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AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
EPÍLOGO
BÔNUS
REDES SOCIAIS
OBRAS DA AUTORA
Desde a copa do mundo (quem nos acompanha sabe que temos um
"fraco" por futebol, sempre presente nos livros por um time "A" que tal
personagem torce, ou um bolão pra incentivar as leitoras a torcerem pela
seleção) nós pensamos "por que não juntar duas coisas que nós amamos:
futebol e romance?" Ah, para Ane é tão clichê! Sim, é, mas o que são os
romances além de eternos clichês? Então, preparamos o roteiro e... Adiamos!
Pois é, estava tudo "ok", mas não parecia o momento certo. Agora, deixamos
os questionamentos de lado, e decidimos escrever sobre o nosso jogador e a
sua amada.
Nosso agradecimento especial, dessa vez, vai para J., G. e T.
Meninos, vocês nos suportam gritando loucamente por um time que não é o
de vocês e mesmo assim nos amam. Por tirarem nossas dúvidas e ajudarem a
compor o Arthur, por ouvirem nossas ideias e por nos apoiarem: obrigada.
Às nossas leitoras que nos acompanham e imploram por um novo
lançamento: vocês são maravilhosas, amamos você. Agradecimento especial
a Nicole, do @livros.mec, por ser a nossa “Arnalda César Coelho”,
comentando lindamente os capítulos do Wattpad. Além de agradecer, como
sempre, a Karen pelo carinho com o livro e por essa diagramação linda!
Sejam bem-vindos ao nosso Segundo Tempo. Se você não gosta de
futebol, vamos te dar alguns bons motivos para ler mesmo assim.
Ane Pimentel.
Dedicamos a todas as mulheres que gostam de futebol e tiveram que
ouvir piadas sem graça, como “então me explica a regra de impedimento.”
Nós podemos tudo.
A história
sempre se
repete.
Fecho os olhos e absorvo toda a energia que emana da torcida. O estádio está
em sua capacidade máxima. Bandeiras com o escudo do clube e a minha
imagem estampam a arquibancada numa festa democrática onde todos são
convidados a compartilhar a felicidade: crianças, idosos, homens e mulheres.
Juntos e misturados. Torcendo, cantando e chorando, vivenciando cada
minuto do jogo.
Em inglês eles entoam o meu nome. Uma, duas, três, quatro vezes,
eles bradam antes de explodirem em gritos e aplausos. O cântico dos deuses,
como eles próprios intitulam, é a força motriz que me faz abrir os olhos e
encarar o defensor a minha frente. O homem de quase dois metros agiganta-
se ainda mais quando nossos olhos se encontram. O juiz apita autorizando a
cobrança, o goleiro abre os braços e repete, como num mantra, que
defenderá. Respiro fundo e concentro-me apenas nele, um de nós sairá
derrotado e eu espero que, em casa, seja a mãe dele lamentando a derrota, não
a minha. Com dois passos longos rompo a distância e me aproximo da bola.
Levanto meu pé e aplico a força suficiente para fazê-la deslizar rapidamente e
nesse momento o silêncio impera no ambiente. Toda a atenção está voltada
para a bola, assisto em câmera lenta quando ela resvala na luva do goleiro e
continua rolando até parar no fundo da rede.
O silêncio ensurdecedor é substituído por gritos histéricos e eufóricos.
Sou derrubado por um motim de homens, meus colegas de clube, que me
esmagam, literalmente, e me cobrem de elogios. Rei, Gênio, Filho da puta de
sorte e tantos outros adjetivos são destinados a mim. Os vagabundos estão
gratos por eu acabar de garantir mais um título para o nosso clube e, com
isso, antecipar as nossas férias. Faltando ainda dez rodadas para o fim do
campeonato somos os campeões e apenas cumpriremos tabela nos próximos
jogos. Quando consigo me reerguer, corro em direção ao técnico e o abraço
para poder dizer em seu ouvido, sem ser flagrado pelas câmeras de TV:
— Minha parte foi cumprida, amanhã mesmo embarco para o Brasil!
— Ele me abraça efusivamente, destina tapinhas em minhas costas e me
empurra para voltar ao campo, não sem antes bradar: “Máquina mortífera!”
O jogo recomeça sobre os gritos de olé da torcida e faço valer o
espetáculo distribuindo passos, lençóis, embaixadinhas e canetas que deixam
os adversários raivosos e a torcida feliz. O apito final soa, nós vencemos! Os
adversários disputam quem trocará a camisa comigo, mas ela já tem dono: o
grande goleiro que valorizou o meu trabalho no dia de hoje. Ele sorri quando
eu entrego a camisa e me passa a sua. Trocamos algumas palavras rápidas
antes de eu ser cercado pelos meus companheiros de clube. Sou carregado
nos braços por eles, para uma volta no estádio. A torcida volta a entoar meu
nome e eu absorvo em êxtase.
Sil-va, Sil-va, Sil-va
Silva, máquina mortífera.
E a melhor parte da história, que sempre se repete, é a comemoração
pós-vitória. A não-oficial, claro, será regada por bebidas e mulheres. Tudo
que eu preciso depois de um longo período andando na linha, me dedicando
somente ao futebol. Por enquanto, começo a comemorar aqui mesmo no
vestiário. Quando as líderes de torcida adentram o ambiente e sorriem em
minha direção, sorrio de volta, porque sei que a minha fama continuará sendo
contada como uma odisseia.
Depois de jantarmos com o presidente do clube e a comissão técnica
em um requintado restaurante, partimos para a real celebração, afinal
ninguém comemora verdadeiramente quando seu chefe está no mesmo
ambiente. A figura franzina e de poucas palavras nos avalia como peças
prontas a serem consertadas, ou até mesmo substituídas, caso apresente um
defeito irreparável.
Mais de trinta homens em torno de uma mesa encenando cada qual
seu papel. Os jogadores mais falantes tentavam emplacar uma conversa
divertida, mas bastava um olhar demorado do treinador para que eles
emudecessem. Vez ou outra, o presidente do clube contava uma piada sem
graça e ríamos em concordância, mesmo contra a nossa vontade. Era uma
verdadeira tortura estar naquele jantar, ninguém queria estar ali. Nem mesmo
o cardápio estava liberado, mesmo em um dia festivo a nossa alimentação
seguia os padrões do nutricionista da equipe, álcool estava totalmente fora de
cogitação. Afinal, somos atletas. Entretanto, não demorou muito para que
uma troca de mensagens se iniciasse e encontrássemos um local adequado
para celebrar a nossa vitória.
Assim que chegamos na boate, reservada como um passe de mágica
para nós, fomos recepcionados calorosamente e tratados como astros
hollywoodianos. Aquilo sim era o que eu tinha em mente para essa noite.
Seguimos para o camarote completamente abastecido de álcool e opções não
alcoólicas, além disso estava repleto de belas mulheres. Alguns rostos
conhecidos e outros nem tanto, mas logo estaríamos todos devidamente
apresentados. Troquei olhares cúmplices com meus amigos solteiros e
brindamos mais uma comemoração em alto estilo.
Preciso salientar que ao abrir os olhos, na manhã seguinte, as coisas
só melhoraram. As duas mulheres maravilhosas na minha cama, uma ruiva e
uma morena, quase me fizeram desistir de levantar e seguir com os planos.
Lembrei de pedir o telefone delas para repetir a festinha quente.
— Arthur, sou o seu maior fã! — O menino, arrisco dizer que tem em
torno de sete ou oitos, corre e abraça as minhas pernas.
— Opa, carinha! — Abaixo para ficarmos na mesma altura — Tudo
bem com você? — Ele apenas balança a cabeça em concordância.
— Eu que sou o seu maior fã — o adolescente, magro e com
aparência desengonçada, aproxima-se tímido — sei todas as suas estáticas da
última temporada, quantos passes dados, os quilômetros que você percorreu,
sei tudo sobre você.
— Estou de frente a dois grandes fãs — sorrio para os garotos — é
um prazer conhecê-los...
— O prazer é todo nosso — o irmão mais velho responde — o senhor
é uma grande inspiração para nós!
— Você autografa a nossa bola? — O menino estende a bola surrada.
— A camisa também. Vamos pendurar no nosso quarto! — O outro
me entrega uma camisa falsificada do clube.
Pego os objetos para assinar e faço uma anotação mental para pedir a
Pâmela que consiga o endereço dos garotos, para entregar um presente
original para os meus maiores fãs.
Uma voz feminina chama a minha atenção e, assim que eu ergo o
olhar para encontrar a dona da voz, esqueço completamente o que eu estou
fazendo, a caneta fica parada no ar.
A dona da voz é uma mulher deslumbrante e olhe que eu já estive ao
lado das modelos mais sexys do mundo, mas ouso dizer que nenhuma chega
aos pés dessa. Seu rosto delicado e simétrico a torna dona de uma beleza
ímpar, essa mulher pode facilmente ser uma top model e embora as suas
curvas fujam do padrão macérrimo das passarelas, ela seria um sucesso. Se é
que não já o é e eu estou desinformado.
A mulher de cabelos louros ondulados usa calça jeans e uma simples
camiseta branca, o que só enaltece a sua beleza. Ela é naturalmente sexy sem
precisar apelar para as roupas. Quando ela ruboriza diante do meu olhar
prolongado fazendo com que tons rosados pintem a pele alva, eu constato que
ela é real e não fruto da minha imaginação. Por educação, eu deveria desviar
o olhar e elogiá-la, mas não o faço, continuo hipnotizado pelo seu rosto
angelical, lábios em forma de coração e olhos verdes intensos.
— Oli, onde você estava? — Os dois meninos se voltam para ela. Ela
não parece ter idade para ter dois filhos. Seria prima ou irmã?
— Estava buscando um carregador para o celular, mas não
encontrei... — Diz tristemente e a expressão de tristeza atinge os dois
garotos.
— Então vamos ficar sem fotos? — O menorzinho pergunta, com a
voz embargada.
— O registro mais bonito já aconteceu, meu amor — ela aponta para
o coração do garoto — esse momento está registrado bem aí dentro e você
jamais irá esquecer.
— Mesmo assim eu queria uma foto... — Duas lágrimas rolam do
rosto do menino enquanto eu continuo paralisado feito um imbecil.
Reajo a tempo suficiente para que o garoto não se desmanche em
lágrimas, e assim com as lágrimas surgiram, desaparecem quando apresento a
solução:
— Podemos tirar no meu celular e eu envio para a sua...
— Irmã! — Ela completa.
— Está perfeito, então — sorrio satisfeito por ter resolvido o
problema e muito mais por conseguir o contato dela por tabela.
Entrego o meu celular a ela para que registre as fotos. Eu poderia
bater uma selfie com os garotos, mas aproveito para estabelecer o nosso
primeiro contato através do toque: meus dedos tocam os seus enquanto
transfiro o aparelho da minha mão para a sua. Ela os afasta rapidamente,
desconcertada.
Alguém parece ser tímida...
Permito que os garotos ditem o número de fotos, e alternamos entre
caretas, cara de mal e bobos sorridentes nas fotos. Oli, prenome da mulher
misteriosa, inicia o registro de forma séria, mas depois o sorriso surge em seu
rosto quando as risadas dos irmãos ecoam.
— Chega, já temos fotos para um álbum — ela avisa — Agradeçam
ao Arthur.
— Obrigado! — Os meninos obedecem.
— Você não vai querer uma foto? — Pergunto quando ela me
devolve o celular.
— Não — ela é rápida na resposta e, como se percebesse tal rapidez,
tenta se corrigir — eu estou aqui apenas para acompanha-los, obrigada pelo
carinho com os meus irmãos. Vamos meninos? — Desvia o olhar para os
irmãos que a seguem.
— Tem certeza que não vai ficar arrependida depois? — Pergunto
alcançando-a na saída. Os meninos estão mais à frente, tagarelando
— De não tirar uma foto com o Máquina Mortífera? — Arqueia a
sobrancelha.
— Sim — respondo — nunca uma mulher recusou uma foto comigo.
Elas brigam para ter acesso ao vestiário...
— Não sou uma maria chuteira — rebate sorrindo — e embora meus
irmãos o idolatrem, não o considero um deus.
— Você é franca! — ela dá de ombros — vou mudar a imagem que
você tem de mim.
— Não perca seu tempo comigo, amanhã mesmo uma penca de
mulheres estará disputando sua atenção.
— Provavelmente hoje mesmo — sorrio convencido — agora me
passa seu número. — Ela me olha como se eu fosse um completo idiota que
não sabe ouvir “não” como resposta. — As fotos — esclareço — seus irmãos
ficarão muitos tristes sem as fotos.
— Eu digo a eles que passei o número errado e que as fotos nunca
chegaram — ela diminui o tom de voz para que eles não a escutem.
— Que tipo de irmã você seria? — Provoco e ela pondera antes de
cantar os números. Como não sei se eles são verdadeiros, grito pelos garotos
que logo se aproximam.
— Que tal assistir um jogo meu no Maracanã? Tenho um amistoso
beneficente amanhã. Com direito a entrar em campo e tudo mais... Vocês
serão meus convidados VIP — eles pulam de felicidade — só há uma
condição, a irmã de vocês precisa acompanha-los! — Ela me olha e vejo a
raiva tomar conta do seu rosto, dou de ombros e aguardo os pestinhas
começarem a pressão psicológica.
— Por favor, Oli! É a chance de irmos ao estádio!
— É, eu prometo fazer o dever todo dia sem reclamar! — o outro
completa
— Você sabe o quanto a gente ama o Arthur, por favor Oli...
— Oli, é a chance da vida dos garotos — entro no jogo e ela bufa
irritada — você só precisa dizer sim e a minha equipe providenciará tudo.
— Oli, por favoooor! — Os meninos juntam as mãos em súplica.
— Por favor, Oli! — Junto-me a eles.
— Ok, vocês venceram! — diz num lamento — vamos a esse jogo.
— Você é a melhor irmã do mundo — eles vibram felizes antes de a
envolver num abraço.
Tenho vontade de fazer o mesmo, mas o olhar homicida que ela me
lança indica que é melhor eu manter distância, pelo menos por enquanto.
E scuto o toque do
meu despertador e
finjo por mais alguns minutos que hoje é domingo. O meu único dia de folga,
o dia em que posso me dar ao luxo de acordar depois das cinco e trinta da
manhã e tomar meu café da manhã com mais calma enquanto converso com
minha mãe e a atualizo sobre a minha semana. Mas hoje, infelizmente, não é
domingo e a história da minha rotineira vida vai se repetir. Sempre se repete.
A morte repentina do meu pai quando eu tinha apenas doze anos,
mudou o rumo da nossa família. Um dia ele saiu para trabalhar e não retornou
para casa. Nessa época, o Carlos, meu irmão mais velho, e eu tínhamos o
costume de esperá-lo no portão de casa, todas as noites. Sentados em dois
banquinhos, aguardávamos ansiosos o momento em que ele surgia na rua e
caminhava sorridente em nossa direção. Meu pai sempre trazia um sorriso no
rosto, era um homem doce e carinhoso com a família. Bom pai e exímio
esposo, ele era um homem querido pelos amigos e amado por todos,
entretanto nada disso impediu que ele fosse alvejado com dois tiros durante
um assalto.
Manoel Dias Santos, meu pai, não teve a sua história contada na TV
pelos seus bons atos e sua dedicação a família, mas sim por que fora vítima
de um assalto enquanto trabalhava como segurança de uma loja, no centro da
cidade. Meu pai foi mais uma vítima de uma sociedade doente que mata
mesmo quando a vítima não reage, ele não teve a oportunidade de ver os
filhos crescerem. E a nós sobrou apenas recebê-lo de volta dentro de um
caixão.
Desde que ele faleceu as coisas aqui em casa ficaram difíceis,
precisávamos nos adaptar a sua ausência brusca e aprendermos a lidar
cotidianamente com a saudade. Minha mãe precisou exercer uma jornada
dupla de dona de casa e diarista, enquanto os filhos se dedicavam aos
estudos. A educação sempre foi o lema dos meus pais, eles acreditavam
veementemente na importância dos estudos nas nossas vidas, meu pai
costumava dizer que essa era a única herança que ele poderia nos transmitir.
Assim, minha mãe adotou o posto de chefe de família e assumiu a vela do
barco até que Carlos concluiu o ensino médio e só então pôde dividir com ela
a função de ajudar a sustentar a casa.
Onde meu pai estiver, ele deve estar orgulhoso da nossa família.
Passamos por muitos percalços, mas nos mantivemos unidos e sempre
acreditando numa mudança de vida através da educação. O seu Manoel é a
nossa fonte diária de inspiração, é o principal motivo pelas carreiras que
Carlos e eu escolhemos seguir. Meu irmão formou-se em Educação Física e
atualmente integra o quadro de funcionários do Estado, como professor. Os
mais novos, Edu, doze anos, e André, oito, frequentam regularmente o ensino
fundamental. Enquanto eu estou no quinto período de Pedagogia e a cada dia
eu reafirmo o meu amor pelo curso. Amo lecionar e amo ainda mais saber
que tenho a oportunidade de mudar vidas.
Mas, isso não impede que eu deseje dormir mais vinte minutos antes
de começar a minha rotina. Todos os dias eu me divido entre a faculdade e o
trabalho de professora auxiliar em uma escola particular, além de preparar o
jantar enquanto oriento os meus irmãos na atividade escolar.
