, não me oponho... Dormir abraçados também é
uma opção. Acho que daí dá para ver o pôr-do-sol também.
— Quem acreditaria que viemos ao motel para isso? — Ela pondera.
— Ninguém precisa saber, Olívia. A forma como conduzimos a nossa
relação é algo entre você e eu. Desde que estejamos felizes nada mais
importa.
— Você deveria deixar seu lado romântico florescer mais vezes.
— Isso não atrai holofotes — sorrio — esse eu trago à tona somente
para minha namorada.
— Não se preocupe que o seu lado romântico está guardando a sete
chaves comigo — ela sorri e a “buzinação” atrás de nós recomeça.
— Ok, vamos entrar logo antes que o dono do carro de trás venha até
aqui para reclamar e descubra que é você sentado no banco do motorista. Eu
ficaria mortificada se ele pedisse um autografo nessa situação.
Conduzo o carro para o quarto que nos disponibilizaram e o estaciono
na garagem sob ele. Olívia desce do carro mais nervosa do que qualquer
outro dia que eu já tenha visto. Seguro sua mão e dou um aperto firme.
— Ei, relaxa... Só vamos ficar juntos um pouco e se quiser ir embora
é só me dizer, ok?
— Não é disso que tenho medo — ela diz e me faz rir.
— Ah, Oli, se você soubesse o quanto terei que me segurar..., mas eu
te prometo, amor, que você vai sair daqui virgem.
— Bela promessa, será que foi isso que o Lobo-mau disse para
vovozinha? — gargalhei alto com a insinuação.
— Eu disse que você sairia daqui virgem, não disse que me
comportaria.
— Arthur! — ela me repreende — Mas saiba que eu confio em você e
nessa sua promessa.
— Isso é muito importante para mim, Olívia.
— Vamos subir? Estou curiosa!
— Vamos lá.
Enquanto subimos os degraus que nos levarão até o quarto, repito a
promessa que acabei de fazer, contando com toda a minha força de vontade,
autocontrole e foco no futuro para bater na trave de propósito.
H á poucos mais de
meia hora eu
queria matá-lo por ter invadido meu local de trabalho. Onde já se viu? Não
custaria nada para a diretora me dispensar, sou apenas uma auxiliar, com
tanta gente em busca de estágio ela conseguiria alguém, em pouquíssimo
tempo, para me substituir. Alguns minutos depois, eu quis esbofeteá-lo por
estar parado em frente a um motel, mas nesse momento tudo isso foi
substituído por curiosidade.
Desde sempre ouvi falar sobre lugares como esse. Minhas vizinhas,
amigas de faculdade e até estranhas dentro dos transportes públicos
conversavam sobre as suas aventuras sexuais e o motel faz parte desse
universo. Afinal, para muitos acabava sendo o lugar mais frequentado para
transar com o namorado, dar uma fugida com o amante ou sair da rotina com
o marido. Por isso, ouvi diversas histórias, entre cômicas e fabulosas, sobre
ele e sempre imaginei como seria um motel por dentro.
Arthur me guiou por um pequeno lance de escada até chegarmos ao
próximo andar, e assim que meus pés pisaram no piso de cerâmica, percebi
que nada do que imaginei fazia jus ao que eu via em minha frente. O lugar se
assemelhava a uma suíte de hotel chique, com uma parede de vidro com
película escura, mas que permitia visão total do mar. Estou encantada com a
beleza do ambiente.
Se o nome no letreiro colorido não indicasse que se tratava de um
motel, eu apostaria que eu estava numa suíte de luxo. A cama redonda
poderia ser justificada como tendência para os afortunados e o espelho no
teto, bem, esse não dá para justificar: é marca registrada de motel. Mas há ali
também um espaço que parece uma pequena sala de estar com uma mesa
redonda com duas cadeiras e uma poltrona preta, um tanto reclinada e sem
braços. Há uma televisão enorme e no banheiro, uma banheira para dois. As
paredes e o chão são brancos e limpos, assim como os lençóis da cama.
É surreal. Primeiro, porque jamais imaginei que a primeira vez em
que fosse em um motel seria nessas circunstâncias, achei que talvez seria em
uma comemoração com meu futuro esposo.
— Aprovado? — Ele pergunta depois que passo vários minutos
observando tudo calada.
— É incrível — confesso — é como se estivéssemos em uma suíte de
hotel, embora eu também nunca tenha estado em uma... — Dou de ombros.
— Nem todos os quartos de motel são assim — Arthur explica — há
alguns temáticos, outros mais simples que esse e até para acomodar bastante
gente de uma vez, mas isso a gente deixa para outro momento.
Ele me lança o olhar de predador e sinto uma sensação de quentura,
como em todas as vezes que ele me olhou daquela forma. O correto seria
fugir para o mais distante dele, mas Arthur tem o poder de me hipnotizar e
me fazer questionar o correto a se fazer.
— Você ouviu o que eu falei? — Ele pergunta sorrindo.
— Não — ele sorri.
— Água, café, refrigerante, cerveja, vinho? O que quer beber?
— Água — respondo enquanto ele caminha até o telefone fixo na
parede.
Arthur volta a atenção a ligação e eu me afasto para explorar a
varanda. É uma pena que seja fechada por vidro, mas ainda assim tenho uma
vista linda do mar carioca. O seu azul disputando com o azul do céu para ver
quem vence a batalha de ser mais belo, contemplo ambos e me perco naquela
imensidão.
Amanhã, o cara que bagunçou a minha vida estará em Londres e saber
que um oceano nos separará me faz pensar em como sentirei a sua falta.
Sentirei saudades das suas aparições para me surpreender, do som da sua
risada, do carinho com que trata os meus irmãos. Seus beijos, suas mãos
incendiando o meu corpo e das nossas conversas intermináveis por telefone.
Se alguém me dissesse que em menos de quinze dias eu conheceria o homem
dos meus sonhos e que o nosso amor teria prazo de validade, eu
simplesmente riria na cara dele. Se eu soubesse quem seria o tal homem,
colocaria a minha bolsa no ombro e me afastaria antes mesmo de ouvi-lo me
dirigir a palavra. Então, por que, mesmo sabendo o tamanho da encrenca, me
deixei levar pelo furacão?
Talvez, porque eu seja uma boba que, de tanto assistir comédia
romântica, acredita que você pode encontrar o amor em qualquer lugar e
independente das diferenças, o sentimento prevalecerá e vocês viverão os
felizes para sempre.
— Uma peça de roupa pelo seu pensamento — Arthur me abraça por
trás e sussurra ao meu ouvido.
— Assim você me força a ficar em silêncio — ele sorri, colado ao
meu corpo.
— Eu nunca fui tão rejeitado em minha vida!
— Não é pessoal, acredite — Arthur me vira até ficarmos frente a
frente, a sua mão enlaça a minha cintura e me puxa para mais perto. Nossos
rostos estão há centímetros um do outro.
— No que você estava pensando? Não me diz que não é nada, pois
bem aqui — leva o dedo indicador ao centro da minha testa — surge uma
ruga sempre que você está pensando.
— Então devo viver com essa ruga — sorrio — sempre estou
pensando em alguma coisa, mas dessa vez estava pensando em nós.
— Me diz que é embaixo do chuveiro, ou ainda, na banheira...
— Não — sorrio e ele solta um falso lamento — estava pensando que
daqui a algumas horas estaremos distantes.
— Não vamos pensar nisso agora...
— Não pensar não vai mudar a realidade.
— E é exatamente por isso que aproveitaremos o nosso tempo juntos.
Aqui somos apenas eu e você, e nada mais!
Arthur diz, fitando-me em adoração. Seus olhos azuis são o retrato
perfeito das águas do oceano, atraindo-me, a cada segundo, em um convite
mudo para mergulhar em suas profundezas. Meu olhar tenta desviar das
águas turbulentas e paira sobre a sua boca. É o meu erro.
Os seus lábios se movem lentamente, formando um sorriso, capaz de
derreter gelo e aquecer todo o meu corpo. Como planejo resistir aos seus
olhos, lábios e mãos que agora acariciam a minha pele? É impossível não ser
arrebatada quando ele aplica todo o seu arsenal de sedução. Seus toques e
beijos avançam com ardor e paixão, restando-me apenas afivelar o cinto e
aproveitar o passeio intenso na máquina, fazendo jus ao seu apelido dentro de
campo.
No exato momento que seus lábios tocam os meus, meu coração bate
diferente, em um ritmo próprio, meio desordenado e caótico. Espero um beijo
lascivo, urgente, molhado e quente, daqueles capazes de me lembrar onde
estávamos e me fazer desejar romper os meus limites de uma vez por todas.
Mas Arthur me surpreende ao tocar apenas os nossos lábios, em um beijo
delicado que transmite amor, carinho e, acima de tudo, respeito. Ele sempre
me surpreende através dos beijos que vão desde os que me envia uma
corrente elétrica diretamente para o centro das pernas, até esse. Um beijo
doce que atinge o meu coração, fazendo-o martelar desenfreadamente em
meu peito.
— Eu te amo tanto... — são as palavras que profere quando as nossas
bocas se afastam — tanto que estou aqui reprimindo os meus desejos e
medindo as minhas palavras e ações para não a afugentar.
— Arthur... — Ele me silencia, levando o dedo indicador aos meus
lábios.
— Você é o meu ponto fraco, Olívia. Uma palavra sua e eu altero
todos os meus planos...
— Apenas me beije!
E assim ele o faz, toma a minha boca com uma fome e desejo
irrefreável, suas mãos passearam por todo o meu corpo, braços, costas,
bunda, deixando uma trilha de calor por toda a parte. Arthur empurra-me
contra a parede de vidro, colando os nossos corpos. Sua boca abandona a
minha e solto uma interjeição de desaprovação, mas o meu lamento dura
poucos segundos, pois logo seus lábios iniciam uma trilha de beijos pelo
pescoço e continua a descer. Ele beija meus seios e ainda que haja a barreira
da roupa entre seu toque e a minha pele, eu estremeço.
A minha respiração está acelerada, sua boa e sua língua se alternam,
provocando minha sanidade. Respiro fundo quando Arthur levanta a blusa da
minha farda e beija a minha barriga, deixando sua língua percorrer de um
lado a outro da minha cintura. É extremamente sexy e me faz pegar fogo.
— Eu durmo e acordo pensando no seu sabor... — ele diz soprando a
pele molhada do meu abdômen. Sua voz sai rouca.
— Arthur... — Gemo seu nome quando ele repete a lambida lenta,
suas mãos pairam sobre o cós da calça.
Ele abre o botão da minha calça de tecido, mas eu não reajo. Sou
incapaz de formular uma sentença coerente. Uma parte de mim quer mandá-
lo parar, mas a outra... A outra quer sentir mais das sensações Ele percebe a
minha indecisão, e não avança nas investidas.
— Por favor, Arthur... — Rompo o silêncio.
— Certo — ele ergue as mãos e levanta — teremos outras
oportunidades.
— Não, Arthur. Não era para parar, era por favor continue — a
minha resposta o pega de surpresa.
— Olívia... — ele hesita — Você tem certeza disso?
— Não, mas você não pode me atiçar desse jeito e depois querer que
eu raciocine. Você me disse que vou sair daqui virgem, mas sei que há
maneiras de você me mostrar algumas coisas. Eu quero senti-las.
— Seu desejo é uma ordem, amor — ele sorri, antes de me tomar nos
braços e me levar para a cama.
Arthur deposita-me com carinho no centro da cama e começa a me
despir. Primeiro ele se livra da minha blusa, me deixando apenas de sutiã.
Estremeço quando ele segura meus seios e os aperta.
— Eles são perfeitos! — Diz numa voz rouca.
Ele me faz deitar e retoma o caminho da minha calça, abrindo o zíper
e fazendo com que ela abandone o meu corpo. Ergo os quadris quando Arthur
acaricia a minha boceta por cima da calcinha azul. O toque irradia por todo o
meu corpo. Olho para o teto e me vejo ali, deitada apenas de lingerie, tendo
um homem extremamente bonito pairando sobre as minhas coxas.
Pelo reflexo, o vejo abrir as minha as pernas, mas preciso levantar a
cabeça para ver ao vivo quando ele morde levemente a parte interna da coxa
direita. Ele beija toda a extensão, parando antes de chegar lá. E então
recomeça na outra perna. Arthur lambe a minha coxa até chegar a boceta, que
se contrai, ainda escondida pela calcinha. Seus dentes me provocam e ele
repete lentamente o caminho entre as minhas coxas e boceta.
— Eu poderia passar meus dias adorando cada parte do seu corpo...
Arquejo quando ele afasta a calcinha com uma mão e me toca ali com
a outra.
— Você corresponde bem à expectativa. Consegue sentir que está
molhada, amor?
— Arthur! — Respondo entre o desespero e a impaciência.
— Vou beijá-la bem aqui, Olívia. Serão apenas beijos, mas pretendo
levar você até o céu.
Seus lábios tocam a minha carne e os meus quadris se elevam.
— Vou precisar tirar isso, já que você não se mantém quieta — ele
informa com um sorriso, despindo a peça.
Ele afasta as minhas pernas e usa as suas mãos para mantê-las abertas,
firmando-me no lugar. A língua quente me lambe longamente e eu sinto
vontade de grunhir.
— Não se reprima, amor — ele diz antes de repetir a lambida longa,
mas dessa vez ele se demora um pouco mais no início da minha boceta.
— Hummm...
— Isso, quero ouvir você.
Seus dedos deixam minhas pernas e vão ajuda-lo. Ele me abre e me
lambe. Mexe os dedos e me beija ali como se fosse a minha boca.
Ele tinha dito que seriam apenas beijos? Tudo que está acontecendo
agora, não são apenas beijos. São deliciosas torturas. E o Arthur é um exímio
torturador. Usa a ponta da sua língua para provocar meu clitóris, de um lado
para o outro, para cima e para a baixo. Por fim, ele o suga de leve, me
fazendo gritar. A cada investida sua, meus músculos retesam e, em seguida,
relaxam. A minha respiração está ofegante e eu seguro nos lençóis, tentando
me manter em terra.
As sensações se amplificam cada vez mais e quando ele usa o polegar
para me manipular, substituindo a língua, sinto que estou sendo levada para
longe. Seu dedo me provoca enquanto sua língua me lambe e tenta me foder,
mas sem conseguir ir muito fundo em mim. Fecho os olhos quando sinto que
estou despencando de um penhasco. Minha boca se abre em busca de ar. O
mundo gira ao meu redor e tudo que eu consigo pensar é no Arthur e sua
boca.
Quando abro os olhos encontro um par de oceanos sorrindo para mim
e percebo que durante todo esse tempo estive à deriva e somente agora
encontrei o meu colete salva-vidas.
Ele me abraça e eu nos enxergo no espelho. A Olívia que me encara
de volta tem um sorriso brilhante. Não tem jeito, desde o começo sabíamos
quem seria o vencedor desse jogo. Nunca tive a menor chance.
N unca me imaginei
treinando um time,
ensinando, testando táticas e maneiras de se chegar ao gol, mas hoje me senti
assim, um técnico experiente. O corpo da Olívia, aberto para mim em toda a
sua inocência, fez-me sentir poderoso. Tê-la confiando em mim, se
permitindo explorar me causou muito mais do que prazer, ainda que o meu
próprio êxtase não tenha sido atingido.
Se tinha uma coisa na qual eu me achava tão foda quanto no futebol,
era em sexo oral, pois se adquire experiência nos treinos. As mulheres que
passaram na minha cama me transformaram em um expert em bocetas, com
elas aprendi a intensificar e prolongar orgasmos, descobri a importância das
preliminares e, principalmente, a foder com a boca. E o que tinha acabado de
acontecer com a Olívia era uma foda perfeita, por mais que ela ainda não
tivesse noção disso.
— Ver você se perder em prazer é lindo, amor — confesso, depois de
abraçá-la, pós-orgasmo.
Ela sorri de leve, enquanto fecha os olhos. Aproveito para me afastar
e ir ao banheiro. Depois de alguns minutos a sós com as minhas mãos, na
tentativa de me livrar do tesão reprimido, volto ao quarto e a vejo dormindo.
Deito ao seu lado e abraço seu corpo por trás, inalando seu cheiro enquanto
fecho os olhos.

— Arthur... Acorda. Arthur! — Sinto alguém empurrar meu corpo e,


apenas por isso, abro os olhos. — Está muito tarde!
Puxo o corpo dela de volta para a cama.
— É sério, Arthur, já vai dar onze da noite, tenho que ir para casa.
— Achei que só fosse acordar de manhã — noto que ela está
completamente vestida — tudo bem, vamos já. Primeiro preciso saber se
você está bem com tudo o que aconteceu — ela desvia os olhos.
— Sim, tudo bem... Foram apenas beijos, não foi o que me disse? —
sorrio para ela.
— Você continua virgem, cumpri minha promessa, pelo menos por
enquanto.
— Vamos logo, tenho aula de manhã.
— Gostaria que fosse ao aeroporto.
— Não posso faltar. E confesso que a possibilidade de ter tanta
imprensa lá me assusta também.
— Uma hora você vai ter que lidar com isso — ela assente — por
falar nisso, não temos nenhuma foto juntos. Vem cá! — pego meu celular que
estava desligado, ligo e registro uma foto de nós dois.
— Vou pedir comida e logo depois te deixarei em casa. Se eu pudesse
parar o tempo, faria com que esse dia durasse meses.
— Também vou sentir sua falta, Arthur.
— Vamos nos falar todos os dias, precisarei de uma dose diária de Oli
para aguentar — ela ri — eu te amo, Olívia.
— Também amo você.

Deixá-la em casa foi uma das coisas mais difíceis que fiz
ultimamente. Quase não consegui desfazer o abraço apertado, mas foi
preciso, ela era independente e não me seguiria para outro continente nesse
momento. Fazer esse convite tão cedo só a faria recuar e correr para longe de
mim. Assim que entro em casa sou recebido por minha mãe, que me olha
com decepção.
— Onde esteve, Arthur? E por que não atendeu o celular?
— Mãe, preciso lembra-la que não sou mais um garotinho?
— Precisei mentir para os nossos amigos, dizendo que você teve um
compromisso de trabalho de última hora, mas é claro que ninguém acreditou.
Eu tinha preparado uma festa surpresa!
— Se era surpresa como esperava que eu soubesse? — jogo, enquanto
subo as escadas.
— Você não me disse onde estava...
— Com a minha namorada. Se era uma festa para mim, por que ela
não foi convidada?
— Mas é claro que ela foi convidada!
— A senhora está me dizendo que a mulher com quem passei as
últimas horas sabia de uma festa surpresa e não me convenceu a vir
propositalmente?
— Bem, talvez a empregada tenha esquecido de ligar para ela, ou...
— Não se preocupe, mãe. Não preciso de uma festa para saber que a
senhora me ama e que vai sentir minha falta.
— Amo muito, Arthur. Mais do que qualquer pessoa sobre a terra...
Você é a minha vida.
— E você a minha, mãe. Vou sentir sua falta também. Desculpe pelo
horário, não tinha como saber sobre a festa...
— Deixa para lá, podemos ficar um pouco juntos ou está cansado?
— Tenho todo tempo do mundo para a senhora — ela sorri, enquanto
vamos ao quarto dela. E eu sei que tudo ficou bem.

Depois de conversar com minha mãe, acabei adormecendo na cama


dela mesmo. Ela me deixou dormir o máximo que pôde, considerando o
horário do voo. O que foi ótimo para que meu corpo acostumasse com o fuso.
Passei todas as horas que me restavam com ela, tentando me desculpar pela
ausência da noite anterior. Não havia um pingo de arrependimento em mim
pela falta, mas ela era minha mãe e sentia minha falta durante as temporadas
Londrinas. Por mais que viajasse para acompanhar alguns dos meus jogos e
me visitar com frequência, era sempre difícil para ela me deixar na Inglaterra.
Praticamente viajei sem malas, por isso não tive que arrumar quase
nada para levar de volta. Despedi-me da minha mãe antes de entrar na sala de
embarque com Pam e as crianças. Mas foi quando subi no avião que senti
meu peito apertar de saudade. Mandei uma mensagem para Olívia, mas não
obtive resposta imediata. Abri o meu Instagram, enquanto as outras pessoas
se acomodavam no avião, e selecionei a nossa primeira foto juntas. Observei
a tela. Estávamos abraçados, deitados e sorrindo como dois apaixonados que
realmente éramos. A saudade que já sinto não cabe no meu peito, foi a
legenda que usei para mostrar a ela que o mundo inteiro deveria saber que
agora o meu coração tinha dona.

Em terras europeias, não demorou muito para minha rotina atarefada


de atleta se normalizar. Um dia depois de ter aterrissado em solo Inglês me
apresentei ao time. Atualmente jogo no Chelsea, clube inglês sediado aqui em
Londres, cujo dono é um magnata do petróleo russo. Por mais engraçado que
seja, o clube não está localizado no bairro de Chelsea, mas sim no bairro
vizinho de Fulham. Ambos ficam bem perto de onde moro, o trajeto é de
cerca de 5 minutos de carro.
No primeiro dia, pós-férias, focamos na musculação, o trabalho foi só
para aquecer a musculatura, por isso não foi tão pesado. No dia seguinte,
houve treino com bolas, basicamente: batida de faltas, pênaltis e passes
ensaiados. Precisávamos entrar em sintonia novamente antes do nosso
primeiro jogo, que aconteceria duas semanas depois. A partir do terceiro dia,
o técnico começou a armar os treinos técnicos. Assim, ao fim da primeira
semana, tudo estava rotineiramente ordenado.
Quer dizer, nem tudo.
Meu namoro com a Olívia ainda não possui um ritmo certo. Ora ligo e
ela não atende, ora ela manda mensagem e não respondo. A diferença de
horário entre os nossos países não chega a ser gritante, é de três horas, mas
considerando nossos afazeres temos nos “chocado” um pouco, e isso vem me
deixando frustrado. Isso e o fato de ela não ter gostado de eu ter publicado
sobre o nosso namoro sem tê-la consultado.
— Você deveria ter me avisado, Arthur — ela reclamou por telefone
— me assustei com a quantidade de gente solicitando acesso ao meu perfil no
Instagram!
— Sabe quantas pessoas reclamariam do fato de o namorado ter
postado uma foto anunciando para mundo que é comprometido? — pergunto
e ela bufa — pois é, só você, meu bem.
— Não estou reclamando...
— Anhan... Diz que está com saudades minha, porque estou
morrendo de saudades de você.
— Não tem nem quarenta e oito horas que me viu, seu bobo!
— Viu como sou apaixonado?
— Estou com saudades também. Arthur...
— Oi, Oli.
— O que eu faço se me perguntarem de você?
— Diz que sou gostoso — gargalho.
— Estou falando sério, acho que vão vir me perguntar até quando eu
for comprar pão.
— Bem, vou falar com a Pâmela e pedir para ela falar com você, tudo
bem assim? Ela me ajudou bastante quanto a lidar com tudo.
— Tudo bem... — ela bocejou — preciso desligar.
— Boa noite, minha linda.
— Boa noite, namorado.
— Ouvir isso me deixa muito feliz.
— Te amo, Arthur — ela diz antes de desligar.
Confiro as horas. Duas da manhã no Brasil. Reprimo a vontade de
ligar para ela e envio uma mensagem:
Faz uma semana desde que parti deixando meu coração com você. Sinto
mais falta sua do que dele. Espero que esteja sonhando comigo ;)

Apago as luzes e deito para dormir, mas enquanto o sono não vem
sinto a necessidade de planejar os próximos passos. Nunca pensei que a hora
de sossegar fosse chegar tão cedo, mas não consigo imaginar mais nenhum
dos meus dias sem tê-la comigo. A distância tem se mostrado eficiente em
me mostrar o que eu quero para todos os próximos dias da minha existência.
E u cresci lendo
contos de fadas e
hoje, já adulta, eles continuam a fazer parte da minha vida. Meu pai
costumava reunir os filhos à noite para ler para nós antes de dormir, foi
através dele que descobri o mundo mágico presente nos livros. Quem nunca
sonhou em ter uma fada madrinha que realizasse todos os seus desejos?
Infinitas vezes me imaginei conhecendo a biblioteca da Fera, ou ainda,
devorando a casa feita de doces junto com João e Maria.
Na faculdade, a minha paixão pela literatura só tem crescido, à
medida em que aprendo a importância da literatura no processo de ensino e
aprendizagem. A cada dia confirmo que estou na profissão certa, amo
Pedagogia e amo ainda mais o contato com as crianças em sala de aula. Hoje,
como alfabetizadora, reconheço o papel fundamental dos contos de fadas e os
adoto no processo de alfabetização. A criança descobre através da leitura um
mundo mágico, habitado por seres fantásticos e ambiente aconchegante, por
isso utilizo desses elementos para promover a criação de leitores. E embora
eu não goste de ser o centro das atenções na vida, no âmbito escolar eu me
sinto confortável no papel de mediador de ensino. Assim como não me sinto
retraída em apresentar meu artigo no Seminário Internacional de
Alfabetização e Letramento na Infância.
A plateia formada por professores e alunos dos mais diversos cursos
encaram o palco com um interesse repentino quando meu nome é anunciado.
Dois outros colegas de curso haviam apresentado, minutos antes, seus artigos
acadêmicos sobre a alfabetização e letramento na perspectiva da educação
escolar indígena, um tema pouco explorado nos círculos acadêmicos e
abordado de forma brilhante pela dupla. Todavia, parecia que apenas um
pequeno grupo dos presentes no auditório estava interessado na apresentação,
muitos estavam com os olhos voltados para o celular, outros conversavam
assuntos paralelos, sem o menor constrangimento com os autores, ainda havia
os que dormiram durante a apresentação.
Mas quando assumo o centro do palco, sinto toda atenção voltada em
minha direção. Um cochicho coletivo ressoa no ambiente e uma insegurança
cresce dentro de mim. Será que estou com o zíper da calça aberto? Ou a
projeção que aparece na tela não é do slide correto? Confiro esses detalhes e
está tudo na mais perfeita ordem. Ainda assim as pessoas continuam a falar,
percebo celulares sendo erguidos em direção ao palco, como se estivesse se
preparando para registrar a minha apresentação. Afasto os pensamentos e
concentro-me a apresentar o meu artigo.
Discorro sobre o estudo a respeito da importância dos contos de fadas
na alfabetização, elencando a importância desses no processo de ensino-
aprendizagem infantil. A medida que avanço a explanação esqueço dos
observadores, e continuo a falar com de forma didática e serena sobre a
construção de práticas educativas que assegurem às crianças o direito a uma
educação de qualidade, especialmente no que se refere à linguagem escrita e
verbal, trazendo sempre como norte a noção de letramento. Que nesse
sentido, significa a vivência efetiva do mundo da escrita, onde o educando
deverá adquirir ao longo da sua formação o domínio da escrita e da leitura.
— Assim, o enfoque deste trabalho foi mostrar a importância da
utilização dos contos de fadas nas práticas de alfabetização e letramento,
aguçando o imaginário das crianças, além de despertar o gosto pela
apreciação da leitura desse tipo de texto. De modo a enfatizar a importância
que tal recurso proporciona satisfatoriamente na formação pré-escolar e na
fase de aquisição da leitura e escrita. Obrigada pela atenção! — Agradeço e
desço do palco ao som dos aplausos.
— Elogiar você é chover no molhado né? — Álvaro aproxima-se
sorrindo.
— Até parece — sorrio — o que foi o seu artigo sobre a educação
indígena? Estava excelente. — Elogio e saímos do auditório conversando.
— Estava mesmo — ele sorri, esnobe. — Mas, foi apenas até você
surgir no centro do palco e ofuscar a minha apresentação. — Não respondo,
apenas sorrio. Álvaro é um amigo do curso, sempre houve um burburinho na
turma que ele nutria um carinho especial por mim, mas tudo isso não passou
de uma fofoca. Hoje, ele é noivo da Eduarda, uma veterana da turma de
Letras.
— Estou indo encontrar a Duda para almoçarmos, quer se juntar a
nós?
— Infelizmente não dá — lamento, pois tudo que eu queria era sentar
e almoçar calmamente, mas preciso correr para chegar ao trabalho no horário
e terei que me contentar em comer um sanduíche — fica para uma próxima.
— Até amanhã, Olívia.
— Até! Manda um beijo pra Duda.
— Pode deixar. — Álvaro segue seu caminho e faço uma parada
estratégica no banheiro, para vestir o uniforme.
Adentro no banheiro feminino, que misteriosamente está vazio,
enquanto troco de roupa na cabine, escuto passos seguindo de vozes e o
silêncio desaparece quando, o que ser parece uma invasão feminina, dizima a
calmaria.
— Lógico que era ela! — A voz estridente feminina afirma.
— Ela não é tão bonita assim — escuto o desdém na sua voz —
Tenho certeza que tem photoshop na foto com o Arthur.
Arthur? O meu Arthur?
Paraliso e permaneço em silêncio tentando acalmar o meu coração
que bate freneticamente.
— E a garota falando de alfabetização como se fosse o assunto
primordial do mundo — as outras gargalham — Peloamor né? Contos de
fadas e práticas de letramento? Conto de fada é ter aquele príncipe na cama!
— Será que ele sabe que ela cursa Pedagogia? — Elas continuam a
debochar
— Ela pode ter mentido e dito que cursa Medicina... — Alguém
sugere.
— Não duvido, já viram as roupinhas que ela vem pra faculdade?
— Tava notando isso hoje mesmo e...
O que parece uma eternidade depois, elas saem do banheiro e não
consigo mais ouvir o que dizem, entretanto, os comentários que ouvi foram
suficientes para rondarem a minha mente sem que eu consiga controlá-los.

Passei a tarde em estado de letargia, a conversa do banheiro


continuava ecoando dentro de mim. Por sorte a professora titular mal
precisou da minha ajuda. Desde que Arthur tornou pública a nossa relação,
atraiu diversos olhares em minha direção, agora eu não era apenas Olívia, eu
havia me tornado a namorada do craque de futebol. O número de solicitações
para me seguir no Instagram triplicaram, assim como os comentários nos
corredores da faculdade, a sensação que as pessoas falavam sobre mim só se
confirmou hoje mais cedo.
Apesar de saber que é natural a curiosidade das pessoas em saber
sobre a vida dos artistas e as pessoas que os cercam, não deixo de considerar
uma invasão de privacidade. Qual o real interesse em solicitar a minha
amizade nas redes sociais? E as rodas de fofoca em torno do meu namoro?
Não cabe a ninguém, além de nós dois e nossas famílias, o nosso
relacionamento. Até as crianças na escola que eu trabalho passaram a me
abordar para perguntar sobre o Arthur, elas queriam saber detalhes do seu
ídolo. É tudo muito novo para mim, o namoro exposto na mídia, as fofocas...
E isso está me incomodando. Talvez eu devesse aceitar as sugestões da
Pâmela e deixar que ela gerencie as minhas redes sociais, assumindo o papel
de assessora. Uma vez que, definitivamente, eu detestava tudo isso e
mantinha-me escondida no perfil fechado, o que gerava ainda mais
curiosidade.
Para fechar com chave de ouro o meu dia, um temporal inesperado
desaba sobre o Rio de Janeiro, enquanto aguardo impacientemente a chegada
dos pais da Laurinha. Já são sessenta minutos de atraso e a menos que eles
estejam presos no trânsito, tudo indica que eles esqueceram a garota na
escola.
A coordenação pedagógica continua tentando insistentemente contato
com os responsáveis pela aluna. O telefone da mãe cai direto na caixa postal
e o do pai chama e não atende. Enquanto isso eu estou de castigo aguardando
a chegada de um deles, afinal o procedimento da escola era que o horário de
encerramento do professor da classe ocorre somente após o último aluno da
sua turma ir embora. E como professora auxiliar, cabia a mim, aguardar os
pais retardatários.
A minha impaciência não era demonstrada para a menina, afinal não
tinha culpa pela displicência dos pais, ela tinha visto todos os seus
amiguinhos irem embora e me olhava com uma cara tristinha. Para entretê-la
brincamos de montar quebra-cabeça, pega vareta e uma série de brincadeiras
para passar o tempo e afastar que a expressão de choro retorne ao seu rosto.
Os minutos se passavam e sempre que a coordenadora retornava para
informar que o número para contato da criança não atendia e eu começava a
ficar aflita com a ausência de respostas. É estranho que nenhum dos dois
atendessem a ligação. Ninguém sentiu falta da criança? E se eles se
envolveram em um acidente? Olho para Laurinha e me vejo naquela garota
esperando ansiosamente. A última vez que estive numa situação dessas, meu
pai não retornara para casa...
— Papai! — Laurinha grita e eu suspiro aliviada. Ele levanta a
menina e a abraça forte. A menina desaparece no abraço do pai. O homem
forte a envolve com tanta força, tentando transmitir no gesto todo o
arrependimento pelo atraso — A mamãe me esqueceu? — Ela pergunta com
os olhinhos cheios de lágrimas.
— Papai está aqui! — Ele sorri e os bracinhos dela envolve o pescoço
do pai — Vamos para casa? — Ela assente sorrindo.
— Tia Olívia, a gente termina a brincadeira amanhã?
— Claro, meu amor. — Ajudo a criança a pegar a mochila e a
lancheira.
— Até amanhã.
— Até! — Ela deposita um beijo na minha bochecha.
— Desculpa pelo atraso, professora. Não estava na cidade e somente
quando o avião pousou vi as ligações. Isso não irá mais acontecer. — Seu
tom é firme e vejo no seu semblante a luta de emoções.
Geralmente era a babá da Laura que costumava buscar a garota, às
vezes a mãe surgia acompanhada da babá. Se a figura da mãe é mais restrita
as reuniões escolares, o pai era um completo desconhecido no âmbito escolar,
pelo menos eu nunca tinha sido apresentada.
Agora que estava a minha frente, eu confirmava a sensação de
desconhecimento diante dele, não dava para passar despercebido um homem
alto trajando roupa social, e ainda que ele informe que acabou de
desembarcar apresenta uma aparência impecável. Os fios longos presos em
um coque e uma barba alta emoldura o seu rosto, um olhar rápido para ele e
você o interpreta como um homem rude e sério, mas se você manter o olhar
verá que é apenas uma máscara, a forma que ele abraçou a filha e o tom de
vez carinhoso, indica que ele não é o que aparenta. Quando ele sorri, dissipa a
primeira impressão.
— Acho que nunca fomos apresentados, prazer sou Renato — Ele
estende a mão.
— Olívia! — Aperto a sua mão.
— Sinto muito mais uma vez pela demora. O que posso fazer para
minimizar essa situação?
— Deixá-la em casa, senhor Renato é o mínimo! — A voz da
coordenadora pedagógica rompe o silêncio.
— Não precisa. — Nego com cabeça para enfatizar.
— A sua carona está te esperando? — Ela ergue a sobrancelha e
presumo que esteja falando de Arthur.
— Não, mas a condução é rápida até a minha casa. — Minto.
— Ainda assim... — Renato interrompe — A cidade está um caos
com toda essa chuva e você demorará mais que o habitual para chegar em
casa. Faço questão, Olívia.
— Papai, estou com fome! — A filha puxa a barra da sua calça.
— Mais um motivo para você não mudar a sua rota. Ela está com
fome.
— Muita! — A menina concorda.
— Qual seu endereço? — Ele pergunta com o celular em mãos —
Onde você mora? Vou pedir um carro pelo aplicativo, é o mínimo que posso
fazer.
— Vamos Olívia, se você não disser eu mesma irei consultar a sua
ficha. — A coordenadora insiste, obviamente a sua insistência é para
minimizar a parcela de culpa da escola pelas horas extras que a espera
ocasionou.
— Ok! — Desisto de discordar e aceito o pedido de desculpas. Dito
meu endereço e Renato informa que dentro de dois minutos o carro chegará.
— Tchau, tia Olívia! — Laura despede-se mais uma vez enquanto
aguardo.
— Amanhã quero a presença do senhor e da sua esposa na minha sala.
Não podemos permitir que isso ocorra novamente. — A coordenadora
informa.
— Eu não posso confirmar por ela... — seu tom de voz diminui e olha
para a filha que pisa nas poças de água na calçada — Mas, estarei aqui
conforme solicitado.
— Continuarei tentando entrar e contato com ela. Boa noite! — Ela se
despede e Renato permanece ao meu lado em silêncio. Segundos depois, um
carro preto buzina, ele confere a placa e indica que é o carro solicitado.
— Boa noite, Olívia. — Ela diz ao abrir a porta para que eu entre no
carro.
— Boa noite. — Respondo e somente quando o carro se move, solto
um suspiro de alívio e afundo no banco sentindo todo o peso do dia cair nas
minhas costas.
R elacionamentos
nem sempre são
fáceis, todo mundo sabe, mas tudo fica pior quando há quilômetros de
distância entre o casal. A saudade é inevitável e sentimos falta de algo
primordial: o sexo. Se sua namorada for virgem, então? Você delira sentindo
falta de foda. Voltei a me masturbar feito um adolescente enquanto trocava
mensagens mais quentes, um mês depois daquele sexo oral que fiz nela. A
Olívia começou bem tímida, eu perguntava o que ela estava vestindo e ela
sempre desconversava, mas sempre fui sincero ao dizer que a imaginava nua
o tempo inteiro. As mensagens foram esquentando ao longo dos dias, mandei
algumas fotos minha apenas de cueca para incentivá-la a perder a vergonha e
confiar em mim até que ela começou a retribuir as minhas fotos.
Inicialmente Olívia me mandava fotos para me mostrar como estava
“compostamente” vestida, sempre de uniforme ou calça jeans e blusa. Passei
a dizer que gostaria de vê-la mais de vestido e, aos poucos, ela foi atendendo
ao meu pedido. Foi então que comecei a especificar o que eu gostaria de ver.
“Mostre as coxas”, eu pedi, e alguns minutos depois ela me mandou uma foto
com o vestido um pouco suspenso, mostrando um par de coxas lindas. “Está
usando sutiã, amor?” perguntei e ao receber a afirmação pedi para ela me
mostrar. E, cara, foi quase como marcar um gol! Quando ela mandou a foto
mostrando os seios ornados por um sutiã preto, provando o quanto confiava
em mim, me senti muito louco. Alguns dias depois, no intervalo do meu
treino, quando sabia que ela estava na faculdade, perguntei a cor da sua
calcinha. Olívia leu e respondeu que estava ocupada. “A cor, Olívia”, insisti.
“Vermelha”, ela respondeu e minha mente foi a mil. Pedi foto, ela me
lembrou que estava ocupada. “Não me torture, eu devia estar treinando.
Mande a foto”, pedi novamente. E ela me mandou. Puta que pariu. Era nítido
que ela estava no banheiro, sua calça jeans tinha sido baixada até o meio das
pernas e ela deu um jeito de tirar a foto de trás. O resultado disso era uma
calcinha vermelha propositalmente enfiada na bunda tomando a tela do meu
Iphone. Precisei mostrar o resultado em uma foto da minha cueca marcada
pelo meu pau duro.
Continuamos com imagens e mensagens provocadoras desde então,
até hoje. Foram quase dois meses me segurando até o dia em que propus que
a gente conversasse por vídeo. Não é que seja a primeira vez em que nos
falaremos por vídeo-chamada, não é. Já tínhamos feito isso algumas vezes,
inclusive assistimos um filme assim. Ela pelo notebook dela e eu pela minha
TV, com os nossos celulares filmando nossas reações e comentários, nos
aproximando em um típico programa de casal, só que com um oceano nos
separando. Dessa vez, eu queria que nosso programa de casal fosse um pouco
mais quente e ela provavelmente já sabia disso.
Olívia, tudo certo aí? Já estou pronto para te ver.

Envio a mensagem.
Acho que não é uma boa ideia, Arthur. Os meninos vão vir deitar já.

Tranque a porta. Ou vá para o quarto do Carlos.

O.K.
Ela demora cerca de três minutos para voltar a ficar online e eu decido
ligar para ela, para incentivá-la.
— Amor? Estou morrendo de saudades, quero ver você — digo assim
que ela atende.
— Também estou com saudades.
— Estou de olhos fechados. Quer saber que imagem estou vendo?
— Sim...
— Estou vendo você. De pernas abertas para mim... Sua boceta está
brilhando de excitação.
— Arthur...
— O que você está vestindo agora, amor? — Pergunto.
— Aquele vestido verde do dia em que me pediu em namoro...
— Hum, o tomara que caia com o zíper. Eu chupei seus peitos nesse
dia, não consegui resistir. Você lembra?
— Lembro.
— E o que você sentiu, Olívia. Feche os olhos e me diga.
— Senti muito calor, sua boca parecia brasa queimando minha pele.
— Gostou da minha língua?
— Sim...
— Gostaria que ela estivesse em você agora?
— Sim... — a voz dela é quase um gemido.
— Você já está molhada, amor? — ela não responde — toque a sua
boceta e me diz se está molhada.
— Está sim...
— Me mostra — aperto o botão do meu computador e faço a ligação
por vídeo no Skype — atende, Olívia.
Poucos segundos depois ela surge na minha tela. Está segurando o
aparelho celular contra o ouvido, usa realmente o vestido verde e, pela
posição da imagem, o notebook está sobre as pernas.
— Linda, podemos desligar o celular — aviso, encerrando a ligação
— trancou a porta?
— Sim, acho que o Carlos demora um pouco mais para chegar do que
os meninos a irem lá no quarto.
— Ótimo. Põe o notebook na cama, ou em um lugar em que mostre
mais você. Não vai precisar digitar nada.
Ela obedece, afastando o aparelho do colo, colocando na cama de uma
maneira em que a vejo quase por completo.
— Ah, Olívia como eu queria ter o poder de me teletransportar...
Queria muito abrir esse zíper. Ver os seus seios... — ela não se faz de
desentendida e leva a mão até o zíper, baixando devagar até chegar a cintura.
Os dois seios saltam para o meu deleite. Meu pau pulsa contra a cueca. —
Lindos, sou louco por eles, passaria horas apreciando com a boca. Toca neles
para mim... Isso. Aperta um pouco — ela o faz e fecha os olhos — os bicos
estão ficando duros, ah como eu queria chupá-los bem fundo. Imagina minha
boca sugando-os, Oli...
É a primeira vez que eu a vejo se tocando, Olívia usa uma mão em
cada seio, ora acariciando, ora apertando com firmeza. Os olhos dela se
abrem e ela encara a tela, conferindo se estou atento ao seu show.
— Tira o vestido, deixa eu ver sua barriguinha... — ela obedece,
saindo da cama. Olívia vira o notebook para que eu a veja de pé, se livrando
da peça. Ela dá uma voltinha para que eu veja sua calcinha branca. — Que
inveja dessa calcinha. A renda marca os lugares onde eu gostaria de estar com
a boca nesse momento...
Ela volta para a cama, reposicionando o notebook.
— Olha como você me deixou... — digo, levantando da cadeira em
que estou e deixando minha pélvis na altura do computador. Baixo minha
cueca o suficiente para liberar meu pau e toco lentamente da base até a ponta.
Observo a reação dela, que passa a língua nos lábios e se aproxima um pouco
mais da sua tela, para me observar. — Vamos lá, amor, abra as pernas e se
toca junto comigo.
Ela enfia a mão por dentro da calcinha e eu quase grito querendo que
ela me dê a visão completa, se abrindo toda e aproximando a boceta da
câmera, mas me contenho e absorvo o máximo da cena em que nos
masturbamos juntos pela primeira vez. Vejo-a fechar os olhos e imagino sua
mão deslizando pela área externa e escorregadia da boceta. Olívia se encosta
na parede, trazendo o notebook para mais perto, enquanto se livra da
calcinha.
— Use os dedos no clitóris, amor, primeiro devagar... Depois mais
rápido. Molhe-os na sua boca e imagine que é a minha saliva.
— Hum... — ela grunhe enquanto obedece aos meus comandos.
Olívia leva três dedos a boca, ensopando-os, e os leva até o meio das
pernas, lambuzando tudo.
— Gostosa pra caralho, quero você agora, Olívia!
— Também quero você agora, Arthur.
— Porra, se repetir isso vou pegar um avião! — ela ri — usa a outra
mão para tocar esses peitos gostosos. Isso... O que você gostaria agora?
— Da sua boca...
— Onde?
— Em mim inteira.
— Seja mais específica, amor.
— Nos meus peitos... — ela confessa — na minha barriga. Na...
— Na sua boceta?
— Isso.
— Diz para mim.
— Queria que sua boca estivesse na minha boceta, Arthur.
— Caralho, Olívia, vou gozar só com essa sua voz.
— Então goza, quero ver...
— Vou te mostrar, mas antes acelera os dedos aí no seu clitóris.
Quero ouvir você gemer...
Ela o faz, usando os três dedos de maneira circular, cada vez mais
rápido, enquanto abre a boca deixando gemidinhos baixos escaparem. Do
lado de cá, aperto os dedos ao redor do meu pau e acelero os movimentos,
assistindo aquela excitante cena. Ficamos assim por alguns minutos, até que
sinto o gozo se aproximar.
— Olívia! — Chamo seu nome e ela crava o olhar na tela, assistindo
meus últimos movimentos rápidos. Quando os jatos de porra começam a ser
liberados, respiro fundo tendo uma expectadora atenta.
Não tenho como saber daqui se ela gozou ou não, mas tenho a certeza
de que se excitou e se divertiu.
— Nossa — ela diz ao deitar de costas na cama — foi intenso.
— Como tudo entre nós — digo, limpando as mãos na minha camisa,
que estava jogada ali naquele cômodo. — Preciso de você aqui, Olívia.
— Como assim?
— Não posso sair da Inglaterra agora, mas você pode vir até mim.
Quando vai ter recesso?
— Não tem como eu sair do Brasil, nem passaporte eu tenho... E
nunca viajei para tão longe sozinha.
— Você não vem sozinha, seus irmãos podem vir junto. E sua mãe,
claro. Carlos também.
— Nossa vida não para, Arthur.
— Lembra do que desejou aquele dia? Férias? É só isso. Sem nenhum
custo, vocês ficam aqui em casa. Uma semana, Olívia, o que me diz?
— Vou pensar.
— Pense com carinho. São quase três meses. Estou morrendo de
saudades.
— Eu também.

Concentração. No futebol chama-se concentração o ato de reunir os


atletas de uma equipe, antes de uma competição, em local privativo, a fim de
repousarem, treinarem e receberem instruções especiais. Essa é a definição
das equipes técnicas, mas para nós jogadores é o ato de sofrer e questionar.
Para que essa frescura se cada um sabe o que deve fazer e fazemos bem pra
porra?
A minha vida de jogador de futebol seria muito mais prazerosa se ela
fosse limitada ao campo. Correr, marcar, distribuir passes e acertar o gol.
Simples, quase sempre indolor e objetivo. Mas, como dizem por aí, a vida
não é uma fábrica de realização de desejos. Por isso, preciso além de fazer o
que é esperado pela equipe técnica, ser cortês e querido pela torcida,
relacionar-me de forma amistosa com os atletas de clube e o pior tempo: estar
em concentração.
Se eles soubessem que, às vezes, o efeito da concentração é o
contrário, aboliriam isso. Ficarmos todos confinados dentro de um mesmo
espaço não é nada motivador. Imagina, quando o técnico, por ordem do
presidente do clube, decide confiscar os aparelhos eletrônicos, para nos
conectarmos com o que verdadeiramente importa: nosso interior. Sem
distrações externas. Segundo ele devemos buscar dentro de nós a força para
avançarmos na competição. Na cabeça do excêntrico presidente, a vitória está
condicionada ao estado de espírito do atleta. O que não é uma completa
balela, mas daí a obrigar que toda a equipe fique incomunicável por vinte e
quatro horas é algo chato pra caralho!
Sei que tenho uma parcela de culpa nisso, pois já me aventurei
bastante em noites anteriores a decisões, mas isso nunca afetou o meu
rendimento. De toda forma, outros jogadores quiseram fazer o mesmo e no
fim das contas decidiram que em grandes jogados nosso confinamento seria
total. E eles podem fazer isso, claro. Nos pagam milhões por mês e podem
exigir de nós o máximo, quem não estiver satisfeito se segura por causa do
tamanho da multa contratual. Enfim, a tal força que ele quer que encontremos
começa a aparecer desde que celulares são confiscados: o ódio. Trinta
homens raivosos e insatisfeitos marcham em direção ao campo onde
acontecerá o último treino tático. Logo, ele será substituído pela
determinação que será o nosso combustível.
Cerca de uma hora depois do treino somos dispensados do campo,
uma refeição leve e rica em nutrientes está sendo servida na copa do Centro
de Treinamento e, após o almoço, cada um inicia o seu ritual pré-jogo.
Alguns jogadores preferem jogar videogame, há os que se recolhem para
professar a sua fé e outros formam o grupo da música, liderado pelos
brasileiros. É a eles que me junto nesse momento.
Geralmente rola pagode e samba, e acertaram em cheio ao começar a
puxar a letra do Thiaguinho:
Ainda bem que te encontrei,
Agora sou mais feliz
Igual não tem, me trata bem do jeito que eu sempre quis

Lembro, te olhei, me apaixonei esqueci o que eu vivi


Me dediquei, tanto lutei pra te ter perto de mim

Ainda bem, ainda bem...

A canção me leva imediatamente até Olívia. O meu amor por ela é


algo tão avassalador que até me assusta. Olívia desperta em mim a vontade
de construir uma família e sossegar a vida de baladas. Assim como me faz
odiar, pela primeira vez, o fato de morar na Europa. Está sendo angustiante
demais me contentar apenas com a sua voz e a sua imagem, eu não queria vê-
la atrás de uma tela, queria sentir sua pele macia, beijar a sua boca, me perder
em seu corpo... A saudade martela freneticamente e tudo que eu consigo
pensar é em tê-la ao meu lado todos os dias. Sim, estou planejando fazer isso
acontecer. Dane-se se nos conhecemos há pouco tempo. Quem disse que o
amor pode ser medido por dias? Amar está na intensidade que você sente, e
tudo que eu sinto por Olívia é amor que não cabe no meu peito.

Só do teu lado tudo é mais


Tudo é tão perfeito e cheira paz
Eu nunca amei ninguém assim
Eu sei que foi feita pra mim
Só do teu lado a emoção
Faz acelerar meu coração
Enfim achei o meu lugar
Agora eu sei o que é amar
Ainda bem, ainda bem, ainda bem, ainda bem.

Ainda é um papel estranho, meio maricas, mas é a mais pura verdade.


Estou completamente apaixonado e querendo vivenciar ao máximo nossa
relação.
— Olha se não é o nosso capitão apaixonado! — Weston, o goleiro do
clube me atinge com as luvas. — Está cantando com a alma!
— Pessoal — Souza sobe na mesa e chama atenção dos demais — um
minuto de silêncio para o nosso Arthur que pendurou a chuteira. RIP,
máquina mortífera — ele conclui a frase com dificuldade em um inglês
amador.
Souza também é brasileiro e se juntou a nós há dois meses, estava
ainda brigando com o inglês britânico. Ainda assim, os presentes
compreendem o que ele fala e rompem em risadas.
— Otário! — Rebato, sorrindo.
— Quando teremos a oportunidade de conhecer a primeira dama? —
Souza indaga.
— Depende de vocês! Vamos avançar para a próxima fase e assim ela
virá para assistir uma partida.
— Ouviram o capitão? Vamos vencer! — Completa e todos bradam
em confirmação.
— Ótimo! Usem toda essa energia para conhecer a minha mulher para
atropelarmos o nosso adversário. — Sorrio.
Ao fim da noite comemorávamos a nossa vitória e consequentemente
o avanço do clube na Copa da Rainha. Eu não via a hora de chegar em casa e
entrar em contato com o meu amuleto da sorte: Olívia.
S urreal!
Jamais
imaginei que a minha primeira viagem de avião seria em primeira classe e
com destino a Londres! Como eu posso afirmar que não estamos numa classe
econômica sem nunca ter andado de avião? Pois bem, posso enumerar
diversos motivos, mas o primordial é que não aguardamos o nosso voo na
área comum de embarque, mas sim numa área privativa. O espaço é amplo,
há uma bancada repleta de bebidas, além de buffet com comidas quentes e
frias. A funcionária nos informa ainda sobre a disponibilidade de
computadores com acesso à internet, impressoras, banheiros e chuveiros.
A sala é toda envidraçada e virada para a pista. Os meninos correm
para as poltronas mais próximas a vidraça para ver os aviões. Mamãe e eu
nos juntamos a eles em seguida, e aguardamos o embarque ser anunciado.
Trinta minutos depois o embarque é autorizado, há uma fila específica para o
embarque da primeira classe, de modo que não precisamos aguardar na fila
quilométrica. Somos recepcionados no avião pela comissária de bordo,
Suzy, que nos guia até os nossos respectivos lugares. A mulher ajuda os
meninos a guardarem suas mochilas no compartimento para guardar as malas,
observo e repito o gesto guardando a minha pequena mala de mão, fingindo
naturalidade.
Dispostos de dois em dois, os assentos eram separados por uma
divisória, havia disponível uma garrafa de água, um cardápio, um cobertor,
um edredom, um travesseiro, fone de ouvido e até um pijama. Sim, um
pijama. Tento não pensar o quanto Arthur gastou com a nossa viagem, mas
falho miseravelmente ao olhar tudo ao meu redor. Tudo aqui exala a luxo e
dinheiro, muito dinheiro.
Você é LOUCO?

Envio para Arthur e recebo em resposta:


Por você, SIM!
Arthur, você comprou QUATRO passagens na primeira classe. Meu
cérebro de humanas não consegue contabilizar o quanto você gastou.
Mas presumo que seja uma fortuna.

Digito rapidamente e envio antes da decolagem ser anunciada.


Relaxa amor, aproveita cada segundo.
Vocês merecem o melhor! Nada menos que isso.
Não consigo relaxar... Concordei em você arcar com as despesas, mas daí
a ser em alto nível é exagero.

A sua resposta vem em forma de áudio e aperto em ouvir antes de


conferir o volume.
— Podemos pular para a parte que eu digo que você deverá
compensar todo o meu gasto com a sua boca? — A sua voz ressoa
alto, exatamente no momento que a comissária surge com uma taça de
champanhe. Sinto todo o meu rosto esquentar enquanto meus dedos lutam
para interromper o áudio — Talvez você precise também usar os braços, as
pernas...

— Obrigada! — Aceito a taça e bebo em um grande gole tentando


acalmar meu coração.
Amor? Ainda está aí?
Não, tenho certeza que minha alma deixou o meu corpo =( Apertei em
ouvir o seu áudio e se não bastasse minha família ao meu lado, a
comissária de bordo surgiu bem na hora que a sua voz ecoou.

Hahahahahahaha
Que bom que fui uma mensagem comportada ;)

Não tem graça!


Claro que tem! Posso imaginar o seu rosto vermelho, seu peito subindo e
descendo indicando a sua respiração acelerada. Não vejo a hora de ouvir
a sua voz pessoalmente, amor. De te abraçar e sentir seu cheiro
inundando todos os meus sentidos...
Também não vejo a hora! <3

— Atenção senhores passageiros, nossa decolagem foi autorizada.


Solicitamos que os aparelhos eletrônicos sejam desligados.
Amor, vamos decolar!! Falta pouco para estarmos juntos!

Vou contar cada minuto. Te amo MUITO.

Não mais que eu, seu bobo!

