Jesus Cristo é o centro da fé cristã. Cristologia é a reflexão dogmática da Igreja a
respeito da pessoa de Cristo, a partir da afirmação fundante de que Jesus de Nazaré é o Cristo, Messias, Filho de Deus e Senhor, sendo esta assertiva, o ponto central da Teologia cristã. Dito isto, podemos afirmar que Cristologia é o entendimento de Jesus de Nazaré como o Cristo de Deus a partir do ponto de vista da fé da Igreja cristã. Assim, "Cristo" não o sobrenome de Jesus e sim um título. Este título manifesta a identidade de Jesus de Nazaré, de acordo com o testemunho apostólico neotestamentário. Como é descrito no Evangelho de Marcos (8: 27- 29), a polêmica sobre a identidade de Jesus já era presente enquanto ele viveu entre nós. O texto em questão, relata que Jesus questiona seus discípulos: "Quem dizem os homens que sou eu?" Eles responderam que não existia um entendimento uniforme a respeito dele. Algumas pessoas diziam que ele era João Batista, outras que era Elias, outras ainda diziam que ele era um dos profetas. Em seguida, questionando-os novamente, Jesus perguntou: "Mas vós, quem dizeis que eu sou?" Foi a oportunidade para Pedro fazer uma das mais belas confissões de fé já realizadas. Ele lhe disse: "Tú és o Cristo." Já outros contemporâneos de Jesus achavam uma coisa completamente distinta sobre quem ele realmente era. Afirmavam que ele era o Filho de Satanás! Veremos neste trabalho inúmeros retratos de Jesus e inúmeras respostas para a questão feita a Pedro há mais de 2.000 anos. Porém que nunca percamos de vista que o retrato autêntico do Cristo vivo é dado na Bíblia; tudo o mais é, na melhor das hipóteses, alguma espécie de reprodução. Assim, sempre teremos a necessidade de refletir profundamente sobre as variadas interpretações cristológicas que retratam Jesus, o Cristo. No entanto, é de grande importância que entendamos que este retrato não é como um único instantâneo. É, antes, como uma montagem de retratos esboçados por diversos artistas, de vários ângulos e em épocas e lugares diferentes. Por esta razão se fala nos dias atuais, de uma multiplicidade de cristologias no Novo Testamento. Não obstante, todas elas provêm do mais antigo testemunho dos apóstolos acerca de Jesus de Nazaré, de sua vida e seus ensinamentos, e especialmente de seu sofrimento, sua morte e ressurreição.
1. A DIVERSIDADE E UNIDADE DA CRISTOLOGIA
As diferentes apresentações da Cristologia bíblica são englobadas por uma unidade última, que pode ser considerada como o ponto de partida e o objetivo de toda reflexão sobre Jesus, o Cristo. A unicidade e a originalidade absoluta do evento Jesus Cristo e o significado universal eminente de Jesus Cristo para todos os homens de todos os tempos permanecem, para além de todas as diferenças, como centro de fé cristã e ao mesmo tempo de toda cristologia: "E Não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At. 4: 12). Esta afirmativa central de toda Cristologia, visa o caráter insuperável de um nome único, e conseqüentemente de uma pessoa única, manifestamente, só pode ser verificada de uma forma concreta sempre nova. Com a vinda de novos graus de compreensão, novos horizontes e novos contextos, e ocorrendo situações históricas novas, este significado universal é expresso cada vez de um modo novo e diferente! Assim, percebe-se na Cristologia neotestamentária, um aprofundamento da Cristologia primitiva da exaltação (cf. At 2: 32-36: depois da sua ressurreição, Jesus é exaltado e constituído Senhor e Messias); passando pela Cristologia de dois graus de existência (cf. Rm. 1: 3- 4: modo de ser terrestre X modo de ser celeste); chegando-se à representação desenvolvida da preexistência celeste, da maneira de ser terrestre e da glorificação de Jesus Cristo (cf. Fl. 2: 5-11). Nos Evangelhos esta situação também se confirma. O evangelho de João acentua o Cristo da encarnação sob a representação dominante de uma "Cristologia construída de cima" (cf. Jo. 1: 1-18), ao passo que o anúncio de Jesus feito pelos evangelhos sinóticos considera retrospectivamente o Jesus terrestre, com uma cristologia construída de baixo para cima. E mais, ainda que nos sinóticos haja este ponto comum, vemos que a imagem do Cristo em Marcos, em Mateus e em Lucas mostra traços marcadamente diferentes, além de traços que caracterizam as comunidades que os evangelistas representam. Quanto aos títulos cristológicos de soberania, com freqüência mencionados no Novo Testamento (p. ex.: Filho do homem, Messias, Cristo, Senhor, Filho de Deus, Salvador), também eles merecem atenção: são tentativas distintas de explicar o significado universal de Jesus de Nazaré em diferentes horizontes de compreensão. Eles mostram que todos esses atributos só adquirem o seu verdadeiro significado a partir do seu sujeito, "Jesus"; em cada caso. Não é o título que aclara e limita o lugar de Jesus, mas é a figura de Cristo que caracteriza e ultrapassa os citados atributos! Com clareza ainda maior, as epístolas do Novo Testamento atestam a diversidade da Cristologia bíblica. Ao lado do caráter eclesiológico nitidamente marcado e concretizado (p. ex.: Efésios, Colossenses), elas desenvolvem o significado de Cristo para o culto e o sacrifício (Hebreus: Cristo, o Sumo Sacerdote, que ultrapassa o Antigo Testamento e os seus sacrifícios). Ao mesmo tempo, as epístolas contêm as primeiras tentativas de fazer de Cristo a chave da compreensão do mundo inteiro, tendo portanto os germes de um desdobramento de uma Cristologia cósmica e cosmológica (Cl. 1: 15-20; Hb. 1: 2-4; Ef 1: 10: Cristo como "recapitulação" e consumação que eleva o universo, idéia defendida por Irineu já no II século). Esta descrição sucinta da diversidade e da mobilidade impressionantes da Cristologia neotestamentária revela muito claramente que a confissão de fé em Cristo só pode conservar a sua identidade e a sua verdade em uma mudança constante. A unidade e a simplicidade do dogma cristológico reclamam, para a manifestação da sua verdade, uma multiplicidade e uma diversidade de Cristologias que traduzam em palavras, a única confissão na fragmentação e na concretude da história. Fica assim mantida, dentro da Cristologia, a unidade da fé, graças ao fato de que, apesar de toda a diversidade, a confissão fundamental "Jesus é Senhor" (1ª Cor. 12: 3; Rm. 10: 9; Fl. 2: 11) permanece e tem que permanecer determinante para todas as cristologias.