Por isso, o meu apego aos domingos. Nesse dia eu não preciso me
preocupar em comer com o tempo cronometrado e disputar cada mínimo
espaço no metrô a caminho de casa. Mas como nada é perfeito hoje não é
esse dia e preciso trabalhar.
Caminho sonolenta até o banheiro e deixo a água gelada do chuveiro
para despertar de vez. Não devo aparentar cansaço na reunião de pais e
mestres, assim como devo sorrir e assentir para os questionamentos dos
mesmos e intermediar de forma cortês as discussões em que me solicitarem.
Essas são as palavras da coordenadora pedagógica, palavras sempre repetidas
e interiorizadas por todas nós no grande intuito de agradar os pais (e a equipe
diretiva). A verdade é que não somos nós, educadores, que precisamos
manter a serenidade, mas sim os pais. A reunião é, em grande parte, uma
vitrine para expor os seus filhos e a vida perfeita que eles levam. Para se ter
uma ideia, na última reunião uma mãe bradou que era um absurdo as
pedagogas não falarem inglês, uma vez que até a babá das crianças era
fluente na língua inglesa, por que uma pedagoga não seria capaz de pagar um
cursinho de idiomas? A vontade nessa hora é replicar e dizer que maior
absurdo é um pai jogar na escola as responsabilidades da educação dos seus
filhos. Ou ainda questionar porquê, ao invés de propor medidas para conter o
alto índice de celulares durante as aulas, os pais preferem usar suas falas para
questionar sobre o professor, que ganha um pouco mais de um salário
mínimo, não ser fluente em inglês. Entretanto, não movo um único músculo
no meu rosto que possa indicar contrariedade, já vi muitas colegas serem
demitidas por muito menos. E não posso me dar ao luxo de perder esse
emprego, portanto sigo as instruções.
A grande vantagem é que, como professora auxiliar, sou uma figura
apagada nessas reuniões, toda a atenção está voltada para a professora titular,
Dagmar, que com anos e anos de experiência já aprendeu a lidar com os pais
mais problemáticos. Mas nem esse lembrete me anima.
— Bom dia, mãe! — Beijo o rosto dela quando adentro a cozinha. Ela
acaba de preparar o café e o cheiro delicioso preenche o ambiente.
— Bom dia! Fiz pão na chapa como você gosta.
— Não vai dar tempo de comer — solto num lamento — enrolei
demais para levantar...
— Cinco minutos não atrasará você — ela me entrega o pão no prato
e eu assinto, sentando para comer. — Os meninos chegaram tão felizes
ontem... Foram dormir tarde da noite me contando que hoje iriam para o
estádio assistir ao jogo.
— Ainda tem esse jogo — resmungo de boca cheia — a senhora tem
certeza que não quer acompanhá-los?
— Não posso, ontem foi aniversário na casa da dona Magda e eles
perguntaram se eu não queria ganhar uma extra fazendo a diária.
— A senhora não precisa se sacrificar ainda mais por nós, já tínhamos
combinado que diminuiria o ritmo para descansar.
— Mas uma graninha extra nunca é demais.
Estou prestes a discordar quando André surge enrolado na sua manta.
— O Arthur já mandou as fotos?
— Não... — Começo a me arrepender por ter dado o número falso...
Agora eu tinha que lidar com a decepção presente no rosto do meu irmão.
— Talvez ele tenha tido um compromisso e chegado tarde em casa, aí
ficou com receio de incomodar com as mensagens fora de hora e deixou para
enviá-las hoje — minha mãe intervém e André sorri confiando nas palavras
da minha mãe
— A equipe do Arthur já entrou em contato com você? — Edu
indaga sonolento.
— Bom dia para você, também! — Brinco para ganhar tempo.
— Que tal vitamina de frutas como só a mamãe sabe fazer? — Ela
não precisa perguntar duas vezes para os dois concordarem.
— Estou atrasada — Digo tomando mais um gole do café — até mais
tarde. — Saio em disparada no intuito de fugir de mais perguntas.
meu jantar com o Arthur. Não que eu esteja contando os dias, é que, de
alguma forma, estar com ele naquele restaurante não passou despercebido.
se
passaram desde o
campo. Uma partida de futebol não é, como muitos pensam, apenas onze
pessoas correndo atrás da bola, disputando lance a lance o gol. A grande
magia nesse esporte consiste em o adversário, ainda que seja inferior a você,
poder se sobressair. Isso não acontece, por exemplo, na natação, pois o
recordista em duzentos metros rasos dificilmente será batido pelo centésimo
no ranking. Já no futebol, não é incomum. Estatisticamente, o clube com
maior número de gols marcados, menor número de gols sofridos, maior
número de vitórias e elenco de renome renderá positivamente frente aos
outros clubes com dados inferiores. Todavia, isso não impossibilita que
grandes equipes sejam derrotadas por times “menores”.
Oswald de Souza, matemático famoso por embasar estatísticas
futebolísticas, que me perdoe, mas estatística e futebol seguem caminhos por
vezes paralelos. Como capitão precisei discursar diversas vezes antes de
entrar em campo deixando claro que entraríamos em campo e venceríamos o
jogo, pouco importando se precisávamos reverter o placar de dois gols
negativos para avançar no campeonato. Eu deixava toda essa parte da
matemática com a comissão técnica, a minha parte era motivar cada um
daqueles homens e convencê-los que até que o apito final soasse estaríamos
lutando pela vitória. Para isso, era preciso lidar com o turbilhão de emoções
que o futebol pode proporcionar. É preciso ativar a inteligência emocional se
você pretende vencer. Ninguém quer sair derrotado, por isso era preciso lidar
com a ânsia de vencer e o fantasma da derrota que caminham lado a lado.
Em um minuto o seu time pode abrir dois gols no placar e no seguinte
sofrer uma reviravolta. É nesse exato momento que entra o capitão,
simbolicamente, ele é o responsável por comandar a sua trupe em busca da
vitória. Essa liderança nem sempre é percebida, se visualmente você
identifica o capitão pela faixa em torno do braço, na prática ele exerce o
poder muitas vezes a partir do seu posicionamento, um bom capitão é aquele
que lê a partida como um todo, atento ao adversário, mas principalmente aos
seus amigos.
Assim como em campo, eu sou o capitão da minha vida. Se quero
algo, corro atrás e luto por isso, mesmo que demore mais tempo que o
previsto. Gosto de desafios e foi esse o motivo pelo qual me aproximei de
Olívia. A garota era a primeira em anos que me desafiava. Isso me deixou
atraído. Além da beleza, que me fazia deseja-la. Nosso primeiro jantar não
rendeu nada além de boas risadas e provocações mútuas, e isso deveria ter
sido o suficiente para eu apagar a sua lembrança da minha memória e partir
para outra. Mas aquele jogo difícil estava me atraindo cada vez mais.
Não posso negar que eu saí com outras mulheres, mas a minha mente
me traía a cada tentativa de conhecê-las. Nenhuma delas era franca o
suficiente para dizer na minha cara que eu era um boçal por frequentar uma
boate cercado de seguranças, tentando evitar que interrompessem a minha
noite. Elas também não me olhavam como se eu fosse o lobo mal, pronto
para atacar. Pelo contrário, eram elas que tentavam me atacar.
Era difícil admitir, mas estava sendo derrotado no meu próprio jogo
de sedução e não adiantava negar, Olívia tinha me seduzido mesmo sem ter
essa pretensão e agora teríamos que lidar com esse fato.
Se eu pudesse, passaria os dias que ainda me restam no país com ela,
mais especificamente em uma cama. Mas a garota vive me cozinhando em
banho-maria. É como se ela fizesse questão de preencher a agenda dela:
trabalho acadêmico para ontem, seminário para hoje, correção de atividades
dos alunos para amanhã. E aquele celular dela que vive descarregando! É
hora de marcar em cima.
Pego meu celular, mas ele começa a tocar e dessa vez sou
surpreendido: Olívia me ligando.
— Estava quase ligando para você...
— Se eu soubesse teria esperado alguns segundos.
— Fico feliz em saber que você também está pensando em mim,
vamos jantar hoje?
— É a minha vez de te convidar, mas não se empolgue demais a gente
vai de ônibus.
Gargalho alto diante da sugestão.
— Vamos para onde você quiser, mas não de ônibus ou não daremos
muitos passos quando perceberem quem eu sou. Além disso, não precisamos
arriscar a nossa segurança. Eu pego você que horas?
— Uber então? Arthur aquele carro chama atenção demais e eu quero
ir em um lugar público.
— Eu tinha esperanças de que você fosse me levar ao motel —
insinuo, ela fica em completo silêncio — tudo bem, Olívia vou com um carro
discreto.
— Você pode me pegar no trabalho, às 17 horas, anote o endereço...
— ela dita e eu gravo na memória. — Agora preciso ir. Até mais tarde,
Arthur.
— Olívia, não vejo a hora de estar com você.
— Nem eu, beijo — ela desliga.
Agora é só provocá-la bastante e no fim da noite estaremos felizes e
saciados.
Chego ao local indicado dez minutos antes do horário combinado. A
escola particular é grande e a movimentação de carros em frente é intensa,
com o desembarque de pais e embarque das crianças. Passo os minutos
seguintes olhando o Instagram e as novas especulações ao meu respeito. É
impressionante o quanto as pessoas perdem tempo cuidando da vida dos
outros, mas já estou acostumado com isso e tento evitar ao máximo curtir ou
responder comentários de assuntos sobre mim, graças a todos os sermões da
Pâmela. Já me meti em muitas tretas por bobagem e com o tempo aprendi
(sob puxões de orelhas) que é mais vantajoso fingir que não vi. Isso não
significa que não fique com muita raiva e xingue em alto tom alguns filhos da
puta, mas nas redes finjo demência, faz parte do show.
Assim que ela põe os pés fora da escola eu a vejo. Olívia está usando
uma saia com estampa de flores, justa e que chega até o meio das coxas. A
blusa é preta, simples, sem decote e com mangas curtas. Os pés estão
calçados em sapatilhas pretas. Há uma mochila em suas costas e uma garrafa
de água em suas mãos. Ela está sorrindo abertamente em uma conversa muito
interessante com um cara que usa calça jeans e camisa polo. O babaca só falta
babar perto dela e está de mãos dadas com um garotinho, ele não se comporta
perto de crianças? Bufo ao vê-lo se despedir com dois beijinhos. Só então,
com o olhar, ela faz uma varredura ao redor, checando o celular.
Buzino duas vezes e ela olha na direção do carro. Baixo os vidros
escuros para que ela tenha certeza que sou eu antes de entrar. Quando ela
senta no banco do carona, mal dou tempo para que ela feche a porta. Seguro
firme no coque do seu cabelo e ataco sua boca. Ela é tomada de surpresa e
demora a reagir, mas quando minha língua serpenteia dentro da sua boca ela
segura meu rosto e retribui.
Afasto-me o suficiente para empurrar a mochila do seu colo até o piso
do carro. Puxo seu cabelo para ter acesso ao seu pescoço ao mesmo tempo
em que pego firme em sua coxa exposta.
— Arthur... — ela me chama em um sussurro — por favor, não —
ignoro o pedido e deixo a minha mão subir firme um pouco mais. — Não! —
ela diz com firmeza, empurrando meu peito.
— Tudo bem, já parei — respiro fundo segurando o volante para
manter as mãos longe dela — não deu para me segurar. Olá, Olívia.
Ela também respira fundo.
— Você precisa se controlar, estamos em frente a uma escola, que por
sinal é a que eu trabalho.
— Quem era o cara? — ela me olha como se não tivesse entendido a
pergunta — o que acabou de se despedir.
— O pai de um aluno. Está parado aqui há muito tempo?
— Tempo o suficiente para admirar suas pernas nessa saia.
— Acabei de colocá-la. Por isso a mochila hoje. Estou na rua desde
cedo.
— Dessa vez posso presumir que se vestiu para mim? — ela ri.
— Talvez. Vamos? Temos um passeio a dar.
— Vou precisar usar boné e óculos? — abro o porta-luvas.
— Bem, vamos a um parque de diversões, talvez uma peruca te
esconda melhor.
— Um parque?
— Eu te convidei, portanto eu arcarei com o passeio, um parque é
algo divertido e foi o melhor lugar que conseguir imaginar para que a gente
se conhecesse um pouco mais.
— Tenho uma lista de lugares que nos deixariam bem mais íntimos...
— Arthur, dirija e cale a boca.
— Pedindo assim, com carinho, quem resiste? — ela ri alto e eu sigo
as instruções até o bendito parque de diversões.
Deixá-la em casa foi uma das coisas mais difíceis que fiz
ultimamente. Quase não consegui desfazer o abraço apertado, mas foi
preciso, ela era independente e não me seguiria para outro continente nesse
momento. Fazer esse convite tão cedo só a faria recuar e correr para longe de
mim. Assim que entro em casa sou recebido por minha mãe, que me olha
com decepção.
— Onde esteve, Arthur? E por que não atendeu o celular?
— Mãe, preciso lembra-la que não sou mais um garotinho?
— Precisei mentir para os nossos amigos, dizendo que você teve um
compromisso de trabalho de última hora, mas é claro que ninguém acreditou.
Eu tinha preparado uma festa surpresa!
— Se era surpresa como esperava que eu soubesse? — jogo, enquanto
subo as escadas.
— Você não me disse onde estava...
— Com a minha namorada. Se era uma festa para mim, por que ela
não foi convidada?
— Mas é claro que ela foi convidada!
— A senhora está me dizendo que a mulher com quem passei as
últimas horas sabia de uma festa surpresa e não me convenceu a vir
propositalmente?
— Bem, talvez a empregada tenha esquecido de ligar para ela, ou...
— Não se preocupe, mãe. Não preciso de uma festa para saber que a
senhora me ama e que vai sentir minha falta.
— Amo muito, Arthur. Mais do que qualquer pessoa sobre a terra...
Você é a minha vida.
— E você a minha, mãe. Vou sentir sua falta também. Desculpe pelo
horário, não tinha como saber sobre a festa...
— Deixa para lá, podemos ficar um pouco juntos ou está cansado?
— Tenho todo tempo do mundo para a senhora — ela sorri, enquanto
vamos ao quarto dela. E eu sei que tudo ficou bem.
Apago as luzes e deito para dormir, mas enquanto o sono não vem
sinto a necessidade de planejar os próximos passos. Nunca pensei que a hora
de sossegar fosse chegar tão cedo, mas não consigo imaginar mais nenhum
dos meus dias sem tê-la comigo. A distância tem se mostrado eficiente em
me mostrar o que eu quero para todos os próximos dias da minha existência.
E u cresci lendo
contos de fadas e
hoje, já adulta, eles continuam a fazer parte da minha vida. Meu pai
costumava reunir os filhos à noite para ler para nós antes de dormir, foi
através dele que descobri o mundo mágico presente nos livros. Quem nunca
sonhou em ter uma fada madrinha que realizasse todos os seus desejos?
Infinitas vezes me imaginei conhecendo a biblioteca da Fera, ou ainda,
devorando a casa feita de doces junto com João e Maria.
Na faculdade, a minha paixão pela literatura só tem crescido, à
medida em que aprendo a importância da literatura no processo de ensino e
aprendizagem. A cada dia confirmo que estou na profissão certa, amo
Pedagogia e amo ainda mais o contato com as crianças em sala de aula. Hoje,
como alfabetizadora, reconheço o papel fundamental dos contos de fadas e os
adoto no processo de alfabetização. A criança descobre através da leitura um
mundo mágico, habitado por seres fantásticos e ambiente aconchegante, por
isso utilizo desses elementos para promover a criação de leitores. E embora
eu não goste de ser o centro das atenções na vida, no âmbito escolar eu me
sinto confortável no papel de mediador de ensino. Assim como não me sinto
retraída em apresentar meu artigo no Seminário Internacional de
Alfabetização e Letramento na Infância.
A plateia formada por professores e alunos dos mais diversos cursos
encaram o palco com um interesse repentino quando meu nome é anunciado.
Dois outros colegas de curso haviam apresentado, minutos antes, seus artigos
acadêmicos sobre a alfabetização e letramento na perspectiva da educação
escolar indígena, um tema pouco explorado nos círculos acadêmicos e
abordado de forma brilhante pela dupla. Todavia, parecia que apenas um
pequeno grupo dos presentes no auditório estava interessado na apresentação,
muitos estavam com os olhos voltados para o celular, outros conversavam
assuntos paralelos, sem o menor constrangimento com os autores, ainda havia
os que dormiram durante a apresentação.
Mas quando assumo o centro do palco, sinto toda atenção voltada em
minha direção. Um cochicho coletivo ressoa no ambiente e uma insegurança
cresce dentro de mim. Será que estou com o zíper da calça aberto? Ou a
projeção que aparece na tela não é do slide correto? Confiro esses detalhes e
está tudo na mais perfeita ordem. Ainda assim as pessoas continuam a falar,
percebo celulares sendo erguidos em direção ao palco, como se estivesse se
preparando para registrar a minha apresentação. Afasto os pensamentos e
concentro-me a apresentar o meu artigo.
Discorro sobre o estudo a respeito da importância dos contos de fadas
na alfabetização, elencando a importância desses no processo de ensino-
aprendizagem infantil. A medida que avanço a explanação esqueço dos
observadores, e continuo a falar com de forma didática e serena sobre a
construção de práticas educativas que assegurem às crianças o direito a uma
educação de qualidade, especialmente no que se refere à linguagem escrita e
verbal, trazendo sempre como norte a noção de letramento. Que nesse
sentido, significa a vivência efetiva do mundo da escrita, onde o educando
deverá adquirir ao longo da sua formação o domínio da escrita e da leitura.