Desligo o celular e sorrio feito boba para a minha mãe. Todos os


temores a respeito do voo foram deixados de lado, tudo que eu conseguia
pensar era que em breve eu estaria ao lado de Arthur.
A euforia dos meus irmãos é contagiante, eles exalam felicidade e
observam embasbacados todos os detalhes dos seus assentos e comentam
com a minha mãe cada descoberta funcional dos botões. Eles logo descobrem
que a poltrona reclina e vira uma cama. Minha mãe é mais contida, ela
observa tudo com um olhar atento, a apreensão inicial diminui à medida que
o tempo passa.
Um tempo depois a comissária retorna para preencher a minha taça
vazia, mas recuso. Ela pergunta o que queremos para o jantar, recuso mais
uma vez, sempre ouvi falar que comida de aeroporto é cara, comida de avião
então... Deveria custar meus rins no mercado negro. Suzy, sorri
educadamente, e informa que é cortesia da companhia área. Aceito o cardápio
que ela me oferece e decido por uma comida simples, filé à parmegiana e
fritas. Antes de se dirigir a minha mãe ao meu lado ela pergunta se eu
gostaria de ser acordada para o café da manhã e assinto em
afirmativa. A refeição é saborosa com direito a sobremesa que agradou os
nossos paladares.
O sorriso de felicidade fixado no rosto da minha mãe confirmava que
eu havia tomado a decisão correta ao aceitar o convite do Arthur. Desde a
morte do meu pai, ela vive em função dos filhos, essa viagem seria um
presente para todos nós. Iríamos conhecer uma nova cultura, acordar sem o
toque do despertador, esquecer por alguns dias dos boletos a serem pagos,
desfrutar cada segundo da nossa viagem. Não vejo a hora de encontrar Arthur
é enchê-lo de beijos como forma de agradecimento.
A viagem durou cerca de onze horas e pela disposição dos meus
irmãos quando o avião pousou parecia que havia durado apenas três. Eles
passaram boa parte do tempo assistindo filmes. Eu demorei a pegar no sono,
mas quando a exaustão me dominou, dormi confortavelmente.
Assim que passamos pelo portão de desembarque avisto um homem
de meia idade com um cartaz erguido onde se lê: Bem-vinda Olívia e família
Santos! É o motorista que Arthur informou que nos buscaria. Assim que ele
me convenceu a visitá-lo, ele havia me explicado que a operadora do meu
número não teria sinal em Londres, o que se confirmou quando liguei o
aparelho, mas que eu não precisava me preocupar pois alguém estaria nos
esperando assim que chegássemos. E assim aconteceu.
Constato, minutos depois, que o homem não fala uma palavra em
português, mas presumo que pelo tom amigável ele deve estar perguntando se
fizemos boa viagem. Sorrio como resposta e sinto que a minha estadia em
Londres não será tão simples quanto pensei, o idioma já se apresenta como
uma barreira nesse novo mundo. O homem nos ajuda a carregar as nossas
malas, assim que saímos da área aquecida do aeroporto senti a segunda
barreira chocar-se contra a minha pele: o frio.
O vento gelado parece perfurar a minha pele, aperto a minha jaqueta
jeans contra o corpo tentando me proteger do frio, enquanto o motorista vai
pegar o carro. Mamãe e os meninos tentam se aquecer esfregando as mãos.
Estamos vestindo as roupas que costumamos usar no inverno carioca, mas
elas se demonstram ineficientes aqui. A minha consulta na internet no dia
anterior, indicou que a temperatura estaria amena, mas o que sinto não é nada
ameno, logo meu cérebro seria uma grande massa congelada.
Todavia, isso não acontece, pois, o carro chega em seguida. Assim
que adentramos somos envolvidos pelo ar quente do aquecedor, e é nesse
exato momento que constato que o meu lugar favorito em Londres é dentro
desse automóvel.
Ou era, até ele estacionar no subsolo da mansão do Arthur. Confesso
que o deslumbre inicial ao observar a fachada, que me remeteu a românticos
tijolinhos vermelhos, cedeu lugar a apreensão. O romantismo da fachada logo
é substituído por modernidade, luxo e sofisticação. A sala de estar é imensa,
daria para dar uma festa para cinquenta pessoas só nela, com o piso todo em
porcelanato claro que contrastava com os sofás e poltronas escuros. Dá para
ver as escadas, que seguem o padrão claro, em oposição ao corrimão de
mármore escuro e é para ela que somos guiados até os nossos quartos. Minha
mãe prefere ficar com os meninos em um só lugar, eles não gostam disso,
claro, mas se calam sob o olhar duro dela. A cama de casal imensa é
suficiente para os três e ainda sobra espaço.
— Qualquer coisa um de vocês fica comigo — ofereço e eles logo se
alegram — uma ou outra noite.
Despeço-me deles quando sou guiada para o espaço que ocuparei, no
outro andar. Quando a porta é aberta para que eu entre, me perco observando
todo aquele requinte. O quarto da minha mãe é incrível, mas esse aqui
consegue ser perfeito. O tom bege, quase rosa, ocupa o carpete que toma
grande parte do espaço ao redor da cama, além da cabeceira que se estende
por toda a parede em que a cama está recostada. Há quatro sofás espalhados
de veludo pelo aposento, repleto de almofadas no mesmo tom e há essa
mesma quantidade de lustres ali. Cômoda, abajur, centro e poltronas se
dividem entre o branco, o creme e o bege, compondo um espaço lindo. Eu
passaria horas sentada no meio do quarto só absorvendo o impacto que
aquele ambiente me traria, além de lindo, o quarto consegue não me
intimidar. O que é um refresco considerando o tamanho do meu susto ao
observar que aquela casa estava estruturada com cinema, sauna, academia,
complexo de lazer (incluindo um campo de futebol), sete suítes, piscina
interna aquecida e piscina externa.
— Espero que você estar sem se mexer há mais de quarenta segundos
signifique que gostou da decoração que pedi especialmente para você —
quando escuto a voz dele preencher o espaço, meu coração bate loucamente
contra o meu peito e os meus olhos enchem de lágrima. Viro-me devagar e
nossos olhares se encontram — achei que você fosse ficar feliz e não chorar
ao me ver — ele sorri e eu corro em sua direção.
Deixo o meu corpo se chocar contra o dele, em um impacto de
saudade acumulada. Seus braços me recebem, um me apertando pelo meio,
enquanto o outro acomoda a minha cabeça e os meus próprios braços tentam
envolve-lo por completo, mas acabam apenas circundando o tronco dele em
um gesto apertado.
— Porra, que saudade! — ele diz contra os meus cabelos e eu me
aperto contra ele por mais alguns segundos antes de tomar fôlego para beijá-
lo.
Na ponta dos pés, alcanço a boca dele e abro a minha para
cumprimentar sua língua. Transmito toda a falta que senti através dos meus
lábios ansiosos, rodando e sugando. E no reencontro das nossas bocas é como
se eu tivesse achado a saída de um confuso e longo labirinto, libertando os
sentimentos aprisionados pela distância.
— Oi, Arthur — finalmente, ao largar o rosto dele, consigo emitir a
minha primeira frase.
— Você parou a tempo, estava prestes a pegá-la no colo e te depositar
ali naquela cama, então não conseguiria parar até estar enterrado dentro de
você — ele confessa em um só fôlego. — Olá, Olívia!
— Sinto que essa viagem me transformará em outra pessoa — digo,
por fim.
— Pode ter certeza disso, amor — ele diz com convicção. — Quer
fazer o que agora? Conhecer a cidade?
— Sair nesse frio? Esse lugar vai me matar.
— Também tive dificuldades para me adaptar aqui, mas as roupas
certas ajudam e pelo que estou vendo, essa é totalmente errada.
— Você agora é crítico de moda?
— Estamos no inverno londrino, mesmo que seja um dos mais leves,
vamos precisar comprar umas roupas mais quentes. Então, acho melhor você
chamar sua família, vamos às compras!
— Acho que você é o primeiro homem que fala em fazer compras
com tamanha empolgação... — perturbo, andando em direção a porta.
— Está questionando a minha masculinidade, senhorita Santos?
— Eu? Jamais! Só pensei que alguém cujo apelido seja Máquina
Mortífera não se importasse tanto com isso.
— Olívia... Você sabe que se dependesse de mim você não usaria
roupas, é um pecado vestir esse corpo maravilhoso. Seríamos como Adão e
Eva, só que sem aquela folhinha ridícula tampando meu... — não contenho a
gargalhada.
— Vamos sair do quarto antes que você comece a falar dos seus dotes
masculinos.
— Você me provoca e quer fugir? Não pretendia falar deles, estava
pensando em uma aula prática, professora.
— Vamos logo, Arthur!
— Você está corando? Achei que todo aquele sexo virtual tinha te
deixado mais propensa a sacanagem.
Não preciso responder porque meus irmãos escolhem esse momento
para invadir o quarto, que estava com a porta aberta.
— Arthuuuuuur! — André grita se jogando contra ele.
— Nossa, você cresceu — meu namorado diz, abraçando o meu irmão
mais novo. — E aí, cara? — Ele abraça o Eduardo.
— Sua casa é maneira — Edu elogia.
— Obrigado, depois vamos aproveitar cada canto disso aqui — os
dois garotos sorriem abertamente e os olhos brilham de felicidade.
— Vocês dois! Se fugirem de mim novamente vão ficar trancados no
banheiro — minha mãe repreende — oi Arthur, muito obrigada pela viagem,
foi uma generosidade sem tamanho.
— Correu tudo bem? — ele pergunta e ela assente — qualquer coisa
que precise pode falar com os empregados. A Ilma, uma das cozinheiras, é
brasileira.
— Sim, senhor.
— Sem o senhor, por favor, você é a minha sogra, sou eu quem devo
respeito.
— Quando vamos jogar, Arthur? — André interrompe.
— Logo, precisamos comprar roupas quentes para vocês, estávamos
indo chama-los, não era Oli?
— Ah, sim, vamos às compras — digo com falsa empolgação.
Arthur sai do quarto e todos nós o seguimos, ainda sem lembrar os
caminhos daquela mansão.
Achei que ele nos levaria até um shopping, mas o Arthur nos guia até
uma loja específica, a Harrods. Eu tinha pesquisado algumas coisas antes de
viajar e sabia que aquela era considerada por muitos como a mais luxuosa
loja de departamentos do mundo, mas o que vejo é muito mais que uma loja:
nove andares onde podemos encontrar desde confecção feminina, masculina
e infantil, até produtos para a casa. Os preços que vejo nas etiquetas são
altíssimos, isso sem fazer a conversão do euro para o real, mas o Arthur me
repreendeu e passou ele mesmo a escolher as peças nos mandando provar.
No fim das horas que passamos naquela loja percebo que deixamos ali
uma pequena fortuna. Também não me passou despercebido que ele nos
induziu a vestir e levar muito mais do que roupas de frio. Trajes sociais,
sapatos e muitos acessórios estavam acomodados nas diversas sacolas. Por
um segundo, experimentei a sensação de que estava sendo estrategicamente
preparada para os dias que viriam a seguir. Só não sei ainda o que devo sentir
quanto a isso.
É Inglaterra, acho que agora eu cheguei.
P oderia jurar que a
chegada dela fez o
clima ficar mais quente em Londres, mas me chamariam de louco,
considerando os termômetros. Mas é a sensação que tenho desde que a vi
parada no quarto que preparei para recebê-la, minha casa estava mais quente,
minha vida estava mais quente. Bem, pelo menos o meu corpo com certeza
estava mais quente.
Depois de levá-los para fazer compras, deixamos tudo no carro e eu
os levei para um dos passeios que minha mãe amou quando veio pela
primeira vez: a London Eye. A roda gigante, situada às margens do Rio
Tâmisa, destoa da paisagem habitual da capital e é a maior da Europa, sendo
um dos cartões-postais londrinos mais visitados, por isso foi a minha primeira
escolha para levá-los. Havia comprado antes as entradas e escolhi a que me
daria acesso durante o dia e durante a noite, pois pretendia repetir o passeio
somente com a Olívia.
Assim que entramos em uma das trinta e duas cabines que a London
Eye possui, dividindo o espaço com outras pessoas, afinal cabem vinte e
cinco com muito conforto, os garotos se aproximaram do vidro para terem
uma visão melhor. Quando começamos a nos mover eles arregalaram os
olhos e deram um passo para trás, com receio da altura. Abracei a Olívia pela
cintura enquanto apontava diversos pontos da paisagem, explicando o que era
e informando o que sabia a respeito da cidade. Dona Maria encarava tudo
boquiaberta, absorta na perfeição da imensidão da vista. Depois dos minutos
iniciais de contemplação, passamos a registrar o passeio com fotos da Olívia
com a Família, minha com ela e selfie de todos nós. Como era de se esperar,
ao chegar em casa fui marcado em várias fotos feita pelas pessoas que
estavam na cabine e para além da que topei posar com elas, havia várias de
“flagras” de beijos entre mim e minha namorada.

Olívia chegou há apenas dois dias e tudo parecia certo, até os treinos
estavam rendendo mais e a equipe parecia mais motivada.
Acréscimos do segundo tempo. Estamos vencendo com o placar
magro de um a zero. O time visitante vai para a sua última chance de empatar
o jogo, todo o time está na pequena área, incluindo o alto goleiro. O juiz apita
autorizando a cobrança do escanteio. O capitão deles grita avidamente para
que todos estejam atentos a cobrança. O marcador respira fundo sentindo
todo o peso cair sobre as suas costas. O clima de empurra-empurra é
observado e o juiz precisa interromper para que conter os ânimos, assim que
ele se afasta tudo volta ao que era antes.
O apito autoriza a cobrança e em câmera lenta vejo a bola vindo em
direção ao gol, a defesa pula, mas não a alcança. Soberana, ela faz um efeito
e segue em direção ao gol. Silêncio absoluto, olhos vidrados na bola, que
caprichosamente acaba no fundo da rede.
A torcida visitante, em menor número, brada efusivamente, calando a
nossa imensa torcida. Os jogadores adversários se abraçam e comemoram
eufóricos o gol olímpico, no momento que o apito final indica o fim da
partida. O empate para nós tem gosto de derrota, sofremos o gol de empate
do nosso maior rival.
Uma década de rivalidade é o peso dessa partida, ânimos exaltados
dentro e fora de campo, uma multidão que se divide entre os blues e os reds,
Chelsea x Arsenal, um duelo de titãs do qual ninguém que sair derrotado. Um
empate amargo que será repercutido por dias pelos canais esportivos.
Cabisbaixa, a nossa equipe cumprimenta os adversários, trocamos
camisas e caminhamos para sair de campo, quando o coordenador se
aproxima para dizer que sou o contemplado para participar da coletiva de
imprensa.
Que merda! Tudo eu queria era correr para os braços da Olivia.
No vestiário repercutimos o empate. O técnico está furioso, é visível
no seu semblante e a forma que ele fala, num inglês britânico perfeito, que o
empate não traduz o que foi a partida. Nossa equipe foi superior ao
adversário, tivemos o maior percentual de passes de bola, mais passes certos
e o triplo de finalizações. Infelizmente a vitória escapou dos nossos pés no
último minuto.
Tomo uma ducha rápida e sigo para a sala de imprensa. Juan me
interpola no corredor e trocamos algumas palavras, basicamente ele informa
que a imprensa está sedenta por um culpado e que para o bem de todos eu
preciso respirar fundo antes de cair na pilha deles. O assessor de imprensa da
equipe me guia até a sala, o burburinho aumenta quando sento na cadeira e o
assessor autoriza as perguntas. As mãos vão sendo erguidas e seguindo a
ordem respondo das perguntas mais ácidas as mais simples sem esquivar. Até
chegarmos na pergunta do canal esportivo conhecido por concentrar sua
atenção na vida pessoal do jogador do que nas suas ações dentro de campo.
— Boa noite, Arthur. — O repórter cumprimenta sorridente, mas sei
que a sua cordialidade vai até a página dois... — Desde o início da semana,
tanto o Chelsea quanto o Arsenal, convocaram as torcidas a se unirem em
prol do esporte, numa ação de marketing pioneira, atletas dos dois clubes
visitaram o estádio um do outro e pousaram para as fotos num clima
descontraído. Aliado a isso também vimos durante toda a semana, vídeos
compartilhados nas redes sociais dos clubes interação cordial entre os
rivais....
Antes que ele possa concluir sou capaz de adivinhar o que vem a
seguir, o assessor de imprensa olha apreensivo para mim que aceno com a
cabeça para indicar que está tudo sobre controle
— Ainda assim a família dos jogadores da sua equipe foi a minoria
dentro do campo. Podemos atribuir toda essa paz como uma ação meramente
de marketing ou isso reflete a descrença de vocês na rivalidade sadia? — Ele
concluiu sorridente.
— Vamos aos números: Dos trinta e três atletas que integram a
equipe principal do Chelsea, dezoito são estrangeiros, o maior número visto
em um clube inglês, desses apenas um terço reside com a sua família em
Londres, o que nos deixa em desvantagem numérica em relação aos nossos
familiares presentes no estádio. Você está conseguindo acompanhar os
números? — questiono e o riso ecoa no ambiente — Portanto, o que você
observou hoje na arquibancada não passou de uma desvantagem numérica.
Desvantagem essa que contrasta com os números oficiais dos presentes na
partida, em cinco anos atingimos o maior número de espectadores. Mais de
quarenta e cinco mil torcedores. Uma multidão azul e vermelha vibrou, com
seus cânticos, e desfrutou um espetáculo sem agressões, todos nós saímos
vencedores hoje.
— O que dizer sobre os torcedores presos antes da partida começar?
— Ele faz referência a briga ocorrida em um bar próximo ao estádio, dois
homens se desentenderam e deram início a uma briga generalizada. Todos
estavam presos e pelas leis locais seriam proibidos de frequentar os estádios
por um longo período.
— Coletiva encerrada — O assessor anuncia, mas eu me recuso a sair
sem responder.
— A violência foge do controle dos clubes, esses torcedores não
passam de baderneiros e para esses a lei é a solução. Aos demais, os amantes
do futebol, faremos o possível para que eles continuem frequentado, em
segurança, os estádios com suas famílias. A rivalidade deverá ficar restrita
dentro de campo, as provocações nas redes sociais, não podemos admitir que
o futebol seja manchado pela violência. Obrigado aos presentes e até a
próxima. — Despeço-me e saio apressado para a minha casa para encher
Olivia de beijos. Esquecer nos seus braços toda a tensão do dia de hoje.
A rotina do Arthur,
entre
musculação, concentração e jogos, impedia que passássemos o dia todo
treinos,

juntos, sua ausência foi substituída pela Pâmela que gentilmente foi a nossa
guia em Londres.
Hoje foi o dia de conhecer o Palácio de Buckingham, a residência
oficial da rainha da Inglaterra. Eu já tinha assistido a série The Crown, então
meio que eu tinha uma ideia de como era o palácio da família real. Apesar da
série representar com uma riqueza de detalhes os aposentos, nada chega perto
da experiência de ver pessoalmente toda a magnitude do palácio.
Com os nossos ingressos em mãos, graças a Pâmela que os comprou
antecipadamente para evitar que perdêssemos tempo nas filas quilométricas
dos guichês. Na entrada, nosso ticket é conferido e algumas instruções são
passadas em inglês, Pâmela faz a tradução simultânea. Em seguida,
recebemos o áudio guide, isto é, um dispositivo eletrônico, semelhante a um
smartphone, que permite a descrição dos aposentos reais. Para a nossa
felicidade, esse dispositivo possui a opção em português brasileiro, o que
tornará o nosso tour ainda mais especial.
O áudio guia apresenta uma breve história sobre a construção do
palácio e todas as suas reformas até chegar ao dia atual. Os números me
impressionam, são mais de setenta e sete mil metros quadrados, dispostos da
seguinte forma: 19 Salas de Estado, 92 escritórios, 52 quartos principais para
dormir, 188 quartos para os funcionários e 78 banheiros, totalizando 775
cômodos.
Ainda segundo o guia informativo, a visita à casa da rainha é restrita a
datas pré-estabelecidas, que coincidem quando Elizabeth II viaja para a
Escócia para passar férias.
Por motivos de segurança, em diversos ambientes é proibido
fotografar ou filmar e apenas uma pequena parte dos cômodos são abertos a
visitação. Ainda assim o tour completo no palácio dura aproximadamente
duras horas e trinta minutos. Se eu estivesse sozinha passaria cada minuto
desse tempo apreciando, mas como estamos com as crianças, meus irmãos e
os filhos da Pâmela, e eles tendem a se enfadar rapidamente, decidimos
restringir a nossa visita a três aposentos.
Nossa primeira parada é no aposento denominado “Salas de Estado”
ao todo são dezenove salas de Estado usadas pela família real britânica para
receber convidados, celebrar casamentos, como o do Príncipe William com a
duquesa de Cambrigde, Kate Middleton, em abril de 2011. Um funcionário
informa que é proibido fotografar e filmar assim que adentramos. Aqui
vemos algumas peças do mobiliário, quadros e tapetes, porcelanas e cristais e
os salões usados pela Rainha e pela família real para receber os convidados
em visitas oficiais e cerimoniais.
Seguimos para os Estábulos Reais, o ponto alto da visita pela
empolgação dos meus irmãos. Eles olham embasbacados para as carruagens
reais e registram tudo no meu antigo celular, aqui as fotos são permitidas,
porém, sem flash. Há diversas carruagens e seus respectivos usos. Cada uma
é utilizada em determinada circunstância, como eventos oficiais, casamentos,
aniversário da rainha e celebrações. Ao final do passeio, alguns cavalos reais
estão nos estábulos, com destaque para os cavalos da rainha que puxam suas
carruagens.
Nosso destino final é o jardim do Palácio. Mamãe e eu deixamos
escapar ao mesmo tempo uma interjeição de admiração diante da beleza que
vemos a nossa frente. Tulipas, orquídeas, girassóis, rosas e diversas plantas
que não sei nomear. Não preciso fechar os olhos para imaginar as
personagens do romance de época nesses jardins, vivenciado o primeiro
beijo, as descobertas do amor... O lugar é romântico e imediatamente sigo
para Arthur, queria que ele estivesse ao meu lado. Como se adivinhado o meu
pensamento, meu telefone toca e atendo no primeiro toque.
— Amor, estou encantada com o jardim. Eu poderia facilmente passar
todos os meus dias aqui — Digo eufórica.
— Se soubesse que os jardins da rainha te deixariam assim
providenciaria para que o da minha casa ficasse igual antes da sua chegada.
— Ainda está em tempo de me surpreender — Insinuo sorrindo.
— Criei um monstro, senhorita Olívia? — Ele sorri — Já acabou o
passeio?
— Sim, os meninos estão tirando fotos.
— Estou ligando para te convidar para o primeiro evento oficial como
minha namorada e não aceito um não como resposta.
— Então não é um convite — rebato.
— Você tem razão é uma intimação — ele sorri — Quero atrair todas
as atenções ao chegar no jantar beneficente ao seu lado.
— Jantar Beneficente? Imaginei que fosse algo apenas para nós dois.
— Por mais que a ideia de um jantar íntimo com você seja tentadora,
não tenho como faltar a esse evento. O Weston, goleiro do clube, promoverá
hoje o beneficente do Instituto que leva o seu nome. Mas não se preocupe,
poderemos escapar mais cedo e aproveitarmos o resto da noite apenas nós
dois.
— Você poderia ir sem mim... — tento me esquivar, a ideia de
interagir com diversas pessoas sem falar o idioma deles me causa um certo
pavor...
— Nada disso... Ou vamos juntos ou nada! Posso inventar uma
desculpa...
— Vamos! — Concordo resignada.
— Não se preocupe amor, estarei ao seu lado o tempo todo. Te amo!
— Também te amo!
— Cinco minutos e saímos daqui! Vamos parar no drive-trhu e
compramos algo para comermos no caminho. — Pâmela informa sem erguer
os olhos do celular em suas mãos, suas unhas longas clicam freneticamente
na tela.
— Algum problema? — Minha mãe pergunta.
— Nenhum — Ela responde sorrindo — Olívia irá acompanhar
Arthur em um jantar e a equipe que produzirá a Olívia já está a caminho.
— Equipe?
— Sim. Maquiador, cabelereiro, manicure, o evento exige uma
produção a altura — os meus temores se confirmam — espero que você goste
dos modelos de vestido que selecionei, estou me sentindo a própria fada
madrinha — ela sorri — Confia em mim, ao fim da noite você será a mulher
mais linda de toda Londres. Se bem que isso é uma tarefa simples.

— Pronta, amor? — Arthur indaga ao estender o braço em apoio.


A estrutura com o painel do evento está a poucos passos de nós, as
pessoas param, sorriem para os fotógrafos antes de entrarem no salão. As
minhas pernas parecem gelatinas, sinto que sou capaz de desabar a qualquer
segundo, por isso seguro com força o braço do Arthur.
— Não! — Confesso, nervosa.
Pâmela, revelou-se uma perfeita fada madrinha. Assim que me vi
produzida demorei a reconhecer a Olívia que via no espelho. A começar pela
maquiagem, as mãos mágicas do maquiador esconderam qualquer sinal de
imperfeição no meu rosto, o delineador preto ressaltou os meus olhos claros e
meus lábios foram pintados em um vermelho escarlate. Meus cabelos foram
ondulados e os cachos caíam feito cascata sobre meus ombros, por fim a
roupa, o vestido longo preto abraçou o meu corpo feito uma segunda pele,
realçando as minhas curvas.
Nada de princesa, a minha fada madrinha me transformou numa
Olívia versão femme fatale. Confesso que, passado o impacto de me ver nessa
nova roupagem, gostei dessa versão fatal. Assim como o Arthur, que fez
questão de dizer repetidas vezes, quando estávamos a sós no carro, o quanto
eu estava gostosa e que seus pensamentos eram os mais sacanas possíveis.
— Você está deslumbrante, não me dê mais motivos para arrastar
você até o carro e fazer a primeira coisa que passou na minha cabeça quando
te vi. — Ele sussurra ao meu ouvido — Está nas suas mãos, Olívia...
— Vamos acabar logo com isso — Respiro fundo e sorrio quando a
mulher faz sinal que nos aproximemos da decoração para registrar a nossa
presença. Sinto os meus olhos arderem com a quantidade de flashes
disparados em nossa direção, pousamos como casal e depois para as fotos
individuais, Arthur sorri com tamanha naturalidade que faz parecer fácil ser
engolida por tantos flashes, na minha vez, sorrio com dificuldade enquanto
converso com o as minhas pernas para se manterem firmes.
Uma mulher usando um crachá dirige uma série de perguntas em
inglês na minha direção e busco socorro em Arthur que se aproxima para me
salvar. Não entendo uma única palavra dos que eles dizem.
— Algum problema?
— Nenhum — ele sorri enquanto me guia para dentro do salão — Ela
queria saber a grife do seu vestido, quem assinou a maquiagem essas coisas...
— E você sabia o nome?
— Claro que não. Mas se conheço a Pâmela, sei que nesse exato
momento uma foto está sendo postada nas redes com as devidas informações.
— Entendi...
O resto da noite seguiu o mesmo protocolo. Arthur sendo o meu
tradutor simultâneo, a cada apresentação ou pessoa que parava para
cumprimenta-lo, ele respondia em inglês e depois traduzia para mim.
Eu não podia entender uma palavra que aquelas pessoas falavam, mas
a dinâmica do jantar era simples. Um grupo de pessoas ricas arrematando,
por preços altíssimos, coisas simbólicas. Por exemplo, foi arrematado por
oito mil euros uma foto com a modelo inglesa da Angel. O auge dos lances
foram os jantares com os atletas, e um me surpreendeu pela disputa acirrada,
um dia de estrela ao lado do máquina mortífera, o pacote era descritivo e
incluía, selfie, jantar romântico e ingresso para o próximo jogo do Chelsea.
— Eu não lembrava desses detalhes — Arthur explica desconcertado
— Eu era solteiro...
— Silêncio, amor! — Sorrio — Não quero perder um único lance.
O lance inicial era de vinte mil euros, mas parecia que era dois reais
pela quantidade de mãos levantadas. Uma a uma, acompanhei atentamente
todos os lances, a essa altura Arthur não traduzia, mas eu conseguia entender
muito bem o torpor do salão a medida que as mulheres se digladiavam pelo
máquina mortífera. O lance foi arrematado por uma ruiva de seios
extravagantes que se levantou de sua cadeira para enviar beijinhos no ar para
o Arthur.
— Vamos embora. — Ele toca a minha mão.
— Agora que esquentou? — Sorri e bebi um grande gole da minha
quarta taça de champanhe naquela noite — Ainda não dei o meu lance.
Ele havia me informado que eu poderia adquirir qualquer lote
ofertado, mas eu não tinha motivos para gastar seu dinheiro. Até agora. A
ideia dele e um jantar romântico fazia todo o meu corpo queimar de ciúmes.
Seguindo o protocolo, apareceu a foto do que era ofertado e eu vibrei
por dentro ao descobrir que a minha noite iria melhor consideravelmente. Um
dia na garupa do piloto espanhol/gato de MotoGP, Rossi.
Assim que o lance foi autorizado ergui a minha placa e vi o peito de
Arthur inflar e subir por repetidas vezes.
— Não! — Ele disse entredentes.
— Lembre das crianças, tudo pelo instituto...
Eu estava gostando daquela brincadeira, a mulher de meia idade deu
um lance maior que o meu e eu rebati o seu lance. O lance foi disputado euro
a euro, e ao fim quando ele foi arrematado pela senhorita Olívia Santos,
levanto para comemorar com pulinhos de alegrinha. O cerimonialista faz
alguma piada que arranca uma gargalhada geral e o fio de bom humor
presente em Arthur desaparece por completo.
— Vamos! — Ele segura o meu braço com força e me guia para o
jardim.
— Você está me machucando! — Rosno quando nos afastamos das
pessoas.
— Desculpa — solta meu braço — Porra, Olívia! Precisava arrematar
justo o lance que envolve outro homem? Joias, viagens, roupas de grife, nada
chamou mais a sua atenção do que montar numa moto? — Ele me acusa.
— Qual o problema do lance?
— O problema é que você é minha namorada!
— Que bom que chegou nesse ponto. Como você acha que eu reagi
ao descobrir que meu namorado, vulgo máquina mortífera em Londres, era o
prato principal da noite. Talvez eu devesse sorri e achar tudo normal, afinal é
um jantar inofensivo.
— Você ouviu o que disse? A forma que você fala é como se aquela
mulher fosse acabar a noite na minha cama!
— Qual a surpresa? Não é assim que todas as mulheres acabam após
um jantar com você?
Ele abre a boca para protestar, mas silencia ao notar um homem se
aproximar de onde estamos com um cigarro em mãos.
— Vamos para casa. — Ele oferece o braço, mas recuso, estou irada
com as suas insinuações. Ainda assim, ele se aproxima e encaixa nossos
braços. O motorista contratado nos aguarda em frente ao prédio, entramos no
carro e seguimos em silêncio, lembro das palavras da Pâmela sobre discussão
em público, Arthur também parece tê-las em mente, pois evita contato visual
e encara o outro lado da janela.
Assim que adentramos na sua casa, longe dos olhares curiosos, ele
rompe o silêncio:
— Boa noite, Olívia!
— Eu não terminei de falar.
— Amanhã conversamos com mais calma
— Não vou tomar mais que cinco minutos do seu tempo — Ele
respira fundo e afrouxa o nó da gravata.
— Acho sempre importante lembrar a você que eu não sou uma
mulher deslumbrada por dinheiro ou celebridades.
— Eu não disse isso....
— Não foi preciso. Até hoje eu desconhecia metade daquelas pessoas
importantes naquele salão. Alguns rostos eu tinha visto em revistas, outros
em sites de fofoca, mas a maioria são pessoas que não fazem parte da minha
realidade.
— Você quer me dizer que o seu lance ao maldito piloto foi
meramente casual?
— Sim, por mais que te custe acreditar. Eu teria dado lance para a
primeira fila da Paris Fashion Week, ainda que eu não tenha o mínimo
interesse em moda.
— Não foi o que pareceu. Você sabe a piada após o seu lance? — a
pergunta era retórica — Foi insinuado que o motor da máquina mortífera
deveria estar apresentando problemas, afinal a sua namorada estava querendo
experimentar uma nova potência.
— Era uma piada.
— Exatamente! A sua crise de ciúme infantil me transformou numa
piada.
— Eu não tive a intenção...
— Sei que não é fácil para alguém como você... — ele deixa escapar e
vejo a sua vontade de apertar o CRTL Z para desfazer o que foi dito.
— Alguém que até meses atrás era uma completa desconhecida. É a
verdade, Arthur.
— Eu não quis dizer isso.
— Mas, disse. — Rebato — Realmente, é muito difícil para uma
mulher que até meses atrás era uma completa desconhecida se tornar alvo de
interesse geral. É ainda mais difícil saber que todos os nossos passos estão
sendo observados, que as pessoas estejam curiosas às nossas expressões e
nossas conversas, assim como é difícil ver a legião de mulheres que te aborda
para tirar fotos e abraços apertados ignorando completamente a minha
presença. É ainda pior estar em um grupo de pessoas que não falam o seu
idioma, mas ainda assim você aceita ir porque seu namorado insistiu e tudo
que você mais quer é agradá-lo. Eu nunca pensei que seria fácil, mas também
não achei que fosse tão difícil.
Um barulho vindo da área externa chama a nossa atenção e viramos
ao mesmo tempo para olhar de onde vem o barulho. A mulher caminha em
nossa direção e eu considero que o que vejo é uma miragem, talvez não
tenham sido quatro, mas sim cinco taças de champanhe... Talvez estivesse
batizada, uma vez que, a mulher continua a se aproximar, completamente
nua, seus peitos avantajados movem-se como se tivessem vida própria, a sua
barriga é chapada e a sua boceta...
— Desculpa, eu esqueci a toalha! — Ela sorri abertamente sem o
mínimo pudor.
— Que porra você faz aqui Laila? — Arthur esbraveja.
E aí tenho certeza que o meu fantasma é real, tem nome e um
passado.
Q uando o árbitro levanta um
cartão é sinal que o atleta está
recebendo um determinado nível de punição, amarelo quando é leve e
vermelho que significa a expulsão do jogo. Ou seja, no futebol, quando o
cartão vermelho é apresentado ou o jogador acabou de cometer uma falta
grave ou recebeu o segundo cartão amarelo na mesma partida.
Se eu fosse o árbitro nesse momento expulsaria a Laila do campo,
mas o meu medo é a Olívia me dar um segundo cartão amarelo essa noite e
assim, eu acabar sendo expulso do jogo.
Não conseguia entender, tampouco explicar, como a Laila apareceu
nua na minha casa.
— Que porra você faz aqui Laila?
— Fui convidada.
— Por quem? — Pergunto, mas volto atrás — vista-se para que a
gente possa conversar.
— Claro. Desculpe. Sempre nadei nua aqui, mas hoje realmente
esqueci a toalha — ela diz se retirando.
— Olívia, eu...
— Você?
— Eu não sei o que dizer.
— Belas palavras — ela se afasta e eu a sigo.
— Ela deve ter vindo com a minha mãe...
— Sua mãe está em Londres? — Pergunta enquanto sobe as escadas
rapidamente.
— Era para ter chegado hoje.
— Mais alguma coisa para lista de “Olívia precisa saber” de hoje? —
segue andando de costas para mim.
— Hoje não, mas temos um jantar amanhã.
— Ok — ela responde já na porta do seu quarto — boa noite.
— Quero entrar.
— Mas não vai.
— Oli...
— Não é uma boa ideia quando estou tão irritada, Arthur.
— Eu te amo — digo, observando-a. Estava ainda mais bonita com a
roupa do evento social. — Não tive culpa na cena com a Laila...
— Certo, Arthur. Você não tem nada a ver com a mulher que dorme
na casa da sua mãe e anda e nada nua na sua...
— Olívia, por favor — toco o rosto dela, que não se afasta — é você
quem eu amo.
— Eu também amo você, por isso vou tomar um banho e dormir.
— Tudo bem, só me dá um beijo — aproximo nossas bocas e ela me
deixa beijá-la por alguns segundos. Meu coração acelera. — Boa noite.
Ela se afasta, entra no quarto e fecha a porta.

Depois de questionar a alguns dos colaboradores da minha casa, fico


sabendo que minha mãe chegou acompanhada da Laila, por volta das 19hs.
Ou seja, logo depois que saí com a Olívia. Soube também quais quartos
estavam sendo ocupados pelas duas, um deles arrumado de última hora já que
esperava receber somente a minha mãe. Bati no quarto da minha mãe, mas
ela não respondeu, as luzes estavam apagadas e pelo horário presumi que
estivesse dormindo. Não fui ao quarto da Laila em busca de explicações por
motivos óbvios. Falaria com a minha mãe antes de ir treinar. Nada daria
errado amanhã.

Por mais difícil do que você possa imaginar, não consegui confrontar
nenhuma das duas últimas hóspedes que chegaram durante todo o dia.
Acordei cedo, mas tomei café da manhã com a mãe da Olívia e os meninos
apenas. A conversa fluiu normalmente até que precisei ir para o treino.
Lá, antes de a bola rolar, todos passaram por 30 minutos de
aquecimento e alongamentos, comandados pelo preparador físico. Quando o
mesmo apitou o início do treino tático em equipe, todos se esforçaram como
se fosse jogo oficial. Cheio de disposição, o zagueiro me deu uma entrada
dura e eu caí em campo. No fim das contas, apesar do hematoma na canela,
me recuperei e voltei ao jogo.
Quanto mais as horas passavam, mais eu desejava sair do C.T. O
almoço foi no próprio Centro de Treinamento, porque o técnico tinha
algumas recomendações para nos passar acerca de um pedido dos
patrocinadores da equipe. Assim que saio do treino, encontro a Pâmela para
acertar alguns detalhes sobre o “comunicado oficial” que emitirei amanhã de
manhã, bem como ver se está tudo certo para hoje.
Inicialmente havia planejado uma festa para marcar o dia de hoje, mas
diante do receio que a principal envolvida tem quanto a exposição, achei que
fosse melhor algo mais pessoal para esse primeiro momento, então decidi
pela minha própria casa. Considerando a cena de ontem, o clima em que
ficamos e a possibilidade de perder a situação de controle, estou rezando para
que tudo dê certo.
— Por mais informal que seja, precisamos de registro formal ou vão
criticar muito mais do que já esperamos por não ser uma festa ou, pelo
menos, um jantar em um restaurante com estrelas Michelin.
Todos os anos, os restaurantes são avaliados para ver se cumprem os
critérios para receber a ansiada estrela Michelin, que é quase o Oscar dos
restaurantes. Ganhar uma estrela pode chegar a ser desesperante para os
donos e chefs de um restaurante, por se tratar de uma avaliação minuciosa, e
se o padrão não se mantiver, perde-se. Em resumo, o máximo que um
restaurante pode atingir são três estrelas, significado de uma cozinha de luxo
e irrepreensível e eu não ligo muito para isso, gosto mesmo de comer comida
gostosa, independente do luxo.
— Um fotógrafo profissional não é problema, depois você repassa as
fotos oficiais — concordo.
— Mesa posta, brinde, foto de família... Que bom que com o evento
de ontem eu aproveitei para fazer a Olívia provar o vestido perfeito!
— Certo, formalismo para a foto e só! Prometo que para a festa real
você terá bastante coisa para mostrar para o faminto público.
— Por favor! — ela junta as mãos — lidar com o que vem é bem pior
do que criar o que vai... Vai ser ótimo mostrar sua transformação em homem
de família. E o melhor: é real. Você está ótimo, Arthur.
— Estou, né? E me sinto assim também. Estou muito feliz e
empolgado com o que está por vir.
— Bem, vamos! Se quer manter a surpresa preciso arrumar sua
cinderela.
— Melhor fada madrinha não há — sorrio.
Ela não me mandou me mensagem o dia inteiro, com certeza irritada
com a história da Laila, por isso não sei como irá me receber agora. De
qualquer sorte, bato na porta e aguardo sua resposta.
Olívia abre e eu, instantaneamente, me perco nela. Meu coração
aperta ao vê-la usando um vestido que parece branco, mas não é, isso seria
rosa ou creme? Tão claro que realmente me lembra uma noiva. Curto,
chegando ao meio das coxas, rendado e delicado. As alças são feitas com
pedrinhas que brilham, mas não tanto quanto seus olhos nesse momento.
— Você está perfeita — digo, por fim.
— Obrigada, realmente o que a Pâmela toca se transforma. Onde vai
ser o evento?
— É um jantar especial. Os outros estão nos aguardando.
— Certo.
— Olívia, quero que se lembre o tempo inteiro que amo você, como
jamais imaginei ser possível — só então ela realmente me olha. Seus olhos
enchem de lágrimas.
— Não mais que eu — ela responde sorrindo.
— Vamos? Tenho muitas declarações para fazer hoje — estendo a
mão para ela.
— Que Deus me proteja da imprensa, amém — ela perturba aceitando
a minha mão.
Descemos em passos lentos, meu coração batendo loucamente em
meu peito, como se eu tivesse acabado de cruzar, correndo, o campo de
futebol inteiro. Ao pisar no último degrau, sinto ela apertar a minha mão mais
forte.
— Vão todos para o evento? — ela me pergunta ao ver a mãe e os
irmãos vestidos socialmente.
Dona Maria tem um sorriso imenso, mas duas lágrimas escapam. Um
pouco atrás da família da Olívia, minha mãe e Laila também estão vestidas
para a ocasião. Assim como Pâmela, Juan e os meus afilhados.
— Na verdade, já estamos no evento, se é assim que deseja chamar —
digo, dando de ombros e ela me encara.
Damos mais alguns passos até estarmos no meio da ampla sala, sendo
o centro das atenções.
— Por mais que eu tente, não consigo explicar como um sentimento
pode crescer tanto e tão rápido. Mas quem disse que o amor é
autoexplicativo? Desde o dia em que te vi, algo em mim mudou. Eu fui
atraído para você, sem nenhuma explicação lógica. Claro que o fato de você
ser uma mulher linda conta, mas não é apenas a sua beleza que me atrai.
Sinto necessidade de você, Olívia. O tempo inteiro.
Ela me olha com o misto de pânico e carinho. Os olhos estão
novamente marejados.
— Arthur, eu...
— Preciso continuar — interrompo-a — eu disse que tinha muitas
declarações para hoje. Posso jurar que nessas últimas férias eu cheguei ao
céu, mas também visitei o inferno da saudade assim que voltei para casa. E
eu sei que você também sentiu minha falta — afirmo e ela sorri,
provavelmente me achando presunçoso. — Não suporto a ideia de ficar longe
de você, por isso Olívia e por outras mil razões, eu sei que podemos ser
felizes juntos.
Ponho a mão no bolso e retiro a caixinha preta de veludo, me
ajoelhando em seguida. Ouço as respirações suspensas ao nosso redor e vejo,
perifericamente, que flashes estão sendo disparados.
— Oli, você aceita dividir os seus dias comigo?
É nítido que ela está surpresa, seus olhos e sua postura me dizem isso.
Será que fui longe demais em presumir que ela aceitaria casar comigo?
A resposta dela vem, literalmente, na mesma altura da minha
pergunta. Olívia se ajoelha em frente a mim e, entre sorrisos e lágrimas,
estende a mão direita.
— Você não cansa de me surpreender, Arthur. Desde o primeiro
instante. Eu aceito dividir a minha vida com você, porque eu te amo e longe
de você tem sido tudo nublado. Você estava certo, desde aquele beijo passou
a ser o centro do meu universo.
Meu sorriso é tão amplo que é possível que o meu rosto se parta no
meio. Coloco o anel no dedo dela e beijo sua mão, levantando e ajudando-a a
ficar de pé.
— Soube que a esmeralda tem tudo a ver com pessoas apaixonadas e
sensíveis. Por isso foi a minha escolha. Dizem também que ela é a pedra
guardiã do amor e que representa relacionamentos duradouros e sólidos,
como ela. É o que o nosso amor será: resistente, apaixonado e incondicional.
— Ele é lindo — ela encara a joia composta pela esmeralda como
pedra central e trinta e dois diamantes cravejados nas laterais — e o
significado é o que o torna tão especial. Por isso, saiba que mesmo que fosse
um barbante, se você me disse quão significativo era, eu ia amar.
— Posso cumprimentar minha nora? — Ouço minha mãe nos
interromper, por algum tempo esqueci que não estávamos a sós.
— Claro — me afasto para que as duas se abracem, ao mesmo tempo
em que me aproximo da minha própria sogra — obrigado por permitir que eu
ame a sua filha.
— Ela te ama e está feliz, para mim é mais do que suficiente — ela
diz ao me abraçar — que Deus abençoe vocês, meu filho.
— Amém — respondo e sou abraçado pelos moleques — meus
cunhados favoritos — eles riem.
— Eu disse que éramos seus maiores fãs! Agora somos seus maiores
fãs-cunhados — André diz, me fazendo gargalhar.
— Meus parabéns — Laila se aproxima — se eu soubesse que era um
noivado teria trazido presente — ela me abraça, passando os braços pelo meu
pescoço.
— Não precisa se preocupar — respondo, me afastando — sua
presença já foi uma grande surpresa.
Viro-me e vejo Pâmela cumprimentando Olívia.
— Meu amor, essa é a Laila — informo estendendo a mão para minha
noiva, que se aproxima. — Como já conversamos, somos amigos.
— Prazer em conhecê-la, Laila, sua fama te precede.
— O prazer é meu, querida. Bem-vinda a família! E me desculpe pela
cena de ontem, não tinha ninguém em casa e eu sempre nadei nua, então me
perdoe. Não sabia que estavam juntos e nem que você estava aqui.
— Não tem problema, desde que não se repita. Tudo que você não
sabia agora está sabendo. Vamos começar do zero? — Seguro meu riso para
não piorar a situação.
— Vamos. Para começar: parabéns pelo noivado. Seu anel é lindo!
— Arthur, Olívia, vamos fazer algumas fotos oficiais? — Pâmela nos
chama e prontamente nos posicionamos para fotografar.
É quase um ensaio, orquestrado pelos fotógrafos e Pâmela. Fotos de
casal: abraços, sorrisos, beijos. Foto das nossas roupas. Fotos da mão da
Olívia. Fotos do anel. Fotos da família reunida: a dela, com minha mãe e
todos juntos. Fotos da decoração. Fotos, fotos, fotos. Uma infinidade delas
depois, fomos para a sala de jantar.
E a sensação que me invade, a cada segundo, é igual a de marcar um
gol de placa.
Golaço!
casamento!
E le
pediu

O homem pelo qual estou apaixonada me pediu em casamento, tem dia mais
me
em

perfeito do que esse? Precisei me segurar para não começar a pular no


momento em que o vi ajoelhado, me propondo o que eu mais queria: tê-lo
completamente. Depois do estresse pós-leilão, fechado com chave de ouro
pelo desfile da gostosona nua, eu me tranquei no quarto e chorei. Chorei
porque não tinha como essa relação dar certo com nossos mundos colidindo,
porque eu não podia concorrer com a Laila e porque ele nunca me entenderia.
Passei a manhã descansando para não dar de cara com as novas visitas e
também para realmente dar um sinônimo a palavra férias: descanso. Aquele
quarto foi o meu céu particular durante boa parte do dia, sendo servida nele
mesmo, até que a Pâmela e seu exército foi me preparar para o evento da
noite.
A última coisa que eu queria era ir a um lugar lotado de gente que não
fala meu idioma e que considera meu extrato bancário uma piada de mau
gosto, mas eu não tinha escolha, era a vida do meu namorado e ele queria a
minha companhia. Quando a equipe terminou de me arrumar, vi que não
tinham me vestido de mulher fatal, mas de uma versão mais poderosa de mim
mesma: romântica, mas forte. Meus cabelos foram deixados soltos e lisos, a
maquiagem marcava os olhos, mas a boca era rosada, suave e sexy. O vestido
era curto, creme, rendado e com uma saia parecida com tule. Minha mãe ia
amar o modelo e com certeza copiaria, em versão econômica, para alguma
cliente.
Assim que o vi, vestido em um terno impecável, eu soube que a noite
seria perfeita, independente do que viesse a acontecer. Mas ela foi mais que
perfeita com o pedido de casamento digno de filme de amor. O jantar foi
servido naquela sala incrível, que poderia ser de qualquer rei, com mesa
gigante e lustre. Apesar da presença da Laila e dos seus olhares intensos para
o Arthur, além do olhar crítico da minha sogra perante os meus irmãos, e do
acanhamento da minha mãe, tudo correu bem. A comida estava divina, a
sobremesa perfeita e o vinho? Bem, ele e o champanhe do brinde estavam
deliciosamente gelados.
E é com uma taça de vinho tinto como companheira que estou
tomando um relaxante banho de banheira e relembrando desses fatos que
acabaram de acontecer. Eu vou casar com o Arthur. Vou passar todas as
noites da minha vida nos braços daquele homem fantástico. Nas mãos dele...
Mãos. As minhas passaram a me fazer companhia desde nossas
rodadas, cada vez mais frequentes, de sexo a distância. Sob o comando da
voz ou da imagem do Arthur, elas passaram a desvendar os mistérios do meu
corpo.
Tomo mais um gole antes de fechar os olhos e encostar a nuca na
borda da banheira. Meus seios estão fora da água morna e as lembranças
fazem um arrepio percorrê-los, chegando ao meio das minhas pernas. Deixo
minha mão livre seguir o mesmo caminho, imaginando que ela pertence a ele.
Aquele dia, no motel, a boca dele fez milagres bem aqui, onde estou tocando
agora. Meus dedos não chegam nem perto de fazer a mágica que ele fez.
E eu? Por que nunca me permiti fazer o mesmo com ele? Como deixei
escapar a chance de percorrer aquele corpo com as mãos... O Arthur se
sentiria tão idolatrado quanto me senti? Tomo o restante do vinho antes de
levantar da banheira. O ar frio do ambiente atinge meu corpo, mas isso só me
ajuda a decidir esquentar. Vestida no roupão branco, ando pelo corredor até
chegar onde desejo. Bato na porta uma vez, antes de abri-la. Está destrancada,
como se ele realmente estivesse esperando que eu burlasse as regras e
corresse para lá.
O quarto dele é ainda maior que o meu, como se isso fosse possível,
mas difere totalmente no quesito decoração. Cinza, preto, branco e azul
disputam espaço naquele ambiente. Mas o que realmente me chama atenção
está saindo da suíte com uma toalha preta enrolada na cintura. E nada mais.
Os pés estão descalços, as coxas firmes de jogador se insinuam na fenda da
toalha. O peito esculpido está nu e o cabelo desregrado, mas seco. Arthur
estava tomando banho ou ainda ia começar?
— Se preferir que eu tire a toalha para que possa apreciar um pouco
mais, é só me dizer — ele dá um sorriso de lado ao notar que eu o encaro dos
pés a cabeça.
— Eu estava na banheira e... — com passos firmes ele chega até onde
estou e decide que palavras não são necessárias.
Ele me puxa, enrolando os braços em minha cintura e eu, retribuo
enlaçando seu pescoço. Nossas bocas se encontram e eu o recebo
completamente. Sinto suas mãos percorrerem minhas costas até chegar no
meu cabelo, desfazendo o coque bagunçado, feito para que não molhasse na
banheira. Os dedos dele se emaranham ali, acariciando e segurando firme a
minha cabeça para impor o seu ritmo.
Meus dedos queimam de vontade de passear e os permito ir. Alisando
ombros largos e sentindo o quanto a pele dele é quente e macia. Toco seu
peitoral definido, passando as palmas para cima e para baixo, até chegar no
abdômen. Trincado. Meus dedos brincam nos gomos até o Arthur respirar
fundo. Estou perto demais da toalha.
— Arthur... — chamo baixinho quando ele sai da minha boca e beija
o meu pescoço.
— Tudo bem, vamos parar — ele responde, respirando fundo antes de
se afastar.
— Eu estava na banheira — retomo o assunto inicial — e lembrei de
quando fomos ao motel. Quero fazer de novo.
— Porra, Olívia, quando eu decido que vou me acalmar você risca o
fósforo? Não sei se consigo prometer o que te prometi daquela vez. Estou
bem mais louco por você atualmente.
— Dessa vez sou eu quem quero tocar em você.
— Caralho... Você jura? — toco na toalha, bem na sua ereção. —
Você vai me matar.
Ele segura minha mão ali, e a aperta, fazendo com que os meus dedos
segurem firme no seu pênis.
— Vamos para minha cama, você pode fazer o que quiser comigo.
Andamos até cama, da qual ele puxa o edredom preto, jogando-o no
chão, antes de se deitar no centro. Engatinho até estar ao seu lado e desenrolo
a toalha como se estivesse desembrulhando um presente de natal, lentamente.
— Estou nervosa — confesso, desviando o olhar da imponente ereção
para o lençol da cama.
— Me dá um beijo — ele pede. Aproximo-me do seu rosto e me
perco em sua boca. Sentindo meu corpo esquentar novamente. — Estou louco
para tocar em você.
Mas eu sei que se ele o fizer, acabarei revirando os olhos e não farei o
que estava disposta a fazer: conhecer o corpo dele. Por isso, beijo o pescoço
dele e desço, salpicando beijos por seu peito. Aquela barriga me deixa
fascinada mais uma vez, por isso, permito que minha língua aprecie os
gomos. Arthur chia sob o meu toque e isso faz com que eu me sinta poderosa.
Enquanto beijo seu abdômen, os dedos da minha mão direita se fecham em
sua ereção, segurando firme, como ele havia me mostrado há pouco.
Movimento o punho lentamente, percorrendo aquele membro duro até levar
minha boca até ele.
Ainda ao lado do corpo dele, beijo a ponta do pênis. Coloco-a na boca
e faço uma leve sucção, Arthur responde com um leve levantar de quadril, me
incitando a por um pouco mais para dentro. Consigo chegar até um pouco
mais da metade, antes de sentir vontade de recuar, se eu fosse mais longe
acabaria vomitando. Concentro-me até onde dá, segurando a base, e movo a
minha boca cada vez mais rápido.
— Puta merda, Olívia, que boca é essa? — lambo tudo e recomeço —
ah, porra, assim eu vou gozar.
Continuo chupando o Arthur, sentindo que dar prazer para ele me traz
bastante prazer, ele não me tocou, mas me sinto úmida entre as pernas. Como
se me ouvisse, ele toca minha coxa por baixo do roupão, buscando minha
boceta. Levanto o quadril um pouco, deixando que ele chegue onde deseja.
Mas ele muda de ideia e me ergue.
— Vem cá, passa a perna para cá — ele indica, fazendo com que eu
monte nele, mas ao contrário. Dessa maneira, meu rosto continua em seu pau
e o meu quadril próximo ao rosto dele. Arthur faz com que eu me empine e
beija ali.
A posição me deixa totalmente vulnerável, mas quando sua língua
percorre tudo, esqueço até como me chamo.
— Estava morrendo de saudades do seu gosto — ele diz, antes de me
lamber novamente. Fecho os olhos e quase esqueço o que estava fazendo. —
Vai ser muito melhor se você continuar o que estava fazendo — ele ri.
Com esse incentivo, seguro firme e volto a chupá-lo, enquanto Arthur
acaba comigo com seus dedos, boca, língua e até dentes. Em determinado
momento, me vi rebolando na cara dele, querendo mais e mais do que ele
tinha para me dar. Meu corpo ferve, minha mente vai para longe e tudo o que
faço é sentir... Até explodir em pedacinhos.
Ele me puxa novamente, dessa vez trazendo meu gosto, através da sua
língua, para minha boca.
— Você ainda não acabou... — digo, enquanto tento ouvir minha
própria voz através da minha respiração ofegante e do meu coração que
martela rápido. — Nem eu. Eu quero mais Arthur.
— Mais? Eu posso te dar o quanto quiser. Deite e abra as pernas.
— Não... eu quero tudo. Quero você dentro de mim... Não me
pergunte se eu tenho certeza! Atenda o meu desejo.
— Não há mais nada no mundo que eu queira mais do que atender
todos os seus desejos — ele diz antes de me beijar.
Arthur abre o meu roupão e me puxa para cima do seu corpo. Apoio-
me em seu peito, enquanto levo meu seio até sua boca. Ele o recebe com
prazer, chupando e lambendo. Repetindo o gesto no outro.
— Quando sentir vontade, sente em mim e desça conforme sua
vontade. Esse momento é seu. Você controla. Você decide... Se quiser parar é
só me dizer, tudo bem? — assinto.
Ele volta a se dedicar aos meus seios com uma das mãos e a boca,
enquanto a outra me prepara para recebê-lo. Ele me manipula até que eu
esteja à beira do abismo novamente e é nessa hora que eu decido montá-lo.
Encaixo a ponta da ereção na minha entrada e tento deslizar para baixo. Dói e
eu recuo.
— Prefiro que você fique por cima, Arthur. E não pare!
— Olívia...
— Agora.
Deito na cama e me abro totalmente, ele me testa com um dedo,
empurrando e me abrindo. Contorço-me. Ele então usa a boca novamente,
sua língua brincando no meu clitóris enquanto seu dedo avança para dentro
de mim. Mais uma vez ele retoma os meus seios, mas dessa vez o seu dente
morde o bico e uma dor fina irradia pelo meu corpo. Ao mesmo tempo, ele se
posiciona entre as minhas pernas e invade a minha boceta.
Eu grito. Ele para.
— Continue... — peço me apertando com a dor.
— Relaxe — ele diz saindo praticamente todo e voltando devagar. Ele
não chegou ao fundo ainda, mas entra e sai devagar. — Eu te amo.
Arthur beija a minha boca e continua a se mover, indo um pouco mais
fundo a cada estocada. Minhas pernas se enrolam na cintura dele. Meus
dedos apertam os seus cabelos e quando ele leva a mão até a nossa união,
manipulando meu clitóris, eu volto à beira do abismo e me jogo naquele
precipício que mistura alívio, dor e prazer.
Com o meu estremecimento, meu corpo relaxa e Arthur intensifica
um pouco mais o vai e vem. Mais fundo. Mas rápido. Mais intenso. A
respiração dele está mais ofegante quando ele chama meu nome.
— Olívia! — e sai de mim, gozando na minha barriga. — Nossa,
amor, você está bem? Prometo que as próximas vezes vão ser melhores para
você. — Eu te amo — ele diz antes de me abraçar.
— Não mais que eu — respondo com toda a certeza em mim.
Não há ninguém que o ame tanto quanto eu nesse momento.
— Agora eu sou completamente sua — atesto.
— Eu já era completamente seu, agora sou apenas um pouco mais
obcecado pelo seu corpo — sorrio. — Fica aqui comigo.
— Fico. Mas preciso de um banho antes.
— Eu faço o sacrifício de tocar você inteira novamente, mas embaixo
d’água.
— Assim eu não vou conseguir andar!
— Não é uma razão boa o suficiente... — gargalha — brincadeira, te
dou banho e te coloco na cama, sem sexo. Só amor.
— Só amor... — repito.
— Amor e um comprimido, não quero que fique dolorida pelo que
acabamos de fazer. Aliás, obrigada Olívia, foi o presente mais lindo que já
recebi.
— Você jura? No meu caso estou em dúvida entre você e o anel —
digo e ele gargalha.
— Vamos logo para o banho, antes que eu esqueça que essa foi sua
primeira vez e te mostre maneiras distintas de punição na cama.
O banho de chuveiro é rápido, mas gostoso. Meu corpo está cansado,
então o Arthur lava-o com cuidado e carinho. Depois de me secar, ele me
pega no colo e me leva até a sua cama. Um comprimido e um copo de água
depois, apago, exausta das emoções da noite.
M eus olhos
custam a abrir,
os sonhos parecem tão reais que eu amaria dormir para sempre. Mas um som
ao fundo clama para que minha consciência desperte. Abro os olhos devagar
e não reconheço o ambiente ao meu redor. Demora três segundos até que eu
lembre que não estou no Brasil e mais dois para que eu note que também não
estou no quarto de hóspedes. E esses cinco segundos me dão a dimensão de
que o sonho do qual eu não queria acordar, na verdade é a realidade.
Eu dormi com o Arthur.
Eu me entreguei a ele.
E estou muito feliz por isso.
O homem da minha vida me pediu em casamento e fez com que a
minha primeira vez fosse prazerosa e gentil, diferente de muitos casos que
ouvi por aí. Por falar em primeira vez, faço um esforço na região atingida
para saber se estou com dor e noto que não, nada anormal. Espreguiço-me e
deixo os meus sentidos se aguçarem, tentando definir que som é o que invade
o quarto, mesmo que baixinho.

Perdi meu chão quando te vi passar


Roubei um beijo, perdi o ar
Num só segundo, tudo mudou, eu sei
Sem medo, por você me apaixonei
Perdi meu chão, perto do céu cheguei
Meu coração é todo seu, é lei
Essa canção é pra você lembrar
Quando pelo rádio escutar
Levanto e sigo a voz que acompanha a melodia. Arthur está no
banheiro, penteando os cabelos. Ele está usando calça jeans e camiseta preta.
— O que você está ouvindo? — Pergunto parada à porta do banheiro.
— Acordou, princesa! Está tudo bem? — assinto em resposta — Essa
música marca perfeitamente nosso dia de ontem. Presta atenção na letra.

Eu nunca amei como eu te amo


Basta em meus olhos você notar
Peça pra Deus pra te mostrar
Cuidado pra você não se assustar
Pois sou capaz de mudar meus planos
Por uma vida só com você
Por nossa história, por nossos sonhos
Por um final feliz

Um olhar, um beijo e a tristeza vai ter fim


(Deixa eu te fazer feliz)
Só meu beijo é capaz de te deixar assim
(Deixa eu te fazer feliz)
Longe um do outro nossa vida é tão ruim
(Deixa eu te fazer feliz)

— Deixa eu te fazer feliz? — ele pergunta.


— Você já está fazendo — sorrio e ele se aproxima para me beijar. —
Vai treinar?
— Sim, tem jogo hoje à noite.
— Posso te acompanhar?
— No jogo? Claro, vou fazer um gol especial para você.
— E ao treino, posso ir?
— Não vou poder te dar atenção, mas pode ir sim. Vou passar o dia
inteiro no C.T, se ficar entediada pode vir para casa e voltar para o jogo.
— Certo, mas não quero atrasar você.
— Tome café com calma, o motorista te leva e fica a sua disposição
para trazê-la.
— Bom treino, amor — beijo sua boca — estarei de olho em você.
— Vou me esforçar — ele sorri antes de deixar o banheiro para que
eu usasse.