— Assim, o enfoque deste trabalho foi mostrar a importância da
utilização dos contos de fadas nas práticas de alfabetização e letramento,
aguçando o imaginário das crianças, além de despertar o gosto pela
apreciação da leitura desse tipo de texto. De modo a enfatizar a importância
que tal recurso proporciona satisfatoriamente na formação pré-escolar e na
fase de aquisição da leitura e escrita. Obrigada pela atenção! — Agradeço e
desço do palco ao som dos aplausos.
— Elogiar você é chover no molhado né? — Álvaro aproxima-se
sorrindo.
— Até parece — sorrio — o que foi o seu artigo sobre a educação
indígena? Estava excelente. — Elogio e saímos do auditório conversando.
— Estava mesmo — ele sorri, esnobe. — Mas, foi apenas até você
surgir no centro do palco e ofuscar a minha apresentação. — Não respondo,
apenas sorrio. Álvaro é um amigo do curso, sempre houve um burburinho na
turma que ele nutria um carinho especial por mim, mas tudo isso não passou
de uma fofoca. Hoje, ele é noivo da Eduarda, uma veterana da turma de
Letras.
— Estou indo encontrar a Duda para almoçarmos, quer se juntar a
nós?
— Infelizmente não dá — lamento, pois tudo que eu queria era sentar
e almoçar calmamente, mas preciso correr para chegar ao trabalho no horário
e terei que me contentar em comer um sanduíche — fica para uma próxima.
— Até amanhã, Olívia.
— Até! Manda um beijo pra Duda.
— Pode deixar. — Álvaro segue seu caminho e faço uma parada
estratégica no banheiro, para vestir o uniforme.
Adentro no banheiro feminino, que misteriosamente está vazio,
enquanto troco de roupa na cabine, escuto passos seguindo de vozes e o
silêncio desaparece quando, o que ser parece uma invasão feminina, dizima a
calmaria.
— Lógico que era ela! — A voz estridente feminina afirma.
— Ela não é tão bonita assim — escuto o desdém na sua voz —
Tenho certeza que tem photoshop na foto com o Arthur.
Arthur? O meu Arthur?
Paraliso e permaneço em silêncio tentando acalmar o meu coração
que bate freneticamente.
— E a garota falando de alfabetização como se fosse o assunto
primordial do mundo — as outras gargalham — Peloamor né? Contos de
fadas e práticas de letramento? Conto de fada é ter aquele príncipe na cama!
— Será que ele sabe que ela cursa Pedagogia? — Elas continuam a
debochar
— Ela pode ter mentido e dito que cursa Medicina... — Alguém
sugere.
— Não duvido, já viram as roupinhas que ela vem pra faculdade?
— Tava notando isso hoje mesmo e...
O que parece uma eternidade depois, elas saem do banheiro e não
consigo mais ouvir o que dizem, entretanto, os comentários que ouvi foram
suficientes para rondarem a minha mente sem que eu consiga controlá-los.
Envio a mensagem.
Acho que não é uma boa ideia, Arthur. Os meninos vão vir deitar já.
O.K.
Ela demora cerca de três minutos para voltar a ficar online e eu decido
ligar para ela, para incentivá-la.
— Amor? Estou morrendo de saudades, quero ver você — digo assim
que ela atende.
— Também estou com saudades.
— Estou de olhos fechados. Quer saber que imagem estou vendo?
— Sim...
— Estou vendo você. De pernas abertas para mim... Sua boceta está
brilhando de excitação.
— Arthur...
— O que você está vestindo agora, amor? — Pergunto.
— Aquele vestido verde do dia em que me pediu em namoro...
— Hum, o tomara que caia com o zíper. Eu chupei seus peitos nesse
dia, não consegui resistir. Você lembra?
— Lembro.
— E o que você sentiu, Olívia. Feche os olhos e me diga.
— Senti muito calor, sua boca parecia brasa queimando minha pele.
— Gostou da minha língua?
— Sim...
— Gostaria que ela estivesse em você agora?
— Sim... — a voz dela é quase um gemido.
— Você já está molhada, amor? — ela não responde — toque a sua
boceta e me diz se está molhada.
— Está sim...
— Me mostra — aperto o botão do meu computador e faço a ligação
por vídeo no Skype — atende, Olívia.
Poucos segundos depois ela surge na minha tela. Está segurando o
aparelho celular contra o ouvido, usa realmente o vestido verde e, pela
posição da imagem, o notebook está sobre as pernas.
— Linda, podemos desligar o celular — aviso, encerrando a ligação
— trancou a porta?
— Sim, acho que o Carlos demora um pouco mais para chegar do que
os meninos a irem lá no quarto.
— Ótimo. Põe o notebook na cama, ou em um lugar em que mostre
mais você. Não vai precisar digitar nada.
Ela obedece, afastando o aparelho do colo, colocando na cama de uma
maneira em que a vejo quase por completo.
— Ah, Olívia como eu queria ter o poder de me teletransportar...
Queria muito abrir esse zíper. Ver os seus seios... — ela não se faz de
desentendida e leva a mão até o zíper, baixando devagar até chegar a cintura.
Os dois seios saltam para o meu deleite. Meu pau pulsa contra a cueca. —
Lindos, sou louco por eles, passaria horas apreciando com a boca. Toca neles
para mim... Isso. Aperta um pouco — ela o faz e fecha os olhos — os bicos
estão ficando duros, ah como eu queria chupá-los bem fundo. Imagina minha
boca sugando-os, Oli...
É a primeira vez que eu a vejo se tocando, Olívia usa uma mão em
cada seio, ora acariciando, ora apertando com firmeza. Os olhos dela se
abrem e ela encara a tela, conferindo se estou atento ao seu show.
— Tira o vestido, deixa eu ver sua barriguinha... — ela obedece,
saindo da cama. Olívia vira o notebook para que eu a veja de pé, se livrando
da peça. Ela dá uma voltinha para que eu veja sua calcinha branca. — Que
inveja dessa calcinha. A renda marca os lugares onde eu gostaria de estar com
a boca nesse momento...
Ela volta para a cama, reposicionando o notebook.
— Olha como você me deixou... — digo, levantando da cadeira em
que estou e deixando minha pélvis na altura do computador. Baixo minha
cueca o suficiente para liberar meu pau e toco lentamente da base até a ponta.
Observo a reação dela, que passa a língua nos lábios e se aproxima um pouco
mais da sua tela, para me observar. — Vamos lá, amor, abra as pernas e se
toca junto comigo.
Ela enfia a mão por dentro da calcinha e eu quase grito querendo que
ela me dê a visão completa, se abrindo toda e aproximando a boceta da
câmera, mas me contenho e absorvo o máximo da cena em que nos
masturbamos juntos pela primeira vez. Vejo-a fechar os olhos e imagino sua
mão deslizando pela área externa e escorregadia da boceta. Olívia se encosta
na parede, trazendo o notebook para mais perto, enquanto se livra da
calcinha.
— Use os dedos no clitóris, amor, primeiro devagar... Depois mais
rápido. Molhe-os na sua boca e imagine que é a minha saliva.
— Hum... — ela grunhe enquanto obedece aos meus comandos.
Olívia leva três dedos a boca, ensopando-os, e os leva até o meio das
pernas, lambuzando tudo.
— Gostosa pra caralho, quero você agora, Olívia!
— Também quero você agora, Arthur.
— Porra, se repetir isso vou pegar um avião! — ela ri — usa a outra
mão para tocar esses peitos gostosos. Isso... O que você gostaria agora?
— Da sua boca...
— Onde?
— Em mim inteira.
— Seja mais específica, amor.
— Nos meus peitos... — ela confessa — na minha barriga. Na...
— Na sua boceta?
— Isso.
— Diz para mim.
— Queria que sua boca estivesse na minha boceta, Arthur.
— Caralho, Olívia, vou gozar só com essa sua voz.
— Então goza, quero ver...
— Vou te mostrar, mas antes acelera os dedos aí no seu clitóris.
Quero ouvir você gemer...
Ela o faz, usando os três dedos de maneira circular, cada vez mais
rápido, enquanto abre a boca deixando gemidinhos baixos escaparem. Do
lado de cá, aperto os dedos ao redor do meu pau e acelero os movimentos,
assistindo aquela excitante cena. Ficamos assim por alguns minutos, até que
sinto o gozo se aproximar.
— Olívia! — Chamo seu nome e ela crava o olhar na tela, assistindo
meus últimos movimentos rápidos. Quando os jatos de porra começam a ser
liberados, respiro fundo tendo uma expectadora atenta.
Não tenho como saber daqui se ela gozou ou não, mas tenho a certeza
de que se excitou e se divertiu.
— Nossa — ela diz ao deitar de costas na cama — foi intenso.
— Como tudo entre nós — digo, limpando as mãos na minha camisa,
que estava jogada ali naquele cômodo. — Preciso de você aqui, Olívia.
— Como assim?
— Não posso sair da Inglaterra agora, mas você pode vir até mim.
Quando vai ter recesso?
— Não tem como eu sair do Brasil, nem passaporte eu tenho... E
nunca viajei para tão longe sozinha.
— Você não vem sozinha, seus irmãos podem vir junto. E sua mãe,
claro. Carlos também.
— Nossa vida não para, Arthur.
— Lembra do que desejou aquele dia? Férias? É só isso. Sem nenhum
custo, vocês ficam aqui em casa. Uma semana, Olívia, o que me diz?
— Vou pensar.
— Pense com carinho. São quase três meses. Estou morrendo de
saudades.
— Eu também.
Hahahahahahaha
Que bom que fui uma mensagem comportada ;)
Olívia chegou há apenas dois dias e tudo parecia certo, até os treinos
estavam rendendo mais e a equipe parecia mais motivada.
Acréscimos do segundo tempo. Estamos vencendo com o placar
magro de um a zero. O time visitante vai para a sua última chance de empatar
o jogo, todo o time está na pequena área, incluindo o alto goleiro. O juiz apita
autorizando a cobrança do escanteio. O capitão deles grita avidamente para
que todos estejam atentos a cobrança. O marcador respira fundo sentindo
todo o peso cair sobre as suas costas. O clima de empurra-empurra é
observado e o juiz precisa interromper para que conter os ânimos, assim que
ele se afasta tudo volta ao que era antes.
O apito autoriza a cobrança e em câmera lenta vejo a bola vindo em
direção ao gol, a defesa pula, mas não a alcança. Soberana, ela faz um efeito
e segue em direção ao gol. Silêncio absoluto, olhos vidrados na bola, que
caprichosamente acaba no fundo da rede.
A torcida visitante, em menor número, brada efusivamente, calando a
nossa imensa torcida. Os jogadores adversários se abraçam e comemoram
eufóricos o gol olímpico, no momento que o apito final indica o fim da
partida. O empate para nós tem gosto de derrota, sofremos o gol de empate
do nosso maior rival.
Uma década de rivalidade é o peso dessa partida, ânimos exaltados
dentro e fora de campo, uma multidão que se divide entre os blues e os reds,
Chelsea x Arsenal, um duelo de titãs do qual ninguém que sair derrotado. Um
empate amargo que será repercutido por dias pelos canais esportivos.
Cabisbaixa, a nossa equipe cumprimenta os adversários, trocamos
camisas e caminhamos para sair de campo, quando o coordenador se
aproxima para dizer que sou o contemplado para participar da coletiva de
imprensa.
Que merda! Tudo eu queria era correr para os braços da Olivia.
No vestiário repercutimos o empate. O técnico está furioso, é visível
no seu semblante e a forma que ele fala, num inglês britânico perfeito, que o
empate não traduz o que foi a partida. Nossa equipe foi superior ao
adversário, tivemos o maior percentual de passes de bola, mais passes certos
e o triplo de finalizações. Infelizmente a vitória escapou dos nossos pés no
último minuto.
Tomo uma ducha rápida e sigo para a sala de imprensa. Juan me
interpola no corredor e trocamos algumas palavras, basicamente ele informa
que a imprensa está sedenta por um culpado e que para o bem de todos eu
preciso respirar fundo antes de cair na pilha deles. O assessor de imprensa da
equipe me guia até a sala, o burburinho aumenta quando sento na cadeira e o
assessor autoriza as perguntas. As mãos vão sendo erguidas e seguindo a
ordem respondo das perguntas mais ácidas as mais simples sem esquivar. Até
chegarmos na pergunta do canal esportivo conhecido por concentrar sua
atenção na vida pessoal do jogador do que nas suas ações dentro de campo.
— Boa noite, Arthur. — O repórter cumprimenta sorridente, mas sei
que a sua cordialidade vai até a página dois... — Desde o início da semana,
tanto o Chelsea quanto o Arsenal, convocaram as torcidas a se unirem em
prol do esporte, numa ação de marketing pioneira, atletas dos dois clubes
visitaram o estádio um do outro e pousaram para as fotos num clima
descontraído. Aliado a isso também vimos durante toda a semana, vídeos
compartilhados nas redes sociais dos clubes interação cordial entre os
rivais....
Antes que ele possa concluir sou capaz de adivinhar o que vem a
seguir, o assessor de imprensa olha apreensivo para mim que aceno com a
cabeça para indicar que está tudo sobre controle
— Ainda assim a família dos jogadores da sua equipe foi a minoria
dentro do campo. Podemos atribuir toda essa paz como uma ação meramente
de marketing ou isso reflete a descrença de vocês na rivalidade sadia? — Ele
concluiu sorridente.
— Vamos aos números: Dos trinta e três atletas que integram a
equipe principal do Chelsea, dezoito são estrangeiros, o maior número visto
em um clube inglês, desses apenas um terço reside com a sua família em
Londres, o que nos deixa em desvantagem numérica em relação aos nossos
familiares presentes no estádio. Você está conseguindo acompanhar os
números? — questiono e o riso ecoa no ambiente — Portanto, o que você
observou hoje na arquibancada não passou de uma desvantagem numérica.
Desvantagem essa que contrasta com os números oficiais dos presentes na
partida, em cinco anos atingimos o maior número de espectadores. Mais de
quarenta e cinco mil torcedores. Uma multidão azul e vermelha vibrou, com
seus cânticos, e desfrutou um espetáculo sem agressões, todos nós saímos
vencedores hoje.
— O que dizer sobre os torcedores presos antes da partida começar?
— Ele faz referência a briga ocorrida em um bar próximo ao estádio, dois
homens se desentenderam e deram início a uma briga generalizada. Todos
estavam presos e pelas leis locais seriam proibidos de frequentar os estádios
por um longo período.
— Coletiva encerrada — O assessor anuncia, mas eu me recuso a sair
sem responder.
— A violência foge do controle dos clubes, esses torcedores não
passam de baderneiros e para esses a lei é a solução. Aos demais, os amantes
do futebol, faremos o possível para que eles continuem frequentado, em
segurança, os estádios com suas famílias. A rivalidade deverá ficar restrita
dentro de campo, as provocações nas redes sociais, não podemos admitir que
o futebol seja manchado pela violência. Obrigado aos presentes e até a
próxima. — Despeço-me e saio apressado para a minha casa para encher
Olivia de beijos. Esquecer nos seus braços toda a tensão do dia de hoje.
A rotina do Arthur,
entre
musculação, concentração e jogos, impedia que passássemos o dia todo
treinos,
juntos, sua ausência foi substituída pela Pâmela que gentilmente foi a nossa
guia em Londres.
Hoje foi o dia de conhecer o Palácio de Buckingham, a residência
oficial da rainha da Inglaterra. Eu já tinha assistido a série The Crown, então
meio que eu tinha uma ideia de como era o palácio da família real. Apesar da
série representar com uma riqueza de detalhes os aposentos, nada chega perto
da experiência de ver pessoalmente toda a magnitude do palácio.
Com os nossos ingressos em mãos, graças a Pâmela que os comprou
antecipadamente para evitar que perdêssemos tempo nas filas quilométricas
dos guichês. Na entrada, nosso ticket é conferido e algumas instruções são
passadas em inglês, Pâmela faz a tradução simultânea. Em seguida,
recebemos o áudio guide, isto é, um dispositivo eletrônico, semelhante a um
smartphone, que permite a descrição dos aposentos reais. Para a nossa
felicidade, esse dispositivo possui a opção em português brasileiro, o que
tornará o nosso tour ainda mais especial.
O áudio guia apresenta uma breve história sobre a construção do
palácio e todas as suas reformas até chegar ao dia atual. Os números me
impressionam, são mais de setenta e sete mil metros quadrados, dispostos da
seguinte forma: 19 Salas de Estado, 92 escritórios, 52 quartos principais para
dormir, 188 quartos para os funcionários e 78 banheiros, totalizando 775
cômodos.
Ainda segundo o guia informativo, a visita à casa da rainha é restrita a
datas pré-estabelecidas, que coincidem quando Elizabeth II viaja para a
Escócia para passar férias.
Por motivos de segurança, em diversos ambientes é proibido
fotografar ou filmar e apenas uma pequena parte dos cômodos são abertos a
visitação. Ainda assim o tour completo no palácio dura aproximadamente
duras horas e trinta minutos. Se eu estivesse sozinha passaria cada minuto
desse tempo apreciando, mas como estamos com as crianças, meus irmãos e
os filhos da Pâmela, e eles tendem a se enfadar rapidamente, decidimos
restringir a nossa visita a três aposentos.
Nossa primeira parada é no aposento denominado “Salas de Estado”
ao todo são dezenove salas de Estado usadas pela família real britânica para
receber convidados, celebrar casamentos, como o do Príncipe William com a
duquesa de Cambrigde, Kate Middleton, em abril de 2011. Um funcionário
informa que é proibido fotografar e filmar assim que adentramos. Aqui
vemos algumas peças do mobiliário, quadros e tapetes, porcelanas e cristais e
os salões usados pela Rainha e pela família real para receber os convidados
em visitas oficiais e cerimoniais.
Seguimos para os Estábulos Reais, o ponto alto da visita pela
empolgação dos meus irmãos. Eles olham embasbacados para as carruagens
reais e registram tudo no meu antigo celular, aqui as fotos são permitidas,
porém, sem flash. Há diversas carruagens e seus respectivos usos. Cada uma
é utilizada em determinada circunstância, como eventos oficiais, casamentos,
aniversário da rainha e celebrações. Ao final do passeio, alguns cavalos reais
estão nos estábulos, com destaque para os cavalos da rainha que puxam suas
carruagens.
Nosso destino final é o jardim do Palácio. Mamãe e eu deixamos
escapar ao mesmo tempo uma interjeição de admiração diante da beleza que
vemos a nossa frente. Tulipas, orquídeas, girassóis, rosas e diversas plantas
que não sei nomear. Não preciso fechar os olhos para imaginar as
personagens do romance de época nesses jardins, vivenciado o primeiro
beijo, as descobertas do amor... O lugar é romântico e imediatamente sigo
para Arthur, queria que ele estivesse ao meu lado. Como se adivinhado o meu
pensamento, meu telefone toca e atendo no primeiro toque.
— Amor, estou encantada com o jardim. Eu poderia facilmente passar
todos os meus dias aqui — Digo eufórica.
— Se soubesse que os jardins da rainha te deixariam assim
providenciaria para que o da minha casa ficasse igual antes da sua chegada.
— Ainda está em tempo de me surpreender — Insinuo sorrindo.
— Criei um monstro, senhorita Olívia? — Ele sorri — Já acabou o
passeio?
— Sim, os meninos estão tirando fotos.
— Estou ligando para te convidar para o primeiro evento oficial como
minha namorada e não aceito um não como resposta.
— Então não é um convite — rebato.
— Você tem razão é uma intimação — ele sorri — Quero atrair todas
as atenções ao chegar no jantar beneficente ao seu lado.
— Jantar Beneficente? Imaginei que fosse algo apenas para nós dois.
— Por mais que a ideia de um jantar íntimo com você seja tentadora,
não tenho como faltar a esse evento. O Weston, goleiro do clube, promoverá
hoje o beneficente do Instituto que leva o seu nome. Mas não se preocupe,
poderemos escapar mais cedo e aproveitarmos o resto da noite apenas nós
dois.
— Você poderia ir sem mim... — tento me esquivar, a ideia de
interagir com diversas pessoas sem falar o idioma deles me causa um certo
pavor...
— Nada disso... Ou vamos juntos ou nada! Posso inventar uma
desculpa...
— Vamos! — Concordo resignada.
— Não se preocupe amor, estarei ao seu lado o tempo todo. Te amo!
— Também te amo!
— Cinco minutos e saímos daqui! Vamos parar no drive-trhu e
compramos algo para comermos no caminho. — Pâmela informa sem erguer
os olhos do celular em suas mãos, suas unhas longas clicam freneticamente
na tela.
— Algum problema? — Minha mãe pergunta.
— Nenhum — Ela responde sorrindo — Olívia irá acompanhar
Arthur em um jantar e a equipe que produzirá a Olívia já está a caminho.
— Equipe?
— Sim. Maquiador, cabelereiro, manicure, o evento exige uma
produção a altura — os meus temores se confirmam — espero que você goste
dos modelos de vestido que selecionei, estou me sentindo a própria fada
madrinha — ela sorri — Confia em mim, ao fim da noite você será a mulher
mais linda de toda Londres. Se bem que isso é uma tarefa simples.
Por mais difícil do que você possa imaginar, não consegui confrontar
nenhuma das duas últimas hóspedes que chegaram durante todo o dia.
Acordei cedo, mas tomei café da manhã com a mãe da Olívia e os meninos
apenas. A conversa fluiu normalmente até que precisei ir para o treino.
Lá, antes de a bola rolar, todos passaram por 30 minutos de
aquecimento e alongamentos, comandados pelo preparador físico. Quando o
mesmo apitou o início do treino tático em equipe, todos se esforçaram como
se fosse jogo oficial. Cheio de disposição, o zagueiro me deu uma entrada
dura e eu caí em campo. No fim das contas, apesar do hematoma na canela,
me recuperei e voltei ao jogo.
Quanto mais as horas passavam, mais eu desejava sair do C.T. O
almoço foi no próprio Centro de Treinamento, porque o técnico tinha
algumas recomendações para nos passar acerca de um pedido dos
patrocinadores da equipe. Assim que saio do treino, encontro a Pâmela para
acertar alguns detalhes sobre o “comunicado oficial” que emitirei amanhã de
manhã, bem como ver se está tudo certo para hoje.
Inicialmente havia planejado uma festa para marcar o dia de hoje, mas
diante do receio que a principal envolvida tem quanto a exposição, achei que
fosse melhor algo mais pessoal para esse primeiro momento, então decidi
pela minha própria casa. Considerando a cena de ontem, o clima em que
ficamos e a possibilidade de perder a situação de controle, estou rezando para
que tudo dê certo.
— Por mais informal que seja, precisamos de registro formal ou vão
criticar muito mais do que já esperamos por não ser uma festa ou, pelo
menos, um jantar em um restaurante com estrelas Michelin.
Todos os anos, os restaurantes são avaliados para ver se cumprem os
critérios para receber a ansiada estrela Michelin, que é quase o Oscar dos
restaurantes. Ganhar uma estrela pode chegar a ser desesperante para os
donos e chefs de um restaurante, por se tratar de uma avaliação minuciosa, e
se o padrão não se mantiver, perde-se. Em resumo, o máximo que um
restaurante pode atingir são três estrelas, significado de uma cozinha de luxo
e irrepreensível e eu não ligo muito para isso, gosto mesmo de comer comida
gostosa, independente do luxo.
— Um fotógrafo profissional não é problema, depois você repassa as
fotos oficiais — concordo.
— Mesa posta, brinde, foto de família... Que bom que com o evento
de ontem eu aproveitei para fazer a Olívia provar o vestido perfeito!
— Certo, formalismo para a foto e só! Prometo que para a festa real
você terá bastante coisa para mostrar para o faminto público.
— Por favor! — ela junta as mãos — lidar com o que vem é bem pior
do que criar o que vai... Vai ser ótimo mostrar sua transformação em homem
de família. E o melhor: é real. Você está ótimo, Arthur.
— Estou, né? E me sinto assim também. Estou muito feliz e
empolgado com o que está por vir.
— Bem, vamos! Se quer manter a surpresa preciso arrumar sua
cinderela.
— Melhor fada madrinha não há — sorrio.
Ela não me mandou me mensagem o dia inteiro, com certeza irritada
com a história da Laila, por isso não sei como irá me receber agora. De
qualquer sorte, bato na porta e aguardo sua resposta.
Olívia abre e eu, instantaneamente, me perco nela. Meu coração
aperta ao vê-la usando um vestido que parece branco, mas não é, isso seria
rosa ou creme? Tão claro que realmente me lembra uma noiva. Curto,
chegando ao meio das coxas, rendado e delicado. As alças são feitas com
pedrinhas que brilham, mas não tanto quanto seus olhos nesse momento.
— Você está perfeita — digo, por fim.
— Obrigada, realmente o que a Pâmela toca se transforma. Onde vai
ser o evento?
— É um jantar especial. Os outros estão nos aguardando.
— Certo.
— Olívia, quero que se lembre o tempo inteiro que amo você, como
jamais imaginei ser possível — só então ela realmente me olha. Seus olhos
enchem de lágrimas.
— Não mais que eu — ela responde sorrindo.
— Vamos? Tenho muitas declarações para fazer hoje — estendo a
mão para ela.
— Que Deus me proteja da imprensa, amém — ela perturba aceitando
a minha mão.
Descemos em passos lentos, meu coração batendo loucamente em
meu peito, como se eu tivesse acabado de cruzar, correndo, o campo de
futebol inteiro. Ao pisar no último degrau, sinto ela apertar a minha mão mais
forte.
— Vão todos para o evento? — ela me pergunta ao ver a mãe e os
irmãos vestidos socialmente.
Dona Maria tem um sorriso imenso, mas duas lágrimas escapam. Um
pouco atrás da família da Olívia, minha mãe e Laila também estão vestidas
para a ocasião. Assim como Pâmela, Juan e os meus afilhados.
— Na verdade, já estamos no evento, se é assim que deseja chamar —
digo, dando de ombros e ela me encara.
Damos mais alguns passos até estarmos no meio da ampla sala, sendo
o centro das atenções.
— Por mais que eu tente, não consigo explicar como um sentimento
pode crescer tanto e tão rápido. Mas quem disse que o amor é
autoexplicativo? Desde o dia em que te vi, algo em mim mudou. Eu fui
atraído para você, sem nenhuma explicação lógica. Claro que o fato de você
ser uma mulher linda conta, mas não é apenas a sua beleza que me atrai.
Sinto necessidade de você, Olívia. O tempo inteiro.
Ela me olha com o misto de pânico e carinho. Os olhos estão
novamente marejados.
— Arthur, eu...
— Preciso continuar — interrompo-a — eu disse que tinha muitas
declarações para hoje. Posso jurar que nessas últimas férias eu cheguei ao
céu, mas também visitei o inferno da saudade assim que voltei para casa. E
eu sei que você também sentiu minha falta — afirmo e ela sorri,
provavelmente me achando presunçoso. — Não suporto a ideia de ficar longe
de você, por isso Olívia e por outras mil razões, eu sei que podemos ser
felizes juntos.
Ponho a mão no bolso e retiro a caixinha preta de veludo, me
ajoelhando em seguida. Ouço as respirações suspensas ao nosso redor e vejo,
perifericamente, que flashes estão sendo disparados.
— Oli, você aceita dividir os seus dias comigo?
É nítido que ela está surpresa, seus olhos e sua postura me dizem isso.
Será que fui longe demais em presumir que ela aceitaria casar comigo?
A resposta dela vem, literalmente, na mesma altura da minha
pergunta. Olívia se ajoelha em frente a mim e, entre sorrisos e lágrimas,
estende a mão direita.
— Você não cansa de me surpreender, Arthur. Desde o primeiro
instante. Eu aceito dividir a minha vida com você, porque eu te amo e longe
de você tem sido tudo nublado. Você estava certo, desde aquele beijo passou
a ser o centro do meu universo.
Meu sorriso é tão amplo que é possível que o meu rosto se parta no
meio. Coloco o anel no dedo dela e beijo sua mão, levantando e ajudando-a a
ficar de pé.
— Soube que a esmeralda tem tudo a ver com pessoas apaixonadas e
sensíveis. Por isso foi a minha escolha. Dizem também que ela é a pedra
guardiã do amor e que representa relacionamentos duradouros e sólidos,
como ela. É o que o nosso amor será: resistente, apaixonado e incondicional.
— Ele é lindo — ela encara a joia composta pela esmeralda como
pedra central e trinta e dois diamantes cravejados nas laterais — e o
significado é o que o torna tão especial. Por isso, saiba que mesmo que fosse
um barbante, se você me disse quão significativo era, eu ia amar.
— Posso cumprimentar minha nora? — Ouço minha mãe nos
interromper, por algum tempo esqueci que não estávamos a sós.
— Claro — me afasto para que as duas se abracem, ao mesmo tempo
em que me aproximo da minha própria sogra — obrigado por permitir que eu
ame a sua filha.
— Ela te ama e está feliz, para mim é mais do que suficiente — ela
diz ao me abraçar — que Deus abençoe vocês, meu filho.
— Amém — respondo e sou abraçado pelos moleques — meus
cunhados favoritos — eles riem.
— Eu disse que éramos seus maiores fãs! Agora somos seus maiores
fãs-cunhados — André diz, me fazendo gargalhar.
— Meus parabéns — Laila se aproxima — se eu soubesse que era um
noivado teria trazido presente — ela me abraça, passando os braços pelo meu
pescoço.
— Não precisa se preocupar — respondo, me afastando — sua
presença já foi uma grande surpresa.
Viro-me e vejo Pâmela cumprimentando Olívia.
— Meu amor, essa é a Laila — informo estendendo a mão para minha
noiva, que se aproxima. — Como já conversamos, somos amigos.
— Prazer em conhecê-la, Laila, sua fama te precede.
— O prazer é meu, querida. Bem-vinda a família! E me desculpe pela
cena de ontem, não tinha ninguém em casa e eu sempre nadei nua, então me
perdoe. Não sabia que estavam juntos e nem que você estava aqui.
— Não tem problema, desde que não se repita. Tudo que você não
sabia agora está sabendo. Vamos começar do zero? — Seguro meu riso para
não piorar a situação.
— Vamos. Para começar: parabéns pelo noivado. Seu anel é lindo!
— Arthur, Olívia, vamos fazer algumas fotos oficiais? — Pâmela nos
chama e prontamente nos posicionamos para fotografar.
É quase um ensaio, orquestrado pelos fotógrafos e Pâmela. Fotos de
casal: abraços, sorrisos, beijos. Foto das nossas roupas. Fotos da mão da
Olívia. Fotos do anel. Fotos da família reunida: a dela, com minha mãe e
todos juntos. Fotos da decoração. Fotos, fotos, fotos. Uma infinidade delas
depois, fomos para a sala de jantar.
E a sensação que me invade, a cada segundo, é igual a de marcar um
gol de placa.
Golaço!
casamento!
E le
pediu
O homem pelo qual estou apaixonada me pediu em casamento, tem dia mais
me
em
— Sério, Arthur, para onde vamos? — ela pergunta depois que dirigi
por apenas dez minutos.
— Ainda nem saí de Londres e já está impaciente? — perturbo —
Vamos até a região da Cotswold. Você com certeza já viu algum filme ou
seriado, que se passe na Inglaterra não-Londrina.
— Quanto tempo de viagem?
— Não vamos muito longe, não chega a duas horas de viagem, mas a
região se espalha até por muitos quilômetros, seria maravilhoso se tivéssemos
tempo de percorrer as mais diversas cidades do interior — mantenho o olhar
na pista — você ficou entediada na viagem para Silverstone?
— Para falar a verdade fiquei sim, o seu motorista não fala português.
— Posso saber por que preferiu ir andar de moto a ver meu jogo?
— Eu não preferi, não tive escolha.
— Você se deslocou para tão longe e subiu na garupa da moto
forçadamente? A foto que publicou parecia bem feliz.
— Você está com ciúmes, Arthur? — ela ri.
— Falou a pessoa que não queria que eu tirasse fotos com fãs...
— Aquelas piriguetes não eram fãs, eram Maria Chuteiras — ela
acusa, irritada. — Elas estavam gritando: ME COME ARTHUR! — Olívia
enfatiza gritando com uma voz de deboche.
Gargalho com a imitação.
— Você acha graça de duas mulheres sem noção querendo que você
as coma e se irrita com o fato de eu ter ajudado uma instituição?
— Desculpe — tento não rir — mas você falou muito engraçado.
— Não tem graça quando um monte de gente te sacaneia porque acha
que não entende o que estão falando! — Esbraveja. — Ainda menos quando
querem foder com seu noivo.
— Nossa, Oli, ouvir foder da sua boca me faz ter vontade de parar o
carro e realmente dar um sentido a essa palavra.
Ela não responde.
— Tudo bem, desculpe, não vou me importar com o fato de você ter
se agarrado a outro cara enquanto ele acelerava a porra da moto e você não se
importa com mulheres se atirando em mim, porque a única mulher que eu
quero é você. Você sabe disso, não é?
— Eu também só quero você.
— Ótimo, até porque, se me lembro bem, ontem a noite você disse
que era minha. Cada parte desse corpo gostoso é meu, assim como cada
centímetro do meu pertence a você...
— Falta muito para chegar? Quero tocar tudo que me pertence.
— Cacete, Olívia. Vou ficar duro... Adoro despertar seu lado sexual.
— Você o tirou da hibernação, Arthur, e acho que porque ele passou
tempo demais dormindo, acordou com muita fome.
Sorrio, satisfeito e piso no acelerador louco para chegar em Bourton-
on-the-Water. Assim que adentro a cidade, vejo Olívia retorcer o pescoço,
olhando a cidade pela janela. Como o nome sugere, Bourton fica na água,
com canais cortando as ruas do vilarejo. Dirijo até a casa que aluguei, em
frente ao canal, de onde vemos a ponte sobre o rio Windrush.
— Que lugar lindo, Arthur — Olívia exclama assim que sai do carro.
— Quer dar uma volta? — Pergunto porque noto que ela está
encantada.
— Claro, deixe só eu ir ao banheiro que vamos — sorrio.
Entramos na casa com a chave que eu encontrei no lugar combinado,
(o jarro de plantas ao lado da porta de entrada) e enquanto Olívia vai ao
banheiro, eu procuro e ligo o aquecedor, observo se a dispensa está
abastecida e se tudo está como prometido.