Tomo banho e volto ao meu quarto para me vestir. Coloquei uma


segunda pele preta e uma calça térmica por baixo da minha roupa oficial:
conjunto de veludo preto. A calça contém duas listras laterais brancas,
próximo a costura, bem como o casaco, que além disso, possui fechamento
em zíper prateado. Elegante, confortável e o melhor: quente! Nos pés, meias
e tênis brancos. Acho que ninguém reprovaria meu look estádio. Óculos
escuros para me esconder, caso necessário, bolsa de mão e brincos argola,
ajudam a nova Olívia a ter coragem de sair do quarto.
São quase dez da manhã, minha mãe havia mandado mensagem para
avisar que sairia com os meninos e Pâmela e os filhos em um passeio
interessante, e eu tinha quase certeza que comeria qualquer coisa e sairia
tranquilamente... Até encontrar a Laila na mesa de café da manhã.
— Bom dia, Olívia — ela diz com um sorrisinho sobre o copo de
suco.
— Bom dia, Laila. Dormiu bem? — levanto os óculos escuros e
sento, deixando a bolsa de lado.
— Sim, mas imagino que não tão bem quanto você — insinua e eu
sorrio. — Você está bem vestida, acho que o noivado já começou a fazer
efeito.
— Está insinuando alguma coisa? — Pergunto ao colocar uma fatia
de bolo no meu prato.
— Foi apenas um elogio, querida.
— Imagino que essa situação seja tão difícil para você, quanto para
mim. Você gosta do Arthur, eu consigo enxergar isso. E espero que você
enxergue que ele me ama — ela me encara sem piscar — não tenho nada
contra você, Laila, mas acredito que uma mulher deve saber a hora de tirar o
time de campo.
— Você está chegando ao mundo do futebol agora, querida. É preciso
saber que quando se está em uma copa do mundo cada segundo conta. O jogo
não chega ao fim até que o juiz apite, depois dos acréscimos. Você é só um
impedimento, conhece a regra de impedimento, Olívia? Mesmo que não
conheça, saiba: não significa necessariamente uma derrota.
Recebo os ataques dela com surpresa. Assim que termina sua
sentença, ela levanta da mesa e declara:
— Que vença a melhor! — Dá as costas e me deixa ali.
Desde quando o Arthur é um troféu? Talvez desde sempre, eu é que
nunca enxerguei aquilo tudo como competição.
Tomo um copo de suco com a fatia de bolo que estava intacta no
prato e levanto para ir ao treino. No carro, aprecio a cidade de Londres e me
pergunto se é aqui que vamos morar quando nos casarmos. O pedido me
pegou de surpresa e percebo que ainda não conversamos sobre essas coisas
práticas: onde nos casaremos? Vou me mudar para Inglaterra? E meu curso?
Meu trabalho? Minha vida!
Divago por pouco tempo, o caminho até chegar ao Stamford Bridge é
curto. Esse é o estádio do Chelsea Football Club, atual time do Arthur, e fica
localizado em Fulham no centro da cidade de Londres. Minha entrada é
autorizada e percorro diversos metros, até as cadeiras azuis. Nelas, ando até
achar um lugar ao sol, já estava com saudades do calor do Rio de Janeiro.
Sento-me e assisto aos jogadores que já estão em campo, correndo ao redor
dele. É difícil distinguir quem é quem em meio ao gramado verde, todos
estão usando colete branco por cima dos uniformes.
O aquecimento dura cerca de dez minutos, até que eles começam a
treinar chutes ao gol. Observo os homens organizados, batendo firme na bola,
até alcançar o objetivo. Meu telefone toca e eu encaro a tela: Pâmela.
— Oi — atendo.
— Está no Stamford Bridge? Não sabia que ia assistir ao treino.
— Como você sabe? — olho ao redor e noto os jornalistas que
acompanham o treino, bem como outras mulheres e pessoas que olham o
campo, mas não a vejo.
— Tenho um filtro especial para acompanhar o que falam sobre o
Arthur na internet e claro, sobre você. Devo dizer que seu conjunto de veludo
está fazendo sucesso já.
— Sério? — olho ao redor assustada — isso é tão estranho...
— Eu sei, querida, mas você precisa se acostumar. Só liguei para
avisar que todo mundo já sabe que você está aí, mas que ainda não divulguei
sobre o noivado, então não fale nada a respeito. Ok?
— Tudo bem... Não pretendia falar nada sobre nada mesmo. Mudez é
o meu lema no país — sorrio.
— Vamos resolver isso. Aulas de inglês está no topo da lista — ela
diz e eu suspiro — preciso ir, sua mãe está doida com os quatro sozinha.
Fique com o celular ligado, qualquer dúvida estou aqui também.
— Obrigada, Pâmela — agradeço e ela desliga.
O treinamento de jogo começa e só então consigo identificar o Arthur.
Dividiram o time em dois, com uniformes diferentes, e pelo nome e número
consigo acompanhar os lances, torcer e vibrar por ele... Mesmo que seja
apenas um treino.
Ele é bom. Por mais que eu entenda pouco de futebol, o que ele faz
com a bola é extraordinário e hipnotizante. Vidrada nos lances ensaiados, não
noto que outras pessoas sentam próximas a mim. Apenas quando os flashes
de frente me atingem, olho ao redor. Há uma “pequena torcida” assistindo
junto comigo, a maioria composta por mulheres que conversam bastante entre
elas. Aproveito o ensejo para baixar um aplicativo de tradução simultânea, de
voz e texto, já usava de texto, mas sozinha em um estádio em que todos
sabem quem sou, prefiro prevenir a cair em outra piada como aquela no
leilão.
É cada vez mais óbvio de quem duas mulheres, em especial, estão
comentando. Em qualquer língua “Arthur” é “Arthur” e sob o sotaque inglês,
consigo entender o nome do meu noivo. Elas sentadas na fileira da frente,
mas é perfeitamente audível. Abro o aplicativo que acabei de baixar e
autorizo o uso do microfone. Por alguns segundos, finjo que vou tirar foto do
campo e aproximo o aparelho delas, deixando que capte o que falam.
Conecto meu fone de ouvido para ouvir a tradução.
“Oh Deus, ele é perfeito. Dá para imaginar o que um homem desses é
capaz? Olha a força daquelas pernas chutando a bola, eu deixaria que ele
batesse assim em mim, oh sim” — uma delas diz e a outra ri e concorda.
“Ela não fala inglês, não é? Pobre coitada, mal sabe que estamos aqui
loucas para dar para ele. Se o Arthur quisesse me comer no meio do estádio,
na frente dela, eu diria sim”.
“Ah, sim ME COME ARTHUR” — a outra grita e depois as duas em
coro — “ME COME, ARTHUR”.
Ouço as palavras em choque com o tamanho da falta de respeito
daquelas mulheres. E o pior, todos que se interessassem em ouvir saberiam
que elas estão falando do meu namorado, além de estarem zombando de
mim. Isso me irrita profundamente, me deixa ainda mais irada do que a
própria Laila. Cristo, que mulheres são essas que vivem disputando? Que não
se respeitam e nem a uma semelhante!
Digito “não preciso entender inglês para detectar mulheres sem
classe” e ouço a tradução duas vezes antes de me aproximar das cadeiras das
duas e sussurrar, em um péssimo inglês, o que o aplicativo me ensinou. As
britânicas se viram de olhos arregalados e eu dou um sorrisinho irônico,
daqueles possíveis de entender em qualquer idioma, antes de fazer questão de
ajeitar meus óculos escuros para expor o meu anel de noivado. Elas se voltam
para o campo e eu tento não me importar mais com o que dizem.
Arthur faz um gol e varre o espaço com o olhar. Eu levanto batendo
palmas e ele faz um coração para mim em sua comemoração. É o último
lance do treino e, por isso, eu levanto e desço os degraus para mais perto do
campo. Diferentemente do Brasil, não há uma grande separação entre a
arquibancada e o campo, ou seja, não há alambrado ou grandes contensões
para a torcida.
Arthur corre em minha direção, pulando o pequeno obstáculo que nos
separa e me beija.
— Gostou do treino?
— Sim, muito. Não invadem o campo sem um muro?
— A pena aqui é severa e os torcedores são mais respeitosos também.
— Respeitosos? Sei bem — resmungo observando as duas que o
estavam comendo com os olhos.
Elas se aproximam com a maior cara de pau e não preciso do tradutor
para saber que querem uma foto com o Máquina Mortífera. Arthur responde
sorrindo e eu o encaro.
— Não.
— Não, o que, Olívia?
— Não vai tirar foto com essas duas...
— Você fica linda com ciúmes, mas já notou que a imprensa está toda
voltada para cá agora?
— Não me importo, elas estavam falando de você!
Ele não responde e a Maria Chuteira número dois estende o celular
em minha direção.
— Cara de pau tem limites! — Digo, mas elas não entendem e o
Arthur me repreende com o olhar.
Permaneço estática e a mulher com o celular estendido em minha
direção, com um sorriso irritante de desafio, até que o Arthur diz algumas
palavras em inglês e pega o aparelho para fazer uma selfie. A Maria Chuteira
número dois faz questão de se agarrar ao pescoço dele, se esfregando,
enquanto posa para a foto. Quando a sessão piriguete acaba, há alguns fãs do
sexo masculino que também desejam uma foto. Aguardo pacientemente até
que o astro me estende a mão.
— Não precisava fazer cena — ele sussurra ao me abraçar e eu sei
que é por causa dos olhares.
— Não sou atriz — respondo, me irritando novamente.
— Vou para o vestiário, depois tem coletiva de imprensa e em
seguida concentração para o jogo. Conversamos a noite?
— Vou para casa e não sei se venho ao jogo, já tive muitas emoções
na arquibancada hoje.
— Estamos bem? Amanhã tenho folga por causa do jogo de hoje.
Vamos passar o dia apenas nós dois.
— Tudo bem.
— Eu te amo — ele me beija.
— Não mais que eu — retribuo ao beijo.
Ele me acompanha até a saída do estádio, me deixando sã e salva
dentro do carro. A volta para a mansão do Arthur me parece bem mais rápida
do que foi a ida, talvez porque eu não tenha contemplado a paisagem. Assim
que a empregada abre a porta, sou recebida pela minha futura sogra, que
sorridente diz que precisa me passar um recado importante.
— Ligaram para agendar o seu passeio de moto, espero que não se
importe de eu ter sugerido que ele fosse hoje a tarde.
— Hoje? A senhora consultou a Pâmela? — Pergunto andando até o
imenso sofá.
— Não achei que ela cuidasse da sua agenda. Me explicaram que
você arrematou um lance em companhia do meu filho e que o piloto
envolvido só vai ficar aqui na Inglaterra até depois de amanhã. Como o
Arthur estará de folga amanhã, acreditei que o melhor dia realmente era hoje.
Sinto muito se me precipitei.
— Não tem problema, obrigada.
— Se anima, se eu tivesse a sua idade ia adorar andar de moto. Você
vai para Silverstone — ela fala com animação — oportunidade única! O
nosso motorista vai te levar até lá, pouco mais de uma hora a viagem.
— Certo, vou ligar para o Arthur e me arrumar. Obrigada, dona
Mirtes.
— Sem o “dona”, Olívia.
— Ok, Mirtes — ela sorri e me deixa na sala. Recosto-me no sofá e
fecho os olhos.
Que dia longo esse, não? E ele mal começou.
E la realmente não
voltou ao estádio,
mas nós vencemos de dois a zero. Ela não viu, mas eu fiz um gol e beijei o
meu dedo representando o nosso noivado. Ela sequer se deu ao trabalho de
ver o jogo pela televisão porque estava em cima de uma maldita moto
agarrada na cintura de outro cara! E eu fico sabendo de tudo isso pelo
repórter que acaba de me abordar, ainda sobre o gramado verde, antes que eu
possa ir para o vestiário.
— Mais uma partida boa em que o Chelsea sai vencedor e você se
destaca, marcando e sendo artilheiro do campeonato. Como se sente?
— A sensação é de dever cumprido, enfrentamos uma grande equipe
que se defendeu bem, mas Graças a Deus saímos vitoriosos — respondo no
mesmo idioma em que ele me pergunta.
— Não dá para deixar de perguntar, você beijou o dedo é uma
homenagem para sua namorada?
— Sim, Olívia, meu amor o gol foi para você — digo, ainda ofegante
pela partida.
— Ela vai ver seu vídeo quando reprisar, porque no momento ainda
deve estar voltando do Circuito de Silverstone. Foi por isso que ela não veio
assistir ao seu jogo, Arthur?
— Alcançamos o resultado esperado e isso é o que importa —
desconverso — obrigado — saio de campo para descobrir se essa era mais
uma notícia falsa.
Sou parado diversas vezes pelos meus companheiros de clube e pela
equipe inteira do time, antes de conseguir chegar até os meus pertences. Há
duas chamadas perdidas da Olívia, um pouco antes do almoço, e nenhuma
mensagem. Retorno, mas não chama. Abro o Instagram e busco na lupa,
assuntos que estão sendo replicados, não havia nada ainda, por isso vou ao
perfil da Olívia e vejo que no seu feed ela postou uma foto usando roupa de
piloto de motovelocidade.
— Caralho! — Xingo alto antes de ser interrompido pelos outros
jogadores que entram alvoroçados.
— Tá estressadinha? Acabou de fazer um golaço.
— Vai se foder — rebato.
— A mulher está fazendo greve? Você está tenso, Máquina — Souza
continua perturbando.
Não me dou o trabalho de responder. Sigo para o chuveiro e tomo a
ducha mais rápida da minha vida.

Quando chego em casa, subo direto para o meu quarto, esperando


encontra-la lá. Mas está tudo vazio. Caminho em direção ao quarto dela, a
porta está destrancada, por isso consigo entrar e enxerga-la, sob a luz do
abajur. Olívia está deitada sob os lençóis claros. Fecho a porta e ando até a
cama. Ela dorme serenamente, os cabelos loiros espalhados no travesseiro.
Ao contrário de mim, que sou pura inquietação.
Com os pés, retiro o sapato e as meias, deixando-os no carpete antes
de sentar na cama.
— Olívia... — Chamo baixinho, em dúvida, se devo ou não a acordar.
Ela não se mexe.
Deito ao seu lado e deixo as minhas mãos tocarem o seu rosto. Meus
dedos deslizam por sua bochecha, até que meu polegar resvala na boca. As
pálpebras dela tremem um pouco antes de seus olhos se abrirem.
— Arthur? — ela sussurra, como se estive em dúvida sobre aquilo ser
um sonho.
— Preciso de você, Olívia — digo antes de colar nossos lábios. Ela
retribui o beijo, passando a língua na minha. E eu gemo apenas com isso.
Afasto o cobertor do corpo dela e enfio a minha mão por baixo do
casaco de moletom, apertando o seio dela na palma. A mão dela desliza pelas
minhas costas e esse é todo o incentivo que preciso para saber que ela quer
continuar. Vou por cima e me posiciono entre as pernas dela, puxando o
casaco pela barra para deixar os seios livres. Tirando a minha camisa,
também pela barra, logo em seguida. Com uma mão em cada seio, eu os pego
com firmeza enquanto me esfrego sobre ela e beijo sua boca. Ela arqueia os
quadris e geme na minha boca.
Aperto um pouco mais e tento juntá-los no meio, deixando a minha
língua correr de um bico para o outro, que estão bem próximos. Em seguida,
mamo e chupo os peitos, me dedicando a um de cada vez até cansar. E só
então eu tiro a calça de moletom que ela usa, levando junto a calcinha. Olívia
abre as pernas imediatamente.
— Você é minha — digo ao passar os dedos por sua entrada e
constatar que está molhada — essa boceta é minha. Não é, Olívia? — enfio
um dedo.
— Sim... — ela geme.
— Sim, o que? — pergunto retirando o dedo devagar.
— Eu sou sua.
— Só minha — afirmo antes de cair de boca naquela boceta.
O prazer me domina completamente quando lembro que sou o único
que já fez com que ela se contorcesse dessa maneira. O único que sentiu o
gosto dela na boca. Passo a língua no clitóris diversas vezes, enfiando o dedo
no mesmo ritmo. Testo um segundo dedo, tentando alarga-la para me receber.
— Caralho, que apertada... Quero foder você agora, Oli. Goze para
mim...
Intensifico a manipulação no clitóris, dessa vez com o meu polegar, e
com dois dedos da outra mão, eu a fodo. Entrando e saindo, rapidamente.
Curvo os dedos dentro dela, buscando o ponto que a fará se contorcer ainda
mais. Pressiono o clitóris. Curvo os dedos. Entro e saio.
— Arthur! — ela chama e é música para os meus ouvidos.
Sinto-a se apertar ainda mais e só então, retiro os dedos e enfio meu
pau.
— Abra os olhos — mando, colocando as pernas dela ao redor da
minha cintura — você. É. Minha.
Repito essas três palavras ritmadas pelas estocadas.
Minha. Minha. Minha. Meu cérebro ecoa.
Paro com a ladainha quando estou gozando, é o momento em que saio
de dentro dela. Acabo adormecendo ali mesmo, no quarto da Olívia. A
exaustão só me dá tempo suficiente para virar para o lado e abraça-la, antes
de me levar por completo.

Acordo mais tarde do que o de costume, considerando que madrugo


em dia de treino e quando abro os olhos percebo que estou sozinho no quarto
feminino. Espreguiço-me, alongando os músculos relaxados.
— Preciso de um banho e de alguém que troque os lençóis sujos dessa
cama... — falo sozinho enquanto vou para o meu próprio banheiro.
Tomo um banho, escovo os dentes e me visto antes de alcançar meu
celular. Há um e-mail de Pâmela com algumas fotos do noivado surpresa.
Sorrio ao vê-las na tela, estão perfeitas. Salvo todas na galeria do meu celular
e abro o aplicativo do Instagram. Hora de dar um recado claro ao mundo:
Olívia é minha, assim como eu sou dela.
Seleciono uma foto de nós dois abraçados. Nossa pose é meio de lado,
a mão dela com o anel de noivado repousada no meu peito, nossos olhares
voltados um para o outro. Faço upload e a posto com a legenda:
Você permitiu que eu a fizesse feliz! #ElaDisseSim.

Uma enxurrada de notificações começa a chegar e, entre curtidas e


comentários, somos felicitados, invejados e aplaudidos.

Desço para o café da manhã e encontro todos os meus convidados à


mesa.
— Bom dia — beijo a cabeça da minha mãe e sento na ponta da mesa.
— Bom dia, meu amor, o jogo foi ótimo! Quero ir na final — ela
responde.
— Vai sim, vamos chegar lá. Dormiu bem, dona Maria?
— Sem o “dona”, Arthur — Olívia diz encarando a minha mãe.
— Dormi sim, meu filho. Esses dois quase me deixaram surda
assistindo você jogar, mas depois apagaram.
— Foi irado, o Máquina Mortífera massacrou! — André diz
empolgado.
— Meus fãs — perturbo. — Olívia, provavelmente a Pâmela vai te
ligar. Publiquei sobre nosso noivado há pouco.
— Ah, do anonimato ao estrelato em alguns cliques — Laila diz,
sarcástica.
— Desde quando você ficou amargurada? — pergunto sem realmente
entender qual é a dela.
— Desculpe, esqueci de completar, não é a minha opinião é o que vão
publicar...
— Ela tem razão — minha mãe complementa. — Vão comentar isso.
— Não me importo com o que vão comentar — digo. — E nós
estamos de saída.
— Estamos? — Eduardo pergunta.
— Ahn, eu e a Olívia estamos.
— Você abdica de todos os outros convidados assim, meu amor,
tenho certeza que um dia em família seria perfeito para sua folga.
— Sinto muito, mãe, mas vou passar alguns meses afastado da minha
noiva até poder tê-la novamente, então hoje eu pretendo ficar somente com
ela.
— Ah, a paixão... — ela responde sorrindo.
— Sua estadia vai ser prolongada, prometo te dar toda atenção do
mundo. E quanto a dona Maria, sem o dona, eu prometo que virão muitas
vezes a Europa e eu farei um tour por cada canto do continente.
— Não precisa se preocupar comigo, estou amando cada segundo,
está tudo perfeito. Podem ir passear.
— Assim sendo, vamos Oli?
— Com licença — ela pede antes de levantar e me dar a mão. — Para
onde vamos? Está mais frio hoje, acho que vai chover.
— Pretendo te manter aquecida — sussurro antes de abrir a porta da
garagem.

— Sério, Arthur, para onde vamos? — ela pergunta depois que dirigi
por apenas dez minutos.
— Ainda nem saí de Londres e já está impaciente? — perturbo —
Vamos até a região da Cotswold. Você com certeza já viu algum filme ou
seriado, que se passe na Inglaterra não-Londrina.
— Quanto tempo de viagem?
— Não vamos muito longe, não chega a duas horas de viagem, mas a
região se espalha até por muitos quilômetros, seria maravilhoso se tivéssemos
tempo de percorrer as mais diversas cidades do interior — mantenho o olhar
na pista — você ficou entediada na viagem para Silverstone?
— Para falar a verdade fiquei sim, o seu motorista não fala português.
— Posso saber por que preferiu ir andar de moto a ver meu jogo?
— Eu não preferi, não tive escolha.
— Você se deslocou para tão longe e subiu na garupa da moto
forçadamente? A foto que publicou parecia bem feliz.
— Você está com ciúmes, Arthur? — ela ri.
— Falou a pessoa que não queria que eu tirasse fotos com fãs...
— Aquelas piriguetes não eram fãs, eram Maria Chuteiras — ela
acusa, irritada. — Elas estavam gritando: ME COME ARTHUR! — Olívia
enfatiza gritando com uma voz de deboche.
Gargalho com a imitação.
— Você acha graça de duas mulheres sem noção querendo que você
as coma e se irrita com o fato de eu ter ajudado uma instituição?
— Desculpe — tento não rir — mas você falou muito engraçado.
— Não tem graça quando um monte de gente te sacaneia porque acha
que não entende o que estão falando! — Esbraveja. — Ainda menos quando
querem foder com seu noivo.
— Nossa, Oli, ouvir foder da sua boca me faz ter vontade de parar o
carro e realmente dar um sentido a essa palavra.
Ela não responde.
— Tudo bem, desculpe, não vou me importar com o fato de você ter
se agarrado a outro cara enquanto ele acelerava a porra da moto e você não se
importa com mulheres se atirando em mim, porque a única mulher que eu
quero é você. Você sabe disso, não é?
— Eu também só quero você.
— Ótimo, até porque, se me lembro bem, ontem a noite você disse
que era minha. Cada parte desse corpo gostoso é meu, assim como cada
centímetro do meu pertence a você...
— Falta muito para chegar? Quero tocar tudo que me pertence.
— Cacete, Olívia. Vou ficar duro... Adoro despertar seu lado sexual.
— Você o tirou da hibernação, Arthur, e acho que porque ele passou
tempo demais dormindo, acordou com muita fome.
Sorrio, satisfeito e piso no acelerador louco para chegar em Bourton-
on-the-Water. Assim que adentro a cidade, vejo Olívia retorcer o pescoço,
olhando a cidade pela janela. Como o nome sugere, Bourton fica na água,
com canais cortando as ruas do vilarejo. Dirijo até a casa que aluguei, em
frente ao canal, de onde vemos a ponte sobre o rio Windrush.
— Que lugar lindo, Arthur — Olívia exclama assim que sai do carro.
— Quer dar uma volta? — Pergunto porque noto que ela está
encantada.
— Claro, deixe só eu ir ao banheiro que vamos — sorrio.
Entramos na casa com a chave que eu encontrei no lugar combinado,
(o jarro de plantas ao lado da porta de entrada) e enquanto Olívia vai ao
banheiro, eu procuro e ligo o aquecedor, observo se a dispensa está
abastecida e se tudo está como prometido.
Ela não demora e retorna com o celular em mãos.
— Vamos ignorar o fato de ter bilhões de notificações nas minhas
redes sociais e focar no que pesquisei sobre esse lugar: a cidade é conhecida
como a Veneza dos Cotswolds, porque é rodeada por água. Ela é cheia de
pontes fofas e arvores “choronas”. E algumas ruelas usadas como cenário
para o seriado Downton Abbey.
— Você viu isso tudo enquanto fazia xixi?
— Multitarefas! Vamos dar uma volta, mesmo com o tempo chuvoso,
quero ver tudo e atravessar todas as pontes que tiver.
— Sorte minha que a cidade é pequena, acho que há umas seis ruas...
— Quero andar por todas! — ela exclama animada.
— Vamos almoçar também. Sabia que você ia amar.
— Amar eu amo você, por esse lugar estou deslumbrada!
— Ora, e o que eu preciso fazer para deixar você assim, deslumbrada
por mim?
— Você está quase lá... — ela perturba e quando eu vou beijá-la corre
em direção a porta. — Vamos para o nosso passeio romântico.
Ela chama e eu vou para fazê-la feliz, por mais que eu quisesse
mesmo subir para o quarto, tirar sua roupa e deixa-la tão molhada quanto
aquela cidadezinha.

— Acho que você acabou de me deixar deslumbrada por você... —


Olívia diz sem fôlego, depois de fazermos amor em frente a Lareira.
Quando finalmente paramos para almoçar, na reta final do nosso
passeio, pedi Trifle de sobremesa, mas assim que o doce nos foi servido, pedi
para embrulhar para levarmos para a casa. Ele é como se fosse um pavê em
camadas. Composto por uma camada de frutas vermelhas (ou geleia feita a
partir delas), seguida por uma camada de creme e outra de pão de ló. No topo
há suspiros, creme de chantilly e lascas de amêndoas... Agora acrescente
Olívia a receita e tenha, como resultado, um Arthur totalmente excitado e
louco para provar tudo, diversas vezes, com a boca.
— Então a viagem valeu a pena... — respondo também sem fôlego.
— Seria perfeito se a gente pudesse se esconder aqui por vários dias.
Ninguém pediu para tirar foto com você, sequer vi um celular apontado para
qualquer outro lugar que não fosse paisagem.
— Imagino que seja difícil para você essa mudança...
— Sei o quanto a sua imagem é importante para o seu trabalho, mas é
diferente do mundo em que vivia.
— Pâmela vai te ajudar a lidar com a transição...
— Sim, a começar por ter me mandado mensagem sugerindo que eu
abra o perfil no Instagram. Segundo ela é mais fácil de controlar.
— As pessoas são curiosas, amor.
— Eu sei, foi o que ela disse. Ela me mandou um print com cinco
perfis fakes se passando por mim. Como isso é possível?
— Se você não quer aparecer, outras pessoas querem e vão se passar
por você.
— Todos querem ser a futura senhora Silva... — ela diz.
— Mas apenas uma será e ela tem gosto de chantili nesse momento —
respondo, fazendo-a rir. — Vou morrer de saudades.
— Eu também.
— Vamos casar o mais rápido possível — digo e ela fica calada —
assim que a temporada acabar. Tudo bem?
— Acho que sim...
— Acha?
— Não conversamos sobre você ir para o Brasil ou eu vir para
Inglaterra, minha faculdade... Essas coisas.
— Você não quer morar aqui?
— Em Bourton on the Water?
— Em Londres, engraçadinha.
— Aqui é frio...
— Eu te aqueço, mas teremos tempo para ver tudo isso. Podemos
ficar aqui um tempo enquanto eu vejo propostas de times brasileiros, que tal?
— Você pode fazer isso?
— É tudo uma questão de negociação... E dinheiro. A multa é alta,
mas há times que podem arcar com ela.
— Certo, depois vemos isso. Já temos que voltar?
— Podemos ficar mais algumas horas.
— Então vamos aproveitar!
Ela diz, me puxando para um beijo apaixonado.
E ali, distante da agitada Londres, eu soube que qualquer lugar no
mundo seria bom estando com a Olívia.
A música faz os
copos vibrarem.
Posso apostar que não há taças de cristal aqui, se houver estará em pedaços
em poucos segundos. As batidas fortes estão em nível quase ensurdecedor, é
isso ou perdi o costume de ouvi-las assim. As pessoas se aproximam para que
possam ser ouvidas, bocas e orelhas juntas, seguidas de risadas altas.
As mulheres enlouquecem com as batidas, independentemente das
letras. O que me leva a hipocrisia no Brasil que sentem repulsa pelo funk,
mas adoram música equivalente internacional. Se as pessoas se dessem o
trabalho de, sem saber inglês, dar uma olhadinha nas traduções de Hip Hop e
Pop em inglês não falariam tão mal do funk.
Mãos, mãos, mãos.
Mãos no copo, copo na mão. Copo na boca. Um, dois, três, trinta
copos de Whisky. Sério? Não, acho que não sei contar.
Dançar não é a principal característica de um jogador de futebol
inglês, mas eu sou brasileiro, graças a Deus, e por isso me jogo no ritmo que
tocar.
Brindes. Discurso. Música. Copos.
Laila?
Conversa, copos, música, risadas.
Cama!

Acordo com dor de cabeça, graças a Deus tenho o dia inteiro de folga
depois do jogo de ontem. A comemoração da nossa classificação para a
grande final foi a desculpa perfeita para conseguirem me arrastar para aquela
festa. O Souza e os outros jogadores do time preparam uma “despedida de
solteiro” adiantada, usando a comemoração pela final como desculpa. É
engraçado o nível de autoconfiança desse time, planejar festa na certeza da
vitória. Do meio da noite em diante, tenho apenas flashes, pois realmente me
permiti beber com os caras ontem. Estou em êxtase com todos os aspectos da
minha vida e me deixei levar pela felicidade.
Olívia voltou para o Brasil para retomar sua rotina, mas dessa vez,
além de saudade temos a esperança de estarmos juntos novamente muito em
breve. Nosso casamento seria em poucos meses e enfim, nossos dias seriam
completos de presença, abraços e muito sexo. Sexo não, amor. Olívia
ressignificou o ato de unir os corpos através da sua entrega e inocência. E no
momento não consigo enxergar nenhuma outra maneira de ser. Não sou mais
o cara que fode como uma máquina, sou um homem que faz amor. Claro que
há diversas maneiras, seja carinhoso e romântico como foi na casa em que
alugamos no interior; forte e selvagem como foi na manhã do dia em que foi
embora ou até rápido e com roupas, como foi no aeroporto, alguns minutos
antes da sua partida, sob o pretexto de pegar algo no carro... Não importa a
intensidade, é amor quando se compartilha com quem se ama.
E para comemorar esse amor e fechar de uma vez o ciclo do cara que
eu era, comemorei bastante na noite anterior com os meus amigos de time. A
festa foi para poucas pessoas e sem mídia, de qualquer forma eu liguei para a
Olívia assim antes de tomar o primeiro copo.

Descanso bastante durante todo o dia, pela manhã reversando entre a


piscina e o videogame. Almoço com a minha mãe e junto com ela, decido
assistir a um filme na sala de TV, durante tarde.
— Sinto falta de ter meu menino assim, no meu colo — minha mãe
fala, alisando meu cabelo. Estou deitado no sofá, com a cabeça em seu colo.
— Também sinto saudades, mas não sou mais um menino faz tempo,
mãe.
— Filhos não crescem para as mães, Arthur. Estamos sempre
preocupadas, vigiando e torcendo por nossas crias.
— Não precisa dessa superproteção, sou um homem crescido, daqui a
pouco serei chefe de família.
— Você está feliz, não é?
— Como há muito tempo não me sentia.
— Que bom, meu amor. Só acho tudo muito recente...
— Mãe, vai ficar tudo bem.
— Eu sei que vai — ela sorri.
Estranhamente, não encontrei Laila o dia inteiro.

Na manhã seguinte, tomamos café juntos, Laila, minha mãe e eu.


Antes de seguir para o treino, despedi-me das duas, elas voltariam para o
Brasil em algumas horas.
Se fosse possível, alteraria o mapa mundial, deixando o Brasil bem ao
lado da Inglaterra. Já que é impossível unir dois continentes em um só, tudo
que eu mais quero é que o tempo passe depressa.
Tenha calma, Arthur, ela logo será sua.
Um mês depois

P ositivo.
O teste de
farmácia atinge o chão e meu corpo desaba logo em seguida. Todos os meus
temores se confirmaram no exato momento em que vi que teste indicou que
eu realmente estava grávida.
Grávida.
GRÁVIDA! Observo o celular sobre a pia do banheiro e o teste no
chão e choro. São dois golpes certeiros na minha cabeça oca, nessa tarde de
sábado. Minha vida íntima espalhada pela internet e a descoberta de um filho
não planejado, tudo de uma vez, o que pode ser pior que isso?
O resultado explica as náuseas matutinas, a sonolência que se estendia
por horas do meu dia, as minhas alterações de humor e principalmente o meu
ciclo menstrual atrasado. Tentei atribuir todos esses sintomas ao estresse na
escola, bem como a faculdade e toda a zona em que minha vida estava
metida. Aliado a isso, havia ainda as fofocas diárias ocasionadas pelo meu
relacionamento com o Arthur. O meu noivado repentino com o craque do
futebol tornou-se o assunto principal nas rodas de fofoca.
Eu abominava toda essa repercussão e evitava ao máximo o uso das
redes sociais. O que não impedia que postássemos fotos juntos, trocássemos
mensagens apaixonadas, afinal éramos apenas mais um casal apaixonado
externando seu amor. Ao menos deveríamos ser... Mas, como meu namorado
era uma figura pública, a nossa vida era acompanhada feito uma partida de
futebol. Com direito a torcida organizada, intitulada Olar, o péssimo
resultado do nosso romance shippado, na qual milhares de pessoas torciam e
brindavam o nosso romance. Mas havia também os adversários, aqueles que
debochavam, e questionava o nosso amor.
E para esses últimos eu não amava na mesma medida que o Arthur.
Afinal, era mais fácil amar um homem lindo e milionário do que uma pobre
coitada, não é? E eu os alimentei quando respondi o primeiro comentário
maldoso, desse dia em diante, eles perceberam que as críticas me atingiam e
elas aumentaram numa proporção gigantesca. Precisei ceder aos apelos de
Arthur e deixei que Pâmela, gerenciasse as minhas redes sociais. Pois, era
uma batalha perdida lutar contra a opinião alheia e desgastante para a sua
imagem, afinal eu era chamada de noivinha arisca. Ela filtrava e apagava os
comentários ofensivos, já que era salutar para a nossa relação que eu não me
envolvesse em polêmicas.
A maioria das notícias apontava e tentava solucionar onda de
questionamentos sobre o noivado surpresa. As manchetes sensacionalistas
destacavam nossa relação e relatavam em tom especulativo qual era o real
motivo do nosso noivado... Na concepção deles, o amor não era uma
possibilidade para tanto, era mais fácil inventarem mil teorias vendáveis.
Mesmo sob o gerenciamento da assessora do Arthur, não contive o
ímpeto ao ler a notícia publicada hoje pela manhã, em um famoso blog de
fofoca. Nela, me apontavam como a jovem de aparência angelical que
seduziu o craque do futebol e agora usava da virgindade como o trunfo para o
casamento. Eu me sentia pisando em brasas, meu corpo começava a arder, a
cada palavra lida, a sensação era que ao fim do texto eu estaria em chamas.
VIRGEM! DESCOBRIMOS O REAL MOTIVO PARA O
NOIVADO REPENTINO DO BADALADO JOGADOR DE FUTEBOL
ARTHUR SILVA
Prepara a pipoca, pois a notícia é quente!
Há um tempo estamos tentando montar o quebra-cabeças do curioso
caso de amor envolvendo o jogador de futebol Arthur Silva e a sua
namorada, a universitária Olívia Santos. Amigos mais próximos garantem
que a relação não era bem vista pelos olhos da mãe do jogador.
O motivo?
A ausência de pedigree da garota. Olívia nasceu e cresceu no
subúrbio carioca. Até aqui, encontramos pontos de semelhança com o
jogador e sua família. A diferença é que a ascensão social do mesmo o
arrancou das raízes suburbanas ao contrário da sua namorada. A família da
mesma é simples e sobrevive com o salário de professora auxiliar da Olívia e
os proventos da sua mãe que atualmente dedica-se a confecção de roupas no
seu pequeno ateliê e às vezes, para complementar a renda, atua como
diarista. Além do irmão da garota, que é professor. Ou seja, a menos que
eles ganhem na mega da virada, a chance de ascensão social é mínima.
Todavia, por que depender da sorte para enriquecer quando o
casamento é o caminho mais rápido? Na recente história do nosso país, já
presenciamos diversos enlaces que proporcionaram tal ascensão. É rápido,
benéfico e uma opção certeira para amarrar o companheiro. Se você
agregar um filho a esse enlace então? A vida dessa mulher está garantida
pelo resto da vida.
Por isso, não ficaríamos surpresos se dentro de alguns meses o
jogador anunciasse que seria pai. Entretanto, isso parece cada dia mais
longe, ou parecia, é bem verdade. Visto que a última nota publicada pela sua
assessoria confirma o noivado. As especulações que tivesse um baby a
caminho caíram por terra, quando a nossa equipe recebeu uma ligação
informando que a Olívia Santos é virgem!
Pasmem, leitores! Virgem! O que nos fez questionar essa informação,
afinal que tipo de mulher é virgem nos dias atuais? Que mulher mantém um
relacionamento amoroso com um dos homens mais belos do nosso país sem
que o sexo seja a força motriz? Talvez uma mulher esperta o suficiente para
garantir o casamento, contrariando todas as expectativas.
Pois, bem Olivia Santos é essa mulher. A mulher com rosto angelical
que caiu nas graças do máquina mortífera, mesmo sem nunca ter
frequentado a sua cama. Checamos a informação com familiares e antigos
parceiros e todos confirmaram que a notícia é verídica. Olívia Santos é
religiosa e acredita nos preceitos aprendidos na Igreja onde o sexo deve ser
apenas consumado após o casamento.
Arthur está disposto a pagar esse preço e, segundo as nossas fontes, a
cerimônia de casamento está prevista para o fim do campeonato inglês. Se o
casamento vai ser duradouro ou não, só o tempo dirá. Mas que a moça é
esperta, ela é!
Meus olhos ardem, na minha luta para não me desfazer em lágrimas.
Cada palavra ali escrita me atinge feito flechas direto no meu coração.
Rodando feitos abutres em torno da caça, eles expuseram a minha vida íntima
e transforaram algo particular em um grande circo midiático. A minha
integridade estava sendo questionada e atacada. E as suas fontes? Meus ex-
namorados foram desenterrados para confirmar a notícia. As minhas amigas...
Será que elas também alimentaram esse texto? Não sei mais em quem
confiar...
Meus dedos batem freneticamente contra o teclado enquanto redijo a
resposta:
Sim, a moça é muito esperta. Esperta o suficiente, para saber que
calúnia e difamação são crimes previstos pela nossa legislação. Quanto aos
seus questionamentos, eu poderia me posicionar sobre essa notícia de
diversas formas. Como mulher suburbana, muito bem elencada por você, eu
te diria que com quem eu fodo ou deixo de foder não diz respeito a você, caro
jornalista, a menos que você seja o meu eventual parceiro, o que realmente
não é o caso. Como noiva de um dos homens mais belos do Brasil, aqui eu
concordo com você, sim, meu noivo é além de um bom companheiro, filho,
amigo um dos homens mais lindos que eu já vi na minha vida. Nesse posto eu
posso assegurar que o amor que nutrimos um pelo outro é a única força
motriz que precisamos para estar juntos. E se você ainda duvida das minhas
palavras. Desejo que um dia alguém entre na sua vida e faça você questionar
as suas convicções e certezas, que esse alguém faça você se sentir único e
amado e que no dia que você se dar conta desse amor, que você lembre das
suas palavras e reavalie as suas expressões.
Clico em enviar e desligo o aparelho logo em seguida. Eu sabia que
havia tentado apagar fogo com gasolina e o resultado disso seria uma chama
tão grande que eu não era capaz de enfrentar nesse momento. Não quando o
mundo parece desmoronar ao meu redor.
Ergo-me com dificuldade do chão do banheiro e livro-me das roupas
enquanto caminho para o chuveiro. Quando as primeiras gotas de água
atingem a minha face deixo as lágrimas se juntarem a elas. Choro pela
descoberta da gravidez e suas consequências. Eu já estava sentindo na pele o
efeito da mídia desde o começo e se com apenas a especulação da minha
virgindade eles me atacaram dessa forma, imagina quando a gravidez for
anunciada. Já podia imaginar as manchetes e o tom maldoso e depreciativo
que estariam presentes em cada palavra do longo texto, questionando a minha
idoneidade e o meu amor.
Será que Arthur acreditaria na versão deles e me veria como alguém
que tentou dar o golpe da barriga? Eu deixaria de ser Olívia e me tornaria
apenas a mãe do filho do Arthur? E minha mãe como ela reagiria com a
notícia?
A minha cabeça é um turbilhão de pensamentos e é perdida neles que
adormeço, horas depois, na minha cama.

Fui acordada pelos meus irmãos somente na manhã seguinte. Estava


com uma dorzinha de cabeça chata, porque acabei pulando o jantar e
chorando muito, e quando eles entraram parecia que o mundo ia desabar.
— Oli você perdeu o jantar! — André me acusa.
— E a missa — Eduardo completa.
— E está quase perdendo o café da manhã. Levanta, mamãe mandou
te acordar — André me chacoalha.
— Estou indo, estou indo...
Eles correram quarto a fora enquanto eu tento limpar a minha mente,
sem focar em nenhum pensamento. Segui no automático até o banheiro e
quase gritei ao ver o meu reflexo. Bolsas inchadas embaixo dos olhos, que
por sua vez estavam vermelhos e pequenos, cabelo desgrenhado e palidez
formavam uma verdadeira imagem de zumbi. Lavei o rosto, penteei o cabelo
e escovei os dentes. Esvaziei a bexiga e, depois de lavar as mãos, deixei o
banheiro e me arrastei até a sala.
Na mesa estão uma sacola com pão, margarina, açúcar, a garrafa de
café e a minha caneca. Os meninos não estão mais no cômodo, e a minha mãe
estava na pia lavando as xícaras que eles tinham usado. Abro a garrafa de
café e despejo o líquido preto na caneca, mas assim que o cheiro que sempre
gostei me atinge, meu estômago embrulha. Levanto e corro de volta para o
banheiro, tendo tempo apenas para levantar a tampa do vaso antes de
espremer meu estômago várias vezes sem de fato vomitar, porque não me
alimentei na noite anterior.
A sensação de impotência diante do meu corpo me faz lembrar de
tudo o que aconteceu na tarde anterior e acabo caindo no choro novamente.
Minha mãe se aproxima de mim, entrando pela porta aberta, me estendendo a
mão. Aceito sua ajuda e levanto, lavando as mãos antes de sair dali. Ela me
conduz até a cozinha, sem dizer nada, e quando eu me sento em frente à
mesa, ela põe um prato com bananas cortadas em rodela para que eu coma.
Em silêncio, coloco uma a uma as rodelas e mastigo devagar, dando ao meu
estômago tempo para se adaptar ao alimento. Ela me deixa sozinha e, no meu
tempo, como toda a fruta antes de levantar e ir enfrentar o que estou adiando.
No meu quarto, alcanço o celular e o ligo, fazendo uma prece para
que tudo não tivesse passado de um pesadelo. Quando o sistema operacional
do aparelho termina de iniciar, as notificações de chamadas perdidas
aparecem. Dez ligações do Arthur na noite anterior, cinco da Pâmela e mais
quatro ligações de números que não conheço. Nossa, começo a me arrepender
da resposta que dei aquele blog infeliz.
Toco na tela para retornar a ligação do Arthur, mas a chamada é
enviada direto para a caixa postal. Tento mais duas vezes e obtenho o mesmo
resultado. Só então lembro do jogo de hoje contra o Manchester City e
imagino que ele esteja concentrado com o time. Antes de retornar para a
Pâmela, decido ver o tamanho do problema antes de ouvir o sermão, por isso
busco o Instagram do blog que publicou a notícia sobre minha virgindade em
busca da bomba que a Pâmela teria que desarmar.
Não acho a resposta do blog e me pergunto se ainda não viram o que
escrevi, ou se fizeram o que eu deveria ter feito: ignorado. Mas antes de sair
daquele Ig, observo o feed de notícias deles e começo a criar uma nova teoria:
encontraram um assunto mais interessante.
MÁQUINA MORTÍFERA ATACA NOVAMENTE: LAILA
CAVALCANTE ESTÁ GRÁVIDA!

Parece que o jogo virou, não é mesmo? A digital influencer Laila


Cavalcante, ex-affair de Arthur Silva, está grávida e fontes asseguram que o
pai da criança é o capitão do Chelsea. Nós vimos que a morena estava em
Londres, na casa do jogador, recentemente e antes disso, na mansão em que
a mãe do Arthur mora quando o mesmo estava no Brasil.
A pergunta que não quer calar é: Olívia, a noiva arisca, vai aceitar
essa gravidez fingindo demência para a traição do jogador ou vai pular fora
do barco furado? Demorou para liberar o que o capitão queria, a outra
furou a fila, miga! Aguardando cenas dos próximos capítulos!
Paraliso depois de ler a notícia. Só podia ser uma Fake News, não é?
É impossível que eu e a Laila estejamos grávidas do Arthur ao mesmo tempo.
Não é? Ele não faria isso comigo. Não depois de me jurar amor, me fazer
confiar nele e entregar meu corpo, meu coração e a minha alma de bandeja.
Não, ele não faria. Mas, e se?
O celular começa a vibrar e tocar na minha mão, substituindo a
notícia falsa da minha tela, pelo nome e número da Pâmela que me liga em
uma ligação internacional.
— Oi, Pâmela.
— Oi, Olívia, tentei falar com você ontem e não consegui...
— Desliguei o celular, estava com... Dor de cabeça.
— Já conversamos antes, sei que é difícil para você e quanta dor de
cabeça causa, mas você chegou a conclusão que valeria a pena passar por isso
para ficar com o Arthur, não foi?
— Sim, eu sinto muito.
— Entendo sua raiva, Olívia, mas você não deve responder as redes
sociais, principalmente quando estiverem atacando você! É dar munição ao
inimigo...
— Desculpe por dificultar seu trabalho, mas passaram de todos os
limites ontem, publicar sobre minha vida sexual e questionar o meu amor,
tudo junto de uma vez, foi difícil. Quando vi, já tinha enviado.
— Eu sei, querida, é por isso mesmo que atacam com tanta força.
Esse tipo de blog e site só ganha repercussão se forem vistos e quanto mais
mexemos, mais visto eles são.
— Não sei como consegue trabalhar com isso, Pâmela...
— Vou considerar isso como um elogio.
— Acabei de ver uma outra notícia envolvendo o Arthur.
— Ia chegar nesse assunto agora. Ele tentou falar com você ontem,
mas não conseguiu. Estou tentando contornar essa história para que todos
saiam com menos danos possível. Vou manter Laila longe da imprensa!
Ouço o que ela diz emudecida. Dizer que vai “contornar essa história”
não é o mesmo que dizer que ela seja falsa, é quase assumir que ela é
verdadeira, mas vão colocar panos quentes. É isso que farão com a minha
gravidez também?
— Olívia, pelo bem da imagem do Arthur, se mantenha afastada das
redes sociais até a minha segunda ordem, tudo bem?
— Certo...
— Preciso desligar, entre em contato comigo se precisar de qualquer
coisa — ela diz e desliga logo em seguida.
Tento mais uma vez entrar em contato com o Arthur, mas é óbvio que
não consigo retorno. Tento enumerar os motivos pelos quais confio nele, mas
são os motivos pelos quais eu devo ter me enganado saltam em minha frente.
Ele é rico, lindo, pode ter qualquer mulher e já conseguiu o que queria
de mim. Sou arisca, prejudico sua imagem e não sei me comportar
socialmente. A mãe dele prefere a Laila. A Laila está grávida. A Laila está
grávida de um filho do Arthur.
Qualquer outra coisa que eu diga ou pense não faz mais o menor
sentido.
N ão tive forças para
levantar da cama e
ir a faculdade. O choque dos últimos acontecimentos havia sugado as minhas
energias. Eu atualizava a cada minuto a aba do principal canal de fofoca que
noticiou, em primeira mão, a gravidez da Laila, nutrindo a esperança de uma
nota desmentindo, mas tudo que eu encontrei foi uma nota da assessoria do
Arthur:

"Sobre as notícias replicadas pelos canais de imprensa, optaremos


pelo silêncio. A postura do atleta Arthur sempre foi reservada sobre a
sua vida pessoal e assim continuará sendo. Reforçamos mais uma vez,
que cabe apenas as partes envolvidas a resolução dos fatos. Sem mais
para o momento.
Pâmela Soares,
Assessora de Imprensa”

O que eu mais temia aconteceu, a nota oficial publicada pela sua


assessoria não negava a confirmação da paternidade. Essas quatro linhas,
apenas confirmam as minhas dúvidas: existe mesmo a possibilidade de
Arthur ser o pai. E pelas minhas contas a Laila engravidou no mesmo período
que estive em Londres. Arthur me traiu dentro da sua casa, enquanto eu
dormia a alguns metros de distância.
A ausência de resposta de Arthur era justificada, a próxima disputa do
Chelsea ocorreria numa cidade afastada da capital, a essa altura ele já estava
na estrada. Ao menos esse era o plano inicial, não sei se com a paternidade
repentina ele alterou os seus planos.
A constatação da verdade aumenta ainda mais a minha ânsia. É
sórdido demais, constatar que ele levou a amante para a sua casa enquanto a
sua namorada estava ali hospedada. É doloroso demais constatar que
enquanto o acesso a minha cama foi negado, Arthur encontrou nos braços de
Laila o seu prazer, o sexo fácil e garantido. Quantas vezes eles não riram
juntos da minha cara? Eu era a pateta apaixonada e virgem.
E o pedido de noivado? Como eu fui burra em acreditar que ele
realmente desejava construir uma família comigo. Sendo que tudo que ele
mais queria era um ingresso para a minha cama e a idiota aqui proporcionou
o mesmo, dando a ele total acesso ao meu corpo, pois o meu coração já era
dele.
Meu estômago embrulha e corro até o vaso para despejar o café da
manhã na privada. Expilo até não restar nada dentro da mim, quando dou
descarga posso garantir que toda a minha esperança foi para o ralo.
— Pensei que não fosse trabalhar... — Minha mãe informa quando
apareço na cozinha com o uniforme da escola. Um banho longo e corretivo
para esconder as olheiras foi a minha tentativa de maquiar a minha aparência
de desânimo.
— Estou me sentindo melhor — Minto. Afinal, não poso me dar ao
luxo de ficar em casa, um dia afastada do trabalho, significa um dia
descontado no salário no fim do mês.
— Sente para almoçar, fiz frango grelhado e arroz branco.
A menção a comida faz o meu estômago se contorcer.
— Acho que vou ficar apenas no suco — Aponto para a jarra de suco
de maracujá em cima da mesa.
— Suco não é alimento, Olívia.
— Eu sei, mãe...
— Espero que você também saiba que pode confiar em mim. Sou sua
mãe e estarei sempre ao seu lado — Suas palavras rompem a barreira de
lágrimas que eu luto para conter.
— Eu sinto muito...
— Não sinta, meu amor... — Ela me abraça — Filho é uma benção
em nossa vida.
— Não era assim que eu pretendia construir a minha família — meu
corpo treme em meio ao choro incessante — Como vou concluir a minha
faculdade?
— Não adianta sofrer antes da hora. Tenho certeza que o Arthur será
um excelente pai.
— Ele não sabe e a senhora irá me prometer que não contará nada a
ninguém, principalmente a ele.
— O filho é dele, não é? — Ele busca confirmação nos meus olhos.
— Sim. Mas não sou a única mulher com um filho dele na barriga. A
Laila também está grávida.
— A mulher que acompanhou a mãe dele na viagem? Eu me recuso a
acreditar que Arthur tenha traído você com aquela mulher. Não enquanto
estávamos sobre o mesmo teto.
— Eu queria ter a mesma certeza mãe. A própria Laila postou na sua
rede social sobre a gravidez, os tabloides não falam de outro assunto e tudo
que o Arthur fez foi postar uma nota através da assessoria informando que
não se pronunciará. Se fosse mentira ele já teria negado...
— Olívia, você precisa se manter calma, estresse não fará bem a você
nesse estado.
— Mais calma? — Meu tom de voz se eleva — A minha vontade é
contribuir com esse circo armado, revelar a todos que também estou grávida e
deixar que eles juntem as peças. Queria que ele sofresse com o peso das suas
ações.
— Não haja com a cabeça quente. Pense, nessa criança que você
carrega aí dentro.
— É somente nela que penso, por isso o meu silêncio. A senhora sabe
o que a Pâmela me disse quando perguntei sobre a Laila? — Ela nega com a
cabeça — Que irá manter a Laila longe da imprensa, silenciá-la, evitar que a
notícia prejudique a imagem do Arthur. Tenho certeza que para manter
intacta a sua imagem de bom moço eles são capazes de oferecer dinheiro,
entrar em acordo. Não seria a primeira vez que uma mulher seria ‘subornada’
para se manter longe da mídia. Eles podem fazer o mesmo comigo. Sou o
lado mais fraco da balança.
— Exatamente por isso, você sabe que precisamos de dinheiro. Uma
criança gera gastos, consultas médicas, enxoval, fraldas...
— Daremos um jeito! — ela abre a boca para protestar, mas prossigo
— Sempre demos um jeito, já passamos por situações mais adversas. E
espero contar com o seu apoio mãe, ainda que não concorde comigo.
— Conte comigo, meu amor. — Ela acaricia a minha mão — Não
podemos ter dinheiro, mas temos amor de sobra e ele ou ela — aponta para a
minha barriga — receberá em abundância esse amor.
— Eu não tenho a menor dúvida disso. — Sorri.
— Seu pai ficaria orgulhoso da mãe que você será — ela diz
emocionada — Tenho certeza que onde ele estiver
As lágrimas que molham o meu rosto, dessa vez, não são de tristeza,
mas sim de felicidade. A lembrança do meu pai aquece meu coração e me dá
a força que preciso para enfrentar essa tempestade. Meu filho seria amado e
isso dinheiro nenhum é capaz de comprar.

— Boa tarde, professora Olívia — Renato, pai da Laurinha, me


aborda saída da escola e a minha esperança de chegar em casa mais cedo
desaparece naquele segundo.
Após o episódio de atraso envolvendo a sua filha, a menina de gênio
dócil e alegre, passou a apresentar comportamento adverso, ela chorava maior
parte do tempo e não interagia com as crianças. Isso acabou afetando o seu
rendimento escolar e principalmente o seu estado de espírito por isso
solicitamos a presença dos responsáveis pela criança para juntos
encontrarmos uma maneira de enfrentar a situação.
— Boa tarde — Respondo.
— Eu sei que estou atrasado...
— Mais uma vez — Pontuo — Imaginamos que o senhor não viria
mais, a professora Dagmar já foi embora e eu estou de saída. Podemos
marcar para amanhã?
— Eu não sou um homem relapso, embora o meu histórico aponte
para isso. — Ele se explica.
— Eu não disse que era...
— Você já teve um dia de cão, Olívia? Daqueles que você se
arrepende amargamente de ter saído da cama quando o despertador tocou, e
você passa cada hora do dia desejando com todas as suas forças voltar para a
sua cama, fechar os olhos e esquecer desse dia? — Assinto com a cabeça,
pois sei o que é exatamente essa sensação — Esse foi o meu dia hoje.
Acordei com o pé esquerdo, me envolvi em um acidente de carro pela manhã,
para completar esqueci o celular e a carteira em casa, precisei pegar um táxi
para chegar a tempo de uma reunião importante, pedi dinheiro emprestado
com um amigo e precisei de carona para chegar até aqui — Ele despeja todas
as informações e vejo o peso das palavras no seu corpo, o cansaço
evidenciado pelas olheiras, o maxilar rígido, os ombros caídos... — Desculpa
o desabafo, você já estava de saída — Renato completa um tempo depois —
Amanhã retornarei no horário combinado.
— Dez minutos — ele me encara surpreso — O senhor teve todo esse
trabalho de vim até aqui... Também tive um dia ruim, ajudar a Laura
equilibrará esse nosso dia de cão.
— Obrigado. Será que posso te pagar um café ou qualquer coisa que
custe menos de vinte reais? — Ele puxa a nota amassada do bolso e sorri
desconcertado.
— Pensei que conversaríamos aqui na escola...
— Merecemos um café depois desse dia e nada dessa garapa servida
aqui — aponta para a escola — eu achava que o meu café era ruim até
experimentar o da sala da coordenação — Ele confessa sorrindo. Um riso alto
que ecoa alto, noto seu semblante se modificar, o homem cansado é apagado
e surge um homem alegre, com uma energia pulsante que domina o ambiente
ao seu redor.
— Ok! — Concordo — Tem uma padaria a algumas quadras daqui,
vamos?
— Claro! Só me deixa te ajudar a carregar essa pasta — Diz pegando
dos meus braços a pasta com os cadernos dos alunos para correção.
— Não precisa — tentando reaver a pasta da sua mão, mas ele recua
— estou acostumada a carregá-las.
— Onde estou, mulher nenhuma carrega peso.
— Obrigada... — Sorrio.
Terminar o meu dia numa padaria ao lado do Renato não era
exatamente como eu havia planejando. Meu plano era chegar em casa o mais
rápido possível e tentar entrar em contato com Arthur, queria ouvir da boca
dele a verdade. Todavia, precisei adiar por um bom motivo, minha aluna.
Renato guia-me até uma das mesas dispostas ao centro da padaria. Ele
é gentil e puxa a cadeira para eu me sentar. Fazemos nossos pedidos, ele pede
um café preto sem açúcar e decido testar o meu estômago e opto por um café
com leite.
— A Laura não foi a escola hoje, aconteceu algo? — Indago
— Minha mãe não conseguiu convencê-la a ir — Ele diz depois de
beber em um longo gole, metade do seu café — Acredita que ela derrubou de
forma proposital suco no uniforme?
— Sim! — Sorrio, era uma tática muito utilizada pelo André para não
ir à escola, costumava deixar cair acidentalmente comida, suco no uniforme
escolar tudo para não ir a escola. Mas, as suas birras não amoleciam o
coração da minha mãe.
— Minha mãe até chegou a vesti-la com outra blusa, mas ela se jogou
no chão aos berros e o coração de vó falou mais alto. Sei que não é assim que
lida com uma criança, mas depois de tudo que ela passou... — Seu olhar
vaga para longe, como se estivesse vivenciando algo — O divórcio não
trouxe apenas impacto na minha vida, ele refletiu diretamente na minha filha,
e por mais que eu tentasse poupá-la, ela presenciou as nossas brigas...
A informação me pega de surpresa. Estava atribuindo apenas a
mudança abrupta da Laura ao atraso dos pais em buscá-la na escola, agora
tudo fazia mais sentido. A separação dos pais é sempre difícil para a criança,
ela demora a compreender que por mais que seus pais não estejam mais
juntos, eles permanecem exercendo o papel de pais.
— Até cheguei a marcar uma psicóloga infantil, mas a minha esposa,
ex-esposa — corrige-se rapidamente — mentiu ao dizer que compareceu as
sessões... Eu não me isento da culpa, deveria ter estado mais presente..., mas,
estou tentando consertar as coisas, amanhã a levarei na primeira consulta.
— A sua filha é uma criança doce e amável.
— Eu sei, por isso estou preocupado com as suas alterações de
humor. Somente nessa semana, ela mordeu dois amiguinhos no playground,
chorou compulsivamente e todos os dias inventa uma desculpa para não ir a
escola.
— Não sou psicóloga, mas a minha vivência em sala de aula indica
que é natural. Todas essas mudanças alteraram o seu comportamento
habitual, após o incidente do atraso, ela passou a associar que estar na escola
é correr o risco de ser esquecida. O mais importante é fazê-la novamente se
sentir segura na escola, você poderia buscá-la dez minutos antes do previsto,
isso ajudaria a fortalecer a crença que ela não será mais esquecida.
— Como pai questiono todos os dias as minhas decisões e atos pois
sei que eles afetam a Laura. Será que agi correto ao dar um fim numa relação
insustentável? Será que na tentativa de evitar que a minha filha sofresse eu
não ocasionei ainda mais dor? — Seus olhos estão marejados — Talvez eu
devesse ter tido mais paciência, tornando essa ruptura mais gradual...
— Não se culpe — Levo a minha mão até a sua, num ato
inconsciente, para acalentá-lo e o gesto me pega de surpresa. Recuo no meio
do caminho, mas meus dedos tocam a sua mão. — Não tenho filhos, mas sei
que os pais sempre agem tentando acertar, querendo proporcionar uma vida
melhor para os seus filhos.
— Agora entendo o amor da minha filha por você. Dez minutos ao
seu lado e eu esqueci completamente do meu dia ruim. Obrigado por ter me
escutado.
Ele toca a minha mão sobre a mesa e dessa vez não recuo. O toque
inesperado é um afago a minha alma cansada.
— Não foi nada...
— Claro que foi — insiste — Talvez seja natural para você escutar os
desabafos dos pais..., mas, eu não sou um desses pais que desabafam seus
problemas para a professora da sua filha. Embora o que fiz hoje dê essa
impressão — Ele sorri — Sou um homem de poucas palavras e estar ao seu
lado, fez com que eu me sentisse confortável para falar da minha vida.
— O senhor...
— Sem o senhor. Me sinto um velho caquético.
— É força do hábito. Como eu ia dizendo, você pode contar comigo e
toda a equipe pedagógica da escola para ajudá-lo nessa fase.
— Obrigado mais uma vez. — Ele fita-me longamente e desvio o
olhar.
— Preciso ir para casa. — Informo.
— Eu te deixo em casa.
— Realmente não precisa. Além do mais você está sem a sua carteira
— Lembro do detalhe.
— De toda forma precisarei pegar um táxi até a minha casa, apenas
pensei que poderia incluir a sua casa no meu caminho.
— Eu não quero atrasá-lo, a Laura deve estar te esperando.
— Ela está com a minha mãe, aquelas duas juntas e eu viro um mero
coadjuvante. Não quero parecer insistente, mas a menos que você apresente
uma objeção, insisto em deixá-la em casa. Deixe-me tornar seu dia melhor,
assim como você tornou o meu nesse fim de tarde.
— Ok — Estou cansada demais para contestar.
Quando entramos no táxi, tenho a estranha sensação que estou sendo
observada.
D
A vida tem dessas. Em um minuto tudo está na mais perfeita ordem e no
minuto seguinte seu mundo começar a ruir sob seus olhos, sem que você
o céu ao
inferno.

consiga contê-lo.
Numa semana estou recebendo felicitações pelo o meu noivado e
semanas depois estou sendo bombardeado pela notícia que serei pai. Se essa
paternidade estivesse sendo atrelada a minha noiva eu estaria soltando fogos
de artificio. Tudo que eu mais queria era constituir família com a Olívia, ver
nossas cópias correndo pela sala de estar, levá-los ao estádio, me fantasiar de
Papai Noel no Natal apenas para ver o sorriso de felicidade na cara dos
nossos filhos. Sim, com Olívia eu quero ter uma escolinha de futebol. Sempre
lamentei por não ter irmãos, invejava meus amigos por ter uma família
numerosa. Eu jamais fugiria da paternidade, não se realmente eu fosse o pai
da criança em questão.
O pior de tudo é que acho que as acusações de Laila não são
completamente infundadas. A minha despedida de solteiro é um borrão na
minha mente, recordo dos meus amigos, das múltiplas doses de tequila, das
dançarinas da boate, da Laila surgindo em determinado momento e de mais
nada. Acordei no dia seguinte pelado em minha cama e com uma puta
ressaca. Não havia quaisquer resquícios que Laila ou qualquer outra mulher
esteve no meu quarto naquela noite. Apenas a dor de cabeça numa potência
hard e uma indisposição matutina, sintomas normais de uma ressaca.
Por isso, joguei a informação para escanteio. A última vez que uma
mulher esteve na minha cama foi muito antes da Olívia aparecer em minha
vida. Não havia tido nenhuma mulher na minha vida após ela. E eu estava
muito bem com isso.
Ainda não sei o que levou Laila a jogar a informação na imprensa
antes de conversar comigo. Se passamos realmente a noite juntos, nessa
maldita despedida de solteiro, ela deveria ter me procurado, e não jogado a
bomba sem que eu tivesse chance de desarmar. Sempre tivemos uma boa
relação, ela conhece a minha família e a minha integridade, eu jamais iria
fugir das minhas responsabilidades, ainda que isso significasse magoar a
Olívia.
Não fazia sentido ela me acusar de algo que posso contestar
facilmente com um exame de DNA. De qualquer forma, Pâmela estava à
frente da situação tentando encontrar a Laila, para solucionar o quantos antes
esse imbróglio. Mas, misteriosamente ela sumiu do mapa, entretanto ela não
iria fugir para sempre. Por ora, toda a minha preocupação está com a
Olívia, era óbvio que ela iria se sentir traída com toda a exposição da mídia.
Que as outras pessoas duvidassem do meu caráter, ok. Mas, não a Olívia.
Não, quando eu havia dado provas o suficiente do meu amor.
Caminhei até o bar e me servi de uma dose de Whisky, mesmo
sabendo que não devia, bebida tornaria o dia mais fácil.
— Finalmente! — Deixo escapar quando Olívia atende a minha
ligação — Passei horas tentando falar com você, onde esteve?
— Trabalhando. — O tom da sua voz é frio.
— Como você está, amor?
— Como você acha que estou, Arthur? — ela devolve a pergunta com
pesar.
— Eu imagino o quanto deve estar sendo difícil... Daqui a pouco
surge outro escândalo e eles esquecerão...
— É assim? — Sorri amargamente — Uma mulher informa que você
será pai e você torce para que um novo escândalo encoberte a notícia?
— A forma que você fala me faz parecer um canalha! — Rosno e ela
permanece em silêncio — Olívia, você não acreditou nas notícias.
— Como não acreditar? Eu vi aquela mulher surgir nua na sua casa,
observei os funcionários tratá-la com tamanha naturalidade que parecia que
ela era a dona da casa. E coincidentemente ela aparece grávida após ficar
hospedada na sua casa. Não subestime a minha inteligência!
— Como você pode duvidar do meu amor?
— Como você quer que eu acredite no seu amor quando uma mulher
grita a quatros quantos que você é o pai e tudo que você faz é publicar uma
nota através da assessoria que o assunto será resolvido em sigilo. Quanto
você pretende pagar pelo silêncio dela?
— Mas, que porra! — Atinjo o copo contra a parede — Olívia você
tem noção do que acabou de dizer? Eu não sou esse tipo de homem! Se
preferi resolver o assunto longe da imprensa foi para não trazer maiores
sofrimentos.
— Claro, a sua imagem como atleta deve ser preservada. Tenho
certeza que a pressão popular chegaria até as marcas patrocinadoras.
— Foda-se as marcas! — Esbravejo — Tudo que estou fazendo é
impedir que um assunto pessoal vire um grande circo.
— Arthur ponha-se no meu lugar, você em nenhum momento negou a
paternidade.
— Confia em mim, amor. Eu mereço um voto de confiança.
— Estou tentando, Arthur. Preciso desligar, amanhã tenho aula no
primeiro horário.
— Boa aula, te amo!
— Eu também. — Emite num pesar e encerra a ligação sem a
tradicional resposta: Não mais que eu!
Você não faz ideia de como eu me senti quando ela apareceu na tela
do meu celular e ao contrário do seu habitual sorriso, havia um rosto triste, as
olheiras indicavam que assim como a minha, a sua noite anterior foi
conturbada. Eu queria poder atravessar a tela do celular para abraçá-la,
dirimir todas as suas angústias com os meus beijos, adorar o seu corpo até
que o seu único pensamento seja o nosso amor. Queria poder tocar o foda-se
e fugir. Fugir das minhas obrigações com o clube, viver o nosso amor longe
de todos. Apenas ela e eu.
Pela primeira vez na minha vida cogito em dar uma pausa na minha
carreira. Seguir os exemplos dos astros excêntricos de Hollywood e se
esconder da mídia. Comprar uma casa em um lugar afastado, no litoral do
Nordeste, viver uma vida sossegada, sem o estresse das grandes cidades,
longe da mídia, desacelerar e apenas viver ao lado de Olívia. A ideia me
anima e me pego pesquisando no Google algumas opções.
Talvez não seja possível viver com todos os privilégios que tenho
hoje. Mas, eu havia ganho dinheiro o suficiente para viver uma boa vida,
tinha meus investimentos e tenho certeza que Olívia não se incomodaria em
viver uma vida mais simples. Poderíamos dar vida ao seu projeto de educação
popular. Um espaço voltado para alfabetização de adultos, eu teria mais
tempo para me dedicar a minha ONG. Ampliar o número de crianças
assistidas e auxiliar minha mãe na administração. Falar com Olívia torna o
meu dia mais leve e adormeço horas depois com a mente fervilhando de
ideias.
A caminho do centro de treinamento uma canção martela na minha
cabeça, ela apareceu na minha Playlist aleatória durante o banho e me pego
cantarolando novamente a canção.
Quando paro no semáforo vermelho, pego o celular e gravo um vídeo
de curta duração para o Instagram. Junto-me a voz da banda e canto a plenos
pulmões o refrão:

Eu não me separo de você mulher


Nem se a Globeleza um dia me quiser
Se na Mega-Sena eu vencer
Fico com você, fico com você
Se no Barcelona eu for camisa 10
Me cobrir de ouro da cabeça aos pés
Mesmo assim se isso acontecer
Fico com você, fico com você

Marco Olívia no vídeo e clico na opção compartilhar. Segundos


depois recebo os primeiros comentários, mas nenhum deles é da pessoa
endereçada. Meu celular vibra e por alguns segundos tenho a falsa sensação
que é Olívia ligando para elogiar os meus dotes de cantor e namorado
romântico. O painel informa que é a Pâmela, e o ânimo dá lugar a apreensão,
cada vez que ela me ligava antes do jogo era por que o assunto era inadiável.
— Qual a bomba da vez? — Vou direto ao assunto.
— Já chegou no CT? — Seu tom de voz é cauteloso.
— Não, estou a dez minutos...
— Eu retorno quando chegar lá. — Ela informa.
— Aconteceu algo com a Olívia? — Aperto os dedos ao redor do
volante sentindo o peso das minhas palavras.
— Não.
— Minha mãe?
— Eu ligo quando você chegar, Arthur. Está tudo bem com elas....
— Mas que porra Pâmela! — Esbravejo — Esse suspense vai me
matar antes que eu chegue ao meu destino final.
— É sobre a Laila...
— Ela finalmente deu as caras? Já agendou a data para
comparecermos a clínica para realizar o DNA gestacional? Não vou esperar
essa criança nascer. — Despejo tudo de uma vez.
— Acho que não será preciso...
— Não me diz que ela desmentiu o boato? — Respiro aliviado — Ou
melhor me diz que todo esse inferno acabou.
— Uma foto de vocês em um momento íntimo foi vendida para o
Celebrity Gossip.
Não sei se foi a menção ao momento íntimo ou nome do maior canal
de fofoca da sociedade londrina que me fez deixar o carro morrer. Paraliso na
avenida enquanto sou bombardeado por buzinas e xingamentos. A essa altura
os outros canais de fofoca estariam replicando essa tal foto. Tento enumerar
os motivos pelos quais eu não devo temer a tal foto.

1- Deve ser uma foto antiga da época que erámos amigos de foda.
2- Talvez não seja eu na foto, mas sim um homem parecido.
3- Laila não vazaria uma foto íntima minha.
4- Olívia não acreditaria em mais um maldito capítulo dessa
história ou acreditaria?

— Arthur, você ainda está aí? — Escuto Pâmela falar, mas não reajo.
— Ele não responde... — Ela fala para alguém do outro lado da linha. —
Arthur, é o Juan! — A voz do meu amigo parece me despertar.
— A foto! Me envia a porra da foto! — Coloco o carro em
movimento e paro no primeiro acostamento.
— Você ainda está no trânsito? Me manda a sua localização.
— Eu quero ver a porra da foto! — Exijo.
— Respira fundo, cara. — Segundos depois a notificação indica a
chegada de uma mensagem, bato no painel do carro com força, meus punhos
doem com o gesto, não consigo conter a raiva, célula por célula do meu corpo
arde tamanha a fúria que sinto.
Na tela aparece Laila sorri amplamente sentada no meu colo, os meus
braços estão ao redor da sua cintura, já havíamos tirado fotos assim, mas não
nessa ocasião. Não quando as mãos que enlaçavam a sua cintura exibiam um
anel de noivado.
— Arthur, fala comigo.
— Tem outras fotos? — Indago. Pelo seu ponderar, decido eu mesmo
ir em busca de mais informações. O feed de notícias e marcações que ignorei
mais cedo no Instagram leva-me a minha resposta. Há mais duas fotos: Laila
e eu dançando colados e outra nossa se beijando.

Clico no IG do Celebrity Gossip e sigo para a notícia.


Após os rumores que Laila Cavalcante, a digital influencer brasileira,
estaria grávida do astro do futebol Arthur Silva incendiarem as nossas
páginas. Temos mais um capítulo dessa história caliente. Tudo indica que o
bebê fora encomendado na despedida de solteiro do astro!
Sim, nem o Lúcifer escreveria uma trama melhor.
Segundo as nossas fontes, enquanto a noiva-virgem-corna Olívia
admirava seu anel de esmeralda e agradecia a Santo Antônio, santo
brasileiro casamenteiro, pelo casamento dos sonhos. Arthur encontrara uma
forma adulta de comemorar o noivado. Uma noite regada a álcool, amigos e
mulheres. E nada mais natural do que levar a sua melhor amiga para
comemorar a sua despedida de solteiro não é? Mais natural que isso, só se a
amiga em questão presenteasse o amigo com uma dança sensual, mãos
bobas, sorrisos, beijos estalados, o resto você já deve imaginar como
terminou...
Tentamos contato com a assessoria dos envolvidos, mas ambas não
retornaram o nosso contato. Se você ainda tem dúvidas, aconselho que
indague o banheiro onde ocorreu a festinha, garanto que ele relatará com
detalhes tudo que aconteceu.
No mais, desejamos felicidades aos papais.
Quanto ao noivado, até o presente fechamento dessa coluna, o
noivado continuava firme. O que é uma traição diante de uma conta
bancária de mais de oito dígitos ;)

Sinto todo o peso do mundo nas minhas costas. As fotos são da minha
despedida de solteiro, ainda que o borrão na minha mente não indique nada,
as imagens insinuam, na melhor das hipóteses, ou comprovam que algo rolou
entre nós naquela noite. Fecho os olhos e forço a minha mente a lembrar de
algum detalhe, o mínimo que seja. Mas, tudo que vejo são flashes dos meus
amigos sorrindo, Laila me puxando para dançar, eu tentando esquivar e nada
mais...
— Deixa que eu falo — Pâmela assume a conversa — Fica tranquilo,
estou a frente do assunto. Já acionei os advogados e eles estão trabalhando....
Desligo a ligação e disco para Olívia, o número não chega a chamar
cai direto na caixa postal. Tento mais uma vez e o som do correio eletrônico
dá lugar a sua voz.
— Amor, assim que ouvir essa mensagem me liga... — Hesito, o quer
dizer a mulher que você ama diante desses fatos? Não consigo concluir o
raciocínio — Por favor, me retorna! Te amo, nunca duvide disso!

Ando de um lado para o outro do centro de treinamento aguardando a


chegada do Juan. Digo ao treinador que estou indisposto, o que não é uma
completa mentira, a notícia e as fotos ocasionaram uma dor de cabeça forte.
Ele libera-me do treino e pede que eu passe na enfermaria, para conversar
com o médico do clube. Como se houvesse algum remédio capaz de aplacar
todo a tensão acumulada nas últimas horas.
A cada minuto que passa encaro o celular em minhas mãos, tento
mais uma vez ligar apara a Olívia, mas continua dando caixa postal. Quando
Juan aparece explodo de uma vez.
— Já estava eu mesmo indo bater na porta do presidente do clube.
— Para? — Seu tom de voz sereno, me irrita.
— Estou indo para o Brasil! E quero fazer as coisas do jeito certo,
quero a liberação do clube
— Você ficou maluco?
— Eu não te pago para questionar a minha sanidade — Rebato e
percebo que falei mais do que devia no calor da emoção. — Foi mal. —
Respiro fundo.
— Você tem razão — concluiu calmamente — Preciso acrescentar
essa cláusula ao nosso contrato. Pelo preço certo, jamais questionarei sua
sanidade.
— Desculpa. Estou puto com tudo que está acontecendo.
— Ir ao Brasil irá te ajudar a resolver o problema?
— Irá me deixar perto da Olívia e isso é tudo que eu consigo pensar.
— Você não lembra de nada do que ocorreu na despedida? — Ele
arqueia a sobrancelha.
— Não — balanço a cabeça — Será que eu fui dopado?
— Estávamos entre amigos, Arthur.
— Será? — Questiono — Um amigo não venderia aquelas fotos!
— Pode ter sido um funcionário — Dá de ombros — Os advogados
estão tentando descobrir.
— O que aconteceu naquela noite, Juan?
— Você bebeu, a Laila chegou e depois vocês desapareceram por
alguns minutos....
— Eu não acredito que fodi com a minha vida dessa forma! — Deixo
escapar o lamento — Eu estava feliz, havia acabado de pedir a mulher que eu
amo em casamento. Por que eu comeria a Laila no banheiro?
— Não sei Arthur... Talvez você tenha se deixado levar pelo
momento.
— Eu estou fodido! — Levo as mãos a cabeça— Eu não posso perder
a Olívia!
— Você não irá perdê-la. Ela te ama — ele bate no meu ombro —
vocês passarão por isso juntos, relaxa.
— Eu não tenho tanta certeza... Se fosse com você? Você acha que a
Pâmela te perdoaria?
— Não posso responder por ela, mas eu faria o possível para que ela
me perdoasse. Não deixaria que a nossa história terminasse sem tentar.
— Então você entende a minha urgência de ir até a Olívia. Eu preciso
olhar nos olhos dela, implorar, ajoelhar, suplicar se for o caso. Eu não posso
perder a mulher da minha vida!
— Eu vou te ajudar com isso, amigo. — O Juan era um cara de
poucas promessas, mas quando ele prometia algo ele não sossegava até
cumprir.

Tentamos a liberação com a equipe técnica do Chelsea, relatei ao


técnico os últimos acontecimentos e supliquei que eu fosse dispensado do
jogo de hoje para viajar até o Brasil. Apesar de se solidarizar com o meu
problema, ele negou a liberação, se coubesse somente a ele eu estaria
liberado. Mas, a hierarquia o impedia. Teríamos que ir até o presidente do
clube, Juan entrou em contato e conseguiu somente para amanhã a reunião.
Cogito a hipótese de infringir a regra, eu havia tentado a liberação, eu arcaria
com as consequências depois. Todavia, Juan me ajudou a pôr a cabeça no
lugar. Se a minha necessidade era falar o quanto antes com Olívia, era preciso
que eu estivesse comunicável nesse período e um voo de mais de dez horas
impossibilitaria isso. Ele tinha razão, o melhor a fazer era permanecer aqui.
Por isso, ele se colocou a disposição para ir até o Brasil e voltar com a
Olívia. Não era o que eu queria, mas era a coisa sensata a se fazer, tínhamos
dois jogos importantes a frente e a equipe precisava do seu capitão. Juan
voltaria com a Olívia, ele prometera e eu acreditava nas suas promessas.

Quando entrei em campo à noite, estava completamente


desconcentrado. Juan estava a caminho do Brasil, amanhã estaria em solo
brasileiro. Meus pensamentos estavam com a Olívia, até o horário do jogo as
minhas ligações não haviam sido atendidas e minhas mensagens continuavam
sem respostas. Liguei para sua mãe e a mesma me garantiu que a filha ainda
não havia chegado do trabalho, pedi que ela informasse para Olívia retornar
as minhas ligações assim que chegasse.
Ao fim do primeiro tempo, o técnico foi enérgico e cobrou a minha
atenção na partida, eu havia errado inúmeros passes, deixado escapar a
chance de abrir o placar, além de ter prejudicado a formação tática da equipe,
não voltando para marcar. Esse não era o meu estado habitual, era eu que
cobrava dos companheiros atenção e não o contrário.
Arquivei meus problemas e retornei para o segundo tempo mais
concentrado. Usei toda a raiva ocasionada pela mentira da Laila para atacar o
time adversário. Transformei a raiva em disposição e parti para o ataque. Um
a um, fomos ampliando a vantagem sobre o nosso rival, ao final do jogo
havíamos vencido por quatro a um, três gols meus.
Quando retornei para a casa ao fim do dia, a sensação que me
acompanhara era de derrota. A vitória dentro de campo não aplacou a minha
angústia, eu continuava sem respostas da Olívia e torcendo para que meu
amigo, tivesse êxito.
E stá tudo bem? — A
voz da
coordenadora me assusta, olho para atrás e a encontro recostada na porta do
banheiro dos professores.
— Sim. — Emito fracamente.
Jogo água no rosto e inspiro fundo. Apoio meus braços na pia do
banheiro e continuo respirando lentamente tentando acalmar todo o meu
corpo. As náuseas continuam a bater ponto. Dessa vez, precisei abandonar a
aula e correr para o banheiro. Todo o meu almoço estava no vaso sanitário.
— Água! — Ela estende uma garrafa de água mineral.
— Obrigada! — Agradeço e ingiro em pequenos goles o líquido
gelado.
Bebo mais um pouco de água e encaro o meu reflexo no espelho
manchado. Minha pele está pálida, marcada por manchas escuras ao redor
dos olhos e os fios estão revoltos. Passo as mãos pelos cabelos para ajeitá-los
e vejo a minha aliança, o vestido branco marfim que estou usando, a primeira
peça que encontrei no guarda-roupa, me deixou com a aparência da noiva
cadáver do desenho infantil.
Talvez essa seja eu. A mulher que vaga pela cidade com uma aliança
no dedo. Meu dia iniciou antes das cinco da manhã, o primeiro lugar que
estive foi o laboratório médico no centro da cidade. Paguei uma taxa de
urgência para receber o resultado no mesmo, queira pôr fim o quanto antes
nessa dúvida que pairava sobre mim. A noite eu já estaria com o resultado em
mãos e acabaria com essa angústia. Segui para faculdade e agora estou no
trabalho.
— Precisamos conversar Olívia! — Seu tom de voz é frio e uma
sensação ruim percorre todo o meu corpo.
— Vestirei o uniforme e seguirei para a sua sala.
— Não será preciso. — Responde.
Não questiono, devolvo a bolsa de costas ao ombro e sigo seus passos
apressados, algumas crianças começam a chegar na escola e o burburinho dos
pais se intensifica quando passamos por eles.
— Essa é a tal Olívia? — Escuto alguém perguntar, olho em direção a
voz e encontro uma mulher equilibrando-se em saltos finos, no rosto óculos
grandes e escuros, me encarando de braços cruzados.
— A mesma! — A mulher ao seu lado confirma — Ela é a professora
auxiliar do meu sobrinho.
— Ex-professora! Por que depois de hoje duvido que ela consiga
emprego em qualquer lugar.
O que ela está insinuando?
As suas palavras não fazem o menor sentido, por isso decido ignorá-
las. Caminho até a sala da coordenação e quando a coordenadora indica a
cadeira a minha frente. Sei que o assunto será longo.
— A figura do professor transcende o espaço escolar — assinto em
concordância — Não basta ser um excelente profissional, é esperado que ele
seja íntegro, um cidadão modelo, afinal a nossa maior missão como
educadores é ser ponte para a formação de cidadãos conscientes.
A coordenadora prossegue.
— Olívia, recebemos diversas ligações de pais de alunos a seu
respeito. — Presumo que ela esteja se referindo ao meu relacionamento com
o Arthur — Nos últimos dias a sua vida tornou-se assunto principal,
chegando a ofuscar a nossa tradicional semana do combate à fome.
A escola desenvolvia um projeto que consistia em arrecadas alimentos
para serem distribuídos na comunidade que cercava a escola. A estética da
cidade do Rio de Janeiro não permitia um completo afastamento das classes
sociais, ainda que as diferenças abissais existissem, dividíamos o mesmo
espaço geográfico. A escola frequentada por crianças de classe alta,
localizada num bairro nobre, possuía como adjacências uma comunidade. E a
nossa escola cuja linha de filosofia era formar cidadãos, desenvolvia diversos
projetos pedagógicos, dentre eles a campanha de combate a fome. As turmas
dividiam- se em equipes e numa disputa saudável todos eram incentivados a
arrecadar o maior número de alimentos. As famílias se envolviam nessa
competição, haviam mães que preparavam chá da tarde para arrecadar
alimentos, outras que ao invés de presente de aniversário optava por receber
cesta básica. O resultado dessa campanha eram toneladas de alimentos
arrecadados para serem distribuídos na comunidade próximo a escola. Uma
ação que mobiliza as famílias em prol das mais necessitadas.
— Durante muito tempo blindamos você a respeito do namoro a uma
figura pública. Como você deve imaginar o seu relacionamento gerou
diversos holofotes a nossa escola, as pessoas queriam saber mais sobre a
namorada do Arthur Silva... — Ela fala pausadamente e tenho vontade de
gritar e mandar ela ir direto ao assunto, sinto que estamos andando em
círculos e que a cada vez que avançamos, a saída parece cada vez mais
distante.
— Todavia, os últimos acontecimentos nos obrigaram a tomar uma
decisão muito difícil... — Ela respira fundo e eu repito o ato, sentindo o peso
do que vem a seguir — Lamentamos profundamente Olívia, você é uma das
melhores professoras que já tivemos e o seu futuro é promissor, mas... —
Sempre havia um “mas” — a sua conduta viola as normas da nossa escola e
infelizmente você não faz mais parte do nosso quadro de professores.
— Do que a senhora está falando? Serei vítima da mídia que
repercute notícias sem checar a veracidade dos fatos? — Defendo-me! — Eu
não posso ser penalizada por amar o Arthur.
— Não estamos fazendo isso, querida.
— Como não? — Questiono — A senhora mesma falou da pressão
dos pais.
— Você realmente não sabe do que estou falando? — Ela estuda meu
rosto por alguns segundos — Onde você esteve nas últimas horas, Olívia?
— Sai de casa muito cedo... Segui para a faculdade e desde as 12:30
estou aqui.
— Você não checou o seu celular?
— Não, acabei esquecendo-o em casa e só percebi na faculdade.
— Entendo...
— O que aconteceu? — Pergunto temerosa. Será que Laila havia
atacado novamente? E agora com imagens? Que fotos seriam essas?
— Acho melhor você mesma ver — Ela vira a tela do monitor em
minha direção.
Se eu não estivesse sentada teria desabado no chão.
Na tela ampliada aparece uma montagem de fotos do Renato e eu. Um
clique depois e uma foto nossa ampliada foca na minha mão tocando a sua e
nós dois sorrindo. O contexto das fotos é completamente distinto do que ela
sugere, não preciso ler a legenda para deduzir o que as fotos indicam.
— As suas fotos com o pai da sua aluna foram o estopim.
— É uma conversa entre um pai e uma professora nada além disso.
— Em um ambiente fora da escola? — Ela arqueia a sobrancelha —
Não estou questionando a sua moralidade Olívia, mas as mães sim. Durante
todo o dia recebi uma enxurrada de ligações, mães querendo a sua cabeça,
questionando a postura da escola diante do envolvimento amoroso da nossa
professora com um homem casado.
— Não há nenhum envolvimento! — Esbravejo.
— Não é o que as notícias informam e as mães acusam!
— Chame o Renato! Tenho certeza que ele assegurará que estou
falando a verdade.
A essa altura as lágrimas molham o meu rosto. Choro por mais uma
vez estar envolvida em uma rede de mentiras. Como eu iria arcar com as
despesas em casa? E grávida ainda mais? Como tudo fugiu do controle dessa
forma?
— Olívia, ainda que você esteja falando a verdade. A sua presença
hoje na nossa escola é insustentável. As mães ameaçam tirarem seus filhos da
escola. Há um abaixo-assinado circulando... Não podemos sentar e torcer que
tudo não passe de um blefe. Eu realmente sinto muito, Olívia.
— Eu posso me despedir das crianças? Por favor — Suplico.
— Sim. — Ela sorri — Elas te amam.

De noiva-virgem a noiva-virgem-corna-adúltera.
Esse é o meu novo título na internet.
Uma ascensão, segundo o comentário na minha última foto que
chegou a marca inacreditável de cinco mil curtidas. Cinco mil pessoas que
concordam com o título. A cada vez que o feed atualizava o número de
comentários crescia, a maioria deles ofensivos e grotescos.
A internet tornou-se terra sem lei ou pelo menos é isso que as pessoas
preferem acreditar. Elas escondem-se atrás de uma tela e despejam ódio e
acusações. Debatem e opinam sobre assuntos que elas desconhecem. Prova
disso é o número de notícias falsas, as chamadas Fake News, que invadem as
nossas telas segundo após segundo, as pessoas não se preocupam em checar
os fatos. Apenas querem compartilhar a notícia.
Sabe os comentários maldosos que a tia amargurada solta no almoço
em família? Pois bem, eles agora reverberam nas redes sociais. As pessoas
despejam preconceitos transvestidos de opiniões.
Clique após clique, vou tendo a real dimensão dos fatos. Assim que
cheguei em casa a primeira coisa que fiz foi ir em busca do meu celular,
encontrei o mesmo descarregado em cima da cama. Ligo meu notebook e
acesso o Instagram Web. As marcações no meu perfil me levaram a diversos
sites que me ajudaram a compor o quebra cabeça.
Um arrepio percorre o meu corpo quando constato que estive sendo
vigiada nos últimos dias. Toda a minha conversa com o pai da Laurinha foi
registrada. Há registros nosso na porta da escola, na padaria, entrando no táxi
até a foto dele se despedindo de mim na porta da minha casa. A sequência de
imagens insinua uma intimidade entre nós. Nossos sorrisos, o momento que
toco as suas mãos, ele abrindo a porta do táxi para mim, tudo foi fotografado
sobre diversos ângulos. As imagens associadas ao texto acusativo,
corroboram para que as pessoas acreditem no que veem, e para elas eu sou
uma filha da puta desprezível. Uma golpista que conseguiu prender o jogador
de futebol através do artifício da virgindade e que mantinha um
relacionamento extraconjugal com um homem casado.
Sou bombardeada por comentários e mensagens no direct. Todas elas
evidenciam o ódio das pessoas. A empatia existente quando eu era a noiva
corna desapareceu por completo agora que eu sou a adúltera. Os ataques não
são apenas verbais, há alguns que informam que se me encontrassem na rua
me agrediria, para eu aprender a respeitar homem casado.
As palavras parecem atravessar a tela, meus pensamentos são
nebulosos, não consigo processar toda a enxurrada de xingamentos e
acusações. Sintomatizo acusações, estou acuada diante delas, as minhas mãos
estão geladas, meu coração bate descompassadamente e minha respiração
ofegante atestam o meu estado de choque.
Abro uma nova aba na tentativa vã de me distanciar das acusações. Eu
não posso deixar que toda essa carga tóxica me domine. Abro minha bolsa e
retiro o papel do laboratório, nele contém um site e uma senha para ter acesso
ao resultado do exame. Sou um misto de sensações, o meu lado emocional
torce para que o resultado dê positivo, um filho me traria forças para
enfrentar toda essa situação, seria a minha motivação para não me abater.
Enquanto a razão, essa insiste em recordar que uma criança não serviria de
escudo para me proteger dos xingamentos, a chegada de um filho não faria
que meus problemas desaparecem, pelo contrário eles irão se amplificar.
Aperto enter e aguardo. A página carrega e solto a respiração quando
o resultado aparece na tela: Positivo. Não restava dúvidas. Um filho do
Arthur estava sendo gerado dentro de mim. Um pedacinho do nosso amor.
Eu precisava compartilhar com ele o quanto antes, dividir essa
notícia, uma boa nova em meio a tanta coisa ruim. Ligo o celular e espero ele
iniciar as funções, não queria perder mais um minuto. Iria compartilhar com o
Arthur. Disco o seu número, mas ele não atende, tento novamente e cai na
caixa postal.
Abro o WhatsApp e há diversas mensagens não lidas. A mais recente
é de um número desconhecido, a curiosidade fala mais alto, e é nela que eu
clico primeiro. No perfil sem foto, há apenas um link como mensagem.
Pondero alguns segundos com medo que seja vírus, mas sou vencida pela
mosquinha da curiosidade.
Um site em inglês surge, estou prestes a fechar quando as imagens
carregam. São fotos do Arthur e da Laila. Não, são mais que fotos! São
registros da traição. Arthur jurou que tudo não passara de um boato. E agora?
Agora que as imagens comprovavam os dois juntos! Ela sentada no seu colo,
a mão ao redor da cintura dela, as bocas coladas... Será que ele ia continuar
negando ou ia dizer a típica mentira masculina que foi comandado pela
cabeça de baixo?
Clico na opção do navegador para traduzir e as palavras passam a
fazer sentido, a minha surpresa se transforma em ira à medida que avanço na
leitura, a notícia debocha da minha ingenuidade e confirma o que tanto temia.
Arthur, fez juz ao seu apelido. Nosso noivado não foi o suficiente para que
ele tirasse seu time de campo, pelo contrário, ele aproveitou a defesa
desarmada e adiantou a marcação, e nos acréscimos marcou o gol. E fez
questão de dividir com o mundo o seu feito. Foda-se que eu estivesse na
arquibancada assistindo.
Que ódio!
Cerro os meus punhos para não extravasar a minha ira no celular. Não
posso me dar ao luxo de jogá-lo contra a parede! Disco novamente para o seu
número e a mensagem da secretária eletrônica dá lugar a sua voz. Tento a
Pâmela, mas ela também não me atende!
Não sei o que pensar. Talvez Arthur estivesse a caminho do Brasil,
na nossa última conversa ele mencionou que estaríamos juntos em breve,
talvez ele decidiu fazer uma surpresa. Todavia, isso não apaga que ele mentiu
esse tempo todo. Mentiu quando disse que não sabia da despedida, mentiu
quando alegou que eram apenas amigos comemorando, mentiu quando olhou
nos meus olhos e pediu que eu confiasse no seu amor. O que ele mais
mentiu? Será que ele realmente não era o pai do filho da Laila?
Não posso ficar aqui sentada e esperar. Necessito de notícias suas.
Preciso tentar entender tudo que está acontecendo. Imprimo o resultado do
exame e sigo atrás de alguém que pode me ajudar.

— O que você faz na minha casa? — A mãe dele faz questão de


mostrar que não está feliz com a minha presença. Todavia, a recíproca é
verdadeira. Ela é a última pessoa que eu posso contar.
— Acredite em mim, eu não estaria aqui se tivesse outra escolha. —
Rebato.
— A sua máscara finalmente caiu — Ela sorri — Eu sabia que essa
hora chegaria e você deixaria as garras escapar. Eu identifico de longe tipo
como você.
— Eu não vim até aqui para ser ofendida.
— O que te trouxe aqui, Olívia? Pensei que tinha vindo suplicar pelo
perdão do meu filho.
— Ele está aqui?
— Graças a Deus não! Meu filho está a quilômetros longe de você.
— Eu estou tentando falar com ele e não consigo.
— Por que ele atenderia as suas ligações? Você transformou meu
filho em chacota internacional.
— Aquelas fotos não representam a verdade.
— Será? Por que aos meus olhos as fotos trouxeram à tona todo o seu
plano diabólico em seduzir o meu filho e arrastá-lo até o altar. Você sabia que
o meu Arthur estava cego por você, a paixão dele iria transformar o
casamento de vocês na sua maior fonte de renda.
— Eu não sou uma golpista! — Rosno.
— Pode revelar querida! — Ela toca meu braço, mas eu me afasto —
Como você planejava manter a farsa? Seu amante iria com você para
Londres? Você contrataria ele como seu motorista para ficarem juntos sem
que ninguém desconfiasse?
— Tudo isso é uma loucura. Somente uma mente doentia pensaria
esse tipo de coisa.
— Por que a repulsa, Olívia? Você não estava disposta a perdoar a
traição do Arthur, tudo para não estragar os seus planos?
— Eu seria incapaz de trair o Arthur. Eu amo seu filho e por mais
que a senhora não acredite no meu amor, ele existe. E era em nome dele que
eu estava dando um voto de confiança para seu filho.
— Ele não precisa do voto de confiança de uma golpista! — Avanço
sobre ela num impulso — Vai me agredir? Bate bem aqui — aponta para a
face — A imprensa irá adorar saber que além de golpista você é agressora. Já
posso até ver seu rosto estampando as manchetes policiais, as algemas ao
redor do seu pulso. Não se preocupe querida, eu faria questão de pagar a
fiança no dia seguinte, afinal sou uma cristã. Mas deixaria você passar uma
noite atrás das grades, talvez assim você compreenda o seu lugar.
— Você é bem pior do que eu pensei.
— Você ainda não viu nada. Você não sabe como estou feliz em você
sair da minha vida. Eu não suportava mais ter que sorrir para a sua mãe jeca e
seus irmãos pobretões. Você ainda tinha uma chance, roupas caras e aulas de
etiqueta esconderiam seu lado suburbana, mas eles não. O DNA deles é de
pobre, nem o melhor banho de loja modifica isso.
— Talvez fale por experiência própria né? — Ataco — Olha só para
você Mirtes — aponto para a sua roupa de grife e joias caras — Você está
vestida do que há de melhor, mas isso não apaga a sua pobreza. Você é
pobre de espírito, é uma mulher sem princípios, nisso a minha mãe é
completamente oposta. Ela é uma mulher bondosa e íntegra, que soube criar
muitos bem os seus filhos. Disso a senhora não entende.
— Escuta aqui garota! — Ela segura no meu braço com força —
Você não ouse a questionar a criação do meu filho, entendeu?
— Solte meu braço! — Puxo braço, mas ela não solta continua a
pressão.
— Você não sabe tudo que passei até o Arthur chegar onde ele está.
Não sabe o que é levar seu filho para participar de diversas seleções de clubes
e ver uma a uma ele sendo dispensado. A cada não que o Arthur recebia, meu
coração endurecia. Todavia, eu continuei ao seu lado, incentivando, dizendo
eu um dia ele teria seu talento reconhecido e quando esse dia chegasse, por
mais que meu coração estivesse petrificado, tudo teria valido a pena. Talvez
no dia que você tiver seus filhos remelentos, você entenda o amor de uma
mãe pelo seu filho. Somos capazes de tudo para protegê-los. — Ela
finalmente larga o meu braço e as marcas dos seus dedos permanecem na
minha pele.
— Eu entendo — Mirtes me encara confusa — Ou o que você acha
que me trouxe aqui?
— Não vá me dizer...
— Estou grávida do Arthur! Lamento informar, mas estamos ligadas
para sempre. — Estendo o papel em sua direção — Você precisará lidar com
a minha família pobretona.
Uma salva de palmas, ecoa pela sala, ela bate palmas efusivamente
em seguida o seu riso junta-se ao som das palmas.
— Estou impressionada com a sua cara de pau! — Ela gargalha —
Você se revelou uma ordinária de primeira! Mas, sinto lhe informar que você
chegou atrasada na fila do golpe.
— Eu estou grávida do seu filho e por mais que você queira negar,
não há nada que se possa fazer contra os fatos.
— Assuma que foi derrotada Olívia e tire seu time de campo. Tenho
certeza que bem no fundo da sua alma, você sabe que é o correto a se fazer.
Laila está grávida do Arthur, há uma criança envolvida, aceite a derrota e saia
com a cabeça erguida.
— E quanto ao meu filho? Também há uma criança nesse lado da
balança.
— Vamos considerar a hipótese que realmente você esteja grávida e
essa criança seja do Arthur. O que você acha que irá acontecer?
— Ele irá assumir o filho... — Emito fracamente
— Disso eu não tenho dúvidas, meu filho é um homem honrado. Mas
termina aí. — Se tudo que você quer é um nome na certidão de nascimento
do seu filho e uma boa pensão alimentícia você receberá! Não é o que você
almejava arrancar do meu filho, mas é mais do que o que você ganha como
professora. Por falar nisso, soube que você foi demitida. Vou fazer um
cheque em adiantamento para ajudar na compra do enxoval — Ela segue até
a bolsa depositada no sofá e saca um talão de cheques — Acho que cinco mil
reais é um bom valor.
— Eu não quero o seu dinheiro.
— Deixa esse orgulho de lado. Pensa nessa criança, se ela realmente
for meu neto, não deixarei faltar nada, quanto ao dinheiro você jamais terá
que se preocupar. Eu quero proporcionar a ele, a mesma vida que meu outro
neto terá.
— A senhora acha que é assim? Que o dinheiro substitui o afeto?
— Amor não enche barriga. Você vai usar doses de amor para
comprar as fraldas?
— Eu tenho certeza que o Arthur pensa diferente.
— Ele pensa, é um homem de bom coração, tenho certeza que ele iria
querer os dois filhos juntos. Ele está radiante com a descoberta que será pai, a
essa altura Laila e ele devem estar planejando o casamento, dessa vez longe
dos holofotes. Laila acolheria seu filho com carinho, ela é uma mulher sábia,
não deixaria que esse detalhe interferisse na relação dela com meu filho.
— Eu não vou abrir mão do meu filho! — Abraço meu corpo, num
ato inconsciente de proteção.
— O que você acha que vai acontecer quando o Arthur descobrir que
tem um filho dele aí — Aponta para a minha barriga — Ele iria querer ter o
filho perto dele, qualquer juiz daria a guarda a ele, a nosso favor temos
dinheiro, boa vida e um bom antecedente. Já para você, querida. Você está
desempregada, acusada de se envolver com um homem casado, divide um
quarto com seus irmãos. Que condições favoráveis você tem a oferecer a essa
criança?
— Amor! Eu não posso ter nada em relação aos bens materiais de
vocês, mas não faltará amor a essa criança.
— Seu filho seria amado por nós também, com a vantagem de ter
oportunidade de frequentar excelentes escolas. Podemos pensar num acordo
que favoreça você financeiramente, dinheiro não é problema, Arthur seria
generoso com a mãe do seu filho.
— Eu não serei uma barriga de aluguel do meu próprio filho.
— Estou lhe apresentando opções Olívia. Você poderia visitá-lo nas
férias, você só precisa ser mais polida, não chamar a atenção da mídia.
— Estou farta desse mundo cheio de mentiras! Me recuso a encenar
um papel nesse mundo cheio de mentiras, manipulação e perseguição que é a
sua família. Quero criar meu filho longe de vocês!
— O que isso significa?
— Que se o Arthur quiser ser pai dessa criança ele será bem-vindo!
Mas, se tudo que ele tiver a oferecer for o seu dinheiro, não necessita me
procurar — Retiro a aliança do dedo e deposito na sua mão.
— Isso é um adeus?
— Eu sei a hora de tirar o meu time de campo...
Afasto-me e assim que chego na porta, desabo em lágrimas.
Agora era apenas meu filho e eu.
O i, mãe... —
Resmungo. Afasto o
celular para conferir a hora e vejo que passa pouco mais da uma da manhã no
horário local. Com certeza minha mãe deve ter esquecido do fuso horário.
— Acordei você, meu filho?
— Acabei de deitar — minto — aconteceu alguma coisa?
— Arthur, meu filho, eu queria tanto arrancar essa sua dor e passá-la
para mim. Eu vi as fotos...
— Não se preocupe mãe — tranquilizo — está tudo sendo resolvido.
— Agora que tudo veio à tona. Posso falar sem parecer ácida. Nunca
fui com a cara dessa mulherzinha, no fundo eu sabia que ela aprontaria. Fico
feliz que você tenha descoberto antes de subir ao altar.
— De que mulher a senhora está falando?
— Da Olivia, é lógico! Me surpreende ela não ter tentado o golpe da
barriga.
— Eu não vou admitir que a senhora trate a minha noiva dessa forma,
mãe! — Repreendo.
— Você ainda a defende? — Ela indaga furiosa — Depois de tudo
que ela te fez? Você realmente tem o coração do seu pai...
— Do que a senhora está falando, mãe? — Minha postura enrijece.
— Você ainda não sabe?
— Não sei o que?
— Perdão, meu amor — seu tom de voz é sereno — mas não se fala
de outra coisa aqui no Rio, achei que você já soubesse. Sinto muito por ser a
portadora dessa notícia.
— O que aconteceu com a Olívia? — Indago, temeroso.
— Ela foi flagrada com outro homem!
A ambiguidade da frase permite diversas interpretações. Ela pode ter
sido fotografada com um amigo ou algum parente distante, pode ser
montagem e... Não, ela não faria isso. A mídia é especialista em deturpar os
fatos, um ângulo específico e um beijo no rosto parece ser um beijo na boca.
— Isso só pode ser um engano, deve ser algum parente ou amigo...
— Infelizmente não é...
— Olívia me ama! Ela não faria isso comigo. — Digo as palavras em
voz alta para quem sabe assim eu me convença.
— Tudo indica que é o pai de uma aluna, um tal de Renato. Você
nunca ouviu falar nesse nome?
— Não! — Rosno.
Será que é o homem que flagrei babando pelas suas pernas em frente
à escola?
— Eu não sei compartilhar essas coisas da internet, se a Pâmela
estivesse aqui ela me ajudaria...
— O que falam desse Renato?
— Quase nada, sabemos apenas que Olívia é apontada como o motivo
do divórcio dele.
— Eu me recuso a acreditar.
— Eu imagino, querido.
— A Olívia me ama! Nós nos amamos, nada do que vivemos foi uma
mentira.
— Arthur... — A sua voz tem o tom de consolo, mas eu fico puto,
pois não preciso ser consolado. O que eu realmente preciso é que alguém
desminta a fake news.
— Tudo isso é uma grande confusão! Mais uma armação da mídia
para conseguir holofotes...
— Assim como a gravidez da Laila?
— A senhora já sabia?
— A Laila comentou que vocês estiveram juntos em Londres... Mas,
ela queria ter certeza que estava grávida antes de anunciar, não queria te
trazer um problema antecipado. Eu sei que não é o momento ideal, mas eu
fiquei radiante com a notícia, eu terei um netinho para cantar canções de
ninar...
— Eu ainda não sei se essa criança é minha, não se empolgue.
— Ela é sua! — Afirma — A Laila não iria inventar uma mentira
dessas. Você não está pensando em deixar de assumir essa criança, está? Essa
não foi a criação que seu pai e eu te demos.
— Claro que vou registrar e amá-la. Mas, eu não vou construir uma
família com a Laila, a mulher que eu amo é a Olívia e isso não mudará.
— Eu não teria tanta certeza... A própria Olívia esteve aqui em casa e
devolveu o anel de noivado. Ela disse que você entenderia o recado...
— Que porra! — Esbravejo! — Ela não pode sair assim da minha
vida, não quando tudo que fiz foi amá-la incondicionalmente.
— Você ouviu o que você acabou de dizer, Arthur? Você vai mesmo
levar a adiante esse relacionamento quando ela dá indícios evidentes da sua
falta de caráter?
— Eu não posso acusá-la até ouvir da sua boca. Ela me deu um voto
de confiança e por mais que eu esteja irado com essa situação, sei que
merecemos essa oportunidade de conversarmos pessoalmente, longe da
imprensa.
— Como você acha que as pessoas olharão para você?
— Como você acha que as pessoas enxergaram a Olívia quando Laila
anunciou para o mundo que estava esperando um filho meu? Eu li as
mensagens mãe, as pessoas debochando dela. E sabe o que ela fez? Ela
confiou em mim, resistiu a tudo por mim. É o mínimo que posso fazer por
ela, quero ouvir da sua boca a verdade, por mais que ela me machuque.
— Arthur, você está cego por essa mulher. Será que não consegue ver
que tudo não passou de um plano? Era óbvio que ela iria te perdoar, ela não
perderia a galinha de ovos de ouro assim tão facilmente...
— Mãe, chega...
— Olívia não merece sua confiança. Ela está sendo acusada de
destruir uma família, é esse tipo de mulher que você quer ao seu lado? Uma
golpista? É essa mulher que você quer ao seu lado frequentando ambientes
nobres? As pessoas não irão te respeitar.
— Foda-se, como as pessoas me enxergarão! Eu não iriei ficar preso a
opinião pública e reprimir os meus desejos, não quando querem me privar de
viver com a mulher da minha vida!
— Estou decepcionada...
— Dessa vez eu não posso dizer que sinto muito.
— Essa mulher conseguiu jogar você contra mim.
— Sem drama, mãe!
— Ok... Existe algo que eu possa fazer por você? Quer que eu tente
convencê-la a ligar para você?
— Não, você já deixou bem claro o que pensa sobre a Olívia e tudo
que eu menos quero é piorar a situação. O Juan já está a caminho!
— Eu sou a sua mãe — rebate ofendida — Sou capaz de deixar meus
desejos de lado para te ver feliz. Você mais do que ninguém deveria saber
disso. A sua felicidade é a minha felicidade ou você acha que estou feliz em
saber que está sofrendo?
— Eu sei mãe, estou de cabeça quente. — Respiro fundo — Preciso
desligar, amanhã tenho treino.
— Boa noite, meu amor.
— Boa noite. — Encerro a chamada e decido ver com os meus
próprios olhos as tais fotos.
Para a minha surpresa não é um pai barrigudo, ou velho, se trata de
um homem jovem e bonito. Eles caminham lado a lado e sorriem um para o
outro. A mão dela acaricia a dele, que retribui. Mais risos. Eles entram no
táxi. Ele se despede com um beijo no rosto em frente à casa dela. As
imagens, em sequência, parecem retratar de um casal apaixonado. Os gestos
perfeitos de dois namorados.
E isso rasga o meu peito, pois é a minha Olívia nas fotos. A minha
mulher com um homem que não sou eu. Um homem que a fez sorrir, quando
tudo que consegui nos últimos dias foi fazê-la chorar. Ele teve as mãos dela
segurando as suas, o seu toque feminino e carinhoso, e tudo que eu tenho
comigo são as sensações da última vez que estivemos juntos.
E se fosse verdade? Se Olívia estivesse se apaixonado por ele?
O que eu faria? Tiraria o meu time de campo ou tentaria até o apito
final?

— Finalmente! — Deixo escapar quando Juan atende a minha


ligação. — Já estava cogitando a hipótese de você ter sido deportado.
O site da companhia área indicava que o voo pousou as seis horas e
dezoito minutos da manhã, mas estou há cinco minutos tentando falar com o
Juan, sem sucesso.
— Bom dia para você também, Arthur. — Seu tom de voz é sonolento
— Não vai perguntar se fiz boa viagem?
— Velho, hoje realmente não é um bom dia!
— A propósito a minha viagem foi tranquila, obrigado. Aproveitei
para assistir ao jogo, a postura do Chelsea no segundo tempo foi espetacular!
— Onde você está agora? Já conseguiu falar com a Olívia?
— Ela não atendeu as suas ligações?
— Se ela tivesse atendido eu não estaria falando com você agora!
— Relaxa, brother.
— Como relaxar, Juan? Olívia esteve ontem na minha casa, ela
devolveu o anel de noivado.
— Putz! Então é verdade sobre o caso dela com o pai da aluna?
— Como você sabe? — Questiono.
— A Pâmela...
— Eu quero muito acreditar que não seja verdade, Juan. Estou me
apegando a tudo que Olívia e eu vivemos juntos. Ela não é esse tipo de
mulher...
— Vai ficar tudo bem — Ele assegura e eu queria ter essa mesma
certeza — Agora, são seis horas e trinta minutos, vou passar na sua casa,
tomar uma ducha e ir atrás da Olívia.
— Ela deve estar na faculdade agora pela manhã, a tarde ela segue
para o trabalho e retorna à noite. Enviarei por mensagem os endereços.
— Não se preocupe. Eu não descansarei até encontrá-la.
— Obrigado Juan, mantenha-me em contato!
— Pode deixar. Bom treino!
— Valeu!
Encerro a ligação e tento mais uma vez o número da Olívia. Caixa
postal. Resignado, sigo para as minhas atividades. O primeiro compromisso
do dia é a gravação para um canal esportivo local, uma mesa redonda
formada por jornalistas, críticos de futebol e atletas para falar do campeonato
inglês.
Chego no estúdio no horário combinado, reencontro companheiros de
futebol, sou “tietado” pela equipe do canal, sorrio e tiro foto com todos que
se aproximam. Aprendi com os anos a tratar sempre muito bem os fãs,
independente dos meus problemas, são eles que acompanham os meus
passos, compram os meus produtos, torcem, defendem e amam. Por que não
retribuir o carinho com uma foto ou um abraço? É o mínimo que faço por
eles, e nessa troca quem ganha sou eu. O carinho que recebo me faz esquecer
por um momento de todo o caos da minha vida, eles falam sobre o meu
último gol, exaltam as minhas jogadas, nada de fofocas ou assuntos pessoais,
apenas o jogador é o destaque, o Máquina Mortífera que detona em campo.
Pelo menos, essa parte minha permanece intacta.
Quando o diretor anuncia que entraremos no ar em dois minutos e
solicita que desliguemos os celulares, confiro mais uma vez o aparelho,
Olívia não visualizou as minhas mensagens e o Juan ainda seguia tentando
encontrá-la.
Olívia, por favor me responde!
Xinga, grita, ameaça! Só não me deixa sem resposta.
Estou enlouquecendo de saudades suas!

Digito rapidamente e clico em enviar. No exato momento que o


diretor grita ação e as câmeras focam no apresentador, olho mais uma vez
para tela e todas as mensagens continuam sem visualizações, essa última
junta-se as vinte e oito que já enviei. Guardo o celular no bolso e, junto com
ele, toda a ausência de respostas. Eu teria uma hora e meia, a duração do
programa, de esperança para que Olívia me enviasse uma mensagem ou me
ligasse e no momento que ela fizesse isso eu atenderia. Por isso, ignoro as
regras da produção e permaneço com o aparelho ligado, no modo silencioso,
eu estaria disponível quando ela me procurasse.
Não preciso dizer que Olívia não me ligou. Isso está estampado no
meu rosto. Juan também não obteve sucesso, foi até a sua casa, mas não foi
bem recepcionado. Dona Maria não chegou a abrir a porta para dispensá-lo, a
conversa deles ocorreu através dos portões de ferro, ela informou que Olívia
não estava em casa e que eles não tinham mais nada para conversar com
pessoas mandadas por mim. Segundo ele, ela foi enfática em informar que o
nosso relacionamento apenas causou dor a sua filha, entrar no meu mundo de
famoso apenas serviu de lição, eles agora sabiam a toxicidade da fama. A
minha sogra, ou seria ex-sogra, ainda mandou avisar que se um dia eu amei a
sua filha, que eu me afastasse, e levasse comigo toda a carga negativa, que eu
esquecesse de uma vez por todas do dia que nos conhecemos. Pois, eles
fariam o mesmo.
Como eu poderia esquecer?
Como apagar da memória o que está registrado na alma?
As palavras dela são um banho de água fria. A cada minuto que passa
eu me sinto mais distante de Olívia, sinto o nosso amor escorrer pelas minhas
mãos como se fossem grãos de areia, quanto mais eu aperto as mãos para
protege-los, mais eles escapam pelos meus dedos.
D esconto a minha
impotência
esteira. Programo trinta quilômetros com a maior velocidade disponível. A
intenção é correr até que todas as células do meu corpo estejam exaustas,
na

esgotadas para pensar em Olívia. O ritmo intenso é sentido minutos depois,


os músculos posteriores da coxa são os primeiros a doerem, mas não diminuo
o pique, continuo forçando o meu corpo, testando-o quilômetro a quilômetro.
O preparador físico se aproxima e pede para que eu diminua a
intensidade da corrida ou correrei o risco de lesão muscular. Ignoro o homem
e continuo correndo, aumento o volume do headphone e deixo a canção
eletrônica comandar meu ritmo. O homem abre e fecha a boca várias vezes,
mas não escuto, continuo a testar o meu limite até a exaustão.
A certa altura, os músculos tremem pelo esforço praticado, minha
respiração fica cada vez mais ofegante e a camisa adere ao meu corpo, devido
ao suor, feito uma segunda pele. As palavras do preparador ecoam na minha
cabeça, se eu sofrer uma lesão muscular, terei que me afastar das atividades.
Não seria uma má ideia, um estiramento na coxa me afastaria do campo por
duas semanas no mínimo, seria tempo suficiente para que eu resolvesse
pessoalmente os meus problemas.
— Chega! — O grito do treinador atrai a atenção de todos, ele usa
uma mão para arrancar o fone do meu ouvido e a outra para desligar a esteira.
O homem de pele branca está vermelho, eu já presenciei o professor
em momentos de fúria, mas nenhum chega ao que vejo na minha frente. Seus
olhos parecem saltar das órbitas e as veias no seu pescoço estão estufadas. O
encaro em um desafio silencioso, ele não desvia o olhar, seguimos a nos
enfrentar.
— Acabou o show! — O presidente do clube bate palmas para
dispersar os olhares curiosos. — Os dois na minha sala! — Ele indica para
nós e se afasta.
O clima não é dos melhores na sala da presidência, o treinador
mantém-se de pé com os braços cruzados, e eu sento-me relaxadamente na
cadeira confortável.
— O que aconteceu? — O presidente pergunta, sereno.
— Você fala ou eu falo? — Provoco o técnico.
— O Arthur desobedeceu ao nosso preparador físico e criou o seu
próprio ritmo de atividade.
— É verdade, Arthur?
— Sim.
— Eu não vou permitir que a minha equipe técnica seja desrespeitada
por nenhum atleta, o que o Arthur fez hoje abriu precedentes para que os
outros hajam de forma desrespeitosa. — Toda a nossa conversa acontece em
inglês, ele cospe as palavras do jeito arrogante britânico — Ele está suspenso
até a segunda ordem! — Ele informa e eu tenho vontade de abraça-lo. Se eu
soubesse que era somente agir feito um babaca, já teria feito isso antes.
— Ninguém está suspenso aqui! — O presidente discorda. — Arthur
não é um jogador qualquer para ser suspenso por um ato bobo.
— Ele não pode ser blindado por ser o astro do clube.
— Ele pode! — O homem sorri — Não vamos negar os fatos aqui, ele
foi a contratação mais cara do mercado europeu. E a menos que ele esteja
impedido pela equipe médica integrará a equipe.
— É assim? Ele sairá ileso?
— O professor tem razão — Concordo e o técnico me encara sem
entender — como capitão devo dar exemplo aos companheiros.
— Não se preocupe Arthur, seu dia será descontado na folha de
pagamento. Tenho certeza que a punição financeira será mais eficaz.
O impedimento fora marcado. Todos os meus planos foram por água
baixo.
— Algo a acrescentar, professor? — Ele se volta ao treinador, posso
ver o sorriso do homem se ampliar.
— Você irá auxiliar a equipe juvenil no treino de hoje à tarde—
Moleza, penso — apague esse sorrisinho, você ficará responsável por
entregar os coletes, guardar as bolas, transportar o equipamento do campo a
sala.
— Justo! — O presidente sorri.
— Adiante Arthur, o treino começa em vinte minutos e os
equipamentos precisam estar em campo.
Essa semana só piora.