Ela não demora e retorna com o celular em mãos.
— Vamos ignorar o fato de ter bilhões de notificações nas minhas
redes sociais e focar no que pesquisei sobre esse lugar: a cidade é conhecida
como a Veneza dos Cotswolds, porque é rodeada por água. Ela é cheia de
pontes fofas e arvores “choronas”. E algumas ruelas usadas como cenário
para o seriado Downton Abbey.
— Você viu isso tudo enquanto fazia xixi?
— Multitarefas! Vamos dar uma volta, mesmo com o tempo chuvoso,
quero ver tudo e atravessar todas as pontes que tiver.
— Sorte minha que a cidade é pequena, acho que há umas seis ruas...
— Quero andar por todas! — ela exclama animada.
— Vamos almoçar também. Sabia que você ia amar.
— Amar eu amo você, por esse lugar estou deslumbrada!
— Ora, e o que eu preciso fazer para deixar você assim, deslumbrada
por mim?
— Você está quase lá... — ela perturba e quando eu vou beijá-la corre
em direção a porta. — Vamos para o nosso passeio romântico.
Ela chama e eu vou para fazê-la feliz, por mais que eu quisesse
mesmo subir para o quarto, tirar sua roupa e deixa-la tão molhada quanto
aquela cidadezinha.
Acordo com dor de cabeça, graças a Deus tenho o dia inteiro de folga
depois do jogo de ontem. A comemoração da nossa classificação para a
grande final foi a desculpa perfeita para conseguirem me arrastar para aquela
festa. O Souza e os outros jogadores do time preparam uma “despedida de
solteiro” adiantada, usando a comemoração pela final como desculpa. É
engraçado o nível de autoconfiança desse time, planejar festa na certeza da
vitória. Do meio da noite em diante, tenho apenas flashes, pois realmente me
permiti beber com os caras ontem. Estou em êxtase com todos os aspectos da
minha vida e me deixei levar pela felicidade.
Olívia voltou para o Brasil para retomar sua rotina, mas dessa vez,
além de saudade temos a esperança de estarmos juntos novamente muito em
breve. Nosso casamento seria em poucos meses e enfim, nossos dias seriam
completos de presença, abraços e muito sexo. Sexo não, amor. Olívia
ressignificou o ato de unir os corpos através da sua entrega e inocência. E no
momento não consigo enxergar nenhuma outra maneira de ser. Não sou mais
o cara que fode como uma máquina, sou um homem que faz amor. Claro que
há diversas maneiras, seja carinhoso e romântico como foi na casa em que
alugamos no interior; forte e selvagem como foi na manhã do dia em que foi
embora ou até rápido e com roupas, como foi no aeroporto, alguns minutos
antes da sua partida, sob o pretexto de pegar algo no carro... Não importa a
intensidade, é amor quando se compartilha com quem se ama.
E para comemorar esse amor e fechar de uma vez o ciclo do cara que
eu era, comemorei bastante na noite anterior com os meus amigos de time. A
festa foi para poucas pessoas e sem mídia, de qualquer forma eu liguei para a
Olívia assim antes de tomar o primeiro copo.
P ositivo.
O teste de
farmácia atinge o chão e meu corpo desaba logo em seguida. Todos os meus
temores se confirmaram no exato momento em que vi que teste indicou que
eu realmente estava grávida.
Grávida.
GRÁVIDA! Observo o celular sobre a pia do banheiro e o teste no
chão e choro. São dois golpes certeiros na minha cabeça oca, nessa tarde de
sábado. Minha vida íntima espalhada pela internet e a descoberta de um filho
não planejado, tudo de uma vez, o que pode ser pior que isso?
O resultado explica as náuseas matutinas, a sonolência que se estendia
por horas do meu dia, as minhas alterações de humor e principalmente o meu
ciclo menstrual atrasado. Tentei atribuir todos esses sintomas ao estresse na
escola, bem como a faculdade e toda a zona em que minha vida estava
metida. Aliado a isso, havia ainda as fofocas diárias ocasionadas pelo meu
relacionamento com o Arthur. O meu noivado repentino com o craque do
futebol tornou-se o assunto principal nas rodas de fofoca.
Eu abominava toda essa repercussão e evitava ao máximo o uso das
redes sociais. O que não impedia que postássemos fotos juntos, trocássemos
mensagens apaixonadas, afinal éramos apenas mais um casal apaixonado
externando seu amor. Ao menos deveríamos ser... Mas, como meu namorado
era uma figura pública, a nossa vida era acompanhada feito uma partida de
futebol. Com direito a torcida organizada, intitulada Olar, o péssimo
resultado do nosso romance shippado, na qual milhares de pessoas torciam e
brindavam o nosso romance. Mas havia também os adversários, aqueles que
debochavam, e questionava o nosso amor.
E para esses últimos eu não amava na mesma medida que o Arthur.
Afinal, era mais fácil amar um homem lindo e milionário do que uma pobre
coitada, não é? E eu os alimentei quando respondi o primeiro comentário
maldoso, desse dia em diante, eles perceberam que as críticas me atingiam e
elas aumentaram numa proporção gigantesca. Precisei ceder aos apelos de
Arthur e deixei que Pâmela, gerenciasse as minhas redes sociais. Pois, era
uma batalha perdida lutar contra a opinião alheia e desgastante para a sua
imagem, afinal eu era chamada de noivinha arisca. Ela filtrava e apagava os
comentários ofensivos, já que era salutar para a nossa relação que eu não me
envolvesse em polêmicas.
A maioria das notícias apontava e tentava solucionar onda de
questionamentos sobre o noivado surpresa. As manchetes sensacionalistas
destacavam nossa relação e relatavam em tom especulativo qual era o real
motivo do nosso noivado... Na concepção deles, o amor não era uma
possibilidade para tanto, era mais fácil inventarem mil teorias vendáveis.
Mesmo sob o gerenciamento da assessora do Arthur, não contive o
ímpeto ao ler a notícia publicada hoje pela manhã, em um famoso blog de
fofoca. Nela, me apontavam como a jovem de aparência angelical que
seduziu o craque do futebol e agora usava da virgindade como o trunfo para o
casamento. Eu me sentia pisando em brasas, meu corpo começava a arder, a
cada palavra lida, a sensação era que ao fim do texto eu estaria em chamas.
VIRGEM! DESCOBRIMOS O REAL MOTIVO PARA O
NOIVADO REPENTINO DO BADALADO JOGADOR DE FUTEBOL
ARTHUR SILVA
Prepara a pipoca, pois a notícia é quente!
Há um tempo estamos tentando montar o quebra-cabeças do curioso
caso de amor envolvendo o jogador de futebol Arthur Silva e a sua
namorada, a universitária Olívia Santos. Amigos mais próximos garantem
que a relação não era bem vista pelos olhos da mãe do jogador.
O motivo?
A ausência de pedigree da garota. Olívia nasceu e cresceu no
subúrbio carioca. Até aqui, encontramos pontos de semelhança com o
jogador e sua família. A diferença é que a ascensão social do mesmo o
arrancou das raízes suburbanas ao contrário da sua namorada. A família da
mesma é simples e sobrevive com o salário de professora auxiliar da Olívia e
os proventos da sua mãe que atualmente dedica-se a confecção de roupas no
seu pequeno ateliê e às vezes, para complementar a renda, atua como
diarista. Além do irmão da garota, que é professor. Ou seja, a menos que
eles ganhem na mega da virada, a chance de ascensão social é mínima.
Todavia, por que depender da sorte para enriquecer quando o
casamento é o caminho mais rápido? Na recente história do nosso país, já
presenciamos diversos enlaces que proporcionaram tal ascensão. É rápido,
benéfico e uma opção certeira para amarrar o companheiro. Se você
agregar um filho a esse enlace então? A vida dessa mulher está garantida
pelo resto da vida.
Por isso, não ficaríamos surpresos se dentro de alguns meses o
jogador anunciasse que seria pai. Entretanto, isso parece cada dia mais
longe, ou parecia, é bem verdade. Visto que a última nota publicada pela sua
assessoria confirma o noivado. As especulações que tivesse um baby a
caminho caíram por terra, quando a nossa equipe recebeu uma ligação
informando que a Olívia Santos é virgem!
Pasmem, leitores! Virgem! O que nos fez questionar essa informação,
afinal que tipo de mulher é virgem nos dias atuais? Que mulher mantém um
relacionamento amoroso com um dos homens mais belos do nosso país sem
que o sexo seja a força motriz? Talvez uma mulher esperta o suficiente para
garantir o casamento, contrariando todas as expectativas.
Pois, bem Olivia Santos é essa mulher. A mulher com rosto angelical
que caiu nas graças do máquina mortífera, mesmo sem nunca ter
frequentado a sua cama. Checamos a informação com familiares e antigos
parceiros e todos confirmaram que a notícia é verídica. Olívia Santos é
religiosa e acredita nos preceitos aprendidos na Igreja onde o sexo deve ser
apenas consumado após o casamento.
Arthur está disposto a pagar esse preço e, segundo as nossas fontes, a
cerimônia de casamento está prevista para o fim do campeonato inglês. Se o
casamento vai ser duradouro ou não, só o tempo dirá. Mas que a moça é
esperta, ela é!
Meus olhos ardem, na minha luta para não me desfazer em lágrimas.
Cada palavra ali escrita me atinge feito flechas direto no meu coração.
Rodando feitos abutres em torno da caça, eles expuseram a minha vida íntima
e transforaram algo particular em um grande circo midiático. A minha
integridade estava sendo questionada e atacada. E as suas fontes? Meus ex-
namorados foram desenterrados para confirmar a notícia. As minhas amigas...
Será que elas também alimentaram esse texto? Não sei mais em quem
confiar...
Meus dedos batem freneticamente contra o teclado enquanto redijo a
resposta:
Sim, a moça é muito esperta. Esperta o suficiente, para saber que
calúnia e difamação são crimes previstos pela nossa legislação. Quanto aos
seus questionamentos, eu poderia me posicionar sobre essa notícia de
diversas formas. Como mulher suburbana, muito bem elencada por você, eu
te diria que com quem eu fodo ou deixo de foder não diz respeito a você, caro
jornalista, a menos que você seja o meu eventual parceiro, o que realmente
não é o caso. Como noiva de um dos homens mais belos do Brasil, aqui eu
concordo com você, sim, meu noivo é além de um bom companheiro, filho,
amigo um dos homens mais lindos que eu já vi na minha vida. Nesse posto eu
posso assegurar que o amor que nutrimos um pelo outro é a única força
motriz que precisamos para estar juntos. E se você ainda duvida das minhas
palavras. Desejo que um dia alguém entre na sua vida e faça você questionar
as suas convicções e certezas, que esse alguém faça você se sentir único e
amado e que no dia que você se dar conta desse amor, que você lembre das
suas palavras e reavalie as suas expressões.
Clico em enviar e desligo o aparelho logo em seguida. Eu sabia que
havia tentado apagar fogo com gasolina e o resultado disso seria uma chama
tão grande que eu não era capaz de enfrentar nesse momento. Não quando o
mundo parece desmoronar ao meu redor.
Ergo-me com dificuldade do chão do banheiro e livro-me das roupas
enquanto caminho para o chuveiro. Quando as primeiras gotas de água
atingem a minha face deixo as lágrimas se juntarem a elas. Choro pela
descoberta da gravidez e suas consequências. Eu já estava sentindo na pele o
efeito da mídia desde o começo e se com apenas a especulação da minha
virgindade eles me atacaram dessa forma, imagina quando a gravidez for
anunciada. Já podia imaginar as manchetes e o tom maldoso e depreciativo
que estariam presentes em cada palavra do longo texto, questionando a minha
idoneidade e o meu amor.
Será que Arthur acreditaria na versão deles e me veria como alguém
que tentou dar o golpe da barriga? Eu deixaria de ser Olívia e me tornaria
apenas a mãe do filho do Arthur? E minha mãe como ela reagiria com a
notícia?
A minha cabeça é um turbilhão de pensamentos e é perdida neles que
adormeço, horas depois, na minha cama.
consiga contê-lo.
Numa semana estou recebendo felicitações pelo o meu noivado e
semanas depois estou sendo bombardeado pela notícia que serei pai. Se essa
paternidade estivesse sendo atrelada a minha noiva eu estaria soltando fogos
de artificio. Tudo que eu mais queria era constituir família com a Olívia, ver
nossas cópias correndo pela sala de estar, levá-los ao estádio, me fantasiar de
Papai Noel no Natal apenas para ver o sorriso de felicidade na cara dos
nossos filhos. Sim, com Olívia eu quero ter uma escolinha de futebol. Sempre
lamentei por não ter irmãos, invejava meus amigos por ter uma família
numerosa. Eu jamais fugiria da paternidade, não se realmente eu fosse o pai
da criança em questão.
O pior de tudo é que acho que as acusações de Laila não são
completamente infundadas. A minha despedida de solteiro é um borrão na
minha mente, recordo dos meus amigos, das múltiplas doses de tequila, das
dançarinas da boate, da Laila surgindo em determinado momento e de mais
nada. Acordei no dia seguinte pelado em minha cama e com uma puta
ressaca. Não havia quaisquer resquícios que Laila ou qualquer outra mulher
esteve no meu quarto naquela noite. Apenas a dor de cabeça numa potência
hard e uma indisposição matutina, sintomas normais de uma ressaca.
Por isso, joguei a informação para escanteio. A última vez que uma
mulher esteve na minha cama foi muito antes da Olívia aparecer em minha
vida. Não havia tido nenhuma mulher na minha vida após ela. E eu estava
muito bem com isso.
Ainda não sei o que levou Laila a jogar a informação na imprensa
antes de conversar comigo. Se passamos realmente a noite juntos, nessa
maldita despedida de solteiro, ela deveria ter me procurado, e não jogado a
bomba sem que eu tivesse chance de desarmar. Sempre tivemos uma boa
relação, ela conhece a minha família e a minha integridade, eu jamais iria
fugir das minhas responsabilidades, ainda que isso significasse magoar a
Olívia.
Não fazia sentido ela me acusar de algo que posso contestar
facilmente com um exame de DNA. De qualquer forma, Pâmela estava à
frente da situação tentando encontrar a Laila, para solucionar o quantos antes
esse imbróglio. Mas, misteriosamente ela sumiu do mapa, entretanto ela não
iria fugir para sempre. Por ora, toda a minha preocupação está com a
Olívia, era óbvio que ela iria se sentir traída com toda a exposição da mídia.
Que as outras pessoas duvidassem do meu caráter, ok. Mas, não a Olívia.
Não, quando eu havia dado provas o suficiente do meu amor.
Caminhei até o bar e me servi de uma dose de Whisky, mesmo
sabendo que não devia, bebida tornaria o dia mais fácil.
— Finalmente! — Deixo escapar quando Olívia atende a minha
ligação — Passei horas tentando falar com você, onde esteve?
— Trabalhando. — O tom da sua voz é frio.
— Como você está, amor?
— Como você acha que estou, Arthur? — ela devolve a pergunta com
pesar.
— Eu imagino o quanto deve estar sendo difícil... Daqui a pouco
surge outro escândalo e eles esquecerão...
— É assim? — Sorri amargamente — Uma mulher informa que você
será pai e você torce para que um novo escândalo encoberte a notícia?
— A forma que você fala me faz parecer um canalha! — Rosno e ela
permanece em silêncio — Olívia, você não acreditou nas notícias.
— Como não acreditar? Eu vi aquela mulher surgir nua na sua casa,
observei os funcionários tratá-la com tamanha naturalidade que parecia que
ela era a dona da casa. E coincidentemente ela aparece grávida após ficar
hospedada na sua casa. Não subestime a minha inteligência!
— Como você pode duvidar do meu amor?
— Como você quer que eu acredite no seu amor quando uma mulher
grita a quatros quantos que você é o pai e tudo que você faz é publicar uma
nota através da assessoria que o assunto será resolvido em sigilo. Quanto
você pretende pagar pelo silêncio dela?
— Mas, que porra! — Atinjo o copo contra a parede — Olívia você
tem noção do que acabou de dizer? Eu não sou esse tipo de homem! Se
preferi resolver o assunto longe da imprensa foi para não trazer maiores
sofrimentos.
— Claro, a sua imagem como atleta deve ser preservada. Tenho
certeza que a pressão popular chegaria até as marcas patrocinadoras.
— Foda-se as marcas! — Esbravejo — Tudo que estou fazendo é
impedir que um assunto pessoal vire um grande circo.
— Arthur ponha-se no meu lugar, você em nenhum momento negou a
paternidade.
— Confia em mim, amor. Eu mereço um voto de confiança.
— Estou tentando, Arthur. Preciso desligar, amanhã tenho aula no
primeiro horário.
— Boa aula, te amo!
— Eu também. — Emite num pesar e encerra a ligação sem a
tradicional resposta: Não mais que eu!
Você não faz ideia de como eu me senti quando ela apareceu na tela
do meu celular e ao contrário do seu habitual sorriso, havia um rosto triste, as
olheiras indicavam que assim como a minha, a sua noite anterior foi
conturbada. Eu queria poder atravessar a tela do celular para abraçá-la,
dirimir todas as suas angústias com os meus beijos, adorar o seu corpo até
que o seu único pensamento seja o nosso amor. Queria poder tocar o foda-se
e fugir. Fugir das minhas obrigações com o clube, viver o nosso amor longe
de todos. Apenas ela e eu.
Pela primeira vez na minha vida cogito em dar uma pausa na minha
carreira. Seguir os exemplos dos astros excêntricos de Hollywood e se
esconder da mídia. Comprar uma casa em um lugar afastado, no litoral do
Nordeste, viver uma vida sossegada, sem o estresse das grandes cidades,
longe da mídia, desacelerar e apenas viver ao lado de Olívia. A ideia me
anima e me pego pesquisando no Google algumas opções.
Talvez não seja possível viver com todos os privilégios que tenho
hoje. Mas, eu havia ganho dinheiro o suficiente para viver uma boa vida,
tinha meus investimentos e tenho certeza que Olívia não se incomodaria em
viver uma vida mais simples. Poderíamos dar vida ao seu projeto de educação
popular. Um espaço voltado para alfabetização de adultos, eu teria mais
tempo para me dedicar a minha ONG. Ampliar o número de crianças
assistidas e auxiliar minha mãe na administração. Falar com Olívia torna o
meu dia mais leve e adormeço horas depois com a mente fervilhando de
ideias.
A caminho do centro de treinamento uma canção martela na minha
cabeça, ela apareceu na minha Playlist aleatória durante o banho e me pego
cantarolando novamente a canção.
Quando paro no semáforo vermelho, pego o celular e gravo um vídeo
de curta duração para o Instagram. Junto-me a voz da banda e canto a plenos
pulmões o refrão:
1- Deve ser uma foto antiga da época que erámos amigos de foda.
2- Talvez não seja eu na foto, mas sim um homem parecido.
3- Laila não vazaria uma foto íntima minha.
4- Olívia não acreditaria em mais um maldito capítulo dessa
história ou acreditaria?
— Arthur, você ainda está aí? — Escuto Pâmela falar, mas não reajo.
— Ele não responde... — Ela fala para alguém do outro lado da linha. —
Arthur, é o Juan! — A voz do meu amigo parece me despertar.
— A foto! Me envia a porra da foto! — Coloco o carro em
movimento e paro no primeiro acostamento.
— Você ainda está no trânsito? Me manda a sua localização.
— Eu quero ver a porra da foto! — Exijo.
— Respira fundo, cara. — Segundos depois a notificação indica a
chegada de uma mensagem, bato no painel do carro com força, meus punhos
doem com o gesto, não consigo conter a raiva, célula por célula do meu corpo
arde tamanha a fúria que sinto.
Na tela aparece Laila sorri amplamente sentada no meu colo, os meus
braços estão ao redor da sua cintura, já havíamos tirado fotos assim, mas não
nessa ocasião. Não quando as mãos que enlaçavam a sua cintura exibiam um
anel de noivado.
— Arthur, fala comigo.
— Tem outras fotos? — Indago. Pelo seu ponderar, decido eu mesmo
ir em busca de mais informações. O feed de notícias e marcações que ignorei
mais cedo no Instagram leva-me a minha resposta. Há mais duas fotos: Laila
e eu dançando colados e outra nossa se beijando.
Sinto todo o peso do mundo nas minhas costas. As fotos são da minha
despedida de solteiro, ainda que o borrão na minha mente não indique nada,
as imagens insinuam, na melhor das hipóteses, ou comprovam que algo rolou
entre nós naquela noite. Fecho os olhos e forço a minha mente a lembrar de
algum detalhe, o mínimo que seja. Mas, tudo que vejo são flashes dos meus
amigos sorrindo, Laila me puxando para dançar, eu tentando esquivar e nada
mais...
— Deixa que eu falo — Pâmela assume a conversa — Fica tranquilo,
estou a frente do assunto. Já acionei os advogados e eles estão trabalhando....
Desligo a ligação e disco para Olívia, o número não chega a chamar
cai direto na caixa postal. Tento mais uma vez e o som do correio eletrônico
dá lugar a sua voz.
— Amor, assim que ouvir essa mensagem me liga... — Hesito, o quer
dizer a mulher que você ama diante desses fatos? Não consigo concluir o
raciocínio — Por favor, me retorna! Te amo, nunca duvide disso!
De noiva-virgem a noiva-virgem-corna-adúltera.
Esse é o meu novo título na internet.
Uma ascensão, segundo o comentário na minha última foto que
chegou a marca inacreditável de cinco mil curtidas. Cinco mil pessoas que
concordam com o título. A cada vez que o feed atualizava o número de
comentários crescia, a maioria deles ofensivos e grotescos.
A internet tornou-se terra sem lei ou pelo menos é isso que as pessoas
preferem acreditar. Elas escondem-se atrás de uma tela e despejam ódio e
acusações. Debatem e opinam sobre assuntos que elas desconhecem. Prova
disso é o número de notícias falsas, as chamadas Fake News, que invadem as
nossas telas segundo após segundo, as pessoas não se preocupam em checar
os fatos. Apenas querem compartilhar a notícia.
Sabe os comentários maldosos que a tia amargurada solta no almoço
em família? Pois bem, eles agora reverberam nas redes sociais. As pessoas
despejam preconceitos transvestidos de opiniões.
Clique após clique, vou tendo a real dimensão dos fatos. Assim que
cheguei em casa a primeira coisa que fiz foi ir em busca do meu celular,
encontrei o mesmo descarregado em cima da cama. Ligo meu notebook e
acesso o Instagram Web. As marcações no meu perfil me levaram a diversos
sites que me ajudaram a compor o quebra cabeça.
Um arrepio percorre o meu corpo quando constato que estive sendo
vigiada nos últimos dias. Toda a minha conversa com o pai da Laurinha foi
registrada. Há registros nosso na porta da escola, na padaria, entrando no táxi
até a foto dele se despedindo de mim na porta da minha casa. A sequência de
imagens insinua uma intimidade entre nós. Nossos sorrisos, o momento que
toco as suas mãos, ele abrindo a porta do táxi para mim, tudo foi fotografado
sobre diversos ângulos. As imagens associadas ao texto acusativo,
corroboram para que as pessoas acreditem no que veem, e para elas eu sou
uma filha da puta desprezível. Uma golpista que conseguiu prender o jogador
de futebol através do artifício da virgindade e que mantinha um
relacionamento extraconjugal com um homem casado.
Sou bombardeada por comentários e mensagens no direct. Todas elas
evidenciam o ódio das pessoas. A empatia existente quando eu era a noiva
corna desapareceu por completo agora que eu sou a adúltera. Os ataques não
são apenas verbais, há alguns que informam que se me encontrassem na rua
me agrediria, para eu aprender a respeitar homem casado.
As palavras parecem atravessar a tela, meus pensamentos são
nebulosos, não consigo processar toda a enxurrada de xingamentos e
acusações. Sintomatizo acusações, estou acuada diante delas, as minhas mãos
estão geladas, meu coração bate descompassadamente e minha respiração
ofegante atestam o meu estado de choque.
Abro uma nova aba na tentativa vã de me distanciar das acusações. Eu
não posso deixar que toda essa carga tóxica me domine. Abro minha bolsa e
retiro o papel do laboratório, nele contém um site e uma senha para ter acesso
ao resultado do exame. Sou um misto de sensações, o meu lado emocional
torce para que o resultado dê positivo, um filho me traria forças para
enfrentar toda essa situação, seria a minha motivação para não me abater.
Enquanto a razão, essa insiste em recordar que uma criança não serviria de
escudo para me proteger dos xingamentos, a chegada de um filho não faria
que meus problemas desaparecem, pelo contrário eles irão se amplificar.
Aperto enter e aguardo. A página carrega e solto a respiração quando
o resultado aparece na tela: Positivo. Não restava dúvidas. Um filho do
Arthur estava sendo gerado dentro de mim. Um pedacinho do nosso amor.
Eu precisava compartilhar com ele o quanto antes, dividir essa
notícia, uma boa nova em meio a tanta coisa ruim. Ligo o celular e espero ele
iniciar as funções, não queria perder mais um minuto. Iria compartilhar com o
Arthur. Disco o seu número, mas ele não atende, tento novamente e cai na
caixa postal.
Abro o WhatsApp e há diversas mensagens não lidas. A mais recente
é de um número desconhecido, a curiosidade fala mais alto, e é nela que eu
clico primeiro. No perfil sem foto, há apenas um link como mensagem.
Pondero alguns segundos com medo que seja vírus, mas sou vencida pela
mosquinha da curiosidade.
Um site em inglês surge, estou prestes a fechar quando as imagens
carregam. São fotos do Arthur e da Laila. Não, são mais que fotos! São
registros da traição. Arthur jurou que tudo não passara de um boato. E agora?
Agora que as imagens comprovavam os dois juntos! Ela sentada no seu colo,
a mão ao redor da cintura dela, as bocas coladas... Será que ele ia continuar
negando ou ia dizer a típica mentira masculina que foi comandado pela
cabeça de baixo?
Clico na opção do navegador para traduzir e as palavras passam a
fazer sentido, a minha surpresa se transforma em ira à medida que avanço na
leitura, a notícia debocha da minha ingenuidade e confirma o que tanto temia.
Arthur, fez juz ao seu apelido. Nosso noivado não foi o suficiente para que
ele tirasse seu time de campo, pelo contrário, ele aproveitou a defesa
desarmada e adiantou a marcação, e nos acréscimos marcou o gol. E fez
questão de dividir com o mundo o seu feito. Foda-se que eu estivesse na
arquibancada assistindo.
Que ódio!
Cerro os meus punhos para não extravasar a minha ira no celular. Não
posso me dar ao luxo de jogá-lo contra a parede! Disco novamente para o seu
número e a mensagem da secretária eletrônica dá lugar a sua voz. Tento a
Pâmela, mas ela também não me atende!
Não sei o que pensar. Talvez Arthur estivesse a caminho do Brasil,
na nossa última conversa ele mencionou que estaríamos juntos em breve,
talvez ele decidiu fazer uma surpresa. Todavia, isso não apaga que ele mentiu
esse tempo todo. Mentiu quando disse que não sabia da despedida, mentiu
quando alegou que eram apenas amigos comemorando, mentiu quando olhou
nos meus olhos e pediu que eu confiasse no seu amor. O que ele mais
mentiu? Será que ele realmente não era o pai do filho da Laila?
Não posso ficar aqui sentada e esperar. Necessito de notícias suas.
Preciso tentar entender tudo que está acontecendo. Imprimo o resultado do
exame e sigo atrás de alguém que pode me ajudar.
Pâmela, não mentiu quando informou que toda experiência era válida,
ela estava serena e sorridente na sala de espera. Eu era uma pilha de nervos,
assim que chegamos fomos bombardeados pelos repórteres, todos queriam
uma palavra minha. Por decisão dela, seguimos em silêncio para dentro do
prédio moderno onde aconteceria a audiência.
A tensão do ambiente aumentou quando Aston, a vítima, surgiu
acompanhado dos seus advogados. Os seguranças se entreolharam, numa
comunicação muda, indicando que estavam prontos para apartar uma
eventual briga. O zagueiro nos cumprimentou com um aceno de cabeça
apenas.
O homem estava destruído e fazia questão de aparentar. Nada de
óculos escuros para esconder as marcas. O advogado do clube havia nos
alertado que eles irão apelar para o visual. Aston fez questão de mostrar o
dia-a-dia da sua recuperação, o osso nasal havia fraturado, foi preciso cirurgia
para fixar. Devido ao pós-operatório recente, ele exibia mancha roxas ao
redor dos olhos, e o nariz estava fixado por uma tala. Eu já havia visto as
imagens, mas nada é como ver pessoalmente, a sensação de que fui um
imbecil apenas se intensificou com a sua presença.
Com a pontualidade britânica a audiência começa, apenas as partes
envolvidas no processo têm acesso ao julgamento que procede em portas
fechadas. Primeiro, a equipe de árbitros que apitou a partida é ouvida, é lido
mais uma vez a súmula do jogo, depois é a vez da acusação, os advogados do
Aston falam por ele, a cada minuto dentro dessa sala eu sinto o meu mundo
ruir. Um a um eles apresentam de forma fidedigna o que aconteceu, e isso é
foda! Queria poder rebater cada argumento, mas não posso. Agi como um
cara desequilibrado e o meu descontrole afastou o Aston das suas atividades.
Chega a vez da defesa. O advogado do clube segue a mesma linha dos
anúncios oficiais do Chelsea, informa que as medidas já estão sendo tomadas
para que isso não volte a se repetir. As medidas as quais ele se refere são o
desconto da multa ocasionada pela minha expulsão, o comitê disciplina da
Associação de Futebol Inglesa prevê em seu regulamento um sistema
automático de punições, que consiste na multa ou pena, ou ainda, multa e
pena. Ao cartão vermelho direto é aplicado o segundo caso, e a quantia será
debitada do meu próximo salário, por determinação do clube.
Por fim, o advogado reafirma que a minha intenção nunca foi agredir
alguém e ressalta o meu histórico de jogador como prova viva. A nossa
defesa encerra a suas delegações finais lendo a carta de desculpa criada por
Pâmela. Ainda que as palavras naquele papel sejam honestas, elas não
transmitem as reais desculpas. Estou assistindo um espetáculo protagonizado
e roteirizado por mim, onde nada pode ser feito, apenas seguir o script, talvez
ao fim do primeiro ato eu consiga improvisar, mudar algumas partes do
roteiro e alterar ao final
— Diante de todos os fatos apresentados nessa tarde, a Justiça
Desportiva Inglesa declara que o Chelsea deverá ressarcir todos os gastos
decorrentes a agressão sofrida pelo atleta Aston Becker. — O advogado
emite um fraco sorriso indicando que está tudo dentro do previsto — Ao
jogador Arthur Silva, a corte chegou ao seguinte consenso: Por quatro votos a
um determinamos o afastamento do atleta pelo período de quatro meses. A
punição aplica-se a toda e qualquer partida oficial de futebol,
independentemente da liga ou país.
Você já sonhou que estava caindo? E nesse sonho você apenas sente o
seu corpo despencar em queda livre e cada vez mais o chão aprece distante?
É exatamente assim que eu me sinto, em queda livre assistindo o meu tombo.
— A punição visa disciplinar e combater com veemência quaisquer
atitudes antiesportivas. Declaramos encerradas o fim do julgamento.
— Vamos recorrer! — O advogado informa, mas não respondo.
Levanto apressado e saio daquela sala.
Quatro meses longe do futebol.
Quatros meses distante da única coisa que eu sei fazer na vida.
A sensação de desespero amplia-se a cada segundo. O que eu ia fazer
durante esses meses? No que essa punição me transformaria?
Os adversários haviam descoberto o meu ponto fraco. ...
— Arthur — Pâmela chama quando passo por ela no corredor. —
Arthur, estou falando com você. — Escuto seus passos atrás de mim, mas não
paro. Continuo a caminhar firme em direção a saída. Preciso respirar, preciso
fugir dessa sensação.
Assim que a porta automática se abre, os flashes disparam em minha
direção. Eles me cercavam feito abutres, ainda que não oficialmente, eles já
sabiam a decisão.
— O que você tem a dizer sobre a maior punição aplicada pelo comitê
inglês?
— Pretende recorrer a federação europeia?
— Como você avalia o seu descontrole? Será sempre assim quando
alguém se referi a Olívia Silva?
— Como a Olívia reagiu diante do seu ataque em nome da honra
dela? Vocês ainda mantêm contato?
— Arthur, quem você acha que ocupará a camisa 10 na sua ausência?
As perguntas me chicoteiam. Eles continuam a questionar, todos
falando ao mesmo tempo enquanto eu forço a minha passagem, empurrando
alguns jornalistas mais insistentes, chego ao último degrau da grande
escadaria com eles me seguindo.
O motorista surge no minuto adequado, entro no carro e fecho a porta
rapidamente, as câmeras não param de disparar. Os flashes são incessantes.
— Vamos! — Ordeno e o motorista acelera, deixando para trás uma
corja de abutres e Pâmela entre eles.
U
Três meses se passaram e com eles muitas coisas ficaram para trás.
m
trimestre!
P arabéns! — Abro os
olhos e encontro os
homens da minha vida. Manoel, meu filho, segura um cartão com rabiscos e
desenhos, Renato traz nas mãos um buquê de rosas vermelhas.
— Bom dia — Respondo animada e sou abraçada forte pelo meu
filho.
— Parabéns mamãe! — Meu filhote entrega o cartão — Papai, que
me ajudou a colorir!
— Que lindo!
Há um desenho da nossa família: Renato, eu, Laurinha e ele.
Circulando todos nós um coração enorme. No canto da página na sua letra em
forma de lindos garranchos, está escrito “Mamãe, eu te amo!”
— Eu não poderia receber um melhor presente! — Emito o que meu
coração afirma.
Ele sorri satisfeito e olha para Renato com afeto.
— Feliz ano novo, meu amor! — Ele beija meus lábios.
Depois daquele aniversário, passamos a ver a data como um ano novo
pessoal, a mudança de data do calendário servindo para ressignificar as coisas
ao meu redor, deixar para trás mágoas e erros. Reiniciar a vida! Esse virou o
nosso feliz aniversário, há cinco anos seguimos comemorando meu novo
ciclo juntos.
— Papai, não esperou por mim? — Laurinha, repreende o pai.
— Você demorou muito escolhendo uma roupa.
— Ele não entende o nosso mundo — Sorrio, cúmplice, para ela.