Quando o presidente do clube afirmou que o Chelsea não pode se dar


ao luxo da minha ausência, era verdade. As estatísticas mostravam que os
índices de desempenho do clube eram maiores comigo em campo, e contra
números não há argumentos, sou o artilheiro do campeonato inglês, sou o
atleta que mais disputou partidas, o que recebeu o menor número de cartões
em toda a vida de jogador, fui expulso apenas duas vezes, as duas pelo
segundo cartão amarelo. Um efeito raro dentro de campo.
Reconheço o meu papel de destaque no elenco e faço valer cada euro
investido em mim. Um time da dimensão do Chelsea disputa diversos títulos
por temporada, para esse ano nos classificamos para disputar a Copa da
Rainha, a Liga dos Campeões e o Campeonato Inglês, para tanto contamos
com uma excelente comissão técnica e um elenco de jogadores de alto
rendimento.
O campeonato inglês é considerado por muitos a liga mais acirrada do
mundo. Investidores injetam milhares de euros todos os anos nos clubes. O
resultado disso é um campeonato com times de alto rendimento. O que difere
completamente do campeonato brasileiro onde apenas os grandes clubes
possuem um forte elenco, os demais lutam pela sobrevivência na tabela,
assim como lutam para pagar os salários dos jogadores. O dinheiro aqui é
capaz de criar times campeões. O esporte na terra da rainha ganhou um novo
status nos últimos anos, a disputa pelo título segue lado a lado com a disputa
pela melhor gestão. Quem ganha com isso? O torcedor. Esse é o grande
beneficiado por acompanhar um campeonato disputado partida após partida.
Hoje encararíamos o Liverpool, um dos nossos concorrentes diretos.
Devido ao mau tempo, os aeroportos estavam fechados. Por isso, tivemos que
percorrer mais de trezentos e cinquenta quilômetros de trem.
As linhas férreas são bastantes utilizadas na Europa, um transporte
rápido e confortável, o que levaria em torno de quatro horas de ônibus,
fizemos na metade do tempo. Se engana quem pensa que a viagem é
desconfortável, os trens para grandes distâncias, assemelham-se ao modelo
brasileiro dos ônibus-leitos, todavia com maior conforto, a poltrona é
reclinável e confortável, os vagões contam com serviço de bordo e Wi-Fi
rápido e gratuito.
A viagem de trem, não prevista, alterou os planos da nossa delegação.
Tivemos que seguir direto para o estádio Anfield, para reconhecimento de
campo. O treino leve com bola é apenas um esquenta para a partida que
acontecerá a noite. Vinte minutos depois, vamos para o hotel e de lá
sairemos apenas a noite para o jogo oficial.
Aproveito o tempo livre para acessar as minhas redes sociais, eu havia
dado um tempo, Pâmela administrou o perfil pelo período que fiquei
afastado, mas eu não podia me ausentar para sempre. Ser figura pública trazia
um peso de estar sendo conectado, as redes sociais eram uma extensão do
meu trabalho, era através delas que eu assinava contatos publicitários, a
maior fatia do meu rendimento se dava por eles. As marcas disputavam para
ter o seu produto postado na minha timeline, o público de três milhões e meio
de seguidores é visto como consumidores potenciais, o engajamento do
Instagram hoje chega a ser superior ao da TV, por exemplo.
O motivo da minha ausência das redes sociais, tinha nome e
sobrenome: Olívia Santos. Ela desaparecera da minha vida da mesma forma
que entrou, sem avisos, Juan não conseguiu encontrá-la, ela havia sido
demitida da escola após as fotos com o tal Renato, nenhum amigo da
faculdade tinha notícias suas, a mãe continuava irredutível e recusando-se a
atender as minhas ligações, meu amigo chegou a fazer vigília na porta da sua
casa, mas ela não deu as caras, os vizinhos informaram que a última vez que
Olívia foi vista foi entrando em um carro preto, logo após as fotos vazarem.
Para completar, ela deletou as redes sociais. Pâmela buscou qualquer
indício seu, mas nenhum foi encontrado. Ela desapareceu e junto com ela
levou o meu coração. O vazio da sua ausência é doloroso, quando acho que
me acostumei com a sua partida, escuto uma canção que me remete
imediatamente a ela, um aroma semelhante ao seu e meu corpo me trai
evocando todas as memorias olfativas, voltar para casa depois do treino
nunca foi tão triste. Olívia está presente na minha casa, na minha cama, no
meu corpo e na minha alma.
Às vezes, questiono o seu amor. Se ela realmente me amasse como
dizia, teria me procurado, eu merecia ouvir da sua boca que acabou, assim eu
poderia recomeçar a minha vida. Mas, não. Olívia sumiu e eu continuo
discando para um número que não atende, prossigo enviando mensagens que
nunca são lidas, desejando avidamente um sinal seu.
Laila também é um capítulo não resolvido, ela continua escondida
através do perfil da internet, sua gestação está sendo documentada e
compartilhada com os seus seguidores. Meus advogados moveram uma ação
judicial solicitando a realização do exame de DNA, estamos aguardando a
intimação da mesma para colocar um ponto final nessa história. Por, ora sigo
sendo o pai ausente que não acompanha a chegada do filho, além de ser o
corno do ano. Uma decadência para quem sempre foi reconhecido como
Máquina Mortífera.
Uma nova notificação aparece. Estou prestes a ignorá-la, quando o
nome Olívia Santos surge. Estou seguindo um filtro específico em busca de
qualquer menção a ela. Clico na notificação e acompanho mais um capítulo
fantasioso da minha vida, a cena da vez era protagonizada pela personagem
principal.
Ao perceber que estava sendo fotografada por um paparazzi ela teria
discutido com o homem que alegou que estava apenas trabalhando, mas ela o
atacou furiosamente, arrancou a câmera das mãos dele e jogou no chão. O
fotografo aproveitou o descontrole para filmá-la com o celular, Olívia
aparentava estar desequilibrada, insultou o fotografo de diversas formas e
quando ele questionou sobre o fim do nosso relacionamento, ela gritou aos
quatros cantos que tudo não passou de uma foda!
“Máquina mortífera? Está mais para um QQ, é aquele carro
charmoso, seu design arranca suspiros, mas basta você passar a usá-lo que
descobrirá que a sua potência é fraca comparado aos outros modelos de
mercado — ela sorri sarcasticamente — Isso sem falar no seu rendimento...”
Assisto ao vídeo, sem de fato vê-lo. Reproduzo novamente aquele
discurso mesquinho. Olívia acabou de insinuar que eu sou um fracasso na
cama? É óbvio que agora os comentários eram a respeito da minha “fodeza”,
alguns comparavam o tamanho do meu pau ao tamanho do pequeno carro da
Chery Automobile que ela citou, outros afirmavam que ela me traiu porque eu
não dava conta, há ainda os que dizem que ela era uma coitada, já que se
guardou tanto para ser mal servida.
Olívia acabou de escrever um novo capítulo na minha história, e com
isso alimentaria por semanas a roda de fofocas. Ela foi direto no meu ego, e o
pisoteou sem piedade.

Hino dos clubes executados.


O estádio está lotado e a torcida do Liverpool incentiva o time da casa
com cânticos.
O juiz autoriza a partida e o a bola rola.
Dois homens de marcação seguem os meus passos, o zagueiro Aston,
esse faz questão de marcar ombro a ombro. É o famoso jogador cachorrinho,
fica no seu pescoço com a respiração curta, seguindo todos seus passos.
Aston me dá uma entrada dura e reclamo. O juiz manda seguir o
lance, ele continua acompanhando-me. O escanteio será cobrado a nosso
favor, e tento me desprender do zagueiro, ele continua ali lado a lado, começa
a dizer que a noite quando eu fechar o olho ele também estará lá, é a forma
dele de intimidar os adversários. O que, infelizmente é bem comum no
futebol. Desestabilizar o adversário faz com que ele se desconcentre, logo a
bola deixa de ser o foco. Não discuto e o ignoro, concentrando-me na bola
que será lançada na área do gol, em poucos minutos. Mal sabia eu que ele
tinha uma carta na manga.
— Se eu soubesse que você não estava dando no couro — o zagueiro
do time adversário provoca-me — tinha chamando a sua noivinha para uma
das minhas festas privê, quem sabe assim ela seria comida por um homem de
verdade! Eu iria adorar romper o cabaço daquela gostosa...
Em um momento ele está de pé e no seguinte desaba no chão. Ele leva
a mão ao nariz e geme de dor. Eu o transformei em um chafariz de sangue.
Havia acertado um murro bem no meio da sua cara. Um bando de jogadores
aproxima-se e vira uma confusão generalizada, a briga verbal dá lugar a
empurrões e dedos na cara. Sou cercada por três jogadores do time adversário
sedentos para descontar o soco do amigo.
Um homem tenta me acertar, mas defendo-me, o estádio é uma
sintonia de urros e gritos, transformamos o futebol em uma luta livre e o pior
disso é que os telespectadores gostam do que vê.
A cena em que eu ataco o zagueiro aparece no telão, seus lábios
indicam que ele me provocou e eu reagi, mas nada justifica uma agressão. O
cartão vermelho que o juiz ergue em minha direção não representa nada,
perto do peso dessa agressão, eu seria julgado pelo tribunal desportivo e em
casos como esse a pena máxima chegava a meses afastado do gramado.
A partida havia acabado naquele momento para mim. O que me resta
agora é tentar me reequilibrar para, quem sabe, voltar a ser o campeão que
sempre fui.
No jogo da minha vida, eu estava perdendo de goleada.
A pós a

me afastou dos treinos e aconselhou que eu me mantivesse longe dos


minha
expulsão, o clube

holofotes. Os canais esportivos repetiam incansavelmente o momento em que


agrido o jogador, as torcidas rivais cobram uma punição severa, a torcida do
Chelsea, por meio de alguns torcedores, publicou uma nota de repúdio onde
exigem a punição justa e reforçam que o meu comportamento não condiz
com a grandeza do clube.
Claro que há as manifestações de apoio, elas são as minorias é
verdade. O meu fã clube oficial criou uma hashtag com o título
#EstamosComVocêArthur, mas termina aí as manifestações de carinho. Os
dedos estão apontados em riste em minha direção, questionam o meu caráter,
uma vez que a minha atitude foi totalmente antidesportiva. Infelizmente,
todos estão certos quando dizem que não há justificativas para agredir um
adversário.
Hoje é o dia do julgamento da minha expulsão. Mas, estou sereno.
Errei e irei, mais uma vez, me desculpar publicamente. O que me resta agora
é torcer que o gancho de suspensão seja curto e que eu possa voltar o quanto
antes ao futebol.
Tem sido dias difíceis, acordar e não seguir a minha rotina habitual
fez com que eu pensasse em Olívia a cada segundo. Como se isso fosse algo
impossível. Olívia continua sendo o meu primeiro pensamento ao acordar e o
último antes de adormecer.
— GOOOOOLLLL, aqui é Chelsea! — O grito do Diego me
desperta.
Estou jogado no tapete da sala da casa do Juan. Ele e Pâmela estão
agitados, ainda não entendi o motivo da ligação urgente, sendo que eles me
deixaram aqui com as crianças. Juan está falando ao telefone e o seu tom
indica que o assunto é desagradável. Pâmela continua concentrada no IPad,
suas unhas grandes batem na tela freneticamente. Seja lá o que ela esteja
fazendo, é algo muito importante, pois ela não se importou do fato de eu
aparecer no café da manhã com Hambúrguer e Refrigerante para os meus
afilhados.
Os adultos da casa estão concentrados no trabalho enquanto, as
crianças, fui jogado nesse grupo, ingerem uma bomba calórica enquanto
jogam videogame.
— Você é o maior perna de pau no PES, porra! — Meu afilhado me
acusa após errar a cobrança de pênalti cobrado pelo Arthur Silva, ele isolou o
chute. Ele tem razão, o meu eu no jogo de videogame é limitado, por isso não
me escalo quando jogo. Estamos numa melhor de três, o que ganha agora
enfrentará a Dafne.
— Olha a boca suja, moleque! — Repreendo sorrindo.
— Mamãe, você ouviu o que o Diego, falou? — Minha afilhada grita
e Pâmela não reage mesmo estando a alguns metros de distância.
— A mamãe está muito estranha — Diego fala baixinho — Primeiro,
avisa que não iremos a escola, depois deixa comermos fritura no café da
manhã e nenhuma palavra é dita. Será que ela descobriu que está com um
tumor maligno no cérebro?
— Como você é imbecil! — Dafne joga a almofada no irmão
atingindo a sua cabeça.
— Imbecil é você sua pirralha! — Ele devolve o arremesso, mas
Dafne é mais rápida e se abaixa, a almofada segue o caminho e atinge o vaso
de porcelana. O presente de casamento dado pela mãe do Juan, a peça tem
um valor simbólico para eles.
Posso sentir a avalanche se aproximando, as crianças se encaram
assustadas, o silêncio prepondera e escutamos apenas a porcelana tocando o
chão, pedaços se espalhando por todo o canto. Escutamos passos se
aproximando, mas nos recusamos a erguer o olhar, a cada passo dado sinto
que estamos indo para a forca, sem direito a defesa;
— Dafne, pegue a pá! — Aponta para filha — Diego a vassoura! Não
quero encontrar qualquer resquício de porcelana no chão.
— A senhora realmente está com um tumor? — A filha pergunta
espantada. Até eu começo a cogitar essa hipótese, conheço a Pâmela há anos,
e a Pâmela que eu conheço estaria gritando e passando um enorme sermão.
Essa versão é esquisita, parece que ela está anestesiada.
— De onde você tirou isso?
— Diego! — Aponta para o irmão.
— É que a senhora está muito estranha hoje, mãe.
— Está tudo bem. — Ela assegura sorrindo, mas o sorriso é forçado,
de todo o modo as crianças não notam.
— Nós te amamos! — Dizem ao mesmo tempo abraçados a mãe.
— Eu também. Mas, agora vão pegar a vassoura e limpar essa
bagunça.
— Você está estranha. — Digo quando eles se afastam — Tem
certeza que está bem?
— A minha saúde está na mais perfeita ordem.
— Não parece — Arqueio a sobrancelha — Não vai dizer que está
grávida? Tenho sobrinhos a caminho?
— Não! — Ela rebate.
— O Juan então? — Pergunto e como se adivinhando ele surge com
duas gravatas em mão.
— Azul ou preta? — Pergunta.
— Essas gravatas são as minhas? — Indago reconhecendo as peças.
— Eu voto na azul. Vai dar um ar mais informal — a própria Pâmela
sugere — embora eu ainda esteja contrário ao uso do terno. Sei que é uma
característica formal dos jogadores europeus, mas um homem de terno
representa alguém austero, duro...
— Mas se aparecermos sem o terno, poderão interpretar como
descaso — Juan rebate.
— Já sei, vamos ficar no meio termo. Calça alfaiataria preta com
camisa social azul bebê ou verde, porque ressaltarão os olhos do Arthur. A
rosa também é uma opção — Completa um tempo depois. — Trará um ar
mais leve e delicado. É isso calça preta e camisa rosa. — Sentencia.
— É isso que estou ouvindo? Vocês estão decidindo como irei me
vestir?
— Sim. — Juan responde serenamente, embora seu rosto indique
preocupação.
— Hoje é o julgamento na corte esportiva e precisamos contar com
todos os pontos ao nosso favor.
— Você acha que surgir com uma camisa delicada vai mudar a minha
agressão?
— Sim, estudos comprovam que a forma como os réus aparecem na
corte contribui para o julgamento final.
— Você aprendeu isso nas séries da Netflix? — Perturbo.
— Toda forma de conhecimento é válida — Ela pisca em minha
direção. A verdade é que Pamela, encontrou-se como assessora de imprensa,
o que começou como uma ajuda de amiga, transformou-se em profissão. Ela
frequentou cursos renomados, já fez parte do casting de uma grande empresa
e hoje dedica-se somente a me assessorar.
Ela era muito boa no que fazia, sabia o tom correto para se impor e
havia estabelecido contatos que a informava em primeira mão os
acontecimentos comigo. Havia mini Pâmelas em todo os ambientes, prontas
para acionar o instinto no menor sinal de fogo. Já conversamos sobre ela
montar a sua empresa de assessoria, ela é íntegra, inteligente, sagaz, doce,
uma combinação rara nesse meio. Tenho certeza que ela galgaria posições
ainda melhores, mas ela brinca dizendo que o salário que recebe faz com que
ela se sacrifique em me ter como assessorado.
— Durante toda a semana trabalhamos a sua imagem, ressaltando os
projetos sociais que você apoia. Esperamos que isso corrobore na sentença.
— Eu quebrei o nariz do jogador, você acha mesmo que isso vai
amenizar o fato?
— Não, mas queremos ressaltar que foi um caso isolado.
— Vai dar tudo certo! — Meu amigo bate no meu ombro.
— Na pior das hipóteses a gente volta para a casa e esvazia a garrafa
de Whisky. — Sorrio.
— Eu aceito! — Pâmela ergue a mão.

Pâmela, não mentiu quando informou que toda experiência era válida,
ela estava serena e sorridente na sala de espera. Eu era uma pilha de nervos,
assim que chegamos fomos bombardeados pelos repórteres, todos queriam
uma palavra minha. Por decisão dela, seguimos em silêncio para dentro do
prédio moderno onde aconteceria a audiência.
A tensão do ambiente aumentou quando Aston, a vítima, surgiu
acompanhado dos seus advogados. Os seguranças se entreolharam, numa
comunicação muda, indicando que estavam prontos para apartar uma
eventual briga. O zagueiro nos cumprimentou com um aceno de cabeça
apenas.
O homem estava destruído e fazia questão de aparentar. Nada de
óculos escuros para esconder as marcas. O advogado do clube havia nos
alertado que eles irão apelar para o visual. Aston fez questão de mostrar o
dia-a-dia da sua recuperação, o osso nasal havia fraturado, foi preciso cirurgia
para fixar. Devido ao pós-operatório recente, ele exibia mancha roxas ao
redor dos olhos, e o nariz estava fixado por uma tala. Eu já havia visto as
imagens, mas nada é como ver pessoalmente, a sensação de que fui um
imbecil apenas se intensificou com a sua presença.
Com a pontualidade britânica a audiência começa, apenas as partes
envolvidas no processo têm acesso ao julgamento que procede em portas
fechadas. Primeiro, a equipe de árbitros que apitou a partida é ouvida, é lido
mais uma vez a súmula do jogo, depois é a vez da acusação, os advogados do
Aston falam por ele, a cada minuto dentro dessa sala eu sinto o meu mundo
ruir. Um a um eles apresentam de forma fidedigna o que aconteceu, e isso é
foda! Queria poder rebater cada argumento, mas não posso. Agi como um
cara desequilibrado e o meu descontrole afastou o Aston das suas atividades.
Chega a vez da defesa. O advogado do clube segue a mesma linha dos
anúncios oficiais do Chelsea, informa que as medidas já estão sendo tomadas
para que isso não volte a se repetir. As medidas as quais ele se refere são o
desconto da multa ocasionada pela minha expulsão, o comitê disciplina da
Associação de Futebol Inglesa prevê em seu regulamento um sistema
automático de punições, que consiste na multa ou pena, ou ainda, multa e
pena. Ao cartão vermelho direto é aplicado o segundo caso, e a quantia será
debitada do meu próximo salário, por determinação do clube.
Por fim, o advogado reafirma que a minha intenção nunca foi agredir
alguém e ressalta o meu histórico de jogador como prova viva. A nossa
defesa encerra a suas delegações finais lendo a carta de desculpa criada por
Pâmela. Ainda que as palavras naquele papel sejam honestas, elas não
transmitem as reais desculpas. Estou assistindo um espetáculo protagonizado
e roteirizado por mim, onde nada pode ser feito, apenas seguir o script, talvez
ao fim do primeiro ato eu consiga improvisar, mudar algumas partes do
roteiro e alterar ao final
— Diante de todos os fatos apresentados nessa tarde, a Justiça
Desportiva Inglesa declara que o Chelsea deverá ressarcir todos os gastos
decorrentes a agressão sofrida pelo atleta Aston Becker. — O advogado
emite um fraco sorriso indicando que está tudo dentro do previsto — Ao
jogador Arthur Silva, a corte chegou ao seguinte consenso: Por quatro votos a
um determinamos o afastamento do atleta pelo período de quatro meses. A
punição aplica-se a toda e qualquer partida oficial de futebol,
independentemente da liga ou país.
Você já sonhou que estava caindo? E nesse sonho você apenas sente o
seu corpo despencar em queda livre e cada vez mais o chão aprece distante?
É exatamente assim que eu me sinto, em queda livre assistindo o meu tombo.
— A punição visa disciplinar e combater com veemência quaisquer
atitudes antiesportivas. Declaramos encerradas o fim do julgamento.
— Vamos recorrer! — O advogado informa, mas não respondo.
Levanto apressado e saio daquela sala.
Quatro meses longe do futebol.
Quatros meses distante da única coisa que eu sei fazer na vida.
A sensação de desespero amplia-se a cada segundo. O que eu ia fazer
durante esses meses? No que essa punição me transformaria?
Os adversários haviam descoberto o meu ponto fraco. ...
— Arthur — Pâmela chama quando passo por ela no corredor. —
Arthur, estou falando com você. — Escuto seus passos atrás de mim, mas não
paro. Continuo a caminhar firme em direção a saída. Preciso respirar, preciso
fugir dessa sensação.
Assim que a porta automática se abre, os flashes disparam em minha
direção. Eles me cercavam feito abutres, ainda que não oficialmente, eles já
sabiam a decisão.
— O que você tem a dizer sobre a maior punição aplicada pelo comitê
inglês?
— Pretende recorrer a federação europeia?
— Como você avalia o seu descontrole? Será sempre assim quando
alguém se referi a Olívia Silva?
— Como a Olívia reagiu diante do seu ataque em nome da honra
dela? Vocês ainda mantêm contato?
— Arthur, quem você acha que ocupará a camisa 10 na sua ausência?
As perguntas me chicoteiam. Eles continuam a questionar, todos
falando ao mesmo tempo enquanto eu forço a minha passagem, empurrando
alguns jornalistas mais insistentes, chego ao último degrau da grande
escadaria com eles me seguindo.
O motorista surge no minuto adequado, entro no carro e fecho a porta
rapidamente, as câmeras não param de disparar. Os flashes são incessantes.
— Vamos! — Ordeno e o motorista acelera, deixando para trás uma
corja de abutres e Pâmela entre eles.
U
Três meses se passaram e com eles muitas coisas ficaram para trás.
m
trimestre!

A saudade é a única que permanece aqui comigo, acompanhando-me


a todos os lugares e em todos os momentos. Sinto saudades da faculdade, dos
meus alunos, da minha casa, da minha família, da comida da minha mãe,
sinto falta até de dividir o quarto com meus bagunceiros favoritos. Mas, não
havia outra alternativa, era preciso seguir em frente e isso eu só consegui me
afastando das pessoas que eu amo.
Não foi fácil deixar o meu lar para recomeçar. Eu, que nunca fui de
recuar, precisei dar dois passos para trás para poder avançar. Estava
insustentável. As acusações, as perseguições, os comentários maldosos... Eu
estava ficando doente em meio a todo aquele caos emocional.
Por sorte, encontrei na casa da tia Dora, irmã da minha mãe,
serenidade. Minha tia recebeu meu filho e eu com muito carinho. Não
perguntou pelo pai da criança, apenas recebeu-me com todo o amor do seu
peito. Preparou um quarto para mim e fez com que eu me sentisse em casa,
meu filho e eu estávamos seguros do mundo. Aqui eu começava a vislumbrar
felicidade.
Os meus dias em Valença, interior do Rio de Janeiro, consistiam em
ajudar nos afazeres domésticos enquanto a minha tia trabalhava. Ela é
professora de português da escola do munícipio, além de ter um reforço
escolar, no qual eu a auxiliava nas tardes da semana. As aulas de reforço
escolar aconteciam na garagem da sua casa, para completar a rotina, aos
domingos frequentávamos a missa.
O contato diário com as crianças foi fundamental para eu me sentir
útil novamente, detestava a sensação de estar causando incômodo, embora tia
Dora repetisse diariamente que cheguei em um momento especial da sua
vida.
Meu tio havia falecido no início do ano, os filhos estavam todos
casados, e a casa ficara grande demais para ela sozinha. Fazíamos companhia
uma a outra, ela compartilhava comigo os aprendizados de anos dedicados a
educação, conversávamos sobre o papel do professor na atualidade, os
desafios da educação numa área tecnológica. Era bonito ver que apesar dos
mais de vinte anos em sala de aula, minha tia ainda conservava o olhar de
paixão pela profissão.
Embora, a companhia da tia seja amorosa e gentil, sinto falta da
minha mãe. Queria poder compartilhar com ela diariamente os meus temores
e as mudanças ocorridas no meu corpo com o avanço da gestação. Queria a
sua presença comigo quando escutei as primeiras batidas do ultrassom do
meu filho, foi o som mais lindo que já ouvi na vida, senti muito sua falta
naquele momento.
Estou na vigésima semana e o que eu tanto esperava aconteceu, a
minha barriga finalmente apareceu. É bobo, eu sei! Mas, a barriga agora
redondinha parece comprovar que há mesmo um bebê aqui dentro. Ele já
chuta e me faz ter desejos estranhos. Outro dia mesmo, me peguei comendo
jaca com sorvete de morango, sim eu disse que era bem estranho.
Hoje em especial acordei emotiva, as lembranças surgiram na minha
mente com força total, precisei de muito controle para não acessar as redes
sociais em busca de notícias. Talvez ele já tenha casado com ela. Será pai de
um menino ou de uma menina? O time teria vencido o campeonato? Afasto
esse desejo de saber sobre a sua vida e concentro no fato em que a reciproca
não é verdadeira. Arthur não me procurou para saber do filho. Foi melhor
assim para ambos.
— Olívia... — Minha tia bate na porta do quarto.
— Pode entrar, tia — Enxugo as lágrimas antes que ela entre e forço
um sorriso.
— Tem visita para você na sala. — Ela informa com um sorriso de
orelha a orelha.
— Visita? — Indago assustada, além da minha mãe ninguém sabia
onde eu estava...
Será que... Não, minha mãe me consultaria antes de informar ao
Arthur meu paradeiro.
— Sim, pessoas especiais que vão mudar essa carinha triste.
— Não tenho tanta certeza... — Emito fracamente.
— Vamos, eles estão te esperando!
Meu coração bate no ritmo da bateria de escola de samba.
— Surpresa!! — Eles gritam quando eu chego a sala.
Olho incrédula para todos a minha frente. Eles cantam os parabéns
mais desafinados que já ouvi na minha vida, mas ainda assim, soa como
música aos meus ouvidos. Meu baby também se junta ao canto, chutando a
minha barriga, sentindo comigo toda a emoção. Não contenho as lágrimas e o
choro se mistura ao sorriso de felicidade.
Minha mãe segura nas mãos dois balões, o primeiro com a inicial do
meu nome e o outro escrito feliz aniversário. Meus irmãos mais novos
seguram os números que indicam a minha idade atual, além dos balões de
coração. A emoção de ter todos eles junto de mim, faz com que demore a
absorver a aparição surpresa.
A surpresa maior é ver Laurinha que traz nas mãos uma caixa de
presente e Renato, um bolo de aniversário.
— Não vai realizar o pedido, Oli? — André pergunta, animado.
— Vamos Olívia, a tradição diz que o pedido tem que ser feito. —
Minha tia incentiva.
Aproximo-me de Renato e paro em sua frente, meu olhar fixo ao seu,
tento exprimir nessa troca de olhares tudo que não disse nos últimos meses.
Ele também fora vítima da mídia sórdida, eu podia imaginar os efeitos que
isso deve ter trazido na sua vida e da Laurinha... Fui embora sem dizer uma
única palavra e agora, na sua frente, ainda não sei o que dizer.
Quero pedir desculpas por uma culpa que não foi minha. Deixo que
meus olhos transmitam essas desculpas. Renato não desvia o olhar, posso ver
que ele também não estava preparado para esse momento.
Somos feitos de silêncios e gritos mudos. Dizemos tanto, sem dizer
nada um ao outro.
— Feliz ano novo, Olívia. — Renato rompe o silêncio, mantendo o
olhar fixo.
Não é o tradicional feliz aniversário que ele diz. A frase tem um
significado importante nesse meu momento, o meu aniversário simboliza o
início de um novo ciclo. A antiga Olívia ficaria para trás, os anos anteriores
seriam uma bagagem que eu carregaria para sempre. O foco agora é o que a
nova Olívia irá conquistar, meu ano novo começa hoje, ainda que o futuro
pareça incerto, já consigo vislumbrá-lo com outros olhos.
Fecho os olhos e faço a minha prece. Desejo que meus próximos
aniversários sejam exatamente assim. Cercada das pessoas que me amam!
O que me manteve de
pé depois que Olívia
saiu da minha vida foi o futebol. A bola é a minha paixão desde a infância,
ser jogador de futebol é o que eu sei fazer de melhor. Desde muito cedo
aprendi a disciplina proporcionada pelo esporte. Meus dias eram preenchidos
pelos treinos, alimentação regrada e horário para dormir e acordar. Tudo isso
foi por água abaixo após o julgamento.
A punição máxima que recebi foi a rasteira final da vida para me levar
à lona.
Eu soube que havia sido nocauteado quando recebi a ligação do CEO
do Chelsea para informar que a multa seria descontada do meu salário e o
mesmo seria reduzido pelo período da punição. Você sabe que as coisas estão
ruins quanto sente no seu bolso...
Paralelo a isso, ocorria a repercussão massiva nos meios midiáticos da
agressão. Nada justificava a minha atitude, eu tinha plena convicção disso,
mas isso não me tornava um agressor. Um episódio isolado em meio a uma
carreira de jogo limpo não poderia determinar o meu futuro.
A cada minuto, Pâmela precisava apagar o fogo antes que ele se
transformasse em incêndio! Os haters cobravam dos meus patrocinadores o
rompimento do nosso vínculo. E eu, que já entrei em campo em dia de
clássico, nunca senti tanta pressão na minha vida como nesse período. O
melhor a fazer nesses casos, eles diziam, era “descansar a imagem”. Ouvi por
repetidas vezes da Pâmela e, infinitas do Juan, que eu precisava descansar a
minha imagem. O que isso significava na prática? Sumir das redes sociais e
se manter longe de polêmicas.
Eu poderia fazer isso, certo?
Tentei nos primeiros dias manter a minha vida normal. Acordei no
horário habitual, pratiquei exercícios na academia da minha casa, assisti ao
noticiário, acompanhei o futebol pela TV, joguei videogame com meus
afilhados e jantei algumas vezes na casa do Juan. Entretanto, com uma
semana eu já estava de saco cheio de tudo isso. As pessoas continuavam
comentando sobre mim e já que não adiantou nada ficar em casa, resolvi
tocar o foda-se!
Encontrei no álcool a alegria que havia desaparecido. De gole em
gole, fui me sentindo melhor. Os dias das semanas ficaram curtos para mim,
eu frequentava uma casa noturna diferente a cada noite. Buscava Olívia em
cada boca que eu beijava e a cada corpo que eu tocava. Procurava quaisquer
resquícios seus nas mulheres ao meu redor, mas nenhuma delas tinha o gosto,
o cheiro, ou seu sorriso dela. Por isso, continuei a minha busca implacável.
De camarote em camarote, segui atrás da minha Olívia. Não a
encontrei, mas conheci a Liliane, a Mayara, a Aline, a Drielle, a Elizett, a
Kerolaine, a Juliane, a Fabiana e a Thais... Cada uma delas me ofereceu o que
tinha de melhor e eu desfrutei lentamente de cada parte. Todas elas foram
deliciosas companhias.
Claro que as minhas noitadas, ao lado das minhas amigas,
repercutiram nas redes sociais. A cada dia uma nova mulher era apontada
como o meu affair e aos poucos, mudaram de assunto. Agora eles falavam
sobre o quanto eu havia gasto no camarote e sobre as duas modelos que
cheguei abraçado no evento de moda, de qualquer forma, o foco era o
mesmo: Máquina Mortífera transforma a sua punição em férias antecipadas!
Eles estavam certos, optei por viver a ficar de luto. Isso deveria ser
comemorado, mas não foi o que ocorreu. Pâmela me ligava diariamente para
passar o sermão que eu estava perdendo o controle, o que eu fiz? Bloqueei o
seu número. Juan era outro que insistia em repetir que eu estava queimando a
minha imagem, o clube estava puto com as minhas noitadas... Também não
dei ouvidos. A minha mãe ameaçou por diversas vezes pegar o avião e vim
cuidar de mim.
Mas, eu estava bem porra!
O que eles queriam? Que eu me afundasse em lágrimas e remorso? Eu
ainda era o máquina mortífera, as mulheres me queriam e as noitadas me
amavam, ao contrário do que ela havia espalhado, certa vez.
Quando a punição acabou, a minha fama de agressor havia sido
substituída pelo rei da balada. Uma reviravolta heroica, diga-se de passagem,
Pâmela deveria me agradecer. Apresentei-me ao centro de treinamento com
uma puta ressaca, foi a isso que atribui o fato de não acompanhar o ritmo dos
outros. Uma semana depois e nada de acompanhar os meus companheiros de
clube.
Na minha primeira partida oficial, passei os sessenta minutos em
branco. Meu corpo sentia os últimos meses, eu havia perdido massa
muscular e ganhado peso e tudo isso repercutiu no meu rendimento. De
qualquer forma, o time saiu vitorioso e não vi problema em continuar como
estava. Saí para comemorar a minha primeira vitória.
Nos jogos seguintes, o mesmo aconteceu e o treinador me colocou no
banco. Nenhum jogador gosta de ser substituído, mas iniciar no banco de
reservas era outra coisa, mil vezes pior. Eu não era um artigo de luxo para
ficar apenas exposto, já havia retornado à atividade física e, em poucas
semanas, voltaria a minha forma. Sempre fui o goleador do time e o artilheiro
do campeonato, eles não podiam me tratar daquela maneira. Por isso,
manifestei a minha revolta pessoalmente ao treinador e usei as redes sociais
para desabafar.
O resultado? Clima insustentável no Chelsea, até que o treinador deu
o ultimato: ele ou eu! Eu vibrei, sabia que o Chelsea me escolheria, mas não
foi o que aconteceu. Agora, eu agora era o jogador problemático e não mais a
galinha dos ovos de ouro. O novo atacante, revelado na base do Chelsea,
havia assumido o meu posto. Ele era jovem, evangélico e obediente. Os filhos
da puta estavam me substituindo.
Mas, eu daria a volta por cima e esfregaria na cara dos babacas o meu
sucesso. Por isso, comemorei quando fui dado por empréstimo para o Derby,
clube inglês da segunda divisão, o time estava com grandes chances de ser
campeão. Mas, a minha chegada ao clube não foi bem vista pelos atletas, eu
não tinha culpa de o maior salário do clube ser o meu. Ainda assim, fui
recebido pelo coro de boas vidas da torcida, mas a animação logo foi
substituída por cobranças. Eu não me encaixava ao esquema tático, a cada
partida o treinador me testava em uma melhor posição, mas os gols não
apareciam e a pressão aumentava. A gota d’água foi quando discuti, através
do Instagram, com um torcedor do Derby, ele havia ido até as minhas redes
sociais me xingar e retribui com xingamentos. Fui dispensado através de uma
nota assinada pelo presidente do clube onde informava que eu não integrava
mais a sua equipe.
Rodei por mais dois clubes ingleses e neles tive passagens marcadas
por brigas, bebidas e péssimo rendimento. Foi quando decidi seguir os
conselhos do meu amigo Juan e colocar a minha vida no eixo. O contrato
com o Chelsea estava chegando ao fim e eles não tinham o menor interesse
em renovar, do meu lado também não havia interesse. Por isso, deixei que ele
tomasse as frentes das negociações. Apesar de tudo, havia recebido propostas
de diversos clubes, inclusive brasileiros que estavam dispostos a me repatriar.
Manifestei o meu desejo em retornar ao Brasil, esperava recuperar o meu
futebol no meu país, além do mais ficaria mais próximo da minha mãe. Se
fosse no Flamengo então? Seria a concretização do sonho do meu pai, ter seu
filho jogado em seu clube do coração.
Quando Juan me retornou, informando que haviam chegado a um
denominador comum que favorecia tanto a mim quanto ao Chelsea, não me
deixei abater por não ir para o time rubro-negro. Como detentor de 60% dos
meus direitos, meu atual time finalizou a venda mais cara de um clube
carioca. No ano seguinte eu vestiria branco e preto e me juntaria ao elenco do
Botafogo.
Cinco anos depois

P arabéns! — Abro os
olhos e encontro os
homens da minha vida. Manoel, meu filho, segura um cartão com rabiscos e
desenhos, Renato traz nas mãos um buquê de rosas vermelhas.
— Bom dia — Respondo animada e sou abraçada forte pelo meu
filho.
— Parabéns mamãe! — Meu filhote entrega o cartão — Papai, que
me ajudou a colorir!
— Que lindo!
Há um desenho da nossa família: Renato, eu, Laurinha e ele.
Circulando todos nós um coração enorme. No canto da página na sua letra em
forma de lindos garranchos, está escrito “Mamãe, eu te amo!”
— Eu não poderia receber um melhor presente! — Emito o que meu
coração afirma.
Ele sorri satisfeito e olha para Renato com afeto.
— Feliz ano novo, meu amor! — Ele beija meus lábios.
Depois daquele aniversário, passamos a ver a data como um ano novo
pessoal, a mudança de data do calendário servindo para ressignificar as coisas
ao meu redor, deixar para trás mágoas e erros. Reiniciar a vida! Esse virou o
nosso feliz aniversário, há cinco anos seguimos comemorando meu novo
ciclo juntos.
— Papai, não esperou por mim? — Laurinha, repreende o pai.
— Você demorou muito escolhendo uma roupa.
— Ele não entende o nosso mundo — Sorrio, cúmplice, para ela.
— Feliz aniversário, mãedrasta. — Ela se aproxima e me abraça. —
Isso é para você — entrega-me o presente em uma bolsa de uma marca de
joias.
— Não precisava, obrigada meu amor!
— Mamãe, me ajudou a escolher.
— Medo! — Renato diz.
— Tenho certeza que gostarei — Sorrio.
Renato encara-me por alguns minutos e sinto a expectativa crescer
dentro de mim, a mãe da Laura tinha um humor peculiar, a última vez ela me
presenteou foi com uma caixa de camisinha. O que provocou uma crise riso
em nós, Renato brincou que era a primeira vez que ela acertava um presente,
até hoje rimos lembrando da situação, mas as crianças não compreenderam o
motivo do riso e tivemos que responder uma enxurrada de perguntas
desencadeadas pela explicação do presente, o que tornou embaraçosa a tarefa
de explicar a uma criança de cinco e a outro de dez que, por mais que os pais
se amassem, não tínhamos planos de ter um bebê, um irmãozinho estava num
plano distante.
Abro a caixa de presente e encontro uma gargantilha em forma de
coleira. A tira de couro preta é decorada por letras douradas formando o
nome Renato. O presente da ex-mulher do meu marido é uma coleira com o
seu nome. Uma forma bem-humorada de acusar a atual do seu marido de
fisgá-lo. Ana Laura, atualmente, também mora no Rio de Janeiro e visita a
filha aos fins de semana, nossa relação é respeitosa, ela está em outro
relacionamento e Renato e eu seguimos cada dia mais felizes.
— Gostou? — Laura encara-me em expectativa.
— Amei! — Minto.
— Sério, amor? — Renato indaga sorrindo — Deixe-me colocar
então, você ficará lindo usando.
— Não. — Ele arqueia a sobrancelha — Prefiro usar em uma ocasião
especial.
— O restaurante é especial, não é papai? — Manoel pergunta.
— Boa, campeão! — Ele bagunça os fios do cabelo do filho que sorri
— o jantar de aniversário é o ideal.
— Eu não disse tão especial assim...
— Falando em especial podemos tomar café? Estou com fome.
— Vamos, vou descer para preparar o café.
— Papai já preparou! — Manoel responde.
— Eu vou chegar primeiro! — Laurinha inicia uma disputa de quem
chegará primeiro a cozinha.
— Dessa vez, serei eu! — Manoel respondeu e ao grito do numeral
“três”, do Renato, eles seguem correndo.
— Quer dizer que você preparou o café da manhã? — Arqueio a
sobrancelha. As habilidades do Renato eram outras, ele era uma negação na
cozinha.
— Sim — ele puxa meu corpo para si, suas mãos seguem para minha
bunda — a padaria do bairro tem o serviço de delivery, você sabia amor? —
Ele completa beijando meu pescoço.
— Esse é o seu conceito de preparar café da manhã? — emito num
sussurro quando seus beijos molhados seguem em direção ao meu colo.
— Não — sua voz é rouca — O meu conceito de café da manhã é
amar você lentamente, saborear seu sabor...
— As crianças podem voltar a qualquer momento...
— Elas não farão isso. Não quando lá embaixo tem brigadeiro,
coxinha, rissole e torta de chocolate. — Ele desliza a alça da minha camisola,
repete o gesto com a outra e a peça choca-se ao chão, deixando-me apenas
com a calcinha de renda, seu corpo grande protege a minha nudez.
— Você pensou em tudo — Sorri — Mas, eu apostaria que temos
cinco minutos no máximo, daqui a pouco aqueles dois começam a implicar
um com o outro e seguiremos nosso café da manhã habitual.
— Então acho melhor não perdemos um único segundo.
Renato ergue as minhas pernas e as coloca em volta da sua cintura.
Segue até a porta do nosso quarto comigo em seu colo e tranca. Nossas bocas
se encontram num beijo molhado e estalado, uso as mãos para livrá-lo da
camisa, suas mãos puxam a samba canção liberando seu pau, a peça enrosca
nas suas pernas e sorrimos ainda com as bocas coladas, Renato usa os pés
para livrar-se por completo. Parecemos dois adolescentes esperando o
momento a sós para dar vazão ao sentimento.
Entretanto, quando nossos corpos se unem, esquecemos o tempo e o
mundo ao redor, naquele momento nossa conexão nos transporta para um
lugar distante. A cada vez que ele arremete dentro de mim, eu o recebo por
completo. A nossa troca não é apenas de saliva e suor, é muito mais. A nossa
relação é pautada na confiança, companheirismo, lealdade e amor. Um amor
construído ao longo dos anos, um amor que se estendia aos nossos filhos...
Renato deu a Manoel não somente o afeto do pai, ele deu seu
sobrenome e o adotou como filho. Ele jamais fez distinção entre ele e sua
filha biológica, eles eram criados da mesma forma, estudavam na mesma
escola, tinham a mesma vida, antes de ser pai no registro ele já era o pai do
coração.
O nome na certidão de nascimento apenas formalizou o sentimento.
Somente por amar o meu filho dessa forma, Renato já teria um enorme
espaço na minha história, mas ele era ainda mais. Foi o meu incentivador
para voltar a faculdade, cuidou das crianças enquanto eu estudava, me apoiou
quando decidi voltar a trabalhar, esteve ao meu lado na prova para tirar a
CNH e muito mais.
Ao seu lado desabrochei como mulher e fui atrás dos meus sonhos.
Claro que ele tem defeitos, muitos até, posso enumerar diversos, mas as suas
qualidades pesam a balança ao seu favor.
Você é o meu melhor presente!
Penso antes de ser arrematada pelo prazer.

— Vovó! — Manoel corre em direção a minha mãe assim que ela


surge no seu campo de visão.
Convidamos a minha mãe e meus irmãos para jantar conosco em
comemoração ao meu aniversário. Minha mãe exibe uma das suas últimas
criações, um conjunto de saia e blusa elegante que ela copiou do modelo da
revista. Nesses últimos anos ela dedicou-se a costura, a sua antiga paixão,
abrimos um pequeno ateliê em sua casa, algo simples e ainda pequeno, mas
ela está radiante, e isso é o que verdadeiramente importa.
— Meu amor! — Ela ergue o neto e o beija no rosto.
— Estava com saudades — Ele diz manhoso no braço da vó.
— E da gente você não estava, moleque? — Eduardo indaga e meu
filho segue de um braço para outro.
— A gente vai jogar bola hoje? — Pergunta animado ao tio — Eu
aprendi uns dribles novos com o papai.
— Vocês estão diante do futuro melhor jogador do mundo. — Renato
diz orgulhoso.
— Sim! — Manoel afirma convencido.
— Ele ainda é muito jovem para saber o que será no futuro... —
Respondo, pois, a menção ao futebol ainda me gera desconforto. A última
vez que estive em um estádio foi na Inglaterra, desde lá me desliguei
completamente do esporte. Meus irmãos continuam fanáticos, mas num
acordo mudo, eles não falam do Arthur na minha frente.
Entretanto, não tive como conter o Manoel, o seu fascínio pelo futebol
era algo inato, Renato brinca que ele primeiro aprendeu a driblar e só depois
a andar. Com os anos os pedidos para ser matriculado na escolinha de futebol
ficaram repetitivos e insistentes. E eu não tive outra alternativa a não ser
ceder, claro que Renato ajudou bastante, ele foi o intermediário nessa
decisão. E ao fim a vontade do nosso filho permaneceu.
— Exatamente, meu amor — Renato toca a minha mão com carinho
— A única coisa que esse pequeno precisa se preocupar agora é se prefere
filé com fritas ou espaguete...
— Fritas, né pai?! É a minha comida favorita do mundo inteiro.
— Mais do que a da vovó? — Minha mãe pergunta.
— A segunda melhor...
— E a lasanha do tio Carlos? — Meu irmão sorri.
— E agora, mamãe? — Ele pergunta visivelmente confuso.
— Parem de confundir o garoto — sorrio — Diz que você ama a
comida de todos, filho.
— Menos do papai! — Ele rebate e arranca uma gargalhada geral. —
Eu falei algo errado?
— Não. — Respondo e Renato me encara sorrindo — A verdade é
que você é terrível na cozinha.
— O lado bom é que ele nos leva para comer na rua sempre. — Laura
defende o pai.
— Exatamente, filha — Ergue a mão e eles trocam um carinho
habitual deles, o bater de mãos ao alto, o gesto estendeu-se ao Manoel, eles
dizem que é o cumprimento do clã dos Souza, sobrenome do Renato.
— Por isso estamos aqui, meu marido é exímio em encontrar bons
restaurantes.
— Tenho meus atributos! — Ele sorri — Sentem-se, estávamos
apenas esperando vocês chegarem para fazermos os pedidos.
— Estou morrendo de fome, já vou logo avisando! — Eduardo
informa e todos sorrimos.
O resto da noite seguiu nesse ritmo, entre conversas e sorrisos,
celebramos reunidos o nosso amor. Já havíamos solicitado a conta quando
levantei para acompanhar Laurinha e Manoel ao banheiro.
— Lavem bem as mãos e enxuguem! — digo ao dois que obedecem
prontamente.
— Eu aposto que ganho de você na corrida! — Manoel desafia Laura
— Eu passei da idade de corridas! — Ela rebate num ar de
superioridade.
— Você só fala isso por que está com medo de perder! — É
engraçado ver o pequeno tamanho de gente sentindo-se gente grande. Eles
viviam essa relação de amor e brigas ao longo do dia. Laura não permitia que
ninguém zombasse dele e o inverso também acontecia. Agora entre eles a
gozação rolava solta, eles alimentavam a implicância de irmãos. E é
exatamente isso que ele faz agora — Fracote, fracote, fracote! — Ele mostra
a língua.
— Eu não sou fracote e vou ganhar de você.
— Não vai nada!
— Estamos em um restaurante e vocês estão grandinhos para
correrem em público.
— Eu vou vencer, mãe!
— Isso é o que vamos ver, irmãozinho.
— Ninguém irá vencer, pois não haverá disputa. — Repreendo de
forma mais assertiva, Laura pondera por alguns segundos, mas Manoel
continua a provoca-la. — Nenhum dos dois sairá corren... — Não chego a
completar a frase.
— No meu três — Laura avisa e inicia a contagem rápida em questão
de segundos os dois disparam a correr, apresso o passo para alcança-los e
impedir que eles acabem esbarrando em um garçom.
— Eu venci! Eu venci, pai! — Manoel grita, eufórico.
Abro a boca para passar um sermão nos dois por terem me
desobedecido, quando ele se vira em minha direção, fazendo com que eu
perca a linha de raciocínio. Sempre pensei que esse dia não chegaria,
pertencemos a mundos diferentes, portanto o nosso encontro parecia algo
improvável de acontecer.
A sua presença me inquieta, tenho vontade de correr para o mais
longe possível levando meu filho. É muita cara de pau dele ir ao encontro da
minha família, aparecer depois de tantos anos, depois de recusar a conhecer o
próprio filho, a sua presença é uma afronta e a minha vontade é gritar e
manda-lo se afastar de todos nós. Todavia não faço, não quero expor minha
família e opto pelo silêncio.
— Olívia... — Meu nome sai dos seus lábios e a minha memória
afetiva lembra-me de todas as vezes que escutei meu nome na sua voz.
Todas as vezes que me derreti a cada vez que ele me olhava dessa forma e
pronunciava o meu nome surgem em minha mente. Porém, os pensamentos
se dissipam quando sinto o toque de Renato no meu corpo. Seu braço circula
a minha cintura, em um abraço apertado.
— Algum problema? — Renato indaga.
— Nenhum! — Arthur responde — Me deem licença que a minha
companhia está me aguardando. — Volta-se para meus irmãos.
— Tchau Arthur! — Eles se despedem.
— Vamos, amor? — Renato pergunta quando ele se afasta.
— Claro! — Respondo.
Ele não afasta o toque, permanece envolvendo meu corpo enquanto
seguimos em direção a saída.
De soslaio vejo a companhia de Arthur, uma mulher que parece ter
saído de um catálogo de modas, corpo esquio, cabelos vermelhos como o
fogo, ela fala algo que o faz rir alto. Nossos olhares se encontram e ele ergue
a taça de champanhe em minha direção.
Sinto o braço de Renato me apertar ainda mais, mostrando que ele
percebeu a interação. Não dizemos uma única palavra ao outro, apenas
continuamos caminhando. Do lado de fora aguardamos o Uber chegar para
levar minha mãe e irmãos, enquanto conversamos sobre os preparativos do
aniversário do Manoel, ainda tínhamos alguns meses pela frente, mas ele
estava eufórico, não falava de outro assunto que não fosse o seu aniversário.
A cada dia ele acordava e mudava o tema escolhido, já desistiu do safari, liga
da justiça, Ben 10, agora ele queria que o tema fosse futebol. Tenho certeza
que a presença dos tios influenciou na sua escolha, amanhã ele já teria
escolhido outro tema. O carro chega e seguimos para o nosso.
— Está tudo bem? — Ele pergunta quando entramos no carro.
— Sim. — Respondo, Renato me estuda por alguns segundos,
buscando alguma nuance que indique o contrário.
— A noite foi ótima, amor. Como todas as outras, obrigada.
— Nada menos do que você merece. — Ele aproxima-se e seus lábios
tocam os meus num beijo carinhoso — Eu amo a família que nos tornamos.
— Diz ao se afastar.
— Eu também.
Renato dá partida no carro e perco-me nas sensações. Eu me sentia
inquieta como há muito tempo eu não me sentia. Aos poucos tudo vai se
aquietando e me concentro no agora. A canção familiar do CD de música
infantil ecoa no carro, as crianças no banco de trás cantam animadamente,
Renato junta-se a elas no refrão, eu absorvo a felicidade de todos eles, os
sorrisos bobos e a cumplicidade. Essa era a minha vida. Eu mais do que
ninguém amava essa família que havíamos nos tornando. Tínhamos parceria,
cumplicidade, companheirismo e amor, um amor que foi construído e
lapidado aos poucos.
Renato não é apenas meu marido, é meu amigo, meu companheiro,
alguém que divide comigo a responsabilidade de educar uma criança, alguém
que compartilha as minhas alegrias e tristezas. Nós quatros formamos uma
família, não é a família de comercial de margarina, mas é a minha família e
eu os amo. E é com essa certeza que embarco na cantoria e seguimos
cantando até a nossa casa. A última coisa que penso antes de dormir é que eu
fiz a escolha certa.
A rthur, Arthur! —
Meu nome é dito
aos gritos. Ignoro no primeiro momento e puxo a cadeira para que a minha
acompanhante se sente.
— É sempre assim? — Ela pergunta sorrindo quando os gritos
prosseguem.
— Já foi mais... — Limito a responder. A verdade é que com os
últimos acontecimentos a abordagem dos fãs começou a cair gradativamente,
a ponto de hoje conseguir ir ao supermercado com a minha mãe e passar
despercebido. Os anos passaram e um novo astro do futebol ocupou o posto
que era meu, a decadência da minha carreira levou não apenas o meu
dinheiro, levou também os fãs.
Por isso, sinto meu ego inflar quando escuto meu nome ser chamado,
os gritos continuam e olho na direção deles. Provavelmente deve ser algum
fã. E realmente são. Meus maiores fãs e ex cunhados. André e Eduardo
acenam de forma frenética. Eu poderia retribuir o aceno e sentar para jantar.
Mas não faço isso, continuo parado encarando-os.
— Boa noite... — O garçom aproxima-se — É um prazer recebê-los
no nosso restaurante.
— Arthur, você não vai se sentar? — Ana pergunta. Retribuo o aceno
dos garotos e sento. Lamentando pela a minha disposição da cadeira me
deixar de costas para a mesa deles. Eles cresceram muito desde a última vez
que nos vimos.
Cinco anos já haviam se passado...
— Que garotos chatos! — Ela reclama — Estamos em um ambiente
chique e claramente eles não fazem partem desse mundo, completamente
descolados.
— Você formou essa opinião em apenas alguns minutos de
observação? — Não consigo conter a irritação.
— Eles estão gritando chamando a atenção de todos, se tivessem um
pouco mais de classe, não teriam agido assim. Levantavam e abordavam você
educadamente. Não é porque são fãs que eles precisam agir histericamente,
poderiam ter vindo ao seu encontro e solicitado uma foto.
— Você tem razão. — Ela sorri. — Vou até os meus fãs.
— Arthur, você vai me deixar sozinha no nosso primeiro encontro!
— Peça uma taça de Chandon, ele será uma excelente companhia
enquanto cumprimento meus fãs. Ela me fuzila com o olhar, mas não abre a
boca para protestar.
— Boa noite! — Cumprimento a todos — Tudo bem dona Maria?
— Tudo. — Ela responde educadamente. E o silêncio impera. Não
sei onde estava com a cabeça quando levantei e vim até eles, um aceno teria
evitado esse impasse.
Ao redor da mesa estão além da mãe de Olívia e seus irmãos, um
homem sentado de costas para mim, seus olhos estão fixos ao celular em sua
mão, há três lugares vagos que indicam a presença de mais pessoas. Será que
Olívia estava ali?
— Você continua jogando um bolão! — André rompe o silêncio e
levanta-se para me abraçar.
— Você cresceu cara! — Digo retribuindo o abraço.
— Não mais que eu! — Eduardo aproxima-se e comprovo o que ele
diz, o garoto franzino ganhou músculos e exibe uma penugem em forma de
barba.
— Você já tem alguns pelos no buço. — Perturbo.
— Sai fora, Arthur. — Ele rebate sorrindo — O que você vê é a
minha barba, ela ainda está em fase de construção.
— Se a gente comparar a reforma do Maracanã, sabemos que levará
anos — André rebate o irmão.
— Falando em Maracanã, não te perdoei por ter optado pelo Botafogo
ao invés do nosso rubro negro. Você é uma vergonha a nossa nação. —
Eduardo aproveita para me alfinetar. Essa é a frase que mais escuto e recebo
nas minhas redes sociais dos torcedores do Flamengo.
— Tenho certeza que você fala isso por que estou jogando bem, se eu
estivesse fora de forma com toda certeza estariam comemorando.
— Isso é verdade— Ele responde.
— Você sempre pode se redimir e passar em branco no próximo
clássico. — André insinua.
— Vai sonhando! Vou marcar dois gols e dedica-los aos meus
maiores fãs! — Perturbo.
— Quem disse que ainda somos seus fãs? — Rebate sorrindo.
— Eu venci! Eu venci, pai! — A voz de uma criança chama a minha
atenção. O menino corre em direção ao homem que levanta da cadeira e
ergue o menino que o abraça forte. Eu reconheço aquele homem. É o mesmo
que esmagou todas as minhas esperanças. Aquela criança só podia significar
uma coisa... Olho para trás e a encontro parada encarando-me. Os anos se
passaram, mas eu jamais a esqueci. Como eu poderia esquecer quando eu
havia catalogado cada momento do que vivemos juntos? O meu cérebro havia
registrado cada detalhe do seu corpo. Ainda assim, olhar para Olívia
continuava a ser sempre novo. Continuava a despertar sensações que eu
achei ter sufocado ao longo dos anos.
Olívia está ainda mais linda, se é que isso é possível. Por alguns
segundos esqueço do tempo, ela não mudou fisicamente, mas ainda assim
parecia outra mulher. Talvez seja o cabelo solto ou a roupa mais
provocante...A mulher a minha frente é diferente da minha Olivia, todavia
possui a mesma capacidade de me seduzir.
— Olívia... — Pronunciou seu nome apenas para saber que não é um
sonho. Ela está a minha frente e eu deveria ir embora, é o correto a se fazer,
mas estou enfeitiçado mais uma vez pelo canto da sereia.
— Algum problema? — O homem a abraça por trás.
O ato é típico do homem que deseja marcar território, ele faz questão
de deixar claro o seu papel na vida dela, eu sou o passado, um passado que
ela fez questão de deixar para trás. Ele é o seu presente. O meu olhar foca na
aliança dourada em sua mão e confirma todas as minhas dúvidas.
Eles estão juntos! As notícias não eram levianas. Olívia e Renato
sempre estiveram juntos. Como ela pôde fazer isso comigo? Como ela pôde
levar até o último minuto essa farsa? Se as imagens não tivessem sido
divulgadas ela estaria casada comigo, tendo Renato como seu amante? E essa
criança, ela teria registrado como meu filho? As acusações da minha mãe
eram reais... É doloroso constatar que a única mulher que eu amei em minha
vida era uma farsa. Hora de recuar Arthur...
— Nenhum! — Respondo contendo toda a fúria em mim — Me deem
licença que a minha companhia está me aguardando.
— Tchau Arthur! — Os meninos se despedem.
Os passos que me levam até a minha mesa seguem sem que eu tenha
controle dos meus pensamentos. A minha cabeça fervilha com as últimas
descobertas. Eu não imaginava encontrar Olívia disponível para mim... A
quem estou tentando enganar? Era claro que eu queria reencontrá-la, queria
ter a oportunidade de conversarmos como dois adultos, eu precisava dizer
que as acusações de Laila eram falsas, a verdade iria nos aproximar. Como
você é patético Arthur.
Vivi preso nesse ideal romântico de que o tempo é o senhor soberano
e no momento certo as coisas aconteceriam. Mantive viva essa segunda
chance da vida e mais uma vez a vida me dá uma rasteira. A mulher que amei
não apenas me esqueceu, como construiu a sua vida. Ela estava casada e tinha
um filho.
— Algum problema?
— Nenhum — Minto — Já realizou os nossos pedidos?
— Não, estava esperando você retornar e dizer que eu sou o seu
jantar! — Ela ergue a taça e sorri. A sua sinceridade me faz rir alto.
— Sempre podemos pular para a sobremesa! — Respondo. Olívia
passa por nós e nossos olhares se encontram, ergo a taça em um brinde,
imediatamente ela recua o olhar e o seu marido me destina um olhar mortal.
A família feliz segue em direção a saída e eu me concentro na bela mulher a
minha frente. Aceno para o garçom que se aproxima rapidamente.
— Prontos para os pedidos?
— A conta por favor, temos outros planos! — Anuncio.
Ao fim daquela noite eu me lembraria por que eu deveria parar de
procurar Olívia nas outras mulheres. Ela estava em outra e eu deveria fazer o
mesmo.

— Aquele garoto ali — aponto para o menino que realiza


embaixadinhas — Qual o nome dele? — Pergunto.
Desde que reencontrei Olívia ela não sai da minha cabeça. E parece
que o universo está de sacanagem com a minha cara, pois me trouxe até uma
escolinha de futebol na Zona Sul do Rio para uma palestra. Jamais imaginei
encontrar o filho da Olívia aqui.
— Manoel, é o chaveirinho do clube! — O treinador diz orgulhoso —
Apesar da pouca idade, tem um bom domínio de bola.
Ele tem razão, o menino é superior as demais crianças. É como se o
gene do futebol estivesse ali.
— Ele é muito bom! — Concordo.
— Ele ficará orgulhoso em saber que o máquina mortífera o elogiou.
É a deixa que eu preciso para me aproximar dele.
— Manoel, estava elogiando você ao seu professor. Parabéns, seu
domínio de bola é perfeito.
— Obrigado — Ele sorri — Mas, ainda preciso melhorar o chute a
longa distância...
— Podemos treinar isso agora, o que acha?
— Claro! — Ele concorda animado.
Vou para o gol e faço a vez de goleiro. A cada chute aproveito para
orientá-lo no posicionamento e sondar um pouco mais da sua vida.
— Quantos anos você tem?
— Cinco, iriei fazer seis logo, logo.
Cinco! Pelas contas Olívia já estaria grávida dele quando nos
separamos o que apenas confirma a versão da mídia que Renato e ela eram
amantes.
— Você tem irmãos?
— A Laurinha, você a viu no restaurante. — Ele lembrava quem eu
era...
— Meus tios disseram que você foi um grande jogador. Será que um
dia serei um grande jogador também?
— O que você está fazendo aqui? — Olívia indaga, furiosa.
— Ele está me ajudando a melhorar o meu chute. — O menino
responde.
— Vá pegar a mochila, meu amor.
— Só mais cinco minutos! — Ele pede com as mãozinhas juntas.
— Hoje não! Vá até o vestiário e pega a mochila.
— Droga. — Ele afasta-se resmungando.
— Eu não vou sequestrar o seu filho.
— Disso eu não tenho dúvidas! — Ela ironiza — Mantenha-se longe
dele é o melhor para nós dois.
— Ou o seu marido irá me agredir como fez com os jornalistas? —
Acuso.
— O recado está dado! — Ela afasta, mas seguro seu braço.
— É assim? Vamos fingir que nunca nos conhecemos?
— Solta meu braço — ela rosna e afasto o meu toque — O que você
quer depois de tantos anos?
— Conversar com você, parabenizá-la pelo casamento. Você não
demorou muito para substituir uma aliança pela outra. Se bem que a que te
dei era muito mais cara!
— Espero que Laila tenha feito bom uso dela. Falando nisso cadê o
seu filho? Não me diz que o abandou também?
— A criança não era minha. Eu teria dito isso a você na época se não
tivesse fugido de mim.
— Sinto muito se não pausei a minha vida para viver a sua.
— Você foi além disso, Olívia. Levou duas vidas ao mesmo tempo!
— O que você está insinuando?
— Eu entendo você, entendo mesmo. Embora, no seu lugar eu não
agisse assim. Mas, é compreensível que você tenha se deixado levar, eu te
proporcionei uma vida que ele jamais poderia te dar.
— Eu não vou ficar aqui ouvindo as suas asneiras. —Deu as costas e
começou a caminhar, segui seus passos.
— Eu levei a sua família para a Inglaterra na primeira classe. Atendi
todos os seus caprichos, fui o seu brinquedo de estimação, eu teria casado
com você e passado todos os meus bens para o seu nome. A essa altura todos
vocês estariam ricos, você só precisava esperar mais alguns meses, e você e
seu amante teriam acesso a minha fortuna. Eu teria registrado esse moleque e
você receberia uma pensão tão alta que jamais precisaria trabalhar.
— Você é um verme! — Ela espalma o meu rosto com força —
Ainda bem que você não fez nada disso ou me arrependeria ainda mais do
que já me arrependo do dia que te conheci. Meu filho não poderia ter melhor
pai nessa vida. Renato não tem a sua grana, mas ele tem algo que você jamais
terá Arthur: integridade. Isso dinheiro algum compra.
— A golpista aqui é você! — O tapa fez meu sangue esquentar — Eu
assinaria a porra de um cheque em branco por você! Eu joguei a minha vida
no buraco por você! Se tem alguém aqui que lamenta ter te conhecido esse
alguém sou eu, Olívia.
— Não me responsabilize pelas suas escolhas.
— Para você é fácil falar, você seguiu a sua vida.
— Faça o mesmo e jamais se aproxime de nós novamente. Você não
irá gostar de me ter como inimiga.
Olívia afasta-se e me deixa ali absorvendo o impacto desse
reencontro.
assim que Renato abre a porta do nosso apartamento.
F inalmente!
— Deixo
escapar

— Boa noite, amor. — Ele responde calmamente.


— Boa noite, as crianças estão te esperando.
Não preciso erguer os olhos do notebook no meu colo para saber seus
próximos passos. Ele retira o sapato e o abandona ao lado da porta, deposita o
molho de chaves junto com a carteira na mesinha de centro, a pasta carteira
junta-se as almofadas do sofá. Amanhã antes de ir ao trabalho ele perguntará
onde deixou cada um desses itens e eu pacientemente informarei a
localização de cada um.
— Combinamos algo? — Ele senta-se ao meu lado no sofá.
— Sim, você prometeu levá-los para andar de patins na orla!
— Esqueci completamente! — Lamenta-se — Estamos passando por
uma auditoria, não tive tempo nem para almoçar...
Era sempre assim. Quando não era a papelada, eram os clientes, as
reuniões, os colaboradores. Renato era gerente administrativo de uma
instituição bancária particular, a agência consumia metade do seu dia, ele era
o primeiro a chegar e o último a sair, de modo que acostumamos lidar com a
sua ausência. Renato faz questão de participar da rotina das crianças,
religiosamente ele as leva todos os dias a escola e coloca-os para dormir. Às
vezes ele consegue chegar na hora do jantar e fazemos as refeições juntos.
Ainda assim, isso não minimiza a sua ausência, as crianças são as que mais
cobram a sua atenção, e ele tenta a todo custo compensá-los. Quanto a mim,
eu meio que me acostumei com seus horários. Afinal, ele está trabalhando
para nos proporcionar uma vida melhor. Entretanto, as vezes tudo que eu
queria era chegar em casa e encontrar alguém para conversar, assistir filmes
enquanto comemos pipoca.
— Mamãe, vamos! — Manoel grita do corredor — Já estou pronto.
— Eu não ganho um beijo de boa noite? — Ele beija o pai no rosto.
— Papai, você está atrasado!
— Eu sei, filho.
— Quem vai nos levar mamãe ou você?
— Que tal os dois? — Ele insinua.
— Sim! — Responde eufórico.
— Você iria com eles, amor? — Volto minha atenção para Renato —
Preciso elaborar as provas semestrais.
— Claro, vou tomar um banho rápido e vamos!
— Obrigada. — Deposita um selinho nos seus lábios e afasta-se.
As crianças e Renato retornam horas depois, ainda estou trabalhando
quando eles chegam. Graças ao meu esforço, atualmente sou professora
concursada do estado, trabalho no horário matutino na turma do segundo ano
do fundamental.
— Dormiram? — Pergunto quando ele retorna a sala.
— Sim — Ele informa sentando-se ao meu lado, ele ergue meus pés e
coloca sobre o seu colo e os massageia. — Já acabou por hoje?
— Ainda não, mas pode ir dormir eu chego na cama em vinte
minutos.
Renato continua a tocar os meus pés, o toque é relaxante depois do
dia turbulento.
— O que o Arthur queria?
— Como assim? — Devolvo a pergunta.
— O Manoel falou que o Arthur esteve na escolinha de futebol... Por
que você não me contou?
— Eu não queria chateá-lo com um assunto sem importância. Foi
apenas uma infeliz coincidência...
— Nos últimos dias o Rio ficou pequeno demais. É encontro no
restaurante, na escolinha. Onde será o próximo encontro? Amanhã corro o
risco de chegar para jantar e encontrá-lo no meu lugar?
— Como você é patético! — Puxo os pés do seu colo e encolho-me
no sofá.
— Desculpa, eu não quis te ofender.
— Mas, ofendeu — Rebato — Estamos juntos há cinco anos, tempo
mais que suficiente para você saber que tipo de mulher eu sou.
— Desculpa amor, mas a presença desse homem é aterrorizante. Ele
pode querer o nosso filho. Você não tem medo que isso aconteça?
— Como você acha que eu reagi quando encontrei ele conversando
com nosso filho? Eu fiquei histérica, mas ele simplesmente ignorou a
existência do filho, assim como fez todos esses anos.
— Espero que continue assim — Completa — Eu sou o pai do
Manoel e nada mudará isso.
— Isso é um fato incontestável. Entretanto, legalmente ele pode a
qualquer momento solicitar a alteração da certidão de nascimento e a guarda
compartilhada. E o que vamos fazer quando esse dia chegar? — Meus olhos
enchem-se de lágrimas — Estávamos tão felizes, tudo parecia ter se
acertado...
— Amor, não fica assim — me abraça — Eu não vou permitir que ele
afaste nosso filho de nós. Vamos consultar um advogado especializado em
direito de família. Se um dia ele quiser assumir essa paternidade estaremos
prontos para impedi-lo. Deixa comigo que eu resolverei tudo.
— Eu te amo e obrigada por estar ao meu lado em todos os
momentos.
— Também te amo.

— Olívia, tudo bem? — Juan senta-se ao meu lado na arquibancada.


Vim prestigiar o meu pequeno na partida de futebol.
— Tudo e você?
— Melhor agora — ele sorri — Seu filho é um excelente jogador.
— Obrigada.
— Estive observando-o nas últimas semanas e estou encantado com o
passe de bola dele, ele bate na bola do mesmo jeito que o Arthur. — Engulo
em seco e continuo a olhar para o campo — Ele já tem empresário? Eu
gostaria de oferecer os meus serviços, apesar de muito pequeno ele tem um
grande potencial
— Ele não precisa de um empresário, é uma criança.
— Os clubes apostam cada vez mais alto na contratação de jovens
jogadores, é um diamante bruto mais fácil de ser lapidado.
— Agradeço o seu convite, mas a minha resposta é não.
— Tenho certeza que o pai pensa diferente.
— Meu marido e eu pensamos iguais. Manoel está na fase de brincar
e não assinar um contrato.
— Eu me referia ao pai verdadeiro...
— Do que você está falando?
— Eu tive acesso a ficha do Manoel.
— Isso não diz nada....
— Pela data de nascimento significa que você já estava grávida
quando terminou a sua relação com o Arthur.
— Você é bom em contas. — Ironizo.
— Muito bom — Ele sorri — Por isso, estou prestes a compartilhar
com o Arthur essa possibilidade de ele ser o pai, as estatísticas apontam 50%
para ambos os lados. Um exame de DNA e tudo será resolvido.
— O que você quer?
— Vim até aqui com o intuito de esquecermos as arestas do passado e
nos concentramos no futuro. Deixe-me proporcionar uma boa vida a você
gerenciando a carreira do moleque.
— Isso não irá acontecer — Levanto da cadeira — Tudo que eu quero
nessa vida é distância de vocês.
— Você não vai se livrar de nós tão fácil.
— Isso é uma ameaça? — Indago furiosa.
— Entenda como quiser...
— Avisa ao Arthur que a próxima vez que ele quiser me intimidar não
mande seu cão de guarda.
— A gente precisa conversar. — Encontro Arthur recostado no carro
na porta da escola que trabalho.
— Não temos nada para conversar. — Caminho em direção ao meu
carro.
— Temos muito a dizer, passamos os últimos anos sufocando nossas
palavras.
— Fale por você. — Digo na defensiva.
— O Manoel é meu filho? — Ele vai direto ao assunto.
— Arthur, eu estou atrasada para buscar as crianças na escola. —
Abro a porta do carro, mas ele impede que eu entre.
— Vamos conversar agora, você decide se é no meio da rua ou dentro
do seu carro. — Ele é meu filho não é? — Pergunta sentando no banco do
carona.
— Por que você quer saber disso agora? — Meu tom de voz se altera
— Você passou anos distante de dele, anos negando a sua existência.
— Do que você está me acusando? Eu não sabia que você estava
grávida.
— Você quer que eu acredite nisso? — Sorrio irônica.
— Eu não abandonaria o nosso filho. Se eu soubesse da existência
dele teria procurado você, ainda que nossa relação não tenha vingado, sou o
pai dessa criança e quero cria-la.
— Manoel já tem um excelente pai que é o Renato. Não precisa se
preocupar...
— Foda-se o Renato — Esbraveja — Eu tenho direitos sobre essa
criança, você não vai me excluir para sempre da sua vida. Você decide se
vamos pela maneira mais simples ou a burocrática.
— O que você pretende Arthur? Impor a sua presença a criança?
— Registrar o meu filho.
— Ele já está registrado.
— Não me diz que...
— O Renato o registrou como seu filho. — Completo.
— Deve haver alguma possibilidade de anularmos essa certidão.
— O nome no registro não tornará você o pai do ano.
— E quem disse que eu quero esse posto? Apenas quero conhecer o
meu filho e conviver com ele. Por isso, vamos realizar o teste de DNA o mais
rápido possível.
— Não iremos realizar nenhum exame.
— Isso é o que você está dizendo.
— Esqueça que um dia me conheceu.
— Acredite, Olívia, eu tentei. — Ele acaricia o meu rosto e minha
pele reconhece o toque;
— Sai do meu carro, por favor. — Afasto seu toque. Ele hesita por
alguns segundos e faz o que peço.
— Amanhã quero conhecer o meu filho.
— Isso não será possível.
— Estou sendo paciente com você, Olívia. Recorrerei a justiça se
preciso for.
— Sinta-se se a vontade. — Finjo tranquilidade. Arthur reage com
palavrões, mas não fico para ouvi-los, coloco o carro em movimento e sigo
em direção contrária a sua. É o melhor a ser feito.
falamos? — Pâmela indaga.
A rthur
você
ouviu que

— Não. — Respondo.
Meus pensamentos estão mais uma vez em Olívia e no Manoel, havia
uma possibilidade do menino ser meu filho. Um filho que demorei cinco anos
para saber da sua existência.
— Estamos falando sobre a festa de aniversário dos seus afilhados.
— Eles querem uma pool party, esse ano. — Juan informa.
— Estou tentando o contato com o DJ Teen, mas ele está com a
agenda lotada...
— Legal.
— Legal? — Pâmela arqueia a sobrancelha — O que está
acontecendo? Você mal tocou na comida?
— A Olívia — Ela assente em silêncio — Tudo indica que temos um
filho.
— Um filho? — Ela pergunta surpresa.
— Sim.
— Você tem certeza? Quer dizer... Vocês ficaram muitos anos
separados, todavia não acho que Olívia omitiria essa informação.
— Por que não? — Juan questiona.
— Nós a conhecemos! — Pâmela defende — Ela não iria optar por
criar uma criança sem o conhecimento do pai. Ela é totalmente família.
— A menos que ela tenha encontrado um novo pai... — Meu amigo
verbaliza o meu pensamento.
— Porque tenho a impressão que perdi o capítulo anterior dessa
história? — Eu havia dividido com apenas ela sobre o meu reencontro com a
Olívia no restaurante. Os últimos acontecimentos ainda estão sendo
digeridos, compartilhei somente com Juan, e meu amigo não informou a sua
esposa, conforme o combinado. Pâmela, fora a única que defendeu a Olívia
na época, segundo ela Olívia merecia o benefício da dúvida. Os anos
passaram e ela foi obrigada a concordar com as manchetes.
— Sabe o evento na escolinha de futebol? Então, o filho da Olívia
estava lá e me aproximei dele, perguntei a sua idade. Ele tem cinco anos Pâm,
cinco anos! Exatamente o tempo que Olívia saiu da minha vida sem dizer
adeus.... Eu não quero criar esperanças, mas esse menino pode ser meu filho.
— Entendo... O que você pretende fazer?
— Exigir o exame de DNA! — Juan responde por mim.
— Você esquece que tem uma criança do outro lado? — Pâmela
reage irritada — Levar um caso desses a justiça apenas atrairá a mídia, o
melhor a se fazer é buscar resolver a base do diálogo.
— E o que faço Pâm? Espero mais cinco anos até que ela decida
revelar a verdade?
— O Arthur tem razão, dar tempo ao tempo não é a melhor solução.
— Eu discordo. O Arthur não pode chegar e pressionar. Pelo que
vocês contaram ela construiu a sua família, forçar uma relação apenas
afastará a criança do Arthur.
— Claro que pode! — Juan discorda — Qualquer juiz daria a guarda
a ele, nessas circunstâncias. Arthur é o pai, é rico, não preciso enumerar os
demais motivos.
— Eu me recuso a acreditar no que ouvi! Quando você virou esse
capitalista? — Ela questiona o marido.
— Vocês não precisam brigar por isso! — Tento intermediar. — É
um problema meu, resolverei da melhor forma.
— Não Arthur, o problema passa a ser nosso — Pâmela rebate —
Quando meu marido se posiciona de uma forma capitalista
— Estou sendo prático, amor.
— Você faria isso comigo Juan? Seria prático quando lhe conviesse?
— Sério Pâmela? — Ele rebate irritado — Você está levando para o
pessoal. Você não é a Olívia!
— Mas sou mãe! E como mãe posso imaginar como ela deve estar se
sentindo. Como você reagiria se soubesse que seus filhos podem ir para outra
família só por que eles têm mais dinheiro?
Pâmela tinha razão, Olívia deveria estar com medo que eu afastasse a
criança dela. Eu seria incapaz de fazer isso.
— Você está sendo emocional, Pâmela. Em termos racionais o
dinheiro do Arthur propiciaria uma vida melhor a essa criança, pense na
educação de qualidade, as viagens nas férias, os brinquedos modernos.
— Dinheiro não compra amor e isso a família de Olívia tem de
sombra!
— Amor...
— Pâmela tem razão! — Concordo.
— Ambos falam isso por que hoje possuem uma boa vida, parece que
esqueceram de onde vieram, da vida difícil de anos atrás.
— Você que esqueceu — aponta para o marido — esqueceu de que
não é o dinheiro o alicerce de um relacionamento.
— De qualquer forma, o resultado do exame do DNA sairá em alguns
dias e caberá ao Arthur tomar a melhor decisão.
— Do que você está falando? — Pergunto surpreso — Olívia se
antecipou?
— Eu colhi o material genético do menino, foi simples eu disse que
estava analisando os melhores jogadores, bastou apenas coletar a saliva
dele....
— Você fez o que? — Pâmela grita.
— Eu apenas antecipei as coisas. Por que o espanto?
— Você não podia ter feito isso! — Rosno — Não era assim que eu
pretendia resolver a situação. Olívia ficará ainda mais irritada.
— Ela ficará de qualquer forma...
— Você não tinha esse direito! Você não pode decidir a minha vida,
sem me consultar.
— Você não teria coragem de confrontá-la. — Juan rebate.
— E você se acha no direito de fazer isso? Eu não recordo de ter
assinado um maldito papel que te autorize resolver meus problemas pessoais.
— Vocês estão brigando? — Minha afilhada aparece repentinamente.
— Não, meu amor. — Juan responde.
— Cadê seu irmão? — Pâmela pergunta — Vão se atrasar para a aula.
— Eu! — Ele surge na sala.
— Vamos, dê tchau ao dindo e ao papai! — Os meninos obedecem.
— Você vem com a gente padrinho? — Diego pergunta — Meus
amigos vão morrer de inveja quando eu chegar ao lado do máquina mortífera.
— Fica para uma próxima. Vou ficar e tentar falar com o Dj, vamos
ver se meu nome ainda abre portas — Sorrio.
— Já disse que te amo, dindo? — Dafne aproxima-se e beija meu
rosto.
— Já, mas pode dizer muitas outras vezes — Boa aula.
— Tchau, amor.
— Tchau. — Ela responde secamente ao marido.
— Juan eu quero que ligue em cancele a amostra do exame. —
Informo quando ficamos a sós.
— Isso é loucura Arthur!
— Não importa, eu não sou esse tipo de homem que age escondido.
— Você pode solicitar outro legalmente, o resultado desse apenas
sanará as suas dúvidas.
— Isso sou eu quem decido — sou firme ao falar — Quando eu dividi
com você a minha descoberta, eu fiz isso como amigo. Você é o cara que
esteve ao meu lado todos esses anos, você viu como eu sofri com o
rompimento. Eu sei que você agiu na boa fé, mas não é o certo.
— O que não é certo é você ficar longe do seu filho... Sou pai, não
iria querer que meu filho ficasse afastado de mim. O menino precisa do pai
de verdade.
— Você tem razão. Vou procurar a Olívia e explicar o que aconteceu.
— Quanto antes resolvermos esse problema, melhor. Ainda tem o fato
que o garoto parece ter o seu gene, ele tem um potencial para ser um bom
jogador, não podemos deixar que alguém mal-intencionado aproveite e faça a
família assinar um contrato meia boca.
A sensação de incomodo do início da nossa conversa retornou com
força total.
— A Pâmela é melhor nessas coisas que eu, mas agora pensando...
podemos fazer um ensaio de fotos dos dois. — Ele fala animado e a sensação
amplia — Ação de marketing com o clube. Vou consultar se a escolinha que
ele frequenta tem algum contrato, podemos transferi-lo para a escola do
Botafogo.
— Quando você se tornou esse homem?
— Não estou entendendo o seu tom, Arthur.
— Sério, quando você deixou de ver as pessoas como pessoas e
passou a vê-las como números ou melhor, como cifras?
— Do que você está falando?
— De tudo Juan. O meu retorno ao Brasil foi puramente financeiro,
eu não queria jogar no Botafogo e você sabia disso, mas ainda assim você me
convenceu que era o melhor a ser feito.
— Você está reclamando do salário maior?
— Se eu não tivesse o salário maior a sua comissão seria menor.
Ambos sabemos que essa é a verdade. Nos últimos anos eu virei a sua
marionete, você decide os contratos somente pelo dinheiro.
— Esse é o meu papel como seu empresário.
— E o papel de amigo, quando ele ficou de lado?
— Eu não estive ao seu lado? Não estive ao seu lado quando você
desmoronava dias após dias? Você esquece que quando jogou a sua carreira
para o ralo você levou a nossa junto? Eu e a minha família permanecemos ao
seu lado. Largamos a nossa vida na Europa para te dar o apoio que você
precisava.
— Esse é o ponto. O quanto você fez isso por nossa amizade ou
quanto você fez isso por que era o meu salário que sustentava vocês?
— Eu demorei muito tempo para aprender a separar o pessoal do
profissional. Todavia, hoje sei alternar para os dois lados perfeitamente. Eu
fui seu amigo quando atravessei o oceano atrás da Olívia, busquei
incansavelmente por qualquer indicio dela. Fui seu amigo quando o mundo
parecia querer destruí-lo eu mantive a frieza e agi racionalmente, abrindo
mão do meu percentual nas vendas, apenas para não perder a oportunidade de
ver você voltar a um time grande. Quinze por cento ao invés de quarenta por
cento contratuais. Esse é o valor que o Chelsea me pagou com a sua venda.
— Eu não sabia disso. — A notícia me pega de surpresa — Eu teria
negado!
— Eu não pretendia revelar, eu sou muito grato por tudo que você fez
por mim Arthur. Reconheço que foi graças a você que meus filhos estudam
em uma escola de qualidade, eles não precisarão passar fome como eu passei,
se hoje eu posso proporcionar a eles uma boa vida é por você. — Juan está
visivelmente emocionado e isso é algo que não é dele, ele é um homem mais
frio — E foi pensando exclusivamente neles que fiz tudo o que eu fiz.
— O que você está falando?
— Eu fui o responsável pelas fotos da sua despedida de solteiro. Eu
mesma as fotografei e enviei para a mídia de forma anônima.
— Que tipo de brincadeira é essa?
— Não é uma brincadeira, infelizmente. Quando a Laila me ligou
dizendo que estava grávida, eu acreditei nela. Pedi para ela esperar, tentei
ganhar tempo com a situação, mas aquela maluca jogou nas redes sociais.
Você não lembrava de nada.
Permaneço em silêncio, pois sou incapaz de processar qualquer
palavra coerentemente. Se tudo que ele estiver falando for verdade, Olívia se
afastou de mim por uma mentira. As coisas poderiam ter sido diferentes.
— Logo depois surgiram as primeiras notícias que Olívia estava te
traindo com o pai da aluna, pedi que alguns amigos do Brasil apurassem as
notícias, e tudo indicava que a sua noiva estava envolvida com outro homem.
Quando as primeiras fotos vazaram confirmaram as suspeitas. Um e-mail
depois e as suas fotos com a Laila estavam publicadas pelo maior site de
fofoca inglês.
— Como você pôde fazer isso comigo? Você destruiu a minha vida,
porra! — Grito.
— Eu sei... Por isso, agi sem a sua autorização e dei entrada no DNA,
estou tentando compensar...
— Você acha mesmo que uma atitude boa compensará toda a merda
que você trouxe para a minha vida? — ando de um lado para o outro da sala
— Eu estou pensando em todos os motivos pelos quais eu não arrebento a sua
cara nesse momento.
— Eu sinto muito.
— Você agiu como um filho da puta! — Esbravejo — Você é um
manipulador, manipulou os fatos para te favorecer. Como você conseguiu
deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente todos os dias?
— Quem disse que faço isso? Não houve um único dia que eu não
pensei nas consequências dos meus atos. Descobrir a existência do Manoel,
amplificou a culpa que carrego.
— A Pâmela sabe? — Questiono e ele nega com a cabeça.
— Eu não posso dizer para a mulher que amo que sacaneei o meu
melhor amigo de uma forma covarde.
— Não se preocupe, eu faço questão de ser o portador da notícia —
ironizo — Quero ter esse gostinho de destruir a sua vida...
— Arthur... Por favor.
— Por favor? Você tem mesmo coragem de me pedir algum favor?
Você deveria ter vergonha de me dirigir a palavra.
— Pelos meus filhos, deixe que eu converse com ela.
— Ok, você tem até a noite para contar.
— Obrigado.
— Não agradeça, em troca eu quero que você anuncie por meio de
uma nota que a partir da data de hoje nosso vínculo está encerrado. Meus
advogados entrarão em contato para acertamos a questão burocrática. —
Caminho até a porta, mas paro com a mão na maçaneta — Não se aproxime
da Olívia, muito menos do Manoel, se eu descobrir que você fez qualquer
uma dessas coisas, eu passarei por cima de você feito um trator, não pague
para ver do que eu sou capaz.
— Eu realmente sinto muito.
— Mantenha-se longe de todos nós! — É o meu último aviso.
E scuto o telefone
fixo tocar, mais
uma vez, mas não corro para atendê-lo deve ser a empresa de internet
oferecendo um novo plano. Continuo o preparo do jantar, hoje farei o prato
favorito do Renato, panqueca com recheio de carne.
— Mãe, o telefone está tocando! — Manoel grita da sala.
— Atende para a mamãe, filho!
— É uma mulher do outro lado. — Ele me entrega o aparelho sem fio.
— Olívia é você? — Não reconheço o tom de voz feminino.
— Sim, quem é?
— Sou eu, a Pâmela!
— Como você conseguiu esse número? Não temos nada para falar...
— Eu estou desesperada, não tenho amigas no Brasil — O soluço
escapa da sua garganta — Só me escuta, por favor! — Ela implora.
— Ok, o que aconteceu? — Desligo o fogo e sento no banquinho da
cozinha americana.
— Eu descobri que o homem que eu amo mentiu para mim, o homem
que eu dividi a minha vida, tinha segredos comigo — As palavras saem
entrecortadas pelo choro, além de ela não seguir um fluxo coerente de
pensamento. — Ele traiu o Arthur, traiu a amizade do seu melhor amigo, um
cara que fez tudo por ele.
— Tenho certeza que vocês vão superar isso juntos. — Falo o que ela
precisa ouvir, não quero me envolver com nada referente a eles.
— Eu não tenho tanta certeza disso. — Ela chora copiosamente —
Estou com asco dele! Ele não se parece em nada com o homem por quem me
apaixonei e isso está me dilacerando. — Permaneço em silêncio, Pâmela
precisa desabafar apenas — Ele foi o responsável das fotos com a Laila, o
meu marido é um canalha!
— Que fotos? — A menção ao nome da Laila atiça a minha
curiosidade.
— A da despedida de solteiro do Arthur!
— As fotos foram tiradas pelo Juan?
— Mais do que isso, elas chegaram até a imprensa pelas mãos dele.
Se eu não estivesse sentada teria desabado no chão, sou pega de
surpresa pela informação. Juan é mais do que o empresário do Arthur é o seu
melhor amigo. Porque ele agiria dessa forma?
— Isso é surreal. Ele não faria isso com o amigo...
— Ele fez, Olívia. É por tudo isso que estou sem chão!
— Mãe, estamos com fome! Quando vamos voltar para casa? —
Escuto vozes distante.
— Vamos passar a noite aqui — ela informa — Liguem para o
serviço de quarto e peçam o jantar.
— Eu quero o papai! — O filho pede do outro lado da linha.
— Diego, a mamãe está sofrendo vamos ficar apenas ao lado dela. —
Escuto a voz da sua filha.
— Apenas me abracem! — Ela funga — Vocês são os meus bens
mais importantes dessa vida.
Escuto a interação dela e dos filhos e não consigo não ficar
indiferente. A empatia que sinto por ela nesse momento é de uma mulher que
já foi enganada e de mãe. Tudo que ela precisa é do amor dos filhos. Eles
serão um balsamo nesse momento conturbado. Assim, como Manoel foi para
mim.
— Olívia, você ainda está aí?
— Sim...
— Muito obrigada por me ouvir, desculpa ter despejado todas essas
informações em você. Mas, eu realmente não tinha com que contar.
— Não foi nada...
— Claro que foi, por isso agradeço por ainda assim ter me atendido.
Eu queria dizer que sempre gostei de você e continuo desejando o melhor
para você. Saiba que pode contar comigo para o que precisar.
— Obrigada. — Ficamos em silêncio por alguns segundos — Pâmela,
onde você está hospedada? Talvez a gente possa conversar pessoalmente.
Ela avisa e gravo na memória.
Seja a empatia pela situação da Pâmela ou a curiosidade para mais
detalhes da armação do Juan. Eu estava decidida a procura-la de uma vez por
todas e resolver essa parte do meu passado.

— Que felicidade te ver! — Pâmela me recepciona com um abraço


apertado.
— Desculpa o atraso, mas precisei deixar as crianças na casa da
minha mãe.
— Sente-se. — Ela aponta para o sofá — Você aceita café, água?
— Água.
— Como ele é? — Ela pergunta e me entrega a garrafinha de água
com a logo do hotel — O seu filho. O Arthur me contou...
— Ele é lindo! — Sorrio — Toda mãe deve dizer isso dos filhos.
— Quando meus filhos nasceram eu mostrava a foto deles para toda
pessoa que me perguntava deles, eu era uma mãe babona.
— Já tive essa fase. A pessoa me dizia oi e eu já sacava o celular para
mostrar uma foto dele.
— Você parece feliz.
— E estou Pâmela, a minha família não é de comercial de margarina,
mas somos muito felizes.
— Torci muito para que as coisas entre você e o Arthur se acertassem.
— Eu não vim até aqui falar do Arthur. Hesitei diversas vezes se
deveria te procurar. Você representa tudo que eu quero esquecer — Sou
sincera — Mas, quando você me ligou desesperada eu me preocupei com
você, eu queria ter com que contar quando a minha vida estava desabando, eu
mais do que ninguém sei como você deve estar se sentindo. Por isso vim aqui
prestar a minha solidariedade. Você sempre me tratou com carinho e respeito
e eu sou grata por isso.
— Obrigada — Seus olhos estão marejados — Não é fácil se manter
de pé enquanto o seu mundo parece ruir. Conversar com você naquela noite,
impediu que eu cometesse uma loucura.
— Você e o Juan já conversaram?
— Se gritar um com outro contar como conversa, sim. Eu não suporto
ouvir a voz dele, Olívia. O que Juan fez vai contra os meus princípios...
— E as crianças como estão?
— Assustados, tristes, confusos. Eles nunca presenciaram uma
discussão nossa e agora tudo que fazemos quando nos encontramos é gritar
um com o outro. A Dafne reagiu melhor que o irmão, ela não questiona as
minhas escolhas, estamos há uma semana nesse hotel e para ela tudo bem,
Diego pelo contrário, reclama do espaço, da comida. Diz que vai fugir e
morar com o pai. A minha vida está um inferno.
— Eu posso imaginar... Onde eles estão agora?
— A Dafne foi ao cinema com as amigas e o Diego está com o pai.
Eu sei que não posso viver para sempre aqui, mas eu precisava desse tempo
longe dele. Tudo está muito vívido dentro de mim, as atitudes do Juan
atingiram outras pessoas. Estou envergonhada com tudo que ele fez com o
Arthur e com você.
— Você não teve culpa de nada. — Acaricio a sua mão.
— Eu sei, mas me sinto péssima mesmo assim. — Ela desaba em
lágrimas — Estou numa TPM maldita para completar meu inferno astral. —
Diz enxugando as lágrimas — Me fale sobre você, como você está? Como é
essa vida de mãe?
— Difícil — Sorrio — Ninguém me disse que seria fácil, mas
também não me disse que seria tão desafiador. Conciliar a vida de mãe,
professora, mulher e dona de casa é cansativo, mas eu não mudaria nada.
Tenho um marido que divide comigo as atividades. Renato é um paizão, com
letras garrafais! Ele atende todas as vontades das crianças e embarca nas
aventuras delas. Para você ter ideia, passamos uma semana dormindo na sala,
por que o Manoel queria acampar. Ele transformou a nossa sala em um
camping.
— Renato é o homem das fotos?
— Sim, mas não tínhamos um caso na época como foi noticiado —
Defendo-me — Nossa relação começou depois.
— Isso significa que ele não é o pai do seu filho?
— Biologicamente sim. Mas se um dia você tiver oportunidade de ver
os dois juntos, verá que isso não significa nada. Renato é o pai do Manoel,
ele não tem apenas o seu nome, mas o seu amor. Você acredita que a primeira
palavra que ele falou foi papai? A conexão deles ultrapassa qualquer laço
sanguíneo.
— Quero conhecer o seu pequeno. — Ela sorri.
— Vamos marcar!
A campainha toca e ela levanta para atender.
— A Dafne deve ter esquecido o cartão...
— Estou com o resultado em mãos! — A voz do Arthur preenche o
ambiente e meu coração acelera.
— Agora não é o momento ideal. Estou com visita. — Ela informa,
mas ele não parece escuta-la.
— Eu não sabia quem procurar...
— Estou de saída, Pâmela. — Arthur estica o pescoço e me enxerga.
Seus olhos me fitam longamente e sou obrigada a desviar da intensidade do
seu olhar.
— Fica! — Seu tom é sereno.
— Eu vou deixar vocês a sós. — Pâmela afasta-se rapidamente.
— Você já sabe do Juan? — A sua pergunta sai mais como afirmação.
— A Pâmela me contou...
— O meu melhor amigo fodeu a minha vida em todos os sentidos —
Ele diz recostado a porta — Talvez a nossa história nunca tivesse chegado ao
fim.
— Talvez sim. Não temos como ter essa garantia...
— Você acredita nisso, Olívia? — Ele diminui a nossa distância —
Acredita mesmo que se não fosse a armação da Laila teríamos rompido o
nosso noivado? Você iria embora sem antes ouvir o que eu tinha a dizer?
— Eu não posso ficar presa ao passado Arthur, eu segui a minha vida.
— Essa não foi a minha pergunta.
— O que você quer ouvir?
— Que assim como eu, você sofreu com todas essas mentiras. Que
assim como eu você chorou todas as noites e ainda que os anos tenham se
passado não há um único dia que não pense em nós. — As suas palavras
rompem a barreira de proteção que eu criei em torno da nossa história. Era
mais fácil não pensar e agir.
— Eu amo o Renato! — Repito o que o meu cérebro grita.
— Você mais uma vez está fugindo, Olívia.
— Eu não pausei a minha vida enquanto o seu mundo desmoronava,
eu não sou a porra de um eletrônico que você pode retornar tempo depois e
apertar um play! — Esbravejo — É muito fácil culpar a Laila, o Juan, a sua
mãe. Mas o que você fez por todo esse amor que diz sentir?
— Eu mandei o Juan vim atrás de você.
— É assim que você me amava? Envia um mensageiro do seu amor?
— Ironizo.
— Eu não podia largar o clube. — Ele rebate irritado — Eu tentei de
todas as formas conseguir liberação.
— A idiota aqui ainda tinha esperanças que você aparecesse para
reconhecer o seu filho — Duas lágrimas escapam — Agora você aparece
cinco anos depois como se nada tivesse acontecido. Nós sobrevivemos muito
bem sem você, Manoel tem o melhor pai que eu poderia escolher.
— As suas acusações são injustas. Eu jamais soube da sua gravidez.
— Não soube ou preferiu não acreditar? Seja honesto comigo, nada
mais vai me surpreender.
— Você acha mesmo que eu deixaria meu filho para ser criado por
outro homem? Acha que eu não morro de ciúmes a cada vez que você fala
toda orgulhosa do Renato?
— Por que não? Para todos os efeitos a Laila estava esperando um
filho seu. Você pode ter preferido o filho da patricinha ao filho da pobretona,
sua mãe ficaria orgulhosa.
— Isso é loucura, Olívia.
— Loucura ou não foi o que aconteceu. Você e sua família preferiram
o filho da Laila e depois que descobriram que não tinham um herdeiro real,
decidiram se contentar com meu filho, mas ele não é um prêmio de
consolação.
— Você está sendo injusta...
— Injusta? — Grito — Sua mãe me chamou de golpista quando disse
que estava grávida, ela me ofereceu dinheiro!
— Minha mãe sabia? — Ele senta no sofá e leva a mão a cabeça —
Deve haver algum mal-entendido.
— Não há! Eu sei o que ouvi naquela noite, as palavras dela nunca
saíram da minha cabeça.
— A minha mãe não faria isso, ela sabia o quanto eu te amava.
— Ela sempre deixou claro que eu não era a melhor opção para o seu
filho perfeito.
— Foi por isso que você casou com o Renato, você acreditou que eu
tinha abandonado vocês?
— Ele não é o meu prêmio de consolação se é o que você quer saber.
A minha escolha pelo Renato foi permeada pela emoção e guiada pela
racionalidade. Enquanto todos apontavam os dedos em nossa direção nos
acusando de sermos amantes, ele estendeu a mão e me ajudou a enfrentar a
situação de queixo erguido.
— Vocês dois...
— Ele não foi o responsável pela nossa separação — Confirmo. —
Ele não era o amante que os tabloides anunciaram, a nossa relação começou
numa amizade. O homem que era pai da minha aluna transformou-se em um
amigo, alguém que eu podia compartilhar as minhas alegrias e tristezas, uma
voz serena dizendo que tudo iria ficar bem, a mesma voz que cantou tantas
noites para o Manoel dormir. Se hoje não sou uma mulher frustrada isso tem
dedo do Renato. Ele me ajudou a ser a mulher que eu sou, a nossa admiração
é mútua e o nosso amor foi se fortalecendo dia após dia. E se não bastasse o
homem que ele é para mim, tem todo o amor pelo Manoel. Que homem daria
ao filho do outro o seu sobrenome? Que homem criaria esse filho sem a
menor distinção?
Ele assente em silêncio.
— Eu preciso ir embora — Pego a minha bolsa.
— Ainda não acabamos a nossa conversa, precisamos falar sobre o
Manoel, eu quero conhecê-lo.
— Eu preciso conversar com o Renato.
— Eu sou a porra do pai, Olívia. — Ele grita impaciente — Estou
com o resultado do exame de DNA e não preciso abrir para saber que é
verdade.
— Como você conseguiu? Não me diz que você levou meu filho até
um laboratório sem a minha autorização!
— O Juan...
— Como você pôde ser tão baixo? — Rosno — Eu não quero meu
filho perto de vocês. Vocês são tóxicos e meu filho não vai conviver nesse
meio.
— Você não tem alternativas.
— Claro que tenho! Legalmente, ele é filho do Renato até que um juiz
peça a revogação da certidão.
— Quando você fala de dar o nome... Você deixou outro homem
colocar o sobrenome no meu filho?
— Não — nego enfaticamente — Eu deixei o meu marido registrar o
nosso filho. Manoel é filho do Renato e nem você nem um juiz mudará esse
fato. Adeus, Arthur.
— Você não vai se livrar de mim, tão fácil...
É a última coisa que escuto antes de bater à porta e correr para longe
dele.
A conversa
Olívia
confirmou as minhas suspeitas. Fomos vítimas de uma série de mal-
com
apenas