— Feliz aniversário, mãedrasta. — Ela se aproxima e me abraça. —
Isso é para você — entrega-me o presente em uma bolsa de uma marca de
joias.
— Não precisava, obrigada meu amor!
— Mamãe, me ajudou a escolher.
— Medo! — Renato diz.
— Tenho certeza que gostarei — Sorrio.
Renato encara-me por alguns minutos e sinto a expectativa crescer
dentro de mim, a mãe da Laura tinha um humor peculiar, a última vez ela me
presenteou foi com uma caixa de camisinha. O que provocou uma crise riso
em nós, Renato brincou que era a primeira vez que ela acertava um presente,
até hoje rimos lembrando da situação, mas as crianças não compreenderam o
motivo do riso e tivemos que responder uma enxurrada de perguntas
desencadeadas pela explicação do presente, o que tornou embaraçosa a tarefa
de explicar a uma criança de cinco e a outro de dez que, por mais que os pais
se amassem, não tínhamos planos de ter um bebê, um irmãozinho estava num
plano distante.
Abro a caixa de presente e encontro uma gargantilha em forma de
coleira. A tira de couro preta é decorada por letras douradas formando o
nome Renato. O presente da ex-mulher do meu marido é uma coleira com o
seu nome. Uma forma bem-humorada de acusar a atual do seu marido de
fisgá-lo. Ana Laura, atualmente, também mora no Rio de Janeiro e visita a
filha aos fins de semana, nossa relação é respeitosa, ela está em outro
relacionamento e Renato e eu seguimos cada dia mais felizes.
— Gostou? — Laura encara-me em expectativa.
— Amei! — Minto.
— Sério, amor? — Renato indaga sorrindo — Deixe-me colocar
então, você ficará lindo usando.
— Não. — Ele arqueia a sobrancelha — Prefiro usar em uma ocasião
especial.
— O restaurante é especial, não é papai? — Manoel pergunta.
— Boa, campeão! — Ele bagunça os fios do cabelo do filho que sorri
— o jantar de aniversário é o ideal.
— Eu não disse tão especial assim...
— Falando em especial podemos tomar café? Estou com fome.
— Vamos, vou descer para preparar o café.
— Papai já preparou! — Manoel responde.
— Eu vou chegar primeiro! — Laurinha inicia uma disputa de quem
chegará primeiro a cozinha.
— Dessa vez, serei eu! — Manoel respondeu e ao grito do numeral
“três”, do Renato, eles seguem correndo.
— Quer dizer que você preparou o café da manhã? — Arqueio a
sobrancelha. As habilidades do Renato eram outras, ele era uma negação na
cozinha.
— Sim — ele puxa meu corpo para si, suas mãos seguem para minha
bunda — a padaria do bairro tem o serviço de delivery, você sabia amor? —
Ele completa beijando meu pescoço.
— Esse é o seu conceito de preparar café da manhã? — emito num
sussurro quando seus beijos molhados seguem em direção ao meu colo.
— Não — sua voz é rouca — O meu conceito de café da manhã é
amar você lentamente, saborear seu sabor...
— As crianças podem voltar a qualquer momento...
— Elas não farão isso. Não quando lá embaixo tem brigadeiro,
coxinha, rissole e torta de chocolate. — Ele desliza a alça da minha camisola,
repete o gesto com a outra e a peça choca-se ao chão, deixando-me apenas
com a calcinha de renda, seu corpo grande protege a minha nudez.
— Você pensou em tudo — Sorri — Mas, eu apostaria que temos
cinco minutos no máximo, daqui a pouco aqueles dois começam a implicar
um com o outro e seguiremos nosso café da manhã habitual.
— Então acho melhor não perdemos um único segundo.
Renato ergue as minhas pernas e as coloca em volta da sua cintura.
Segue até a porta do nosso quarto comigo em seu colo e tranca. Nossas bocas
se encontram num beijo molhado e estalado, uso as mãos para livrá-lo da
camisa, suas mãos puxam a samba canção liberando seu pau, a peça enrosca
nas suas pernas e sorrimos ainda com as bocas coladas, Renato usa os pés
para livrar-se por completo. Parecemos dois adolescentes esperando o
momento a sós para dar vazão ao sentimento.
Entretanto, quando nossos corpos se unem, esquecemos o tempo e o
mundo ao redor, naquele momento nossa conexão nos transporta para um
lugar distante. A cada vez que ele arremete dentro de mim, eu o recebo por
completo. A nossa troca não é apenas de saliva e suor, é muito mais. A nossa
relação é pautada na confiança, companheirismo, lealdade e amor. Um amor
construído ao longo dos anos, um amor que se estendia aos nossos filhos...
Renato deu a Manoel não somente o afeto do pai, ele deu seu
sobrenome e o adotou como filho. Ele jamais fez distinção entre ele e sua
filha biológica, eles eram criados da mesma forma, estudavam na mesma
escola, tinham a mesma vida, antes de ser pai no registro ele já era o pai do
coração.
O nome na certidão de nascimento apenas formalizou o sentimento.
Somente por amar o meu filho dessa forma, Renato já teria um enorme
espaço na minha história, mas ele era ainda mais. Foi o meu incentivador
para voltar a faculdade, cuidou das crianças enquanto eu estudava, me apoiou
quando decidi voltar a trabalhar, esteve ao meu lado na prova para tirar a
CNH e muito mais.
Ao seu lado desabrochei como mulher e fui atrás dos meus sonhos.
Claro que ele tem defeitos, muitos até, posso enumerar diversos, mas as suas
qualidades pesam a balança ao seu favor.
Você é o meu melhor presente!
Penso antes de ser arrematada pelo prazer.
— Não. — Respondo.
Meus pensamentos estão mais uma vez em Olívia e no Manoel, havia
uma possibilidade do menino ser meu filho. Um filho que demorei cinco anos
para saber da sua existência.
— Estamos falando sobre a festa de aniversário dos seus afilhados.
— Eles querem uma pool party, esse ano. — Juan informa.
— Estou tentando o contato com o DJ Teen, mas ele está com a
agenda lotada...
— Legal.
— Legal? — Pâmela arqueia a sobrancelha — O que está
acontecendo? Você mal tocou na comida?
— A Olívia — Ela assente em silêncio — Tudo indica que temos um
filho.
— Um filho? — Ela pergunta surpresa.
— Sim.
— Você tem certeza? Quer dizer... Vocês ficaram muitos anos
separados, todavia não acho que Olívia omitiria essa informação.
— Por que não? — Juan questiona.
— Nós a conhecemos! — Pâmela defende — Ela não iria optar por
criar uma criança sem o conhecimento do pai. Ela é totalmente família.
— A menos que ela tenha encontrado um novo pai... — Meu amigo
verbaliza o meu pensamento.
— Porque tenho a impressão que perdi o capítulo anterior dessa
história? — Eu havia dividido com apenas ela sobre o meu reencontro com a
Olívia no restaurante. Os últimos acontecimentos ainda estão sendo
digeridos, compartilhei somente com Juan, e meu amigo não informou a sua
esposa, conforme o combinado. Pâmela, fora a única que defendeu a Olívia
na época, segundo ela Olívia merecia o benefício da dúvida. Os anos
passaram e ela foi obrigada a concordar com as manchetes.
— Sabe o evento na escolinha de futebol? Então, o filho da Olívia
estava lá e me aproximei dele, perguntei a sua idade. Ele tem cinco anos Pâm,
cinco anos! Exatamente o tempo que Olívia saiu da minha vida sem dizer
adeus.... Eu não quero criar esperanças, mas esse menino pode ser meu filho.
— Entendo... O que você pretende fazer?
— Exigir o exame de DNA! — Juan responde por mim.
— Você esquece que tem uma criança do outro lado? — Pâmela
reage irritada — Levar um caso desses a justiça apenas atrairá a mídia, o
melhor a se fazer é buscar resolver a base do diálogo.
— E o que faço Pâm? Espero mais cinco anos até que ela decida
revelar a verdade?
— O Arthur tem razão, dar tempo ao tempo não é a melhor solução.
— Eu discordo. O Arthur não pode chegar e pressionar. Pelo que
vocês contaram ela construiu a sua família, forçar uma relação apenas
afastará a criança do Arthur.
— Claro que pode! — Juan discorda — Qualquer juiz daria a guarda
a ele, nessas circunstâncias. Arthur é o pai, é rico, não preciso enumerar os
demais motivos.
— Eu me recuso a acreditar no que ouvi! Quando você virou esse
capitalista? — Ela questiona o marido.
— Vocês não precisam brigar por isso! — Tento intermediar. — É
um problema meu, resolverei da melhor forma.
— Não Arthur, o problema passa a ser nosso — Pâmela rebate —
Quando meu marido se posiciona de uma forma capitalista
— Estou sendo prático, amor.
— Você faria isso comigo Juan? Seria prático quando lhe conviesse?
— Sério Pâmela? — Ele rebate irritado — Você está levando para o
pessoal. Você não é a Olívia!
— Mas sou mãe! E como mãe posso imaginar como ela deve estar se
sentindo. Como você reagiria se soubesse que seus filhos podem ir para outra
família só por que eles têm mais dinheiro?
Pâmela tinha razão, Olívia deveria estar com medo que eu afastasse a
criança dela. Eu seria incapaz de fazer isso.
— Você está sendo emocional, Pâmela. Em termos racionais o
dinheiro do Arthur propiciaria uma vida melhor a essa criança, pense na
educação de qualidade, as viagens nas férias, os brinquedos modernos.
— Dinheiro não compra amor e isso a família de Olívia tem de
sombra!
— Amor...
— Pâmela tem razão! — Concordo.
— Ambos falam isso por que hoje possuem uma boa vida, parece que
esqueceram de onde vieram, da vida difícil de anos atrás.
— Você que esqueceu — aponta para o marido — esqueceu de que
não é o dinheiro o alicerce de um relacionamento.
— De qualquer forma, o resultado do exame do DNA sairá em alguns
dias e caberá ao Arthur tomar a melhor decisão.
— Do que você está falando? — Pergunto surpreso — Olívia se
antecipou?
— Eu colhi o material genético do menino, foi simples eu disse que
estava analisando os melhores jogadores, bastou apenas coletar a saliva
dele....
— Você fez o que? — Pâmela grita.
— Eu apenas antecipei as coisas. Por que o espanto?
— Você não podia ter feito isso! — Rosno — Não era assim que eu
pretendia resolver a situação. Olívia ficará ainda mais irritada.
— Ela ficará de qualquer forma...
— Você não tinha esse direito! Você não pode decidir a minha vida,
sem me consultar.
— Você não teria coragem de confrontá-la. — Juan rebate.
— E você se acha no direito de fazer isso? Eu não recordo de ter
assinado um maldito papel que te autorize resolver meus problemas pessoais.
— Vocês estão brigando? — Minha afilhada aparece repentinamente.
— Não, meu amor. — Juan responde.
— Cadê seu irmão? — Pâmela pergunta — Vão se atrasar para a aula.
— Eu! — Ele surge na sala.
— Vamos, dê tchau ao dindo e ao papai! — Os meninos obedecem.
— Você vem com a gente padrinho? — Diego pergunta — Meus
amigos vão morrer de inveja quando eu chegar ao lado do máquina mortífera.
— Fica para uma próxima. Vou ficar e tentar falar com o Dj, vamos
ver se meu nome ainda abre portas — Sorrio.
— Já disse que te amo, dindo? — Dafne aproxima-se e beija meu
rosto.
— Já, mas pode dizer muitas outras vezes — Boa aula.
— Tchau, amor.
— Tchau. — Ela responde secamente ao marido.
— Juan eu quero que ligue em cancele a amostra do exame. —
Informo quando ficamos a sós.
— Isso é loucura Arthur!
— Não importa, eu não sou esse tipo de homem que age escondido.
— Você pode solicitar outro legalmente, o resultado desse apenas
sanará as suas dúvidas.
— Isso sou eu quem decido — sou firme ao falar — Quando eu dividi
com você a minha descoberta, eu fiz isso como amigo. Você é o cara que
esteve ao meu lado todos esses anos, você viu como eu sofri com o
rompimento. Eu sei que você agiu na boa fé, mas não é o certo.
— O que não é certo é você ficar longe do seu filho... Sou pai, não
iria querer que meu filho ficasse afastado de mim. O menino precisa do pai
de verdade.
— Você tem razão. Vou procurar a Olívia e explicar o que aconteceu.
— Quanto antes resolvermos esse problema, melhor. Ainda tem o fato
que o garoto parece ter o seu gene, ele tem um potencial para ser um bom
jogador, não podemos deixar que alguém mal-intencionado aproveite e faça a
família assinar um contrato meia boca.
A sensação de incomodo do início da nossa conversa retornou com
força total.
— A Pâmela é melhor nessas coisas que eu, mas agora pensando...
podemos fazer um ensaio de fotos dos dois. — Ele fala animado e a sensação
amplia — Ação de marketing com o clube. Vou consultar se a escolinha que
ele frequenta tem algum contrato, podemos transferi-lo para a escola do
Botafogo.
— Quando você se tornou esse homem?
— Não estou entendendo o seu tom, Arthur.
— Sério, quando você deixou de ver as pessoas como pessoas e
passou a vê-las como números ou melhor, como cifras?
— Do que você está falando?
— De tudo Juan. O meu retorno ao Brasil foi puramente financeiro,
eu não queria jogar no Botafogo e você sabia disso, mas ainda assim você me
convenceu que era o melhor a ser feito.
— Você está reclamando do salário maior?
— Se eu não tivesse o salário maior a sua comissão seria menor.
Ambos sabemos que essa é a verdade. Nos últimos anos eu virei a sua
marionete, você decide os contratos somente pelo dinheiro.
— Esse é o meu papel como seu empresário.
— E o papel de amigo, quando ele ficou de lado?
— Eu não estive ao seu lado? Não estive ao seu lado quando você
desmoronava dias após dias? Você esquece que quando jogou a sua carreira
para o ralo você levou a nossa junto? Eu e a minha família permanecemos ao
seu lado. Largamos a nossa vida na Europa para te dar o apoio que você
precisava.
— Esse é o ponto. O quanto você fez isso por nossa amizade ou
quanto você fez isso por que era o meu salário que sustentava vocês?
— Eu demorei muito tempo para aprender a separar o pessoal do
profissional. Todavia, hoje sei alternar para os dois lados perfeitamente. Eu
fui seu amigo quando atravessei o oceano atrás da Olívia, busquei
incansavelmente por qualquer indicio dela. Fui seu amigo quando o mundo
parecia querer destruí-lo eu mantive a frieza e agi racionalmente, abrindo
mão do meu percentual nas vendas, apenas para não perder a oportunidade de
ver você voltar a um time grande. Quinze por cento ao invés de quarenta por
cento contratuais. Esse é o valor que o Chelsea me pagou com a sua venda.
— Eu não sabia disso. — A notícia me pega de surpresa — Eu teria
negado!
— Eu não pretendia revelar, eu sou muito grato por tudo que você fez
por mim Arthur. Reconheço que foi graças a você que meus filhos estudam
em uma escola de qualidade, eles não precisarão passar fome como eu passei,
se hoje eu posso proporcionar a eles uma boa vida é por você. — Juan está
visivelmente emocionado e isso é algo que não é dele, ele é um homem mais
frio — E foi pensando exclusivamente neles que fiz tudo o que eu fiz.
— O que você está falando?
— Eu fui o responsável pelas fotos da sua despedida de solteiro. Eu
mesma as fotografei e enviei para a mídia de forma anônima.
— Que tipo de brincadeira é essa?
— Não é uma brincadeira, infelizmente. Quando a Laila me ligou
dizendo que estava grávida, eu acreditei nela. Pedi para ela esperar, tentei
ganhar tempo com a situação, mas aquela maluca jogou nas redes sociais.
Você não lembrava de nada.
Permaneço em silêncio, pois sou incapaz de processar qualquer
palavra coerentemente. Se tudo que ele estiver falando for verdade, Olívia se
afastou de mim por uma mentira. As coisas poderiam ter sido diferentes.
— Logo depois surgiram as primeiras notícias que Olívia estava te
traindo com o pai da aluna, pedi que alguns amigos do Brasil apurassem as
notícias, e tudo indicava que a sua noiva estava envolvida com outro homem.
Quando as primeiras fotos vazaram confirmaram as suspeitas. Um e-mail
depois e as suas fotos com a Laila estavam publicadas pelo maior site de
fofoca inglês.
— Como você pôde fazer isso comigo? Você destruiu a minha vida,
porra! — Grito.
— Eu sei... Por isso, agi sem a sua autorização e dei entrada no DNA,
estou tentando compensar...
— Você acha mesmo que uma atitude boa compensará toda a merda
que você trouxe para a minha vida? — ando de um lado para o outro da sala
— Eu estou pensando em todos os motivos pelos quais eu não arrebento a sua
cara nesse momento.
— Eu sinto muito.
— Você agiu como um filho da puta! — Esbravejo — Você é um
manipulador, manipulou os fatos para te favorecer. Como você conseguiu
deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente todos os dias?
— Quem disse que faço isso? Não houve um único dia que eu não
pensei nas consequências dos meus atos. Descobrir a existência do Manoel,
amplificou a culpa que carrego.
— A Pâmela sabe? — Questiono e ele nega com a cabeça.
— Eu não posso dizer para a mulher que amo que sacaneei o meu
melhor amigo de uma forma covarde.