entendido. Vítimas de um roteiro cruel da vida. A raiva que eu sinto nesse


momento impede que eu pense com clareza. Se eu encontrasse o Juan agora
na minha frente iria esquecer que um dia ele foi meu amigo, iria descontar
nele todas as minhas frustrações, tenho certeza que após o primeiro soco
dado, iria continuar a batê-lo freneticamente até que eu sentisse toda a raiva
evaporar, o que não aconteceria rapidamente...
O filho da puta destruiu a minha vida por dinheiro. Eu teria pago o
dobro para ficar com a Olívia, abriria mão da minha fortuna se houvesse a
possibilidade de voltar para os seus braços, tenho certeza que estaríamos
juntos até hoje, criaríamos o nosso filho juntos. Agora tudo parece tão
distante, tudo que me restou foi lutar pelo amor do meu filho.
Com a cabeça cheia de pensamentos confusos chego até a minha casa.
Há um carro estacionado na porta de casa, não contenho o lamento, a dona
Mirtes estava com visitas e a nossa conversa ficaria para outro momento. As
acusações de Olívia, por mais que eu queira acreditar que minha mãe seria
incapaz de esconder por tantos anos a existência do neto, eu ainda acredito
em Olívia. Ela nunca mentiu para mim.
— Finalmente você chegou! — O homem levanta-se do sofá e
caminha em minha direção feito um soldado indo para a guerra.
— Não recordo de termos marcado um horário, Renato. — Não deixo
me intimidar pela sua postura intimidadora.
— Você conhece esse homem, filho? — Minha mãe questiona — Ele
aproveitou um momento de descuido da funcionária ao pôr o lixo para fora e
invadiu a nossa casa.
— Senhor Arthur, você quer que o coloque para fora? — O Jonatas,
jardineiro/faz tudo da minha mãe indaga encarando Renato. Nesse momento
ele assume o papel de segurança — Eu ia ligar para a polícia, mas a dona
Mirtes, não autorizou.
— Tudo que a gente menos quer é o nome do Arthur envolvido em
mais polêmicas. — Minha mãe explica — Além do mais, esse seu amigo tem
uma aparência que não me é estranha... — Ela estuda o rosto dele — Algum
colega de clube inglês?
— Não. — Nega sorrindo — O astro do futebol é o Arthur, eu bato
um bolão também, mas é fora de campo — Ele sorri convencido e a minha
raiva retorna com força, na ausência do Juan, eu poderia substituir por outro
filho da puta qualquer. Adoraria quebrar a cara desse babaca.
— Se alguém tivesse que colocá-lo para fora, esse seria eu — sorrio
— Teria o enorme prazer de fazer isso com as minhas próprias mãos.
— Mas, não vai ser dessa vez que isso irá acontecer, não é Arthur?!
— ele provoca — Afinal temos uma amiga em comum.
— Que amiga? — Minha mãe indaga tentando montar o quebra-
cabeça.
— É um assunto pessoal, mãe.
— Vou deixar vocês conversarem em paz — ela sorri — Vou pedir
para servir uma bebida para vocês, esse calor do Rio de Janeiro está ainda
pior essa época do ano. — Minha mãe afasta-se e o Jonatas segue seus
passos.
— O que você faz aqui? — Questiono querendo pôr fim o quanto
antes a essa visita indesejada.
— Você sabe o que me trouxe aqui!
— Sei? — Dou de ombros — Claro, eu poderia enumerar diversos
motivos pelos quais você está aqui, mas temo dizer o motivo errado e você
explodir.
— Escuta, aqui seu jogadorzinho de merda... — Ele avança em minha
direção e não recuo, seus punhos estão cerrados e ele está no limite.
— O suco! — A voz da funcionária faz ele recuar.
— Suco de maracujá! — Pego o copo da bandeja e dou um grande
gole — Tenho certeza que veio em boa hora, meu amigo aqui está
precisando. — Renato, pega o copo, mas não bebe o suco.
— Com licença. — A mulher se afasta rapidamente.
— Você não tem um lugar mais tranquilo para termos essa conversa?
Um escritório, talvez? Tenho a sensação que a qualquer minuto uma equipe
de TV irá invadir o espaço para registrar o momento.
— Fica tranquilo, ninguém roubará o seu posto de invasor. —
Provoco —De qualquer forma, nunca se sabe se uma fã minha pode surgir a
qualquer momento.
Renato deposita o copo intocável do suco na mesa de centro e segue
meus passos, subimos as escadas até a...
— Sua sala de troféus? — Ele arqueia a sobrancelha.
— Esse é o meu escritório, afinal sou o jogadorzinho de merda —
Ironizo.
— Tenho certeza que falta algum título nessa sua coleção... — Ele
passa os dedos pelas medalhas penduradas.
— A minha paciência está se esgotando, cara! — Respiro fundo
tentando reprimir a vontade de socá-lo. Todavia, isso não muda a postura de
Renato, ele continua a olhar serenamente todos os meus feitos ali expostos.
— Campeão Olímpico Sub-20, Campeão Inglês, Artilheiro na
Premier League... Certeza que todos os seus troféus estão aqui?
— Você está testando a minha paciência. E acredite eu sou um
homem paciente, mas cansei de você! Se não tem nada a dizer, cai fora da
minha casa!
— Ela é linda, não é? — Desvia o olhar da estante e me encara — Um
espaço como esse é indigno para ela. Olívia merece um templo, um lugar que
ela possa ser adorada, com toda a calma que merece.
— Filho da puta! — Rosno.
— De sorte, eu incluiria esse adjetivo — Ele sorri — Sou o filho da
puta de sorte, eu sei!
— Um maldito filho da puta! — Concordo irritado — Olívia não é
um troféu para você exibir!
— Não mesmo, ela é real! Mas, se ela fosse um estaria na minha
estante e não na sua.
— O que ela viu em você? A minha Olívia não cairia no papo de um
sujeito medíocre.
— A sua Olívia caiu no seu papo — O filho da puta sabia jogar, e
nesse jogo eu estava sendo goleado pela sua arrogância e autoconfiança —
Ainda bem que na segunda etapa do jogo, ela fez a substituição certa e me
escalou.
— Eu discordo!
— Claro, você foi o substituído — sorri — cadê o seu fair play? Não
é regra no futebol ter um jogo justo, ser ético e respeitar os adversários? Para
o bem da equipe eu assumi o posto e goleei. Você deveria me desejar os
parabéns e não bufar irritado.
— Eu estou no limite máximo para acertar um soco bem no meio da
sua cara.
— Faça isso — Ele dobra a camisa social. O cara estava mesmo se
preparando para a briga? — Assim eu terei a desculpa que tanto preciso para
arrebentar esse nariz empinado. Quando a Olívia estiver cuidando de mim a
noite na nossa cama, olharei para a minha linda esposa e direi: Apenas
revidei, amor...
Só havia uma forma de calar esse babaca e eu fiz. Quando a minha
mão direita acertou o seu queixo, eu vibrei por dentro, a trilha sonora desse
momento era da abertura do UFC. Eu podia escutar as pessoas gritando o
meu nome, ele cambaleando e acertando o chão, Olívia seria a ring girl e
entraria usando calcinha e sutiã para anunciar o próximo round.
Isso foi o que pensei, na realidade, o meu adversário revida, mas não
na mesma intensidade. Renato joga-se em minha direção, seu corpo atinge o
meu e despencamos juntos até o chão, com o impacto a prateleira de
medalhas junta-se a nós. Somos um emaranhado de mãos, braços, pernas e
medalhas. Nada disso, desestabiliza o Renato, ele acerta meu rosto uma,
duas, três vezes. Até que eu possa reagir.
Onde está o juiz para indicar o fim do round? Preciso de alguns
minutos para recuperar o fôlego. A minha especialidade era a trocação, ao
contrário do futebol que uso minhas pernas, nas poucas brigas que participei
o meu soco era o ponto forte. Estou em desvantagem, ele levou a luta até o
solo e parece dominar essa prática, o brutamonte está sobre mim,
imobilizando os meus movimentos e desferindo um soco atrás do outro.
— Socorro! — Minha mãe grita ou é a minha mente que prega mais
uma peça — Eles vão se matar! — Grita desesperadamente.
— Você vai matar o meu filho! — Ela bate nas costas dele e isso
parece acordá-lo do seu estado de fúria. Renato rola para o lado e eu respiro
aliviado.
— O que aconteceu? — Jonatas aparece em seguida. Ele olha de mim
para o Renato e vejo a expressão de horror quando ele me fita. Na verdade,
eu quase consigo enxergá-lo, não consigo manter as pálpebras abertas.
— Chama a polícia agora! Esse homem é um monstro! — Ela grita
horrorizada
— Não precisa — Levanto com dificuldade e minha mãe se ajoelha
ao meu lado — A nossa conversa fugiu do controle apenas.
— Você está louco Arthur? Esse homem só sairá dessa casa
algemado.
— Eu não pretendo sair daqui tão cedo... — Ele massageia o queixo.
— Eu preferia você calado... — Resmungo e a dor se amplia — Mãe,
pegue gelo para nós.
— Gelo e Whisky. — Renato completa.
— Até que fim algo que concordamos. — Ele gargalha e eu só não
faço o mesmo por que se eu fizer isso posso deslocar o resto do maxilar que
ainda tenho.
— A pancada afetou a sua cabeça, vamos levá-lo a emergência.
— Não vamos a lugar nenhum, eu estou bem mãe — seguro sua mão
para tranquilizá-la — A mão dele era leve — minto — não se assuste com as
marcas.
— Devo pegar o gelo e Whisky? — Jonatas pergunta.
— Sim. — Respondemos juntos.
— Vá — minha mãe confirma — Ficarei aqui antes que eles decidam
destruir o resto da casa.
Doses de Whisky depois e muito gelo. Confiro pelo espelho de bolso
que minha mãe trouxe, que estou realmente fodido, meu olho esquerdo está
completamente fechado pelas pancadas, parece que sai de um ringue de luta.
O filho da puta ao meu lado possui um corte superficial na testa, deve ter sido
das medalhas que atingiram seu rosto, algumas escoriações nos braços e um
hematoma onde o atingi no queixo. Já sabemos quem foi o perdedor dessa
luta.
— Eu não deveria oferecer ajuda — minha mãe argumenta — Mas
tem certeza que não quer um curativo?
— A senhora é muito gentil, obrigado — Ele bebe em um grande gole
o resto da bebida — mas a minha esposa fará isso. — Sinto meu sangue
esquentar, mas não tenho forças para reagir, ele foi o vencedor desse round.
Levanta-se com dificuldade e volta-se para mim — o recado foi dado Arthur,
fique longe da minha família.
— Você ganhou o round e não a luta.
— Eu vou ter o prazer derrotá-lo todas as vezes.
— Isso é o que veremos.
— Desculpa pela bagunça, Mirtes. — Ele sorri e minha mãe se
derrete. Parece ter esquecido que o idiota aí acabou de quebrar a minha cara.
— Mãe! — Reclamo e ela disfarça.
— Foi um desprazer te conhecer Arthur.
— Igualmente.
— Ele é quem estou pensando? — Ela pergunta assim que ele vai
embora.
— Depende em quem você esteja pensando — Respondo vagamente
enquanto me levanto do chão com dificuldade. Ela segue meus passos lentos
até o meu quarto.
— É logico que é ele. Demorei para associar, mas agora tudo faz
sentido. — Bufa irritada — Vocês estavam brigando por aquela
mulherzinha...
— Estou cansado, mãe. — Deito na cama — Amanhã conversamos.
— Eu não acredito que essa maldita voltou para infernizar as nossas
vidas. O que ela quer agora?
— A pergunta é o que eu quero. A mulher que a senhora expulsou
anos atrás dessa casa esperava um filho meu.
— Arthur, era blefe dela! Você mais uma vez será enganado pelo
canto da sereia.
— É meu filho mãe!
— Cadê o DNA? Ela pode ter forjado o exame.
— Chega mãe! — Reajo com todo o resto de energia — Olívia e eu
tivemos um filho, a senhora tem um neto que rejeitou anos atrás.
— Eu não sabia...
— Mas, agora sabe! Agora sai do meu quarto, por favor...
— Arthur, meu amor...
— Fora mãe!
Escuto seus passos se afastando e junto com eles a minha
consciência...
Você está atrasado! — Digo assim que Renato aparece no corredor.
— Cinco minutos não é atraso... — Ele argumenta e rompe a nossa
distância.
— É atraso quando é a vida do nosso filho que está em jogo. —
Rebato irritada.
— Ei relaxa, estou aqui. Você confia em mim? — Assinto com a
cabeça — Vai ficar tudo bem, estamos juntos.
Eu confio nele, mas por que a sensação de insegurança ronda a minha
cabeça? Não sei o que esperar dessa reunião com os advogados, quando
recebi a ligação do escritório de advocacia solicitando a nossa presença eu
gelei. Todos os meus temores vieram à tona. Arthur usaria sua artilharia
pesada, principalmente depois que o Renato agiu como um homem das
cavernas. Ainda estou digerindo o fato dele invadir a casa do Arthur e atacá-
lo. A sua atitude impensada nos trouxe até aqui e somente eu sei o quanto
estou tentando permanecer tranquila.
— Amor — seus braços grandes me envolvem em um abraço de urso,
ali aninhada ao seu peito eu deixo que toda a tensão dos últimos dias se
transforme em lágrimas — Eu não vou permitir que nada aconteça a vocês.
— Mas, e se o juiz dê a guarda a ele? Eu não imagino uma vida longe
do meu filho — As lágrimas rolam pelo meu rosto e meu corpo estremece.
Os braços de Renato em volta ao meu corpo é que impede que eu desabe.
— Isso não vai acontecer — Ele ergue meu rosto e fita-me
longamente — Eu te dou a minha palavra, Olívia. E se isso não for o
suficiente eu tenho cartas na manga, se for uma juíza eu posso seduzi-la e
leva-la para a cama, mas é tudo profissional, amor — A sua tentativa de fazer
graça da situação me faz sorri — Agora se for um juiz... Talvez eu precise
usar os meus músculos e socá-lo. Mas aí você precisa aproveitar o momento
de confusão e fugir com as crianças.
— Você não irá socar mais ninguém. — Repreendo sorrindo.
— Foder com a juíza é melhor né? — Ele insinua — Devo confessar
que depois de tantos anos fodendo você, eu estava a fim de experimentar
novos sabores...
— Está? — Arqueio a sobrancelha.
— Você fica ainda mais linda, ciumenta.
— Só para deixar claro você está proibido de socar e foder, ok?
— As minhas mãos serão usadas apenas para tocar seu corpo
delicioso — suas mãos movem-se até a minha bunda e se encaixam ali — e
meu pau só funciona com você, amor...
— Como você é romântico! — Sorrio.
— Eu também te amo! — Ele cola nossos lábios e o fio de tensão que
existia desaparece por completo, nossas línguas unem-se em uma dança
erótica, nossas mãos procuram o corpo um do outro, nosso coração bate no
mesmo ritmo. O ritmo de duas pessoas que se amam e acima de tudo se
completam. Um pigarreio interrompe o nosso beijo.
— Boa noite! — Arthur nos cumprimenta e não aguarda pela nossa
resposta, entra no escritório.
— Excelente noite, eu diria — Renato responde sorrindo.
— Precisa mesmo provocar? — Questiono.
— Eu desejei boa noite apenas — Dá de ombros.
— E aí? — Pergunto quando a nossa advogada vem em nossa direção.
Ela estava reunida com os advogados do Arthur.
— Conforme adiantei por telefone estamos aqui em busca de uma
resolução dos fatos da forma menos dolosa para o Manoel. Sabemos que
uma ação de reconhecimento de paternidade é sempre desgastante, portanto
vamos ter o diálogo como nosso norte.
— Ele nos chamou até aqui para conversarmos? — Renato pergunta
desconfiado.
— Sim — ela olha para os lados para se certificar que estamos
sozinhos — eles estão relutantes em levar o caso a julgamento.
— Por que eles estariam? Desconfiam da paternidade? — Pergunto.
— Não. Assim como eu acreditam que poderemos resolver
pacificamente.
— E se não quisermos resolver? Quer dizer um processo na justiça
pode se arrastar por anos... — Renato argumenta.
— Eu trabalho como advogada da família há anos Renato, e acredite
quando digo que submeter a Justiça a decisão de algo que podemos resolver
pacificamente apenas trará dor de cabeça para vocês e sofrimento a criança.
— A senhora está dizendo que devemos dar nosso filho de bandeja,
sem brigar?
— Não, estou dizendo apenas que devemos entrar abertos para essa
conversa...
— Vai ficar tudo bem — Aperto a mão de Renato tentando passar
uma segurança que não tenho.
— Prontos para entrar? — A advogada indaga.
— Sim — Renato afirma e seguimos os passos da advogada.
Assim que adentramos na sala sinto o peso do ambiente. A sala em
tons pasteis parece uma sala de reuniões. Em torno da grande mesa de
mármore estão Arthur e mais duas mulheres ao seu lado, sentamos em frente
a eles, Renato de um lado e a advogada do outro. De um lado o meu
companheiro, o pai do meu filho por escolha, e do outro a mulher com a
missão de manter as coisas como estão. Renato, Laurinha, Manoel e eu,
formamos uma família, a minha família.
— Boa noite — A mulher de fios curtos nos cumprimenta — Sou
Analice — Advogada do Arthur. Tudo bem com vocês? — Assentimos com
a cabeça. Conformo conversei com a minha colega advogada, estamos aqui
para falar sobre o menor Manoel Souza.
— Nosso filho — Renato afirma.
— Exato — Ela concorda com a cabeça — O meu cliente não está
aqui para alterar essa situação, senhor Renato.
— Claro que estou! — Arthur discorda — Estou aqui para reconhecer
um filho que foi escondido de mim por anos.
— Um filho que você fingiu não saber da existência até alguns dias
atrás. — Renato rebate.
— Um filho que você assumiu como seu ainda não sendo — Arthur
revida — Essa criança terá o meu nome no registro. Isso é um fato
incontestável.
— Manoel Souza Santos é o meu filho e você não pode fazer nada!
— É o que veremos.
Renato e Arthur estão exaltados prestes a repetir a mesma ação
truculenta.
— Chega os dois! — Exijo — Manoel não é um objeto de valor para
vocês ficarem brigando feito dois imbecis, se nenhum de vocês ainda
entendeu que ele é uma criança, não há por que estarem aqui presentes.
— Ele começou quando invadiu a minha casa e me agrediu — Arthur
acusa.
— Eu apenas revidei — Renato defende-se — Não sabia que você
também era um fracassado na briga.
— Renato chega! — Digo perdendo a paciência — Se você é incapaz
de deixar o seu ego de lado pelo Manoel, eu peço que você se retire.
— Olívia... — Ele abre a boca para protestar e cala-se diante do meu
olhar mortal — Desculpa, isso não irá se repetir.
— Assim espero.
— Podemos retornar ao assunto? — Os três meneamos a cabeça e a
advogada continua — Arthur deseja ser inserido na vida da criança, ser
apresentado como pai biológico — a mulher parece selecionar as palavras,
pois a tensão entre Renato e Arthur pairam sobre o ambiente — Ter
oportunidade de fazer parte da rotina do filho e consequentemente ter o seu
nome na certidão de nascimento.
— E se a gente se recusar? — Faço a pergunta estampada no rosto de
Renato — Manoel tem apenas cinco anos e para todos os efeitos Renato é o
seu pai. É a figura masculina que ele admira e respeita, é o homem que trocou
as suas fraldas, ensinou ele a nadar, esteve ao seu lado quando ele acordou
chorando no meio da noite com medo do escuro. Arthur não pode chegar e
bagunçar a nossa vida.
— Eu não tive culpa Olívia...
— Mas, isso não minimiza o impacto que a sua aparição trará ao meu
filho. É injusto comigo, serei colocada em uma posição que sempre fiz
questão me manter afastada, a de mentirosa. Como você acha que ele olhará
para mim depois que eu contar que o pai que ele ama não é o seu pai e sim
outro homem? É injusto com ele ter a sua vida modificada dessa forma.
— Por isso, estamos aqui Olívia — A minha advogada estende uma
caixa de lenços — Para encontrarmos uma forma de minimizar esse impacto.
— Vocês falam de minimizar impactos — Tento conter as lágrimas,
mas elas escapam sem a minha permissão — Algum de vocês aqui presente
pode me assegurar que Manoel não sofrerá? — O silêncio impera no
ambiente — Não, e sabe por que? Por que independentemente se o futuro
dele será decidido em uma sala de reuniões ou na Vara da família, ele será
atingido pelas mudanças.
— Eu sinto muito Olívia. — Arthur estica a mão para tocar a minha,
mas o movimento não é concluído, ele recua e aperta as mãos.
— Sente? Se você realmente sente, esqueça essa história, vamos
manter tudo como está é o melhor a ser feito.
— Eu não consigo, acredite — Seus olhos azuis fitam-me longamente
e esqueço onde estamos — Não posso seguir em frente e fingir que o Manoel
não existe. Eu tenho o direito de ser pai.
— Você acha mesmo que impor a sua presença irá tornar você pai?
— Não — ele nega com a cabeça — Mas, eu preciso saber que tentei.
Estou sendo paciente, Olívia, por você, por ele, por mim. Não pretendo entrar
na justiça, quero que resolvemos as coisas da forma mais tranquila possível,
sem outras pessoas decidindo por nós. Será que podemos tentar?
— Ok — Emito fracamente — Eu preciso de um tempo para
conversar com ele e explicar as coisas.
— O tempo que você precisar. — Arthur concorda.
— Olívia? — Renato indaga surpreso.
— É o melhor a ser feito, Renato...
— Estamos aqui apenas para intermedia a situação — a advogada
deles concluiu — Vamos realizar o exame de DNA apenas para validar a
paternidade.
— Eu falei que não precisa... — Arthur explica.
— É apenas um procedimento formal — A mulher sorri — Minha
secretária entrará em contato para marcamos a data, tudo bem para você
Olívia? — Assinto — O próximo passo é apresentar a criança ao Arthur,
como pai, o primeiro encontro pode ocorrer sob a supervisão de um de vocês.
— E os passos seguintes? — Renato questiona — Solicitar a guarda
compartilhada?
— Não tenho o menor interesse em afastar ele da mãe — Arthur
explica — Mas, não posso prometer que ficarei de braços cruzados. Quero
poder conviver com meu filho.
— Acabamos? — Indago. Quero sair o quanto desse lugar e respirar.
Tentar organizar os meus pensamentos.
— Sim. Obrigada pela atenção. — Levanto da cadeira e saio
apressada, Renato me alcança alguns passos depois.
— Tá tudo bem?
— Não, mas vai ficar quando eu abraçar o Manoel.
— Nada mudará, amor.
— Queria ter a sua certeza...
— Ainda posso tentar pegar a juíza...
— Obrigada, por estar ao meu lado. — Sorri — Do seu jeito torto,
você deixa tudo melhor.
— Tenho esse dom! — Ele sorri — Vamos no meu carro e
retornamos para pegar o seu depois? — Assinto em concordância —
Podemos pedir pizza para o jantar, as crianças vão adorar.
Renato continua falando, mas não me concentro nas suas palavras.
Como o Manoel iria reagir a essas mudanças? Como eu iria reagir a
essa reaproximação do Arthur? Será que seríamos os mesmos ao final de tudo
isso?
— Então o Manoel não será mais meu irmão? — Laurinha verbaliza.
— Nada vai mudar, meu amor — Renato a tranquiliza — Ele
continua sendo seu irmão.
— Mas, agora ele tem um novo pai.
— Ele terá um segundo pai. Por que o primeiro serei eu — Renato
força um sorriso.
Assim como eu, ele luta para não desmoronar.
Nosso filho permanece em silêncio, encarando todos nós, seus
olhinhos cheios de lágrimas. Segui a orientação da psicóloga e preparei um
terreno amigável, fomos ao parquinho a tarde, jantamos pizza, abri mão até
da regra do sorvete a noite, tudo para agradá-lo. Agora estamos todos no
tapete da sala comendo brigadeiro de panela. Mas nada disso preparou meu
filho para a notícia. A escolha de palavras, a família ao seu lado...
— Filho, diz alguma coisa.
— Eu não quero outro papai! — Duas lágrimas rolam no seu rosto e
meu coração se aperta — Eu só quero o papai Renato.
— Eu sempre estarei aqui. — Renato diz e ele se aninha ao seu corpo
— Você sempre será meu filho e nada nem ninguém mudará isso. — Ele
beija o filho.
— Manoel, olha o lado bom de ter dois pais, você terá dois quartos,
ganhará o dobro de presentes. — Laura diz animada.
— Já pensou dois presentes de aniversário? — Tento mostrar o lado
positivo.
— Eu não quero dois presentes. Eu só quero meu pai Renato.
— Filho... — Toco seu braço, mas ele se encolhe e isso dilacera meu
coração — Eu sei que é muito difícil para você, mas você precisa entender
que nada mudará, Renato continuará sendo seu pai, Arthur virá para somar,
pense nele como um amigo, alguém que levará você para tomar sorvete, jogar
bola. Lembra do dia que vocês treinaram juntos?
— Eu não quero jogar bola com ele, papai Renato é melhor que ele.
— Respiro fundo e lembro das palavras da psicóloga, ele precisa de um
tempo para processar a nova descoberta, em outro momento retomaríamos a
conversa.
— Que tal assistirmos Super Chefinho? A temporada foi atualizada
hoje. — Pergunto para mudar de assunto
— Podemos dormir todos juntos na nossa cama — Renato insinua —
Vocês lembram quando dormíamos os quatro apertadinhos?
— Eu quero! — Laura concorda animada.
— O que acha filhote? Dormir todos agarradinhos?
— Papai eu posso dormir ao seu lado? — Ele pergunta a Renato.
— Claro — ele sorri.
— Então eu quero.
— Aposto que ganho de você na guerra de travesseiros. — Laura
desafia, ele enxuga as lágrimas e levanta do colo do pai.
— Eu serei o campeão! — Os dois seguem correndo para o quarto.
E desabo em lágrimas, meu corpo treme dando vazão ao choro
compulsivo, um choro desesperado de uma mãe que está sendo rejeitada.
— Amor... — Renato me abraça — Ele precisa de um tempo...
— Ele está me evitando — Choro compulsivamente — Meu filho está
me evitando.
— Ele está confuso, apenas. — Suas mãos acariciam as minhas costas
— A psicóloga falou que isso poderia acontecer, lembra? Talvez precisamos
agendar uma nova consulta, ela irá nos ajudar a enfrentar esse problema.
— Eu sou o problema, Renato. Meu filho me ver como a inimiga, a
mulher que quer substituir um pai pelo outro.
— Você não é essa mulher e sabemos disso. Nós te amamos, você é a
nossa fortaleza, precisamos da mamãe forte ou todos nós desmoronamos.
— E se eu não conseguir? Se eu falhar?
— Juntaremos nossos cacos e voltaremos a nos reerguer — Suas
palavras transmitem segurança — Foi assim no início, lembra quando nos
conhecemos? Ambos estavam em pedaços, nosso amor juntou os cacos e nos
tornou, mais fortes, mais resilientes. Não é uma ventania qualquer que irá nos
derrubar. Agora enxugue essas lágrimas — ele seca as minhas lágrimas — E
junte-se a sua família.
— Obrigada por não desistir de nós.
— Eu só sairei da sua vida se você me expulsar — Ele sorri — E se
um dia você fizer isso, voltarei feito um cão vira lata ao primeiro sinal seu.
Eu te amo Olívia e isso também não mudará.
S e você continuar
andando de um lado
para o outro, fará um buraco na nossa sala, querido — Minha mãe me
repreende.
— Será que eles mudaram de ideia? — Questiono — Eles já deveriam
ter chegado.
— Arthur, você ainda continua preso a pontualidade dos britânicos.
— Pâmela sorri — Dez minutos não é atraso. Senta aqui e relaxa — aponta
para o lugar vago ao seu lado do sofá.
— Obrigada por ter vindo. — Agradeço mais uma vez.
— Eu que agradeço por me incluir nesse momento — Ela aperta a
minha mão — Estou louca para ver o mini máquina mortífera.
Quando a advogada ligou para informar que hoje ocorreria a segunda
visita do Manoel, eu liguei para Pâmela. Ela era a pessoa ideal para lidar com
crianças, eu contava que ele sentisse mais à vontade na presença dela e dos
meus afilhados. A nossa primeira visita foi um completo desastre, aconteceu
no playground do prédio que Olivia mora, sob a supervisão atenta do Renato.
O resultado foi um menino retraído, completamente diferente do garoto que
conheci na escolinha de futebol. Manoel demonstrou uma total indiferença.
Não reagiu quando entreguei o presente, apenas abriu a embalagem olhou
para a camisa do Flamengo, personalizada com o seu nome, agradeceu e
guardou de volta na sacola.
Ele era muito parecido com a Olívia, não apenas fisicamente, mas no
temperamento. Assim como a mãe, ele recuava diante do desconhecido. Eu
sabia que seria difícil conquistar a sua confiança, ser aceito por ele, mas não
imaginava que fosse tão difícil. O nosso encontro durou cerca de trinta
minutos, todavia foram os minutos mais longos da minha vida. O menino
ficou quase mudo durante todo do tempo, abrindo a boca apenas para
responder as minhas perguntas de forma monossilábica. Foi somente na hora
de se despedir que ele me encarou nos olhos pela primeira vez naquela noite,
e o que saiu da sua boca ainda martela na minha cabeça:
— Você não é o meu pai! O meu pai chama-se Renato Souza.
Por isso, considero essa a nossa primeira visita oficial. A primeira foi
desastrosa eu precisava fazer ele compreender que não estamos numa
competição, e no que dependesse de mim, essa disputa estava fora de
cogitação. Afinal, eu sabia o placar final: Renato 2 x 0 Arthur. Desde o
início, para me auxiliar, pedi a advogada que solicitasse a Olívia uma lista
sobre o Manoel: time que ele torcia, cantores que ele gostava, comida
preferida, hobby... Todo e qualquer assunto do seu interesse. Quando a lista
chegou e minhas mãos eu fiz questão de decorar cada item ali exposto.
Tudo ocorreria perfeitamente no dia de hoje, a casa estava pronta para
recebê-lo e eu contava que ele também estivesse mais receptivo.
— Chegaram! — Aviso assim que escuto um carro buzinar na nossa
porta.
— O que está esperando? Vai receber o seu filho! — A minha mãe
sorri.
Sigo para a porta e o encontro com a cara emburrada segurando a mão
do Renato.
— Dá oi, filho! — Olívia incentiva, ao lado do esposo.
— Oi. — Ele responde.
— E aí carinha? Pronto para passar o dia na piscina?
— Sol em excesso faz mal — Renato rebate.
— Arthur, na bolsa dele tem protetor solar, camisa ultra UV, uma
muda de roupa para trocar, o tablet, toalha, a carteira do plano de saúde.... —
Olívia lista todos os itens em único fôlego.
— Plano de saúde? — Ergo a sobrancelha.
— Por precaução. Você nunca esteve com uma criança, em um
minuto eles estão bem, no seguinte eles caem e jorram sangue.
— Calma, amor — Renato tenta relaxá-la — o que ela quer dizer é
que em hipótese alguma você deve deixa-lo sozinho. Ele é apenas uma
criança de cinco anos.
— Quase seis, pai — ele corrige.
— Isso, ele é uma criança de quase seis, mas ainda é o nosso bebê. —
Olívia derrete-se.
— Bebezinho, bebezinho — Laura, filha do Renato, perturba.
— Eu não sou mais um bebezinho.
— Você sempre será, amor — Olívia abraça o filho — Às vezes eu
queria voltar ao tempo que eu podia segurar nos meus braços e proteger do
mundo. Mamãe te ama muito, tá?
— Eu também. — O menino responde.
Não consigo deixar de me sentir um intruso. A sensação incômoda
ganha forma quando vejo a interação deles, eles formam uma família bonita.
Eu sou um bosta por querer conquistar o meu espaço. Estou prestes a adiar
esse encontro quando Pâmela aparece.
— Como ele é lindo, Olívia!
— Puxou a mãe né? — Renato abraça a esposa.
— Bobo! — Olívia sorri.
Ele tem razão, o menino é uma cópia perfeita da Olívia. Assisto a
tudo em silêncio, embora a maldita voz na consciência insista em dizer que
sou um babaca.
— Pâmela, esse é o Renato, meu marido — Olívia apresenta —
Renato essa é a Pâmela, minha amiga.
— Prazer em conhecê-lo, Renato — eles trocam um aperto de mão.
— Vamos? — Digo, antes que eu me arrependa e fale que podemos
deixar esse encontro para depois.
— Vai lá, campeão! — Renato abraça o filho. — Qualquer coisa você
pede para ligar e chegamos aqui rapidamente.
— Comporte-se! — Olívia fala.
— Eu preciso mesmo ficar? — Ele pergunta baixinho.
— Nós já conversamos, amor. — Ela abaixa-se para ficar na altura
dele — Aqui tem uma linda piscina, você vai se divertir muito. A tia Pâmela
é bem legal!
— Isso, vamos nos divertir muito na piscina o que acha?
— A Laurinha pode ficar? — Ele pergunta e pega os pais de surpresa.
— Claro — respondo — se vocês autorizarem, ela pode ficar sem
problemas.
— Ela não trouxe biquíni. — Renato argumenta.
— Eu trouxe, pai — ela confessa — coloquei na minha bolsa apenas
como garantia, caso o Manoel não quisesse ficar. Irmãos permanecem juntos
em todas as situações.
— Você aprendeu direitinho — o pai diz, orgulhoso.
— Posso ficar, pai? — Laura pergunta, animada.
— Por favor, pai. — Manoel junta as mãos em uma súplica — Deixa
a minha irmãzinha ficar.
— Tudo bem para você? — Ele consulta Olívia que assente em
concordância— Tem certeza que não irá atrapalhar? — Dirige-se a mim.
— Será um prazer recebê-la, tenho certeza que você e a minha
afilhada serão boas amigas.
— Obrigada, senhor Arthur.
— Sem o senhor, me sinto um velho.
— Vamos que a Dafne e o Diego estão esperando por vocês na
piscina. — Pâmela chama — Foi um prazer, Renato — ela despede-se —
Olívia, foi muito bom te reencontrar.
— Vão antes que a mãe de vocês comece a chorar aqui — Renato
brinca.
— Tchau! — Os meninos seguem de mão dadas os passos de Pâmela.
— Arthur não hesite em nos ligar — Ele informa.
— Não se preocupe, ficará tudo bem.
— Ok, tchau! — Eles se despedem e começam a ir em direção ao
carro.
— Renato — chamo e ele olha para trás — Tem algo que a Laura não
coma? — A pergunta pega ele surpresa.
— Ela detesta pimentão e coentro, no mais, ela come tudo. — Assinto
com a cabeça. — Valeu — escuto o seu agradecimento antes que eu entre em
casa.

Não sei se foi a presença da irmã ou a brincadeira com os meus


afilhados, o fato é que o dia de hoje foi perfeito. Passamos a manhã na
piscina, ele se divertiu nadando ao lado da irmã e gargalhou com o nosso
campeonato de salto à distância. O som da risada dele fez eu me sentir
verdadeiramente feliz ao longo do dia.
A barreira em torno dele foi sendo quebrada aos poucos. Ele ainda
não me chama de pai, claro, mas agora sou alvo da sua atenção. Manoel não
desvia mais olhar quando conversamos, ele até dividiu comigo seus ídolos do
futebol, além de conversar sobre seus desenhos favoritos.
Depois do almoço seguimos para a sala de TV, acabei adormecendo.
Nesse exato momento, abro os olhos e o encontro dormindo, ao meu peito.
Permaneço imóvel para não o acordar.
— Ele é a sua cara quando criança — minha mãe diz, baixinho.
— Estava velando nosso sono? — Digo e acomodo ele devagar no
sofá.
— Sim — ela diz quando saímos da sala — hoje vi a sua cópia
correndo por essa casa, a forma que ele sorri, o jeito que chuta a bola... Esse
menino é você quando pequeno! — Ela diz, emocionada.
— A senhora achou? Ele é a mãe por completo: lindo, genioso e
encantador.
— Quando ele vai me chamar de vovó?
— Mãe, já conversamos... É tudo muito recente.
— Ele não te chama de pai, é só “Arthur” de um lado para o outro.
Você deveria exigir, você é o pai dele e não aquele homem.
— Aquele homem é o pai que ele ama — rebato — posso ter as
minhas diferenças com Renato, mas jamais o questionarei como pai. E exijo
que a senhora faça o mesmo. Manoel, me chamará de pai quando estiver
pronto.
— E se ele nunca estiver?
— Não há o que fazer — dou de ombros — apenas não vou impor o
meu desejo.
— Você poderia pedir a guarda dele. Tenho certeza que qualquer juiz
iria ser favorável a você, poderíamos criar ele aqui nessa casa.
— Isso não vai acontecer, mãe.
— Podemos reformar o quarto de hóspede, deixar o cantinho dele...
— Ela insiste.
— Isso eu irei fazer, mas na minha casa — ela me encara surpresa —
andei vendo umas casas.
— Você não precisa de uma casa, essa é a sua casa.
— Não mãe, essa é a sua casa. Eu já queria fazer isso há muito tempo,
e a chegada do Manoel fez eu criar coragem e cortar os laços. Quero ter a
minha casa, poder receber a irmã do meu filho sem o seu olhar de
desaprovação, entre outras coisas.
— Eu não falei nada, Arthur...
— Não precisava, estava estampado na sua cara, dona Mirtes. Sei que
deve ser estranho eu receber a enteada da Olívia aqui, mas eles são a família
do Manoel e quero poder recebê-los sem ressalvas. Estou passando por cima
do meu orgulho para me aproximar do meu filho.
— Você não precisa sair de casa por isso — ela argumenta — fui
pega de surpresa, confesso. Achei que receberíamos apenas o meu neto, foi
só isso.
— E se amanhã for a Olívia ou o Renato? A senhora também será
pega de surpresa? A criança não percebeu, mas nós, adultos, sim. Eu preciso
dar esse passo sozinho, mãe.
— Você tem esperança de reatar com ela, não é? — Ela questiona e
permaneço calado, pois não tenho resposta para essa pergunta — Olívia é
bem-vinda nessa casa, afinal é a mãe do meu neto.
— Esse é apenas um dos motivos para ele ser bem-vinda mãe. Olívia,
assim como eu, foi vítima de uma teia de mentiras.
— Eu a receberei corretamente — ela se compromete — posso fazer
isso.
— Está decidido mãe, dentro de quinze dias estou indo para minha
casa.
— Você já arquitetou tudo...
— Eu queria fazer surpresa. Falta apenas o quarto do Manoel, a
decoração é de futebol.
— Avisou isso ao marido dela? — Ela questiona. — Você que não
aprendeu. Vai cair novamente no canto da sereia.
— Pelo respeito que eu tenho pela senhora, essa é a última vez que
temos essa conversa.
— Arthur...
— A Pâmela tem razão, eu deveria ter cortado o cordão umbilical faz
tempo. Hoje é a última noite que permaneço aqui. Preciso respirar novos ares.
— Você sabe que tudo que falo é porque te amo! Me preocupo com
você, Arthur — Ela argumenta.
— Será benéfico para ambos, mãe.
— Cadê a Laurinha? — Manoel aparece no corredor coçando o olho.
— Vamos atrás dela — sorrio — sobe aqui que vou te dá uma carona
— agacho para ele subir nas minhas costas. — Pronto?
— Sim! — Ele segura meu pescoço.
— Vamos atrás da princesa Laura, caro cavalheiro.
Sigo correndo, levando-o nas costas. Ele gargalha e meu riso junta-se
ao seu em uma única risada. Nos juntamos a Laurinha e aos outros, na sala de
jogos, e permanecemos sorrindo e conversando até que Renato aparece no
horário combinado para pegá-los.
— Quando você vai voltar aqui? — Dafne pergunta para a Laurinha.
A minha intuição estava certa, elas não se desgrudaram.
— Pai, quando eu voltarei? — A menina se volta para o pai.
— Vamos ver isso outro dia...
— Renato, seus filhos são educados e super amorosos, repasse os
meus elogios a Olívia.
— Ela vai ficar feliz em ouvir isso.
— Pai, eu brinquei de salto d’água, foi maneiro! — Manoel conta
animado ao pai — e depois comi fritas e frango, ainda consegui tomar um
sorvete bem grandão.
— Foi divertido?
— Foi mais que divertido, foi maneiro! — O menino sorri.
— Dê tchau a todos que a vovó está esperando a gente para jantar.
As crianças se despedem uma da outra, Manoel beija o rosto de
Pâmela e para em minha frente.
— A piscina é maneira — ele sorri — Obrigado pelo dia de hoje.
— Você se divertiu? — Pergunto e ele assente com a cabeça — Meu
dia foi muito maneiro ao seu lado, sabia? Não vejo a hora de marcamos outro
dia assim.
— Pode ser no parque de diversões? Eu adoro parques! — Diz
animado.
— Hummm.... — Finjo pensar. — Será que ganho um abraço? As
entradas para o parque são caras.
— Meu pai tem dinheiro, é só pedir a ele, né pai?
— Sim. — Renato sorri
— Eu acho que Arthur quer o seu abraço maninho — Laura diz — ele
quer saber se você é forte, sabe aquele abraço quebra ossos? Arthur quer um
desse.
— Exatamente. Andei sabendo que você é especialista nesse tipo de
abraço.
— Você está pronto? — Ele pergunta, confiante. — Depois não
reclame quando eu quebrar todos os seus ossinhos.
— Eu esperei muito por esse abraço — Ajoelho para ficar a sua
altura.
Manoel se aproxima e me abraça, seus braços pequeninhos me
envolvem e constato que eu não estava pronto para esse toque. O toque
carinhoso do meu filho, floresce um Arthur bobo. Não contenho as lágrimas e
deixo-me ser embalado pelo seu abraço.
Abraçar o meu filho, pela primeira vez, ressignifica toda a minha
vida. Se antes eu tinha dúvidas, elas se dissiparam quando nossos corações
bateram no mesmo ritmo.
Naquele momento eu soube que jamais conseguiria viver, sequer um
dia, sem o seu abraço.
O ntem foi a primeira
vez que o Manoel
dormiu fora de casa, longe de mim, e meu coração não sossegou um único
minuto. Quando Arthur ligou para perguntar se ele poderia conhecer o quarto
que ele preparou na sua nova casa, não hesitei em permitir, pois estava
verdadeiramente feliz em vê-lo tentando agradar o filho. Todavia, não
esperava que Manoel ficasse tão encantado com o quarto novo que pedisse
para dormir nele.
Renato conseguiu adiar por alguns dias a realização desse pedido,
alegando que era preciso planejamento, que Arthur precisava fazer compras e
não estava preparado para recebê-lo e eu ajudei com as desculpas, afinal
também não estava pronta para ver meu filhote dar esse passo. Mas, ele
estava pronto e insistiu durante toda a semana para dormir no quarto novo na
casa do Arthur. O resultado foi ceder e atender o seu desejo.
Enquanto meu filho dormia tranquilo na casa do pai biológico, eu
passei a noite discutindo com o Renato. Por sorte, a Laurinha estava passando
o fim de semana com a mãe e não presenciou as nossas discussões que
seguiram noite adentro. Renato me acusava de ceder as vontades do Arthur,
insistia que ele estava fazendo tudo isso para me conquistar e não com o
objetivo de se aproximar do filho. Afirmava ainda que Arthur estava
manipulando seu filho com presentes caros e novidades. Renato estava
assustado com as mudanças ocasionadas pela inclusão de Arthur na vida de
Manoel. E eu compreendia, entendia todos os seus receios e incômodos.
Sabia que não estava sendo fácil para ele, a cada vez que Manoel retornava
dos encontros com Arthur, que se tornaram mais frequentes, falando animado
como se divertiu com ele. Renato sentia-se jogado para escanteio a cada vez
que Manoel perguntava quando encontraria Arthur novamente.
E é por conhece-lo tão bem que eu sabia que ele estava no seu limite,
estava cedendo por amor ao filho, tolerando a presença do Arthur e engolindo
seu orgulho dia após dia. Tentei de todas as formas contornar a situação, criei
um cronograma de encontros de pais e filhos, para que ele e Manoel tivessem
uma noite só deles, a noite dos meninos. Agendei com Arthur os dias que ele
poderia ligar e visitar Manoel para não chocar com os dias de Renato.
Busquei deixar a situação o mais confortável possível para ambos,
principalmente para Renato, eu o amava e queria que ele entendesse, de uma
vez por todas, que não estávamos numa disputa, não haveria vencedor ou
perdedor no final, sairíamos todos vitoriosos se conseguíssemos tornar
Manoel feliz. Esse era o nosso principal objetivo. A inserção do Arthur na
vida do Manoel, era pontual na relação pai e filho. O fato de o Arthur retornar
para a minha vida não alteraria as minhas escolhas, Renato, Laura e Manoel
são a minha família, as pessoas que eu amava e ninguém mudaria isso.
Todavia, isso não parecia aplacar as suas angústias.
Hoje é o aniversário de seis anos do nosso filho e Manoel está
eufórico. Assim como o pai Renato, ele amava comemorar aniversários.
Acordou logo cedo e já perdi as contas de quantas vezes ele perguntou que
horas começará a festa. Está ansioso para encontrar os amigos da escola.
— Como você está lindo! — Digo quando ele aparece no quarto
acompanhado do pai.
— Você achou? — Renato dá de ombros sorrindo — Foi a primeira
peça de roupa que encontrei no guarda-roupa.
— Ela está falando de mim, papai — Manoel sorri alto.
— Ele tem razão papai, estou falando do meu gatinho — abraço meu
filhote — Você será o mais lindo dessa festa!
— Foi a primeira peça que encontrei no guarda-roupa — ele repete a
resposta do pai.
— Deve ser por isso que vocês estão tão lindos assim. — Concordo,
sorrindo. Eles usam a mesma camiseta polo. Tal pai, tal filho.
— Nós não ganhamos elogios? — Laura pergunta quando finalizo seu
penteado, uma parte do cabelo preso com uma presilha e a outra solta,
revelando os seus cachinhos, ela usava um vestido rosa de saia godê.
— As duas mulheres da minha vida estão deslumbrantes — ele
estende a mão para filha e a faz dar uma voltinha — uma verdadeira princesa.
— Olívia que me ajudou a escolher esse vestido. — Ela diz,
orgulhosa.
— E você? — ele repete o gesto e me avalia longamente. Uso um
macacão longo de estampa floral, a peça é o meu curinga, simples e elegante
e o melhor adequada para qualquer situação, permite que eu possa cair na
piscina de bolinhas e abaixar para cumprimentar as crianças — Na presença
das crianças tudo que eu posso dizer é que você aparenta ser uma boa mãe,
uma mãe muito boa, ouso dizer. — Renato aproxima-se e sussurra ao meu
ouvido — Gostosa pra caralho! — Eu gargalho com o elogio do meu
digníssimo esposo.
— Você sabe como alimentar o meu ego!
— É a minha função nessa terra — ele pisca — prontos para a
diversão?
— Sim! — As crianças gritam e saem correndo.
— Não vou desgrudar de você um único minuto nessa noite — ele
enlaça as nossas mãos enquanto caminhamos em direção ao salão de festas
do condomínio. — Quero que a cada vez que as pessoas admirarem você,
constatem que sou um homem de sorte por estar ao seu lado.
— Essa é a sua desculpa para fugir daquele pai chato que, toda vez
que te vê reclama dos juros dos bancos?
— Você descobriu o meu segredo — solta um falso lamento —
Aquele cara é um porre! Mas, não é com ele que estou preocupado.
— Não começa... — Repreendo.
— Eu não falei nada... — Ele desconversa.
— É verdade que o outro pai do Manoel vem a festa? — Laura
pergunta assim que nos juntamos a eles no corredor.
— Ele prometeu que vinha, é claro que ele vem não é, mãe? —
Manoel responde.
— Se ele prometeu, ele deve vir... — Desconverso quando entramos
no elevador.
— Mas, se ele não vier não tem problema. O papai está aqui e vamos
nos divertir muito — Renato fala animado.
— Eu disse aos meus amiguinhos que meu novo pai é jogador de
futebol de verdade e que ele vinha na minha festa. — Manoel explica.
Renato abre a boca e fecha no minuto seguinte. Não sei se ele tinha
algo para dizer e se arrependeu ou se a afirmação do filho o surpreendeu.
Renato solta a minha mão e cruza os braços, Laura e Manoel conversam entre
si e eu emudeço. Nunca quatro andares foram tão longos na minha vida.
Assim que chegamos ao térreo, as crianças correm em direção ao
salão de festas e nos deixa atrás.
— Renato, ele não falou por mal. — Explico.
— Eu sei — ele concorda — Mas, isso não impede que eu me sinta
mal.
— Quer conversar? — Pergunto.
— E estragar a festa do nosso filho? Jamais — Ele sorri — Vamos
celebrar nosso pequeno.
— Vamos, porque estou louca para roubar brigadeiro da mesa de
doces.
Os convidados vão chegando aos poucos. A minha família e os pais
de Renato são os primeiros. Um a um eles parabenizam Manoel e o enche de
presentes. A cada amiguinho que chega a pergunta se repete: onde está o pai
jogador de futebol do Manoel? O tema da festa, futebol, talvez tenha
corroborado para que isso aconteça.
Renato tenta não transparecer o choque, mantém a postura serena,
mas eu conheço aqueles ombros tensos e a ruga de expressão no meio da
testa denunciando irritação. Em determinado momento, ele me deixa sozinha
recebendo os convidados e junta-se ao meu irmão mais velho e amigos e
começa a beber. De onde estou, vejo os copos se aglomerando na mesa e
começo a me preocupar. Ele bebe socialmente, mas hoje está passando dos
limites.
O serviço que contratamos para a festa é dinâmico e eficiente, ainda
assim faço questão de saber se todos estão servidos e satisfeitos. As crianças,
a minha maior preocupação, possuem uma atenção especial, os animadores
de festa infantil as entretêm com múltiplas atividades como mímica e
números de mágica. Manoel é o ajudante do mágico nesse momento e carrega
um sorriso estampado no rosto.
— Renato, você não acha que já bebeu demais? — Digo quando ele
se aproxima de mim.
— Não posso comemorar o aniversário do meu filho?
— Nesse ritmo, você não estará de pé na hora dos parabéns.
— O outro pai assume o papel — ele insinua — falando dele... —
Olho para trás e vejo Arthur chega acompanhado da mãe e Pâmela.
— Boa noite! — Arthur nos cumprimenta — Atrasamos, mas a culpa
é da Pâmela que não sabia o que vestir.
— Nunca se sabe quem podemos encontrar numa festa infantil, talvez
haja um pai solteiro dando sopa por aí, não é Olívia? — Ela sorri.
— Claro — concordo sorrindo — temos o Duarte... — troco um olhar
cúmplice com o Renato.
— Se ela gostar de pesca esportiva e morar no campo, ele pode ser
uma boa escolha.
— E eu achei que quando ficasse solteira apareceria um leque de
opções — Ela gargalha.
— Pâmela, você deveria ser mais discreta — a mãe de Arthur
repreende — você acabou de se separar. Que visão você quer passar para os
outros?
Nesse exato momento começo a me arrepender de tê-la convidado. O
tempo passou e Mirtes não mudou, continua uma mulher amarga e querendo
ditar a vida alheia.
— De uma mulher independente e que ainda acredita no amor! — Ela
rebate.
— O amor não é uma peça ilimitada, é peça rara — a mulher
argumenta.
— Eu discordo — Renato intromete-se na conversa — ainda que seja
comumente categorizado, o amor, o sentimento em si ele é múltiplo. Há
amores que duram uma vida, mas há vida que proporciona diversos amores.
Algumas pessoas entram na nossa vida e ressignificam a sua existência, se
isso não é amor, o que mais pode ser? — Ele diz fitando-me longamente e
por alguns minutos somos apenas nós. Nós que aprendemos que o amor é
algo indescritível e inexplicável. Nós que descobrimos uma nova forma de
amar.
— Caralho! — Pâmela deixa escapar e lembramos dos outros. Ela
estava visivelmente emocionada, olhos marejados, assim como eu estou. —
As suas palavras era o que eu precisava ouvir nesse momento. Onde encontro
uma cópia desse, Olívia?
— Sinto muito, mas esse é edição limitada. — Renato sorri diante da
minha declaração.
— Onde está o meu neto? — Mirtes indaga.
— Sendo assistente do mágico — respondo — vou chamá-lo para
cumprimenta-los.
— Papai! — Escutamos a voz de Manoel. Automaticamente Renato e
Arthur viram em direção a voz, Renato, por fim, responde:
— Oi, filho.
— É o meu pai Arthur — o menino identifica — Meus amigos não
acreditam que você é meu pai! Vamos até eles, quero mostrar que não menti.
— Vamos! — Arthur segura a sua mão estendida.
— Renato — toco sua mão e ele reprime o meu toque, o ato não passa
despercebido por Mirtes.
— Sejam bem-vindas — ele deseja e afasta-se em direção à mesa dos
seus pais.
— Vamos sentar, Mirtes? — Pâmela indaga — Estou desacostumada
com esses saltos.
— Vá na frente, preciso dar uma palavrinha com a Olívia...
Pâmela arregala os olhos e, assim como eu, teme o rumo dessa
conversa, mas atende o pedido de Mirtes e afasta-se.
— Obrigada pelo convite, Olívia — Mirtes agradece — o seu gesto
mostrou que você é uma grande mãe.
— Fazemos tudo pelos nossos filhos. A maternidade me mostrou que
por amor ao meu filho eu sou capaz de tolerar muitas coisas.
— Inclusive a minha presença — ela completa
— Exatamente — concordo.
— Não tive culpa no término do noivado de vocês — ela se defende
— eu realmente acreditei na gravidez da Laila, não havia motivos para ela
mentir. Quanto a você...
— Eu era a pobretona que estava noiva do caro rico. — Completo.
— Eu cometi os meus equívocos, reconheço. Mas, fiz tudo em prol do
Arthur, você agora como mãe deve saber que somos capazes de abdicar da
nossa felicidade por um filho.
— Preciso voltar para a festa — interrompo a conversa antes que ela
siga por um caminho que não desejo.
— Eu não vou tomar mais o seu tempo. Mas preciso pedir, em nome
do meu filho, que você permita que ele registre o Manoel no seu nome. Esse
menino tem o meu sangue e precisa do meu sobrenome na certidão de
registro dele. Renato pode ser o seu marido, mas jamais será o pai do Manoel.
— Esse menino precisou de amor um dia e a senhora virou as costas,
ele teve a sorte — corrijo — nós tivemos a sorte de encontrar Renato e ele
não somente nos amou quando os outros nos rejeitaram, como ensinou a
todos nós a amar ainda que o mundo te sacanei. Então ainda que a senhora
não compreenda todas as dimensões do amor, Renato é e sempre será o pai
do Manoel. Agora queira me dar licença, pois meus convidados me esperam.
Retorno para o salão e aproveito para conversar com Pâmela. Ela
aproveita para me atualizar dos últimos acontecimentos da sua vida, ela e
Juan continuavam separados e ela contratou uma advogada para dar entrada
no divórcio. Juan estava resistente, tenta convencê-la a recomeçar a vida
deles em outro lugar. Mas, ela está convicta na sua decisão. Não a condeno, é
difícil voltar a confiar em alguém que mentiu para você por anos.
Chega a hora dos parabéns e com ela mais uma saia justa. Estamos
reunidos em torno da mesa do bolo, quando Manoel convida Arthur para se
juntar a nós. Ele insiste diversas vezes e diz que apenas irá cantar os parabéns
se for com os dois pais presentes.
— Não! — Renato discorda — A sua família é essa, sempre foi nós
quatro e continuará assim.
— O Arthur também é meu pai e quero ele aqui, por favor.
— Eu sou o seu pai!
— Você está criando uma cena, Renato — Repreendo.
— Eu sou a droga do pai dele! — Ele rosna.
— Sem o Arthur não tem parabéns. — Manoel diz com os olhos
cheios de lágrimas.
— Você prefere ele a mim? — Renato questiona.
— Eu quero os dois.
— Um ou outro — sentencia — na vida não podemos ter tudo. —
Manoel alterna o olhar entre Renato e Arthur tentando decidir.
— Não precisa decidir, filho. Arthur — volto-me para ele — venha
cantar os parabéns do seu filho!
Arthur posiciona-se ao lado de Laurinha e minha mãe dá início aos
parabéns. Assim que Manoel assopra a vela, Renato vai embora antes que
possamos posar para as fotos.
Quando a festa finalmente se encerra, estou exausta. Sigo para o
apartamento e depois de colocar as crianças para dormir, arrasto-me para o
banheiro, tomo um banho rápido e sigo para a minha cama.
A cama está vazia e não há sinal do Renato em nenhuma parte.
— Onde você estava? — Questiono quando ele adentra no quarto aos
tropeços.
— Por aí...
— Eu não sabia o que responder quando as pessoas começaram a se
despedir e perguntaram por você.
— Duvido que tenham sentindo a minha falta. O novo papai atraiu
todas as atenções.
— Eu ainda não acredito que você ficou magoado com o Manoel. Ele
te ama incondicionalmente, Renato.
— Mas chamou o outro para cantar os parabéns ao lado dele.
— É natural, o outro também é o pai dele.
— Eu sou a porra do pai dele!
— Ninguém está questionando isso.
— Não é o que parece — ele discorda — Você ficou ao lado dele
quando o Manoel pediu para ele se juntar a nós. Você escolheu ele a mim.
— Renato, você estava criando uma cena. — Rebato — Agi como
agiria se fosse o contrário, agi pensando no bem-estar do Manoel.
— Eu não sou ele, não é? — Ele questiona — Eu vi como vocês se
olharam hoje à noite.
— Renato, você bebeu demais e estou cansada para discutir.
— O cara tem a porra de um imã — ele prossegue — Todos se
encantam... Os meus filhos e até a minha mulher!
— Eu vou desconsiderar o fato de você está chateado e não rebater
suas acusações.
— O que você sente, Olívia, quando olha para ele? Vai mentir e negar
que a cada vez que pensa nele, imagina que tudo poderia ser diferente.
— Eu não me arrependo das minhas escolhas.
— Não foi isso que perguntei.
— O que você quer que eu responda? Vai dizer que não cogitou a
possibilidade de reatar o seu casamento?
— Desde que conheci você, não! — Sentencia — Eu amo você
Olívia, cada parte minha ama você, nunca houve espaço para mais ninguém
além de você. Eu te conheço Olívia, aprendi a ler os seus sinais e ainda que a
sua boca não diga, seu corpo te trai, sei que quando vê o Manoel e o Arthur
juntos pensa na família que vocês construiriam se tivessem a oportunidade de
estarem juntos.
Ainda que eu não admita, ele tem razão. Ainda que eu negue
diariamente, não consigo deixar de pensar o quanto a minha vida seria
diferente se as mentiras não me afastassem do Arthur. Todavia, isso não
significa que estou disposta a abrir mão da minha família para viver uma vida
que poderia ter sido e não foi. Não quando escolher o Arthur implica em
magoar o Renato e a Laura. Não quando tentar mais uma vez com o Arthur,
significa engolir o meu orgulho e enfrentar a Mirtes novamente. Não quando
Manoel, sofreria com as minhas escolhas. Além do mais, eu não fui a única a
seguir a minha vida. Vi a mulher que estava ao lado do Arthur no
restaurante, ele tinha o direito de reconstruir a sua vida assim como eu fiz.
— A verdade, Olívia — Ele insiste — Essa sempre foi a nossa regra
fundamental.
— Eu não tenho a resposta que você merece ouvir... — Digo com os
olhos cheios de lágrimas — Sei o quanto estar sendo difícil para você ver
Manoel se apegar ao Arthur. E isso me fez admirá-lo ainda mais, você está
engolindo o seu orgulho, para ver o seu filho feliz. Você é um homem
louvável por isso, mas não deixe que os ciúmes nublem a sua visão e encare a
situação como uma competição. Arthur jamais ocupará o seu lugar na vida do
Manoel, ele é apenas seu.
— Assim como jamais ocuparei o lugar do Arthur no seu coração, não
é? — Emudeço e deixo que as lágrimas respondam por mim. — Responde,
Olívia! — Ele grita.
— Você vai acordar as crianças....
— A verdade, Olívia! — Ele exige furioso. Meu soluço ecoa no
quarto e choro abraçada ao meu corpo — Está estampado no seu rosto, e
assim como o filho, a mãe já escolheu um novo papai.
— Você está vendo as coisas por uma ótica errada. — Argumento em
lágrimas — Você é um pai incrível e isso ninguém pode questionar.
— Devo ser mesmo — Duas lágrimas rolam pelo seu rosto — Fui
incrível quando aceitei assumir o papel de pai interino.
— Você está sendo injusto...
— Eu fui o único pai que Manoel teve em anos, o cara que cuidou
dele quando adoeceu, que ensinou a andar de bicicleta, que segurou a sua
mão na primeira ida ao dentista, e agora estou sendo substituído pela
novidade. O que eu mais temia aconteceu, Arthur retornou para reivindicar
vocês.
— Eu não sou uma propriedade... Eu ainda estou aqui.
— Não prometa o que não pode cumprir, Olívia.
— Eu sinto muito... — Sussurro, mas ele não me ouve, continua
caminhando, seus passos seguindo em direção contrária aonde estou é a
representação da nossa relação nos últimos dias. Cada um seguindo a sua
própria vida.
Queria muito ter dito tudo que Renato merecia ouvir. Queria que
tivéssemos feito as pazes e que as brigas fossem superadas. Queria que a
gente voltasse a sorrir mais vezes, que as lágrimas que choramos fosse de
felicidade e não de tristeza. Desejei avidamente que fosse apenas uma fase,
que as desculpas que dissemos uma ao outro, aplacassem as mútuas
acusações. Todavia, nada disso aconteceu.
O copo foi enchendo aos poucos e quando ele transbordou, o melhor a
fazer foi terminar, acabar enquanto ainda existia respeito e admiração. Mas,
isso não facilitou as nossas vidas, tínhamos as crianças e essas sentiram o
choque da separação. Cortou o meu coração ver os dois nos olhando
assustados, eles agiram da pior forma possível e isso era o esperado. Sofri
quando a Laura implorou que eu não a abandonasse como a mãe tinha feito,
chorei quando o Manoel abraçado Renato gritou que queria morar com o
papai e a Laurinha.
Precisamos, recuar para minimizar o sofrimento deles. Por isso,
tornamos a separação gradual, primeiro deixei o quarto que dormíamos e
passei a dormir no quarto do Manoel. Depois vieram as alterações de rotina,
após a escola, Laura não voltava para casa com o irmão, ela permanecia na
escola para realizar atividades extras no horário da tarde, foi a decisão do
Renato enquanto tentávamos encontrar alguém de confiança para cuidar dela.
Manoel, seguia comigo para a casa da minha mãe e retornávamos para casa
somente à noite, quando jantávamos juntos nesse momento conversávamos e
brincávamos, queríamos que eles entendessem que Manoel continuaria sendo
o filho do Renato e a irmã da Laura, e que Laura compreendesse que o meu
amor por ela jamais iria desaparecer, ela seria para sempre a minha Laurinha,
a minha separação com o seu pai era algo entre adultos, o nosso elo nunca
seria cortado.
— Você vai mesmo embora, Olívia? — Laura diz entre lágrimas
quando Renato coloca no carro a última mala com os meus pertences. Hoje
marcava o dia definitivo da nossa separação. Manoel e Laura choravam
abraçados, um consolando o outro, era de cortar o coração, Renato evitava
encontrar o meu olhar, mas assim como eu ele estava sofrendo.
— Não chora — enxugo as suas lágrimas — Você sabe que sempre
pode contar comigo, não sabe? — Ela concorda com a cabeça —
Independente de quando, onde e horário você pode me ligar e estarei pronta
para você.
— Eu vou poder encontrar o meu irmão? — Ela pergunta.
— Sempre que você quiser. — Ela me abraça forte — Eu te amo até o
infinito, tá?
— Eu também te amo, mãedrasta.
— Você continua sendo a minha filha — Beijo seu rosto — A minha
linda menina de sorriso gigante.
— Eu te amo, irmãozinho — Ela sai dos meus braços e segue para
Manoel que assiste a tudo chorando.
— Eu também amo você — Ele diz entre soluços.
— Vem aqui, campeão — Renato abre os braços para Manoel que
aninha em seu peito — Não chora, você está indo morar em um outro bairro,
não vai se livrar desse pai chato tão facilmente — Ele tenta fazer graça, mas
as lágrimas traem — Seu quarto continuará esperando por você, assim como
a Laura e eu. Estaremos sempre juntos, ainda que sigamos separados. Eu te
amo, filho.
— Eu também amo muito, muito, muito e muito! — Manoel afirma
entre lágrimas.
— Agora enxuga essas lágrimas e fica forte para cuidar da mamãe.
Agora você é o homem da casa. Posso confiar a você essa missão?
— Sim, cuidarei dela. E você cuida da Laurinha.
— Bate aqui! — Ergue a mão e eles se cumprimentam com o habitual
toque de mãos, a marca registrada deles.
— Laurinha — Ele chama a irmã e repete o gesto, antes de seguir
para dentro do carro, Laura o acompanha para ajudá-lo a pôr o cinto de
segurança.
— Tem certeza que não quer que eu leve vocês até lá? — Renato
pergunta.
— Obrigada, mas será mais fácil para todos nós assim...
— Ficamos aqui então... — Ele coloca as mãos dentro dos bolsos —
Seja feliz, Olívia.
— Eu já sou feliz e você é o responsável por essa felicidade. Poder
escrever mais um capítulo da minha vida ao seu lado ressignificou a minha
existência. Aprendi com você que não podemos nos acostumar com o que
não nos faz bem, você me ensinou que a nossa zona de conforto impede que a
gente conheça outros amores e novas cores, você me ajudou a ser a mulher
que corre atrás dos seus sonhos.
— Eu apenas ajudei você a encontrar essa mulher que você escondia
dentro de você.
— Ainda que os anos passem eu sempre lembrarei de você com amor.
O nosso elo é definitivo, temos um filho em comum.
— Você foi sol nos meus dias nublados, Olívia. — Ele confessa —
Eu sempre amarei vocês. Sou muito feliz por ter feito parte da sua vida.
— Nós também sempre te amaremos. — Fungo — Será que ganho
um abraço?
— Claro — ele sorri e me envolve em seus braços.
— Eu vou sentir falta desse abraço — Digo, entre lágrimas.
— Você pode contar comigo sempre! Estarei sempre aqui pronto para
te receber com os braços abertos.
— Eu te amo, Renato!
— Eu sei. E é por isso que é tão difícil deixar você partir. — Ele
respira fundo e suas mãos afastam do meu corpo, que sente a ausência do seu
toque. — Vai embora, antes que eu arraste você até o apartamento e
mantenha você refém — Diz enxugando as lágrimas — Até breve, Olívia.
— Até Renato. — Enxugo as lágrimas, abraço Laura mais uma vez e
entro no carro.
— Para onde vamos, mamãe? — Manoel pergunta quando coloco o
carro em movimento.
— Ser feliz, filho. Ser feliz.
C om o esporte, aprendi
que o sucesso de um
time está na integração de todos da equipe, é preciso estar unidos e coesos. O
melhor ataque precisa estar alinhado a uma boa defesa, senão não adianta
marcar cinco gols e sofrer o mesmo número ao fim da partida.
A máxima “o jogo só acaba quando termina” é válida e eu vacilei
quando cantei vitória antes do tempo. A minha relação com o Manoel havia
chegado num patamar que eu já me considerava vitorioso, ele demonstrava
felicidade ao me encontrar, compartilhava comigo as coisas que aprendia na
escola, dormia uma vez por mês no quarto da minha nova casa. A gente
finalmente estava se entendendo, entretanto, nas últimas semanas voltamos à
estaca zero, ele recusava os meus convites para passear e, quando aceitava,
passava boa parte do tempo com a cara emburrada. Demorei a entender o
motivo e fui egoísta por ficar feliz quando finalmente descobri: Olívia e
Renato estavam se separando. É horrível me sentir feliz com algo que esteja
incomodando meu filho, mas todo torcedor de futebol já secou o adversário e
desejou que ele perdesse o jogo, mesmo quando a partida não era contra o seu
time. Agora, imagine final de campeonato e é você ou ele?
Estava tentando me manter neutro e deixar o Manoel à vontade. Hoje
é mais um desses dias, em que tento passar por cima do seu gênio e fazer o
papel de pai legal. Havíamos combinado de assistir à estreia de um filme
infantil, ele passou meses esperando a estreia, e agora que chegou o dia, foi
preciso que Olívia insistisse muito para que ele viesse comigo.
— Você vai querer pipoca doce ou salgada? — Pergunto enquanto
aguardamos a nossa vez de sermos atendidos.
— Tanto faz — ele dá de ombros.
— Vou pedir duas, uma doce e outra salgada aí comemos um pouco
de cada. Pode ser?
— Anhan.
— E o refrigerante?
— Eu sou criança! Bebo apenas suco.
— Vou tentar não esquecer disso — Sorrio.
— Meu pai Renato sabe todos os meus gostos...
— Se você me contar eu posso aprender rapidinho.
Ele fica mudo e desvia o olhar.
— Próximo! — A atendente chama e faço nossos pedidos antes de
seguirmos para a sessão.
O filme conta a história de um Dinossauro que inicia uma amizade
com um humano. A trama permeia os momentos de confronto entre os dois
mundos e a amizade como elo integrador. Mas, devo confessar que passei
mais tempo estudando as suas reações do que assistindo o filme, Manoel
havia baixado a guarda e sorria enquanto acompanhava as aventuras do
dinossauro.
Quando as letras dos créditos finais sobem, levam junto o bom humor
do Manoel, ele volta a ser o menino irritado.
— A gente já pode ir embora? — ele pergunta.
— Pensei que poderíamos passar no playground.
— Quero ir para casa — insiste.
— Vamos para casa, então — Estendo a mão, mas ele não segura e
sai correndo.
— Manoel, espera! — Grito, mas ele parece não me ouvir continua a
correr. Apresso meus passos para não perdê-lo de vista — Manoel, pare de
correr, agora! — Digo da forma enfática que vi tantas vezes Olívia falar, mas
ele não me obedece. Alcanço ele e seguro a sua mão, para impedir que ele
corra.
— Me solta! — Ele grita — Você não é o meu pai.
— Eu sou o seu pai e você sabe disso. — Digo calmamente.
— Não é nada! — Ele se esperneia e sinto que estou perdendo o
controle da situação, as pessoas começam a olhar para a cena protagonizada
por nós. E nesse momento percebo que não sei como agir diante disso.
— Eu não gosto de você! — Manoel solta a minha mão e se joga no
chão, choros e gritos completam o checklist da birra infantil.
— Manoel, por favor, levanta.
— Eu quero o meu pai! — Ele grita.
— O que está acontecendo aqui? — Renato surge no pior momento
possível.
— Papai! — A sua aparição é mágica e Manoel para de chorar
instantaneamente.
— Está tudo sobre controle. — Minto.
— Levanta do chão, filho! — Renato agacha-se para ficar na altura da
criança. Ele não precisa repetir para que o menino atenda o seu pedido.
Manoel enxuga as lágrimas e o abraça — O que você fazia no chão? — Diz
com o menino ainda abraçado ao seu pescoço.
— Eu não gosto do Arthur!
— E, por isso, você estava jogado ao chão?
— Anhan — O menino concorda.
— Foi assim que sua mãe e eu te educamos? Papai, está triste por ver
você fazendo birra.
— Eu gosto mais de você, papai. Eu queria morar de novo na sua
casa.
— Você pode amar o papai e ainda o Arthur. Lembra que falei que
nosso coração é gigante e cabe todos que amamos? — O menino assente com
a cabeça — Dá uma chance ao Arthur, ele parece um cara legal.
— Mas e você?
— Eu continuo sendo o melhor pai — Ele sorri — Arthur não roubará
o meu posto se é o que você tem medo. Ele não tem como competir comigo,
eu sou o rei das cócegas, o rei das brincadeiras, o rei das comidas ruins e dos
melhores restaurantes.
— Ele pode ser o príncipe? O príncipe é menos que o rei. — O
menino dá de ombros.
— Acho que o Arthur pode se contentar com esse título, não é?
— Sim — Concordo sorrindo — Serei o melhor príncipe que você já
conheceu.
— Então está tudo resolvido. Você está cercado da nobreza, filho. —
Ele sorri satisfeito — Agora dá mais uma abraço no papai que preciso ir
encontrar a Laurinha.
— Eu posso ir com você? Estou com saudades da minha irmã.
— Outro dia. — Ele desconversa.
— Ela está aqui no shopping? — Pergunto — Acho que podemos dar
uma passadinha rápida.
— Sério, Arthur? — Manoel pergunta, eufórico.
— Claro, se o Renato não se opuser...
— Por mim, ok. Ela está com a minha mãe na praça de alimentação.
— Vamos! Quero ver a minha vovó e a minha irmã. — Ele estende
uma mão em minha direção e a outra na direção do Renato, seguramos a sua
mão e seguimos ao encontro delas.
Manoel fica eufórico quando avista, de longe, as duas, ele pergunta
para nós dois se pode soltar a mão e correr e autorizamos. Ele segue em
disparada em direção à mesa, Laura levanta e também corre em sua direção
encurtando a distância, quando eles se encontram, se abraçam como se
fizesse anos que não se encontrassem. A vibração deles é bonita de ver, o elo
dos dois é algo que ultrapassa os laços de sangue, eles são irmãos e nada
mudará isso. A avó enche o garoto de beijos e ele retribui o carinho recebido.
O que tanto demorei a compreender, entendo nesse momento: Manoel
já tem uma família. A minha presença não deve ofuscar ou apagar os seus
laços com o Renato, se quero verdadeiramente fazer parte da vida dele,
preciso ter em mente que estou aqui para agregar, ele terá mais uma nova avó
e um novo pai. Por ele, podemos viver todos juntos.
— Pai, eu posso acompanhar a minha irmã ao parquinho?
— Hoje o papel de pai é do Arthur — Renato intervém — Pergunte a
ele.
— Posso, Arthur?
— Claro! — Concordo.
— Eu vou aproveitar que você chegou e vou dar uma passadinha no
supermercado — A mãe do Renato diz.
— Certo, vou levar as crianças ao parque e ligo para a senhora para
nos encontrarmos.
— Você continua cada dia mais lindo — a senhora abraça o neto —
manda um beijo para sua mãe.
— Sim, senhora. Agora já podemos ir para o parquinho?
— Vamos! — Renato responde e eles saem em disparada.
O resto da tarde é repleto de gargalhas e brincadeiras. Renato e eu
esquecemos por algumas horas que somos adultos responsáveis e entramos
nas brincadeiras das crianças: jogamos boliche, brincamos de acerte o alvo,
carrossel, entramos na piscina de bolinhas. O sorriso no rosto de Manoel me
contagia e sorrio naquela tarde, mais do que sorri nos últimos anos.
— Como você consegue? — Pergunto quando saímos do playground.
— Achei que o atleta aqui era você. Está cansado de acompanhar os
dois nessa tarde? Talvez precise de um suplemento. — Insinua.
— Eu, cansado? — Arqueio a sobrancelha — Não fui eu quem
precisou parar para recuperar o fôlego. — Ele sorri — Estou me referindo ao
jogo de cintura para lidar com eles, você presenciou a cena do Manoel, eu
estava sem reação.
— Na maior parte do tempo você não consegue — Ele sorri — Mas, o
segredo é fingir que está no controle. Ajuda se você deixar ele se expressar,
mostrar que compreende como ele se sente, não minimizar o sofrimento dele,
muito menos permitir que ele use dessa birra para te manipular. Se você ceder
uma vez, já era.
— É tudo muito difícil — confesso — quando acho que avancei duas
casas, sou surpreendido e preciso recuar quatro.
— A paternidade não é fácil. Mas, você está no caminho certo. — A
afirmação dele me pega de surpresa — Podemos ter nossas diferenças, mas
ela não impede que enxergue o seu esforço. Tratar bem os meus filhos é o
mesmo que me tratar bem e isso você já provou que é capaz.
— Não parece ser suficiente...
— Continue tentando — ele incentiva — não vou te dizer o que fazer,
porque não vou facilitar a sua vida. Coloque essa cabeça para funcionar.
Manoel não é filho da Olívia à toa. Se você desistir no primeiro momento irá
perder a oportunidade de desfrutar do seu melhor.
— Obrigado — agradeço — está explicado por que ele é vidrado em
você.
— Você tem um pálio duro pela frente. Estou de olho em você,
Arthur e no seu primeiro vacilo eu estarei pronto para assumir o meu posto.
— Isso não vai acontecer... — Rebato.
— O jogo só acaba quando termina, capitão. — Ele sorri.
O filho da puta, mais uma vez, tinha razão.