— Não se preocupe, eu faço questão de ser o portador da notícia —
ironizo — Quero ter esse gostinho de destruir a sua vida...
— Arthur... Por favor.
— Por favor? Você tem mesmo coragem de me pedir algum favor?
Você deveria ter vergonha de me dirigir a palavra.
— Pelos meus filhos, deixe que eu converse com ela.
— Ok, você tem até a noite para contar.
— Obrigado.
— Não agradeça, em troca eu quero que você anuncie por meio de
uma nota que a partir da data de hoje nosso vínculo está encerrado. Meus
advogados entrarão em contato para acertamos a questão burocrática. —
Caminho até a porta, mas paro com a mão na maçaneta — Não se aproxime
da Olívia, muito menos do Manoel, se eu descobrir que você fez qualquer
uma dessas coisas, eu passarei por cima de você feito um trator, não pague
para ver do que eu sou capaz.
— Eu realmente sinto muito.
— Mantenha-se longe de todos nós! — É o meu último aviso.
E scuto o telefone
fixo tocar, mais
uma vez, mas não corro para atendê-lo deve ser a empresa de internet
oferecendo um novo plano. Continuo o preparo do jantar, hoje farei o prato
favorito do Renato, panqueca com recheio de carne.
— Mãe, o telefone está tocando! — Manoel grita da sala.
— Atende para a mamãe, filho!
— É uma mulher do outro lado. — Ele me entrega o aparelho sem fio.
— Olívia é você? — Não reconheço o tom de voz feminino.
— Sim, quem é?
— Sou eu, a Pâmela!
— Como você conseguiu esse número? Não temos nada para falar...
— Eu estou desesperada, não tenho amigas no Brasil — O soluço
escapa da sua garganta — Só me escuta, por favor! — Ela implora.
— Ok, o que aconteceu? — Desligo o fogo e sento no banquinho da
cozinha americana.
— Eu descobri que o homem que eu amo mentiu para mim, o homem
que eu dividi a minha vida, tinha segredos comigo — As palavras saem
entrecortadas pelo choro, além de ela não seguir um fluxo coerente de
pensamento. — Ele traiu o Arthur, traiu a amizade do seu melhor amigo, um
cara que fez tudo por ele.
— Tenho certeza que vocês vão superar isso juntos. — Falo o que ela
precisa ouvir, não quero me envolver com nada referente a eles.
— Eu não tenho tanta certeza disso. — Ela chora copiosamente —
Estou com asco dele! Ele não se parece em nada com o homem por quem me
apaixonei e isso está me dilacerando. — Permaneço em silêncio, Pâmela
precisa desabafar apenas — Ele foi o responsável das fotos com a Laila, o
meu marido é um canalha!
— Que fotos? — A menção ao nome da Laila atiça a minha
curiosidade.
— A da despedida de solteiro do Arthur!
— As fotos foram tiradas pelo Juan?
— Mais do que isso, elas chegaram até a imprensa pelas mãos dele.
Se eu não estivesse sentada teria desabado no chão, sou pega de
surpresa pela informação. Juan é mais do que o empresário do Arthur é o seu
melhor amigo. Porque ele agiria dessa forma?
— Isso é surreal. Ele não faria isso com o amigo...
— Ele fez, Olívia. É por tudo isso que estou sem chão!
— Mãe, estamos com fome! Quando vamos voltar para casa? —
Escuto vozes distante.
— Vamos passar a noite aqui — ela informa — Liguem para o
serviço de quarto e peçam o jantar.
— Eu quero o papai! — O filho pede do outro lado da linha.
— Diego, a mamãe está sofrendo vamos ficar apenas ao lado dela. —
Escuto a voz da sua filha.
— Apenas me abracem! — Ela funga — Vocês são os meus bens
mais importantes dessa vida.
Escuto a interação dela e dos filhos e não consigo não ficar
indiferente. A empatia que sinto por ela nesse momento é de uma mulher que
já foi enganada e de mãe. Tudo que ela precisa é do amor dos filhos. Eles
serão um balsamo nesse momento conturbado. Assim, como Manoel foi para
mim.
— Olívia, você ainda está aí?
— Sim...
— Muito obrigada por me ouvir, desculpa ter despejado todas essas
informações em você. Mas, eu realmente não tinha com que contar.
— Não foi nada...
— Claro que foi, por isso agradeço por ainda assim ter me atendido.
Eu queria dizer que sempre gostei de você e continuo desejando o melhor
para você. Saiba que pode contar comigo para o que precisar.
— Obrigada. — Ficamos em silêncio por alguns segundos — Pâmela,
onde você está hospedada? Talvez a gente possa conversar pessoalmente.
Ela avisa e gravo na memória.
Seja a empatia pela situação da Pâmela ou a curiosidade para mais
detalhes da armação do Juan. Eu estava decidida a procura-la de uma vez por
todas e resolver essa parte do meu passado.
Não ganhar faz parte do jogo, por mais que todos queiram ser
campeões. Aprendi na marra, que a derrota também é uma boa professora. O
Botafogo perdeu de 2x1 e acabou com o amargo segundo lugar no
brasileirão, mas agora é bola para frente, descansar e pensar nos outros
campeonatos. Eu adoraria ter ido para casa ontem, assim que o jogo acabou,
mas nosso voo era somente hoje.
E ainda teria que fazer a social quando minha maior vontade era ficar
a sós com a minha mulher. Estava tudo combinado para o civil do meu
cunhado Carlos, que aconteceria no almoço de hoje, por isso assim que eu
desembarcasse tinha ordens diretas de passar na loja em que havia provado
um terno branco, na semana passada, e já saí de lá pronto para a festa. Eu e
Olívia seremos padrinhos.
E assim eu o fiz. Quando desembarquei Pâmela estava me esperando
para me dar uma carona.
— Que demora... Achei que não ia chegar nunca! — ela reclama.
— Uau, que gata, Pam! Isso tudo é só para o casamento do Carlos
mesmo? — perturbo. Ela está usando um vestido longo azul claro, com duas
fendas enormes que mostram as pernas quando ela anda.
— Cala a boca, Arthur...
— Eu só fiz um elogio — levanto as mãos enquanto ela dirige. — Sei
bem para quem você se arrumou toda assim... Não sabia que ele ia.
— Você não sabe de nada — ela dá uma risadinha que me deixa
tenso. — Anda logo e fica bem bonito.
— Eu não me esforço muito para isso... — sorrio ao descer em frente
a loja.
— Convencido — ela grita ao sair para estacionar.
A garota chega até mim e eu a abraço forte. Laura beija o meu rosto e
sorri:
— Ela tá linda, tio.
Assim que suas palavras me atingem, ergo o olhar e quase entro em
choque com a visão mais maravilhosa do mundo: minha mulher e meu filho
de mãos dadas. Olívia está usando um vestido branco, com alças finas, como
cordões de chuteira. Na parte de cima, do decote em V que ressalta os seios
que tanto amo, até a cintura ele é rendado e o restante é liso e solto, mas não
esvoaçante. É sóbrio, elegante e sexy sem ser vulgar, exatamente como ela.
Os cabelos estão soltos e caem em cascatas claras e onduladas, há uma coroa
de flores em sua cabeça e um buquê com as mesmas flores na mão esquerda.
A mão direita dela segura o maior presente que poderia me dar:
Manoel. Nosso filho está usando terno branco, igual ao meu, com uma flor na
lapela. É uma cópia mirim de mim e o sorriso de orgulho que ostenta faz
minha emoção romper e eu choro. As lágrimas não conseguem turvar a
experiência que é tê-los andando ao meu encontro. Olívia canta, em inglês, e
junto com todo o resto atinge em cheio o meu coração:
Some people want it all
But I don't want nothing at all
If it ain't you, baby
If I ain't got you, baby
Some people want diamond rings
Some just want everything
But everything means nothing
If I ain't got you, yeah
Quem diz o contrário é hipócrita. Quando se nasce com dinheiro, então? Ele é
muito, muito, muito importante. Eu nasci com dinheiro. Meu pai era
empresário, dono do maior Home Center do Rio de Janeiro, com mais de
60.000 itens para casa e construção. As mansões da cidade foram construídas
com nossos materiais. E a nossa própria casa era deslumbrante.
Nunca soube bem o que queria fazer da vida, convenhamos que
quando temos tudo que queremos as coisas passam a valer bem menos, por
isso quando me matriculei no cursinho de inglês, na adolescência, foi apenas
para agradar minha mãe. Foi lá que conheci a Pâmela, e por consequência, o
Juan e o Arthur.
O Arthur era bonito, apesar de um pouco magro, os olhos chamavam
muita atenção. O tempo passou e a Pâmela começou a ficar com o Juan, logo
eu deixei claro para o Arthur que poderíamos dar uns “pegas” também.
Confesso que, na época, nossa sintonia não bateu e não passamos de um
amasso mal dado na porta do curso.
Os anos passaram, eu descobri o prazer e o Arthur também. Ante de
sair do país para jogar em Portugal, nós tivemos a nossa primeira noite. Foi
bem interessante. A Pâmela engravidou do Juan e os dois se casaram, já o
Arthur, virou o “Máquina Mortífera”.
Vê-lo na TV me deixava em êxtase.
Graças a internet, passei a ter um trabalho. Na verdade, exibir coisas
eu sempre gostei de fazer, mas agora eu passei a receber por isso.
Compartilhei viagens, roupas, bebidas, festas e as pessoas passaram a me
seguir por isso. Acabei de tornando uma Influenciadora digital. Ótimo! Meus
pais passaram a me deixar em paz já que a conta do cartão de crédito
diminuiu um pouco.
E o Arthur? Bem, ser fotografada com ele sempre me rendia
visibilidade. Passamos a ser parceiros de foda, todas as vezes que ele vinha
para o Brasil. E em algumas vezes quando eu ia para o exterior.
Eu me apaixonei por ele. Mas não ousei me declarar, tinha medo que
ele fugisse e acabasse com tudo o que tínhamos. Certa vez, quando ele já
estava em Londres, depois de nadarmos nu em sua piscina aquecida,
transamos loucamente no chão. Eu quis gritar tudo que estava entalado na
minha garganta. Quis expressar meus sentimentos e propor que tentássemos
ficar juntos, mas, ainda com a respiração ofegante, ele disse que da próxima
vez chamaríamos mais gente para a festinha.
Eu quis chorar, mas sorri e concordei. Era a única maneira de mostrar
que eu topava qualquer coisa. Com o tempo, ele enxergaria que eu era a
mulher certa para ele.
Isso não aconteceu. Inicialmente, porque eu não tinha o apoio de
Mirtes. A mulher tinha escolhido uma vizinha rica, Lourdinha, para ser a nora
dos sonhos e ano após anos insistia em jantares com a família da garota e o
Arthur. Depois dos jantares, ele me fodia e reclamava da mãe. E logo depois,
quando a garota mostrou que não tinha o menor interesse, surgiu a insossa da
Olívia.
É triste perceber que você é um jogador reserva.
Substituível.
Jogada para escanteio. Foi assim que me senti quando o Arthur
passou a não me convidar para sair, quando veio ao Brasil. Depois, ele
passou dispensar os meus convites. Foi então que percebi que as regras
estavam mudando e o que Fair Play (jogo justo) não valia mais nada.
Seria tudo ou nada e o primeiro passo era parar de tomar
anticoncepcional.
Ter a Mirtes como aliada foi um grande ganho, a mulher estava certa
de que a namorada do filho queria dar o golpe do baú, por isso quando Arthur
a chamou em Londres ela me levou junto. O pedido de casamento foi um
golpe e tanto no meu coração, e no meu ego também. Eu estava perdendo o
jogo, mas quando Olívia e família voltaram para o Brasil, eu e Mirtes
continuamos em Londres e foi a minha vez de jogar.
Lembro como se fosse hoje, estávamos tomando café da manhã.
— Bom dia! — Arthur chega todo animado.
— Bom dia, amor — Mirtes responde e recebe um beijo do filho. Eu
também queria um beijo, mas ele mal me olha ao sentar na mesa.
— Bom dia, que animação, hein? — puxo assunto.
— Estou feliz, não vejo a hora desses dias voarem para finalmente ter
a minha esposa de vez.
— Meu filho, você não acha que está um pouco precipitado? Vocês
mal se conhecem...
— Mãe, eu a amo e ela me ama, não há razões para não ficarmos
juntos.
— Estou surpresa com você, Arthur, não achei que fosse tão
romântico — digo, com um nó na garganta.
— O amor nos muda, Laila — assinto em concordância — preciso ir,
amanhã é a final e hoje temos treino tático e entramos em concentração.
— Bom jogo, meu amor — Mirtes se despede e o Arthur se vai. —
Você não vai fazer nada? A golpista está ganhando, está na cara que você
gosta dele.
— Não sei bem o que fazer, já apareci nua na frente dele e nada...
Desculpe, é o seu filho. Uma despedida de solteiro, talvez?
— É provável que os amigos façam. Mas teria que ser enquanto
estamos aqui e aí você faz ele entender de uma vez por todas que ela não tem
nada de especial, além dos olhos brilhando pela conta bancária dele. Meu
filho é um tolo.
Assinto. Mal sabe ela que eu também estou de olho na conta bancária
dele.
Não sei como ela conseguiu tão rápido, mas a despedida está
acontecendo. O Chelsea ganhou o campeonato e os jogadores, amigos do
Arthur, armaram uma festa de comemoração como pretexto para a
despedida. É uma festinha daquelas privê, típicas de jogadores ricos:
mulheres, bebiba, música, sexo e muita ostentação.
Chego um pouco mais tarde, a festa está rolando há algumas horas, e
noto que a maioria já está bem animada. Há muita gente se agarrando pelos
cantos, mas a grande maioria está na pista dançando. Avisto o Arthur junto
do Juan, no bar, há um copo de Whisky quase vazio na mão de ambos. Eles
conversam e riem, é notável que estão felizes.
Aproximo-me do balcão e cumprimento o Juan com um beijo, faço o
mesmo com Arthur, mas faço questão de me demorar com meus lábios em
sua bochecha.
— Parabéns pelo título, campeão — digo, ao me afastar.
— Obrigado — ele responde rindo alto.
— Vamos dançar para comemorar? — peço, mas ele finge não ouvir.
Entro na conversa dos dois e rimos de coisas da nossa adolescência,
noto que o Juan enche os copos com frequência, tanto o de Arthur quanto o
dele. Me pergunto quanto Mirtes pagou para convencê-lo a me ajudar ou
será que ele quer apenas ajudar o amigo a se livrar da golpista?
Algumas horas se passam e eu refaço o convite para a dança, mas
dessa vez com gestos. Arrasto o Arthur para a pista e sorrio quando ele se
deixa levar. Por mais alterado que ele esteja, ainda se comporta, por isso
levo suas mãos até minha cintura e me aproximo para dançarmos mais
juntos.
Vejo o Juan sacar o celular e sei que essa é a minha única chance.
Danço fazendo com que as mãos dele percorram meu corpo e
repousem em minha bunda e já me sinto esquentar de saudades daquele
corpo no meu. Viro-me de costas para ele e me esfrego, quando viro de
frente, tomo sua boca em um beijo. Mas ele não corresponde.
— Já chega... Você, eu, não... — ele balbucia tentando me afastar.
— Desculpe, achei que você queria — tento justificar — vamos
sentar?
Ele assente e cambaleia até uma poltrona, finjo cambalear também e
me deixo cair em seu colo. Cavalheiro, mesmo bêbado, Arthur segura em
minha cintura para que eu não caia. Levanto em seguida, me desculpando.
— Melhor irmos embora, bebemos demais — chamo-o e ele
concorda.
Saímos da festa abraçados, eu apoiando o corpo cambaleante dele.
É claro que nada deu certo e hoje, mais de cinco anos depois, meu
filho é a prova das minhas escolhas erradas. Acreditei que o Arthur não fosse
pedir exame de DNA em nome de nossa amizade e dos anos em que
transamos, mas isso não aconteceu. Consegui segurar até o bebê nascer, mas
assim que o resultado saiu ele nunca mais olhou na minha cara.
Nunca contei para o motorista que o filho era dele. Depois que o
Arthur caiu em decadência, ele demitiu todos os empregados e eu nunca quis
saber onde o cara foi parar. Para o meu filho eu contei que o pai morreu
quando eu ainda estava grávida.
Atualmente meu pai trabalhava de vendedor em um material de
construções, minha mãe era dona de casa e meu irmão foi morto por um
traficante que não perdoou a dívida.
Eu trabalho em uma loja, vendendo materiais esportivos, em um
shopping doo Rio de Janeiro. Estou lembrando disso tudo porque, com a
volta do Arthur ao país, e sua estreia no Botafogo, todos os dias tenho que
vender diversas camisas com o número 10, do Máquina Mortífera.
Estou no meu horário de almoço, indo em direção ao fastfood que
sempre como, quando avisto Pâmela sentada em uma das mesas da praça de
alimentação. Viro o rosto rapidamente para o outro lado e sigo em direção
aos banheiros, mas assim que entro e me tranco na cabine, ouço sua voz.
— Laila? Laila, é você mesmo? Não adianta se esconder que eu te vi
— abro a porta da cabine e ela sorri — quanto tempo, como está?
Ela me trata como se os anos não tivessem passado. Como se eu
nunca tivesse mentido e acabado com a vida do cara para o qual ela
trabalhava.
— Vamos comer? Preciso conversar com alguém — assinto e
seguimos para a praça de alimentação.