— Já chegamos? — Olívia pergunta, pela quinta vez, desde que


saímos do Rio.
Decidi aproveitar o feriado, que por obra do destino, coincidiu com a
pausa no campeonato brasileiro para passarmos um dia em família. Manoel,
Olívia e eu. Apenas nós três. Havia programado cada detalhe e foi com
imensa felicidade e surpresa, que recebi a resposta afirmativa de Olívia,
informando que aceitava o convite.
Todas as minhas fichas estavam apostadas nesse dia. Eu ansiava pelo
dia que Manoel não me visse como um rival do seu pai Renato, mas sim
como o seu novo pai, alguém que também o amava incondicionalmente e
queria caminhar ao seu lado na vida. E, claro, adoraria ter Olívia de mãos
dadas comigo nessa caminhada.
Não informei o nosso destino, queria surpreendê-los, apenas disse que
que usassem roupas leves e incluíssem roupa de praia. Estamos a cerca de
dez minutos de Angra dos Reis, era o meu lugar preferido no Rio de Janeiro,
com belas praias e um cenário paradisíaco, era um reduto de sossego na baixa
temporada.
— Tem certeza que a criança aqui é o Manoel? — Respondo sorrindo.
Manoel dorme sereno no banco de trás, saímos no primeiro horário da
manhã, a intenção era aproveitar cada minuto do nosso dia.
— Se você tivesse contado para onde estava nos levando, eu não
precisaria perguntar a cada minuto.
— Não seria surpresa se eu contasse. — Rebato.
— Não gosto de surpresas...
— Dessa vez vai gostar.
— Você está muito convencido — ela sorri.
— E não deveria estar? É a primeira vez que consigo ser incluso na
sua agenda depois de mais de cinco anos. Esse encontro é um fato para se
comemorar.
— Estamos num encontro? — Ela arqueia a sobrancelha.
— Depende apenas de você — dou a deixa.
— Eu não gosto de primeiros encontros, você deveria saber — ela se
vira em minha direção — Todavia, vou tentar manter a mente aberta.
— O que está passando nessa sua cabecinha? — Arqueio a
sobrancelha — Devo lembrar que nosso filho está dormindo no banco de
trás?
— Idiota! — Ela bate no meu braço antes de ser dominada por uma
crise de riso. Olívia gargalha no banco ao meu lado, e nesse momento
percebo o quanto senti falta da sua risada ecoando pelo ambiente e aquecendo
o meu coração.
— Não se reprima, Olívia. Não deve ser difícil encontrar uma babá.
— A minha mente aberta se referia a permitir viver o momento,
apenas isso — Ela enxuga as lágrimas.
— Droga — solto um falso lamento — estava com a esperança de
convidarmos algumas amigas para curtir a noite na Praia do Dentista. —
Insinuo e aguardo a sua reação.
— Desde que eu possa chamar os meus amigos, está tudo ok. — A
resposta dela me surpreende.
— Você está blefando, não é?
— Faça a sua aposta — dá de ombros — que foi? Está surpreso por
eu não ser mais a moça pudica de anos atrás? — Indaga, diante o meu
silêncio.
— Não, o que eu estou é puto. Puto por ter perdido a oportunidade de
estar ao seu lado durante esses anos descobrindo a mulher que se tornou.
Adoraria dividir com você novas formas de sentir prazer, bagunçar a sua
cama e preencher o seu coração — desvio o olhar e encaro seu rosto — seu
gosto nunca saiu da minha boca, seus gemidos ainda ecoam na minha mente,
meus lábios sentem a falta dos seus beijos...
— Arthur... — Ela sussurra, e eu repouso a minha mão em sua perna.
— Eu passei anos sonhado com o dia que ouviria novamente meu
nome saindo dos seus lábios, nessa sua voz rouca e sexy para caralho —
mantenho uma mão firme no volante e uso a outra para acariciar sua coxa
expostas no vestido curto. Ela deixa escapar um suspiro e abre as pernas para
que eu tenha acesso.
— Arthur... — ela repete.
— Seu timbre se modifica quando está excitada, Olívia, e isso é um
canto para os meus ouvidos, saber que ainda continuo excitando você — ela
se contorce no banco quando meus dedos tocam a sua calcinha. — Você está
molhada...— afasto a calcinha e deixo meus dedos pincelarem a sua entrada.
— O Manoel — ela segura a minha mão.
— Desculpa — afasto a mão da sua boceta e seguro firme no volante
— por um momento achei que éramos apenas eu e você. A culpa é sua por
me fazer esquecer o mundo ao redor.
— Minha? — Arqueia a sobrancelha — O atacante aqui é você!
— Que bom que você ainda se lembra, pois, eu não pretendo recuar.
A menos que você marque o impedimento.
— Sou o juiz da partida?
— Você é a dona da bola, Olívia. Sem você, não há jogo.
— Já chegamos? — Manoel pergunta, coçando o olho.
— Sim, estamos no paraíso. — Digo quando estaciono o carro em
frente a Marina de Angra dos Reis.
— Nós vamos andar de barco? — Manoel pergunta, animado,
enquanto caminhamos na passarela.
— Sim.
— Eu nunca andei de barco. Vai ser muito maneiro!
— Além de ser maneiro, vamos nadar com os peixinhos — concordo
e seu sorriso se amplia.
— Eba! — Ele grita eufórico.
— Bom dia! — O capitão do veleiro nos cumprimenta — Sejam
muito bem-vindos ao veleiro Mar Cristalino, eu sou o Wiliam e estou aqui
para servi-los.
— Obrigada! — Olívia agradece quando o homem estende a mão para
que ela entre no barco. Auxilio Manoel a subir e ele dá pulinhos de alegria.
— É uma honra receber o capitão no meu veleiro — William estende
a mão.
— O prazer é todo meu.
— Hoje vamos desbravar as águas verdes do mar de Angra e admirar
a sua exuberante e colorida vida marinha, formada por peixes, crustáceos,
tartarugas, corais, moluscos, entre outros. Faremos uma pausa em alto mar
para que possam, se assim desejarem, apreciar as belezas aquáticas num
mergulho.
— Vamos mergulhar com os peixinhos, mãe?
— Sim, meu amor!
— A Laurinha não vai acreditar quando eu contar para ela que nadei
com os peixinhos — seus olhos brilham de felicidade.
— Você gostaria de ser meu ajudante, hoje? — William pergunta e
oferece o quepe ao garoto.
— Sim! — Manoel grita.
— Então vamos colocar esse barco em movimento, marinheiro.
Ele não precisa falar duas vezes.
Os dois seguem para a cabine e nós seguimos em frente, Olívia se
acomoda na cadeira de sol e eu sento ao seu lado. Ela não retira o vestido,
apenas acrescenta o chapéu de palha a sua vestimenta. Eu não ficaria num
barco completamente vestido, retiro a camisa e deixo meu abdômen definido
ao seu deleite. Olívia me analisa por trás dos óculos escuros, mas não diz
uma única palavra.
— Estou deslumbrada com a paisagem — Olívia rompe o silêncio.
— Não estou na minha melhor fase. — Brinco.
— Você não tem a menor chance com a beleza da natureza — ela
rebate, sorrindo — nasci e cresci no Rio, mas nunca tive a oportunidade de
conhecer as nossas belezas naturais. Eu poderia facilmente viver numa ilha
dessas, sem celular, apenas meu filho e a natureza.
— Será que tem espaço para mais um?
— Até parece que você largaria a sua vida de astro de futebol para
viver em um lugar deserto.
— Se você me perguntasse isso alguns meses atrás eu responderia que
não, mas depois que conheci o Manoel eu descobri que sou capaz de abrir
mão de tudo para ficar ao lado dele — Olívia permanece em silêncio —
quero correr atrás do tempo que perdi.
— Quem sabe nos acréscimos você consiga fazer o gol da vitória? —
Ela sorri.
— Eu estou realmente contando com isso.
— Mãe — Manoel aparece gritando — O capitão disse que já
podemos mergulhar! Quero muito ver os peixinhos.
— Vamos ver os peixinhos, então — Ela sorri.
Colocamos a máscara e o snorkel e mergulhamos. Meu filho parece
um peixinho em meio aos demais, vibra a cada descoberta e sensações, uso a
máquina para tiramos fotos subaquáticas.
Quando retornamos a terra firme almoçamos no restaurante local e
visitamos alguns pontos turísticos, Olívia faz alguns compras na loja de
artesanato local, enquanto Manoel e eu alimentamos os patos da Orlinha.
— Gostou do passeio? — Pergunto.
— Foi o melhor passeio da minha vida, pai!
— Do que você me chamou?
— De pai, não podia?
— É claro que podia — digo, eufórico — Você não sabe o quanto
você me deixou feliz, filho. — Olívia — grito quando ela surge no campo de
visão — Ele me chamou de pai! — Ela sorri abertamente — Pai! — Levanto
ele do chão e rodo com ele nos meus braços — Eu sou o seu pai.
— Você está me apertando, pai — Ele reclama e afrouxo o abraço.
— Seu pai já conquistou muita coisa nessa vida, mas nada chega perto
da emoção de ser reconhecido por você. Esse é o meu melhor troféu, filho.
— Você ouviu, mãe? Eu sou o melhor troféu.
— Você realmente é — Olívia concorda com os olhos marejados e
junta-se ao nosso abraço.
P or um segundo, finjo
que entrei em uma
máquina do tempo e voltei ao passado. O carro dele para em frente à casa da
minha mãe, onde aguardo sua chegada. Dou passos até ele, que sorri e abre a
porta do carro para mim. Mas logo percebo que a máquina do tempo parou de
funcionar:
— E o Manoel? — ele pergunta antes mesmo que eu possa entrar no
carro.
— Achei que você fosse dizer como estou bonita, igual fez da
primeira vez que veio me pegar para jantar.
— Desculpe, novos hábitos, a primeira coisa que penso quando
acordo é no nosso filho.
— Isso é maravilhoso de ouvir — sorrio — ele está com o Renato, vai
dormir com o pai e a Laurinha.
— Agora sim, você está maravilhosa — ele segura minha mão e me
faz dar uma voltinha. Estou usando um vestido preto, de alças e com um
cordão trançado no busto, ele é soltinho embaixo, nunca me recuperei 100%
depois da gravidez, uso sempre roupas que disfarcem certas imperfeições. —
Aliás, fico feliz por ter abandonado as calças jeans!
— Não abandonei, ainda uso para trabalhar. Vamos?
— Claro, entre — ele me dá passagem. Enquanto eu sento ele dá a
volta no carro e assume seu lugar atrás do volante. — Aposto que acha esse
carro melhor do que o que vim da primeira vez, mesmo ele valendo umas
cem vezes menos.
— Com certeza, muito mais discreto. Vamos jantar no mesmo lugar?
— Vamos jantar na minha casa — ele diz — preciso ficar sozinho
com você.
Não discordo. Desde o nosso passeio a Angra, na semana anterior,
lembro das mãos dele nas minhas pernas e em como ele consegue me causar
tanto frenesi com tão pouco. De lá para cá, seguimos nossa rotina de trabalho,
mas nos falamos todos os dias, sempre por causa do nosso filho. Mas estava
óbvio que tinha algo mais, estávamos flertando, mas com receio de ir
depressa demais mais uma vez.
Até que ele me convidou para um encontro e aqui estamos.
Arthur entre em um condomínio fechado de casas, e passa por
mansões maravilhosas até parar em frente a uma extraordinária. Branca, com
apenas um andar, mas gigantesca. Passamos pela piscina antes de entrar na
casa. Quando ele abre a porta, sinto a diferença entre essa casa e a mansão de
Londres e até mesmo entre essa e da mãe dele: aqui é um lar. Não sei como
ele conseguiu, mas o ambiente é chique, mas acolhedor.
— Quero te mostrar tudo depois, mas por enquanto, nosso encontro é
na sala de jantar. Lembro de você me dizer que sua ideia de encontro era luz
de velas, música ambiente romântica e que o seu companheiro de jantar fosse
alguém comum, não um astro do futebol. É isso que tenho em mente para
hoje...
— Que boa memória, Arthur, mas você ainda é um astro.
— Sou um homem comum, apaixonado e louco para reconquistar a
mulher da minha vida.
— Você não precisa me reconquistar, Arthur, ainda sou apaixonada
por você.
— Ouvir isso me deixa muito feliz, estive no inferno e preciso de
você para ter o céu — ele estende a mão e eu a toco, ele me puxa para os seus
braços — sinto falta da sua boca, do seu cheiro e do seu gosto, mas vou me
comportar até terminarmos o jantar.
— Podemos pular para a sobremesa, não sou mais virgem... — ele ri
— você me engravidou da última vez.
— E posso fazer isso novamente se você quiser — insinua — quero
recuperar o tempo perdido, quero você e o Manoel na minha vida
imediatamente... Quero outros filhos com você.
— Calma, a gente treina bastante e depois a gente conversa sobre
filhos. Vamos Arthur, tire a minha roupa — incentivo — não me diz que
perdeu a prática!
— É difícil de acreditar que não estou sonhando novamente...
— Deixe-me te mostrar que é real — digo ao apalpar seu pau sobre a
calça jeans.
Com uma mão, movo os dedos, acariciando a ereção que começa a se
formar e com a outra, invado sua camisa por baixo, passando as unhas de
leve no seu abdômen. Ele reage, me beijando com vontade. Quando nossas
línguas se tocam, nosso corpo se reconecta, como se alguém acendesse uma
luz em um ambiente totalmente escuro. Com as duas mãos, ele aperta a
minha bunda com força, por baixo do vestido, me puxando firme contra ele.
Dou um gemido abafado contra sua boca.
Arthur se afasta um pouco e puxa meu vestido por cima, rapidamente,
me deixando apenas com uma minúscula calcinha preta. Ele joga a camisa
dele longe, abre a calça e a desce junto com a cueca. Seu pau finalmente está
pronto, ereto e louco por atenção.
— Na próxima a gente vai devagar — ele diz antes de puxar uma das
minhas coxas para cima, afasto a calcinha e ele se enfia em mim — Ah
caralho, que saudade!
Ele segura a minha perna, passando seu braço por baixo do meu
joelho e eu fixo o meu pé esquerdo no chão, tentando não ceder quando ele
começa a estocar rapidamente. Jogo a cabeça para trás e fecho os olhos,
deixando vários gemidos serem libertados de mim. Eu o sinto entrar e sair,
batendo lá no fundo.
Ele me ergue e caminha até o sofá, saindo de mim apenas para me
posicionar de quatro. Empino a bunda com vontade quando o sinto buscando
a entrada da minha boceta. Arthur me penetra com força, como se quisesse
mesmo se certificar, através dos meus gritos, que aquilo tudo é real.
E eu grito.
Grito quando ele me fode com força. Grito quando ele se estica,
alcança meus seios e os aperta. E grito, ainda mais, quando ele enfia um dedo
por trás.
Eu gozo gritando, como não fazia há anos.

Nós jantamos. À luz de velas e com música romântica ao fundo, eu


usando apenas a camisa dele e ele usando apenas uma cueca. Foi o jantar
mais erótico que já tive. Depois de comer, nós conversamos. Contei sobre
minha rotina atual de aulas no Estado e ele sobre como está tentando
reconstruir sua carreira, o que era um pouco mais fácil aqui no Brasil. Ele me
perguntou sobre o meu parto e eu contei o quanto gritei feito louca para fazer
aquela criança sair de dentro de mim. Ele me contou sobre a birra do Manoel
e em como tinha conversado com o Renato, eu fiquei feliz em ouvir que
podemos conviver todos bem. Me disse ainda, que ficou aliviado em saber
que não era o pai do filho de Laila e que quando Juan contou que armou as
fotos, tudo que queria era que eu ouvisse e o perdoasse. Eu disse que nós não
tínhamos culpa e que deveríamos seguir em frente, já que estávamos
esclarecendo tudo.
E agora, nós estamos aproveitando um fondue maravilhoso no chão da
sala. Morangos, mangas, uvas, pêssegos e bananas fatiados estão a nossa
disposição, mas decido usar um prato diferente.
— Tire a cueca e deite aí — peço.
— Olívia... — ele diz meu nome com um risinho, mas obedece,
jogando a cueca longe.
Deitado de barriga para cima, eu sirvo as frutas. Três pedaços de
morango ao longo do seu peitoral, mais alguns na barriga, uma uva no
umbigo e uma rodela de banana bem perto do seu pau. Com uma colher, pego
chocolate derretido e texto a temperatura com o dedo: morno. Cubro as frutas
com chocolate, fazendo questão de lambuzar tudo pelo caminho.
— Que tortura — ele reclama e eu sorrio.
Prendo meu cabelo em um coque alto antes de baixar o rosto até
alcançar o primeiro morango com a boca.
— Hum... Uma delícia — elogio enquanto mastigo. Ele tenta enfiar a
mão embaixo da minha camisa — pratos não se mexem, Arthur.
Uso a língua para limpar o chocolate da área em que acabei de comer
o morango, lambendo com vontade. Sigo com a língua até a fruta seguinte,
provocando com lambidas longas e curtas. O pau dele ganha vida novamente,
mas tento ignorar e seguir com a minha sobremesa. Os gomos trincados do
abdômen ficam deliciosos com chocolate, dá vontade de morder, por isso
deixo meus dentes provocarem de leve.
Arthur respira fundo.
Desço mais um pouco, para chegar a rodela de banana, mas a ereção
dele está totalmente ativa atrapalhando o meu desafio. Encho a colher com
chocolate derretido e deixo que um fio caia e escorra pelo pau ereto do
Arthur.
— Porra... — ele geme e eu imagino que seja a sensação quente.
Com as mãos, espalho todo o doce em uma masturbação lenta e
torturante. Ele está uma delícia e não há nada que eu queira mais nesse
momento do que devorá-lo.
É o que faço, abocanho o pau do Arthur levando-o o mais fundo que
consigo. Sinto o chocolate na minha língua, misturado ao sabor dele, e repito
o gesto indo ainda mais fundo. Prendo a respiração ao senti-lo na minha
garganta e o tiro de lá, lambendo o chocolate. Chupo-o com vontade, como se
fosse um pirulito de chocolate, e o sinto estremecer sob meu toque.
— Olívia, você está acabando com o jogo... Não vou aguentar nem os
acréscimos — ele avisa e eu intensifico o gesto, usando dedos, mão, boca e
língua. — Ahhhh!
Ele goza e na minha boca todos os gostos se misturam.
O lhando em retrospecto, não posso reclamar da vida.
As coisas aconteceram como tinham que acontecer. Acredito
que há um propósito para tudo e todas as mentiras que
poderiam ter me destruído, me ajudou a ser mais forte e a conhecer outras
pessoas especiais. Renato e Laura foram presentes lindos que sempre
carregarei no meu coração com carinho.
Meu amor pelo Arthur passou cerca de cinco anos adormecido,
entorpecido com mágoas e acusações veladas, mas foi só o ver novamente
que tudo ressurgiu como um tsunami, arrastando as barreiras. Depois do
“jantar da reconexão”, como rotulamos aquela noite do fondue, ficou claro
para nós dois que não havia outro caminho que pudéssemos seguir: éramos
um do outro.
Mais devagar do que da primeira vez, por causa do nosso filho,
retomamos nossa relação. Primeiro passamos a passear juntos, pelo menos
uma vez por semana, todas as semanas. Depois, passamos a jantar na casa do
papai Arthur. Foi natural ele desejar dormir lá no quarto novo. E assim, aos
poucos, ajustamos a nossa rotina a do Manoel até que, um belo dia,
estávamos morando os três juntos.
A relação Renato x Manoel x Arthur só melhorou, ficando cada vez
mais harmoniosa. O tempo de disputar havia ficado para trás e em nome do
amor ao nosso pequeno, qualquer diferença foi deixada de lado. Os dois
homens com quem me relacionei, os dois pais do Manoel, amadureceram de
uma maneira linda de se ver.
Já a dona Mirtes, parece que aprendeu a lição. Minha sogra sentiu
mais falta do filho com a saída de sua casa, do que quando o Arthur saiu do
país. Talvez pelo fato de ele sempre voltar para ela mesmo morando fora.
Agora, é para mim que ele volta mesmo estando mesma cidade que ela.
Cortar o cordão-umbilical depois de tantos anos a fez sentir, de fato, que o
Arthur era um homem que não seria mais manipulado. Mirtes continuou
tentando alertá-lo sobre os perigos que eu poderia causar e, por isso, o Arthur
deixou de frequentar a casa dela.
A senhora adoeceu psicologicamente e eu o convenci a retomar o
contato. Passamos a visita-la e o Manoel conseguiu derreter o gelo que era o
seu coração. Com amor, sessões de terapia ocupacional e carinho, as coisas se
resolveram.
Faz dois anos que estamos morando juntos. Eu continuo dando aulas,
o Arthur continua jogando futebol. O Botafogo não costuma disputar
campeonatos fora do país, por isso as viagens dele geralmente são dentro do
Brasil, o que não diminui a saudade, mas nem se compara ao que eu sentia
quando estávamos em continentes diferentes.
Ontem à tarde aconteceu o último jogo do time no campeonato
brasileiro. Foi no Ceará e eles não ganharam, infelizmente foram vice-
campeões. Mesmo assim a festa de hoje não perderá o brilho. Eu havia dito
para ele que o meu irmão, Carlos, pediu o espaço para festas do condomínio
emprestado porque desejava fazer uma cerimônia civil de casamento, ele e
namorada noivaram, de fato, há quase seis meses. Essa foi a desculpa que eu
dei ao Manoel também. É impossível fazer uma criança de seis anos guardar
o casamento dos pais em segredo!
— Mamãe, tio Carlos e Cleide chegaram e ela não está de noiva! —
ele entra correndo no meu quarto e para com os olhos arregalados —Você
está de noiva, mas irmãos não podem casar!
A maquiadora e a cabelereira que estavam terminando de me arrumar
riem alto.
— Não vou casar com seu tio, vou casar com seu pai!
— Renato ou Arthur? — ele faz as mulheres riem novamente.
— Obrigada meninas, podem ir — eu as dispenso e elas se retiram —
Arthur. Já fui casada com seu pai Renato, agora vou me casar com o Arthur.
Tudo bem?
— E por que todo mundo mentiu?
— Era um segredo, seu pai Arthur vai ter um casamento surpresa —
cochicho em tom conspiratório.
— Jura, mamãe? Por isso estou com essa roupa?
— Você está lindo! Vai levar mamãe até o altar, como seu avô
Manoel faria se estivesse aqui — meus olhos enchem de lágrimas ao lembrar
do meu pai, mas contenho a emoção e fico de pé — estou bonita?
— Linda como uma princesa, daquelas que a Laurinha vê na TV...
— Obrigada, meu amor — sou interrompida por minha mãe.
— Olívia, está na hora. Você está maravilhosa, filha.
— Obrigada, mãe. Ele já chegou?
— Sim, acabaram de ligar da portaria informando que o carro entrou
no condomínio.
Descemos as escadas, minha mãe segurando a mão do meu filho na
frente.
Na área externa da nossa casa, no imenso gramado verde, nossa
cerimônia estava pronta. Quando eu me posicionei na passarela de pétalas de
rosas brancas, ele me olhou surpreso, mas logo o seu choque foi substituído
por um enorme sorriso.

Não ganhar faz parte do jogo, por mais que todos queiram ser
campeões. Aprendi na marra, que a derrota também é uma boa professora. O
Botafogo perdeu de 2x1 e acabou com o amargo segundo lugar no
brasileirão, mas agora é bola para frente, descansar e pensar nos outros
campeonatos. Eu adoraria ter ido para casa ontem, assim que o jogo acabou,
mas nosso voo era somente hoje.
E ainda teria que fazer a social quando minha maior vontade era ficar
a sós com a minha mulher. Estava tudo combinado para o civil do meu
cunhado Carlos, que aconteceria no almoço de hoje, por isso assim que eu
desembarcasse tinha ordens diretas de passar na loja em que havia provado
um terno branco, na semana passada, e já saí de lá pronto para a festa. Eu e
Olívia seremos padrinhos.
E assim eu o fiz. Quando desembarquei Pâmela estava me esperando
para me dar uma carona.
— Que demora... Achei que não ia chegar nunca! — ela reclama.
— Uau, que gata, Pam! Isso tudo é só para o casamento do Carlos
mesmo? — perturbo. Ela está usando um vestido longo azul claro, com duas
fendas enormes que mostram as pernas quando ela anda.
— Cala a boca, Arthur...
— Eu só fiz um elogio — levanto as mãos enquanto ela dirige. — Sei
bem para quem você se arrumou toda assim... Não sabia que ele ia.
— Você não sabe de nada — ela dá uma risadinha que me deixa
tenso. — Anda logo e fica bem bonito.
— Eu não me esforço muito para isso... — sorrio ao descer em frente
a loja.
— Convencido — ela grita ao sair para estacionar.

Quando entramos no meu condomínio, começo a estranhar as coisas.


Primeiro, porque demoram cerca de um minuto para liberar a entrada do
carro, mesmo o porteiro vendo que eu estava dentro dele. Em segundo lugar,
não é a Olívia que me recebe, mas o próprio Carlos bem mais tranquilo do
que qualquer pessoa que fosse casar. Ele me pede para já ficar no altar,
conversando com ele até que tudo comece.
Do altar, noto que minha mãe está sentada em uma das cadeiras,
como convidada... Observo que o Renato também está presente e, por fim,
percebo alguns amigos meus, os mais próximos. Quando meu cérebro
começa a juntar as pistas, meu coração acelera e eu ouço a música da Alicia
Keys ressoar no ambiente.
Olívia me confessou, certa vez, que uma das coisas que tinha feito
questão de aprender no tempo em que estávamos separados foi língua inglesa
e a maior prova disso foi a música que está tocando, If I Ain't Got You (Se Eu
Não Tiver Você) que ela fez questão de cantar para mim, em seu tom
desafinado.
Antes mesmo de vê-la, eu a sinto, através da letra que me invade e me
emociona.
Some people live for the fortune
Some people live just for the fame
Some people live for the power, yeah
Some people live just to play the game

(Algumas pessoas vivem para a fortuna


Algumas pessoas vivem apenas para a fama
Algumas pessoas vivem para o poder, yeah
Algumas pessoas vivem apenas para jogar o jogo)

Surpreendo-me ao observar, no começo da passarela, que a Laurinha,


filha do Renato entra jogando ainda mais pétalas no chão. Contra a minha
vontade, sinto meus olhos encherem de lágrimas. Meu coração aperta com a
certeza de que ela preparou aquilo tudo para me surpreender.

Some people think that the physical things


Define what's within
And I've been there before
But that life's a bore
So full of the superficial

(Algumas pessoas pensam que as coisas materiais


Definem o que elas são por dentro
Eu já me senti assim antes
Mas a vida era sem graça
Tão cheia de coisas superficiais)

A garota chega até mim e eu a abraço forte. Laura beija o meu rosto e
sorri:
— Ela tá linda, tio.
Assim que suas palavras me atingem, ergo o olhar e quase entro em
choque com a visão mais maravilhosa do mundo: minha mulher e meu filho
de mãos dadas. Olívia está usando um vestido branco, com alças finas, como
cordões de chuteira. Na parte de cima, do decote em V que ressalta os seios
que tanto amo, até a cintura ele é rendado e o restante é liso e solto, mas não
esvoaçante. É sóbrio, elegante e sexy sem ser vulgar, exatamente como ela.
Os cabelos estão soltos e caem em cascatas claras e onduladas, há uma coroa
de flores em sua cabeça e um buquê com as mesmas flores na mão esquerda.
A mão direita dela segura o maior presente que poderia me dar:
Manoel. Nosso filho está usando terno branco, igual ao meu, com uma flor na
lapela. É uma cópia mirim de mim e o sorriso de orgulho que ostenta faz
minha emoção romper e eu choro. As lágrimas não conseguem turvar a
experiência que é tê-los andando ao meu encontro. Olívia canta, em inglês, e
junto com todo o resto atinge em cheio o meu coração:
Some people want it all
But I don't want nothing at all
If it ain't you, baby
If I ain't got you, baby
Some people want diamond rings
Some just want everything
But everything means nothing
If I ain't got you, yeah

(Algumas pessoas querem tudo


Mas eu não quero absolutamente nada
Se não for você, querido
Se eu não tiver você, querido
Algumas pessoas querem anéis de diamante
Algumas apenas querem tudo
Mas tudo não significa nada
Se eu não tiver você, yeah)
Quando eles estão quase junto a mim, Manoel solta a mão da mãe e
corre para os meus braços. Eu me abaixo e o aperto contra mim.
— É o seu casamento surpresa, papai! — ele grita e eu sorrio.
— É sim e eu estou muito, muito feliz com ele — respondo beijando
seu rosto.
— Então por que está chorando?
— Ele está chorando de emoção, amor — Olívia responde já junto a
nós, há lágrimas banhando seu rosto também.
— Mamãe também tá emocionada!
— Vem cá, filho — Renato chama, um pouco afastado e o Manoel
corre para ele.
— Você está deslumbrante — digo ao me levantar, olhando para
Olívia.
— Você também não está nada mal — ela sorri e enxuga minhas
lágrimas com o polegar.
— Bem, depois dessa entrada emocionante, podemos começar! — o
padre, anuncia — Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se
não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine...
E assim ele iniciou a celebração do nosso casamento, lembrando a
importância do amor e de tudo que ele é capaz de suportar, me fazendo
lembrar como esse sentimento de quatro letras tinha mudado a minha vida.
Qualquer um no meu lugar, anos atrás, poderia dizer que tinha tudo: dinheiro,
casas, carros, joias, mulheres... Eu podia comprar tudo, mas a verdade é que
eu não tinha nada.
Eu não tinha nada e foi só ao conhecer Olívia que eu descobri isso. E
nos anos que passei sem ela, eu tive menos que nada. Sou um homem que
teve o vislumbre do céu, mas que habitou o inferno e hoje agradece de
joelhos por estar no paraíso.
S ou um cara de
sorte, muita
sorte.
Enquanto muitos crescem em lares desestruturados, sem a presença da
família, eu cresci cercado por três famílias. A Santos da minha mãe, a Souza
do meu pai Renato e o Silva do meu pai Arthur. Sim, eu tenho a honra de ter
dois pais não somente na minha vida como na minha certidão de nascimento.
Meus pais sabiamente entraram em um acordo e seguindo as
orientações dos advogados optaram para que no meu registro de nascimento
fosse incluído o meu pai Arthur, mas sem precisar excluir o pai Renato. Essa
medida ainda é pouco conhecida permite que a inclusão de pessoas que tenha
laços afetivos com a criança. Isso significa que o padrasto, a madrasta ou um
novo companheiro de um dos pais da criança pode ser reconhecido pela
chamada paternidade ou maternidade socioafetiva perante o cartório de
registro civil e ter seu nome identificado no documento. A nova certidão
permite o nome de até dois pais e duas mães, não haverá diferença jurídica
entre eles. E foi isso que optamos, na minha certidão de nascimento consta o
nome da minha mãe e dos meus dois pais.
E o melhor de tudo isso era que eu tinha o melhor de cada pai. Na
minha casa do pai Renato eu podia comer carboidratos e dormir fora de hora.
Enquanto que na minha casa com o pai Arthur eu seguia uma linha mais
rígida, minha mãe estipulava o meu horário em frente ao videogame e meu
pai fazia questão de manter um cardápio saudável dos seus tempos de
jogadores. Sim, o máquina mortífera havia pendurado a chuteira e os
holofotes estavam todos voltados para mim. A história de que filho de peixe
peixinho é, aplica-se no meu caso.
A minha paixão por futebol iniciada na infância apenas aumentou à
medida que eu crescia. Meus pais apoiaram incondicionalmente quando
informei que queria ser jogador profissional. Entretanto, condicionaram esse
meu desejo a boas notas, eu precisava ser um ótimo aluno caso eu desejasse
continuar no futebol.
Tirei de letra essa parte, dediquei as aulas para prosseguir no futebol.
Eu colecionava notas dez no boletim escolar e títulos no futebol. Fui campeão
Brasileirão Sub-13 e 14 e vice-campeão no Brasileirão Sub-15.
Aos dezesseis anos eu já tinha contrato assinado com o Flamengo e
uma multa milionária para dificultar o interesse de outros clubes em me
comprar. Caso houvesse uma proposta de compra do meu passe, vantajosa
para ambos, o clube receberia uma boa bolada. Todavia, deixar o time que me
revelou não era o meu desejo atual. Queria ser reconhecido como jogador de
futebol jogando no meu time de coração e meu empresário, que por acaso era
meu pai Arthur, também concordava com isso e respeitava a minha escolha.
Eu já havia sido promovido a equipe profissional e integrava o elenco
principal, ainda que nenhuma chance tenha sido dada ao meu trabalho. Mas,
eu não desanimei continuei treinando e torcendo para o dia que eu seria
escalado para entrar em campo.
E finalmente o dia chegou eu estava na preleção do professor
Andrade, iria entrar em campo na final da Taça Guanabara. Eu estava uma
pilha de nervos, a minha primeira vez como jogador profissional ocorreria no
Maracanã lotado. Todavia, eu não era o único nervoso, a minha família
estava em um misto de alegria e ansiedade. Eles estavam em peso na
arquibancada para me apoiar.
— Maninho vim te desejar sorte! — Laura invade o vestiário e atrai a
atenção dos meus colegas de clube.
— Opa! — Os idiotas vibram — Não vai me apresentar a irmãzinha?
— Outros questionam. — Cunhado!
— Vão a merda! — Digo irritado — O que você faz aqui?
— Não está feliz em me ver?
— Claro que estou, mas não no vestiário do clube. Você poderia ter
encontrado um dos caras pelados.
— Qual o lado ruim? — Arqueia a sobrancelha — Brincadeira,
maninho! Você e o papai precisam lidar com a fato que cresci.
— Você continua a mesma moleca que disputava corrida comigo, que
chorava quando eu cortava o cabelo das suas bonecas.
— Eu já não brinco de boneca há anos... — Ela sorri
— Deixe eu manter essa versão da minha irmã na minha mente.
— Sonhar não custa nada — Ela dá de ombros — Passei apenas para
te desejar boa sorte. Entra lá e faça valer o clã dos Souzas e os genes dos
Silvas. Arrasa maninho! — Laura me abraça.
— Como eles estão?
— Surtados! — Ela sorri — Não sei quem está pior daqueles dois. O
papai está mais falante que o normal, fez questão de dizer a todos que é o pai
do cara que marcará o gol da final.
— Que profético! — Perturbo sorrindo.
— Já o Arthur não para de andar de um lado para o outro e distribui
máscaras com o seu rosto.
— Que mico!
— Mico? Isso está mais para King Kong! Olívia e Pâmela são duas
santas por aguentarem esses dois diariamente. Mas, hoje em especial eles
estão torcedores fanáticos chatos.
— Pessoal, cinco minutos e entramos em campo — O preparador
físico informa.
— Estamos literalmente na torcida por você! Arrebenta eles,
maninho!
— A gente não ganha boa sorte? — O capitão do clube aproxima-se e
passa o braço pelo meu ombro, num gesto de camaradagem.
— Não! — Rebato e afasto seu toque — Tchau Laura.
— Boa sorte! — Ela sorri
— Sua irmã é uma gosto.. — Avanço sobre ele — Uma boa garota,
era o que eu ia dizer.
— Os dois — O treinador grita — Usem essa energia para conquistar
a taça.
— Sim, senhor! — Concordamos.
Subo as escadas que levam ao gramado e sou acolhido pela torcida
rubro-negra, a energia que vem das arquibancadas é contagiante. É como se
fosse uma onda elétrica transmitindo para cada célula garra, ânimo e força.
Eu nunca me acostumaria com essa sensação de ser recepcionado pela
torcida. Era a minha força motriz para manter a minha disciplina de atleta.
Enquanto os meus colegas escapavam para as noitadas, eu me mantinha
concentrado, estudando o próximo adversário e sempre testando um novo
passe para surpreendê-lo.
Não contenho as lágrimas na execução do hino nacional. Passa um
filme pela minha cabeça, lembro de tudo que passei para chegar até aqui,
crescer a sombra do máquina mortífera não tornou a minha vida mais fácil,
pelo contrário as comparações eram diárias, foi preciso persistência e
determinação para criar a minha autoridade, enquanto meu pai era um
centroavante nato, eu era o atacante moderno, o gol não era o meu objetivo
único, eu era o maestro que condizia a orquestra, eu distribuía passes, cavava
a alta e provocava o adversário com passes desconcertantes.
O jogo se inicia.
A bola rola e eu somos marcados de perto.
Ninguém faz gol. O zero a zero se arrasta até os acréscimos, mas o
adversário tem a vantagem do empate sem gols. O painel eletrônico indica
que temos dois minutos para mudar o resultado ou voltar para casa
cabisbaixos. De onde estou, tenho a visão periférica dos meus pais, mesmo de
longe, noto a tensão presente neles... A torcida adversária já comemora
antecipadamente.
— Rola a bola! — Digo para o Dudu, nosso batedor de faltas oficial.
— Você tá louco? — Ele questiona com a mão na boca para não ser
flagrado pelas câmeras.
— Você acha que dá para bater direto? — Ele nega e confirma as
minhas suspeitas — A zaga deles é alta e o máximo que conseguiremos é o
escanteio — Toca que vou pra cima deles.
— Isso é desobediência técnica — ele argumenta.
Passamos a semana treinando finalizações, o professor havia
determinado que apenas o Dudu cobraria faltas, a estimativa de acertos dele
era alta. Mas isso não significava que eu não era capaz.
— Eu assumo a bronca — bato no peito.
— Não sei...
Toda essa conversa acontece rapidamente, quando o juiz autoriza a
cobrança da falta, Dudu ainda está receoso.
Respiro fundo e assumo os meus riscos, antecipo a sua cobrança e
avanço sobre a zaga, escuto os gritos de protesto do treinador e não me abalo,
os zagueiros são pegos de surpresa, uma vez que, estavam em barreira. Driblo
o primeiro, o segundo, deixo um a um por trás, a minha frente apenas mais
um marcador. O homem aplica um carrinho e me derruba dentro da pequena
área.
O apito do árbitro soa como música aos meus ouvidos. Caio na grama
com um puta sorriso no rosto. O pênalti havia sido marcado e eu já podia
vislumbrar mais uma taça na estante do Flamengo.
Quando me ergo do chão sou abraçado pelos meus companheiros de
clube, eles falam palavras de motivação, até o nosso goleiro sai do gol, era o
minuto final. O minuto decisivo para sair como herói. Ou vilão.
Levanto as mãos e peço com o gesto que a nossa torcida cante mais
alto.
Meeengo! Meeeengo! Meeeeengo!
Eles cantam eufóricos.
Respiro fundo e fecho os olhos, deixo que a vibração deles me
domine, o juiz autoriza a cobrança. O Maracanã silencia. Toda a atenção
voltada para mim. Ajeito a bola no chão e penso nos meus pais na torcida.
Corro em direção a bola e chuto, o goleiro acerta o lado da cobrança, caindo
para o lado esquerdo. A bola, caprichosamente, toca a ponta da sua luva antes
de tocar a rede.
Gol.
O estádio rompe em gritos e aplausos. Beijo o escudo do clube e sou
derrubado pelos meus companheiros.
— Campeão porra! — Eles gritam — Nasceu com o cú virado para a
lua! — Outros dizem.
Afasto do abraço deles e corro em direção à torcida, buscando entre a
multidão, a minha torcida. Vejo inúmeras máscaras com o meu rosto, casais
se abraçando, crianças pulando eufóricas. E quando encontro os que me
levaram até ali sinto o nó na garganta.
— Filho, eu te amo! — Minha mãe grita, entre lágrimas.
— Eu te amo!
— Maninho, você é foda! — Grita Laura que registra todo o momento
pela câmera do celular. Ao lado delas Arthur e Renato comemoram
abraçados, subo os degraus do alambrado e conto com a ajuda da torcida para
alcançá-los.
— Nosso filho! — Meus pais apontam para mim antes de me
envolver num abraço apertado.
— Meus pais — digo, entre lágrimas.
O dia de hoje ficará registrado como o dia que meus pais me
assistiram jogar no Maracanã.
importante.
D inheiro é

Quem diz o contrário é hipócrita. Quando se nasce com dinheiro, então? Ele é
muito, muito, muito importante. Eu nasci com dinheiro. Meu pai era
empresário, dono do maior Home Center do Rio de Janeiro, com mais de
60.000 itens para casa e construção. As mansões da cidade foram construídas
com nossos materiais. E a nossa própria casa era deslumbrante.
Nunca soube bem o que queria fazer da vida, convenhamos que
quando temos tudo que queremos as coisas passam a valer bem menos, por
isso quando me matriculei no cursinho de inglês, na adolescência, foi apenas
para agradar minha mãe. Foi lá que conheci a Pâmela, e por consequência, o
Juan e o Arthur.
O Arthur era bonito, apesar de um pouco magro, os olhos chamavam
muita atenção. O tempo passou e a Pâmela começou a ficar com o Juan, logo
eu deixei claro para o Arthur que poderíamos dar uns “pegas” também.
Confesso que, na época, nossa sintonia não bateu e não passamos de um
amasso mal dado na porta do curso.
Os anos passaram, eu descobri o prazer e o Arthur também. Ante de
sair do país para jogar em Portugal, nós tivemos a nossa primeira noite. Foi
bem interessante. A Pâmela engravidou do Juan e os dois se casaram, já o
Arthur, virou o “Máquina Mortífera”.
Vê-lo na TV me deixava em êxtase.
Graças a internet, passei a ter um trabalho. Na verdade, exibir coisas
eu sempre gostei de fazer, mas agora eu passei a receber por isso.
Compartilhei viagens, roupas, bebidas, festas e as pessoas passaram a me
seguir por isso. Acabei de tornando uma Influenciadora digital. Ótimo! Meus
pais passaram a me deixar em paz já que a conta do cartão de crédito
diminuiu um pouco.
E o Arthur? Bem, ser fotografada com ele sempre me rendia
visibilidade. Passamos a ser parceiros de foda, todas as vezes que ele vinha
para o Brasil. E em algumas vezes quando eu ia para o exterior.
Eu me apaixonei por ele. Mas não ousei me declarar, tinha medo que
ele fugisse e acabasse com tudo o que tínhamos. Certa vez, quando ele já
estava em Londres, depois de nadarmos nu em sua piscina aquecida,
transamos loucamente no chão. Eu quis gritar tudo que estava entalado na
minha garganta. Quis expressar meus sentimentos e propor que tentássemos
ficar juntos, mas, ainda com a respiração ofegante, ele disse que da próxima
vez chamaríamos mais gente para a festinha.
Eu quis chorar, mas sorri e concordei. Era a única maneira de mostrar
que eu topava qualquer coisa. Com o tempo, ele enxergaria que eu era a
mulher certa para ele.
Isso não aconteceu. Inicialmente, porque eu não tinha o apoio de
Mirtes. A mulher tinha escolhido uma vizinha rica, Lourdinha, para ser a nora
dos sonhos e ano após anos insistia em jantares com a família da garota e o
Arthur. Depois dos jantares, ele me fodia e reclamava da mãe. E logo depois,
quando a garota mostrou que não tinha o menor interesse, surgiu a insossa da
Olívia.
É triste perceber que você é um jogador reserva.
Substituível.
Jogada para escanteio. Foi assim que me senti quando o Arthur
passou a não me convidar para sair, quando veio ao Brasil. Depois, ele
passou dispensar os meus convites. Foi então que percebi que as regras
estavam mudando e o que Fair Play (jogo justo) não valia mais nada.
Seria tudo ou nada e o primeiro passo era parar de tomar
anticoncepcional.
Ter a Mirtes como aliada foi um grande ganho, a mulher estava certa
de que a namorada do filho queria dar o golpe do baú, por isso quando Arthur
a chamou em Londres ela me levou junto. O pedido de casamento foi um
golpe e tanto no meu coração, e no meu ego também. Eu estava perdendo o
jogo, mas quando Olívia e família voltaram para o Brasil, eu e Mirtes
continuamos em Londres e foi a minha vez de jogar.
Lembro como se fosse hoje, estávamos tomando café da manhã.
— Bom dia! — Arthur chega todo animado.
— Bom dia, amor — Mirtes responde e recebe um beijo do filho. Eu
também queria um beijo, mas ele mal me olha ao sentar na mesa.
— Bom dia, que animação, hein? — puxo assunto.
— Estou feliz, não vejo a hora desses dias voarem para finalmente ter
a minha esposa de vez.
— Meu filho, você não acha que está um pouco precipitado? Vocês
mal se conhecem...
— Mãe, eu a amo e ela me ama, não há razões para não ficarmos
juntos.
— Estou surpresa com você, Arthur, não achei que fosse tão
romântico — digo, com um nó na garganta.
— O amor nos muda, Laila — assinto em concordância — preciso ir,
amanhã é a final e hoje temos treino tático e entramos em concentração.
— Bom jogo, meu amor — Mirtes se despede e o Arthur se vai. —
Você não vai fazer nada? A golpista está ganhando, está na cara que você
gosta dele.
— Não sei bem o que fazer, já apareci nua na frente dele e nada...
Desculpe, é o seu filho. Uma despedida de solteiro, talvez?
— É provável que os amigos façam. Mas teria que ser enquanto
estamos aqui e aí você faz ele entender de uma vez por todas que ela não tem
nada de especial, além dos olhos brilhando pela conta bancária dele. Meu
filho é um tolo.
Assinto. Mal sabe ela que eu também estou de olho na conta bancária
dele.

Não sei como ela conseguiu tão rápido, mas a despedida está
acontecendo. O Chelsea ganhou o campeonato e os jogadores, amigos do
Arthur, armaram uma festa de comemoração como pretexto para a
despedida. É uma festinha daquelas privê, típicas de jogadores ricos:
mulheres, bebiba, música, sexo e muita ostentação.
Chego um pouco mais tarde, a festa está rolando há algumas horas, e
noto que a maioria já está bem animada. Há muita gente se agarrando pelos
cantos, mas a grande maioria está na pista dançando. Avisto o Arthur junto
do Juan, no bar, há um copo de Whisky quase vazio na mão de ambos. Eles
conversam e riem, é notável que estão felizes.
Aproximo-me do balcão e cumprimento o Juan com um beijo, faço o
mesmo com Arthur, mas faço questão de me demorar com meus lábios em
sua bochecha.
— Parabéns pelo título, campeão — digo, ao me afastar.
— Obrigado — ele responde rindo alto.
— Vamos dançar para comemorar? — peço, mas ele finge não ouvir.
Entro na conversa dos dois e rimos de coisas da nossa adolescência,
noto que o Juan enche os copos com frequência, tanto o de Arthur quanto o
dele. Me pergunto quanto Mirtes pagou para convencê-lo a me ajudar ou
será que ele quer apenas ajudar o amigo a se livrar da golpista?
Algumas horas se passam e eu refaço o convite para a dança, mas
dessa vez com gestos. Arrasto o Arthur para a pista e sorrio quando ele se
deixa levar. Por mais alterado que ele esteja, ainda se comporta, por isso
levo suas mãos até minha cintura e me aproximo para dançarmos mais
juntos.
Vejo o Juan sacar o celular e sei que essa é a minha única chance.
Danço fazendo com que as mãos dele percorram meu corpo e
repousem em minha bunda e já me sinto esquentar de saudades daquele
corpo no meu. Viro-me de costas para ele e me esfrego, quando viro de
frente, tomo sua boca em um beijo. Mas ele não corresponde.
— Já chega... Você, eu, não... — ele balbucia tentando me afastar.
— Desculpe, achei que você queria — tento justificar — vamos
sentar?
Ele assente e cambaleia até uma poltrona, finjo cambalear também e
me deixo cair em seu colo. Cavalheiro, mesmo bêbado, Arthur segura em
minha cintura para que eu não caia. Levanto em seguida, me desculpando.
— Melhor irmos embora, bebemos demais — chamo-o e ele
concorda.
Saímos da festa abraçados, eu apoiando o corpo cambaleante dele.

O motorista me ajuda a tirar o Arthur do carro e a leva-lo até o seu


quarto. Quando fecho a porta, noto que ele está pior do que eu imaginava.
Como vou fazê-lo ter uma ereção nesse estado?
Tiro a roupa do Arthur e a minha, nos deixando de roupas íntimas,
mas quando acabo de fazê-lo, ele já está dormindo. Meu plano de engravidar
está indo por água abaixo.
O que vou fazer? Mirtes confiou de que eu o convenceria de que
Olívia é golpista, eu tenho meus próprios planos. Meu pai está falido, estava
sonegando impostos e foi pego em uma auditoria da Receita Federal, minha
mãe ainda não sabe disso. Meu irmão mais novo está viciado em cocaína e
roubou as joias dela para vender, o que a deixou deprimida e preocupada,
por isso meu pai contou apenas para mim que o estabelecimento fecharia as
portas em breve, pois não havia como pagar os funcionários, as dívidas e nos
manter.
Perdemos tudo! A casa, os carros e tudo o mais seria confiscado.
Minha única chance de não cair de vez na sarjeta era casar com o Arthur.
Eu era louca por ele, não seria nenhum sacrifício e sabia que poderíamos ser
felizes juntos. Tínhamos sido felizes por anos.
Saio do quarto para pensar no que fazer. Contando que todos estejam
dormindo, não me dou o trabalho de me vestir e desço de lingerie mesmo.
Vou até a cozinha pegar água e ver se consigo achar alguma coisa que me
ajude a montar uma cena que mostre que dormimos juntos, mas de nada isso
adiantaria sem algo mais consistente. Olívia é esperta. Quando entro na
cozinha, dou de cara com o motorista que nos trouxe.
O homem é branco e deve ter em torno de quarenta anos. Não posso
classifica-lo como lindo, mas também não é a pessoa mais feia do mundo. É
uma pessoa comum. Um pouco acima do peso, totalmente careca
(provavelmente corta tudo para parecer mais sério) e com cara de mau. Ele
não fala português, todas as vezes que o vi interagir foi em inglês, mas a
maneira como ele olha para o meu corpo seria entendida por falantes de
qualquer língua.
— Não é o que planejei, mas vai ter que servir — digo em português
ao me aproximar. Ele está sentado na cadeira de madeira escura em frente a
mesa.
Ando devagar, ele não desvia os olhos quando abro o fecho frontal do
sutiã. Alguns passos depois deixo a calcinha deslizar até chegar ao chão.
Quando paro ao lado dele, noto a marca da ereção na calça.
— Fuck-me — peço para que me foda, em sua língua e ele não se faz
de rogado.
Sento na mesa e abro as pernas, ele põe a mão no bolso e pega um
preservativo, mas eu tomo o envelope de sua mão e digo, em sua língua, que
não precisa, pois eu tomo anticoncepcional. Peço para que ele se apresse.
Ele entra em mim de uma vez. Fecho os olhos e penso que isso tudo é por um
bem maior. Eu sei que o Arthur pode me amar. Eu sei que minha família vai
precisar da minha ajuda. Eu sei que o amo.
O cara não demora, me fode rapidamente e goza dentro de mim.
Assim que o faz, eu o dispenso, rejeitando o beijo na boca. Fecho os olhos e
deito na mesa, torcendo para que tudo dê certo.

É claro que nada deu certo e hoje, mais de cinco anos depois, meu
filho é a prova das minhas escolhas erradas. Acreditei que o Arthur não fosse
pedir exame de DNA em nome de nossa amizade e dos anos em que
transamos, mas isso não aconteceu. Consegui segurar até o bebê nascer, mas
assim que o resultado saiu ele nunca mais olhou na minha cara.
Nunca contei para o motorista que o filho era dele. Depois que o
Arthur caiu em decadência, ele demitiu todos os empregados e eu nunca quis
saber onde o cara foi parar. Para o meu filho eu contei que o pai morreu
quando eu ainda estava grávida.
Atualmente meu pai trabalhava de vendedor em um material de
construções, minha mãe era dona de casa e meu irmão foi morto por um
traficante que não perdoou a dívida.
Eu trabalho em uma loja, vendendo materiais esportivos, em um
shopping doo Rio de Janeiro. Estou lembrando disso tudo porque, com a
volta do Arthur ao país, e sua estreia no Botafogo, todos os dias tenho que
vender diversas camisas com o número 10, do Máquina Mortífera.
Estou no meu horário de almoço, indo em direção ao fastfood que
sempre como, quando avisto Pâmela sentada em uma das mesas da praça de
alimentação. Viro o rosto rapidamente para o outro lado e sigo em direção
aos banheiros, mas assim que entro e me tranco na cabine, ouço sua voz.
— Laila? Laila, é você mesmo? Não adianta se esconder que eu te vi
— abro a porta da cabine e ela sorri — quanto tempo, como está?
Ela me trata como se os anos não tivessem passado. Como se eu
nunca tivesse mentido e acabado com a vida do cara para o qual ela
trabalhava.
— Vamos comer? Preciso conversar com alguém — assinto e
seguimos para a praça de alimentação.

— Vocês se separaram? — pergunto sentindo culpa.


— Você não tem culpa, ele mentiu para mim.
— Ele não sabia que meu filho não era do Arthur.
— Isso não importa, ele fotografou vocês dois, mandou para
imprensa, traiu o amigo e a minha confiança. Tudo por dinheiro! Por falar
nisso, cadê o seu filho?
— Está na escola — sorrio — o Tony foi a única coisa boa nisso tudo.
Fiz tudo errado, mas de alguma forma, acertei.
— Fico feliz em ouvir isso. A Olívia também estava grávida — ela
diz e eu entro em choque.
— Eu não sabia! Meu Deus...
— Pois é, a confusão foi maior do que todo mundo previa. Mas ele e a
Olívia já se acertaram e eu... Bem, estou confusa, Laila.
— Por que? O que houve?
— Acho que estou gostando de um cara, mas ele é totalmente errado
para o momento.
— Sério? Por que?
— É o ex-marido da Olívia — eu engasgo e cuspo o refrigerante que
estava em minha boca. — Se até você reagiu assim, imagina ela... E o Arthur.
Sem falar no Juan. O cara está paranoico...
— Amiga, me conte todos os detalhes dessa história.
— Vou te contar, mas em outro momento, estou atrasada! Me passe
seu número, vamos por o papo em dia — ditei meu número e ela salvou.
Nos despedimos de com um abraço forte. Sem mágoas, sem
julgamentos, apenas um abraço de duas pessoas que se conhecem há muitos
anos.

Quando o expediente acabou, cheguei em casa exausta. A garota que


toma conta do Tony foi embora assim que cheguei, e fui direto para o meu
quarto. Ele estava deitado na minha cama, em um sono profundo.
Acariciei a bochecha morena do meu filho e deixei uma lágrima
escapar.
Eu me arrependia de certas escolhas, mas não poderia me arrepender
dos resultados. Meu filho me ensinou que dinheiro não é tudo, já que ele me
ama incondicionalmente mesmo morando naquela casinha minúscula, a qual
eu suava para pagar o aluguel todos os meses.
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Belo Mentiroso
Prazer em conhecê-los
Acordo Pré-nupcial
É para o meu próprio bem

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